Influência Da Tradição Religiosa Na Fundamentação Dos Direitos Humanos
Influência Da Tradição Religiosa Na Fundamentação Dos Direitos Humanos
Influência Da Tradição Religiosa Na Fundamentação Dos Direitos Humanos
religiosa na fundamentação
dos direitos humanos
porém, é que o termo sacralização não deve ser concebido como se tivesse um significado
exclusivamente religioso. Os conteúdos seculares também podem assumir as qualidades
características da sacralidade, ou seja, “evidência subjetiva” e “intensidade afetiva”.
O pensamento central da obra de Joas institui um ponto de vista, em certa medida
desconsiderado pelos estudos relativos à formação e consolidação dos direitos humanos na
história do ocidente, a ideia de que estes se constituíram a partir precisamente da história
da sacralização da pessoa. O desafio de Joas é sustentar que a “sacralização” e a “genealogia
afirmativa” ocorreram por meio de processos nos quais muitas vezes a adesão aos direitos
humanos não surgiu de ponderações racionais.
O aspecto sociológico-histórico inicia-se no primeiro capítulo no qual o autor en-
foca a gênese da primeira declaração dos direitos humanos no final do século XVIII. Joas
coloca à prova a visão convencional das origens da declaração como resultado exclusivo da
força das ideias iluministas. Analisa-se também a tese de Weber de que os direitos humanos
constituem uma “carismatização” da razão.
As análises relativas à gênese da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
do século XVIII, são seguidas de uma fundamentação que diverge, em vários sentidos, de
uma visão de afirmação iluminista e também da narrativa foulcaultiana. Joas lança mão
de uma análise histórica do processo de eliminação e marginalização da tortura na Europa
do século XVIII como fator de influência na sacralização da ideia de indivíduo humano.
No terceiro capítulo Joas estabelece uma contundente relação entre a importância
das experiências de violência para a preservação e a difusão dos direitos humanos. O argu-
mento, a partir do qual se afirma que o entusiasmo e adesão das pessoas em relação a va-
lores se dão por uma característica de sensibilização “afetiva”, encontra, a meu ver, no caso
analisado, forte comprovação histórica. O objeto de análise do terceiro capítulo é o movi-
mento antiescravista como modelo de mobilização moral. Segundo Joas não há como não
perceber o caráter religioso do movimento. Os movimentos abolicionistas da Grã-Bretanha
e dos EUA foram carregados principalmente por atores que finalmente queriam levar a sé-
rio exigências morais que já estavam embutidas no cristianismo. A escravidão, afirma Joas,
foi declarada como pecado; sendo assim a resistência abolicionista era vista como um sinal
de que realmente havia a intenção de viver de acordo com as exigências morais de Cristo.
A autorreflexão metodológica, que segue estes capítulos de cunho histórico-socio-
lógicos, nos remete ao conceito de “genealogia afirmativa”. Para a fundamentação desta
perspectiva de análise, afirma Joas, é importante um estudo de elementos básicos da tradi-
ção cristã que estariam diretamente relacionados com a sustentação dos direitos humanos.
O primeiro destes elementos seria a concepção de alma imortal de cada ser humano como
núcleo sagrado de cada pessoa. O segundo elemento seria a concepção de vida do indivíduo
como dom, do qual resultam deveres que limitam o direito de autodeterminação de nossa
vida. Joas desenvolve uma complexa e contundente reflexão sobre a possibilidade de se con-
ferir uma nova plausibilidade a esses dois elementos da perspectiva cristã do ser humano,
relacionando-os aos direitos humanos no pensamento atual.
Joas afirma, a título de conclusão, que – assim como a história e afirmação dos valo-
res cristãos está diretamente relacionada com a formação dos direitos humanos no ocidente
e que representaram novas articulações e adaptações de fundamentos da teologia cristã
– outras tradições religiosas que possuem elementos de sacralização do ser humano como
base de suas crenças encontrariam, sob novas condições, um elo entre a afirmação dos di-
reitos humanos e a visão religiosa com relação ao indivíduo.
O tema da generalização dos valores, de cunho mais filosófico, é abordado no ca-
pítulo final como uma transposição da teoria sociológica da transformação social para o
campo da axiologia. Por fim, o processo de gênese da declaração dos direitos humanos
da ONU de 1948 é examinado como exemplo bem sucedido de generalização dos direitos
humanos.
De extrema relevância – por seu conteúdo filosófico, histórico e sociológico – a obra
de Joas figura como um dos mais profundos e abrangentes estudos sobre a genealogia dos
direitos humanos na atualidade e nos surpreende por sustentar com extremo rigor con-
ceitual e metodológico uma relação que, de maneira geral, tem sido alvo de preconceitos e
equívocos por parte de determinadas teorias histórico-sociológicas, a saber: a relação entre
a ideia religiosa de sacralidade da pessoa e a consolidação dos direitos humanos.
Abril de 2015