Estética

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3.2.1.

A experiência e o juízo estéticos


A beleza parece ser um dos fenómenos humanos mais claramente conhecidos. (...) A
beleza é parte e parcela da experiência humana; é palpável e inconfundível.

Ernest Cassier, Ensaio Sobre o Homem, Guimarães Editores

Dissemos já quando abordámos a problemática dos valores que o homem não é


indiferente aos diversos objetos que o circundam. Pelo contrário, tende a reconhecê-los
ou como úteis, ou como agradáveis, ou como desagradáveis e casos há em que fica
verdadeiramente impressionado, isto é, em que fica perfeitamente arrebatado com dado
objecto natural, criação humana ou espetáculo a que assistiu (seja ele belo ou horrível).

A disciplina filosófica que se ocupa das questões relacionadas com a beleza ou o


belo é a Estética. O termo deriva do grego aisthésis e significa sensação e
sentimento e foi usado por Baumgarten como título de uma obra que tem por
objeto a análise e formação do gosto.

O conceito de sublime é, a par do de belo, um conceito fundamental da Estética.


Prende-se com a problemática da definição do belo e da existência (ou não) de
diferentes formas ou graus de beleza. Ele aparece como uma categoria, uma espécie
de grau máximo de manifestação do belo. Para Kant, o sublime "eleva a alma acima
do nível e do lugar-comum vulgar". Por vezes também se associa o belo com o
horrível - o belo horrível, que é suscitado por certos fenómenos da natureza, como
tempestades ou erupções vulcânicas.

De qualquer forma, hoje, a maioria dos autores continua a considerar o belo como
conceito central da Estética, quer se evidencie pelo prazer dos nossos sentidos, quer se
equacione como fruto da contemplação intelectual.

Para que se possa (tentar) definir o belo, a filosofia tem de começar por perguntar como
é que experienciamos a beleza, isto é, tem de analisar a experiência estética.

A experiência estética é uma das muitas dimensões que encontramos no ser


humano. Ela distingue-se de outro tipo de experiências humanas (religiosa, moral,
política, etc.) e traduz a constante necessidade que o ser humano tem de descobrir
o real, de se relacionar com  dele e de romper com a indiferença. O que é que a
distingue dos outros tipos de experiências?
A experiência estética - seus elementos, características e tipos

Como em qualquer experiência humana, na experiência estética existe sempre um


objeto a experienciar, um sujeito que experiencia e um contexto de experienciação.
Vejamos:

• o sujeito ou pessoa que experiencia: pode ser o leitor/espectador, o artista/autor, o


crítico;

• o objeto ou aquilo que provoca a experiência: a obra de arte (que pode ser pintura,
música, dança, escultura, etc) ou elemento da natureza (que pode ser um pôr-do-sol, um
vale, etc.);

• a relação entre sujeito e objeto: o efeito que a obra de arte provoca no sujeito
(emoções, sensações, ideias, imagens);

• o contexto (social, político, económico, cultural, etc.) em que se dá essa relação;

• o conjunto de significações existentes no espaço e tempo em que decorre e que fazem


parte de uma história e tradição culturais.

A diferença entre a experiência estética e os outros tipos de experiências humanas


reside, sobretudo, na relação que se estabelece entre sujeito e objecto. A
experiência estética surge sempre que o objeto é capaz de provocar a sensibilidade
do sujeito e desencadear nele sensações e sentimentos que o levam a redescobrir a
realidade. Esta relação resulta de forma diferente consoante o objeto e o sujeito
específicos de cada experiência estética. Neste sentido, podemos indicar três tipos de
relações sujeito/objecto, a saber:

• a relação espectador (sujeito)/natureza (objeto);

• a relação espectador (sujeito)/obra de arte (objeto);

• a relação artista (sujeito)/obra de arte a ser criada (objeto).

No primeiro caso, consideramos que o sujeito da experiência estética, em contacto com


qualquer objecto da natureza, vivência ou experimenta sensações de prazer, que o
prendem à contemplação.
No segundo caso, o espectador contempla a obra de arte (que pode ser uma pintura, uma
escultura, uma dança, etc.) e, ao interpretá-la, colabora na transfiguração da realidade.
Tal como o artista ao produzir a obra faz a sua interpretação da realidade (alterando-a
por intermédio da obra de arte), também o espectador, ao contemplar a obra, recria-a
(interpreta-a à sua maneira) e, por conseguinte, relê a realidade (transfigura-a, dá-lhe
outra figura).

Por último, o terceiro tipo de relação remete-nos para a experiência estética do artista
aquando da criação. Durante a criação da obra de arte, o artista experimenta diferentes
sensações. Porém, a sua relação com a obra é também reflexiva e de isolamento
(distanciamento relativamente ao que o rodeia) e não meramente contemplativa.

Em suma, a experiência estética consiste no estado de prazer (ou desprazer), de


agrado (ou desagrado) que a contemplação (da natureza e da obra de arte) e a
criação (da obra pelo artista) permitem. É pessoal e subjetiva, permitindo a
recriação e transfiguração da realidade; é contemplativa (mas não inativa) e
desinteressada no sentido de que não visa qualquer fim prático ou utilitário, mas
apenas a pura fruição.

0 juízo estético

As experiências estéticas manifestam-se mediante juízos de gosto ou estéticos. A obra


de Vivaldi é belíssima e Gosto da cor deste casaco - são exemplos de juízos de gosto ou
estéticos. Os juízos estéticos são juízos de valor e são a expressão de diferentes
sensações provocadas pela contemplação de um objecto estético ou pela vivência de
uma experiência estética, que pode ser comunicada, mas não transferida. Contudo, o
juízo estético não se refere unicamente ao belo, embora este constitua a categoria
estética fundamental. A apreciação estética que se traduz no juízo estético pode incidir
sobre outras categorias estéticas, como o sublime, o trágico,  o gracioso,  o cómico, o
grotesco,  o feio, o horrível, etc. Assim, temos de reconhecer que, face aos mesmos
objectos, diferentes sujeitos poderiam proferir juízos de gosto diferentes. Esta
possibilidade levanta constantemente um velho problema filosófico: É possível definir o
que é o belo? O belo é uma qualidade ou subjetiva?

Subjetivismo Estético
Kant tenta resolver o problema pela definição de juízo de gosto ou estético. Para este
filósofo, o juízo de gosto ou estético é subjectivo, porque o seu fundamento está no
sentimento do sujeito que frui e não no objecto ou nas suas características. Os juízos de
gosto são diferentes dos juízos de conhecimento, uma vez que não exprimem um
conhecimento com validade geral, antes exprimem uma reação o sujeito perante um
objecto estético e que pode não ser igual em todo o ser humano.

No entanto, a subjetividade desse sentimento (de gosto) não significa que a capacidade
de fruir (de gostar) não seja universal. A partir da distinção que Kant faz entre juízo de
gosto e agradável, podemos perceber melhor a definição kantiana de juízo estético.
Nem  todos os juízos que resultam da fruição de um objecto são juízos estético. Perante
o juízo "Gosto da cor deste casaco", pode depreender-se que o sujeito que o formula
manifesta apenas uma preferência pessoal e que esse sujeito não espera que todos os
sujeitos possíveis concordem com ele. O sujeito está apenas a dizer que a cor do casaco
lhe agrada, manifesta um sentimento individual e não espera que os outros sintam o
mesmo. Mas do juízo de gosto "A obra de Vivaldi é belíssima", pode depreender-se que
o sujeito espera que todos reconheçam a beleza da música de Vivaldi, a qual não se
reduz a algo meramente agradável para um indivíduo. Segundo Kant, não  existe uma
natureza egoísta no juízo estético. O sujeito não deseja fruir sozinho da sensação, antes,
espera que todos possam ter a mesma emoção estética perante a contemplação do
objecto estético. Esta exigência do sujeito (que existe em todo o ser humano) justifica a
universalidade do juízo estético, mas não o torna um juízo de conhecimento, dado que
não é possível  universalizar um sentimento, ainda que desinteressado, e construir a
partir dele conhecimento estético com validade geral.

Objetivismo Estético

Ao subjetivismo estético opõe-se o objetivismo estético, que é defendido, entre outros


autores, por Platão. Na sua doutrina principal, a teoria das Ideias, Platão defende que as
Ideias são objetos de conhecimento que, fazendo parte do mundo inteligível, permitem
avaliar as coisas do mundo sensível (o mundo de aparências, o mundo em que vivemos).
Nesse sentido, uma vez que participam das Ideias, as coisas, sendo belas, são-no porque
participam da Beleza-em-si.

A ascensão à Beleza-em-si faz parte do processo de libertação da alma relativamente ao


corpo, que é a sua prisão. Ora, a Beleza autêntica é eterna e divina, encontrando-se no
mundo inteligível. Além disso, só através do amor é que se pode aceder a ela, num
processo em que se ascende do amor de um só corpo belo ao amor de todos os corpos
belos, seguindo-se o amor das belas almas, das acções, da moral e depois o amor das
ciências. Por fim, passa-se à contemplação e à intuição da Beleza absoluta, o arquétipo
ou paradigma de todas as coisas belas. Ora, a ideia de Belo absoluto identifica-se com a
do Bem supremo e a da Verdade soberana, tendo a Beleza uma dimensão moral e
racional.

3.2.2. A criação artística e a obra de arte

Relembremos que a experiência estética da criação se distingue da experiência da


contemplação e centremos a nossa atenção na relação entre criação, criador e obra
criada.

A criação artística pode analisar-se sob dois aspectos: enquanto actividade criativa e
imaginativa do criador e enquanto trabalho prático ou técnico de produção da obra. A
obra de arte resulta da combinação destes dois momentos, ou seja, resulta da projecção
do artista e da sua materialização no objecto (na obra de arte). Por isso, obra de arte e
artista tornam-se conceitos indissociáveis. A obra carrega para sempre com ela alguma
coisa do artista e, por sua vez, o artista só é chamado criador mediante a obra criada.
Neste sentido, a criação artística evidencia-se como um diálogo entre criador e obra de
arte, como um processo original e único que rompe com a aparente tranquilidade
humana face ao mundo e à realidade.

Pela criação, o artista transfigura a realidade, cria um mundo novo (resultante da sua
interpretação) e coloca-o sobre a obra, permitindo que ela seja fruída por outros. A obra
de arte ganha, assim, alguma independência face ao criador e, de algum modo, é capaz
de o transcender (de o ultrapassar).

0 que é a obra de arte?

Ao longo dos tempos, diferentes correntes tentaram definir obra de arte. O termo arte
tem como etimologia ars, considerado como o equivalente grego techné, que designam a
técnica e a perícia, isto é, o conjunto de procedimentos que servem para produzir um
certo resultado. A arte que visa a criação artística e a procura do belo liberta-se do útil.
Considerada por alguns como imitação da Natureza, como procura de proporção por
outros, indefinível, pura arte desinteressada ou símbolo especificamente artístico, a obra
de arte sempre se revelou difícil de definir. A obra de arte resulta do encontro de três
elementos, eventualmente quatro: a realidade a representar; os meios técnicos; o artista
e o espectador. A dificuldade está em definir os critérios que permitam distinguir arte
daquilo que não é arte e que possam ser igualmente aplicados a todas as manifestações
artísticas: pintura; música; dança; escultura; etc.

Vejamos, de seguida, algumas teorias da arte:

a) teoria da arte como imitação

A teoria da arte como imitação, defendida, por exemplo, por Platão e Aristóteles,
considera que o objectivo essencial da arte consiste na imitação ou reprodução das
coisas e dos objectos, tal como estes existem na natureza.

Platão, vendo na imitação uma mera criação de imagens, defende que, uma vez que a
verdadeira essência do objecto se encontra no mundo inteligível - sendo o objecto uma
imitação da sua essência -, ao imitar a natureza, o artista está a imitar uma imitação.
Aristóteles também vê na arte uma imitação da natureza, considerando existirem tantas
artes distintas quantas as maneiras que há de imitar os diferentes objectos.

Os críticos às conceções que sustentam esta perspetiva consideram que elas reduzem a
arte a uma caricatura da vida. Por outro lado, aquele que se limita a imitar a natureza
restringe-se a mostrar a sua habilidade, pois produz uma reprodução privada de
criatividade.

Opondo-se à ideia de que a arte é uma imitação da natureza, muitos autores defendem
que a verdadeira arte é sempre uma transfiguração do real, feita mediante a imaginação,
a sensibilidade e a inteligência do artista.

Como critério classificativo, a teoria da arte como classificação falha quando aplicada a
obras reconhecidas como arte e que não imitam coisa alguma.

b) teoria da arte como expressão

É frequente considerar-se que a criação reflecte o sentimento do artista e a


contemplação da obra desencadeia emoção no espectador. Como tal, segundo esta
teoria, o valor da arte reside no prazer que proporciona e a sua natureza reside na
expressão da emoção (expressivismo).
A arte é um meio de as pessoas comunicarem umas com as outras; é um meio de
transmitir emoções, levando o espectador a experimentar sentimentos idênticos aos
experimentados pelo artista. Este exterioriza as suas emoções, comunicando
experiências e modos de ver e de sentir o mundo e a vida, provocando, assim, emoções
análogas no público.

A teoria da arte como expressão é criticada, na medida em que parece estabelecer a


priori que a produção artística tem origem na experiência emocional, quando talvez
existam outros factores e outras condições causais subjacentes à criação de obras de
arte. Esta teoria parece admitir que a qualidade das obras decorre das condições
emocionais, quando, na realidade, o mérito da obra assenta sobretudo na sua harmonia
interna. Além disso, pode levantar-se dúvidas a respeito do conteúdo emocional de
certas obras. Finalmente, apreciar e compreender uma obra que retrata certas emoções
negativas, como o ódio, não significa, necessariamente, sentir essas emoções enquanto
espectador.

c) teoria da arte como forma significante

A teoria da arte como forma significante baseia-se na ideia de que a emoção estética
desencadeada no espectador pelas verdadeiras obras de arte resulta de uma qualidade
que tais obras possuem: a forma significante. Tal qualidade diz respeito à relação
existente entre as partes, o que é particularmente notório nas artes visuais.

Esta propriedade das obras de arte é indefinível, podendo, no entanto, ser reconhecida
de forma intuitiva pelos críticos mais sensíveis. O mesmo não se verifica se os críticos
forem insensíveis.

Duas objeções podem ser dirigidas contra esta teoria. Ela parece apoiar-se num
argumento circular, pois refere que a emoção estética resulta de uma propriedade
destinada a desencadear tal emoção no espectador. Aquilo que se pretende explicar - a
emoção estética sentida pelo espectador - faz parte da própria explicação. Além disso,
esta teoria não pode ser refutada: se alguém disser que não sente emoção estética
perante uma obra de arte, os defensores da teoria dirão que essa pessoa está enganada.
Por outro lado, se algum objecto a que chamamos obra de arte não desperta emoção
estética ao crítico sensível, então esse objecto não pode ser considerado uma verdadeira
obra de arte. Nada existe que nos permita refutar uma tal perspectiva, pois estamos no
pleno domínio da subjetividade do crítico. Uma teoria que não pode ser refutada
(porque é sempre confirmada, qualquer que seja a situação) é desprovida de significado,
no entender de vários filósofos.

d) teoria institucional da arte

A teoria institucional da arte, defendida por autores como o filósofo contemporâneo


George Dickie (1926), considera que existem dois aspectos comuns a todas as obras de
arte, sejam elas Os Lusíadas, de Camões, uma sinfonia de Beethoven, um quadro de
Picasso, ou a Fonte de Duchamp. Tais aspectos são:

• todas as obras de arte são artefactos, isto é, sofreram uma manipulação por parte de
alguém. A simples exposição intencional de um qualquer objeto (uma pedra, um vaso,
um sinal de trânsito, e por aí fora) numa galeria de arte é já um passo para que esse
artefacto venha a ser considerado uma obra de arte.

• todas as obras de arte possuem o estatuto de obras de arte porque este lhes é conferido
por pessoas que, estando ligadas à esfera artística, detêm autoridade suficiente para o
fazer. Essas pessoas, mediante uma acção de baptismo, transformam os artefactos em
obras de arte, através de processos que vão desde a exibição, a representação e a
publicação dessas obras, até ao simples facto de lhes chamarem arte.

e) teoria idealista da arte

A teoria idealista da arte afirma que a verdadeira e autêntica obra de arte reside apenas
na mente do artista. Nesse sentido, a obra de arte (entenda-se, a verdadeira obra de arte)
não existe de um ponto de vista material. 0 que o artista faz é partir da ideia ou da
emoção que possui na mente, traduzindo-a numa expressão física (aquilo a que
vulgarmente chamamos obras de arte).

Segundo esta teoria, as obras de arte são distintas dos artefactos. As primeiras não têm
uma finalidade específica, diferenciando-se, por isso, dos meros artefactos, que
pressupõem uma finalidade. Tal não quer dizer que as obras de arte não possam também
ser artefactos (como uma cadeira ou uma mesa): o que sucede é que nenhuma obra de
arte se reduz, enquanto tal, a um meio destinado a um fim utilitário.

Esta teoria diferencia também as obras de arte genuínas, que são fins em si mesmas, da
arte destinada ao divertimento (arte recreativa), bem como da arte religiosa.

Conclusão
Nota: As orientações para a lecionação do programa de filosofia indicam para discussão
apenas a teoria da arte como imitação, a teoria da arte como expressão e a teoria da arte
como forma e coloca nos professores a escolha dos filósofos representativos de cada
uma das três teorias indicadas.

Contemporaneamente, a visão da obra de arte como símbolo, como objecto de


representação de um mundo próprio (o do artista), parece ser a posição de maior
consenso. Por outro lado, a obra de arte aparece com carácter aberto, exigindo que o
espectador participe (interprete a obra e reinvente a realidade). O conceito de obra de
arte é um conceito aberto cujo significado vai sendo alargado de forma a integrar novas
características que incluam novas formas de expressão artística que vão surgindo. A
partir deste ponto, somos obrigados a introduzir na nossa análise do trinómio criação-
criador-obra de arte o espectador ou o público.

Assim:

• a obra de arte depende do criador e o criador, da obra;

• a obra de arte representa o mundo do artista (a sua interpretação da realidade) e, como


tal, tem uma função simbólica;

• a obra de arte transcende o seu autor;

• a obra de arte é aberta ao público, do que decorre que a apreciação estética surge do
diálogo entre dois mundos: o do artista e o do espectador.

O conceito de público sugere-nos diferentes espectadores e, por conseguinte, diferentes


interpretações da obra de arte. O carácter aberto da obra de arte traz consigo a afirmação
de uma pluralidade de leituras e chama-nos a atenção para a questão do relativismo
axiológico. Não vamos voltar a discutir o problema (revê Os valores - análise e
compreensão da experiência valorativa), mas temos de aceitar que a própria arte, como
qualquer dimensão do agir humano, tem as suas condicionantes. O artista e o espectador
estão condicionados histórica, cultural e socialmente e, portanto, as suas interpretações
do real e da obra de arte não se fazem fora destes contextos. Porém, temos que admitir
que há autores contemporâneos (Monroe Beardsley, por exemplo) que possam defender
que existem propriedades objectivas nas obras que permitem afirmar que umas são belas
e outras não e que para avaliar esteticamente uma obra de arte os pontos de vista e
razões não estéticos são irrelevantes. Na elaboração do juízo de gosto, as únicas razões
que importam estão relacionadas com as características intrínsecas à própria obra.

3.2.3. A Arte - produção e consumo, comunicação e conhecimento

A questão do contexto ou situação permite-nos perceber melhor aquilo que hoje alguns
autores classificam de massificação, democratização e dessacralização da arte. Neste
sentido, para que percebamos a situação atual da arte do mundo e cultura ocidentais,
basta responder às questões: quem é hoje o espectador, o público da arte? Que
consequências isso acarreta?

• Contrariamente ao que aconteceu durante vários séculos, em que o público da arte era
a aristocracia, nos nossos dias todos temos acesso à arte - democratização da arte.

• A democratização da arte e o desenvolvimento tecnológico criaram um público-massa


e como massa consumidora  permite que floresça um mercado para a arte, que passa a
estar associado, à industria do espectáculo e à homogeneização cultural.

• Com o apoio das inovações tecnológicas, surgem as reproduções de obras de arte de


fácil alcance para todos.

• A obra de arte deixa de ser irrepetível e de objecto sagrado passa a objecto-


mercadoria-dessacralização da arte.

• Esta dimensão comercial da arte desvirtua um dos princípios fundamentais em que ela
assenta: a ideia de que a arte se fundamenta na experiência desinteressada da própria
arte.

• Começa a desenvolver-se uma minoria elitista que se insurge contra a massificação, a


homogeneização cultural e a comercialização da arte, dando-se a separação entre a arte
para as massas e a arte para uma minoria (as belas-artes).

• Surgem novos materiais, novas formas de expressão e novos domínios artísticos, como
a fotografia, o cinema, os graffiti e as artes digitais.

• A arte prolifera como forma de comunicação e renasce a sua relação com o


conhecimento.

A arte como forma de comunicação


A arte é um meio de comunicação por excelência. Escreve F. Heinemann: A arte pode
ser compreendida como uma linguagem ampliada e generalizada.

• Numa primeira abordagem, encontramos na comunicação pela arte um conjunto de


elementos análogos aos da comunicação linguística propriamente dita. Um emissor
(artista) pretende transmitir uma mensagem (mediante a obra) a um receptor
(espectador). Para tal, torna-se necessária a existência de um código susceptível de ser
entendido por ambos (emissor e receptor). Porém, no caso da arte, o código não é dado,
mas evocado ao receptor.

• A arte, em muitas das suas manifestações, não é uma linguagem discursiva (permite
dizer o que não se diz por palavras), não se preocupa em obedecer rigidamente às regras
lógicas do pensamento, é polissémica (podemos atribuir diferentes sentidos à obra de
arte) e, portanto, susceptível de múltiplas interpretações. Como forma de comunicação,
a obra de arte interpela o espectador e influencia-o na maneira como concebe a
realidade e como atuará perante ela. É neste sentido que a arte é uma linguagem
ampliada e generalizada.

Atualmente, nas sociedades e cultura ocidentais, a dimensão comunicativa da arte surge


com diversos contornos. Anotemos três das suas formas fundamentais:

• a arte como meio de expressão e transmissão de sensações do artista que pretendem


provocar uma reacção no espectador;

• a arte como forma de transmissão de ideia, crítica à sociedade e de intervenção política


(arte militante);

• a arte como participação e comunicação interativas, resultantes da emancipação da


ciberarte, isto é, da arte como co-produção entre artistas e público, visto que o público é
chamado a intervir diretamente na atualização (materialização, visualização, edição, o
desenrolar efetivo aqui e agora) de uma sequência de sinais ou acontecimentos (P. Lévy,
Cibercultura, Instituto Piaget).

A arte como forma de conhecimento

Pela arte, o ser humano (trans)figura e (re)cria a realidade, por forma a descortinar os
seus enigmas e descobrir-lhes um significado. Neste sentido, ao interpretar o mundo
pela arte, o ser humano explora-o nas suas diferentes possibilidades, tal como o
cientista, mediante a exploração das suas hipóteses pela experimentação, averigua as
possibilidades de explicar o fenómeno. Por conseguinte, tal como a ciência ou a
religião, a arte é também ela uma forma de conhecimento. Por isso, no âmbito da
Estética podemos estudar diferentes teorias (estéticas) que apresentam diversas
respostas aos problemas relativos ao belo, isto é, diferentes interpretações da beleza, da
arte, da criação artística, etc.

Tradicionalmente, tendemos a separar razão, conhecimento e ciência de imaginação,


sensibilidade e arte, partindo do pressuposto (errado) de que a arte deriva da pura
emotividade humana e o conhecimento da capacidade intelectual, lógico-racional. Esta é
também a perspectiva das teorias expressivistas e hedonistas que reivindicam um lugar
específico para a arte, como fonte de prazer, deleite e pura expressão/transmissão de
sensações/emoções. Hoje sabemos que não faz mais sentido a clássica separação
intelecto/sensibilidade, inteligência/emoção. Neste sentido, nem a arte deriva
exclusivamente da sensibilidade, nem a ciência deriva apenas do intelecto. O Homem,
em todas as suas acções, manifesta-se como um todo complexo; as suas diferentes
capacidades operam conjuntamente. Daqui decorre que também a arte e a ciência devem
operar de forma complementar. A este propósito, as chamadas teorias cognitivistas da
arte defendem a ideia de que a arte é fonte de conhecimento, mas, sobretudo, de
entendimento, uma vez que não fornece teorias, mas contribui para que percebamos
melhor a realidade. Contudo, convém sistematizarmos que tipo de conhecimento é este
que a arte veicula. Vejamos:

• não é um conhecimento explicativo (como a ciência);

• não é um conhecimento instrutivo ou técnico;

• não é meramente informativo;

• é um conhecimento que desencadeia o exercício da nossa imaginação e criatividade;

• é um conhecimento que esclarece a experiência humana, porque permite que a


compreendamos de forma pessoal e mais aprofundada;

• é fonte de entendimento, isto é, não oferece objetividade e certeza (teorias e


pressupostos), mas a criatividade nela implícita faz-nos entender o mundo e a vida sob
um ponto de vista diferente que nos obriga a (re)pensar. Aqui, a verdade tem de ser
entendida não como correspondência objectiva, mas como desocultação ou desvelação
do real.

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