A Perfeita Realização Não Dual Da Consciência Búdica
A Perfeita Realização Não Dual Da Consciência Búdica
A Perfeita Realização Não Dual Da Consciência Búdica
DA CONSCIÊNCIA BÚDICA
Namaskar!
Este ensaio está fundamentado na Visão Não-Dual do Budismo Tântrico, conhecido como
Dzogchen. Tal estrutura de pensamento e narrativa metafísica é bastante similar ao Advaita
Vedanta. Tendo por base sólida tradicional a simples transmissão verbal, tomada como uma
espécie de “aviso”, que intenta, simplesmente, reorientar a percepção e desconstruir
narrativas que foram apresentadas como certas para nossa mentalidade. O intuito é inquirir
sobre tais “verdades-conceituais” dadas como inequívocas (visto que estão fundamentadas
na visão limitada, o quê, por sua vez, produz limitação de percepção e ideia), e confrontá-las
com uma narrativa absolutamente nova, dotada de uma lógica metafísica deveras
interessante.
Nesta Escola de Pensamento, declarações verbais são dadas com o objetivo único de levar o
investigador a atingir o Ponto Vital, ou seja, a Compreensão Última Não-Dual e Ilimitada –
que, em verdade, está para além das palavras e conceitos.
A ideia é introduzir o intelecto do investigador à uma nova narrativa; fortalecer este mesmo
intelecto na visão discriminativa última e, finalmente, ajudá-lo na tarefa de gerar confiança
e convicção sólidas através da Liberação – que é o Reconhecimento de que a Natureza
essencial do que chamamos Mente, em verdade, é o Buddhā. Mente esta, que também é
nomeada como Rigpa – Consciência Vazia, Mente Búdica, Clara Luz etc.
Tal método empírico-teórico pode ser nomeado como “Grande Perfeição”, e está
inexoravelmente associado ao Sutra do Coração, que tem por essência a afirmação:
“Forma é Vazia, Vacuidade é Forma.
A Forma não é outra senão a Vacuidade.
A Vacuidade não é outra senão a Forma.”
Em outras palavras: Tudo está em constante transformação e a Impermanência é a Lei
Regente de tudo quanto existe ou pode ser percebido.
Essa primeira Percepção-Ideia é tomada como FATO. Sua lógica se dá pelo testemunho
inequívoco. Tudo está efetivamente em constante transformação, quer gostemos ou não
disto, tudo se transforma no tempo. Contudo, algo percebe a transformação de todos os
eventos. Isto que percebe, aparentemente é fixo. Contudo, também pode-se dizer que é
insubstancial. Não pode ser tomado como objeto de conscientização, pois que é a própria
Consciência.
Esta mesma Consciência - Rigpa – Consciência Luminosa ou Búdica – não apenas é aquela
que percebe os fenômenos, ela mesma é a fonte dos fenômenos. Logo: Tudo o que existe é
Rigpa em exibição.
Há dois caminhos pelos quais a Evidenciação da Natureza Búdica se dá:
O Caminho de Avanço ou Caminho Gradual, através de cultivo e práticas de corpo-fala-
mente que pretendem desvelar a Natureza Luminosa do Si.
Ou o Caminho Radical, do Salto Direto, também nomeado como Caminho Súbito, em que o
investigador é convidado a olhar a Realidade (ou Consciência) de forma Nua – estabelecendo
conexão com a Mente de Sabedoria da Grande Transcendência. É a aniquilação da mente
conceitual dando lugar ao Florescimento da Consciência Não-Conceitual, que é apresentada
através diferentes metáforas como forma de ilustrá-la. Dentre estas, temos: o Espaço, o Céu,
a Abertura, o Vácuo, o Zero-Dimensional.
Ou seja, evocações do Todo Abrangente e Vasto Espaço ou Ākāśa, em que tudo se manifesta
livremente e em constante discorrer e transformar.
Esta Mentalidade que a tudo observa e que com nada se identifica, livre da necessidade de
dar forma e nome, logo, conceito, para aquilo que é visto, é nomeada como Mente de
Sabedoria Atemporal da Pureza Original. E a sua demonstração teórica mais marginal é a da
Escola do Salto ou Despertar Súbito - que traz o Estado Búdico sem Meditação.
Entenderemos Meditação aqui como toda e qualquer técnica de aperfeiçoamento da
atenção mental. Este tipo de exercício, que escolhe um objeto ou ideia e nele se fixa para
progressivamente fortalecer a Mente e então capacitá-la a tornar-se uma mente Búdica, é
completamente rejeitada.
Ela é considerada, inclusive, um veneno mortal, que obstrui a fluência livre, natural e
espontânea da Mente-Buddha ou Hridaya-Vajra - o Coração Diamantino, que, para a visão
não-dual, é a nossa verdadeira Natureza Imortal, Pura, Aberta e Já Plenamente Realizada.
O simples fato de afirmar isto, já é a semeadura do Dharma Supremo no campo Mentalidade,
e pode prosperar e florescer no futuro ou estabelecer de imediato o Estado Insuperável de
Buddhā.
O Dharma Supremo trabalha com afirmações, que, como já declarado, são avisos dados ao
Investigador, afim de que ele olhe para sua própria Mentalidade e averigue o que sucede.
Afirmações estas que como óleo morno deixamos escorrer agora para dentro do vaso do
contínuo mental:
A Autoconsciência, fator sempre presente, tem estado vazia e sem raiz desde tempos sem
início. Tal como o Espaço, ela é sem limites, transparente, sem cor, peso, atributos ou
aparências. Desimpedida por toda parte - Não tem dentro, fora ou entre.
Verdadeiramente Prístina, visto que é a mais antiga, é a Fonte de tudo o que existe. Tudo o
que é tomado por existente através dela se manifesta.
Vívida e Clara, ela não possui outro solo que não a própria Autoconsciência. Brilha por ela
mesma e é evocada - por sua pureza original vazia e nua - como Darmakaya – o Corpo
Perfeito da Sabedoria e da Lei Imortal.
A Mente Rigpa, ou seja, Luminosa, é sem passado ou futuro. Livre de memória, ela é a própria
expressão de perfeição no deleite auto satisfeito. Por ser assim, como deve ser, é
vibrantemente desperta!
Experimentá-la, não é algo que se exija treinamentos exaustivos, envergando hábito
monástico ou recolhido em uma caverna gélida nas entranhas dos Himalaias. O simples ato
de, neste momento, observar a consciência com a consciência, é o deleitar-se na Mente
Búdica – Consciente de se estar Consciente.
Perceba como nada pode macular, machucar ou danificar sua mente. Mesmo que aconteça
de que ela seja tomada por imagens violentas, tal como um incêndio ou um tsunami, ela nem
se queima, nem está encharcada.
O que quer que passe por ela, deve ser tomado como que da substância das nuvens vagando
pelo amplo e aberto firmamento.
Pensamentos são nuvens; já sua Mente é o ilimitado céu, a espacialidade autêntica, original
e irretocável!
Nuvens de memórias, nuvens do bem, nuvens do mal, nuvens de valor, nuvens de moral,
nuvens planejamentos, nuvens sentimentos, nuvens densas e escuras, nuvens sutis,
dissipando-se pela atmosfera interna da Mentalidade Luminosa – Rigpa.
Nada pode corromper ou prejudicar a espacialidade original do Hṛ́dayākāśa – ou Espaço
Infinito do Coração. Algo existe que é desprovido do processo de pensamentos, algo que é
vívido, pleno de energia e vigor. Esta transparência nua – livre de conceitos, elaborações,
ponderações, preconceitos, é a pureza inata não-contaminada – também nomeado como
Liberdade Primordial – Ausência de Grilhões – Dissipação, termos que servem para traduzir
a palavra sânscrita: NIRVANA.
É simplesmente impossível segurar, solidificar e eternizar uma nuvem. Veja que ninguém
pode suster a lei de impermanência e fazer que um pensamento, insubstancial como é, torne-
se fixo, perene, imutável. A natureza das nuvens é o ir e vir, é o transformar-se, é o dissipar-
se – assim como os pensamentos.
Mesmo que sejamos grandes meditadores, com poderes de ordem paranormal, não é
possível mantermo-nos perenemente vinculados e fixados nas experiências meditativas – e
isto mesmo é o Estado Búdico, o Darmakaya (corpo da Boa Lei) sempre aqui e agora,
imaculado e presente.
Perceber isto, é se deixar introduzir na Consciência Nua através da Consciência mesma – Ela
servindo de Guia, Superação e Meta na Jornada de dissipação da ignorância.
Isto acabou de ser apontado:
Pensamentos e demais fenômenos são tão substanciosos quanto nuvens. Sua Mente, que é
por natureza Pura e vasta, é tal como o céu. Nuvens não podem danificar o céu. A despeito
de densas e escuras nuvens ou de evanescentes brancuras transparentes, a espacialidade
segue irretocável.
Aprecie a possibilidade real, verdadeira e inteiramente aplicável de apenas descansar sobre
o que foi apontado agora. Repousando, livre, aberto e sem expectativa alguma.
O Yogi, Sábio, Poeta e Buddhā Longchenpa cantou:
Homenagem à espontaneidade pristina,
A clara luz da mente luminosa,
A incrível realidade desse universo fantástico
Um tesouro da consciência auto-surgida no agora,
E a fonte de tudo, Saṁsāra e Nirvana.
Homenagem a esse espaço imóvel da simplicidade.
Evocada pelo Buddhā-Poeta como Matriz, ela, a Mente Luminosa Buddhā, é a Mãe de todos
os fenômenos. Afinal, não há um elemento sequer fora da Espacialidade. E ela é simples, por
não reter adorno algum em si, por ser transparência imaculada, o útero que gesta Saṁsāra –
a Roda de Nascimentos e Mortes e Nirvana – a Suprema Realização, Liberdade de todos os
Sábios Conquistadores.
Não há porque se concentrar em nada específico: tudo o que se manifesta é uma exibição da
criatividade infinita da Pura-Mente-Espacialidade, expondo-se como os diferentes
fenômenos: Nuvens Insubstanciais.
Repousar e deixar sua mente entregue a si própria é Buddhā mesmo descansando em seu
próprio estado de liberdade gozosa.
Deixe ser e relaxe espontaneamente, não a modifique, não a vista com nenhum conceito.
Tudo é perfeito como é, pois tudo é a Exibição Pristina e Perfeita da Criatividade Original –
Matriz e Mãe de Todos os Buddhās:
Como tudo é a exibição da Grande Mãe – Originalidade Pura e Criatividade Espontânea – não
se faz necessário corrigir nada, fortalecer ou destruir nada, nenhuma operação, adaptação,
correção ou remédio para curar o que quer que seja.
A Mãe deu a Luz, ela mesma decepa, bebe o sangue e faz sua guirlanda de cabeças. Este é o
sentido das faces furiosas da Grande Mãe. Ela é a Matriz e a Veloz Destruidora Infalível.
Saṁsāra é Nirvana!
Mokṣa é Mataji!
Sendo auto-liberada, é livre, como tudo o que se manifesta. Sendo assim, é liberada
imediatamente. A exibição da Consciência é a auto radiância da Essência Vazia, também
nomeada como Grande Perfeição de Sabedoria – o Coração-Origem de todos os Vedas,
Śāstras, Sutras e Tantras.
No Mandala do Conquistador, os três tempos se fundem, bem como todos os direcionais e
tronos de lotus. Tornando-se de um só sabor ou Rasa – A Suprema Realização que não é nem
Iluminação nem Não-Iluminação.
Uma vez que é liberada sem esforço, não há nada para se trabalhar ou alcançar.
Aqui, a liberação trazida por essa confiança
É uma liberação primordial; não há base para que seja liberada novamente.
É auto-liberada e, portanto, não precisa de remédio.
É diretamente liberada, dissolvendo-se exatamente onde é vista.
É completamente liberada, então não há necessidade de esforço e tensão.
A recomendação é exigente por ser extraordinariamente simples; e tudo que é simples, para
uma mentalidade tão complexa como a nossa, parece se tornar uma espécie de épico
hercúleo de superação de si mesmo, ou seja, da própria crença no estado de limitação.
A Liberação é imóvel, sê imóvel tal como és. Descanse da obrigação de dar explicação e
conceitualizar. Pensamentos e memórias do ontem, já cessaram. Pensamentos e planos
sobre o futuro ainda não surgiram. Neste exato momento presente, a Consciência é
imaculada e não-fabricada. Expanda e brilhe de forma desimpedida e espontânea. Tal como
se espera que a água, turva de areia, se limpe sozinha ao ser deixada como está, assim
também sucede com o simples repouso em Si Mesmo, no Claro-Espaço-Vazio do Ser.
Nenhum esforço, nenhuma distração... Descansando... Decantando...