Maria Severa Nascimento Fonsec - Dic-. Karollen Lima Da Silva
Maria Severa Nascimento Fonsec - Dic-. Karollen Lima Da Silva
Maria Severa Nascimento Fonsec - Dic-. Karollen Lima Da Silva
Maria Severa Nascimento Fonseca, conhecida como “Vó Severa”, era uma negra
ex-escravizada que migrou por volta do ano de 1890 da cidade Alcântara localizada no
Estado do Maranhão para a cidade de Manaus, Estado do Amazonas. Juntamente com
ela estavam seus três filhos que se chamavam Raimundo, Manoel e Antônio, o seu
amigo Felipe Beckman2 e sua esposa Maroca Beckman. Ao chegar, o grupo se
estabeleceu na espacialidade não-urbanizada do bairro da Praça 14 de Janeiro, que não
possuía o mínimo de infraestrutura e era coberta por uma zona de mata.3
1
Parte do enredo “Cidade alta faz a festa no Quilombo, Salve São Benedito: Símbolo da Resistência
negra no berço do Samba” do Grêmio Recreativo Cidade Alta. Compositores: Paulino Braga, Davi
Menezes, Sérginho do Cavaco, Jr Layout, Júlio César, Rubinho Duribeiro, Luciano Canavarro, Marcos
Tiolo e Naian Nascimento, 2018.
2
Segundo Maria de Lourdes Fonseca, conhecida como Tia “Lurdinha” que teria sido uma das
organizadoras do festejo do santo preto, Felipe Beckman era seu avô, maranhense e descendente de
barbadianos. Na edição 11.963 do jornal A crítica de 1984 também foi apresentada uma associação de seu
sobrenome com o movimento dos Beckman ocorrido no Maranhão, em fins do século XVII.
3
SILVA, Jamilly Souza. A festa de São Benedito no bairro da praça 14. In: SAMPAIO, Patricia (Org.)
O fim do silêncio: presença negra na Amazônia. Belém: Editora Açaí/ CNPq, 2011.
terreiro que teria sido delimitado por Felipe Beckman e os filhos de Maria Severa. 4 A
respeito da festividade Heitor Nascimento5 relata:
4
SILVA, Jamilly Souza. A festa de São Benedito no bairro da praça 14. In: SAMPAIO, Patricia (Org.) O
fim do silêncio: presença negra na Amazônia. Belém: Editora Açaí/ CNPq, 2011, p. 175-176
5
Heitor Nascimento tinha 83 anos à época da realização das entrevistas, era filho de Raimundo
Nascimento Fonseca e Paula Maria da Fonseca que foram organizadores do festejo após Felipe
Beckman.
6
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. (coord.). Comunidade Negra de São Benedito da Praça 14 de
Janeiro. Série – Movimentos Sociais e Conflitos nas Cidades da Amazônia – Fascículo 16. Manaus,
2007, p.1
7
Não se sabe ao certo a natureza dessa migração, a não ser pelos relatos orais que apresentam
aparentemente um processo harmônico.
8
Progressivamente haverá uma mudança da nomenclatura para comunidade de São
Benedito/e/ou/Barranco. Com o reconhecimento quilombola em 2014 será identificada como Quilombo
Urbano de São Benedito ou Quilombo do Barranco de São Benedito.
Fonte: Acervo do Quilombo Urbano de São Benedito.9
9
Disponível no Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito, localizado na Avenida Japurá, no bairro
da Praça 14 de Janeiro, na cidade de Manaus, estado do Amazonas.
10
Relatos coletados na roda de conversa das “griots” do Quilombo Urbano de São Benedito. Manaus, 15
de novembro de 2016.
11
ASSOCIAÇÃO CRIOULAS DO QUILOMBO. Biografia de Maria Severa Nascimento Fonseca
“Vó Severa”. Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=347554538921544&set=a.121209734889360.1073741830.100010010011947&type=3&theater.
Acessado em 30 de janeiro de 2017.
12
14 de Janeiro, Terra, santo e samba. Direção e roteiro: Cristiane Garcia. Fotografia e edição: Paulo
Freire. Produção: Olha Já Filmes., 2011.
13
Lélia Gonzalez considerou a força da cultura como a melhor forma de resistência em sociedades
racistas por denegação (ou racistas disfarçadas) onde prevalecem as teorias da assimilação, miscigenação
e da “democracia racial”. Segundo Gonzalez, na América Latina predominaria esse tipo de racismo, no
caso brasileiro isso se torna mais evidente através da consideração da mestiçagem que cria a imagem de
brasilidade ou identidade nacional, fortalecendo a crença numa democracia racial, onde todos teriam as
mesmas possibilidades de existência. Verificar em: GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de
amefricanidade. In: Tempo brasileiro. Rio de Janeiro, n°. 92/93 (jan/jun.). 1988b, p.74
14
A associação se formou a partir do processo de reconhecimento da comunidade negra como quilombo
urbano pela Fundação Palmares em 2014. As crioulas do Quilombo visam promover atividades sociais
que proporcionem emprego e renda para as mulheres da comunidade, empreendendo ainda a valorização
da cultura afro-brasileira através de artesanatos e eventos culturais.
louco durante a viagem do Maranhão para o Amazonas. Dessa forma, passaram a
realizar novenas intencionadas ao reestabelecimento de sua saúde.
Ao falar sobre a família, tia Lourdinha diz que Felipe e Maroca eram
seus avós de criação. Foram eles que ampararam a avó dela, Severa
Fonseca, cujo Marido foi assassinado, e criaram os filhos, sendo
Raimundo Nascimento Fonseca (pai de Lourdinha) o caçula.
Raimundo se casou com Paula Maria Fonseca, também maranhense,
com quem teve nove filhos dos quais apenas Lourdinha e um irmão
15
ASSOCIAÇÃO CRIOULAS DO QUILOMBO. Imagem de São Benedito no oratório familiar da
comunidade do Barranco. Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=347554538921584&set=a.121209734889360.1073741830.100010010011947&type=3&theater.
Acessado em 30 de janeiro de 2017.
16
São Benedito na tentativa de alimentar os pobres levou escondido uma quantidade de comida em suas
vestes e quando questionado por uma autoridade acerca do que carregava, Benedito disse que eram flores,
e ao mostrar para o superior os alimentos, eles se transformaram em flores.
17
“Tia Lurdinha” era neta de Felipe Beckman e uma das coordenadoras do festejo de São Benedito,
quituteira de mão cheia Maria de Lourdes Fonseca marcou significativamente a comunidade através de
seu exemplo de devoção ao santo.
estão vivos. Os membros da “Colônia dos maranhenses” foram
casando entre si e hoje quase todos são parentes. 18
Ao citar a experiência de vida, Maria de Lourdes coloca em evidência uma das
dificuldades que a mesma teria enfrentado: a morte de seu marido e o desafio de criar os
seus filhos sozinha. Segundo “Tia Lurdinha”, Felipe e sua esposa Maroca Beckman
teriam amparado “Vó Severa”, dessa forma, podemos considerar que a criação de redes
de solidariedades pelos membros da ‘Colônia dos maranhenses’ foi fundamental para a
manutenção da comunidade negra. Através de sua trajetória podemos conhecer um
exemplo da devoção e resistência, pois confronta o silêncio que por muito tempo
vigorou na historiografia oficial acerca da presença negra na Amazônia.
Segundo a biografia das Crioulas do Quilombo, “Vó Severa” teria 109 anos
quando veio à óbito e o patrimônio cultural e religioso trazido por ela, possibilitou à
comunidade do Barranco alcançar o reconhecimento quilombola da Fundação Palmares
no ano de 2014. Nesse sentido, compreendemos que os caminhos de liberdade e
resistência trilhados por Maria Severa tem tido eco ao longo das suas gerações, seja
através da religiosidade, da memória, de sua vivência que inspira a organização político-
social dos quilombolas em busca de direitos no presente. 19
18
Esse relato está presente na edição nº15349 do jornal A crítica, Manaus , 14 janeiro de 1993.
19
Ibidem