A Relevância Do Direito À Negociação Coletiva e Do Direito À Greve No Quadro Dos Trabalhadores Autónomos Economicamente Dependentes
A Relevância Do Direito À Negociação Coletiva e Do Direito À Greve No Quadro Dos Trabalhadores Autónomos Economicamente Dependentes
A Relevância Do Direito À Negociação Coletiva e Do Direito À Greve No Quadro Dos Trabalhadores Autónomos Economicamente Dependentes
2016230129
JUNHO, 2022
ÍNDICE
ABREVIATURAS E SIGLAS ....................................................................................... 3
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4
CONCLUSÃO............................................................................................................... 29
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 30
2
ABREVIATURAS E SIGLAS
Ac. – Acórdão
Al. – Alínea
Art(s).º – Artigo(s)
CC – Código Civil
Cfr. – Conforme
Cit. – Citação
CT – Código do Trabalho
N.º – Número
P(p). – página(s)
Proc. – processo
UE – União Europeia
Vd. – vide
3
INTRODUÇÃO
O fenómeno da uberização do trabalho1 é uma tendência laboral relativamente
recente que se traduz na mercantilização e flexibilização total de serviços prestados
através de plataformas digitais. Estes serviços são prestados por trabalhadores que,
através da celebração de contratos com a plataforma, passam a exercem a sua atividade
laboral, atividade esta que, por força do fenómeno da uberização, assume contornos muito
particulares e complexos. É seguro afirmar que esta forma de trabalho é completamente
distinta daquela dita comum, onde o trabalhador tem um contrato de trabalho subordinado
e exerce a sua atividade nas instalações da empresa com horários e funções determinadas
pelo empregador.
1
Cfr. PENNEL, Dennis (2015) – The ‘uberisation’ of the workplace is a new revolution, in
EUROACTIV. Disponível em https://www.euractiv.com/section/social-europe-jobs/opinion/the-
uberisation-of-the-workplace-is-a-new-revolution/. Consultado a 02.04.2022.
2
Além deste termo, ao longo do relatório aludiremos a esta categoria de trabalhadores mobilizando as
expressões “trabalhadores da Uber e plataformas digitais análogas”, “trabalhadores digitais” e
“trabalhadores uberizados”. Sabemos que estes conceitos, por si só, apresentam diferenças de fundo
entre si e poderão albergar, dependo do caso concreto, outros tipos de regime de trabalho, todavia,
esclarecemos que a menção a qualquer um destes termos remeterá especificamente aos trabalhadores das
plataformas supramencionadas.
3
Consagrado no art.º 56.º n.º 4 CRP.
4
Previsto no art.º 57.º CRP.
4
conseguinte, na prossecução de mais dignidade no trabalho – ideais, a nosso ver, ainda
por cumprir no âmbito dos trabalhadores das plataformas digitais.
5
Neste sentido vd., XAVIER, Mario Sergio Dias/ SBIZERA, José Alexandre Ricciardi (2021) – A
Uberização do Trabalho Humano diante dos Princípios Formadores do Direito do Trabalho e das
Decisões do Tribunal Superior do Trabalho in Conpendi Law Review, Evento Virtual, v. 7, n.1, pp. 76-
79. Disponível em https://www.indexlaw.org/index.php/conpedireview/article/viewFile/7812/pdf .
Consultado a 02.04.2022.
6
Cfr. SILVA, Juliana Coelho Tavares/ CECATO, Maria Áurea Baroni (2017) – A uberização da relação
individual de trabalho na era digital e o direito do trabalho brasileiro, in Cadernos de Dereito Actual Nº 7
Extraordinario, cit. p. 259.
7
Vd., TELLES, Rudy Jr. (2016) – “Digital matching firms: a new definition in the “sharing economy”
space”, in U.S. Department of Commerce Economics and Statistics Administration Office of the Chief
Economist, p.1.
5
prestam8 e o modo de trabalho dos seus motoristas/estafetas – modo de trabalho este
profundamente marcado pelo fenómeno da uberização do trabalho.
8
Todas fornecem serviços semelhantes via plataformas digitais, assim sendo, o uso das TICs é
impreterível no exercício da sua atividade.
9
Cfr. CASILLI, Antonio A. (2018) – Trabajo, conocimiento y vigilancia: 5 ensayos sobre tecnologia in
Editorial del Estado Plurinacional de Bolivia, p. 16. Disponível em https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-
02173185/document . Consultado a 10.04.2022.
10
No caso da Uber, o pagamento é feito semanalmente – condições completas disponíveis em
www.uber.com .
11
A taxa pertencente à empresa é também fixada unilateralmente por si, não sendo negociável.
6
Relativamente às condições contratuais, estas são colocadas (impostas) aos que se
candidatam para trabalhar na plataforma, não sendo negociáveis. De um modo geral, uma
pessoa que preencha todos os requisitos pedidos pela empresa e inicie atividade fica
sujeito às seguintes condições de trabalho: utiliza o seu próprio veículo na execução da
tarefa; escolhe “livremente”12 o seu horário de trabalho e os clientes que pretende atender;
arca com os riscos inerentes à atividade; não tem direito a subsídios, seguros13, folgas ou
férias14; ficam sujeitos a esforço físico intenso, intempéries extremas, assédio verbal e
possivelmente físico e o salário auferido pode (e na maioria das vezes fica mesmo) abaixo
do salário mínimo.
12
Esta “liberdade de escolha”, na senda de JOÃO LEAL AMADO, é meramente aparente uma vez que,
como já mencionado, ao negar-se a realizar viagens e entregas, o trabalhador muito certamente será
penalizado, seja por poucas ou más avaliações, seja pela desativação da sua conta na plataforma. Neste
sentido ver AMADO, João Leal (2016) – Contrato de Trabalho, Noções Básicas, Almedina: Coimbra, p.
143.
13
Pese embora a Uber possua acordos com seguradoras privadas, às quais o candidato a motorista ou
estafeta pode aderir. É uma situação que certamente não é tão vantajosa quanto aquela experienciada nos
contratos de trabalho subordinados.
14
Entenda-se que estes direitos não são garantidos aos trabalhadores da Uber e plataformas análogas
como são para os trabalhadores dependentes, uma vez que não beneficiam os mínimos exigidos por lei,
cfr. os arts.º 232.º, 238.º, 263.º, 264.º, 266.º do CT.
15
Cfr. SIGNES, Adrián Todolí (2015) – “El impacto de la “Uber economy” en las relaciones laborales:
los efectos de lasplataformas virtuales en el contrato de trabajo”, IUSlabor 3/2015, pp. 5-6. Disponível
em https://www.upf.edu/documents/3885005/3891266/Todoli.pdf/051aa745-0eea-42af-921f-
dd20a7ebcf2c . Consultado a 08.04.2022. O nome deste livro de sugestões costumava ser “Manual do
Condutor” pelo que hoje é designado no site da Uber como “Orientações da Comunidade Uber”.
16
Cfr. SIGNES, Adrián Todolí (2015) – “El impacto de la “Uber economy” en las relaciones laborales:
los efectos de lasplataformas virtuales en el contrato de trabajo”, IUSlabor 3/2015, p. 7. Disponível em
https://www.upf.edu/documents/3885005/3891266/Todoli.pdf/051aa745-0eea-42af-921f-dd20a7ebcf2c .
Consultado a 08.04.2022.
17
A empresa chega mesmo a esclarecer esta questão de forma expressa nos seus termos e condições.
Disponível em m https://www.uber.com/legal/terms/pt/.
7
por ser potenciador de um ambiente mais livre das “amarras” da lei laboral18. Neste
modelo de negócio, os riscos inerentes à atividade são transferidos (quase) por completo
ao agente encarregado de a concretizar, acometendo-se os benefícios – o lucro – (quase)
inteiramente à empresa.
18
Falamos aqui do fenómeno da Fuga ao Direito do Trabalho que será explorada de forma mais
pormenorizada no ponto 1.2.1. do presente relatório.
19
Expressão retirada de ROSENBLAT, Alex/ STARK, Luke (2016) – Algorithmic Labor and
Information Asymmetries: A case Study of Uber’s Drivers in International Journal of Communication 10,
p. 3763. Disponível em
https://deliverypdf.ssrn.com/delivery.php?ID=83300402402908011011107011312011303010205608901
4095061075097087117075092111086008028028097023029026127033125065026000031123030042042
0330650230260661030890280830660740370760050310020950100951210270760240860010020960661
26025097026015000103099080004083110&EXT=pdf&INDEX=TRUE. Consultado a 12.05.2022.
20
A própria Uber, no seu site oficial, faz uso do termo “be your own boss”, em português “sê o teu
próprio chefe”, como lema de recrutamento de novos funcionários.
21
Note-se que para ter estes direitos na sua esfera pessoal o indivíduo tem de ser considerado trabalhador
uma vez que estamos em sede de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
8
1.2. Natureza do Contrato Uber: A problemática da visão
tradicional de contrato de trabalho no contexto do
trabalho digital
1.2.1. Elementos do contrato de trabalho e problemática do conceito de
subordinação jurídica
Para conseguir encontrar resposta relativa à natureza dos contratos celebrados
entre os trabalhadores das plataformas digitais e as empresas donas dessas plataformas, é
necessário, antes de mais, explanar as características do contrato de trabalho.
Sabemos que nem todas as atividades exercidas por uma pessoa a outrem
configuram necessariamente uma relação laboral, daí a importância de enumerar os
principais elementos do contrato de trabalho de modo a averiguarmos a natureza da
relação em apreço – entre estes motoristas/estafetas e as empresas digitais.
22
Cfr. Art.º 258.º, n.º 2 do CT
23
Objeto do contrato. Diz-se “no interesse de outrem” por ser prestada ao empregador e não depender
necessariamente dos interesses pessoais do trabalhador.
9
relação de dependência e hierarquia entre empregador e trabalhador24, manifestando-se,
por um lado, no exercício de poderes de direção e disciplinar por parte da entidade
empregadora, e por outro, no dever de obediência que recai sobre o trabalhador. Esta é a
marca distintiva dos contratos de trabalho subordinados ou dependentes – são os contratos
ditos “clássicos”, pois são eles que estão na base do Direito do Trabalho25.
24
Neste sentido, vd., Ac. STJ, de 21.05.2014, relator Mário Belo Morgado (proc. n.º
517/10.9TTLSB.L1.S1): “[a] subordinação jurídica encontra a sua génese: (i) na posição de
desigualdade/dependência do trabalhador que é inerente à sua inserção numa estrutura organizacional
alheia, dotada de regras de funcionamento próprias; (ii) na correspondente posição de domínio do
empregador, traduzida na titularidade do poder de direção e do poder disciplinar”.
25
Sobre as origens do Direito do Trabalho ver AMADO, João Leal (2016) – Contrato de Trabalho,
Noções Básicas, Almedina: Coimbra, p. 12-18.
26
Cfr., Ac. STJ, de 09.09.2015, relatora Ana Luísa Geraldes (proc. n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1): “o fator
da subordinação jurídica do trabalhador, a par de um vínculo de subordinação económica (enquanto
atividade remunerada), traduz-se no poder de autoridade e direção do empregador de conformar,
através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, ditando as suas
regras, dentro dos limites do contrato celebrado e das normas que o regem”.
27
Cfr. art.º 328.º e ss. do CT.
28
Cfr. Ac. TRC, de 03.04.2014, relator Jorge Loureiro (proc. n.º 5/13.1T4AGD.C1).
29
Ademais, neste sentido, vd., AMADO, João Leal (2016) – Contrato de Trabalho, Noções Básicas,
Almedina: Coimbra, p. 52.
10
especial aqueles em que o nomen iuris atribuído pelas partes é outro que não “contrato de
trabalho”.
Com efeito, este é um velho problema que o ramo jurídico do trabalho enfrenta,
tanto é que o fenómeno em causa é já bem conhecido por fuga ao direito do trabalho. Em
causa estão as situações em que é celebrado um falso contrato de prestação de serviços30,
onde o trabalhador é encarado juridicamente como independente31, como forma do
empregador se desresponsabilizar das obrigações que lhe competiriam em sede de vínculo
laboral subordinado. Neste sentido JOANA NUNES VICENTE dispõe que, nestes casos,
“opera-se uma deslaborização do vínculo laboral […] tendo por objetivo a
desresponsabilização do empregador e a subtração a tutela laboral.”32. Ora, nos
contratos que constituem objeto deste relatório, e um pouco por todas as novas formas de
prestação de trabalho (em especial as digitais), este fenómeno tem ganhado espaço pelas
diversas vantagens33 que traz ao empregador.
Como facilmente se compreende esta prática é ilegal34, uma vez que as condições
reais da prestação da atividade, alvo do contrato, indicam a existência de um vínculo de
subordinação, mas devido ao nomen iuris que as partes escolhem para o contrato, não
vêm acompanhadas da tutela que a lei fornece a esses casos.
30
Definido no art.º 1154.º do CC como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra
certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. Nos contratos de
prestação de serviços o trabalhador é considerado independente ou autónomo uma vez que nestes
contratos, em vez de subordinação jurídica, o beneficiário do serviço usufrui apenas da capacidade de
emitir algumas instruções genéricas, não podendo recorrer ao poder de direção e ao poder disciplinar
como se de um contrato subordinado se tratasse, nesta lógica vd., AMADO, João Leal (2016) – Contrato
de Trabalho, Noções Básicas, Almedina: Coimbra, pp. 52-53.
31
E por não acede aos direitos que assistem em especial os trabalhadores dependentes.
32
VICENTE, Joana Nunes (2008) – A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da dissimulação e da
fraude à lei, Coimbra Editora.
33
A título de exemplo, a possibilidade de livre despedimento.
34
Cfr. dispõe o n.º 2 do art. 12.º do CT.
35
Esta ideia advém da expressão “se verifiquem algumas das características” plasmado no n.º 1 do art.º
12.º do CT.
11
trabalho. Na instância de se verificar pelo menos dois destes indícios36, o ónus da prova
da existência ou inexistência de um vínculo laboral é revertido para o campo do
empregador que deve demonstrar que, pese embora a presença dessas componentes, a
concreta relação não se afigura como subordinada.
Isto posto, tem sido defendido por grande parte da doutrina37 que, mais do que
atender aos indícios expressamente mencionados no art.º 12.º, é necessário dar especial
atenção à presença de possíveis condutas indicadoras da existência do poder de direção,
tais como a submissão do trabalhador a horários e local de trabalho determinados pelo
empregador bem como a obediência do primeiro a ordens e à disciplina deste último.
Ademais, destacam também a exigência de avaliar as situações casuisticamente38,
atendendo ao valor e à intensidade que cada elemento pode assumir na situação
concreta3940.
36
Ac. TRC, de 13.02.2015, relator Azevedo Mendes (proc. n.º 182/14.4TTGRD.C1): “a presunção
prevista no art. 12.º do Código do Trabalho basta-se (...) com a verificação de dois dos
indícios/características apontados.”.
37
A título de exemplo vd., AMADO, João Leal/ ROUXINOL, Milena (2014) – S.T.J. Acórdão de 20 de
Novembro de 2013 (A partitura da subordinação jurídica) in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano
143.º, n.º 3985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 279.
38
Neste sentido, a Comissão Europeia afirmou que “a questão de saber se existe ou não uma relação de
trabalho tem de ser apreciada caso a caso, tendo em conta as circunstâncias de facto que caracterizam a
relação entre a plataforma e o prestador de serviços subjacentes e o desempenho das funções em causa,
com base, cumulativamente, em três critérios essenciais: existência de um laço de subordinação;
natureza do trabalho; e existência de uma remuneração”, cfr., COMISSÃO EUROPEIA (2016) –
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social
Europeu e ao Comité das Regiões: Uma Agenda Europeia para a Economia Colaborativa, Bruxelas,
cit.pp. 13-14. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52016DC0356&from=DA .Consultado a 20.05.2022.
39
A doutrina brasileira, no que respeita a esta problemática, destaca o “princípio da primazia da
realidade”, afirmando que os vínculos jurídico-laborais serão delimitados pela situação de facto e não
pelo seu nomen iuris. A este propósito vd., AMADO, João Leal/ MOREIRA, Teresa Coelho (2019) – A
lei portuguesa sobre o transporte de passageiros a partir de plataforma eletrónica: sujeitos, relações e
presunções in Labour & Law Issues, vol. 5, no. 1, p. 57.
40
Cfr. SIGNES, Adrián Todolí (2015) – “El impacto de la “Uber economy” en las relaciones laborales:
los efectos de lasplataformas virtuales en el contrato de trabajo”, IUSlabor 3/2015, p. 122. Disponível em
https://www.upf.edu/documents/3885005/3891266/Todoli.pdf/051aa745-0eea-42af-921f-dd20a7ebcf2c .
12
Comunidade Uber” que, embora faça uso do termo “recomendações”, na realidade serve
como uma maneira de conformar a atividade do trabalhador, função típica do poder de
direção.
Acresce a esta figura, o poder que a plataforma tem de pura e simplesmente excluir
a conta do trabalhador, situação que em muito se aproxima de um ato de livre
despedimento, e que é utilizada, ainda que não expressamente, como um mecanismo
punitivo41, apresentando assim uma configuração análoga à do poder disciplinar.
Ademais, a realidade tem demonstrado que grande parte destes trabalhadores não
presta serviço a mais que uma plataforma e não possui um outro meio de auferir
rendimentos o que, a nosso ver, aparenta indicar uma certa dependência económica42.
Esta situação aliada à periodicidade semanal em que esses pagamentos são feitos, parece
remeter também para o indício da al. d do n.º 1 do art. 12.º, pese embora a quantia não
seja fixa, antes está dependente da quantidade de serviços de entrega ou viagens que o
trabalhador realize.
41
Quase numa lógica de “se não fizeres isto, terás estas consequências”.
42
Neste sentido vd., Ac. TRC, de 13.11.2019, relator Jorge Manuel Loureiro (proc. n.º
716/14.4TTCBR.C1) que dispõe o seguinte: “A dependência económica pressupõe, designadamente: i) a
integração do prestador, de modo tendencialmente duradouro e exclusivo, no processo empresarial de
outrem, sendo com ela incompatíveis situações de prestação de serviços sem contrapartida retributiva
ou, por outro lado, meramente casuais ou esporádicos”.
43
Cfr. AMADO, João Leal/ MOREIRA, Teresa Coelho (2019) – A lei portuguesa sobre o transporte de
passageiros a partir de plataforma eletrónica: sujeitos, relações e presunções in Labour & Law Issues, vol.
5, no. 1, pp. 76-77.
13
parece-nos que a classificação mais adequada a dar a estes trabalhadores seja a de
trabalhadores autónomos economicamente dependentes.
A tutela desta forma de trabalho é realizada através do art.º 10.º do CT que prevê
a aplicação de normas concernente a direitos de personalidade, igualdade e não
discriminação e segurança e saúde no trabalho, a vínculos laborais onde, embora não
exista subordinação jurídica clássica45, verifica-se a dependência económica46 entre
prestador de serviços e o beneficiário da atividade. O fator da dependência económica
pode ser presumido quando esteja em causa acidentes de trabalho47 e consubstancia-se
nas situações em que os trabalhadores, ainda que formalmente independentes, dependem
maioritária ou exclusivamente de apenas um empregador, neste caso, beneficiário dos
serviços48.
44
Neste sentido vd., LEITÃO, Luís Meneses (2016) – Direito do Trabalho, Almedina: Coimbra, 5ª Ed.,
p. 142.
45
Como a descrita no art.º 11.º do CT.
46
Cfr. Ac. TRC, de 13.11.2019, relator Jorge Manuel Loureiro (proc. n.º 716/14.4TTCBR.C1).
47
Cfr. Art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
48
Cfr. Ac. do STJ, de 22.01.2015, relator António Leones Dantas (proc. n.º 481/11.7TTGMR.P1.S1):
“Na verdade, a dependência económica, considerada em abstrato, prende-se, em primeira linha, com a
resposta à satisfação das necessidades do dia a dia, em termos de alimentação, alojamento, vestuário,
mas também com o restante complexo de necessidades essenciais à realização pessoal de cada um.
Está numa situação de falta de autonomia económica e como tal em dependência económica, quem não
tem, só por si, capacidade para responder aos encargos de natureza económica relacionados com a
satisfação daquele conjunto de necessidades.”.
14
economicamente dependentes, isto porque consideramos que a solução legal é ainda
insuficiente para responder às necessidades destes trabalhadores que, indiscutivelmente,
se encontram numa posição de especial fragilidade e expostos ao fenómeno da
precariedade laboral com particular intensidade.
49
Cfr., LEITÃO, Luís Meneses (2016) – Direito do Trabalho, Almedina: Coimbra, 5ª Ed., p. 142.
50
Nesta sequência frisamos a sentença n.º 12/2019 do Juzgado de lo Social de Madrid que dispôs que um
determinado trabalhador da Glovo não poderia ser considerado um trabalhador dependente, antes se
inseria na categoria de trabalhador autónomo economicamente dependente.
51
Neste sentido destacamos três acórdãos do Juzgado de lo Social de Madrid (decisões n.ºs 53/2019, de
11 de fevereiro, 128/2019 de 3 de abril e 130/2019, de 4 de abril) que consideram os trabalhadores da
Glovo como trabalhadores subordinados, devido ao extensivo controlo que a plataforma exerce sobre
moldes de execução da atividade.
52
A este propósito damos enfâse ao caso Razak v. UberBlack, decidido a 11 de abril de 2018 no United
States District Court for the Eastern District of Pennsylvania, cuja sentença considerou os condutores da
Uberblack como trabalhadores independentes uma vez que, embora existisse alguma conformação da
atividade por parte da empresa, tal não se afigurava s/uficiente para classificar estes trabalhadores como
subordinados.
53
Regulada na section 230 (3) do Employment Rights Act.
54
Cfr. AMADO, João Leal/ MOREIRA, Teresa Coelho (2019) – A lei portuguesa sobre o transporte de
passageiros a partir de plataforma eletrónica: sujeitos, relações e presunções in Labour & Law Issues,
vol. 5, no. 1, p. 69.
15
Neste âmbito, não podemos deixar de fazer referência à criativa, mas questionável,
opção do legislador português em regular os contratos Uber, através da Lei 48/2019, de
10 de agosto, também designada por Lei TVDE. Esta lei dispõe, por um lado, sobre a
atividade de transporte individual e remunerado de pessoas55 56
e, por outro, fixa um
regime jurídico para as plataformas que fornecem estes serviços57. Resumidamente, esta
lei diferencia quatro sujeitos na relação jurídica: a operadora de plataforma eletrónica58,
o motorista59, o passageiro60 e o operador de TVDE61.
No art.º 10.º da Lei TVDE é onde reside a nossa maior dúvida relativa ao regime
em apreço. Este art.º, no seu n.º 10, prevê que “ao vínculo jurídico estabelecido entre o
operador de TVDE e o motorista afeto à atividade, titulado por contrato escrito assinado
pelas partes, e independentemente da denominação que as partes tenham adotado no
contrato, é aplicável o disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho”. O legislador, ao
remeter para a presunção de laboralidade do art.º 12.º, fá-lo descurando a clara
desadequação já previamente explorada dos indícios previstos à realidade do trabalho
digital e, mais preocupante que isto, coloca a possível existência de contrato de trabalho
na relação estabelecida entre o motorista e a operadora de TVDE, desresponsabilizando,
quase por completo, as plataformas digitais da sua possível responsabilidade jurídico-
laboral para com os trabalhadores considerados.
55
Não versando por isso sobre a situação dos estafetas que fazem entregas ao domicílio.
56
Art.º 1., n.º 1 da Lei TVDE.
57
Art.º 1, n.º 2 da Lei TVDE.
58
Intermediária do serviço, cfr. Art.º 1, n.º 2 da Lei TVDE.
59
Prestador direto do serviço.
60
Beneficiário do serviço.
61
Formalmente, esta lei considera que é a operadora de TVDE (pessoa coletiva com o qual o motorista
celebra contrato) quem presta o serviço e não o próprio motorista considerado de forma individual, cfr.
Art.º 2.º, n.º 3 da Lei 45/2018 através da expressão “por um motorista ao serviço de um operador”, leia-
se, de TVDE.
62
Pelo menos, impede a prestação dos serviços através da sua plataforma, o que não implica
necessariamente que o trabalhador não possa exercer a sua atividade em plataforma diversa. Note-se que,
apesar de possível, esta capacidade que o motorista tem de procurar outra empresa digital para trabalhar,
não torna o atendado aos princípios do Direito do Trabalho e à tutela dos direitos fundamentais do
trabalhador menos grave.
16
Para concluir esta breve e necessária análise do estatuto jurídico que os
trabalhadores da Uber e plataformas análogas dispõem, denotamos que, a partir do
raciocínio exposto, uma resposta definitiva e satisfatória ainda não pode ser dada à luz do
ordenamento jurídico-laboral nacional. Contudo, para efeitos do estudo da relevância do
direito à negociação coletiva e à greve no âmbito dos trabalhadores digitais, reputá-los-
emos à categoria de trabalhadores autónomos economicamente dependentes.
17
De uma perspetiva nacional, a liberdade sindical como a conhecemos hoje foi
acolhida pela primeira vez na CRP de 1976, pós 25 de Abril, consolidando-se como
uma das maiores conquistas laborais em democracia. A liberdade sindical decorre, por
isso também, da liberdade de associação63, previamente negada aos trabalhadores.
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA compreendem a liberdade sindical como
uma expressão da liberdade de associação, mas que dela se distingue por ser uma
“associação de classe, que é constituída por trabalhadores assalariados ou
equiparados, que possui o intuito da defesa dos interesses da classe contra os da
entidade empregadora.”64 – definição que resume impecavelmente a essência deste
princípio.
63
Cfr. Art.º 46.º da CRP – a liberdade de associação como um direito mais amplo que a liberdade
sindical.
64
CANOTILHO, José Gomes (2002) – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed. Almedina:
Coimbra., cit. p. 267-272.
65
Cfr. Art.º 444.º n.º 1 do CT.
66
Cfr. Art.º 55.º n.º 2 al. a da CRP.
18
de trabalhadores67 de caráter permanente68 e voluntário69 com fins específicos de defesa
dos interesses dos trabalhadores que representa70.
67
Aqui reside o elemento subjetivo da associação sindical que significa que apenas trabalhadores, e não
quaisquer pessoas, poderão mobilizar este direito. Esta questão em específico levanta problemas no
sentido de saber o que são trabalhadores para efeitos de liberdade sindical – questão que exploremos
posteriormente neste relatório com o intuito particular de saber se os trabalhadores da Uber e plataformas
digitais análogas se enquadram neste conceito ou não.
68
Neste âmbito veja-se o art.º 450.º n.º 1 al. a do CT que aponta para a existência de situações em que
uma associação sindical nasce com um prazo para findar, abrindo-se através deste art.º uma exceção ao
caráter permanente e de estabilidade das associações sindicais: “(…) os estatutos de associação sindical
(…) devem regular: (…) a duração, quando a associação não se constitua por período indeterminado;”.
69
Por derivar de um direito, liberdade e garantia com contornos bastante específicos não pode ser criado
um sindicato por imposição da lei tendo de resultar necessariamente da vontade livre de associação dos
trabalhadores.
70
Este será o elemento objetivo da associação sindical.
71
Celebrada entre associações sindicais e associações de empregadores.
72
Celebrada entre múltiplas entidades empregadoras para as suas respetivas empresas e associações
sindicais.
73
Celebrada entre sindicatos e apenas uma entidade empregadora e a sua respetiva empresa.
74
Cfr. Arts.º 477.º e 491.º do CT.
75
Impõe-se como obrigação do Estado promover a negociação coletiva, de modo que as IRCTs tenham o
mais amplo âmbito de aplicação possível e que as suas soluções cheguem aos contratos do maior número
de trabalhadores.
19
Assim, os acordos alcançados através da contratação coletiva apresentam-se
como uma conquista laboral insubstituível, desde logo porque têm o poder de
influenciar positivamente as condições de trabalho concretas do trabalhador, chegando
mesmo a, em certos casos, prevalecer sobre as cláusulas do contrato de trabalho
individual76. Desta forma, o peso e relevância destes direitos são inegáveis e
indiscutíveis no âmbito dos trabalhadores subordinados. Agora restar-nos-á perceber se
os trabalhadores da Uber também poderão usufruir deles.
O art.º 57.º da CRP consagra o direito à greve como um direito fundamental dos
trabalhadores. A par da liberdade sindical e do direito à negociação coletiva, o direito à
greve foi estabelecido como um direito fundamental, liberdade e garantia dos
trabalhadores após o 25 de Abril e apresenta-se atualmente como um mecanismo
reequilibrador das posições laborais naturalmente desniveladas.
76
Cfr. Art.º 476º. do CT sobre o princípio do tratamento mais favorável e a prevalência, em caso de
conflito entre lei e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, das condições que se afigurem
mais vantajosas ao trabalhador.
77
Como já foi mencionado, no âmbito da liberdade sindical e da negociação coletiva, albergando
indiretamente o instituto da greve.
78
No seu art.º 6.º, n.º 4
79
No seu art.º 28.º
80
No seu art.º 8.º, n.º 4
20
práticos não poderão ser comprometidos por uma possível ameaça à sustentabilidade do
contrato de trabalho, apresentando-se assim como um direito potestativo. Deste modo, a
lei prevê que durante a greve, o contrato de trabalho encontrar-se-á suspenso81.
Deste modo, a greve é também um direito subjetivo porque, por um lado, o seu
exercício não pode ser vedado aos trabalhadores84 e, por outro, é alvo de uma forte
proteção legal através de mecanismos que asseguram a sua efetividade prática, como é o
caso do art.º 536.º do CT e do art.º 57.º, n.º 3 da CRP85. Contudo, e como já foi
mencionado, a greve não é um direito ilimitado, estando sujeita às restrições inerentes
aos direitos fundamentais e, claro, às normas de procedimento previstas pelo legislador
ordinário86.
81
Nos termos do art.º 536.º do CT.
82
Cfr. Art.º 531.º do CT.
83
Neste sentido vd., CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) – Constituição da República
Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 754.
84
Não obstante, o exercício ilícito da greve poderá ter consequências legais
85
Que atribui aos trabalhadores o poder de definir e delimitar o âmbito concreto dos interesses a
defender, âmbito este que não pode ser limitado pela lei.
86
ABRANTES, José João (2014) – Direito do trabalho II (Direito da greve), Almedina, Coimbra, cit. p.
73.: “A CRP, com o seu art. 57º, nº 2, afastou a possibilidade de limitação do direito de greve em função
dos motivos, tendo, todavia, permanecido aberto o espaço para que o legislador ordinário limitasse o
exercício desse direito, quer no plano das formas, dos tipos de comportamento, que pode assumir, quer
no das regras processuais a observar no seu desencadeamento”.
87
Cfr. Art.º 536.º, n.º 1 do CT.
88
Não importa neste relatório explanar a problemática em volta dos interesses legítimos e ilegítimos que
poderão estar na base da greve por se tratar de um assunto muito complexo e minucioso, não
necessariamente impreterível para a questão tema do relatório.
21
elementos têm um caráter bastante generalizado e que, de forma concreta, a greve pode
assumir várias nuances e formas de desenvolvimento.
De igual forma, também nos foi possível concluir, em linha com a doutrina e com
a jurisprudência, que o critério supremo na delimitação do conceito de trabalhador para
efeitos constitucionais é a existência de subordinação jurídica.
89
Cfr. CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) – Constituição da República Portuguesa
Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, cit. p. 706.
90
Nomeadamente juízes.
91
Como por exemplo, o Presidente da República, membros do Governo, deputados, Presidentes de
Câmaras e Juntas de Freguesia, etc.
22
Face a este entendimento clássico, fica claro que o direito à negociação coletiva e
à greve são direitos que assistem expressamente os trabalhadores subordinados. Não
obstante, e partindo das considerações que retiramos da análise das componentes
concretas dos contratos uberizados, em particular no respeitante aos elementos que
indicam a existência de um vínculo de dependência e consequente aplicação do art.º 10.º
do CT, resta-nos agora averiguar se estes direitos laborais coletivos não poderão
eventualmente caber também na esfera dos trabalhadores destas plataformas digitais.
92
Cfr. CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) – Constituição da República Portuguesa
Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, cit. p. 730.
93
LEITE, Jorge (2004) – Direito do Trabalho, Coimbra, p. 109-110 apud MARTINS, Bárbara Alvarenga
Rodrigues (2019) – A extensão do princípio da liberdade sindical e do direito à greve aos trabalhadores
autónomos economicamente dependentes: em especial os trabalhadores no domicílio e os
teletrabalhadores autónomos dependentes, Dissertação de Mestrado: Faculdade de Direito da
23
Desta forma, a doutrina posiciona-se claramente ao afirmar que as situações
descritas no art.º 10.º do CT são passíveis de se subsumir no conceito de trabalhador para
efeitos de liberdade sindical. A questão de forma concreta dependerá, em última instância,
da classificação que o nosso ordenamento jurídico dá aos trabalhadores da Uber e
plataformas análogas como abrangidos, ou não, pela figura da equiparação.
24
Escusado será então dizer que, ao garantir o acesso à negociação coletiva aos
trabalhadores uberizados, estes beneficiariam grandemente da oportunidade de, através
dos seus sindicatos, poderem participar numa ampla e direta discussão com a empresa
tecnológica que os emprega. Contudo, para isto ser possível não só o motorista/estafeta
tem de ser visto pelo direito como trabalhador para efeitos de direitos coletivos, mas
também a empresa dona da plataforma digital tem de ser encarada como empregador sob
pena dos acordos conquistados através da negociação coletiva não vincularem estas99.
99
Veja-se como esta questão assume especial relevo no caso da Lei dos TVDE. Nesta lei, a plataforma
digital não é equacionada como possível empregador, antes é o operador de TVDE que possivelmente
poderá ocupar este estatuto nos termos do art.º 12.º do CT. Ora, na eventualidade de se confirmar o
vínculo laboral e, existindo IRCT aplicável ao trabalhador, esta não vinculará de forma alguma a entidade
dona da plataforma digital, antes vinculará a entidade considerada como empregadora (no caso o operador
de TVDE), pelo que os efeitos práticos da negociação coletiva ficarão comprometidos.
100
OIT (2021) – Perspetivas Sociais e de Emprego no Mundo 2021: O papel das plataformas digitais na
transformação do mundo do trabalho, Bureau Internacional do Trabalho - Genebra: OIT, 1ª edição.
Disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-
lisbon/documents/publication/wcms_830697.pdf . Consultado a 01.06.2022.
101
OIT (2021) – Perspetivas Sociais e de Emprego no Mundo 2021: O papel das plataformas digitais na
transformação do mundo do trabalho, Bureau Internacional do Trabalho - Genebra: OIT, 1ª edição, cit.
pp. 203-204.
25
devem ter alargado a si a titularidade destes direitos coletivos. Só assim cumprirá
plenamente o Direito do Trabalho a função que lhe deu origem.
102
Cfr. REIS, João Carlos Simões dos (2012) – Resolução Extrajudicial de Conflitos Coletivos de
Trabalho, Coimbra: Coimbra. Vol. I., p. 95
103
A título de exemplo vd., DN/LUSA (2019) – “Serviços mínimos definidos para greve dos médicos e
enfermeiros” in DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Disponível em https://www.dn.pt/vida-e-futuro/grevessaude-
servicos-minimos-definidos-apos-criticas-de-sindicato-dos-enfermeiros-11066339.html . Consultado a
02.06.2022.
26
exclusividade do direito à greve como pertencente aos trabalhadores subordinados e quem
argumente que o direito deve ser alargado a situações equiparadas. Não obstante,
facilmente se percebe que estender este direito a trabalhadores economicamente
dependentes é essencial na medida em que, ainda que não estejam expostos a um vínculo
de subordinação jurídica clássico, veem-se emergidos numa realidade laboral causadora
de conflitos sociais, sendo do maior interesse do Direito do Trabalho possibilitar formas
de os solucionar.
Ora, parece-nos que este direito abstrato a uma luta semelhante à greve incluir-se-
á no âmbito do direito fundamental de reunião e manifestação que assiste a todos os
cidadãos106 o que, à luz da constatação de existência de conflitos laborais nos vínculos de
trabalho com dependência económica, demonstra-se seriamente insuficiente. E verdade
que todos os indivíduos, trabalhadores ou não disfrutam de liberdade reivindicativa sobre
a forma de manifestações ou protestos, mas não é acaso que para os trabalhadores, o
legislador constitucional reservou o instituto da greve.
104
Enquanto trabalhadores subordinados cfr., CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) –
Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 706.
105
Cfr., CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (2014) – Constituição da República Portuguesa
Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 752.
106
Consagrado no art.º 45.º CRP.
107
Cfr. Art.º 536.º do CT.
27
de segurança social, acidente de trabalho e doença profissional108. Neste sentido, e tendo
em vista as semelhanças entre conflitos laborais nos vínculos de subordinação jurídica e
nos vínculos de dependência económica, somos do entendimento que não só faria todo o
sentido como é premente o alargamento do instituto da greve, pelos motivos elucidados,
aos trabalhadores autónomos economicamente dependentes, em especial aos da Uber e
plataformas análogas. Enquanto estes trabalhadores não desfrutarem de uma tutela similar
à da greve não podemos dizer que os seus direitos de personalidade, assim como previsto
no art.º 10.º, lhes são plenamente assegurados, pois estarão sempre desprotegidos de
possíveis represálias por parte da entidade empregadora.
108
Cfr. n.º 2 do art.º 536.º do CT.
109
Como vimos na parte inicial do presente relatório, a Uber tem o poder de unilateralmente excluir da
plataforma digital a conta do trabalhador, entre outros motivos, no caso deste recusar atender um dado
número de viagens/pedidos.
28
A OIT não se manifestou ainda no sentido de afirmar a extensão do direito à greve
aos trabalhadores de plataformas digitais, todavia e como já foi mencionado, a greve é
contemplada, pese embora de forma implícita, nas Convenções n.ºs 87 e 98 e é fixada
como sendo uma clara decorrência dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
CONCLUSÃO
À luz do que foi exposto, mas dando especial enfoque aos princípios e valores
fundamentais alvos de tutela jurídico-laboral, somos do entendimento que tanto o direito
à negociação coletiva como o direito à greve devem ser garantidos aos trabalhadores da
Uber e plataformas análogas. Desde logo, se os seus vínculos laborais se subsumirem em
verdadeiros contratos de trabalho110, o problema não se coloca. Todavia, se os
considerarmos autónomos e economicamente dependentes, entendemos que o art.º 10.º
do CT encarregar-se-á de fundamentar esta extensão de direitos.
110
Cfr. art. 10.º da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto concernente aos motoristas, e art. 12.º do CT
respeitante aos restantes trabalhadores destas plataformas.
29
teórico-jurídico, podem representar a diferença real e concreta entre precariedade e
dignidade na vida dos trabalhadores destas plataformas digitais.
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ACÓRDÃOS
Ac. STJ, de 21.05.2014, relator Mário Belo Morgado (proc. n.º 517/10.9TTLSB.L1.S1)
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Ac. STJ, de 09.09.2015, relatora Ana Luísa Geraldes (proc. n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1)
Ac. TRC, de 13.11.2019, relator Jorge Manuel Loureiro (proc. n.º 716/14.4TTCBR.C1)
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LEGISLAÇÃO
Código Civil
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www.dgsi.pt
www.dre.pt
www.uber.com
https://www.uber.com/legal/terms/pt/
33
34