Tese Fabiano 2018
Tese Fabiano 2018
Tese Fabiano 2018
JOÃO PESSOA
2018
FABIANO PEREIRA SILVA
JOÃO PESSOA
2018
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação
UFPB/BC
FABIANO PEREIRA SILVA
Aprovada em:_____/_____/_______
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Profª. Drª. Tereza Queiroz
(Orientadora/PPGS-UFPB)
____________________________________________________________
Prof. Dr. Charliton José dos Santos Machado
(Examinador/PPGE/PPGS-UFPB)
____________________________________________________________
Prof. Dr. Rogério Medeiros
(Examinador/PPGS-UFPB)
____________________________________________________________
Prof. Dr. Vanderlan Silva
(Examinador/PPCS-UFCG)
____________________________________________________________
Prof. Dr. Marco Aurélio Paz Tella
(Examinador/PPGA-UFPB)
Dedico esta tese aos meus pais, João Francisco e Edilma Silva,
pelo apoio incondicional. Minhas raízes, fonte primeira
de leitura do mundo e os primeiros a me dar régua
e compasso, o resto foi consequência.
A minha companheira Geanne Lima. Talvez, o mais difícil desses quatro anos não tenha sido a
tese entre nós, mas nós mesmos. E sobrevivemos. Te amo!
Aos meus pais, meus irmãos, sobrinho e sobrinha, enfim, à minha família, minha base e raiz.
A professora Tereza Queiroz que nos acompanha nos trabalhos de orientação desde o mestrado.
Com seu humor, competência teórica e metodológica na área da sociologia nossos encontros de
orientação eram sempre animados e muito proveitosos. Tereza tem uma característica que,
talvez, poucos orientadores tenham: saber ouvir seu orientando e dar-lhe autonomia dentro dos
limites que um trabalho como este exige. Nestes anos de “aprendiz de feiticeiro” não poderia
ter tido parceria melhor.
Aos estudantes Bárbara Santos, Hiolytta, Eveline, Raissa C. Leocádio da Silva, Maria Eduarda,
Conceição Vieira, Marcos dos Santos, Daniel de Souza, Jonheiny Jerônimo Alves, Matheus
Peixoto (Presto), Claudio Alves Júnior (Barbicha), Rodrigo Azevedo Alves Júnior, André Luiz
da Costa Gomes (Deco), Inocêncio Soares, Felipe Bezerra, Felipe Lima Soares, Cleiton Tomaz
de Souza (Alph), Iago Lucena, Bruno da Silva Barbosa. Grato pelas contribuições sem as quais
esta pesquisa não seria possível.
Aos professores Rogério Medeiros, Charliton Machado, Vanderlan Silva e Marco Aurélio por
ter aceitado o convite de participar em nossa banca de defesa e pelas contribuições a este
trabalho.
Aos professores de curso de Ciências Sociais da UFPB, entre eles: Mauro Koury, Ana Montoia,
Tereza Queiroz, Monica Franch, Marcos Ayala, Ariosvaldo Diniz, Adriano de Leon, Aecio
Amaral, Samir Perrone, Giovanni Boaes, Marcela Zamboni, Rogério Medeiros, Paulo Tarso de
Medeiros, Roberto Véras, Terence Mulhall e Teresa Cristina Furtado Matos. Grato pelo
aprendizado.
Ao professor Wellington Pereira e a oportunidade de ter participado do GRUPECJ (Grupo de
Pesquisa Sobre o Cotidiano e Jornalismo) que, de forma interdisciplinar, agregou estudantes de
diversas áreas com foco na pesquisa e publicação.
Aos amigos e amigas Wagner Ramos, Edilza França, Tamara Antas, Kaline Vieira (Gaatã),
Adriana Caires, Prof. Carlos Augusto, Alcyra Cotta, Marcel Manfrin (que sempre me
perguntava como ia a tese); Grabriela Carreiro e Leonardo Ferreira da Silva parceiros de
biblioteca que nos diálogos e trocas de ideias íamos nos apoiando e buscando forças para
continuar.
À Miles Davis pela trilha sonora que nos ajudou na escrita desta tese.
À Capes pela concessão da bolsa de doutorado.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 00.
Pode-se dizer, em geral, que os dados experienciais, intelectuais e
emocionais à disposição dos membros de uma certa sociedade não são
uniformemente dados a todos eles; em lugar disso, o fato é que cada
classe tem acesso apenas a um conjunto daqueles dados, restritos a um
“aspecto” particular. Desse modo o proletário muito provavelmente
apropria-se de apenas uma fração da herança cultural de sua sociedade,
e isto conforme a maneira de seu grupo (MANNHEIM, 1982, p. 73).
RESUMO
Este trabalho se insere no campo dos estudos sociológicos que abordam a interface juventude
e política. O longo histórico de participação de jovens, através do movimento estudantil (ME),
nos principais acontecimentos políticos brasileiros que engendraram mudanças, o credenciam
como um ator político importante. Ao longo de décadas, a pauta deste movimento esteve ligada
à sua condição de classe (média) que, de modo geral, girou em torno da luta pela ampliação do
acesso e a qualidade da educação no ensino superior no Brasil. No entanto, a partir de 2007, a
implantação de ações governamentais com vistas à ampliação e democratização do acesso à
universidade, possibilitou a ascensão de camadas populares da sociedade brasileira nesta área
de ensino. Diversas mobilizações e atos políticos do movimento estudantil têm evidenciado a
precariedade da assistência ao estudante que visa garantir a permanência dos e das estudantes
em situação de vulnerabilidade socioeconômica no ensino superior. Desta forma, analisamos
se de fato a mudança na base social da universidade pública federal reflete num novo momento
das mobilizações estudantis pautadas na sobrevivência/permanência do estudante na
universidade e como o estudante se torna um sujeito político no contexto atual da expansão e
retração do ensino superior no Brasil. Nossa pesquisa faz uso da metodologia qualitativa a partir
do levantamento bibliográfico; da observação e anotações da pesquisa etnográfica feita com os
grupos e coletivos do ME durante nossa inserção no campo de pesquisa; de entrevistas com
estudantes etc. Além disso, analisamos dados quantitativos do MEC e INEP que expressam a
expansão do ensino superior, bem como documentos da UFPB sobre a assistência estudantil
nesta instituição. Nossa análise tem por base as contribuições teóricas de Thompson, a partir do
conceito de experiência desenvolvido por este; de Bourdieu, com o conceito de campo político,
habitus entre outros; e de Eder Sader, com a noção de sujeito coletivo que desenvolve práticas
de ação coletivas a partir do reconhecimento de interesses em comum. Os resultados apontam
para uma expansão da universidade pública federal, a partir de políticas públicas
governamentais (como REUNI, Lei de Cotas, PNAES etc.), assim como para a chegada de
grandes parcelas das classes populares ao ensino superior. Problemas com a manutenção das
políticas públicas de assistência estudantil evidenciaram situações de precarização das
condições de permanência do e da estudante na universidade. Observamos que o
reconhecimento recíproco desta situação gerou grupos que passaram a desenvolver uma
identidade comum estabelecendo laços de sociabilidade e práticas de ação política próprias.
Assim, é através do movimento estudantil que se dá os movimentos de mudança, no campo
político universitário, com a incorporação de novos atores, de novas demandas e a afirmação
formas peculiares de ações coletivas.
Palavras-Chave: Juventude. Política. Movimento Estudantil. Ensino Superior. Campo
político.
ABSTRACT
This work falls within the field of sociological studies that approaches the youth and political
interface. The long history of youth participation through the student movement (ME) in the
main Brazilian political events – which engendered changes and accreditation – placed the
student movement as an important political actor. Throughout the decades the movement’s goal
was linked to its condition of (middle) class which, generally, rotated around the struggle to
ampliation of the quality and access to higher education in Brazil. However, since 2007, the
implementation of governmental actions aiming to increase and democratization of the access
to university enabled the access of the lower layers in higher education. Several student
mobilizations and political movements have demonstrated a precariousness of student
assistance that aims to guarantee the permanence of socioeconomic vulnerable students in
higher education. Thus, we analyzed whether the change in university social base reflects a new
moment of student mobilization – the ones that aim the survival / permanence of the student –
and how the student becomes a political agent in the current scenario of expansion and
retraction of Brazilian higher education. Our research uses the qualitative methodology from
bibliographic survey; it also uses the observation and notes taken with the groups and
collectives during our insertion in the research field (which were based on the ethnographic
research); and also interview with the students. In addition, we analyzed quantitative data from
MEC and INEP which express an expansion of higher education, as well as documents from
UFPB about its student assistance. Our analysis is based on Thompson’s theoretical
contributions – his concept of experience, Bourdieu’s concepts of political field, habitus, among
other; Eder Sader’s notion of collective individual that develops practices of collective actions
from the recognition of common interests. The indicators point to an expansion of the federal
public university, such as the REUNI, the Law of Quotas, the PNAES, etc., as well as for the
arrival of large amounts of the lower classes to higher education. Problems with the
maintenance of student assistance public policy evidence situations of precariousness
conditions of the student permanence in the university. We observed that the reciprocal
acknowledgments have created groups that started to grow a common identity that permitted
the construction of sociability bonds and their own political action practices. Thus, it is through
the student movement that the movements of change in the university political field take place,
with the incorporation of new actors, new demands and the affirmation of peculiar forms of
collective action.
Keywords: Youth. Policy. Student Movement. Higher education. Political field.
LISTA DE GRÁFICOS
INTRODUÇÃO
Ainda nos anos 1990, atos de corrupção do poder executivo abriram espaço para mais
uma atuação dos estudantes em todo Brasil que protagonizaram o “Fora Collor” numa das
últimas ações em massa do ME. Neste momento, trabalhos como o de Mische (1997)
procuraram captar a especificidade daquelas mobilizações marcadas pela dispersão das redes
juvenis num contexto social, cultural e político mais diverso perpassado por projetos pessoais
e coletivos muitas vezes contraditórios. Assim, a autora destaca a categoria “estudante” para se
pensar a diversidade de projetos juvenis em que a identidade de “cidadão” toma o primeiro
plano.
O aparelhamento das entidades estudantis por partidos políticos tem sido apontado por
alguns estudos (MESQUITA, 2006; BARBOSA, 2002; SANTANA, 2007) como uma das
possíveis causas da perda da organicidade do movimento estudantil. No entanto, além do
aparelhamento outras questões podem ser apontadas como: a maior complexidade da população
estudantil, a crise das formas de representação política, a emergência de novas demandas
políticas e identitárias, o descolamento entre líderes e base do movimento, a nova dinâmica da
vida estudantil num cenário de crescente competitividade entre outros.
Isto se revela, principalmente, no desinteresse de grande parte dos e das estudantes pela
organização política estudantil que se reflete numa crise de representação de suas entidades.
Nos anos 2000, novos estudos retomaram o prisma político das experiências juvenis
ressaltando a incorporação da pauta de movimentos identitários (Feminista, Negro e LGBT) na
agenda de lutas do movimento estudantil (MESQUITA, 2006). Por sua vez, Costa (2004)
evidencia as novas formas de organização e atuação dos estudantes a partir da reflexividade dos
atores e sua habilidade de analisar constantemente suas práticas sociais.
No entanto, os primeiros anos do novo século trouxeram mudanças significativas na
área da educação, particularmente para as universidades públicas federais. As políticas públicas
de reforma para esta área, implementadas nos governos Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff
(2011-2016), tiveram um impacto não só na expansão da estrutura das universidades públicas
federais brasileiras, mas na sua base social permitindo uma maior diversificação do alunado1.
Isto foi possível a partir de investimentos de uma ampla soma de recursos, por parte do
Governo Federal, com vistas à ampliação e a democratização do acesso ao ensino superior.
Entre os principais programas e ações governamentais com este caráter podemos citar: o
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni),
1
Contudo, a extensão dos investimentos do governo federal no ensino superior vai além das universidades
públicas, englobando também políticas públicas para estudantes que desejam financiar seu curso superior em
faculdades privadas, como é o caso do PROUNI e FIES.
21
Contudo, estas ações têm dividido opiniões quanto aos propósitos almejados. Para Dias
Sobrinho,
por mais benéficas e necessárias que sejam, as políticas de “democratização”
da educação superior, por via de ampliação de matrículas e ações afirmativas
de inclusão social, apresentam sérios limites que não serão transpostos em
curto espaço de tempo. [...]. O principal obstáculo para a “democratização” e
expansão da educação superior é a vulnerabilidade de grande parte da
população brasileira (DIAS SOBRINHO, 2010, p.1237).
Nossa pesquisa mostra que a inclusão das camadas populares da sociedade brasileira ao
ensino superior público federal tem se dado de forma precarizada. Isto se dá, principalmente,
22
com os constantes atrasos do repasse de verbas destinadas à assistência estudantil que visam
garantir a permanência dos e das estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Além disso, outros fatores têm contribuído para a situação de precarização do estudante no
ensino superior como: a crise política e econômica que se instalou a partir do segundo governo
Dilma e os cortes de verbas na educação superior, a burocratização das instâncias de decisão da
universidade, problemas com fornecedores que prestam serviços ligados a questão da
assistência ao estudante e até mesmo o descaso e omissão de gestores e funcionários.
Isto posto, ao chegar no ensino superior, o estudante de baixa renda pode se deparar com
condições precárias de permanência durante seus anos de estudos. Sem poder contar com um
aporte financeiro extra, muitos desistem da universidade, principalmente aqueles e aquelas que
se deslocam de seu local de origem para estudar em outras cidades.
Consequentemente, a disposição do estudante em permanecer na instituição e continuar
seus estudos o impulsiona a pensar em estratégias de sobrevivência. Isto tem ensejado também
lutas pela obtenção de recursos e apoios como forma de enfrentar o problema. A desistência –
quando há – não se dá sem resistência. No entanto, neste momento, os estudantes que vivenciam
tal situação se deparam com a fragilidade e problemas das instituições de representação
estudantil (CA’s, DA’s, DCE etc.) que nem sempre estão abertas para abrigar as demandas e
pautas colocadas por sua base social. Neste momento, a resistência se dá não só por parte
daqueles e daquelas que tem vivenciado esta situação, mas também por grupos e coletivos que
atuam de forma independente e por fora das organizações estudantis tradicionais se
solidarizando com a situação.
Em nossa pesquisa – que procurou se ater e a estudar estes pontos levantados nos limites
da UFPB, Câmpus de João Pessoa – constatamos diversas intervenções políticas dos e das
estudantes motivadas em grande parte por questões ligadas à assistência estudantil. Algumas
delas são: Greve de fome (fevereiro de 2016), Ocupação da Reitoria pelos estudantes
independentes (março de 2015); Ocupação da Reitoria pelos estudantes que apoiaram e
participaram da greve de fome (março de 2016); Ocupação da Reitoria pelos alunos e alunas da
Residência Universitária (maio de 2017); Ato na Reitoria dos estudantes bolsistas em protesto
ao atraso no repasse da verba da assistência estudantil (novembro de 2015), além de diversas
outras manifestações no Restaurante Universitário evidenciando a má qualidade da comida, os
maus tratos aos funcionários e a demanda por ampliação dos serviços do restaurante.
23
Soma-se a este quadro, os constantes cortes de verbas da educação no atual contexto pós
golpe parlamentar-jurídico-midiático2 que afastou a presidenta Dilma Rousseff e levou Michel
Temer ao poder. Só no ano de 2016, o Ministério da Educação sofreu uma redução de R$ 4,3
bilhões3 no seu orçamento comprometendo não só o andamento das políticas públicas para o
ensino superior, mas o próprio funcionamento das universidades federais brasileiras.
Neste sentido, estudantes tem se mobilizado tanto no plano local como nacionalmente.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) tem tentado mobilizar o maior número possível de
estudantes não só contra os cortes de verba do MEC, mas contra projetos de cunho conservador
como o “Escola Sem Partido” e a PEC 55, esta última aprovada em dezembro de 2016
congelando os investimentos do governo federal pelos próximos 20 anos nas áreas da saúde e
educação. Diversos atos de protestos e ocupações de universidades em todo Brasil tentaram
chamar a atenção da opinião pública contra a aprovação da PEC 55. No entanto, o poder de
mobilização da entidade representativa maior dos estudantes universitários, a UNE, já não é a
mesma de outros tempos.
Se a UNE já não tem a mesma força de antes na mobilização dos estudantes do ensino
superior, o mesmo não se pode dizer dos estudantes secundaristas. Durante nossa pesquisa
fomos surpreendidos pela notícia de que mais de 200 escolas da rede estadual de São Paulo
foram ocupadas – entre outubro e dezembro de 2015 – por estudantes do ensino médio. O
motivo foi a “reorganização escolar” proposta pelo Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin
(PSDB), que pretendia pô-la em prática a partir de 2016. A “reorganização escolar” previa o
fechamento de 94 escolas em todo o estado de São Paulo separando os estudantes do ensino
fundamental do ensino médio. A decisão foi totalmente unilateral, não procurou diálogo e muito
menos levou em consideração a opinião da comunidade escolar (pais, alunos e professores) que
seriam os mais prejudicados. Em meio aos inúmeros protestos, Alckmin suspendeu a
reorganização escolar para vitória dos estudantes secundaristas.
Muito embora nosso estudo não contemple as mobilizações estudantis secundaristas, o
fato não deve ser passado em branco, tendo em vista que os estudantes romperam com o
individualismo e puseram em prática uma sociabilidade de luta que tomou como referência a
horizontalidade dos processos decisórios. Além disso, como lembra Campos et al. (2016, p.13),
“[...] milhares de estudantes-ativistas forjados nas ocupações e protestos já carregam sua
2
Para uma leitura mais detalhada Cf. SOUZA, 2016.
3
Cf. https://g1.globo.com/educacao/noticia/veja-o-impacto-do-corte-de-verbas-em-universidades-e-institutos-
federais-de-14-estados.ghtml
24
experiência de ação autônoma para as universidades e para os locais de trabalho. Muitos frutos
tardios ainda estão por vir”.
Até onde temos observado, atualmente, grande parte das mobilizações dos estudantes
do ensino superior tem se dado em decorrência de falhas na política de assistência estudantil.
Acreditamos que há mudanças no campo político universitário com a chegada de um
novo sujeito político – o estudante precarizado. Consideramos ser um novo sujeito político
principalmente pelo fato de ser estudantes oriundos das classes mais populares da sociedade
que, ao chegar à universidade, diante dos problemas que encontra para sua permanência,
apresentam a demanda da assistência estudantil como condição mínima para permanência no
ensino superior.
Desta forma, nos referimos por estudante precarizado jovens das classes populares que
ingressaram no curso superior de universidades públicas – seja através de ingresso via ENEM
por meio de cotas ou pela disputa geral –, que, geralmente, estudam em polos universitários
longe de suas cidades e Estados e que dependem de bolsas ou auxílios financeiros para sua
manutenção na universidade.
No entanto, esta é apenas uma definição parcial de estudante precarizado. Os processos
de socialização deste estudante na universidade nos levam a pensar a relação entre os
condicionamentos sociais e a subjetividade dos sujeitos. Disto, resulta o habitus enquanto
maneira de percepção do mundo e de ação que gera disposição e baliza seus comportamentos.
Tendo em vista a trajetória social dos jovens das classes populares que ascendem ao ensino
superior e as condições de existência (precária) vivenciadas em comum por estes jovens na
universidade, podemos falar de um habitus que é em parte compartilhado. Assim, a condição
de precariedade e de incerteza em relação ao curso gera disposições para agir como agente
político no campo político universitário através da luta pela assistência estudantil.
Como queremos mostrar, na universidade “[...] os agentes têm sobre este espaço, cuja
objetividade não poderia ser negada, pontos de vista que dependem da posição ocupada aí por
eles e em que, muitas vezes, se exprime sua vontade de transformá-lo ou conservá-lo
(BOURDIEU, 2013, p.162).
Muito embora a pauta da assistência estudantil não seja nova, atualmente ela ganha
contornos mais dramáticos. Se antes a reivindicação dos estudantes estava ligada, de modo
geral, à luta pela democracia e pela ampliação do acesso e a qualidade da educação no ensino
superior; nos dias atuais, a sobrevivência e permanência de muitos estudantes de origem popular
na universidade se torna urgente. Não é à toa que a assistência estudantil tem sido prioridade
nos protestos do ME. Assim, instaura-se um conflito político em que a questão primeira e mais
25
essencial de todas passa a ser a garantia das condições mínimas que permita ao estudante estar
na universidade. Para que isso ocorra, há um reconhecimento recíproco de carências em comum
para defender interesses também em comum. Desta forma, desencadeia-se um processo de
constituição de identificações em que se elabora uma identidade coletiva e se definem projetos
de mudança4.
Certamente, a política de expansão do ensino superior dos governos petista promoveu
uma mudança na base social do alunado da universidade pública federal 5. Isto nos revela uma
situação diferente daquela dos anos 1960/70 – e até mesmo das décadas anteriores aos anos
2000 – em que o estudante universitário era, como mostrou Foracchi (1965, 1972, 1982) e
Bringel (2009), originário da classe média e sua luta estava ligada a esta condição.
Assim, ao procurar meios para se mobilizar contra este estado de coisas, o estudante se
depara com a fragilidade e dispersão tanto das instituições representativas do movimento
estudantil (CA’s, DA’s e DCE, por exemplo) como também dos coletivos e grupos de
estudantes6 que se mobilizam de forma autogestionária por fora destas instituições. Tais grupos
existem e atuam no campo político universitário, no entanto raramente estabelecem uma agenda
de ação em comum, pois estão divididos cada um imerso em suas diferentes concepções
políticas e táticas de ação.
Desta forma, pretendemos analisar se de fato esta mudança na base social da
universidade pública federal reflete um novo momento das mobilizações estudantis pautadas
na sobrevivência/permanência do estudante na universidade e como o estudante se torna um
sujeito político se inserindo em movimentos coletivos de mudança no contexto atual da
expansão e retração do ensino superior. Para isso, se faz necessário:
II) Averiguar os determinantes políticos, sociais e econômicos que estão por trás da
política de ampliação do ensino superior brasileiro – que propiciou uma entrada
massiva de estudantes de origem popular na universidade – mas que,
4
Mais detalhes no 3º Capítulo.
5
É o que nos mostra a pesquisa de TREVISOL e NIEROTKA (2016).
6
No caso da UFPB, alguns deles são: Levante, Correnteza, Tecladinho Vermelho, União Juventude Socialista (UJS),
Assembleia Nacional de Estudantes Livres (ANEL), Estudantes independentes, Coletivo EmpodeRI (Coletivo de
mulheres do curso de Relações Internacionais da UFPB), Juventude Socialista Brasileira (JSB) Juventude
Articulação de Esquerda (JAE), entre outros.
26
III) Analisar o impacto dessa precarização para o estudante e seu esforço para superá-
la, através da auto-organização em movimentos coletivos de mudança, a partir da
reivindicação da assistência ao estudante na universidade dentro do quadro de lutas
do movimento estudantil e,
Outros pontos não menos importantes também serão abordadas, como: a descrença e
questionamento das formas institucionais de representação, valorização da autonomia e ação
direta nos protestos estudantis, a memória histórica do movimento estudantil e sua contribuição
na elaboração de identidades, os conflitos entre os diversos grupos que compõe o ME etc. Se,
como afirmamos, há uma mudança no campo político universitário com a chegada de um novo
sujeito político e a reafirmação da demanda da assistência estudantil, se faz necessário
compreender o sentido dessa mudança.
Para atingirmos o objetivo assim traçado pretendemos analisar o movimento estudantil
a partir da contribuição teórica de dois autores, são eles: Thompson (1987, 1981, 1984) e
Bourdieu (1983, 1996, 2011, 2012). Do primeiro, nos será útil o conceito de experiência que
nos permitirá olhar para a história e o presente do ME e o seu “fazer-se”. Do segundo autor,
nos interessa o conceito de campo social para pensarmos o que estamos chamando aqui neste
trabalho de campo político universitário, os diversos agentes que o compõe, as lutas internas e
as diferentes estratégias postas em prática etc.
Entendemos que, no conceito de experiência, está implícito que os atores políticos não
estão dados, mas se constituem num “fazer-se”, num processo de reconhecimento recíproco de
situações vivenciadas em comum. Assim, a experiência, para Thompson, "[...] compreende a
resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos
acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento". E
continua: “a experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem pensamento.
Surge porque homens e mulheres (e não apenas filósofos) são racionais, e refletem sobre o
que acontece a eles e ao seu mundo” (THOMPSON, 1981, p.15 e 16, grifo nosso).
27
É o despertar desta reflexão, que revela o enredo da vida no ser social, que estamos
chamando de consciência social. Desta forma, pensando a questão dentro do campo conceitual
desenvolvido por Thompson (1981, 1984) poderíamos dizer que, para que o estudante se engaje
num movimento de mudança, se faz necessário que, através da experiência, o ser social
(estudante) desperte a consciência social (reflexão sobre as questões materias vivenciadas).
Assim, a consciência social é ativada a partir da experiência vivida pelo estudante que, no caso
aqui estudado, evidencia situações de injustiça, exclusão, precarização entre outras e que pode
levá-lo a se engajar num movimento de mudança.
O que queremos dizer é que ocorrem mudanças no ser social que dão origem
a experiência modificada; e essa experiência é determinante, no sentido de
que exerce pressões sobre a consciência social existente, propõe novas
questões e proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem
os exercícios intelectuais mais elaborados (THOMPSON, 1981, p. 16, grifo
do autor).
Mas o que estamos chamando aqui de campo político universitário? A noção de campo
encontra em Bourdieu (1996; 2011; 2005) um de seus principais tradutores dentro da sociologia.
De modo geral, este autor circunscreve as práticas sociais dentro da noção de campo, entendida
enquanto espaço social em que ocorrem constantes disputas internas entre os diferentes agentes
que o compõem.
Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma
configuração de relações objetivas entre posições. Estas posições estão
objetivamente definidas, em sua existência e nas determinações que impõem
sobre seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação presente e
potencial na estrutura de distribuição de poder (ou capital) cuja posse ordena
o acesso a vantagens específicas que estão em jogo no campo, assim como por
28
7
Mas que podem extravasar este campo estendendo sua luta para o espaço maior da sociedade.
8
Como a classe social é nos trabalhos de Thompson, por exemplo.
29
as formas de ser e estar na sociedade. Para além disso, a geração é compreendida também como
um conjunto de experiências históricas vivenciadas e partilhadas de forma mais intensa por
determinados sujeitos num dado período de suas existências. Assim, juventude é o elemento
em comum dos sujeitos – mulheres e homens – que compõe o ME9.
Para Bringel (2009), só é possível falar em movimento estudantil quando as
reivindicações dos estudantes apresentam alguns elementos mínimos que estão presentes nos
demais movimentos sociais como:
Definição de reivindicações, demandas e objetivos coletivos; exposição dessa
problemática a interlocutores políticos por meio de diferentes estratégias e
repertórios de ações coletivas; mínima organização com certo grau de
continuidade no tempo; [...] trabalho comum que leva à construção de uma
identidade coletiva, mesmo que incipiente (BRINGEL, 2009, p.102).
9
Ainda assim, acreditamos que é possível verificar algumas exceções.
10
Por exemplo, poderemos explorar questões como: a transmissão da herança cultural (Mannheim) e a crise do
sistema societário, que se reflete nas instituições, e seus impactos sobre a juventude (Foracchi).
30
no ME, analisamos a atuação política juvenil a partir da fundação da UNE (1937) aos dias atuais
para pensarmos a diferença do ME hoje e suas especificidades em comparação com outras
épocas. Para isso foi necessário a pesquisa em livros, teses, artigos, sites oficiais, documentos
disponíveis etc. Entretanto, sendo este um trabalho de sociologia e não de história, nossa análise
centra foco no período de 2007 a 2017, momento em que tem início e consolidação da reforma
do ensino superior, através do REUNI, e a consequente expansão das universidades federais
brasileiras e a emergência de um novo sujeito político no ME que estamos chamando aqui de
“estudante precarizado”.
Para melhor compreender este período, exploramos dados quantitativos do Relatório
Programa Universidade Participativa da UFPB (2013); dados do STI-UFPB sobre matrículas e
sistemas de cota; dados do Relatório de Gestão da UFPB de 2016 relativos à assistência
estudantil desta instituição; dados estatísticos do Censo da Educação Superior, do INEP; dados
do MEC (2014) sobre a democratização e expansão da educação superior no Brasil entre 2003-
2014 etc. As informações oriundas de diferentes instituições nos permitiu fazer o levantamento
dos números relativos aos investimentos no ensino superior nos últimos anos, a quantidade de
alunos beneficiados, as expectativas, em termos numéricos, em relação a estes investimentos;
os números relativos a expansão da universidade demonstrados por ano entre outros.
Para a análise qualitativa, fizemos, inicialmente, um levantamento do estado da arte de
nosso objeto de estudo, ou seja, a juventude e o movimento estudantil. Neste momento,
constatamos uma grande quantidade de textos que tratavam das mobilizações políticas juvenis
principalmente no contexto dos anos de 1960-70, o que nos motivou a seguir em frente com a
pesquisa sobre as práticas mais atuais de organização e ação dos estudantes.
Para tanto, foi necessário conhecer de perto o cotidiano dos estudantes do ensino
superior, suas pautas e práticas organizativas e as mobilizações que acontecem no espaço social
da universidade, chegando, algumas vezes, a ir além desta.
Assim, realizamos um estudo etnográfico no câmpus I da UFPB (João Pessoa) que nos
permitiu uma aproximação entre pesquisador e pesquisado do qual emerge, segundo Beaud e
Weber (2015), o “raciocínio etnográfico”. Segundo os autores, este reúne duas especificidades:
o contato direto e o estudo de caso. Portanto, pudemos acompanhar as mobilizações, atos,
protestos, reuniões, ocupações e não apenas ver, mas buscar compreender a sociabilidade
política da juventude contemporânea.
Laville e Dionne (1999), mostram que o estudo de caso visa não apenas uma descrição,
mas aprofundar um conhecimento sobre algo sobre o qual já se tem estudos. Assim, o estudo
de caso trouxe à tona novos elementos que antes não estavam à vista ou que não existiam. Isto
31
nos obrigou a reexaminar os caminhos da pesquisa e até mesmo rever hipóteses e ideias
sustentadas até então.
O estudo do movimento estudantil, tema bastante pesquisado, tanto na História quanto
na Sociologia, nos impeliu a buscar algo particular das mobilizações estudantis
contemporâneas. Isto nos revelou aspectos do presente que indicavam a correspondência entre
as pautas e mobilizações estudantis com as políticas de inclusão e expansão das universidades
públicas brasileiras possibilitadas pelo Reuni.
Observar esta correspondência nos obrigou a repensar a pesquisa, trabalhar com novos
elementos antes não levados em conta, rever a abordagem e redirecionar o olhar. Neste
movimento de se reexaminar, fomos atraídos por manifestações públicas de estudantes que não
eram lideradas pelas entidades representativas; o que nos levou a seguir esta pista e focar
principalmente no ator coletivo que se expressava e suas práticas. Chegamos a compreensão de
um movimento estudantil que é diversificado e que acontece no que denominamos de campo
político universitário – espaço de relações onde se localizam diferentes agentes do qual emerge
o e a estudante que levanta a pauta da assistência estudantil.
Isso foi possível a partir de nossa inserção no campo de pesquisa – que se deu bem antes
da admissão no doutorado em Sociologia da UFPB. A adoção de um caderno de campo nos
ajudou no registro de tudo que pudesse ser útil. Nos permitiu, portanto, anotar ideias, fatos
ocorridos, lembretes, livros, textos, falas e até mesmo os “pensamentos marginais”, como
sugere Wright Mills (2009).
Durante a pesquisa, ficava cada vez mais claro que havia uma profunda fragmentação
que se abatia sobre o movimento estudantil, evidenciando a existência não de um movimento,
mas de diversos movimentos estudantis coexistindo na universidade mostrando as diferenças
que o separam da sociabilidade militante dos anos 1960-70. Mas, mais que isso, a pesquisa de
campo nos mostrou também que a atuação política dos estudantes não tinha como objetivo
apenas promover mudanças na área da educação e na universidade, como em outros tempos,
mas, de forma mais pragmática, visava garantir a permanência dos e das estudantes dos setores
populares na universidade.
Para compreender melhor este ponto, lançamos mão da entrevista não-estruturada (ou
não-dirigida) que nos possibilitou explorar questões ao mesmo tempo que deixava o
entrevistado livre na sua fala fazendo emergir novas dimensões sobre o tema não previstas pelo
pesquisador. Através do recurso da entrevista pudemos colher informações de estudantes que
atuam no ME das mais diferentes formas, seja em nas instituições políticas representativas
estudantis, como CA’s, DA’s ou DCE; ou em grupos e coletivos independentes etc. Isto nos
32
permitiu traçar um quadro geral com informações úteis sobre os jovens participantes do ME,
suas trajetórias, desejos, inquietações e aspirações. Além disso, as entrevistas foram bastantes
úteis no sentido de esclarecer questões como o papel dos partidos políticos e outros agentes que
atuam e exercem influência no movimento estudantil.
Esta pesquisa me mostrou – e aqui abro um parêntese para uma breve digressão em
primeira pessoa – que ela não é apenas uma pesquisa sobre jovens de origem popular que ao
chegar no ensino superior se deparam com a fragilidade dos laços que os prendem à
universidade e que, por isso, precisam atar outros laços para ali permanecerem. Em certa
medida, é também uma pesquisa sobre minha própria trajetória, uma vez que me permitiu fazer
um paralelo entre as vidas e trajetórias dos jovens aqui estudados e os caminhos que percorri e
o que me permitiu chegar até aqui. Certamente, são trajetórias distintas, marcadas por posições
de classe e visões de mundo também distintos.
Tendo vivido a infância e a adolescência, respectivamente, anos 1980 e 1990, no
contexto de um Brasil pós-ditadura militar que tentava retomar a democracia, fui socializado,
assim como muitos jovens de minha geração, numa conjuntura em que noções como
participação, cidadania e coletividade eram palavras esvaziadas de seu verdadeiro significado.
Isto colocava muitos jovens da época (e de certa forma ainda hoje) num individualismo que nos
impelia à uma busca desenfreada pelo sucesso profissional, sendo a universidade apenas um
meio para isto.
Assim, oriundo de um determinado estrato da “classe média”, não precisei recorrer à
assistência estudantil em minha época de graduação. Da cidade onde morava, podia ir para a
UFPB todos os dias de ônibus levando pouco mais de uma hora. Como não tinha um habitus
político, desconfiava de todos os grupos, coletivos e movimentos políticos de minha geração
na universidade, sendo assim, preferia me distanciar. À época, me interessou mais as
manifestações culturais, principalmente àquelas ligadas à música, e nesta área desenvolvi
alguns projetos.
Acredito que o ponto de virada se deu com a minha entrada numa segunda graduação,
desta vez em Ciências Sociais, também na UFPB. As aulas de Sociologia, Antropologia e
Ciência Política me mostraram um mundo que, embora o visse todos os dias, não o enxergava.
Neste momento, quando despertei para o verdadeiro sentido da política, da participação e do
ativismo me dei conta de que já não era tão jovem e que as necessidades materias, ligadas aos
compromissos da vida adulta, eram impositivas.
Ainda assim, entre 2007-2008, tive uma breve atuação na Associação Universitária
Santarritense (AUS) da cidade de Santa Rita-PB, minha terra natal. À época, juntamente com
33
outros, nos empenhamos em reabrir a associação que há muito estava fechada e retomar suas
atividades promovendo eventos11, debates, oficinas, apresentações culturais (música, poesia
etc.) e cursos pré-vestibular. Me indignava saber que os e as estudantes de Santa Rita tinham
uma associação só para eles e elas em um prédio de frente para a praça principal da cidade e
que era inoperante. Me indigna mais ainda saber que, depois de todo aquele nosso trabalho
coletivo, a situação hoje é de descaso e abandono com a associação.
Após o mestrado, em que estudei a relação juventude e movimento de rádios
comunitárias em João Pessoa (SILVA, 2013), decidi continuar dentro da temática juventude e
política.
Optei então por estudar o movimento estudantil contemporâneo me indagando,
inicialmente, como este movimento se reorganiza nos dias atuais – tendo em vista que não
estamos em governos de ditadura. Portanto, me interessava saber quais os temas mobilizadores
da juventude universitária de hoje, como se organizavam, as formas de atuação, a
ressignificação das lutas do passado etc.
Fechado essa ideia de pesquisa, lembro-me de uma conversa com uma professora do
bacharelado de Ciências Sociais que após ter-lhe explicado o que pretendia pesquisar para o
meu doutorado ela, provocadoramente, me questionou: mas ainda existe movimento estudantil
hoje? À princípio, a pergunta me pareceu um balde de gelo em minha pretensão em estudar o
ME, mas, logo em seguida, compreendi a ironia fina por trás da questão. Assim, compreendi
também que o que poderia ser um problema – no sentido de contratempo e dificuldade de um
tema para ser abordado num estudo – era, na verdade um problema sim, mas um problema de
pesquisa.
Desta forma, poderia começar me perguntando: existe movimento estudantil hoje? Sabia
que sim, uma vez que era algo visível no plano empírico. Talvez não fosse o mesmo da época
em que a professora militou em seu tempo de juventude (depois fiquei sabendo desse detalhe),
mas ainda assim é um movimento político de jovens estudantes. Portanto, a questão era
pertinente e poderia ser abordada. E daí vieram outras questões: já que ele existe e que é
diferente daquele dos idos anos de 1960 e 1970, em que consiste essa diferença? Quais suas
pautas? Entre outras questões problematizadoras.
O estudo que agora o leitor/leitora tem em mãos, apesar da laboriosidade da pesquisa
acadêmica, foi algo que, para além da obtenção de um título, foi feito com a paixão de um
11
Cf. Anexo, p. 266, 267.
34
aprendiz de feiticeiro, que na busca das palavras mais adequadas visa trazer ao mundo algo
(academicamente) relevante.
Nossa pesquisa está dividida em cinco capítulos. O primeiro tem como objetivo revisitar
conceitos clássicos e contemporâneos sobre a juventude de forma que eles possam nos fornecer
pistas a respeito da natureza juvenil e o ambiente sociocultural da atualidade. Ainda no primeiro
capítulo, discutimos também as transformações da paisagem sociocultural e seus efeitos sobre
o processo de socialização do jovem. Levando-se em consideração o fato de que o movimento
estudantil é um movimento de juventude, retomaremos alguns tópicos desta discussão no final
do trabalho.
O segundo capítulo lança um breve olhar sobre a experiência da atuação política dos
estudantes universitários tomando como ponto de partida a fundação da UNE, em 1937,
passando pelas diversas transformações sociopolíticas até os anos de 1990. Nosso objetivo aqui,
além de observar como atuaram os estudantes em cada momento histórico, foi fazer uma análise
dialética, ou seja: como a estrutura política e social estava disposta em cada período e como os
estudantes, juntamente com outros atores da sociedade civil organizada, atuaram politicamente
em cada contexto com vistas a provocar mudanças na estrutura da sociedade. Este capítulo nos
permite também observar as mobilizações estudantis a partir da experiência, categoria que nos
revela o “fazer-se” do movimento estudantil ao longo do período estudado. Portanto, os dois
primeiros capítulos cumprem o propósito de abordar a discussão sociológica da juventude e as
formas de sociabilidade política no seu “fazer-se” ao longo da história recente.
É a partir do terceiro capítulo em diante que a pesquisa que originou este trabalho
começa a se mostrar. Assim, as mudanças que se deram com a chegada do novo milênio, a
partir da ascensão ao poder do grupo político petista, o apoio estratégico da UNE e as
transformações da universidade pública com as reformas destinadas a expansão e
democratização do ensino superior são os assuntos discutido no terceiro capítulo. Os
investimentos massivos via política públicas de expansão do ensino superior promoveram
mudanças significativas na base social da universidade, tendo reflexo direto na situação dos
estudantes. Portanto, trata-se, neste capítulo, da universidade pública e seu projeto de sociedade
e da UFPB e do movimento político juvenil local no quadro dessas mudanças institucionais.
No quarto capítulo, examinaremos a trajetória de vida de alguns jovens que atuaram no
movimento estudantil da UFPB. O perfil dos jovens nos mostra, da convivência familiar à sua
chegada ao ensino superior, os acontecimentos que os levaram a uma experiência militante.
Com isso, ressalta-se na experiência biográfica desses jovens, a formação de um habitus
35
político e o despertar de uma consciência social que evidencia, em sua trajetória, situações de
exclusão, injustiça e precarização e o esforço de superação através das lutas estudantis.
Por fim, o quinto e último capítulo visa dar destaque aos movimentos de mudanças na
qual a experiência militante juvenil desagua através dos atos, lutas e protestos ocorridos durante
parte do período da pesquisa – momento em que as contradições da universidade, que se
expressam através do seu crescimento e retração, se agudizam e produzem movimentos de
contestação entre os estudantes. Ao situar tais movimentos dentro do campo político
universitário estamos aptos, após percorrer todo este itinerário, a entendê-lo a partir dos
diferentes agentes que o compõe, o que está em jogo, os recursos que mobilizam etc.
36
Embora pareça óbvio, a afirmação que o título deste capítulo faz tem implicações
profundas no estudo do movimento estudantil. Diferente dos demais movimentos sociais, o
movimento estudantil se inscreve num espaço de tempo determinado da vivência dos indivíduos
em sociedade. Assim, as várias fases que demarcam a vida propiciam experiências distintas de
ser e estar no mundo.
A juventude, para além de uma etapa cronológica12 e de um ritmo biológico na vida
humana, se configura como um grupo social que partilha de uma gama de situações, vivências
e formas de experimentação de mundo que são determinadas por processos históricos e sociais,
mas que também são postos em movimento a partir de sua atuação como agente social de
transformação. Na modernidade, a juventude assume um papel de protagonismo atuando em
momentos decisivos da história ora contestando costumes e valores ultrapassados, ora se
opondo a regimes e governos autoritários; ora imersa no consumo, outrora experimentando
novas formas de agir na política.
A vida adulta pressupõe outros rituais. Os compromissos (de trabalho, familiares e
amorosos) assumidos ao longo da socialização das pessoas se entrelaçam proporcionando
outras experiências, estas, legadas pelo conjunto de oportunidades disponíveis e escolhas feitas
na juventude. Ser adulto é estar enredado no status quo e, muito embora o jovem também esteja,
pois não está desprendido de seus vínculos familiares e de classe, há na juventude aquele breve
momento de experimentação e improviso.
Acreditamos que uma melhor compreensão do movimento estudantil passa também pela
compreensão do conceito de juventude, tendo em vista que esta fase da vida nos marca com
suas inquietações, descobertas e experimentações íntimas e coletivas de vida em sociedade.
12
Aqui, estamos de acordo com Feixa e Nilan (2009, p.19) ao afirmarem que “a extensão das práticas da cultura
juvenil na modernidade tardia se expande em duas direções cronológicas, para baixo, em direção aos últimos anos
da infância, e para cima, chegando até a metade, ou mesmo até o final, da casa dos 30”.
37
Assim, as mudanças do ritmo biológico do corpo humano, típicas desta fase, ganham
relevância sociológica não por si mesmas, mas na medida em que são propulsoras de formas de
ser e estar no mundo que, de geração para geração, criam e recriam a vida social à nossa volta.
Entre os processos de socialização que podem marcar a vivência dos jovens, o engajamento
político constitui parte importante de suas trajetórias. Como sugere Hobsbawm na epígrafe
acima, não é à toa que é na juventude, mais do que qualquer outro grupo etário, a incidência
das paixões revolucionárias.
Mas o que é afinal a juventude? Como entendê-la sociologicamente? Quando este tema
emerge enquanto preocupação sociológica e o que os seus principais estudiosos disseram sobre
ele? Da mesma forma poderíamos nos indagar sobre o conceito de geração. Qual o legado dos
primeiros estudos envolvendo este assunto e sua relevância para a compreensão da juventude
na sociedade contemporânea?
O problema assim colocado nos permite revisitar alguns autores, hoje considerados
clássicos nos estudos sobre a juventude, compreender os argumentos expostos nos contextos de
seus enunciados e procurar avançar numa compreensão que nos permita ver suas contribuições
e limites. Da mesma forma, avaliaremos alguns estudos mais recentes sobre o tema e o que
acrescentam de novo para se pensar a questão da juventude e do comportamento político dos
jovens na sociedade contemporânea.
1.1.1 – Geração
Podemos apontar o início do século XX como marco inicial para os estudos de uma
“sociologia da juventude”. Embora questões relativas a este assunto já fizessem parte das
preocupações investigativas dos teóricos da Escola de Chicago, na década de 20, – que o tratou
a partir da questão do desvio social – foi só a partir dos trabalhos de Karl Mannheim que a
sociologia avançaria nos estudos deste tema ainda pouco explorado.
É assim que Mannheim, em 1928, apresenta em seu ensaio “o problema das gerações”
questões como: as mudanças geracionais; a transmissão dos bens culturais para as gerações
seguintes, bem como a necessidade de novos portadores de cultura para a revitalização da
dinâmica social. Desta forma, o autor inaugura os estudos pioneiros dentro do que ficaria
conhecido posteriormente como “sociologia da juventude”.
38
Não fosse pela existência de interação social entre os seres humanos, pela
existência de uma estrutura social definida, e pela história estar baseada num
tipo particular de continuidade, a geração não existiria como um fenômeno de
localização social; existiria apenas nascimento, envelhecimento e morte
(MANNHEIM, 1982, p.72).
Assim, para o autor, os fatores biológicos possuem uma relevância sociológica, de forma
que se faz necessário compreender o fenômeno geracional como um tipo particular de situação
social. No entanto, persiste a questão: como seria possível compreender sociologicamente a
natureza da geração?
Mannheim vai responder a esta questão procurando aproximar a noção de geração à
outra categoria social. Desta forma, a geração é apresentada pelo autor como algo que se
assemelha estruturalmente à posição de classe (ocupada por um indivíduo na sociedade). O
autor explica que o indivíduo pertence a determinada classe, quer tenha ou não consciência
disso, quer aceite ou não. Igualmente se dá com a geração: o indivíduo pertence a determinada
geração quer tenha ou não consciência disso, quer aceite ou não.
39
Mannheim observa que há uma tendência entre aqueles que pertencem a uma mesma
classe, geração ou a um determinado grupo etário a agir conforme modos definidos de
comportamento, sentimento e pensamento que são comuns à classe, à geração ou ao grupo ao
qual pertence o indivíduo. Assim, segundo o autor, há uma tendência “inerente a” uma situação
social que circunscreve os participantes de uma situação comum numa mesma gama potencial
de experiências e formas de pensamento dentro de um processo de repetição cotidiana
vivenciado pelos membros de uma mesma classe, grupo ou geração.
Mannheim enumera algumas características da sociedade marcada pelo fenômeno das
gerações:
a) novos participantes do processo cultural estão surgindo, enquanto b) antigos
participantes daquele processo estão continuamente desaparecendo; c) os
membros de qualquer uma das gerações apenas pode participar de uma seção
temporalmente limitada do processo histórico, e d) é necessário, portanto,
transmitir continuamente a herança cultural acumulada; e) a transição de uma
para outra é um processo contínuo (MANNHEIM, 1982, p.74).
como cada geração vai influenciar a outra. Nas sociedades estáticas, prevalece uma atitude de
fidelidade, ou seja, há uma tendência da geração mais nova se adaptar à mais antiga. De forma
contrária, “com o fortalecimento da dinâmica social, entretanto, a geração mais antiga se torna
cada vez mais receptiva às influências da mais nova” (MANNHEIM, 1982, p.84). A constante
mudança de gerações, assim exposta, explicita o processo dinâmico em que ela ocorre na
sociedade mostrando como as gerações se conectam numa ação recíproca.
Mannheim analisa ainda três aspectos relativos ao fenômeno da geração que denomina
de “Status de geração”, “Geração enquanto realidade” e “Unidade de geração”. O “status de
geração” designa aqueles que nasceram dentro de um mesmo período histórico e cultural. No
entanto, pode-se falar em “geração enquanto realidade” “na medida em que [os indivíduos da
mesma geração] participam das correntes sociais e intelectuais características de sua sociedade
e período, e na medida em que têm uma experiência ativa ou passiva das interações das forças
constituintes da nova situação” (MANNHEIM, 1982, p.86). Por fim, a “unidade de geração”
diz respeito não apenas a participação de vários indivíduos nos processos históricos de seu
tempo, mas, principalmente, a uma identificação de reações e uma afinidade na forma como se
relacionam com suas experiências.
Desta forma, é possível a coexistência de unidades de gerações antagônicas. Como
exemplo Mannheim cita a juventude romântico-conservadora e o grupo liberal-racionalista
alemão que, apesar de pertenceram a mesma geração no início do século XIX, reagiam
diferentemente aos processos históricos vivenciados por todos em comum neste período.
O esforço de Mannheim na compreensão sociológica do fenômeno da geração evidencia
uma postura de análise qualitativa do tema em detrimento das análises positivistas
predominantes em sua época. Desta forma, realiza uma análise minuciosa em que evidencia a
importância dos fatores sociológicos e históricos que incidem sobre a geração sem, contudo,
perder de vista o aspecto biológico. A importância dos estudos geracionais e da juventude para
a compreensão do comportamento político dos jovens na contemporaneidade nos fará retomar
alguns destes pontos estudados por Mannheim no quarto capítulo.
1.1.2 – Juventude
sociologicamente penetra num mundo em que os hábitos, costumes e sistemas de valores são
diferentes dos que até aí conhecera” (MANNHEIM,1968, p. 75).
Escrito no calor dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e da ascensão do
nazismo na Alemanha – o qual fez o sociólogo deixar este país para estabelecer-se na Inglaterra
– o ensaio “O problema da juventude na sociedade moderna” retoma algumas premissas de seu
ensaio anterior sobre as gerações – principalmente no que diz respeito ao destaque que dá aos
fatores sociais e históricos em detrimento dos fatores biológicos. No entanto, este último ensaio
passa a analisar, da segunda parte em diante, a situação da Inglaterra e as implicações da guerra
e do totalitarismo sobre seu povo.
Preocupado com os rumos da sociedade e da educação tradicionalista vigente (e suas
implicações sobre as gerações mais jovens), Mannheim visualiza uma saída democrática e
enfatiza o papel da juventude ao afirmar que “o fator especial que torna o adolescente o
elemento mais importante para a nossa arrancada de uma sociedade é ele não aceitar como
natural a ordem consagrada nem possuir interesses adquiridos de ordem econômica ou
espiritual” (MANNHEIM,1968, p. 77). Por conseguinte, “quanto à pergunta do que a juventude
nos pode dar, a resposta é: é um dos mais importantes recursos espirituais latentes para a
revitalização de nossa sociedade. Ela tem de tornar-se a força desbravadora de uma democracia
militante”.
com o desenvolvimento político e cultural de seu tempo, mas dentro de um limite estreito
compreendido entre a vida do jovem e do adulto. Assim, Mannheim ressalta a importância de
alguns elementos como a transmissão da herança cultural para as novas gerações; o papel da
memória e a forma como as experiências passadas podem ser ativadas pelas novas gerações;
além da coexistência de unidades de gerações antagônicas.
Estes elementos operam como ferramentas para uma melhor compreensão da dinâmica
dos grupos geracionais na sociedade moderna. Assim, nos oferece elementos para se pensar
tanto a participação dos indivíduos nos processos históricos, suas afinidades e divergências
podendo ir das ideias progressistas à uma posição conservadora.
Já nos estudos sobre a juventude, Mannheim evidencia o choque de valores com o qual
se defronta o jovem ao entrar na vida pública, os conflitos daí existentes e como se processa no
plano social sua vivência com tais valores, ora aceitando-os, ora resignificando-os. Além disso,
ressalta o poder de transformação da juventude, sendo esta uma força latente que pode guiar os
caminhos de mudanças apontando novas direções.
Ao avançar na compreensão do fenômeno da geração e da juventude na sociedade
moderna, Mannheim estabelece elementos imprescindíveis para o entendimento deste assunto
ao estabelecer uma análise que permite observar a ação e dinâmica das gerações e da juventude
na estrutura social. “[...] Sua perspectiva não representa apenas uma contribuição teórica para
os estudos sobre juventude e gerações, mas também uma proposta teórico-metodológica de
pesquisa, capaz de superar as dimensões binárias presentes em algumas correntes teórico-
metodológicas” (WELLER, 2007, p.12).
Em meados dos anos 1960 a sociologia brasileira dava suas primeiras contribuições na
discussão sobre o jovem e o estudante num contexto de Brasil marcado por um processo de
modernização e expansão da sociedade assentada sob a base de uma economia industrial.
Apesar de uma primeira abordagem sobre o tema ter sido esboçada por Octavio Ianni
no ensaio “O jovem radical” (1963), em que o autor tenta observar a origem da revolta juvenil,
nos deteremos aqui, principalmente, nos escritos de Marialice Foracchi pela profundidade com
que desenvolve suas observações sobre os fatores condicionantes da transformação da
sociedade pelo estudante e a questão da juventude.
45
a sucessão natural das gerações que se dá através dos vínculos de manutenção. Neste sentido, a
família se esforçaria no controle das atividades do estudante visando “prolongar a situação de
manutenção, isto é, manter pelo maior espaço de tempo possível o estudante comprometido
com uma responsabilidade direta de retribuição” (Idem p.44). Foracchi entende que tais arranjos
assim se desenvolvem uma vez que a família teria como objetivo garantir sua posição no
sistema, mobilizando para isto todo um conjunto de mecanismos de controle com fins de
manipular o jovem para garantir sua ascensão e a da própria família.
Este projeto de ascensão que se desenvolve primeiramente no âmbito familiar – através
de relações de manutenção – tem continuidade agora em outro nível, ou seja, no plano do
trabalho. Neste nível, há uma gradativa ascensão do estudante no sentido de trilhar um caminho
de independência em relação à família. “Ocorre, no entanto, que os vínculos de dependência,
antes atuantes no plano familiar, passam a ser plasmados na situação de trabalho pelo simples
fato de não poder o jovem, sem a remuneração obtida, manter-se como estudante” (Idem, p.12).
É certo que a estrutura da sociedade e das instituições brasileiras – como a família e o
Estado, por exemplo – em meados dos anos 1960 era bem distinta da que se constituiu nas
últimas décadas do século XX e agora no século XXI. Naquele momento, a ascensão ao ensino
superior era privilégio das classes de melhor condição econômica. No entanto, a permanência
na universidade só poderia ser garantida, para alguns, com a oportunidade de trabalho uma vez
que “o estudante, sem trabalhar, não pode manter-se como estudante e é esta a principal razão
que o faz procurar trabalho ou manter-se através dele” (Idem, p.142).
É, portanto, no terceiro capítulo do livro, em que discute trabalho e autonomia, que
Foracchi fala do movimento da transformação do jovem em estudante possibilitada pelo acesso
deste ao trabalho. Isto acontece com o processo de vinculação deste ao sistema que pode ocorrer
em diferentes situações de classe. Essa passagem do jovem à condição de estudante permite a
este uma maior liberdade em relação à família ao mesmo tempo em que o vincula ao sistema
criando outros elos. Portanto, é através da passagem do jovem à estudante que se dá a garantia
da ascensão de classe e o acesso ao ensino superior é o meio em que isto vai se confirmar.
Para Foracchi (idem, p.125) há na situação de classe as condições para que a educação
opere como fator de mobilidade. “É neste sentido que a transformação do jovem em estudante
se torna paralela ao processo de constituição da classe média”.
Por parte da família há uma expectativa de realização profissional, de consolidação de
uma posição já adquirida e perspectivas de mobilidade que se voltam para o estudante, visto
como o agente humano capaz de realizar o projeto familiar. A educação, através do ensino
superior, é de fundamental importância neste processo de mobilidade. No entanto, no jogo das
relações sociais que envolvem a definição de papéis dos jovens,
A ascensão através da carreira se torna o meio que projeta o estudante em força para o
futuro e que, agindo assim, impulsiona também todo um projeto de classe, expectativas e
projeções que podem ser correspondidas em maior ou menor grau.
Ao analisar a práxis estudantil, Foracchi destaca que esta tem que ser feita no contexto
de sua classe de origem. Deste modo, vários mecanismos de vinculação do jovem ao sistema
(como a família, o trabalho e atuação profissional) agem no sentido de mantê-lo nos trilhos que
o levarão à realização do projeto de classe. Quando as “implicações alienadoras do
vinculamento” são percebidas a nível de tolhimento das opções de ação, a atuação do jovem se
dá no sentido de uma atuação radical de engajamento. “Radical, porque esta ação lhe permite
visualizar a classe através das suas limitações, através daquilo que lhe é negado” (idem, p.238).
A ação do estudante, segundo a autora, teria como propósito ultrapassar os limites de
sua condição de classe média em ascensão. Isto não quer dizer que ele seja contra esta, mas
contra o sistema que a produz e assim sua ação acontece dentro dos limites de sua condição e
das possibilidades de ação abertas. O “desvinculamento do estudante” – de todo o conjunto de
mecanismos que visam integrá-lo ao sistema – está ligado a toda uma reformulação de valores
e uma redefinição de interesses que são analisados pela autora a partir da situação brasileira e
da ação do estudante.
Qual seria então a classe de origem dos estudantes investigados naquele momento
(meados de 1960) e quais as dificuldades e desafios impostos por sua posição?
48
Uma vez que a internalização de parte dos valores e modos de comportamento que
permeiam o conjunto de relações da vida adulta são ignorados, revela-se a dificuldade do
processo de socialização. “Num certo sentido, as crises de juventude são crises de socialização
[...] e, na proporção que afetam também os adultos, são crises geradas no plano da sociedade
global que repercutem diferencialmente nos diversos setores que a compõem” (FORACCHI,
idem, p.31-32).
No segundo capítulo, intitulado “as dimensões da crise”, Foracchi procura articular os
planos pessoal, social e institucional para explicar o processo de alienação e de radicalismo do
estudante. A juventude é vista como o momento de o jovem entrar para a história, no sentido
de que é nesta fase da vida que ele rompe com os limites do ambiente familiar e passa a integrar
os círculos mais amplos da sociedade – principalmente a universidade – tendo que encarar no
plano pessoal os contrastes do sistema.
Tomando emprestado o conceito de alienação de Keniston, Foracchi aplica-o para
mostrar os casos em que há uma rejeição por parte dos jovens dos valores e normas
predominantes que constituem a sociedade. Isto envolve não apenas questões ligadas à
psicologia, mas estaria relacionado “[...] com o modo pelo qual as pressões sociais e culturais
afetam diferentemente as pessoas que vivem numa sociedade em crise de mudança”
(FORACCHI, idem, p.34).
O dilema do ingresso do jovem na vida adulta estaria ligado, portanto, a um desencanto
com o estilo de vida adulta que terminaria por leva-lo a uma “resposta alienada de rejeição”.
Segundo Foracchi, há na personalidade alienada um potencial reduzido de integração que se
manifesta no distanciamento das formas de envolvimento pessoal, em qualquer modalidade de
participação social, que envolve os compromissos com a carreira, família, filhos etc.
De forma contrária, há aqueles que tomam um rumo oposto ao se integrarem em formas
de engajamento a partir do entendimento de que a realidade social é excludente, o que o leva
ao compromisso com as vias possíveis de mudança. Isto os aproximam das pessoas que
vivenciam uma situação de crise (como o operário, o negro, os pobres, os povos
subdesenvolvidos etc.). Mas não quer dizer que há por parte destes uma melhor aceitação do
estilo de vida adulta e das opções de institucionalização existentes. Os que avançam numa
resposta radical de engajamento também rejeitam tais arranjos. No entanto, preservam e
valorizam “[...] a vinculação com os agentes humanos que vivem, crucialmente, os problemas
do sistema e que constituem a ‘massa de oprimidos’” (FORACCHI, idem, p.47).
O reconhecimento das dimensões antagônicas do sistema pelo jovem o levam ao
ativismo que implica, por sua vez, numa atividade grupal regular. Contudo, esta experiência de
51
vida pode se alongar ou não, dependendo da intensidade com que as mudanças sociais
envolvam os jovens que se identificam com a perspectiva da contestação. “Os fatores que geram
essa descontinuidade são de ordem pessoal, institucional e social, estando frequentemente inter-
relacionados” (FORACCHI, idem, p.38).
A autora adverte que esta caracterização não é abrangente uma vez que apenas os jovens
privilegiados economicamente e que foram favorecidos tanto educacional como
intelectualmente estão mais propensos aos caminhos da participação radical. Para Foracchi, a
condição de privilegio dos jovens mais abastados abre caminho para a participação radical uma
vez que, entre estes, há a percepção dos contrastes de sua condição privilegiada com a miséria
social. Assim, o processo de radicalização estaria ancorado em três ordens de transformação
social que são:
a) modificação da percepção da realidade social, mediatizada pela
confrontação pessoal com a ‘miséria’ social; b) no processo de engajamento
que se ativa em decorrência de tal percepção; c) pelas determinações da
condição de privilégio que garantem, socialmente, para o jovem, a viabilidade
da opção radical (FORACCHI, idem, p.40).
Foracchi afirma, com base em pesquisas, que há entre os jovens das camadas mais
pobres uma tendência de se integrar ao sistema uma vez que neste estrato da juventude há um
déficit de recursos (econômicos, cognitivos etc.) que poderiam levá-los a uma posição crítica e
participativa em relação aos antagonismos da sociedade. Neste sentido, a formação escolarizada
assume um papel de importância possibilitando tanto a alienação quanto o radicalismo do
jovem, o que só é possível através de uma situação privilegiada tanto social, cultural e
economicamente.
Assim, a universidade se torna o alvo da crítica dos estudantes – sob a forma do
movimento estudantil – tendo em vista que ela reproduz as características da sociedade global,
uma vez que é tida pelos estudantes como o “microcosmo da sociedade”. Isto teria uma dupla
implicação: “por um lado, traduz o fato de que o sistema universitário reflete as crises da
sociedade e, por outro lado, chama atenção para as crises que são inerentes ao próprio sistema
universitário” (FORACCHI, idem, p.43).
A análise que se desenvolve nos capítulos três e quatro buscam dar conta,
respectivamente, da crise do sistema universitário e do reflexo desta crise no movimento
estudantil, entendendo este como uma reação daquela.
Quanto a análise da crise da universidade, a autora se detém no diagnóstico da
universidade enquanto instituição social destinada à formação cultural e profissional que, no
entanto, cumpre apenas parte de sua função, o que a leva a uma situação de crise. Isto ocorre
52
pela sua incapacidade de fazer a autocrítica em relação a seu próprio funcionamento enquanto
instituição. Ao voltar seus esforços para a formação técnica e profissional destinada à sociedade
“tecnológica” e industrial, a universidade deixa de lado a formação humanizadora e crítica.
Assim, a estrutura universitária se adapta às exigências da ordem social visando “[...] a
autopreservação do sistema e não sua adaptação às necessidades do meio externo”
(FORACCHI, idem, p.60).
Soma-se a isto a burocratização da universidade – que funciona como uma espécie de
bloqueio institucional – que termina por dificultar qualquer movimento de mudança. Do ponto
de vista do sistema, a formação universitária cumpre o seu papel integrador. Já do ponto de
vista das relações que promove "[...] ela preserva a distância entre jovens e adultos, reforçando-
a em termos de autoridade. Transmite modalidades de pensamento que conduzem à
consagração das hierarquias de poder estabelecidas" (FORACCHI, idem, p.59). Neste contexto,
dentro do conjunto das atividades acadêmicas, a pesquisa científica termina por assumir uma
"força impulsionadora do processo produtivo".
Segundo Foracchi, a universidade deixa transparecer sua impotência enquanto
instituição no sentido de se criar meios de socialização do jovem através de uma nova
concepção de cultura. Isto posto, a crítica estudantil se volta contra o critério de estrutura,
valores e princípios que regem o meio acadêmico deixa transparecer estes elementos que
refletem sobre a sensibilidade juvenil evidenciando não só a crise sistêmica, mas a crise da
própria universidade que afeta diretamente a sua formação e seu destino. Neste sentido, a
contestação dos estudantes é gerada pela própria instituição universitária em sua situação de
crise.
Ao analisar o reflexo da crise universitária sobre o movimento estudantil, Foracchi
destaca três fatores que, juntos, originam as manifestações dos estudantes no plano da
universidade. São eles: 1) A problemática da juventude, com sua necessidade de independência
e auto expressão, que pode resultar num comportamento de rebelião, bem como a rejeição ou
recusa em relação aos padrões vigentes de comportamento do adulto. Tal problemática se
acentua com o ingresso do jovem à universidade e sua socialização a partir desta situação social
nova. 2) A não identificação do jovem com a universidade, ocasionada pela crise institucional
que a atinge e que a autora cita no capítulo III. Para Foracchi, a crise da universidade recai sobre
o estudante como crise de socialização, o que o leva a socialização política. 3) O terceiro fator
está ligado à carreira profissional, vinculação que une a universidade à sociedade. Neste ponto,
Foracchi se refere a impossibilidade da realização da condição adulta, pelo estudante, em
termos de carreira profissional.
53
que o Brasil possuía em relação aos centros externos de decisão que caracterizava a formação
social subdesenvolvida brasileira e que tinha como objetivo, no caso da educação, impor uma
reforma universitária segundo seus parâmetros.
Muito embora ainda hoje persista tal relação de dependência, que se reconfigura em
contexto democrático, caberia indagar se o protesto dos estudantes hoje ainda estaria ligado a
tais conjunto de fatores, tendo em vista as mudanças ocorridas no plano social, político e
cultural das últimas décadas. Por sua vez, a análise de Foracchi funda-se, segundo a própria
autora,
[...] numa posição teórica central que faz encarar o movimento estudantil, não
como um fenômeno isolado ou unidade analítica distinta, mas com um estilo
de práxis política, constituído e dinamizado numa constelação de forças
históricas e sociais que, num determinado momento, impõem ou pretendem
impor o seu projeto à sociedade (FORACCHI, idem, p.155).
Pelo que foi exposto até aqui, nota-se a importância que os trabalhos de Foracchi
assumem frente à compreensão dos principais temas que nortearam sua pesquisa, quais sejam:
a juventude na sociedade moderna e o protagonismo do estudante enquanto agente de
transformação. O rigor da análise, a busca dos fatores que incidem sobre a condição de jovem
e de estudante e a profundidade com que buscou articular esses temas faz de seus trabalhos
referência obrigatória elevando-a a condição de uma autora clássica13.
Sendo a juventude uma fase da vida e o comportamento do jovem/estudante balizado
pelo conjunto de elementos apresentados por Foracchi, cabe nos questionarmos a respeito da
experiência de tempo e espaço vivenciada pelo jovem/estudante nos dias atuais; como as
observações levantadas pela autora podem nos ajudar a compreendê-las e seus limites. Neste
sentido, vale nos determos no trecho a seguir:
13
Sobre a importância e o legado da obra de Marialice Foracchi, cf. Augusto, 2005.
57
Ser estudante é, sob esse aspecto, uma condição especial que pressupõe o
preparo gradativo e dosado a uma atividade profissional futura, o que equivale
a dizer, a um modo definido de participar da sociedade do seu tempo. É,
portanto, uma virtualidade, eminentemente voltada para o futuro.
14
Neste quesito é interessante a distinção feita por Lemos (2014) entre mídia massiva e pós-massiva: “As mídias
de função massiva são, em sua maioria, concessão do Estado, controlam o fluxo da informação que deve passar
pelos mediadores profissionais, instituem e alimentam um público (audiência, consumidores, massa) e são
mantidas por verbas publicitárias, grandes empresas e grupos políticos. Estas mídias criaram a esfera e a opinião
públicas modernas. São mídias de informação. As mídias de função pós-massiva surgem com as possibilidades
ampliadas de circulação da informação com a globalização das redes telemáticas. O fluxo é descentralizado, típico
de uma rede heterogênea, sem centro. A emissão é aberta, sem controle, mais conversacional”.
58
monopólio de formação de personalidades, aos poucos perdem seu poder na construção das
identidades sociais e individuais dos sujeitos” (SETTON, 2000, p.346).
Pensar o jovem na sociedade contemporânea exige um esforço compreensivo que
permita ver que, além das exigências coercitivas da classe, coexistem novas formas de
experiências tempo-espaciais que moldam a cultura juvenil atual; e que o tom imperativo que
as diferentes posições de status imprimiam na trajetória (e na conduta) dos sujeitos de ontem,
hoje se dilui entre as demais formas socializadoras que perpassam o cotidiano da juventude.
A passagem de uma “sociedade industrial moderna” – muitas vezes também chamada
pela autora de “sociedade tecnocrata – para a sociedade contemporânea globalizada promoveu
uma reestruturação do capitalismo impactando na reorganização e papel das instituições da
sociedade contemporânea que, por sua vez, refletem nos diversos campos das relações
humanas. É neste sentido que, pensar em “relações de dependência” e “expectativa de
retribuição” – mantidas e sustentadas pela família nas relações interpessoais e que depois se
estendem nos espaços do trabalho e da universidade – seria negar, hoje, um contexto plural de
socialização do jovem em que tais elementos, no âmbito da estrutura familiar contemporânea,
perdem sua força coercitiva.
Isto implica em observar que a própria universidade – enquanto instituição voltada à
formação cultural e para integração do indivíduo ao sistema – também mudou em sua
composição, formas de acesso e em sua lógica de funcionamento com a informatização dos
processos de gestão e controle. Para Foracchi (1977, p.7), em meados dos anos 1960 “[...] o
estudante universitário [poderia] se considera[r] [...] privilegiado, usufruidor exclusivo de
oportunidades inexistente para a maioria dos jovens”. Já no início dos anos 1970, quando
analisa o potencial de transformação da juventude moderna, a autora (1972, p.39) afirma que:
“Trata-se de jovens privilegiados sob o ponto de vista social, pois pertencem, no geral, às
classes superiores; privilegiados sob o ponto de vista educacional e intelectual, pois geralmente
são jovens que tiveram acesso à educação superior”.
Este quadro apontado por Foracchi contrasta com as mudanças ocorridas nas últimas
décadas que se deu, principalmente, a partir do investimento em políticas públicas de expansão
e financiamento do ensino superior15. Tais políticas viabilizaram o acesso de estudantes de
estratos economicamente menos favorecidos ao ensino superior tanto nas instituições públicas
15
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), Financiamento
Estudantil (FIES) e Programa Universidade para Todos (PROUNI).
59
quanto privadas. Isto promoveu uma transformação significativa na composição das camadas
sociais que constituem a universidade nos dias atuais.
A alteração no perfil dos estudantes do ensino superior será abordada com detalhes mais
à frente (no 3º capítulo), mas, por hora, basta dizer que esta alteração tem implicações não só
na ampliação do acesso a grupos menos favorecidos da sociedade à educação universitária, mas
também numa maior diversidade no contingente estudantil que traz consigo a urgência da
demanda da assistência ao estudante e discursos de alteridade.
No texto "Retomada de um legado intelectual: Marialice Foracchi e a sociologia da
juventude", Maria Helena Augusto (2005), ao analisar o legado da contribuição de Foracchi na
discussão sobre juventude e movimento estudantil, observa que muito embora os estudos de
Foracchi sobre o tema permaneçam centrais, há hoje um relativo esquecimento de seu trabalho
e atribui isto ao refluxo sofrido pelo tema que se deu em grande parte após os anos 1980.
Um olhar atento para a nossa história recente nos mostra que há um fluxo e um refluxo
do movimento estudantil ao longo das décadas. Neste meio tempo, novas configurações
sociopolíticas se desenham – ora em contextos democráticos, ora não democráticos; ora de um
neoliberalismo selvagem, outrora de um neoliberalismo domesticado. Do mesmo modo, a
atuação política da juventude faz e se desfaz renovando suas estratégias de luta e sua pedagogia
de ação16.
16
Aqui a expressão assume o sentido de formas de ação, ou seja, as diversas formas de atuar dentro do movimento
estudantil e que podem mudar de acordo com o contexto sociopolítico ou com a própria demanda do movimento.
Isto tudo deriva de uma necessidade primeira que está relacionada à questão “como agir?”.
60
É nas diversas maneiras juvenis de existir – em tempos e espaços sociais distintos – que
devemos circunscrever a atuação política da juventude de ontem e de hoje entendendo-a como
uma de suas expressões. Categoria em permanente mudança, a juventude despertou olhares
distintos ao longo do tempo que acompanharam o ritmo das transformações histórico-sociais.
Neste sentido, compreender as características do momento presente pode nos oferecer um
caminho que elucide a heterogeneidade das experiências juvenis na sociedade contemporânea.
Muito embora não haja um consenso entre os cientistas sociais a respeito do status atual
das sociedades na passagem do século XX para o século XXI, todos concordam que
transformações importantes ocorreram nos modelos de produção, distribuição e consumo da
sociedade; na relação entre Estado e Sociedade Civil; na estrutura da família e nas relações
entre o público e o privado remodelando os papéis sociais e sexuais; na emergência da indústria
cultural e da publicidade e seu impacto na vida cotidiana das pessoas na criação de desejos,
comportamentos e modas passageiras etc. Tais mudanças pesam sobre o sujeito remodelando
sensibilidades e subjetividades reforçando uma cultura individualista.
O conjunto destas transformações gerou um intenso debate nas diversas áreas das
ciências humanas que apontam para um cenário sociocultural distinto – caracterizado por
muitos de pós-moderno – e que tem questionado as bases ontológicas da modernidade abrindo
caminho para a crítica dos seus alicerces filosóficos, políticos e culturais. A emergência destas
mudanças demandou uma série de esforços com vistas a captar a sua amplitude na sociedade,
o que possibilitou o surgimento de novas teorias, epistemologias e posições políticas
divergentes.
Movimento que começou nas artes e na arquitetura como crítica estética, logo se
espraiou para campos distintos do pensamento passando a designar uma ruptura com os ideais
iluministas de ciência, verdade e razão pertencentes ao mundo moderno e que compõem seus
valores e princípios. No campo das Ciências Humanas, mudanças significativas no estatuto do
saber eram apontadas abrindo caminho para a crítica às grandes narrativas e suas ideias de
emancipação da sociedade colocando na berlinda qualquer discurso com vistas à formulação de
projetos universais.
A passagem da fase industrial à pós-industrial e da cultura moderna à pós-moderna, em
meados do século XX, provocou alterações significativas nas sociedades fortemente marcadas
pela expansão da tecnologia informática e seu entrelaçamento nos mais diversos campos da
vida social. Tal passagem evidencia um cenário de informatização da sociedade que tem um
impacto direto sobre a ciência e o conhecimento moderno. As implicações deste cenário pós-
moderno – notadamente marcado pelos dispositivos informacionais – recai sobre a concepção
61
Seguindo Ernest Mandel, Jameson (1997) concorda que o capitalismo teria passado por
três estágios, são eles: 1) capitalismo de mercado, 2) capitalismo imperialista (ou monopolista)
e, 3) capitalismo tardio17. Assim, como afirma o autor, seus estudos “[...] devem [...] ser
entendidos como uma tentativa de teorizar sobre a lógica específica da produção cultural nesse
terceiro estágio” (JAMERSON, 2006, p.68).
Para Jameson, o pós-modernismo se apresenta como a dominante cultural que se
instaurou em fins dos anos 1950 e começo dos anos 1960. Se para cada estágio do capitalismo
correspondeu um estilo cultural específico, no capitalismo tardio a pós-modernidade é o modelo
cultural dominante. Sua análise, que se alinha à corrente marxista, procura entender os
fenômenos da sociedade contemporânea a partir de uma perspectiva totalizante e dialética, uma
clara provocação aos estudos fragmentários pós-modernistas. Para tanto, se vale de uma gama
de produtos culturais contemporâneos como: o vídeo, imagens publicitárias, o cinema, a
arquitetura pós-moderna, diversos textos e obras de arte que são analisados em seus pormenores
como elementos que se harmonizam com a lógica de funcionamento pós-moderna.
Ao reconhecer as transformações pelas quais passaram o capitalismo, cada uma
engendrando dinâmicas culturais específicas, Jameson insere seu estudo dentro de uma
perspectiva histórica reconhecendo que não há uma ordem social nova (pós-industrial), mas
uma transformação do capitalismo na contemporaneidade que possibilitou uma nova dinâmica
cultural: “o pós-modernismo não é a dominante cultural de uma ordem social totalmente nova
[...] mas é apenas reflexo e aspecto concomitante de mais uma modificação sistêmica do próprio
capitalismo” (JAMESON, 1997, p. 16). Para isso, os pré-requisitos (tecnológicos) que
engendraram estas mudanças já estavam postos desde o final da Segunda Guerra Mundial. No
campo da cultura, as transformações sociais dos anos 1960 que permitiram o rompimento com
a tradição e o conservadorismo e que provocaram uma ruptura entre gerações, possibilitou todo
um habitus psíquico de uma nova era sendo, desta forma, sua precondição (JAMESON, 1997,
p. 23).
A leitura do pós-modernismo como um desdobramento do capitalismo tardio permitiu
a Jameson realinhar o debate sobre o status sociocultural contemporâneo nos trilhos do
marxismo. Neste sentido, sugere, assim como Marx no Manifesto, uma avaliação dialética do
momento atual em que o pós-modernismo é a dominante cultural. Diante de novas práticas
estéticas, situações históricas e dilemas novos, Jameson propõe, se é que é possível, uma nova
cultura política e pedagógica chamada de “estética do mapeamento cognitivo” que permita
17
O autor usa outros sinônimos como: capitalismo multinacional, sociedade do espetáculo ou da imagem,
capitalismo da mídia, sistema mundial e até mesmo pós-modernismo.
63
“[...] a representação situacional por parte do sujeito individual em relação àquela totalidade
mais vasta e verdadeiramente irrepresentável que é o conjunto das estruturas da sociedade como
um todo” (JAMESON, 1997, p. 76) e que possibilite ao indivíduo uma melhor compreensão de
seu lugar neste sistema global.
Parece ser consenso entre cientistas políticos e sociólogos que atingimos uma crise das
instituições de representação política em que as práticas engendradas em seu interior já se
mostram esgotadas, o que tem gerado uma série de protestos e movimentos de contestação pelo
mundo – entre eles o dos estudantes. De diferentes formas, se fala hoje da necessidade de uma
“nova política”, de novos modelos e práticas políticas mais coerentes com o momento presente.
O projeto de Jameson parece se encaixar nesta perspectiva.
Mais adiante retomaremos este ponto. No momento, basta dizer que não é nosso objetivo
aqui fazer um apanhado de todos as opiniões prós e contra a modernidade 18. Acreditamos que
a exposição geral da discussão feita acima, a partir dos dois autores aqui apresentados, é capaz
de situar o leitor nas principais linhas de argumentação deste debate. Além do mais, há uma
vasta bibliografia nas ciências sociais sobre o assunto19. O que nos interessa nessa discussão –
e que creio ser um consenso tanto entre os defensores da modernidade quanto da pós-
modernidade – são as novas formas de experiências culturais e sociais que emergiram a partir
dos anos 1960 e seus efeitos objetivos e subjetivos no plano da existência humana e mais
especificamente nas novas formas de expressão cultural e na experiência política da juventude.
18
Ou alta modernidade ou modernidade tardia.
19
Para isso Cf. Harvey (2008), Giddens (1991), Berman (2007), Bauman (2001), Maffesoli (1998), Castells
(1999), Hall (2005), Ruanet (1987) e outros.
64
É no bojo das políticas econômicas de Juscelino Kubitschek que vão ser fomentadas tais
mudanças que possibilitaram uma indústria da cultura brasileira. Para Ortiz (1986, p.8), “[...]
na medida em que o capitalismo atinge novas formas de desenvolvimento, tem-se que novos
tipos de organização da cultura são implantados [...]”. Desta forma, a consolidação de uma
indústria da cultura no Brasil nos anos 1960 e 1970 possibilitou a disseminação em massa de
produtos culturais, modismos e costumes moldados pelos anúncios publicitários e telenovelas
nos horários nobres da TV. É neste momento que novas expressões culturais surgem calcadas
na necessidade de renovação das artes em sintonia com o momento histórico, a exemplo da
Tropicália e do Cinema Novo.
Alinhado a estas mudanças no plano da cultura, o contexto político deste período foi de
bastante agitação e quebra de paradigmas. Contra as guerras, o conservadorismo das instituições
e governos autoritários jovens de várias partes do mundo se mobilizaram sinalizando que não
estavam mais dispostos a viver segundo os preceitos morais da geração de seus pais. Muito
embora não tenha operado uma ruptura com as velhas formas da política institucionalizada, o
conjunto dos acontecimentos plasmados no plano da política e da cultura nas décadas de 1960
e 1970 legou às gerações das décadas seguintes – para o bem e para o mal – uma sociedade
mais aberta que, no caso brasileiro, ainda que se mostre conservadora na política é um pouco
mais liberal nos costumes.
Foi a partir deste conjunto de mudanças socioculturais que a juventude brasileira
emergiu como sujeito de ação no campo da cultura e da política – visível em diversos momentos
de nossa história recente – atuando como um agente de transformação da sociedade. Sua
presença na cena pública se dá em um duplo aspecto: por um lado, como grupo social que sofre
o impacto das transformações da sociedade; e, por outro, como o próprio agente de
transformação da sociedade em que vive. Contudo, não podemos cair no erro de tomar por
homogênea o que estamos chamando aqui de “juventude brasileira”. Seria uma falha
empiricamente verificada na diversidade de expressões juvenis em um país tão heterogêneo e
que, por isso, engloba uma juventude que se diferencia em seus aspectos econômicos, sociais e
culturais.
Um dos fatores que tem possibilitado esta diversidade na contemporaneidade é a perda
da centralidade das instâncias tradicionais de socialização – entre elas a família e a escola – no
processo de formação da subjetividade e das representações individuais no mundo atual. Este
fenômeno foi objeto de estudo de François Dubet (1998) que procurou mostrar que as
instituições estão passando por um processo de “desistitucionalização” na medida em que não
são mais capazes de manter seu papel de “fabricação” do indivíduo e sua personalidade. Para
65
este autor, (1998, p.33) “[...] a educação perdeu sua ordem e sua unidade [pois] [...] a instituição
tem um peso menor que os sentimentos pessoais ou a fé”.
Os estudos de Dubet sugerem uma ruptura com os clássicos – mais especificamente
Durkheim – na medida em que o autor de Educação e Sociologia entende que a educação tem
como papel a formação do indivíduo em harmonia com os valores morais da sociedade. Assim,
Durkheim mantem sua postura metodológica ao considerar o indivíduo a partir da interiorização
coercitiva do social.
De forma contrária, ao focar os processos de socialização do mundo contemporâneo,
Dubet adota uma metodologia inversa a de Durkheim centrando foco não nas instituições
sociais e seu papel socializador, mas na experiência dos indivíduos. Em Dubet, a noção de
experiência é elevada enquanto categoria explicativa na medida em que as condutas pessoais e
coletivas são dominadas pela heterogeneidade de princípios de ação. Para este autor, há várias
lógicas de ação que organizam a experiência social do indivíduo moderno e que não se reduzem
a apenas um centro.
Neste sentido, instituições tradicionais como a igreja, a família e, principalmente, a
escola perdem a centralidade enquanto agências socializadoras na formação dos indivíduos nas
sociedades contemporâneas. É o que também constata Dayrell ao se referir aos trabalhos que
articulam as interfaces entre juventude e educação:
A perda da centralidade das instituições tradicionais na vida dos jovens possibilitou uma
variada gama de expressões juvenis que se desenvolveram no Brasil no contexto pós-
redemocratização e mais recentemente a partir da intensificação do uso das tecnologias de
informação. Diante desta realidade, vários pesquisadores têm ressaltado as novas práticas de
sociabilidades entre os jovens que apontam para uma diversificação das formas de se viver a
juventude.
Nos anos 1990 os estudos sobre o aparecimento dos seguimentos juvenis na esfera
pública vão ressaltar o alargamento das práticas e experiências dos jovens no contexto urbano
a partir do surgimento dos grupos de estilo.
Os estudos realizados sobre as galeras funk no Rio de Janeiro (VIANNA,
1987), sobre os punks e os darks (CAIAFA, 1985; ABRAMO, 1994), sobre
66
locais e globais que influenciam na construção social do modo de vida jovem. Neste sentido,
hibridação estaria ligado à criatividade cultural, à mistura de elementos existentes para se criar
algo novo. O termo alude também a uma ideia de estar entre fronteiras, assim como à
mobilidade e à incerteza. Com isso, os autores tentam mostrar que a “‘juventude global’ deve
ser entendida como um coletivo híbrido – tanto a nível local como mundial – que constrói sua
subjetividade a partir dos materiais híbridos providos por culturas, consumos, resistências,
transnacionalismos e digitalismos globais ou globalizados” (FEIXA; NILAN, 2009).
Outro aspecto não menos importante para compreensão da condição juvenil
contemporânea é o espaço cada vez maior que os jovens têm dedicado ao uso das redes sociais
no seu cotidiano. Seja para fins de entretenimento, através dos chats, compartilhamento de
dados e informações que não circulam pelos canais usuais de comunicação ou para ativismo
online, as tecnologias da informação tem proporcionado novas formas de socialização para
além das formas tradicionais. É o que nos mostra Novais (2006, p.119), ao afirmar que “houve
uma ampliação das agências socializadoras da juventude que extrapolam o âmbito da família e
da escola, implicam o aumento do espaço de influência dos meios de comunicação e a presença
da internet”.
O impacto das tecnologias da comunicação e informação (TIC’s) nas sociedades
contemporâneas tem modificado substancialmente a forma como nos relacionamos no dia a dia,
seja no trabalho, nas instituições familiares e de ensino, nas formas de lazer e de produção da
cultura entre outros. Como grupo social sensível às transformações de seu tempo, a juventude
tanto se apropria deste recurso, modificando-o em seu uso, como também “sofre” os impactos
das TIC’s no seu cotidiano, uma vez que sua presença maciça entre os jovens aponta para novas
formas de sociabilidade mediada pela rede.
A centralidade que as tecnologias da informação tomaram na sociedade, principalmente
nas duas últimas décadas do século XX, tem despertado o interesse de diversos sociólogos na
compreensão de suas causas e consequências. Manuel Castells (1999, 2013) tem se destacado
neste campo ao tentar mostrar as transformações e os impactos na cultura, economia e sociedade
a partir de um novo paradigma impulsionado pela tecnologia da informação.
Segundo Castells, a partir da década de 1980 a tecnologia da informação teve grande
importância na reestruturação do sistema capitalista que, segundo sua lógica e interesses, foi
moldando as manifestações dessa revolução tecnológica. O autor denomina de “capitalismo
informacional” este novo sistema econômico e tecnológico. Para esse autor, a passagem do
modo de desenvolvimento industrial para o informacional (em rede) trouxe grandes
consequências para a vida em sociedade, uma vez que remodela as formas de
68
20
Cf. nota 14, p. 55.
69
Para além dos estudos sobre os aspectos culturais e contraculturais postos em prática
pelos jovens, outro ponto bastante enfatizado nas pesquisas sobre juventude na sociologia é
aquele que aborda o comportamento político juvenil e seu poder de transformação da sociedade,
a cultura cívica, a sociabilidade militante entre outros.
Neste subtema dos estudos da juventude, qual seja, juventude e política, há uma ênfase
nos marcadores ideológicos que guiaram e guiam a prática militante juvenil, suas motivações e
desejos. Como se sabe, as rápidas transformações do mundo contemporâneo, aliadas a
ampliação da democracia nos países ocidentais, o avanço das políticas neoliberais e a crise de
representação das instituições políticas que vem se intensificando nas últimas décadas
propiciaram um contexto social que se distancia das utopias de transformação da sociedade e
que tinha o jovem como um dos principais agentes. Estes fatores, aliados a outros, tem
alimentado a ideia de uma apatia cívica dos jovens, de um crescente individualismo, da crise
do militantismo etc. quase sempre pensados em contraposição à onda revolucionária dos jovens
dos anos 1960.
Na contramão destes argumentos – fruto de uma reflexão apressada baseada no senso
comum – alguns autores têm procurado demonstrar as particularidades do momento presente,
dos valores e motivações das novas formas de militância juvenil. Foi esta a direção tomada por
Janice Tirelli Sousa (1999) ao abordar as críticas de apatia e desinteresse dos jovens pela
política que tão fartamente se proliferaram no período da pós-redemocratização brasileira.
Ao tomar esse conjunto de representações, mitos e preconceitos que perpassam o
universo juvenil como um problema, a autora se esforçou em descobrir os novos significados
da militância política juvenil a partir de um estudo qualitativo com jovens nos anos 1990 que
participaram de organizações políticas com representações locais como o Movimento Nacional
de Meninos de Rua, a Pastoral da Juventude, a União de Negros pela Igualdade, o Movimento
Anarco-Punk entre outros. A seguir, destacamos alguns pontos da conclusão de Sousa.
No desenrolar da pesquisa ficou claro para a autora que se trata de uma geração
individualista que não abre mão de seus desejos e que “não há uma causa coletiva que os
arrebate para uma condição que tenha como limite rever sua autonomia individual [...] [assim]
eles são o exemplo de uma individualidade que procura se impor no coletivo, sem deixar-se
subjugar por ele [...]” (1999, p.200). Em outras palavras, a prática política, segundo os jovens
pesquisados, não deve abafar a individualidade das pessoas, devendo o coletivo incorporar a
70
forma de ser de cada um. Isto não quer dizer que estes jovens sejam insensíveis aos problemas
da sociedade em que vivem. Em grande parte do tempo desses jovens militantes há uma
dedicação ao grupo ao qual pertencem, muito embora haja diferentes expectativas em relação
ao trabalho organizativo. Isto mostra, segundo a autora, que estes grupos assumem um lugar de
importância na vida dos jovens que deles fazem parte.
Abordados em suas diferentes formas de atuação política os jovens que participaram da
pesquisa afirmaram reconhecer os problemas sociais da sociedade de sua época e reconheceram
também a ausência de sua geração em relação à estes problemas. Uns, localizaram suas ações
a partir de uma visão histórica; já em outros, percebeu-se que ainda não tinham conseguido se
desligar de uma percepção imediatista de uma atuação localizada. Assim, “define-se nestes
sujeitos um conceito do que entendem por militância: dedicação à elaboração de projetos
sociais que acabam sendo parte de suas vidas, possibilidade de identificação com o grupo e
reconhecimento social de sua existência” (SOUSA, 1999, p. 195, grifos da autora).
Há o reconhecimento de que estamos distantes da militância vanguardista de outros
tempos e de que novas práticas sociais surgiram articulando-se com uma concepção
diferenciada de engajamento social. Neste sentido, a reinvenção da utopia – título do livro de
Tirelli aqui analisado – diz respeito a uma noção de utopia que “[...] passa pela cidadania, pela
ética, pela luta contra a intolerância, pelo antidogmatismo, pela participação não-excludente,
mais ampliada, que inclua aqueles que não são necessariamente revolucionários” (SOUSA,
1999, p.196).
Muito embora entre os jovens pesquisados todos se considerassem de esquerda,
simpatizassem com a ideologia socialista e se identificassem com os partidos que seguem este
campo de atuação – principalmente o PT – a pesquisa mostrou que há um distanciamento deles
em relação à política partidária tendo em vista seu aspecto conservador, burocrático e
hierárquico, além da descrença de que as verdadeiras mudanças se deem através de partidos.
Preferiam priorizar a militância via outros movimentos como, por exemplo, o movimento negro
pelo fato de movimentos como este pautarem temas mais presentes do cotidiano juvenil.
Assim, a autora parece ter identificado uma tendência que tem se aprofundado nos
últimos anos, qual seja, o distanciamento da militância tradicional, mesmo apoiando e estando
do lado do espectro da esquerda. Assim,
é interessante notar que mesmo aqueles que militam em espaços tradicionais,
como os sindicatos e os partidos políticos, não tomam como referência esta
herança, pelo contrário, priorizam os movimentos [...] ou declaram a
insuficiência do sindicato em termos de eficácia política [...] (SOUSA, 1999,
p.187).
71
Em um estudo mais recente com jovens entre 16 e 18 anos do Ensino Médio da rede
pública e particular do Rio de Janeiro, realizado entre 2004 e 2009, Paiva (et. al, 2013) procurou
investigar as percepções dos jovens estudantes a respeito de questões sobre a realidade do país,
a cidadania, a democracia e sobre sua própria condição de jovem. A ideia que moveu a pesquisa
foi ouvir jovens que cresceram em contato com a realidade democrática e a sociedade política
brasileira entendendo que, por sua escolaridade, os estudantes reuniriam as condições
cognoscíveis para a discussão destes temas. É interessante perceber algumas semelhanças entre
o que pensavam os jovens pesquisados por Sousa (1999) e os pesquisados por Paiva (et. al,
2013) a respeito de temas similares que perpassam os dois trabalhos.
De modo geral, os autores destacam que os jovens que participaram da pesquisa “[...]
conseguem atingir um alto grau de consciência crítica em relação ao mundo da prática política
atual e no que concerne aos problemas do país; têm também consciência de seu baixo grau de
participação” (PAIVA, 2013, p. 69). No artigo que compõe a mesma obra, Durham (2013,
p.76), apoiada nos dados da pesquisa, defende que “[...] os jovens que foram socializados nos
anos 1990, longe de apresentar apatia e de serem apolíticos apresentam fortes tendências [...]
de ‘cidadania crítica’”. Neste sentido, não é de se estranhar que tenham expressado fortes
sentimentos de desconfiança em algumas instituições republicanas, como partidos políticos e
os próprios agentes políticos. Em relação aos primeiros, “[...] é bastante claro o sentimento de
afastamento dos partidos políticos dos interesses da sociedade, que, no limite, são avaliados
como gangues” (Idem, 2013, p.114). Já em relação aos agentes políticos, “[...] percebe-se
claramente que a maioria dos jovens expressa desconfiança em relação aos homens públicos”
(Idem, 2013, p.115).
Se por um lado a pesquisa evidenciou o descontentamento dos jovens com o mundo
público, por outro, mostra que “a sensação de confiança mais fortalecida está nas instituições
de sociabilidade mais próximas (escola e família)” (Idem, 2013, p.118). Assim, acreditam que
é através destas instituições que se poderá abrir um caminho mais efetivo para o exercício da
cidadania, tendo em vista a má avaliação das instituições políticas.
Na mesma pesquisa, Julia Ventura analisou os sentidos que o conceito de cidadania tem
recebido pelos jovens e seus hábitos em relação a participação cívica. É interessante perceber
que a pesquisa mostrou diferentes percepções dos jovens estudantes da rede pública e privada
sobre estes temas: para os alunos da rede pública ser cidadão é ser consumidor (31,9%);
enquanto que entre os jovens das classes médias e ricas a resposta mais citada foi ter
participação política e social (45,2% nas escolas de aplicação e 34,3% na rede particular)
(VENTURA, 2013, p.190).
72
Para a autora, estes dados expressam a desigualdade social brasileira uma vez que
percebe-se que a resposta dos alunos da rede pública demonstra uma postura realista e
imediatista; enquanto que, entre os alunos da rede particular (classe média e rica) uma postura
idealista. Indagados sobre o tipo de participação associativa, os jovens demonstraram maior
participação em associações, seguida da participação em movimentos sociais e, por último, em
partidos políticos.
É interessante perceber que o tipo de participação mais votado – ou seja, as
associações – é geralmente considerado porta-voz de demandas mais ligadas
a interesses coletivos privados, diferentemente dos movimentos sociais e
partidos políticos, que, sob esta chave analítica, denotariam um tipo de
participação mais ligado às questões coletivas públicas e de cunho ideológico.
Desta forma, esta divisão pode nos ajudar a ver uma tendência à organização
coletiva em torno de demandas privadas, em detrimento dos ideais
republicanos em prol de um bem comum (VENTURA, 2013, p. 175).
A autora destaca ainda o esvaziamento dos partidos políticos pelos jovens, o que está
relacionado com a baixa confiança e não identificação com as propostas, programas entre
outros. A não confiança nos políticos é alta, 46,1% do total de jovens abordados na pesquisa,
evidenciando o lado crítico e cético da juventude quanto aos políticos brasileiros (VENTURA,
2013, p. 176). A autora conclui ressaltando o fato de a
“[...] pesquisa ter verificado um perfil de baixa participação cívica nos jovens,
seja em partidos políticos, movimentos sociais, ou em outros tipos de
associações”. E afirma que, “este é um diagnóstico que sustenta a hipótese de
que os jovens brasileiros têm se afastado cada vez mais do mundo político
[...]” (VENTURA, 2013, p. 199).
São jovens que vivem no contexto urbano e que privilegiam as experiências individuais
ou em grupos específicos e que se mostram pouco influenciadas por projetos coletivos,
sejam ideológicos, partidário etc.;
As pesquisas mostram que os jovens possuem um alto grau reflexivo e crítico a respeito
dos temas políticos, muito embora tenham apresentado níveis de participação diferentes;
As pesquisas evidenciam que há um contexto sociopolítico e cultural distinto que se
inaugura com a redemocratização e que é marcado por uma reconfiguração das práticas
políticas;
Desconfiança em relação as instituições políticas tradicionais;
***
As menções feitas aqui à autores e seus trabalhos – que se inserem numa abordagem
não só teórica, mas empírica da realidade – nos dão um quadro de referência que nos ajuda a
pensar o universo juvenil contemporâneo, o ambiente sociocultural no qual estão inseridos e os
desafios que se colocam no que diz respeito a busca de novos códigos de ação e renovação das
suas práticas militantes.
Está claro que os trabalhos mais recentes sobre juventude e o comportamento político
dos jovens tem evidenciado uma mudança radical em relação a ser jovem e a militância política
juvenil nos dias atuais. Se, como sugere Abramo (1994), as análises sobre a juventude no
contexto de modernização dos anos 1950 e 1960 tomavam o jovem a partir do prisma da
“integração e marginalidade” ou o “radicalismo e alienação”, as pesquisas desenvolvidas nas
décadas posteriores se depararam com o esfacelamento não só das ideologias políticas, mas
também das instituições que davam o alicerce sob o qual se construiu o mundo até meados do
século XX.
A partir de então, apreender o fenômeno da juventude e seu comportamento político se
mostra um desafio frente ao senso comum que nivela as opiniões em torno de julgamentos
apressados e presos num saudosismo que ficou no passado. O exercício que temos diante de
nós agora é o mesmo dos primeiros sociólogos que, frente a um mundo em rápida
transformação, se empenharam em compreender não só as mudanças da sociedade, mas o papel
dos agentes humanos neste processo e o que os motivavam.
75
2.1 A UNE
A participação do estudante brasileiro nos temas da política nacional se deu muito antes
da formação da UNE enquanto entidade e polo aglutinador dos interesses e das demandas
estudantis. Antes mesmo do Brasil alcançar sua independência, já se registrava na nossa
76
Além das transformações no campo político e social é neste momento que observa-se
também uma renovação da cultura e das artes. Isto se dá, principalmente, com a Semana de
Arte Moderna, de 1922, que imprimiria, nas décadas seguintes, os rumos da produção artística
marcando nitidamente, naquele momento, uma ruptura com a arte produzida até então e mais
afinada com os ideais de uma sociedade em vias de modernização.
É neste cenário de uma sociedade que passava por transformações profundas em seus
diversos setores que surge a UNE com o objetivo de agregar a força estudantil até então dispersa
em todo o país. Vargas, como estadista que se mostraria muito hábil para lidar com as diferentes
classes e grupos sociais que começavam a se plasmar naquele momento,
Nos primeiros anos é possível observar a preocupação dos estudantes não só com as
questões estritamente educacionais, mas com a política e os problemas nacionais presentes na
sociedade de então. Isto fica claro nas teses levantadas para discussão no momento do 2º
Congresso Nacional dos Estudantes, de 1938, que, de forma resumida, abordou nos seguintes
pontos (POERNER, 2004, p.126-130):
1) Situação cultural: função da universidade; formação e orientação profissional e técnica;
bolsas de estudos e viagens de intercâmbio universitário; bibliotecas; difusão da cultura
etc.;
2) Situação econômica: problemas das taxas de matrículas; problemas de habitação –
cidades universitárias; casas de estudante; problemas de alimentação; estágio
remunerado; assistência médica, dentária e judiciária etc.;
3) Saúde: higiene escolar, educação física etc.;
4) Mulher estudante: a mulher estudante frente ao problema do trabalho e em face das
organizações profissionais; a mulher estudante frente ao problema do lar; associações
femininas; a instituição do divórcio e do exame pré-nupcial obrigatório; o ampara das
leias trabalhistas à mulher etc.
5) Entre estes, também foi discutido: a luta contra o analfabetismo; o ensino reacionário
nas escolas e a proposição de uma cadeira de Sociologia nos cursos superiores; educação
de adultos, ensino rural etc.
A sugestão e discussão das pautas do 2º Congresso Nacional dos Estudantes contou com
a participação de várias entidades representativas estudantis de diferentes partes do Brasil.
Chama-nos atenção a qualidade das propostas discutidas à época – muitas delas ainda hoje não
resolvidas – e, mais especificamente, a pauta que aborda questões relativas ao papel da mulher
na sociedade, uma verdadeira revolução naquele momento em que era bem mais comum à
mulher as funções relativas ao espaço privado e, ao homem, as funções do espaço público.
No plano internacional, a década de 1940 foi marcada pelos acontecimentos da 2ª Guerra
Mundial e por seus desdobramentos. Enquanto o governo Vargas flertava com nazifascismo
europeu, os estudantes mostraram – talvez pela primeira vez em sua curta existência – seu poder
de mobilização contra as forças conservadoras e de orientação totalitárias que pretendiam
influenciar a política brasileira. Foi assim que teve início uma ampla mobilização dos estudantes
ligados à UNE contra o apoio do Brasil às forças do Eixo.
79
Iniciado nas universidades, o movimento logo passou a contar com apoio de professores
de diferentes centros acadêmicos do país. Comissões estudantis percorreram as redações de
jornais, realizaram discursos em praças públicas e procuravam apoio entre os membros do
governo Vargas. A ação dos estudantes culminou com a passeata de 4 de julho no ano de 1942,
no Rio de janeiro, que contou com a participação de mais de mil estudantes. Poerner (2004,
p.147), mostra que o esforço dos estudantes contra as forças nazifascistas foi determinante sobre
a opinião pública nacional “[...] tanto que os nazistas e fascistas sustentavam, na época, que as
atividades dos estudantes não passavam de manifestações de ‘baderneiros’ e ‘jovens
irresponsáveis’”.
À esta altura, a UNE já havia tomado parte em relação às principais questões políticas
e de repercussão nacional. A participação e pressão exercida pelos estudantes ao se
posicionarem contra a presença do Brasil na Segunda Guerra – além de outros episódios como
a luta pela anistia dos presos políticos e pela democratização – teve impacto na relação amistosa
de até então entre os estudantes e o governo Vargas.
O Estopim que marcaria a cisão completa entre a UNE e Vargas se deu com a morte do
estudante Demócrito de Souza Filho, primeiro secretário da União dos Estudantes de
Pernambuco, em março de 1945, durante um comício pró-candidatura do Brigadeiro Eduardo
Gomes, após o novo interventor de Recife determinar a repressão da manifestação. O episódio
pôs fim a qualquer tipo de relação cordial com o governo – à essa altura mergulhado na ditadura
Vargas. Desta forma, “declarando guerra ao governo, a UNE mobilizou estudantes, políticos e
trabalhadores para frustrar a chamada ‘união nacional’ em torno de Vargas” (POERNER, 2004,
p.162).
No final da Segunda Guerra Mundial o governo Vargas estava desgastado e entre os
estudantes já havia um consenso em torno da democracia com eleições livres e com as
liberdades civis. É neste momento que se acentua uma divisão interna no quadro da UNE entre
estudantes ligados à UDN, por um lado, e estudantes ligados ao Partido Comunista, por outro.
No final da década de 1940, estes dois grupos se revezaram na diretoria da UNE e disputaram
o interesse dos estudantes a partir de um forte acirramento político e ideológico. No plano
internacional, o fim da Segunda Guerra acentuou as diferenças entre EUA e URSS em torno da
hegemonia político-ideológica, econômica e militar em todo mundo. Internamente
predominava no Brasil “o antidemocratismo básico dos liberais brasileiros [e o] visceral
anticomunismo das elites” (REIS, 2002 apud Mattos, 2014, p.77).
Este período foi marcado também por uma forte mobilização da UNE juntamente com
diversos setores da sociedade civil em torno da campanha “O petróleo é nosso”. A campanha
80
visava assegurar o monopólio estatal sobre a exploração do petróleo brasileiro. Neste momento,
o que figurava como pano de fundo era o sentimento nacionalista que visava garantir a
autonomia econômica do Brasil em detrimento da entrada do capital estrangeiro. A campanha
pelo petróleo acirrou ainda mais as posições de grupos tanto favoráveis como contrários a
intervenção estrangeira em assuntos de interesse nacional.
Entre os anos de 1947 e 1950, os temas mais frequentes defendidos pela UNE, além da
campanha pelo petróleo, estiveram relacionados ao alinhamento da entidade aos movimentos
internacionais da Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD) e da União
Internacional dos Estudantes (UIE), a adesão da UNE ao movimento pela paz mundial, as
reivindicações pelas reformas do ensino, os problemas econômicos dos estudantes e a
autonomia das entidades estudantis (MATTOS, 2014, p. 84-85).
Como se pode ver, os primeiros anos de estabelecimento e de consolidação da UNE
foram marcados, por um lado, por sua forte presença nos debates dos grandes temas políticos,
sociais e econômicos do país e, por outro, por uma acirrada disputa interna entre diferentes
grupos, organizações e partidos de orientações ideológicas distintas. Ao analisar a atuação da
UNE entre os anos de 1945 e 1964 – com foco na ação dos grupos e partidos que se revezaram
na diretoria da entidade – Mattos (2014) nos mostra os constantes embates entre estudantes
ligados à esquerda e à direita do espectro político e seus esforços em ampliar sua influência
sobre o conjunto dos estudantes.
Assim, no período acima citado foi intenso os conflitos entre estudantes ligados a UDN
e ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Entre os anos de 1947 e 1949, estiveram à frente da
direção da UNE estudantes do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Registra-se também a
presença de organizações e tendências radicais que visavam combater as esquerdas a partir do
discurso anticomunista. Além destes, outros grupos disputaram a atenção dos estudantes neste
período como: a Juventude Comunista (JC), Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação
Popular (AP) (MATTOS, 2014, p. 25-26).
Contra a tese de um movimento universitário unitário, progressista e que se coloca
sempre ao lado dos interesses populares, Mattos (2014) afirma que tal movimento é um espaço
em constante disputa. Assim, adjetivos como “inconformados”, “renovadores”, “progressistas”,
“engajados” ou “revolucionário” presentes em boa parte das publicações sobre o tema se
mostram fluidos e não dão conta da heterogeneidade do movimento estudantil. Segundo o autor,
para uma melhor compreensão da atuação das entidades estudantis se faz necessário estar atento
ao repertório dos estudantes, suas redes de relações, demandas e as possibilidades de diálogo
com outras forças políticas.
81
A partir dessa identificação, conclui-se que não tenha existido uma UNE
sempre progressista, sempre ao lado dos interesses populares ou que, quando
isenta dessas características, a entidade tenha se desfigurado das suas tarefas
consideradas inatas. Pelo contrário, os repertórios da UNE e os seus
posicionamento, tanto nos momentos em que a entidade se colocou ao lado
das forças de esquerda, quanto nos momentos em que se dedicou
acirradamente contra o comunismo, foram resultados das disputas e das
demandas que predominaram no interior da entidade: de intervenções
organizadas que, no contexto nacional e internacional, buscaram legitimar
crenças e posicionamentos que, expressadas pela UNE, passaram a ser
adotadas pelos estudantes (MATTOS, 2014, p. 339-340).
Nos anos que se seguiram após o Estado Novo, a direção da UNE continuou sendo
disputada por estudantes ligados à grupos e partidos de esquerda e da direita. A analogia a um
campo de batalha não seria de todo um exagero, tendo em vista o contexto de forte repressão e
estigmatização das esquerdas comunistas no período que vai do Pós-Segunda Guerra e que
culmina com a ascensão dos militares ao poder em 1964.
O período do governo Eurico Dutra (1946-1951) foi marcado pelo pouco diálogo e forte
repressão policial aos estudantes. Isto se observou, principalmente, em dois momentos: um
deles foi na ocasião do Congresso da Paz em que a sede da UNE foi invadida pelo esquema
policial de Dutra; e o outro se deu na ocasião dos protestos estudantis contra o aumento das
passagens dos bondes no Rio de Janeiro, ambos em 1946. Em 1951, com a direção da UNE sob
influência dos estudantes ligados à direita, registra-se a infiltração norte-americana no
movimento estudantil brasileiro com a presença de estudantes americanos enviados pelo
Departamento de Estado. O episódio se repetiria em 1956 com a vinda da estudante americana
Helen Rogers que, com o aparente objetivo de propor um intercâmbio de experiências culturais
e estudantis, visava introduzir o anticomunismo entre os estudantes. A tentativa se viu frustrada
diante da negação dos diretores da UNE, desta vez sob orientação progressista (POERNER,
2004, p.164-170).
No início dos anos 1950, com os estudantes da direita udenista na direção da UNE,
foram frequentes as tentativas de derrubada do governo nacionalista de Getúlio Vargas que
voltara à Presidência da República, desta vez eleito através de eleições democráticas. O
intervencionismo estatal de Vargas e a proteção do mercado nacional da influência estrangeira
nunca foram bem vistos pelos estudantes e setores políticos da direita, uma vez que tais atitudes
frente ao Estado ferem os princípios liberais da autorregulação do mercado.
Esta situação mudaria por completo com a passagem do governo Vargas para o de
Juscelino Kubitschek, momento em que há uma reorientação da política econômica com vistas
a acelerar o desenvolvimento econômico do país. Isto se daria com a implementação do
82
Programa de Metas, a “menina dos olhos” de JK, que abrangeu os setores da energia,
transportes, alimentos e a indústria de base e representou um momento de profundo
desenvolvimento do capitalismo no Brasil e das relações de dependência. Se durante o governo
Vargas o desenvolvimento econômico e a industrialização foram pensados a partir da noção de
emancipação econômica nacional, o mesmo não pode ser dito em relação ao governo
Kubitschek, uma vez que, para este, industrialização e independência econômica nacional eram
entidades distintas (IANNI, 1991, p.188).
As mudanças econômicas observadas durante os anos JK possibilitaram não só o
crescimento industrial brasileiro, mas o sentimento de que o Brasil estava passando por um
processo de modernização acelerada – e isto se intensificou principalmente depois da
construção de Brasília. De fato, era este sentimento que a propaganda oficial pretendia passar
ao cunhar o slogan “50 anos em 5” que seria atingido com o plano de metas do governo.
internacional’ posições-chave nos sindicatos, assim como de ter enaltecido o sucesso das
comunas populares durante sua recente visita à China comunista” (SKIDMORE, 1982, p.257).
Frente às forças que se opunham ao direito constitucional de João Goulart assumir a
presidência – principalmente militares e membros da UDN –, formou-se uma “Campanha da
Legalidade” com o objetivo de garantir a sua posse. A União Nacional dos Estudantes (UNE),
juntamente com setores da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola
e outros fizeram parte desta campanha. Na ocasião, o jornal O Metropolitano, da União
Nacional dos Estudantes (UNE), publicou a seguinte nota:
A Constituição Brasileira, que os estudantes com seu sangue ajudaram a ser
criada, há alguns anos atrás, não será desrespeitada. Desde as primeiras horas
da crise, a União Nacional dos Estudantes tem estado alerta e ativa na defesa
da democracia e do regime. Fecharam nossa sede, perseguem nossos líderes,
repelem nossas manifestações à força. Mas os estudantes hão de resistir... Não
podemos aceitar qualquer espécie de golpe, e exigimos que seja cumprida à
risca a letra da Constituição (MENDES JR, 1982 apud SANTANA, 2007, p.
20).
O apoio dos estudantes na defesa dos princípios democrático representou uma força de
peso ajudando a fortalecer a opinião pública pela “Legalidade com Jango”, o que possibilitou a
sua condução ao posto de Presidente da República em setembro de 1961. No entanto, a solução
para o impasse só se deu com a adoção do regime parlamentarista, saída encontrada após
negociação entre as forças políticas de então com os militares, o que limitava bastante o poder
do novo presidente.
No início dos anos 1960, as transformações nas estruturas econômicas impulsionadas
pela rápida industrialização – com reflexo nas relações entre as diferentes classes –, bem como
o desenvolvimento das instituições políticas, estas em constante disputa pelos vários grupos de
poder e interesses ideológicos, possibilitou um avanço dos movimentos sociais tanto na cidade
quanto no campo e o surgimento de novos atores políticos.
Neste sentido, o surgimento das Ligas Camponesas, principalmente no Nordeste
brasileiro, representou um avanço na organização dos trabalhadores rurais em prol da reforma
agrária e de melhores condições de vida no campo. Parte da igreja católica, notadamente seu
setor mais progressista, também assumiu um papel de destaque neste momento ao desenvolver
um trabalho com as camadas populares através do Movimento de Educação de Base (MEB)
com implantação de escolas radiofônicas com vistas a alfabetização de jovens e adultos da
população carente.
84
Os desafios que o então presidente João Goulart teria que enfrentar não eram poucos.
Havia por parte dos diferentes setores da sociedade uma grande expectativa sobre como se daria
o seu governo – sem falar da desconfiança dos militares e setores da burguesia quanto as
ligações de Jango com os ideais comunistas e o populismo. Neste momento, o Brasil passava
por um período de crise política e econômica. No caso da primeira, evidenciada pela repentina
renúncia de Jânio Quadros e os desdobramentos que levaram João Goulart ao poder. Quanto a
crise econômica que Jango teria que enfrentar, esta “[...] manifestou-se da seguinte forma:
reduziu-se o índice de investimentos, diminuiu a entrada de capital externo, caiu a taxa de lucro
e agravou-se a inflação” (IANNI, 1991, p.196).
Assim sendo, no nível interno, o acirramento das lutas de classes foi notório,
uma vez que a sociedade civil tornou-se mais ativa diante da ampliação da
participação política e da organização dos trabalhadores urbanos e rurais.
Outros setores da sociedade também se organizaram e participaram
ativamente das mobilizações em favor das Reformas de Base, como os
estudantes e os militares subalternos (sargentos, marinheiros etc.)
(GERMANO, 1994, p.50).
2.2 Autoritarismo
a criação da UNE, em 1937, sempre esteve presente no debate das questões de interesse
nacional. Não à toa, no primeiro dia do golpe militar a sede da UNE foi incendiada. No campo
da educação, entre as principais ações do governo militar, à época, com vistas a desorganizar
os estudantes estão a invasão da UNB, a criação da Lei Suplicy e os Acordos MEC-USAID.
Nove dias após o golpe de 1964 a Universidade de Brasília (UNB) teve suas
dependências invadidas por tropas do exército a mando do Marechal Castelo Branco com a
desculpa de que poderiam haver irregularidades naquela universidade. Fundada em abril de
1962, sob o signo da reinvenção do ensino superior no Brasil, a Universidade de Brasília reuniu
entre seus idealizadores nomes como os do antropólogo Darcy Ribeiro, o educador Anísio
Teixeira e o arquiteto Oscar Niemeyer. Apesar do pouco tempo de fundação, o empenho destes
e de outros intelectuais na formação do quadro de professores e nas diretrizes da universidade
já a colocava numa posição de vanguarda em relação as instituições de ensino superior no
Brasil.
Com a invasão da UNB pelos militares, deu-se início a perseguições a professores e
alunos, confisco de livros e interdição de bibliotecas; demissão em massa de professores –
muitos mandados para o exílio taxados como criminosos e subversivos. Anos depois, refletindo
sob o ocorrido, Darcy Ribeiro escreveu em seu livro “UNB: invenção e descaminho”, de 1978:
Com o objetivo de limitar e ter um maior controle das atividades estudantis foi aprovada,
em novembro de 1964, a Lei nº 4.464, popularmente conhecida por Lei Suplicy de Lacerda. A
lei que ficou conhecida pelo nome do então Ministro da Educação visava estabelecer uma nova
regulamentação de funcionamento das entidades de representação estudantil ficando a partir de
então sob controle direto ou indireto do Ministério da Educação. Assim, a UNE foi
Com a aprovação da Lei Suplicy de Lacerda pelo congresso, ainda no ano de 1964, os
militares deixaram claro seu objetivo de desarticular as organizações estudantis e inviabilizar
qualquer tipo de investida dos estudantes contra as arbitrariedades do regime. Ao tomar o poder
via golpe, os militares sabiam que sofreriam oposição por parte de seguimentos da sociedade
civil; e os estudantes – ponta de lança das lutas políticas das últimas décadas – certamente
estariam nas primeiras fileiras da resistência contra os militares.
A Lei Suplicy de Lacerda cumpria, assim, uma função: ela foi um meio para se atingir
um fim específico que não era o de simplesmente desarticular o movimento estudantil, mas
preparar o terreno para a implantação de reformas profundas na educação brasileira. Tais
reformas seriam introduzidas através de acordos entre o governo brasileiro e uma agência norte-
americana. Assim, os acordos MEC-USAID, como ficaram conhecidos, englobaram uma série
de convênios entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International
Development (USAID) que tiveram início no ano de 1964 e se estenderam até 1968 com a
aprovação da lei de reforma universitária (Lei 5.540/68).
O objetivo de tais acordos era introduzir no Brasil um modelo de educação que se
aproximasse do modelo norte americano. Em seu conteúdo, os acordos MEC-USAID deixavam
clara a submissão do Brasil neste processo, uma vez que, para sua efetivação, seria necessária
a contratação de técnicos e assessores americanos aos quais caberiam a implantação do novo
regime de ensino.
Além disso, a ruptura política levada à cabo pelos militares e setores da classe dominante
foi tida como necessária para a garantia da continuidade da ordem socioeconômica vista, então,
como ameaçada pelo grupo político que ocupava o poder. Assim,
88
O desejo de reforma e modernização do ensino superior não era, naquele momento, algo
novo. Desde a década de 1940 que administradores educacionais, professores e estudantes
almejavam mudanças significativas na estrutura e organização das universidades. Assim,
“quando os assessores norte-americanos aqui desembarcaram, encontraram um terreno arado e
adubado para semear suas idéias” (CUNHA, 1988 apud GERMANO, 1994, p.117). No entanto,
a forte oposição dos estudantes às reformas do ensino superior visava mostrar que estas eram
reformas conservadoras, implementadas de forma vertical e que não atendiam aos interesses
nacionais. Isto ficou claro no teor do relatório Atcon21, de 1966, que destacava
a necessidade de disciplinar a vida acadêmica, coibindo o protesto, reforçando
a hierarquia e a autoridade. Além disso, o relatório enfatizava a importância
de racionalizar a universidade, organizando-a nos moldes empresariais,
privilegiando, assim, a questão da privatização do ensino (GERMANO, 1994,
p.117).
Estava claro que o conjunto de medidas tomadas pelos militares visando mudanças
profundas na educação brasileira tinha como objetivo alinhar as diretrizes gerais da educação
21
Relatório desenvolvido por Rudolph Atcon, sob encomenda do MEC, no período de junho a setembro de 1965.
Continha propostas para a reformulação das universidades brasileiras que atendessem aos pressupostos
americanos de racionalidade, eficiência e eficácia das instituições. Com esse intuito visitou 12 universidades
(entre elas a UFPB). Atuou também assessorando a reforma universitária em outros países da América Latina,
como o Chile, na América Central e no Caribe. Cf. ZANDAVALLI, 2009.
89
A aprovação das leis e decretos que tinham em vista aumentar o poder de atuação dos
militares e tentar criar um consenso em torno do seu governo deixou de ser um problema com
22
Cf. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-869-12-setembro-1969-375468-
publicacaooriginal-1-pe.html
90
o Ato Institucional nº 2 decretado pelo então presidente Castelo Branco em outubro de 1965.
Com este gesto, desmontava o pluripartidarismo e criava o bipartidarismo. Assim nasceu a
Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – partido de apoio ao governo –, e o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), que, por sua vez, se ocuparia em fazer a oposição. Desta forma,
o executivo obteve plenos poderes para atuar sem amarras na efetivação de seus objetivos
políticos e ideológicos e na perseguição de seus opositores.
Mesmo com o desmonte e deformação das instituições de representação estudantil,
perseguição aos estudantes e todas as políticas de reformas da educação de cunho burocrático-
estatal conservadoras, o movimento estudantil manteve-se firme no propósito de denunciar o
autoritarismo e o caráter antidemocrático do governo. Tal atitude cobraria seu preço diante da
desvantagem que de antemão se encontravam os estudantes sem os meios necessários para tal
fim. Principalmente pelo que se viu depois quando se tomou conhecimento dos métodos de
perseguição, torturas e mortes praticados pelos militares. No entanto, como vimos no primeiro
capítulo, não estar enredado no status quo coloca o jovem numa posição diferenciadas dos
demais grupos sociais. Além do mais, o “calor da juventude” é combustível para feitos
inimagináveis.
O golpe de 1964 colocou a UNE e as demais entidades representativas dos estudantes
diante de uma nova realidade e exigia, por sua vez, uma outra postura de atuação do movimento
estudantil. As mudanças implementadas pela lei de reforma do ensino superior modificaram
substancialmente a estrutura organizativa das universidades afetando sua autonomia
administrativa e submetendo seus diversos órgãos ao controle burocrático dos militares. O
autoritarismo que tomou o poder excedia, de longe, o de qualquer outro governo anterior com
o qual os estudantes tiveram que lidar. A impossibilidade de uma atuação dentro do jogo
democrático, via instituições representativas, lançou o movimento estudantil numa incerteza
quanto aos rumos a ser seguido. Diante deste quadro, só restavam duas opções: desistir ou
resistir. Predominou a segunda.
Se a chegada dos militares ao poder representou uma ruptura com a democracia,
seguida de uma política totalitária e sem diálogo com os seguimentos da sociedade civil, a
continuidade das mobilizações estudantis só poderia se dar, da mesma forma, através de uma
ruptura com as formas de representação válidas até antes do golpe, ou seja, os partidos políticos.
Em dado momento, ficou claro para um segmento do movimento estudantil que a radicalização
seria a única alternativa diante do fechamento dos canais legais de negociação. Tal conclusão,
implicava rever (ou suspender) alguns princípios ideológicos que tinham balizado até então a
ação dos estudantes.
91
O golpe de 1964 acentuou as diferenças entre as velhas esquerdas (com destaque para o
Partido Comunista Brasileiro) e as novas esquerdas que emergiram a partir das dissidências
ideológicas e de princípios de ação da segunda em relação à primeira. A crítica das novas
esquerdas recaiu, naquele momento, sobre a democracia populista de cunho reformista de
partidos como PCB e demais partidos de esquerda. Os limites do populismo se evidenciaram
no governo de João Goulart, no início dos anos 1960, expondo suas fraquezas e lançando
dúvidas quanto a sua manutenção. Com base nesse julgamento, as novas organizações de
esquerda23 se multiplicavam recrutando novos adeptos, desta vez não mais para os partidos,
mas para si (GROPPO, 2007, p.232-233).
Antes da decisão pelo rompimento
[...] a luta no seio da democracia populista era encarada pela esquerda como
um momento tático para a consecução dos alvos socialistas. Acreditava-se que
as massas trabalhistas e populistas precisavam ser conquistadas por dentro, a
partir dos objetivos e técnicas da própria política de massas. Por isso a “frente
única” e os outros compromissos com militares e setores da classe média etc.
eram alianças táticas indispensáveis. Eram em decorrência do realismo
político. Assim, sacrificava-se momentâneamente a teoria marxista-leninista
da revolução, com o objetivo de ajuntar teoria e prática, condições e
possibilidades, alvos e táticas (IANNI, 1971, p.107-108).
A adesão tática à política de massas não foi exclusiva do Partido Comunista. Outras
agremiações seguiram esta direção como: PSB, PTN, FPN (Frente Parlamentar Nacionalista),
FLN (Frente de Libertação Nacional), CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e entre
estes a UNE (União Nacional dos Estudantes), que desde sua formação manteve grande
proximidade com a democracia populista (IANNI, 1971, p.106-107).
Em meados dos anos 1960, a continuidade de uma atuação política dentro do marco da
democracia populista de caráter reformista – a parir de alianças com setores da burguesia – já
não fazia mais sentido para muitos grupos da nova esquerda e não se apresentava mais como
uma opção viável. A UNE, que a esta altura já estava dividida com grande parte dos estudantes
envolvidos em diferentes organizações de esquerda, também se dividia quanto aos
encaminhamentos da luta. Se multiplicava, assim, dentro da entidade, as diferentes posições
quanto aos caminhos a ser seguido.
23
Algumas dessas organizações que atuaram neste período foram: a Organização Revolucionária Marxista Política
Operária (POLOP), Ação Popular (AP), Aliança Nacional Libertadora (ANL), Movimento Nacional
Revolucionário (MNR), Comando de Libertação Nacional (Colina), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR),
Partido Operário Comunista (POC), Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares), Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Para maiores detalhes Cf. GORENDER, 1987.
92
24
Cf. VENTURA, 2008. MATOS, 1989. GROPPO, 2008.
94
Em 1968, o planeta todo pegou fogo. Foi como se uma palavra de ordem
universal tivesse sido dada. [...] Graças ao fulgurante desenvolvimento dos
meios de comunicação de massa, fomos a primeira geração a vivenciar num
turbilhão de sons e imagens a presença física e cotidiana da totalidade do
mundo. Um grupo de música inglês, saído da periferia de Liverpool,
compunha canções que, em breve, empolgariam os jovens de todo o mundo:
as cenas da invasão de Praga pelos tanques russos; Carlos e Smith, de punhos
erguidos e luvas negras, no pódium dos Jogos Olímpicos do México; o rosto
de Che Guevara. Essas imagens provocaram reações, indignação, adesões,
entre os jovens de todas as nacionalidades (CONH-BENDIT, 1987, p.11-12).
95
25
A revolta estudantil teve início em 22 de março de 1968 quando 142 estudantes ocuparam o prédio da
administração da faculdade de Nanterre num protesto contra a prisão de seis militantes anti-imperialistas. Os
protestos se estenderam por todo o mês de maio incorporando outras pautas (Cf. CONH-BENDIT, 1987). No
entanto, era unânime entre os estudantes a necessidade da união com os trabalhadores. No dia 13 de maio de 1968
os trabalhadores franceses entraram em greve. Neste momento, os estudantes se juntaram aos trabalhadores numa
grande manifestação de cerca de um milhão de pessoas, a maior acontecida até então em Paris. De início, a
Confederação Geral do Trabalho (CGT), principal central sindical francesa era contra a participação e união dos
estudantes com os trabalhadores. No entanto, o seguimento estudantil conseguiu romper esta barreira (Cf.
BERNARDO, 2008).
26
Em 1964 Herbert Marcuse, teórico alemão ligado à Escola de Frankfurt, publicaria o livro “O homem
unidimensional” no qual percebe uma tendência totalizante nas sociedades industriais modernas em que os
pressupostos do mercado passam a atuar nas esferas objetivas e subjetivas da vida. Os escritos de Marcuse o lançou
à posição de guru da contracultura e dos movimentos de contestação no final dos anos 1960.
27
Ao menos não no plano político-econômico. No entanto, no plano da cultura suas marcas são mais visíveis
principalmente pelo questionamento dos valores e costumes que sofreram mudanças significativas nas décadas
seguintes.
96
O maio de 68, por sua dimensão e conteúdo, se inseriu num quadro mais amplo de
protestos e revoltas contra o status quo, naquele período, criando um sentimento entre os jovens
de que havia um fenômeno de escala mundial acontecendo que os unia numa luta contra o
capital e suas formas de opressão.
José Dirceu, militante à época da Dissidência São Paulo (DI-SP), resume este
sentimento:
Antes do término de 1968, o governo de Costa e Silva tentaria sua manobra mais dura
contra as manifestações de descontentamento ao governo militar. A radicalização da esquerda
com as ações de guerrilhas no campo e na cidade, as passeatas promovidas pelos estudantes e
outros grupos organizados levaram os militares da linha dura a chamar a atenção do Presidente
Costa e Silva para a necessidade de medidas mais enérgicas contra os descontentes com o
regime. Com esse objetivo foi decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 13 de dezembro de
196829. Entre outras medidas o AI-5 determinou o recesso do Congresso Nacional, caçou
mandatos parlamentares, suspendeu por dez anos direitos políticos, suspendeu a garantia do
habeas-corpus entre outras medidas.
O AI-5 representou o auge da repressão e do excesso de autoritarismo dos militares no
poder. Isto ficaria claro nas palavras de Costa e Silva no seu primeiro discurso público após o
decreto do quinto ato institucional: “Quantas vezes teremos que reiterar e demonstrar que a
Revolução é irreversível? ”. Para aprofundar a “revolução” em marcha, iniciada em abril de
1964, nos meses que se seguiram, os militares fecharam assembleias estaduais (como as de São
28
Aqui se faz necessário ressaltar as especificidades do contexto político brasileiro em relação à França neste
mesmo período. No Brasil, vivia-se uma ditadura com perseguição e repressão às revoltas contra o regime,
inclusive a dos trabalhadores. Na tentativa de ter o controle total das atividades do proletariado brasileiro, o
Ministro do Trabalho de Costa e Silva, Jarbas Passarinho, nomeou líderes sindicais (pelegos) para atuar nos
sindicatos. Em 1968 irromperam grandes greves em Contagem, Minas Gerais, e em São Paulo contra a queda dos
salários e a política econômica do governo. Também houve, entre os trabalhadores, prisões e torturas.
29
A gota d’água teria sido o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves (MDB) que na Câmara dos
Deputados fez duras críticas ao regime criticando a invasão da UNB, a violência policial e a tortura. Em seu
pronunciamento, sugeriu que os pais não deixassem os filhos participar dos desfiles militares de 7 de setembro
daquele ano. Além disso, Alves sugeriu em seu discurso, assim como na peça Lisístrata, de Aristófanes, que as
mulheres dos militares boicotassem seus maridos até que tivesse fim a repressão. Cf. Skidmore, 1988.
99
como mote para a criação da publicidade institucional do regime militar exaltando o Brasil, o
brasileiro e o amor pela pátria. Assim, bordões como: "Brasil: Ame-o ou deixe-o!", "Quem não
vive para servir ao Brasil, não serve para viver no Brasil" eram um claro aviso aos descontentes.
O impacto do AI-5 sobre as liberdades civis e, principalmente, sobre as esquerdas que
radicalizaram via luta armada foi devastador. O endurecimento do regime militar através dos
atos institucionais colocou em cheque a possibilidade de êxito das esquerdas comunistas que
até então tinham resistido.
Daniel Aarão Reis Filho ao fazer um balanço da luta armada das vanguardas de esquerda
no Brasil afirma que “os comunistas recusavam-se a perceber a vitalidade e a capacidade de
recuperação do capitalismo brasileiro, que protegido pela sombra armada dos militares, [...]”
preparou um novo ciclo de crescimento econômico para o qual contribuiu a aliança entre as
Forças Armadas e os grandes empresários (REIS FILHO, 1989, p. 66).
Com a dura repressão aos movimentos oposicionistas, o movimento estudantil precisou
recuar. Na impossibilidade de prosseguir com as passeatas e reuniões, mesmo que clandestinas,
restou a luta armada, decisão limite da insatisfação de muitos jovens que viram esgotadas as
possibilidades de atuação política contra os militares. Os números a seguir dão uma dimensão
da repressão sofrida pelos movimentos de oposição:
Oito meses depois [do AI-5], em agosto de 1969, 370 pessoas já haviam sido
identificadas como envolvidas em ações armadas e assaltos políticos, das
quais cerca de 200 detidas e 128 qualificadas na Justiça Militar, segundo a
Veja. Quase todos tinham entre 20 e 25 anos; somente cinco mais de 30.
Quanto ao setor de atividades de que provieram, 38,5% eram estudantes, 20%,
militares (em sua maioria, anteriormente punidos pelo regime), 17%
profissionais liberais, e 8%, operários, sendo o restante comerciários,
bancários e funcionários públicos (POERNER, 2004, p.276).
Diante deste quadro, restou ao movimento estudantil a opção por realização de pequenos
congressos regionais. A situação só mudaria em meados dos anos 1970 quando os estudantes
retomariam com mais força a luta pela redemocratização.
assunto não era consenso entre os militares, principalmente entre aqueles ligados a “linha dura”
do regime – muitos deles envolvidos nos casos de torturas – que se posicionaram contra a
abertura política do regime.
O novo presidente precisou, então, agir de forma conciliatória, se movendo entre os dois
grupos que compunham os militares. Neste sentido, estabeleceu como ponto de partida de seu
governo quatro metas que este deveria atingir. A primeira era manter o apoio dos militares, sem
o qual nada poderia ser feito. A segunda era controlar os subversivos, muito embora a esta altura
já não restasse quase nenhuma das guerrilhas armadas, resultado da repressão promovida no
governo Médici. A terceira meta do governo Geisel era o retorno à democracia. E, por fim, a
quarta e última meta apontava para a necessidade de se manter as altas taxas de crescimento
econômico (SKIDMORE, 1988, p.319-321).
Todavia, problemas externos colocaram em xeque os planos de Geisel, principalmente
em relação à sua última meta. Em 1973 o crescimento econômico brasileiro já começava a dar
sinais enfraquecimento. Neste mesmo ano, diversos conflitos entre países árabes, membros da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), implicaram em um aumento de até
400% no preço do petróleo, o que causou uma desestabilização da economia em diversos países,
inclusive no Brasil.
A retração econômica marcou o fim do crescimento observado nos últimos anos. A crise
do petróleo expôs a fragilidade da política econômica militar que beneficiou o grande
empresariado e setores médios da população em detrimento da classe trabalhadora. Esta, após
a crise do petróleo e suas consequências, se viu numa situação de longas jornadas de trabalho e
baixos salários que já não permitiam mais comprar os produtos industrializados devido as altas
de preços.
Por outro lado, crescia em vários setores da sociedade civil o descontentamento com o
governo militar. As críticas cederam espaço para a manifestação pública de insatisfação e, aos
poucos, o movimento estudantil retomou as passeatas que passaram a acontecer em todo o
Brasil. A esta altura, os estudantes não eram os únicos descontentes com os militares no poder.
A partir de 1974 a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) passou a fazer duras críticas à
violação dos direitos humanos e se comprometeu com a defesa ativa dos direitos dos presos
políticos e contra as prisões arbitrárias. Outras instituições como a Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) e a própria igreja católica também se mobilizaram a favor da retomada da
democracia.
Os primeiros sinais de afrouxamento do regime se mostraram ainda em 1974 quando se
diminuiu as restrições em relação à propaganda eleitoral deste ano, o que favoreceu a vitória do
102
30
O livro “Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988”, resultado da tese de doutorado
em História Social da pesquisadora Beatriz Kushnir, expõe como se deu a relação do regime militar com os meios
de comunicação. Segundo a autora, estes não só apoiaram o golpe de 64 como, ao longo da ditadura militar,
colaboraram com os ditadores no poder, desfazendo o mito de que a imprensa combateu a ditadura o que,
segundo a autora, só seria verdadeiro em relação à imprensa alternativa. Cf. KUSHINIR, 2004.
103
concretos da vida cotidiana. Exigiam medidas elementares para solução de problemas ligados
a questão do transporte público, da saúde, por creches, moradia etc.
Tais movimentos representaram a emergência de novos sujeitos políticos a partir da
valorização do cotidiano das classes populares. Longe das teorias sociais que deram forma e
guiaram os movimentos e revoltas de meados do século XIX à meados do século XX, os novos
personagens em cena abriram novos espaços políticos a partir da reelaboração de temas de sua
própria experiência cotidiana (SADER, 1988).
Como se pode ver, o período de transição à democracia foi bastante rico quanto a
renovação das representações políticas, sejam elas institucionalizadas ou não. O final da
ditadura militar possibilitou uma oxigenação na sociedade brasileira da qual emergiu antigos e
novos movimentos e partidos políticos. Neste momento, o movimento estudantil aproveitou as
brechas existentes dentro do governo dos militares – que mesmo moribundo ainda agia com
opressão – para se rearticular e retomar suas bandeiras de lutas.
Segundo Cavalari (1987), no período entre 1975-1980, os locais onde o ME encontrava-
se mais organizado e fortalecido eram São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Nesta
época, coexistiam diversas tendências estudantis que mesmo a favor da “[...] derrubada da
ditadura, por liberdade democráticas, pela anistia e por uma Assembléia Nacional Constituinte,
tinham sérias divergências quanto à forma de encaminhar o ME e principalmente quanto à
análise conjuntural do país" (CAVALARI, 1987, p.210).
A partir de 1976, com o intuito de reorganizar o movimento estudantil, os Encontros
Nacionais de Estudantes (ENES) substituem os encontros por área. Quatro desses encontros
foram realizados até a reconstrução da UNE, em 1979. O primeiro deles, foi realizado em 1976,
em Campinas (SP). Em outubro de 1976, foi realizado o II ENE, na USP, onde se discutiu a
reorganização do movimento estudantil, as lutas a serem travadas pelos estudantes entre outros
temas. O III ENE aconteceu em junho de 1977 na UFMG (BH). O então Ministro da Educação
do governo Geisel, Ney Braga, emitiu uma nota afirmando que o III ENE era ilegal e estava
proibido. O Reitor da UFMG proibiu o encontro. Houve uma invasão do câmpus por batalhões
de choque da PM e do Departamento de investigação. O saldo final foi a detenção de 800
pessoas. Em todo país aconteceram protestos e greves dos estudantes contra a repressão aos
estudantes em Belo Horizonte. O último Encontro Nacional de Estudantes, o IV ENE, foi
105
O período democrático que se desenhava no horizonte, em fins dos anos 1970, revelava
não só o fim do regime militar, tão pretendido pelos estudantes, mas também as contradições
internas do movimento estudantil. Tais contradições se revelaram num progressivo descenso
do ME, na falta de representação do conjunto dos estudantes e num contínuo desinteresse destes
em relação ao espaço universitário como espaço de experiências políticas e culturais. Estes
sintomas parecem ser consenso na literatura que aborda o tema:
Como todos que estão hoje dentro do espaço universitário, os estudantes nele
vivem experiências desencontradas com sua própria condição. Situação mais
dramática ainda porque esta condição não é feita por um pertencimento
profissional através do qual professores e funcionários costumam amortecer
as frustrações. Variavelmente descrentes da experiência acadêmica e política,
decepcionam-se com um espaço que não se deixa reivindicar como
perspectiva criativa: percebendo as transformações que afetam a
Universidade, não apostam mais nos canais montados para pensa-la; a retórica
das tradições esvaziadas barra a condição daquilo que poderia emergir como
novo. Para grande parte, a rotinização generalizada e os programas
tradicionais de percurso da vida universitária geram uma recusa do que aí está,
sem no entanto chegar a se formar alguma imagem que geram sentido como
perspectiva coletiva de presença estudantil (PAOLI, 1985 apud
PELLICCIOTTA, 1997, p.199).
As explicações para este fenômeno podem ser encontradas nas mudanças institucionais
pelas quais passou a universidade pública brasileira ao longo dos anos 1960 e 1970; a
radicalização dos estudantes na luta armada, influenciados por diversas matrizes teóricas que
guiavam as ações e apontavam um caminho a se seguir; na posterior chegada de novas levas de
estudantes, pós redemocratização, num momento em que tais teorias, ao que parece, já não
tinham o vigor de antes; e no posterior aparelhamento das entidades estudantis por partidos
políticos31.
Talvez o quadro seja mais complexo do que este que esboçamos. No entanto, nos parece
que ele ajuda, inicialmente, a pensar a fragmentação e dispersão dos estudantes nas últimas
décadas do século XX até a contemporaneidade. Como vimos mais acima, esta fragmentação
que se abateu sobre o ME em meados dos anos 1970 não é única deste movimento. Neste
mesmo período, vimos os partidos e grupos de esquerda perderem a hegemonia da
31
Alguns autores ressaltam o aparelhamento das entidades representativas estudantis por partidos políticos
como uma das principais causas do distanciamento dos estudantes. Cf. BARBOSA, 2002; MESQUITA, 2003;
SANTANA, 2007.
109
representação política quando novos atores políticos emergiram das camadas populares
pautando problemas concretos da vida cotidiana a partir de uma reivindicação direta ao Estado.
Desde então, esta pluralidade de movimentos se fez presente em nossa sociedade evidenciando
novas formas de atuação cívica – fenômeno este que não é exclusivo do Brasil, mas amplamente
observável nas sociedades de caráter democrático.
Outro fator que não pode ser esquecido por sua magnitude e implicações, principalmente
sobre as esquerdas em todo mundo no final dos anos 1980, foi o fim das experiências socialistas
na URSS e nos países do Leste europeu. A queda dos regimes socialistas foi celebrada pelas
potências capitalistas ocidentais, principalmente os EUA, que aproveitou o momento para
receitar aos países em desenvolvimento uma série de medidas econômicas que os alinhariam à
nova ordem neoliberal. Este fato, exigiu das esquerdas um balanço de suas experiências no
nível teórico e político, além de um “plano de sobrevivência” num mundo em que foi decretado
o “fim da história” e das grandes narrativas.
Certamente o ME foi afetado por esses fatores neste período. A hegemonia dos grupos
de esquerda na direção da UNE, nos anos 1960 e 1970, permitiu direcionar as lutas estudantis
a favor da educação pública de qualidade e contra o autoritarismo no poder. Após a
redemocratização, os grupos de esquerda continuaram exercendo influência entre os estudantes,
mas, pelo que indicam os estudos já citados, o ME se arrefeceu e perdeu boa parte de sua
representatividade frente ao conjunto dos estudantes brasileiros.
No entanto, isto não quer dizer que ele não tenha se renovado. Enquanto instituição,
precisou acompanhar as mudanças da sociedade e se reformular internamente absorvendo novas
demandas, como veremos mais à frente32.
Todavia, nos anos que se seguiram pós-redemocratização uma avalanche de livros,
estudos, pesquisas acadêmicas e depoimentos de ex-militantes encheram o mercado editorial
abordando a experiência dos estudantes nos anos de chumbo. Por outro lado, na medida em que
se multiplicavam estas publicações, pouca atenção foi dada à retomada do movimento
estudantil em condições de democracia33.
De toda forma, 1985 foi um ano importante para os estudantes. Em outubro deste mesmo
ano, o então presidente José Sarney sancionou a Lei nº 7.395, do deputado Aldo Arantes
(PCdoB-GO), ex-presidentes da UNE, que reconhecia a representatividade do órgão estudantil
32
Item 2.4. A incorporação dos movimentos identitários na pauta estudantil, p.117.
33
Talvez a grande exceção seja o período em que o ME protagonizou, ao lado de outras forças políticas, o
impeachment de presidente Fernando Collor.
110
junto aos estudantes do ensino superior brasileiro. Com isso, foi revogada a lei Suplicy de
Lacerda, de 1964, retirando de vez a UNE da ilegalidade.
Quanto aos desafios do governo Sarney, este se viu diante da difícil tarefa de reconstruir
a democracia e solucionar a crise inflacionária que assolava o país. Com uma farta distribuição
de concessões de canais de televisão entre os congressistas conseguiu prolongar seu mandato
para cinco anos permanecendo na presidência até 1990. Em fevereiro de 1986, deu início ao
Plano Cruzado que, embora tenha se mostrado eficaz nos primeiros meses, depois se tornou um
problema chegando, em 1988, a atingir uma inflação de 1038%. O país viu, neste período, um
aumento das desigualdades sociais e um consequente aumento da violência urbana. A
deterioração nas áreas da educação e saúde chegou à níveis alarmantes aprofundados pela
fraude e a incompetência burocrática. Os que tinham melhores condições, fugiam do sistema
público de saúde e de educação para o sistema privado (SKIDMORE, 1998, p. 271-284).
A disputa da direção da UNE, durante os anos 1980, foi bastante acirrada e sem maiores
impedimentos. De 1980 a 1987, o PCdoB foi hegemonia na direção da entidade; seguido do
PT, entre os anos de 1987 a 1989. De 1991 até os dias atuais, o PCdoB retomou a hegemonia
na representação dos estudantes e tem se mantido à frente da instituição.
Todavia, no ocaso da década de 1980, o saldo da UNE enquanto polo aglutinador dos
estudantes já não era mais o mesmo. Como mostramos mais acima, essa era uma tendência que
foi se confirmando com o passar do tempo. No entanto, é significativo um texto escrito por um
estudante de Ciências Sociais no Jornal Quarup, do DCE da UNICAMP, que, em 1989,
apontava para um cenário bem distinto das grandes mobilizações estudantis das décadas
anteriores, a apatia dos jovens e a falta de um modelo de atuação:
O movimento estudantil hoje não desperta mais objetivos nas pessoas para que
se apropriem dele enquanto instrumento de transformação, canalização de
seus anseios e alcance de seus objetivos. O modelo de vanguarda, típico de 68
não mais responde à situação e nós não temos outro modelo claro e definido
hoje, muito menos os “nortes” a serem seguidos. A situação política do país
está muito modificada. Não convivemos mais com a fachada ditatorial, o
movimento sindical e popular com grande organização, os estudantes
possuem um perfil diferenciado. A legitimidade, a representatividade e o
compromisso político são fundamentais a serem resgatados; a que
princípios apontam para a “democracia” do movimento? (QUARUP set/89,
p.9 apud BARBOSA, 2002, grifo nosso).
111
Em dezembro de 1989, Collor vence as eleições no segundo turno. Contou, para isso,
com a generosa ajuda do grupo televisivo dos Marinhos que se valeu da manipulação do último
debate eleitoral dos candidatos editando-o a favor de Fernando Collor. Chegava assim ao poder
o primeiro presidente da Nova República eleito via eleições diretas.
A adoção dos ajustes neoliberais segundo a cartilha do Consenso de Washington 34 só
aconteceria em 1991 com a mudança da equipe econômica do governo Collor. Basicamente, as
reformas propostas por tal cartilha estavam na promoção da estabilidade econômica através do
ajuste fiscal e na forte redução do Estado (BRESSER-PEREIRA, 2015, p.299-300).
Assim, tiveram início as privatizações de empresas públicas e a “demissão de milhares
de funcionários públicos federais, muitos dos quais haviam sido nomeados no bojo de
apadrinhamentos de Sarney, com base na redundância e na emergência fiscal do governo”
(SKIDMORE, 1998, p.304). A implementação da política econômica do governo Collor se deu
via decretos presidenciais, o que desagradava os congressistas na medida em que as decisões
não passavam pela negociação na câmara e no senado, como de costume.
Segundo Dagnino (2004), houve neste período uma confluência perversa entre um
projeto político democratizante/participativo e o projeto neoliberal, de Estado mínimo, que se
ausenta de seu papel de garantidor de direitos com o encolhimento de suas responsabilidades
sociais transferindo-as para a sociedade civil. Assim, o impacto neoliberal provocou na cultura
política brasileira um deslocamento de sentido nas noções de participação, sociedade civil,
cidadania e democracia esvaziando-as de seu verdadeiro significado. Deste modo, estas noções
perdem seu caráter político e coletivo e passam a ser vistas como um princípio individualista
na medida em que transfere para o indivíduo a responsabilidade que antes era do poder público
(DAGNINO, 2004).
Isto teria provocado na sociedade brasileira uma inversão do espírito de lutas e
mobilizações por direitos – observado nos anos setenta e oitenta – e que teve seu auge com a
redemocratização e as campanhas pelas Diretas Já.
34
Nome dado a uma reunião na capital dos EUA, em 1989, da qual participaram economistas e instituições como
o FMI, Banco Mundial entre outros do qual resultou uma série de recomendações econômicas de caráter
neoliberal a serrem adotadas pelos países em desenvolvimento.
113
Nascidos durante a ditadura, os jovens dos anos 1990 cresceram em meio a uma
sociedade que começara a deixar para trás o entulho autoritário e chegaram à universidade – os
que chegaram – num momento de democracia já estabelecida. Portanto, numa conjuntura bem
35
Em 1999 a Rede Globo deu início a uma ampla divulgação do projeto de sua autoria chamado “Amigos da
Escola”. Consistia no estímulo ao serviço voluntário com vistas a beneficiar a rede de escolas públicas em todo o
Brasil.
36
À época, presidia a UNE o paraibano Lindberg Farias, estudante de Direito na UFPB, que se muda para São
Paulo para assumir o cargo de Secretário Geral da UNE. Logo depois, assume a presidência desta entidade, em
1992, momento em que se torna um dos principais protagonistas do movimento “Fora Collor”.
114
distinta da que viveram seus pais. Todavia, a história lhes dava mais uma vez a oportunidade
de atuar numa situação de mudança.
A UNE37 convoca os estudantes de todo o país para amplas manifestações que pediam
o impeachment de Collor.
Em setembro, a tendência do movimento também foi a de se espalhar pelas
capitais do país. No dia 15 de setembro, a cidade de Curitiba viveu a maior
manifestação de sua história, com ato e passeata reunindo 45 mil pessoas
(segundo a Polícia Militar) ou 80 mil (segundo os organizadores). No dia 18
há manifestações em João Pessoa (Paraíba), reunindo cerca de 25 mil
pessoas; em Natal (Rio Grande do Norte), com 12 mil pessoas [...] (GROPPO,
2008, p.44, grifo nosso).
Muito embora os protestos que se espalharam pelo Brasil tivessem uma motivação
política, acabaram ganhando um tom festivo – como se pode perceber nos primeiros grifos da
citação acima. Poerner (2004, p.300), fez observação semelhante: “foi também um festival
alegre e colorido de bom-humor e irreverência, expressos em jingles como ‘Roseane, que coisa
feia, vai com o Collor pra cadeia’”.
É interessante observar o papel que teve a Rede Globo neste episódio. No início das
campanhas presidenciais, ajudou Fernando Collor na chegada ao poder garantindo ampla
cobertura da agenda do então candidato em seus noticiários. Depois, se valendo da edição do
último debate eleitoral entre Collor e Lula em favor do primeiro, caso amplamente conhecido
no meio jornalístico. Posteriormente, no auge da crise de Collor no poder, a emissora de Roberto
Marinho passa a exibir – entre 14 de julho e 14 de agosto de 1992 – a minissérie “Anos
Rebeldes” que abordava em seu enredo a luta dos estudantes, em 1968, contra a ditadura. Ao
que parece, Roberto Marinho abandonara o presidente à sua própria sorte.
Provavelmente, a exibição da minissérie contribuiu para reacender o espírito de luta de
1968. Talvez uma nostalgia em torno do protagonismo juvenil dos anos 1960/70 tenha tomado
os jovens naquele momento e levado-os em massa às ruas. No entanto, as mobilizações daqueles
dias já apontavam uma nítida distinção dos movimentos do passado e que começava a se
imprimir a partir de então.
Nos anos 60, as passeatas eram na hora do “rush”, para chamar
atenção e buscar adesão do povo: “você está sendo explorado, não fique aí
parado” [...] Saldo do dia: estudantes mortos, policiais feridos e quebra-quebra
nas ruas [...] Nos anos 90, a liderança sobe nos palanques montados pela
prefeitura e pelo governo do Estado, a repressão ajuda a interromper o trânsito,
as palavras de ordem viram jingles, os rostos estão pintados, e, à noite, o
“Globo Repórter” dedica uma hora, em horário nobre, para a nova “onda
teen”. [...]
Nos 60, a visita do banqueiro Rockfeller gerou protestos: criticavam
37
Juntamente com a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
115
Embora em tom de ironia, a citação destacada acima – escrita à época pelo jornalista
Marcelo Rubens Paiva – nos dá uma noção das mudanças de contexto e do tipo de protestos
ocorridos nos anos 1960 e 1990. Ainda assim, a mobilização dos estudantes – ao se somar com
as de outros setores da sociedade – foi significativa para a queda de Collor do poder, se
configurando, até os dias atuais, como a última manifestação de massa protagonizada pelo ME
reunindo amplo setores estudantis.
As manifestações levaram “[...] centenas de milhares de pessoas às maiores passeatas
dos anos 90 – mais de 300 mil em São Paulo, em 25 de agosto – e só acabou com a derrubada
do presidente e a posse de seu sucessor, Itamar Franco, em outubro de 1992” (POERNER, 2004,
p.300).
Com o impeachment de Collor, assume Itamar Franco, político que iniciou sua carreira
na política em Juiz de Fora, Minas Gerais. “Sua única visibilidade nacional consistira em dois
mandatos como um senador indefinido. Sua identificação partidária era o PMDB, mas ele era
decididamente uma figura não-ideológica” (SKIDMORE, 1998, p.309). Com a falha da política
de estabilização econômica de Collor, Itamar Franco tinha como desafio a redução da inflação
que persistia. Neste sentido, o grande feito do governo Itamar foi a implantação do Plano Real
que contou com a contribuição de vários economistas que fizeram parte da equipe econômica
do então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso. O sucesso do plano reduziu a
inflação e viabilizou a estabilização econômica tão esperada.
educação. A resposta dos estudantes à época pode ser vista nas principais pautas do movimento
estudantil daquele período: a luta contra o neoliberalismo e a privatização do patrimônio
nacional, a denúncia da mercantilização da educação e do sucateamento das universidades
públicas, a luta contra o aumento das mensalidades do ensino particular e a recusa ao Exame
Nacional de Cursos (o Provão).
Além dos problemas na área da educação denunciados pelos estudantes, outras áreas
também sofreram com o impacto da redução do Estado. Neste mesmo período, acentuou-se
algumas problemáticas sociais ligadas à questão da fome, do desemprego, da moradia, da terra
entre outras. Isto gerou, consequentemente, movimentos e grandes campanhas sociais de nível
nacional como, por exemplo, a Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, coordenada
pelo sociólogo Betinho (GOHN, 2008, p.310-311).
Com a lógica neoliberal sem rédeas, observou-se o aumento da pobreza na cidade e no
campo. Nas cidades, com a crescente especulação imobiliária, as populações de baixa renda
eram cada vez mais empurradas para as periferias gerando segregação e violência. No campo,
os conflitos pela posse de terra foram responsáveis por diversas mortes de trabalhadores rurais.
Não foi à toa que durante os anos 1990 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST) se tornou o maior movimento popular do Brasil. Sua organização em torno da questão
agrária era urgente, mas o diálogo com o poder público era insuficiente.
Neste momento, na ausência de políticas públicas para as demandas da sociedade, as
organizações não-governamentais assumiram o papel do Estado. Para Gohn (2008), isto se deu
em decorrência das profundas alterações estatais na forma de operar a economia, as políticas
públicas, bem como na forma de se relacionar com a sociedade civil.
Assim, as ONGs – que são uma espécie de nova esfera ou subesfera (o público não-
estatal) que fazem a mediação entre coletivos organizados e o sistema de poder governamental
– adquirem um papel de preponderância articulando-se entre a sociedade civil e o Estado através
de políticas de parceria. Com isso, percebe-se que, nos anos 1990, há uma nova concepção de
sociedade civil que é influenciada pela ausência das utopias transformadoras, situação da qual
emerge uma nova concepção de cidadania. Esta é tratada não apenas no seu aspecto individual,
mas de forma ampliada, não se restringindo apenas aos aspectos jurídico-formais e como
consequência das transformações da relação entre sociedade e Estado (GOHN, 2008, p.301-
302).
Isto tudo, longe de ser um amalgamado disperso do tema aqui tratado, formam um
quadro – ainda que incompleto – do conjunto dos problemas brasileiros gerados pelas políticas
econômicas adotadas nos anos 1990 sob a hegemonia neoliberal. Assim, a luta dos estudantes
118
no campo da educação soma-se a dos demais movimentos sociais deste período – muitas vezes
solidarizando-se com eles – tendo em vista que, em grande parte, são expressões das decisões
político-econômicas.
O site da UNE resume as principais demandas do movimento estudantil de meados dos
anos 1990:
Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que ganhou
duas eleições seguidas, as principais pautas dos estudantes foram a luta contra
o neoliberalismo e a privatização do patrimônio nacional. Foi uma época de
embate do governo federal com os movimentos sociais, marcando o período
de menor diálogo e negociação da UNE com o poder executivo na história, à
exceção do regime militar.
É nítida a diferença da pauta dos estudantes nos anos 1990 em relação às décadas
anteriores. Nos anos 1960/70, a mobilização estudantil girou em torno da luta contra a ditadura
pela democracia (muito embora os embates com os militares tenham sido mais intensos, havia
também a pauta da educação contra a Lei Suplicy de Lacerda); na década de 1980, retomada a
democracia, os estudantes se juntam a outros setores da sociedade civil organizada pelas
eleições diretas; nos anos 1990 duas pautas vão mobilizar o ME, são elas: o Fora Collor e a
educação.
Nos anos 1990, o tema da educação assume preponderância na pauta dos estudantes por
uma questão bem mais sutil. Em dezembro de 1996 é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB). A LDB é a principal lei de educação no Brasil e versa sobre todas
as modalidades de ensino, inclusive a de nível superior. A nova lei da educação aprovada estava
em sintonia com os princípios neoliberais que a tornou, a partir de então, uma política pública
de Estado a ser perseguida, podendo, naquele momento, se tornar um entrave para as
potencialidades da educação expressa na constituição de 1988.
A citação a seguir nos dá uma melhor compreensão do porquê da preocupação dos
estudantes com a educação:
Seria possível considerar esse tipo de orientação [de um Estado mínimo] e,
portanto, essa concepção de LDB, como uma concepção neoliberal? Levando-
se em conta o significado correntemente atribuído ao conceito de neoliberal,
a saber: valorização dos mecanismos de mercado, apelo à iniciativa privada e
às organizações não governamentais em detrimento do lugar e do papel do
119
Estado e das iniciativas do setor público, com a consequente redução das ações
e dos investimentos públicos, a resposta será positiva.
No começo dos anos 2000, além da educação, outros temas que orientaram a ação dos
estudantes nos últimos anos do governo FHC – e que esteve diretamente ligado à linha
neoliberal de seu governo – foram a quebra do monopólio estatal do petróleo e a luta contra as
privatizações da Vale do Rio Doce e da Telebrás, além do posicionamento contra o projeto de
implementação da Área de Livre Comercio das Américas (ALCA).
O sucateamento do setor público de ensino superior, as aposentadorias em massa de
professores que temiam o projeto de reforma da Previdência, o Exame Nacional de Cursos (o
Provão), o incentivo às instituições privadas de ensino superior em detrimento das
universidades públicas etc. mobilizaram os estudantes que foram às ruas pedir fora FHC, fora
FMI e em defesa da educação e da universidade pública.
No final dos anos 1990, mas, principalmente, ao longo dos anos 2000, a progressiva
expansão do sistema de educação brasileiro foi responsável pela renovação da composição do
alunado permitindo um maior fluxo às universidades das camadas mais populares da sociedade
e, com isso, uma maior diversidade representada pelos grupos étnicos, racial, de gênero, de
diversidade sexual, ecológico etc. Essa visão é corroborada em documento recentemente
divulgado pela UNE após o término do 55º Congresso da entidade38. Na Resolução do
Movimento Estudantil aprovada no 55º Congresso da UNE pode-se ler:
38
O 55 Congresso da UNE (CONUNE) aconteceu entre os dias 14 e 18 de junho de 2017 em Belo Horizonte,
Minas Gerais.
120
A aprovação da Lei de cotas (Lei nº 12.711) em 2012 representa, certamente, uma vitória
importante da juventude negra no campo da educação. No entanto, a luta dos grupos e coletivos
no combate às desigualdades raciais e pela ampliação das oportunidades sociais não é nova.
Neste sentido, a aprovação da lei de cotas é um reflexo do conjunto dos esforços da luta do
povo negro, de sua organização política e sensibilização da sociedade no tocante ao preconceito,
a diversidade e as desigualdades das relações entre os grupos humanos em sociedade.
No interior do movimento estudantil, a incorporação da temática racial vai se dar de
forma semelhante à luta das mulheres e dos grupos que pautam a diversidades sexual. Assim
como estes, a questão negra emerge com mais ênfase após a redemocratização, momento em
que uma rede de movimentos sociais surge e ganha maior visibilidade. Nos anos 1990, há o
aparecimento dos primeiros grupos organizados que vão abordar o tema da questão negra na
39
Cf. GLBT no CONUNE. Fonte: http://www.twiki.ufba.br/twiki/bin/view/DCE/Noticia20070718151104
124
40
Cf. Anexo, p. 269-270.
125
***
Em 2002, o ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva é eleito presidente do Brasil. A vitória
de Lula para o maior cargo eletivo do país foi, naquele momento, algo carregado de simbolismo.
A desconfiança da elite brasileira e do mercado financeiro para com o candidato do partido dos
trabalhadores advinha de sua origem ligada aos movimentos sindicais, às grandes greves e
comícios do ABC paulista e pela oposição cerrada aos governos Collor e FHC.
Além disso, a ascensão de Lula à presidência da república marcava também a chegada
ao poder de um partido político de base popular, ou seja, de uma esquerda mais afinada com a
social democracia. Para a elite política brasileira que sempre governou o Brasil isso tudo se
assemelhava a uma espécie de aventura perigosa.
Não à toa, sentindo a proximidade da vitória, Lula e o PT divulgaram sua “Carta ao
Povo Brasileiro” em junho de 2002. Nela, fez uma crítica à situação econômico e social na qual
o Brasil se encontrava no final do governo FHC. Fala-se em um novo modelo de governo e em
"[...] um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade". Mas garante
que "as mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos
institucionais". Termina a longa carta assumindo o "[...] compromisso pela produção, pelo
emprego e por justiça social" e finaliza falando em "mudanças corajosas e responsáveis". Por
seu conteúdo, a carta tinha como destinatário não o povo, mas a elite brasileira e o mercado
financeiro.
Naquele momento, a UNE se viu diante da necessidade de tomar uma decisão sobre
apoiar ou não a candidatura de Lula à presidência. Para isso, organizou um seminário no final
do qual se aprovou uma resolução chamada “Carta Compromisso”. Nas palavras de Felipe
Maia, à época presidente da UNE: “Eram dez pontos que a UNE propunha que fossem
assumidos por todos os candidatos à Presidência da República. [...] o único candidato que topou
[assumir as propostas] [...] [e] que de certa forma integrou as propostas no seu programa de
governo, foi Lula” (ARAÚJO, 2007, p.277).
128
No segundo turno das eleições presidenciais, a UNE optou por tomar uma
posição explicita de apoio a um candidato. Convocou um plebiscito nacional
do qual participaram cerca de trezentos e cinqüenta mil estudantes, onde o
Lula foi majoritariamente vitorioso. Então, com base nessa consulta mais
ampla, mais aberta, a diretoria da UNE decidiu por apoiar o Lula e a partir daí
a gente passou a freqüentar todos os comícios. Eu fui a um comício em
Florianópolis declarar oficialmente o apoio ao Lula. Enfim, a UNE passou a
se engajar mais abertamente na campanha (ARAÚJO, 2007, p.277).
No entanto, Araújo (2007) mostra que, à época, grupos de oposição à diretoria da UNE
manifestaram sua insatisfação com o excessivo apoio e as poucas críticas da entidade à Lula e
posteriormente ao seu governo, caracterizando a atitude da entidade como de “adesismo”.
Segundo a autora, esses grupos estavam reunidos em uma frente chamada Frente de Oposição
de Esquerda da UNE e agregava diferentes tendências e grupos políticos que faziam oposição
à entidade, eram eles: Contraponto, Domínio Público, Nós Não Vamos Pagar Nada, Rebele-se,
Romper o Dia, Travessia e UJC (ARAÚJO, 2007, p.279-280).
O fato é que, contando com uma ampla base de apoio, após quatro tentativas
malsucedidas de se eleger presidente, Lula saiu vitorioso das eleições de 2002. No entanto, isto
só foi possível devido a uma vasta coalizão suprapartidária que lhe deu suporte garantindo-lhe
não só chegar ao poder, mas também governar contando com uma maioria no âmbito
parlamentar – assegurada a partir da concessão de postos em ministérios aos partidos que
compuseram sua base de apoio.
Em artigo escrito em janeiro de 2003, posteriormente lançado em livro, Luiz Werneck
Vianna (2006) fez a seguinte observação:
Como mostra o trecho destacado da citação acima, o Estado, sob governo Lula, assumiu
um outro perfil em relação aos governos anteriores. Depois de mais de uma década de políticas
econômicas que reduziram a ação estatal, a partir de 2003 o Estado brasileiro assume o papel
de indutor do desenvolvimento econômico. Ao priorizar as políticas sociais e uma maior
distribuição de renda – em oposição ao Estado mínimo e da centralidade do mercado – o
governo Lula conseguiu retomar o crescimento do país, manter a estabilidade econômica e obter
índices bastante relevantes na redução da pobreza e da desigualdade.
Programas como Bolsa Família, Fome Zero e Renda Mínima, por exemplo, foram
pensados para atuar na redução da pobreza e da exclusão social que atinge grande parte da
sociedade brasileira. A redução das desigualdades sociais, questão central para os partidos e
movimentos progressistas, tiveram com a implementação destes programas um considerável
avanço. Muito embora ações para este fim tenham sido criados no apagar das luzes do governo
FHC, o governo Lula unificou e ampliou os programas de distribuição de renda e de redução
da pobreza de forma significativa.
Na área da educação, programas foram criados com vistas a melhorar e ampliar o
panorama do ensino brasileiro. Assim, a educação foi “alçada à condição de eixo estruturante
da ação do Estado de forma a potencializar seus efeitos” [com objetivo de] “garantir o
desenvolvimento nacional” (BRASIL, 2007, p.5). Para isso, a política nacional de educação
procurou alinhar o desenvolvimento à redução das desigualdades sociais e regionais com ações
estatais tanto no nível básico quanto no superior.
Trataremos aqui da política educacional voltada para o ensino superior com foco maior
nas instituições públicas federais, ponto de maior interesse desse trabalho na medida que
abrange o campo político do movimento estudantil. No entanto, abordaremos também, para
uma breve contextualização, as iniciativas governamentais voltadas para as instituições de
ensino superior privadas de forma que assim possamos ter uma visão mais abrangente da
política pública federal para a área da educação superior.
No Brasil, o sistema público e o privado coexistem numa relação assimétrica e vem
passando por profundas mudanças na última década.
Em artigo que trata do ensino superior no Brasil – público e privado –, Durham (2003),
ao fazer um apanhado histórico sobre o desenvolvimento da educação brasileira afirma que é
no período que se inicia em 1964, período autoritário, que o modelo de universidade é
reformado e o sistema privado de ensino se expande. O período recente tem início com a
130
41
Juntamente com outros movimentos e entidades como: UBES, CUT, MST, CNBB, ABI etc.
131
Tal política teve reflexo direto na expansão do ensino superior. Em 2003, no início do
governo Lula, o número de instituições de ensino superior no Brasil era de 1.85942. Atualmente,
este número é de 2.36443. Este aumento está ligado à criação de programas como o Programa
Universidade para Todos (PROUNI), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das universidades Federais (REUNI), a Lei de Cotas para o ensino superior; e de
ferramentas como a plataforma do Sistema de Seleção Unificada (SiSU) entre outros.
O Prouni foi criado em 2005, através da Lei nº 11.096 na gestão do então Ministro da
Educação Fernando Haddad. Desde então, o programa concede bolsas de estudos integrais e
parciais em cursos de graduação para estudantes de baixa renda em instituições privadas de
ensino superior.
A lei define o perfil socioeconômico do público alvo do programa: egressos da escola
pública com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio para bolsas integrais e
de até três salários mínimos para bolsas parciais (50% ou 25%). Em seu primeiro ano foram
concedidas 112.274 bolsas de estudos. Em nove anos esse número mais que duplicou chegando
a atingir, em 2014, 306.726 bolsas concedidas entre parciais e integrais, como se pode ver no
gráfico abaixo.
42
207 Instituições públicas (Federal: 83, Estadual: 65, Municipal: 59) e 1.652 instituições privadas. Cf. INEP, 2003.
43
Desse total, 295 são instituições públicas (Federal: 107, Estadual: 120 e Municipal 68) e 2.069 são de
instituições privadas. Cf. INEP, 2016.
132
Segundo dados mais recentes, em 2015 e 2016 foram ofertadas pelo programa 329.117
e 329.18 bolsas, respectivamente. Em 2017, o Prouni contemplou, no primeiro semestre,
214.110 estudantes com bolsas parciais e integrais. Desde a sua criação até 2011, o programa
foi responsável pelo financiamento de 1.128.718 bolsas no ensino superior privado, garantindo
às classes menos abastadas o acesso a um curso universitário44 (PROUNI, 2017).
44
Além do Prouni, outro programa do governo federal de concessão de crédito educativo é o Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
133
A Lei de Cotas, como ficou conhecida, reserva 50% das vagas das instituições federais
para estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas que tenham cursado integralmente o
ensino médio em escolas públicas46. Além disso, um outro critério para o preenchimento das
vagas é o de que estas devem ser reservadas para estudantes oriundos de famílias com renda
igual ou inferior a um salário mínimo e meio (BRASIL, 2012). Assim, a lei cotas visa corrigir
uma desigualdade de acesso ao ensino superior existente entre brancos e não brancos no Brasil.
Em 1993, a taxa de frequência líquida na educação superior era de 7,7 para
brancos e 1,5 para negros. Em 2007, esta sobe para 19,8 para brancos e 6,9
45
Um deles é o programa Ciência Sem Fronteiras, criado em julho de 2011. O programa concede bolsas de
iniciação científica à estudantes brasileiros em universidades de outros países. Segundo site do programa, a meta
era atingir 101.000 bolsas de estudo até 2015. Cf. http://www.cienciasemfronteiras.gov.br
46
A porcentagem de vagas entre os autodeclarados pretos, pardos e indígenas serão preenchidas de acordo com
o percentual de pretos, pardos e indígenas de cada Estado onde está instalada a instituição, de acordo com o
último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
134
para negros. Esta trajetória significou que a diferença de 6,2 pontos subiu para
12,9 pontos, mais que dobrou em 14 anos. Como o aumento nesta diferença é
crescente até 2003, não sofrendo significativas alterações a partir daí, os dados
sugerem que a política realizada nos anos 1990, de aumento de oferta de vagas
no ensino superior a partir da expansão da rede privada de ensino, tenha sido
fator de aprofundamento das desigualdades raciais no ensino superior (SILVA
et. al, 2009. p.263).
Como mostram os números, a Lei de Cotas nas universidades federais tem surtido efeito
no tocante ao seu principal objetivo que é viabilizar a equidade de acesso entre brancos e não
brancos no ensino superior. Embora a lei tenha sido sancionada apenas em 2012, ela faz parte
das mobilizações de grupos do movimento social negro por ações afirmativas que desde a
década de 1930 já pautava a necessidade de políticas públicas na educação para a população
negra no Brasil47.
A Lei de Cotas, que tem vigência de dez anos a partir de sua sanção em 29 de agosto de
2012, não cria novas vagas, apenas reserva metade das vagas já existentes para o público alvo
de baixa renda descrito no texto da lei. No entanto, ela nos interessa aqui basicamente por visar
este público, uma vez que, após entrar no ensino superior a questão passa a ser como se manter
na universidade.
Para tentar sanar esta questão foi criado, ainda no governo Lula, o Programa Nacional
de Assistência Estudantil (PNAES) através do decreto nº 7.234, de 2010. O programa visa
ampliar as condições de permanência dos estudantes no ensino superior, cabendo à universidade
a definição dos critérios e a metodologia de seleção dos alunos a serem beneficiados, mas que
devem levar em conta o perfil socioeconômico dos candidatos. Este é um ponto que trataremos
47
Cf. SILVA et al, 2009.
135
48
Cf. http://permanencia.mec.gov.br/
49
Atualmente o valor corrigido é de R$ 570,00 (Quinhentos e setenta reais).
136
Em 2014 foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE) (Lei 13.005/2014) que
estabelece diretrizes, metas e estratégias que devem orientar a gestão da educação em nível
federal, estadual e municipal e que devem ser atingidas num prazo de 10 anos. Para tanto, o
PNE estabelece 20 metas para a educação que abrangem desde o nível da formação básica à
superior50. O plano tem como propósito a ampliação dos números de todos os setores da
educação brasileira, inclusive o superior.
Na meta 12, que trata do ensino superior, pode-se ler:
Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50%
(cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da
população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade
da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas
matrículas, no segmento público (BRASIL, 2014).
50
Cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm
137
Bruto (PIB) do país no quinto ano de vigência da lei. Até 2024, o PNE prevê um investimento
de, no mínimo, 10% do PIB em educação pública.
Essa meta poderia ser alcançada mais facilmente com a aplicação dos 75% dos royalties
do petróleo e 50% do Fundo Social do pré-sal na educação, como prevê a Lei nº 12.858, de
setembro de 2013, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff. À época, a estimativa do
governo era de que os recursos do pré-sal atingissem, entre os anos de 2013 a 2022, a cifra de
R$ 112,25 bilhões. Assim, esse montante seria aplicado progressivamente a cada ano (PORTAL
BRASIL, 2013). No entanto, a recessão econômica, a queda no preço do barril de petróleo e as
consequências das investigações da Operação Lava Jato sobre a Petrobras acabaram por frustrar
o setor da educação quanto ao repasse integral das verbas.
O que os dados nos mostram é uma inegável expansão do acesso ao ensino superior nos
últimos 15 anos que permitiu uma maior democratização do acesso a este nível de ensino e a
entrada em massa de um grande número de estudantes, tanto na universidade pública quanto
privada. Mas, o que eles não mostram – e é isso que nos interessa aqui – é que estas políticas
públicas tiveram um impacto não na inclusão de grandes massas amorfas de estudantes no
ensino superior, mas na inserção de grupos de estudantes de classes sociais populares – assim
como de jovens pertencentes a grupos identitários (de raça, gênero, opção sexual etc.) – que até
então eram amplamente visíveis na sociedade, mas pouco representativos nos corredores das
universidades brasileiras.
Não queremos com isso dizer que as classes economicamente menos favorecidas e tais
grupos identitários não estivessem presentes nos cursos superiores antes destas políticas
públicas. Não se trata disso. Sempre houveram aqueles e aquelas que, com muito esforço,
romperam o isolamento de sua classe de origem e os preconceitos existentes na sociedade
brasileira e conseguiram adentrar no restrito círculo de privilegiados que compõem o ensino
superior.
Como nos mostra Bourdieu (1998), as desigualdades do sistema de ensino das
sociedades modernas legitimam, dentro da própria escola, as desigualdades entre as classes
sociais e com isso favorecem aqueles e aquelas de origem familiar de maior capital econômico
e cultural no acesso aos recursos da sociedade.
Os investimentos no ensino superior realizados nos últimos anos permitiram o acesso
em massa à universidade de setores da sociedade historicamente excluídos. Isto, por si só, já é
um grande feito, tendo em vista, como nos mostrou Foracchi (1965, 1972, 1982) e Bringel
(2009), que antes eram os jovens originários da classe média que comumente frequentavam as
universidades públicas brasileiras. Desta forma, se antes a desigualdade da sociedade brasileira
138
51
No capitalismo nacional, o Estado se torna o principal centro de decisão sobre a política econômica agindo
como formulador, orientador e executor dos programas de desenvolvimento do país. Neste sentido, assume uma
postura de política externa independente em que o país passa a ser visto como uma potência autônoma. O
capitalismo nacional, baseado na política de massas e no populismo, predominou nos anos 1930-45, 1951-54 e
1961-64 e pressupunha uma hegemonia do Brasil nas relações com os países da América Latina e da África. No
capitalismo associado, o desenvolvimento econômico depende da associação, seja direta ou indireta, entre
capitais e interesses políticos nacionais e estrangeiros. Muito embora o teor econômico deste padrão de
capitalismo tenha entrado em execução plena com governo de Juscelino Kubitschek e o programa de metas de
sua equipe econômica, o seu teor político assume forma mais ampla a partir de 1964 com o golpe militar. Assim,
o que antes estava restrito apenas ao plano econômico, passou, a partir de 1964, a abranger o encadeamento
entre o econômico e o político, o militar e o cultural (IANNI, 1971; 1991).
139
posições econômicas de caráter associado/dependente adotadas tanto antes quanto depois dos
governos militares tiveram como resultado posterior a adoção de um Estado mínimo, ou seja,
um Estado cada vez mais desobrigado de sua função de gerir os recursos sociais para a
promoção de políticas públicas nas mais diversas áreas.
O reflexo das posições político-econômicas sobre a educação brasileira – desde as
reformas educacionais impostas à época da ditadura até os dias atuais – tem sido ressaltado
entre os estudiosos deste campo como algo danoso, uma vez que expressam uma “[...]
intervenção do Estado com vistas a assegurar a dominação política existente, a manutenção do
processo de acumulação de capital e, por vezes, afastar focos de tensão e de conflito [...]”
(GERMANO, 2011, p. 32).
Também pelo fato da legislação educacional preservar “[...] o sentido social da educação
enquanto mecanismo de ascensão social, legitimação das diferenças e justificação dos
privilégios” (SAVIANI, 2015, p.161) ou de tais políticas públicas moldar o ensino superior
segundo os padrões de uma “universidade administrada” (CHAUÍ, 2001). Desta forma,
compreender a situação da universidade brasileira passa, segundo Frigotto (2006, p.22), pela
compreensão desta como “[...] expressão contraditória do projeto de sociedade e de relações de
poder dominantes entre capital e trabalho”.
Estudioso da ordenação jurídico-política da educação brasileira, Dermeval Saviani
observa que
[...] a orientação neoliberal adotada pelo governo Collor e agora pelo de
Fernando Henrique Cardoso vem se caracterizando por políticas claudicantes:
combinam um discurso que reconhece a importância da educação com a
redução dos investimentos na área e apelos à iniciativa privada e
organizações não governamentais, como se a responsabilidade do Estado
em matéria de educação pudesse ser transferida para uma etérea “boa vontade
pública” (SAVIANI, 2011, p.262, grifo nosso).
Ao examinar o texto da Lei de Diretrizes e Base (LDB) que rege a educação brasileira
promulgada em 1996, Saviani (2011, p.261) destaca a oportunidade perdida naquele momento:
“Desta vez, a circunstância da elaboração de uma nova LDB, propiciada pela Constituição de
1988, criou novas esperanças que resultaram frustradas pela ofensiva neoconservadora que
logrou tornar-se politicamente hegemônica a partir de 1990”. A esperança frustrada, para
Saviani, diz respeito ao projeto que as sociedades modernas estabeleceram como fim entre os
séculos XIX e XX, ou seja, uma educação pública, nacional e democrática adequada às
necessidades e aspirações da população brasileira. Assim, “como resultado, o déficit histórico
140
52
Para Boito (2012), nos governos Lula houve uma alteração no interior do bloco do poder no qual o capital
financeiro internacional e uma fração da burguesia brasileira subordinada a ele – amplamente beneficiadas pela
política econômica dos anos 1990 – perdem espaço para a grande burguesia interna. Segundo o autor a grande
burguesia interna – formada por setores variados como: grupos industriais, do agronegócio, da construção civil,
bancos, setores dos movimentos sociais etc.) compôs uma frente neodesenvolvimentista que deu a base de
sustentação ao governo petista.
141
transformação do ensino público superior. A situação se torna mais dramática tendo em vista o
quadro mundial de mercantilização da educação e predomínio da lógica do mercado.
Segundo LÉDA e MANCEBO (2009, p.55), muito embora a Constituição Federal de
1988, no seu Artigo 207, fale da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão – assim
como o Artigo 52 da LDB –, "Todavia, surpreendentemente, a palavra ‘pesquisa’ não aparece
uma só vez no Decreto que determina o REUNI [...]”. Assim, a política de reforma do ensino
superior, financiada pelo REUNI, só visou o ensino e não a pesquisa, o que para as autoras foi
visto à época como algo problemático. No tocante à autonomia da universidade em relação a
aplicação dos recursos, esta deixa de existir uma vez que os recursos do REUNI não poderiam
ser utilizados de outra maneira que os definidos no decreto. Outro ponto diz respeito ao
estudante e a universidade: o acesso em massa de camadas populares ao ensino superior, sem o
aporte de recursos suficientes, tem favorecido a precarização da instituição e um ensino de
qualidade duvidosa, além da precarização da própria situação do estudante na universidade
(LÉDA; MANCEBO, 2009).
Em publicação que trata da universidade pública brasileira, Chauí (2001) afirma o
caráter heterônomo das instituições de ensino superior no Brasil, tendo em vista que estão
submetidas a forças exteriores a ela própria e a pressões de órgãos internacionais. Para a autora,
há uma visível sujeição do Ministério da Educação e Cultura ao Ministério do planejamento,
sendo o primeiro um mero apêndice do segundo. Assim,
coletivo, se configura, assim, como uma instituição dotada das condições necessárias para a
realização de sua finalidade.
No entanto, sendo um microcosmo localizada dentro do macrocosmo que é a sociedade,
a universidade sofre a mesma sorte adversidades que perpassam a vida em sociedade, não
podendo ser compreendida como realidade apartada e não sujeitada às forças as quais permeiam
o social. Como mostra Foracchi,
a análise sociológica não pode conceber a Universidade como uma instituição,
pressupondo que ela opera num “vácuo social” desprovida de qualquer tipo
de articulação com as demais instituições. Ela procura, pelo contrário,
focalizar os mecanismos específicos de articulação que a Universidade, em
razão dos papéis sociais que desempenha na nossa sociedade, desenvolve com
relação aos outros setores da vida social. Por essa razão, a Universidade
também reproduz na sua vida social, e por força de um processo crescente de
democratização da cultura intelectual, os embates ideológicos, as formas de
pensamento, os mecanismos de acomodação, as tensões e os dilemas, enfim,
da sociedade inclusiva (FORACCHI, 1982, p.153).
Partindo deste entendimento, pretendemos pensar a UFPB como instituição que está
ligada à outras instituições da sociedade através de diferentes formas de vínculos, influenciando
e sendo influenciada por eles. Como um microcosmo ela produz e reproduz os valores culturais,
políticos e ideológicos que estão presentes na sociedade. Como autarquia submetida ao governo
federal, analisaremos os impactos das políticas públicas da reforma universitária (Reuni,
PNAES, Cotas etc.), sobre a UFPB e seu reflexo no cotidiano acadêmico da instituição –
principalmente no que diz respeito ao estudante e os imperativos que os impulsionam para a
atuação política.
A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – instituição fundada em 195553 – possui
atualmente 39.283 estudantes divididos em quatro câmpus, são eles: Câmpus I na cidade de
João Pessoa, Câmpus II na cidade de Areia, Câmpus III na cidade de Bananeiras e Câmpus IV
nas cidades de Mamanguape e Rio Tinto. Este total de alunos está distribuído da seguinte forma:
29.753 na Graduação Presencial, 3.238 na Graduação à Distância e 6.292 na Pós-Graduação.
No total, a UFPB possui 123 cursos de graduação: 112 graduações presenciais e 11 a distância.
Na Pós-Graduação são 120 cursos, sendo 12 de Especialização, 60 de Mestrado Acadêmico, 10
Mestrado Profissional e 38 de Doutorado. A UFPB possui ainda 02 Escolas de Ensino Médio e
Profissionalizante. Quanto ao número de servidores docentes, a instituição dispõe de 2.637
53
Antes disso, a Paraíba possuía 11 escolas de nível superior. Isto possibilitou a criação da Universidade da
Paraíba via Lei Estadual nº 1.366, de dezembro de 1955. A sua federalização ocorreu em dezembro de 1960
através da Lei nº 3.835, momento em que passou a ser denominada de Universidade Federal da Paraíba. Cf.
http://www.ufpb.br/content/ufpb
143
docentes no ensino de 3º grau (sendo 2.473 efetivos, 163 substitutos e 1 visitante) e 129
docentes no ensino de 1º e 2º grau (UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, 2016).
Ao longo dos últimos anos, a UFPB vem passando por um processo de reestruturação e
expansão da instituição. Em 2002, do desmembramento de 4 dos seus 7 câmpus, foi criada a
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) que incorporou à sua estrutura os câmpus
de Campina Grande, Cajazeiras, Patos e Souza. Em 2005, foi criado o câmpus do Litoral Norte
abrangendo os municípios de Mamanguape e Rio Tinto, onde funciona atualmente o Centro de
Ciências Aplicadas e Educação.
Depois do desmembramento que criou a UFCG e depois da expansão da UFPB para o
Litoral Norte, a instituição passou a ter quatro câmpus (João Pessoa, Areia, Bananeiras,
Mamanguape e Rio Tinto). Com uma estrutura de tal porte, a UFPB é certamente a maior
instituição de ensino da Paraíba e possui uma importância capital para o desenvolvimento
econômico, humano e sociocultural do Estado.
Com tal envergadura e diante de seu papel social, pode-se imaginar a influência que essa
instituição exerce extramuros, bem como o conjunto de fatores econômicos, políticos,
ideológicos e culturais que lhe atravessam se plasmando no que ela é.
Como mostramos acima, em 2007 o Governo Federal criou o Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). A partir de então,
as universidades federais interessadas em aderir ao programa enviaram seus planos de
reestruturação ao MEC com vistas a captar os recursos necessários para dar início a
implementação do REUNI.
Segundo o Relatório do Primeiro ano do Reuni (2009), das 54 universidades federais
existentes em 2007, 53 aderiram ao programa. Entre elas, a UFPB consta na lista das instituições
que enviaram seus planos de reestruturação ainda na primeira chamada em outubro de 2007.
No site da UFPB pode-se ler o seguinte trecho que trata do resultado dos primeiros anos
de aplicação dos recursos do Reuni:
Os números nos dão uma ideia dos resultados iniciais da adesão da UFPB ao Reuni.
Expressam, já nos primeiros cinco anos do programa, o crescimento da instituição tanto em
relação ao número de vagas oferecidas quanto em relação ao número de estudantes
matriculados.
Para comportar esse aumento do número de vagas e da demanda de estudantes, a UFPB
precisou readequar a estrutura de seu espaço físico. Para isso foi preciso criar novas salas de
aulas e melhorar espaços já existentes, criar ou reformar bibliotecas e laboratórios, comprar
equipamentos, planejar a aplicação dos recursos destinados a assistência estudantil, contratar
novos professores e funcionários técnicos etc. Com a chegada da verba do Reuni, repassada
pelo governo federal, durante os primeiros anos de implementação do programa, a UFPB se
tornou um verdadeiro canteiro de obras. Em todos seus câmpus e centros era possível ver novos
prédios em construção e obras das mais diversas espalhadas por toda universidade.
O gráfico abaixo revela o panorama de execução de contratos efetuados para obras na
UFPB entre os anos de 2010 e 2013 e o status em que se encontravam neste período.
No gráfico acima temos a relação dos diferentes investimentos feitos em 2013 com
recursos do Reuni. Como se pode ver, a verba do programa foi investida em construções que
vai de laboratórios e instalações prediais a construção ou reforma de moradia estudantil e
restaurantes universitários com seus respectivos valores. Vale esclarecer que a obra que recebeu
mais recursos classificada no gráfico como multifuncional refere-se à edificação que agrupa
espaços com diferentes funções como, por exemplo, blocos de salas de aulas e laboratórios em
uma mesmo prédio.
146
Ainda de acordo com João Marcelo Macedo, para concluir as obras, a UFPB
precisaria de um aporte financeiro em torno de R$ 20 milhões. “Nós temos
buscado apoio da bancada federal, vários deputados, senadores, se colocaram
à disposição de levar o problema ao MEC e ao governo federal.
Principalmente porque a educação é uma forma de mudança de paradigma”,
concluiu.
Não é nosso objetivo aqui investigarmos como foi investida a verba do Reuni na UFPB
repassada pelo Governo Federal. Interessa-nos, isso sim, ter a percepção da amplitude desses
investimentos na medida em que eles permitiram esta instituição, segundo a descrição do site
da UFPB, “dobrar de tamanho”. Se de fato isto ocorreu, nos interessa também averiguarmos os
impactos deste crescimento no cotidiano acadêmico da instituição, principalmente no que diz
respeito a situação do estudante. Para isso, veremos, a seguir, como se deu a implantação do
sistema de cotas na UFPB e a assistência ao estudante ingresso nesta instituição em condições
de vulnerabilidade socioeconômica.
147
A autora afirma que desde 2007 já havia uma proposta de política de ação afirmativa de
recorte étnico-racial elaborada por grupos que discutem a questão negra na UFPB. No entanto,
“a temática das cotas raciais não foi bem aceita, em geral, pelo universo dos docentes da UFPB”
(COSTA, 2012, p.83). Naquele momento, o descontentamento com a proposta inicial fez com
que a discussão só fosse retomada em 2010 quando da apresentação de uma segunda proposta
que privilegiava o recorte socioeconômico.
9.284
8.433
7.929
6.981
5.244
3.634
1.639
Deve-se ter em conta ainda que o sistema adotado privilegiou o recorte socioeconômico
em detrimento do recorte étnico-racial e isto impactou numa mudança de percentuais que variou
da primeira para a segunda proposta aprovada em 2010.
Segundo Fonseca e Rocha,
[...] essa nova proposta limitou os percentuais, reduzindo para 25% de reserva
de vagas para alunos de escolas públicas, tendo o recorte étnico-racial (negros
e indígenas) e 5% para pessoas com deficiência e com aumento de 5% a cada
ano, chegava a 40% em 2014. Como podemos perceber, houve uma
significativa diminuição do percentual da reserva de vagas e os gestores
da UFPB buscam a gradualidade para a implementação das cotas (FONSECA
e ROCHA, 2010, p.196 apud COSTA, 2012, p.99, grifo da autora).
54
Cf. http://www.ufpb.br/prape/
150
55
Fonte: Relatório de Gestão da UFPB de 2016.
56
Idem.
151
Como se pode perceber no quadro acima, a palavra que mais aparece é “ampliação”,
seguida de seu sinônimo “expansão”. Ou seja, a meta para a assistência estudantil para os
próximos anos é continuar crescendo e ampliando os serviços de assistência aos estudantes da
UFPB. No quadro a seguir, é possível visualizar alguns números relativos à assistência
estudantil em 2013 e as metas de crescimento estabelecida pela UFPB para esta área.
57
De todos os câmpus da UFPB.
153
Segundo Davi de Souza, estudante que em 2015 entrou para o curso de Serviço Social
pelo sistema de cotas, através do recorte étnico-racial, a burocratização para o recebimento do
auxílio prejudicou não só ele, mas diversos estudantes no mesmo período. Segunda relata, ele
teve que esperar um ano e três meses para ser contemplado com o benefício:
Consegui essa bolsa [auxílio moradia] com muita luta. E quando você recebe
a bolsa você não recebe os valores retroativos, uma vez que você entra na
universidade e você entra no processo e tem um tempo para análise. E como
eu entrei em 2015.1 demorava um pouco pra fazer essa análise, hoje em dia
ela é mais rápida [...]. Porém, no meu tempo a gente tinha que se virar pra
poder ficar aqui no câmpus (Davi de Souza, Serviço Social, UFPB).
Davi de Souza tem 24 anos e é natural de Unaí, Minas Gerais. Antes de vir para João
Pessoa cursar Serviço Social na UFPB – no momento de nossa pesquisa estava no sétimo
período do curso – morava na região de Samambaia, em Brasília58. Questionado como fez para
se manter na cidade e no curso até receber o auxílio, respondeu:
Davi afirma que antes de ser contemplado com o auxílio ficou como hóspede na
Residência Universitária, mas foi expulso de lá por questões políticas:
Quando eu fui expulso da residência foi aí que eu entrei com ação na Reitoria
pra conseguir um lugar pra eu morar enquanto estudante dessa universidade e
enquanto pessoa em condição de vulnerabilidade social e econômica. Foi aí
que eu consegui legitimar minha permanência na residência. E aí eu fui
ficando na residência até minha bolsa sair. Engraçado que no dia em que
minha bolsa saiu a coordenação da residência me deu um mês pra eu sair da
residência: “Você tem um mês pra sair daqui porque você já está recebendo
essa bolsa”. Por que aí é como se você tivesse fazendo uso de dois programas
(Davi de Souza, Serviço Social, UFPB).
58
Davi foi um dos quatro estudantes que se acorrentaram à rampa de acesso da Reitoria da UFPB, em fevereiro
de 2016, dando início à greve de fome que durou 11 dias. No quarto capítulo, detalharemos este momento da
luta destes estudantes pela assistência estudantil.
154
Muito embora o estudante possa contar com valor do auxílio para sanar algumas
despesas de sua permanência num curso da UFPB, este valor se mostra insuficiente para
abranger o quadro mais amplo das necessidades materiais dos estudantes em relação a seu
custeio.
[O valor do auxílio] mal dá pra você pagar o aluguel. Você paga seu aluguel,
você não compra comida, você não faz mais nada. Meu aluguel é R$ 400,00
hoje em dia e aí a bolsa é R$ 570,00, veja só! E aí ainda tem uma universidade
pra dar conta, né? Tem livros pra comprar, xerox pra tirar, né? Daí eu tô
fazendo estágio, tem que ir pro estágio, tem que pagar passagem. Agora eu
comprei uma bicicleta pra conseguir me adiantar porque senão eu não ia
conseguir fazer acontecer tudo que a universidade me impede, né? Porque a
partir do momento que a universidade concede pra você a bolsa, ela lhe cobra
uma participação nessa universidade, é como se você tivesse vendendo sua
alma mesmo, sabe? Tipo, “você quer a bolsa? Massa! Você tem a bolsa, mas
agora você vai ter que suar para continuar com ela aqui dentro”. O aluno que
é bolsista ele tem que ser extencionista, ele tem que ter o CRA 10, ele tem
que se garantir aqui de uma forma que o restante do alunado não precisa
(Davi de Souza, Serviço Social, UFPB, grifo nosso).
Esse ano [2017] [o auxílio] atrasou umas duas vezes. Foi em janeiro, em
janeiro atrasou muito, era pra cair dia 13 e foi cair quase no dia 30. E aí em
fevereiro atrasou de novo. E a universidade usava a desculpa de que a União
ainda não repassou o dinheiro. Só que a gente já sabia que o repasse já tinha
155
sido feito. E teve um outro atraso também que, misteriosamente, acho que foi
em março [de 2017], o dinheiro não caia. [E diziam] “ah, mas a União não
repassou a verba, a gente tá sem verba, não tem dinheiro pra pagar”. Houve
um movimento em que se chamou a imprensa. A professora Margareth [a
Reitora] foi forçada a falar com a imprensa pra dar uma explicação sobre o
que estava acontecendo e o Ministério da Educação foi acionado e disse “não,
a verba já está aí. Não existe esta questão”. No outro dia, seis horas da manhã,
o dinheiro tava na conta. Teve que vir alguém de fora pra dizer que o dinheiro
estava aqui (Nívea Santos, Pedagogia, UFPB, grifo nosso).
Como mostra a fala anterior, os atrasos no repasse da verba é outro problema enfrentado
pelos alunos e alunas que recebem os auxílios. Ou seja, há um constante estado de tensão, vivido
no início de cada mês, por não ter como saber se o dinheiro do auxílio será depositado até o
quinto dia útil. Portanto, quando há o atraso no depósito da verba, há, consequentemente, atraso
no pagamento das contas, há preocupação, há estresse e há também um reflexo disso no
rendimento do estudante na universidade.
Outro ponto problemático lembrado pelos estudantes é o atraso da PRAPE para o
lançamento dos editais de Auxílio-Moradia. O estudante em condições de vulnerabilidade
socioeconômica precisa iniciar o semestre já de posse do benefício para poder custear sua
permanência no curso. No entanto, o lançamento dos editais para seleção do Auxílio-Moradia
meses após o início do semestre inviabiliza tal permanência.
[...] Esse semestre [2017.2], por exemplo, não abriu nem vai abrir pra auxílio
moradia. [...] Tem gente que veio de fora, que entrou agora ou que está há
vários semestres tentando uma vaga para auxílio moradia ou até para a própria
residência e não consegue. O que a universidade faz por essas pessoas? Nada
(Nívea Santos, Pedagogia, UFPB, grifo nosso).
Nós estamos em 5 de outubro [de 2017] e ainda não saiu o edital de auxílio-
moradia que sai todo período. E aí? E essas pessoas que entraram agora pelas
cotas o que elas estão fazendo da vida nesse segundo semestre? Estão
desistindo. Na minha turma já desistiu um monte de gente por falta de
dinheiro, por falta de condição mesmo. Outros tão assim... dá pra ver a
pessoa... tá passando fome. Pessoas que emagreceram, pessoas que estão com
um olhar já diferente e que simplesmente sabem que não vão conseguir
permanecer. [...] As vagas que abriram na residência foi insignificante, mas
foi o que tinha, né. Mas sempre eles abrem auxílio. Porque? Por que não se
pensa em ampliar a residência (Natália Vieira, Enfermagem, UFPB).
Natália, que veio da cidade de Caaporã, na Paraíba, para estudar enfermagem na UFPB,
afirma que não foi fácil ter as condições mínimas para continuar na universidade. A 45 km de
distância de João Pessoa, Caaporã não fica tão distante da capital e seu problema de locomoção
para a UFPB poderia ser resolvido se a prefeitura de sua cidade disponibilizasse um ônibus para
os estudantes vir à universidade – o que é bastante comum nas cidades vizinhas à João Pessoa.
156
Para poder continuar estudando, solicitou, então, o auxílio à PRAPE, o que levou nove meses
para ser avaliado.
Esse período foi uma loucura na minha vida, porque eu peguei carona em
caminhão de cimento, eu peguei carona com amigos... O ônibus da prefeitura
vinha trazer o pessoal da saúde. Aí a gente entrava no ônibus e como não pode
carregar pessoas na BR em pé [dentro do ônibus], então a gente se deitava no
chão do ônibus pra gente passar pela Polícia Federal sem ser barrado. Então a
gente fazia de tudo [para agradar o motorista]: levava ovo, abóbora, tudo
quanto era coisinha que a gente planta, né, pra agradar, pra poder conseguir.
Então foi nesse estilo. De passar quinze dias sem vir na aula, porque não
conseguia (Natália Vieira, Enfermagem, UFPB).
59
Cf. Contrato nos anexos, p. 271, 272.
158
Desde 17 de julho [de 2017] que a gente está comendo, praticamente, cuscuz
com salsicha e pão com mortadela no café da manhã [na Residência
Universitária do câmpus I] [...]. E a melancia de péssima qualidade. "Ah,
Natália, você poderia estar comendo pior". Não, não poderia não porque está
custando muito caro pra universidade isso. Então a gente já colocou ali
[mostra um cartaz pregado na parede da cozinha da Residência
Universitária]60, o que você come é dinheiro e não é pouco, tá ali os valores
dos editais tudinho que a universidade paga e não é justo a gente está comendo
esta comida. Fora, às vezes, [que vem] comida estragada, carne moída
espumando, enfim, ovo verde que já veio ano passado [...]. Tem um menino
ali que ele tá com diarreia e ele não sabe do que é (Natália Vieira,
Enfermagem, UFPB).
Natural de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, João Batista chega à UFPB para cursar
Psicologia. Ainda sem nenhum tipo de auxílio vai morar na casa de um amigo na cidade de
Bayeux, vizinha à João Pessoa. A impossibilidade de permanecer mais tempo no local o
60
Idem.
61
Cf. http://www.ufpb.br/content/nota-sobre-o-restaurante-universit%C3%A1rio
62
Como aluno que começou a frequentar a UFPB a partir de 1998, ainda na primeira graduação, lembro que, não
raro, havia reclamações de alunos e alunas em relação à comida servida no RU. Anos após, já cursando uma
segunda graduação (2009) e depois o mestrado, tive a oportunidade de ser contemplado com o almoço no RU
do câmpus I. No período entre 2009-2010, lembro de ter sido feita algumas reformas no RU e de terem
melhorado a qualidade da comida, muito embora, vez ou outra, surgissem protestos. Neste período a comida
ainda era feita no próprio RU.
63
À época dos acontecimentos relatados, João Batista era estudante do curso de Psicologia da UFPB. No
memento da entrevista já estava cursando o mestrado neste mesmo curso.
159
impulsiona a tomar uma decisão drástica: reúne todos os seus pertences e vai para a reitoria da
UFPB, onde se acomoda no corredor, e escreve numa folha de papel "sem residência".
Com a ajuda das assistentes sociais da PRAPE, conseguiu um lugar na Residência
Universitária como hospede, onde ficou por dois meses até ganhar o Auxílio-moradia.
Sobre os problemas do RU, afirma:
Aqui na UFPB a gente tem um problema sério, agora parece que tá um pouco
menor, mas talvez esteja acontecendo de forma mascarada. A administração
do restaurante é uma empresa privada64, mas tinha um funcionário que dava
ordens lá, um cara extremamente bruto, que gritava com os funcionários e
chamava os funcionários pra um canto pra reclamar. Um cara extremamente
sexista, colocava as mulheres pra lavar os pratos e nenhum homem podia
ajudar. Uma funcionária chegou a ter que lavar os pratos com a mão cortada
e a mão escorria sangue e ela tinha que estancar o sangue da mão e lavar os
pratos porque era o horário de trabalho dela e ela não podia sair. É escravidão
mesmo e os funcionários não podiam falar com os estudantes porque foi uma
época que começaram algumas reivindicações dentro da universidade e eles
[a administração do RU] não queriam que os funcionários se comunicassem.
Eles estavam proibidos (João Batista, mestrando em Psicologia, UFPB).
64
Na verdade, a empresa privada fica encarregada, como dissemos, de fornecer a alimentação, uma vez que este
passou a ser um serviço terceirizado. A administração do RU está vinculada à PRAPE.
65
O programa é uma das ações do Comitê de Inclusão e Acessibilidade (CIA) da UFPB que promove ações voltadas
para pessoas com deficiência nesta instituição. Uma das ações do comitê é a frequente abertura de edital para
seleção de estudantes que possam fornecer acessibilidade pedagógica e de locomoção a estudantes da UFPB
portadores de deficiência física ou funcional.
160
e o que lhe permite continuar no seu curso. “Se não fosse isso eu tava enrolada mesmo. [...] E
aí é por isso que eu vivo razoavelmente, eu me viro, eu consigo sobreviver” (Natália Vieira,
Enfermagem, UFPB). A bolsa que tem o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) tem, segundo a
estudante, duração de quatro meses podendo ser renovada. E é o único programa (bolsa) que se
pode permanecer por mais de um ano.
Nas entrevistas para esta pesquisa, muitos estudantes relataram que é frequente o
número de novos alunos que desistem de seus cursos por não conseguirem reunir as condições
mínimas para se manter na universidade. No entanto, o artigo 1º do Programa Nacional de
Assistência Estudantil (PNAES) (Decreto nº7.234/2010) afirma que “este tem como finalidade
ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal”. Para
Davi,
Ela [a bolsa] cumpre sim a proposta de ser um auxílio. Só que este programa
ele tem que ser ampliado na perspectiva de ele ser de fato subsidio para o
estudante. Um subsídio que vai contar com a xerox dele, vai contar com o
livro dele, vai contar se precisar da passagem dele. Porque aqui se você
precisar de passagem você tem que pedir o auxílio transporte. Se você precisa
de não sei o quê, você vai ter que pedir o auxílio não sei o quê. Então, o
estudante que já entra pelas cotas ele já deveria entrar fazendo parte de toda
uma rede sócio assistencial da universidade e isso não acontece aqui (Davi de
Souza, Serviço Social, UFPB).
Os desdobramentos do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) na
assistência ao estudante da UFPB evidencia as limitações da implementação deste programa
nesta instituição. Foi isto que verificou Mariz (2014, p.84) ao mostrar que as principais barreiras
para o êxito do programa são “a restrição de recursos, de profissionais e em muitos casos a falta
de vontade política em sua implementação". Para a autora, há uma preocupação dos gestores
da política de assistência estudantil que
[...] é decorrente da falta de infraestrutura dessa política para suportar
uma demanda tão crescente e que infelizmente não vem sendo
acompanhada de maiores recursos por parte do Estado, tendo em vista
que os valores destinados atualmente para a assistência estudantil das
IFES estão muito aquém do que seria necessário para dar conta da
demanda dessas instituições (MARIZ, 2014, p.84-85).
João Batista, ao nos conceder entrevista para esta pesquisa, relatou a situação de alguns
alunos do curso de psicologia que desistiram de continuar com seus estudos por não ter
condições de se manter. Segundo ele, “a universidade teve uma abertura tímida para as pessoas
pobres, ainda muito pouco. [...] Daí quando entra, isso não significa que vai permanecer”
(João Batista, mestrando em Psicologia, UFPB. Grifo nosso).
161
É desta forma que este novo sujeito político, que agrega jovens de diferentes cursos e
ideologias, irrompe o cotidiano acadêmico a partir do reconhecimento recíproco de carências e
da nomeação de demandas que os impulsionam num movimento de mudança. Antes de
abordarmos as manifestações públicas desse sujeito político coletivo, examinaremos, a seguir,
a trajetória de vida de alguns jovens que compõem este grupo – os estudantes precarizados –,
suas vivências e os caminhos que os levaram a se engajar nos atos e movimentos políticos na
universidade.
Davi de Souza
Afirma que foi criado dentro de uma família de esquerda, mas uma esquerda “estranha”
porque é uma “esquerda meritocrática, [...] é uma esquerda que se a minha família estiver bem
então tá tudo certo”. A mãe de Davi é formada em economia, participou de grupo jovem de
igreja e foi militante do movimento negro na universidade e em outros espaços, “mas depois
foi se perdendo tudo isso”. No entanto, afirma que ela ainda tem sim uma “pontinha de
militância”:
Quando eu tava na greve de fome, no sexto dia, ela me ligou dizendo “Davi,
o que você está fazendo aí? Eu acabei de receber a notícia na televisão, você
tá maluco?” Aí eu: “mãe, é isso. Tem que ser assim”. Aí ela: “eu sei disso, eu
sei. Mas, olha, é o seguinte, força. Se eu estivesse aí eu ia fazer a greve de
fome com você. Então fique aí, sua família está toda aqui...”. Sabe, eu me
emociono muito porque você ouvir isso da sua família é muito bacana, sabe?
Enquanto, por exemplo, pessoas que estavam lá comigo também [na greve de
fome], a família ligou dizendo “ei, você está humilhando a família, você está
envergonhando a família”. Sabe? Então é um outro tipo de entendimento. E
minha mãe não, ela é muito maravilhosa.
ao futuro profissional. Assim, o curso de Serviço Social pareceu se encaixar bem à sua
aspiração. No entanto, sentia que sua militância política num curso de Serviço Social em uma
faculdade privada – como bolsista – era constantemente podada e que sua educação estava
sendo sucateada.
Davi afirma que atualmente não milita em nenhum partido ou coletivo, muito embora
já tenha passado por algumas experiências com estes: “eu passei por tantas situações em vários
movimentos e partidos, então eu fui experimentando um pouquinho de cada coisa e fui tendo
algumas conclusões”. Participou do Levante (Popular da Juventude) quanto este ainda era um
grupo bem pequeno, ainda em Brasília, em 2010/2011. Afirma que foi para algumas reuniões,
mas não se apegou muito, pois se identificava mais com o Movimento Estudantil de Serviço
Social (MESS), uma vez que este dialogava melhor com a política da profissão. Passou 3 anos
no MESS.
Só que aí eu fui percebendo os processos hierárquicos mesmo dentro da
executiva, dentro do movimento de Serviço Social, sabe? Daí eu fui dar uma
circulada. Passei um tempo dentro da juventude do PT, percebi que tinha
grupos dirigentes ali e pensei: caramba, não é por aí. Porque, por exemplo,
enquanto eu era a pessoa que ia pra rua, que era bucha de canhão, tinha aquela
pessoa que ficava de paletôzinho só assinando e abarcando pessoas. Então,
por que que na hora de fazer a reunião tá todo mundo junto, é uma coisa só, aí
na hora de ir pra rua, de dar a cara pra bater é só essas cabeças pequenas?
Então assim, que equidade é essa que tá querendo trazer alí? Você fragmenta
o próprio grupo, você fragiliza ele também fazendo esse tipo de coisa, né?
Na UFPB teve contato com o Partido Socialista Brasileiro (PSB) “só que também eu
verifiquei esta questão, né? Daí eu pude concluir que eu não preciso estar em nenhum espaço
pra poder militar, pra poder ter um espaço de fala, sabe? Pra poder me posicionar”.
Minha militância hoje ela tá definida em viabilizar direitos, né? E dentro da
universidade, pra mim é viabilizar direitos dos filhos da classe trabalhadora.
Minha militância hoje é essa. [...] Minha militância hoje é definida em
assistência estudantil. Não é nem a questão acadêmica, porque o [lado]
acadêmico tá garantido, né? Ele está aqui, mas o viver a universidade não
está” (Grifo nosso).
Foi durante o Encontro Nacional de Estudantes de Serviço Social que ocorreu na UFPB,
em 2012, que Davi pensou: “esse Brasil é muito grande, é muita cabeça pensando, é muita coisa
pra ser falada [...]”. Foi aí que decidiu sair da faculdade privada e tentar ingressar na UFPB.
Nesta ocasião, percebeu também que o Serviço Social “[....] para além do atendimento para
com a classe trabalhadora é um curso extremamente político. E pelo fato dele ser tão político
assim que eu resolvi voltar o curso todo de novo [...] e fui estudar na UFPB”.
165
Durante nossa pesquisa, diversos estudantes relataram ser problemática a forma como é
feita a seleção dos estudantes que receberão os auxílios ofertados pela PRAPE. Primeiro,
porque há uma procura muito grande de estudantes em situação de vulnerabilidade
socioeconômica pelo auxílio, de forma que, como os recursos são escassos, muitas e muitos
estudantes não são contemplados. Segundo, porque – e isto foi relatado por diversos estudantes
entrevistados – a seleção é toda feita on line, via análise posterior de documentos e sem uma
conversa prévia com as assistentes sociais da PRAPE.
Mesmo com todos os problemas, Davi reconhece que, ainda assim, o auxílio é
importante para garantir a permanência do e da estudante na universidade.
Eu recebo até hoje o auxílio moradia da universidade, né? Ainda bem porque
senão não daria, sabe? Inclusive, algumas pessoas que fizeram essas
ocupações comigo tiveram suas bolsas cortadas, bem complicado. Porque é
questão de permanência. Como é que eu vou conseguir permanecer nesse
espaço? Não é uma bolsa que vai me garantir isso. Por que uma bolsa paga
meu aluguel, meu aluguel é R$ 400 reais, eu recebo uma bolsa de R$ 570
reais. Então, 70 reais são 7 quilos de ração pro meu cachorro, 100 reais tenho
que comer e tirar xerox. E aí? E ainda ter que tomar uma cerveja de vez em
quando, né? Ninguém é de ferro. E aí? Tá entendendo? Então você luta pelo
mínimo, do mínimo, do mínimo social (Grifo nosso).
66
R$ 330 (trezentos e trinta reais) + R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais) de Auxílio-Alimentação Final de
Semana/Feriados Nacionais, somando: 570,00 (quinhentos e setenta reais). Mais acesso ao Restaurante
Universitário para almoço e janta durante a semana. Cf. Quadro de Benefícios Permanência pela PRAPE na pg.
148 e 149.
166
A fala de Davi nos lembra o trecho da canção “Comida”, do grupo de rock brasileiro
Titãs67: “A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte”. Ou seja, é preciso
viver o ambiente acadêmico e sua rotina; é preciso comer, pagar as contas etc., mas é preciso
também “tomar uma cerveja de vez em quando”, pois ninguém é de ferro. Como temos
enfatizado, a questão é, antes de tudo, “[...] de permanência. Como é que eu vou conseguir
permanecer nesse espaço?”
Os atrasos no pagamento dos auxílios, bem como a sua suspensão também foi lembrado
como um problema, uma vez que causam o endividamento do estudante podendo resultar em
uma situação (econômica) insustentável.
Embora reconheça que haja atrasos no pagamento do auxílio, Davi lembra que “ele
acontece certo, a depender da conjuntura política. É engraçado isso porque quando em Brasília
tá tudo certo, quando não tem nenhuma confusão lá envolvendo eles, o repasse acontece certo”.
Segundo Davi, é preciso que haja um reajuste no valor da bolsa de acordo com a
realidade/custo de vida local. Para quem recebe o auxílio moradia, a especulação imobiliária
que encarece tudo é um dos grandes vilões do e da estudante em situação de vulnerabilidade
socioeconômica.
A bolsa ela não é contraditória porque ela é realmente um auxílio. [...]. Aí é
feito um cálculo: 17 reais pra café da manhã, pra almoço e não sei quanto pro
jantar. Só que, assim, esse cálculo foi feito há cinco anos, então a gente tem
uma nova reformulação, a gente entra com vários processos só que não
consegue reformular essa questão da bolsa.
67
Segunda faixa do álbum “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”, de 1987. Composição de: Arnaldo
Antunes, Sergio Britto, Marcelo Fromer.
167
aqui os estudantes vão se juntar em 10, 20, 30 pra poder morar num lugar.
Então, é bem complicado (Grifo nosso).
Para nós, é este o momento em que Davi toma consciência de sua real situação na
universidade e da necessidade de mobilizar-se, agir de alguma maneira, de protestar . Junto com
outros estudantes que passavam pelas mesmas circunstâncias, deram início a uma greve de fome
que, como ele mesmo disse, sacolejou a reitoria expondo para toda comunidade acadêmica e
extramuros da universidade um problema antes restrito aos seus gestores e os estudantes. Mais
à frente, retomaremos este ponto mostrando como os estudantes se organizaram e deflagraram
a greve de fome.
Rogério Alves
Rogério é um jovem negro de 22 anos natural de Recife. Antes de vir estudar em João
Pessoa, na UFPB, morava com sua família no bairro Ibura: “Se você vai em Recife e fala que
é do Ibura todo mundo já vai olhar pra você com aquela cara de ‘eita!’, sabe?”. Uma parte de
168
sua família reside em Recife e outra em Fortaleza e por isso afirma que “oscilou bastante entre
as duas capitais”.
O pai era conferente de empresa e a mãe, dona de casa. A irmã mais velha fazia Terapia
Ocupacional na UFPB, mas sem ter como se manter em João Pessoa voltou para Recife onde
faz o curso de Geografia na UFPE. Além desta, tem uma irmã mais nova, de 12 anos. “A relação
com os pais sempre foi muito boa. Minha mãe é evangélica [da Assembleia de Deus] e eu fui
evangélico durante um tempo da infância e as pessoas tinham expectativas de eu seguir carreira
religiosa”. Fala que participava de muitos concursos de teologia na igreja, pois gostava muito
de ler a bíblia e isso foi gerando uma expectativa nas pessoas de que seguisse esse caminho.
Todavia, afirma “eu estudei tanto que comecei a virar ateu. Eu comecei a ler tanto a
bíblia que eu disse isso é lindo, mas é uma mitologia”. “Eu falei pra minha mãe: mãe há um
problema aí, eu não tenho mais como ir pra igreja. Ela falou: Porquê: por que eu não acredito”.
Nessa época tinha 15 anos. “E daí eu disse: mãe, eu não tenho mais como ir pra igreja se eu não
acredito nisso”. Depois dessa fase, veio outra em que os “assuntos do coração” falava mais alto,
o que começou a preocupar seu pai
[...] nossa, eu tinha 15, 16 anos, nunca tinha beijado ninguém na minha vida.
Magrinho e pretinho do jeito que eu era com aquela cara de marginal, nossa
mano! Tudo que eu podia fazer era beber e sofrer por causa das morenas que
não me queriam. Tipo assim era o que eu tinha que fazer mesmo.
Sobre os estudos, Rogério afirma que estudou a maior parte em escolas públicas e alguns
poucos anos no ensino privado. Ao mesmo tempo que fazia o ensino médio fazia também o
ensino técnico chegando a se formar em administração pelo SENAI. Paralelo a isto, fez um
curso de língua japonesa. Em 2013, com 16 anos, surgiram oportunidades no SENAI:
Eu tinha passado pro vestibular do SENAI, mas eles utilizaram minha fala e
tudo mais pra ser vinculado a um projeto do PRONATEC. Eu não fiz
PRONATEC. Então, basicamente eles utilizaram minha fala para um outro
tipo de projeto porque eles precisavam de alguma pessoa negra e pobre que
tivesse condições de falar tudo aquilo que eles queriam que falasse. E foi esse
o momento bam... onde eu percebi que essa inclusão não era tão simples, se é
que ela existe.
Esse momento foi importante como percepção do que se passa à sua volta: “Eu acho
que nesse momento eu comecei a mudar meu pensamento em relação a muita coisa que eu
acreditava”. [...] Então eu pensei: eu vou voltar ao meu desejo inicial, desde criança, fazer
cinema. Sonhar em fazer filmes, ou qualquer coisa do tipo. Estudar.
Atualmente, Rogério diz trabalhar fazendo uns freela (freelance): “Eu publico
quadrinhos de forma independente, às vezes consigo publicar em alguma editora e daí fico me
mantendo dessa forma”. Afirma que não milita e nunca militou em nenhum partido ou coletivo,
diz que “sempre foi apartidário”. “Eu acredito que eu criei trauma depois do projeto do CNI.
[...] Eu gostaria de estar ali fazendo alguma coisa, mas não relacionado a alguma militância
[partidária]. Percebe-se aqui certa confusão de Rogério quanto a questão da militância. Muito
embora afirme que nunca militou em partidos políticos, o mesmo não pode ser dito em relação
à coletivos, tendo em vista, como veremos nos parágrafos seguintes, que ele atuou nas
manifestações de junho de 2013 e no Ocupa Estelita. Não seriam estes (movimentos) coletivos
de pessoas em luta em prol da resolução de uma dada demanda?
Lembra dos protestos de 201368 e de “como tudo foi muito efervescente”. Afirma que
foi neste momento que “começou a ter os primeiros embates com a polícia”. No meio dos
grandes protestos de junho de 2013, haviam outros atos menores como a “[...] marcha do
orgulho crespo, ou algo do tipo, e só ia 100 ou 200 pessoas e você percebia a repressão policial
em cima daquilo, sabe? De uma maneira muito intensa. Foi quando eu comecei a de fato
apanhar da polícia”.
Já em 2014 ocorre o Ocupe Estelita em Recife no qual, junto com alguns amigos,
participou do começo ao fim. No Ocupe Estelita não chegou a apanhar da polícia, mas “em
outras ocasiões... spray de pimenta, cassetete, essas coisas todas [...]”. Afirma que algumas lutas
acabam por tomar caminhos que são contrários aos que se lutou. Cita o exemplo do Ocupe
Estelita: “[...] nos dias de hoje o Estelita se transformou... se apoderaram do nome e do protesto
e transformaram isso num bar que cobra R$ 40,00 reais a entrada”.
68
Série de protestos de rua organizados pelo Movimento Passe Livre que aconteceram a partir de junho de 2013,
inicialmente contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, e que ficaram conhecidos como “Jornadas
de Junho”.
170
Em 2014 Rogério começa a cursar Cinema na UFPB. No entanto, por conta da greve69,
o curso só começaria em agosto. Paralelamente, tinha passado também no vestibular da UFF,
mas a morte de seu pai no mesmo período fez com que Rogério ficasse mais tempo com a
família. De toda forma, diz que não saberia como viver num lugar tão caro como o Rio de
Janeiro: “eu não teria condições financeiras”. A proximidade da família fez com que Rogério
escolhesse ficar em João Pessoa e no curso de Cinema da UFPB.
Ao chegar na capital paraibana foi morar no bairro do Castelo Branco que fica ao lado
da universidade: “Morei com nove pessoas numa casa no Castelo Branco, mas tinha uma
rotatividade muito grande. Em um ano eu cheguei a morar com cerca de 46 pessoas”, afirma.
Rogério diz que tinha uma espécie de casa de receber hippies e que morava com muitos
europeus que vinham cursar mestrado na UFPB: ‘basicamente eu morei com uma galera da
Alemanha, da Itália e da Espanha... quase um hostel”.
Sobre o processo de obtenção do auxílio estudantil na UFPB:
Então, assim que eu entrei aqui tava no processo da greve, né: Então, tinha
acabado de sair de uma greve e tava se encaminhando pra outra. Eu passei
69
A greve nacional foi deflagrada no dia 30 de março de 2014. Na Paraíba, abrangeu os servidores públicos da
UFPB e UFCG. Tinha como pauta questões trabalhistas e a falta do cumprimento, por parte do Governo Federal,
de acordos firmados em 2012. O retorno às atividades acadêmicas se deu a partir de uma liminar expedida pelo
Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em junho de 2014, determinando o fim da greve que já durava 93 dias.
171
Na minha época [quando tentou obter o auxílio estudantil] ainda era melhor
do que é hoje. Na minha época você ia pra assistente social, você ia e levava
seus documentos pra assistente social e tinha uma conversa com ela. Hoje em
dia não tem mais isso, né? Hoje em dia é tudo computadorizado. Você só
bota lá e deixa o computador fazer o resto [Grifo nosso].
Comia aqui no RU, levava a marmita para o RU, botava muita comida. Eu
tinha acesso ao RU, na época era aberto pra todos. O RU fechou agora, na
época o RU era aberto pra todo mundo. Então eu ia pro RU. Então eu fazia
isso, levava marmita pro RU, botava muita comida na marmita e tal. Eu
morava com muitas pessoas, umas oito ou nove pessoas, então, meio que a
gente colaborava um com o outro.
Atualmente, Rogério mora sozinho no bairro do Castelo Branco. Um dia antes da nossa
entrevista, ele nos contou que se separou de sua companheira com quem morava.
Rogério diz que eles tentaram conseguir um emprego para continuar juntos em João
Pessoa revezando entre os estudos e trabalho, mas afirma que não teve condições uma vez que
o curso dela era integral com disciplinas tanto pela manhã, quanto pela tarde e noite, por ser um
curso de licenciatura.
Outro problema relatado por muitos estudantes diz respeito à agressão e preconceito dos
seguranças terceirizados da UFPB na abordagem para com o alunado. Rogério relata um
episódio neste sentido:
Rogério recorda que questionou o uso indevido da arma naquele momento e o que os
seguranças disseram:
Durante certo período, principalmente durante o ano de 2016, houveram muitos relatos
dos e das estudantes da UFPB sobre a questão da violência e do preconceito dos seguranças no
173
Muito embora afirme que é apartidário, ao falar sobre sua participação política na UFPB
Rogério afirma que tentou participar de uma gestão do DCE, no entanto, diz que ao perceber o
jogo de ego que perpassava as relações acabou desistindo
70
Na página 200, tópico “A luta contra a repressão policial”, há uma descrição mais detalhada sobre os casos
de violência por parte da segurança terceirizada da UFPB.
174
Nívea Santos
Porque você tava ali representando, né? Você tava representando um número
de pessoas que tinham demandas. [...] Às vezes tem conselho de escola e no
conselho de escola tem alguns alunos que precisam passar pelo conselho pra
serem aprovados ou não. E aí nesse conselho precisa ter o representante de
turma pra defender o aluno [...] se você achar que ele merece algum tipo de
defesa.
Depois dessa primeira experiência – entre os anos de 2014 e 2015 –, tomou contato com
os debates sobre o feminismo e o movimento negro através de uma pessoa com quem teve uma
175
relação: “um dia essa pessoa começou a falar sobre o feminismo pra mim. Feminismo isso,
feminismo aquilo. Eu achava o feminismo uma porcaria [...], eu tinha aquela opinião que muitas
pessoas têm sobre o feminismo”. Afirma que foi conhecendo a discussão sobre este tema e do
feminismo conheceu o movimento negro e do movimento negro conheceu o movimento de
pessoas transexuais: “eu me interessava, eu queria saber, eu queria estar por dentro das coisas,
eu queria ajudar. [...] Só que depois eu fui saindo dos movimentos. Passei pelo anarquismo
também. [...] Sai do feminismo porque eu não concordava com muitas coisas”.
Depois, eu saí do movimento negro também porque, principalmente como
mulher, é muito difícil estar no movimento negro. Porque o que o movimento
negro cobra das mulheres é que elas defendam os homens negros.
Independente... você tem que defender. O cara pode ter feito o que for: “não
ele tá fazendo isso porque ele sofreu a colonização” etc. E aí eu saí do
movimento negro também. Dos outros eu fui me afastando.
Nívea entrou para o curso de Pedagogia na UFPB em 2016 via sistema de cotas étnico-
raciais como aluna oriunda da escola pública. “Quando eu cheguei aqui tava naquele clima.
Tinha acabado de acabar uma greve de fome, então os ânimos ainda estavam meio exaltados”.
Lembra que ao começar seu curso disse pra si mesma: “Eu não vou me meter em nada. [...] Vou
fazer meu curso, vou me formar, vou voltar pra casa e pronto”. No entanto, depois de alguns
meses, foi procurada por pessoas do movimento negro e pessoas do feminismo negro. Afirma
que foi procurada também por pessoas do diretório acadêmico do curso de Pedagogia. Neste
primeiro momento não quis saber de se envolver com política. “Eu sabia da necessidade etc.,
mas não, não vou eu tô bem aqui, tô sossegada”.
No começo do ano de 2017 surge um novo convite para montar uma chapa do diretório
acadêmico de Pedagogia.
E foi aí que eu aceitei. E eu não acreditava que a gente fosse ganhar uma
eleição. Até porque a gente tava numa disputa que era os estudantes
independentes, que faziam coisas independentemente de estarem numa
entidade representativa ou não; e os estudantes ligados a partidos políticos,
que queriam trazer o partido político aqui pra dentro, que queriam ganhar
votos do partido político aqui dentro. [...] Pedagogia é o maior curso em
número de alunos ativos. Então, você conseguir a gestão do diretório
acadêmico aqui imagina o tanto de alunos que você vai ter. você tem bastante
alunos, pra um partido político isso é bastante interessante. É politicamente
muito interessante (Grifo nosso).
Nívea afirma que em meio à calunias e difamações sua chapa ganhou as eleições do
diretório acadêmico. “Pra tomar posse foi outra luta também. A chave desapareceu, a ata de
posse desapareceu, a comissão eleitoral pra assinar a ata de posse desapareceu também. Todo
mundo se escafedeu, ninguém sabe pra onde é que foi”. Em meio a isso tudo conseguiu tomar
176
posse. Afirma que a gestão que havia antes era ineficiente e as portas do diretório acadêmico
viviam fechadas. “Não faziam nada, não promoviam nada. O diretório acadêmico era usado
como quarto de descanso de duas pessoas”.
Nívea afirma que sumiu computadores e dinheiro do diretório acadêmico. “A última
gestão entrou com R$ 1.600,00 reais em caixa e não houve uma gestão para que fossem gastos
R$ 1.600,00 reais. A gente foi ver e quando a gente foi pegar a prestação de contas o que sobrou
pra gente foi R$ 60,00 reais enquanto gestão para iniciar”.
Nívea diz que hoje não milita em nenhum partido, grupo ou entidade política: “só o
diretório. Já dá bastante trabalho”. Ao ser questionada sobre as dificuldades para a militância
na UFPB ela responde:
Este não é um sentimento isolado. Alguns estudantes com quem conversamos relataram
que já sofreram processo ou conhecem alguém que está respondendo processo por parte da
universidade. Alguns dos entrevistados afirmam que muitas vezes esses processos são movidos
de forma injusta. Percebemos que atitudes como esta servem como uma espécie de aviso para
aqueles que, por ventura, queiram se juntar ao coro dos descontentes. E pelo visto, a fala de
Nívea que destacamos acima não deixa dúvidas quanto à eficácia do método.
Ao ser questionada sobre o movimento estudantil da UFPB, a resposta de Nívea não foi
muito diferente da impressão dos demais entrevistados que discorreram sobre este assunto:
[...] Bem fragmentado. Você não tem um movimento estudantil aqui
massificado. Você tem um Levante Popular da Juventude, você tem a União
da Juventude Comunista, União da Juventude Socialista, você tem a
Juventude Brasileira Socialista e aí você tem todos esses aqui dentro da UNE,
que tá dentro do DCE. A UNE todo mundo já sabe que... é meio vendida.
Então ali a gente já tem isso que é um problema. Então, é muito fragmentado
por conta de interesses políticos partidários. São vários movimentos aqui
que não se juntam. Aí você tem os estudantes independentes que tentam fazer
alguma coisa e quando a gente tenta fazer alguma coisa a gente acaba sendo
brecado pelos estudantes desses movimentos. Mesmo que a gente tente
177
chama-los pra se juntar com a gente não adianta. Eles sempre tentam de
alguma forma encontrar alguma coisa. E aí então é um movimento muito
fragmentado, muito fragmentado [Grifo nosso].
71
Que dá acesso automático ao restaurante universitário e o Auxílio-alimentação final de semana, de R$ 240,00
reais, uma vez que nos finais de semana e feriados o Restaurante Universitário não funciona.
178
Pelo que nossa pesquisa tem mostrado, dificilmente o estudante conseguiria permanecer
na universidade sem alguma forma de complemento de renda; seja através de bolsas de
extensão, como no caso de Nívea; seja via ajuda familiar e trabalhos freelance, como no caso
de Rogério, ou outras formas. O engajamento na luta estudantil, neste caso, é um dos meios –
para alguns – de se garantir a permanência na universidade.
No entanto, a diferença de gêneros dentro das lutas estudantis ainda implica em
diferentes formas de tratamento.
Muitas vezes em reuniões conselhos de centro ou em outras reuniões a gente
tem a nossa fala completamente apagada, a gente tem a nossa presença
completamente apagada porque as pessoas escutam os homens. Por mais que
eles repitam algo que a gente já falou, que a gente já ficou sem voz de tanto
falar, que a gente já tentou falar de mil formas possíveis, mesmo que seja só
repetição o que eles fazem, são eles que são escutados. Eles que são levados
em conta. Quando falam lembram: “ah, quando tal cara disse isso aqui”. Não
foi a gente que disse, foi tal cara que disse.
Nívea nos conta de uma reunião do Conselho de Centro que uma amiga participou, mas
que ela não estava, em que sua amiga tentava falar, mas era constantemente interrompida:
Ela estava tentando falar sobre algumas coisas, sobre algumas pautas do
diretório [acadêmico] e ele não deixava ela falar, ele ficava atropelando,
falando por cima etc. E isso gerou uma situação muito desconfortável. E aí foi
quando eu decidi que sairia do Colegiado de Curso e iria pro Conselho de
Centro junto com ela. Aí a gente tem que ter esse jogo de cintura porque é
difícil. A gente acaba sendo silenciada. Porque a sociedade, querendo ou não,
é como se julgasse que a mulher é menos inteligente ou falamos coisas menos
interessantes, sendo que, na maioria das vezes, a gente fala a mesma coisa e
fala até mesmo antes. Mas não, porque é o homem quem falou então é ele que
vai ser ouvido e é ele que vai ser creditado por isso.
Ainda assim, Nívea afirma que num futuro próximo pretende continuar em alguma
forma de militância: “[...] eu pretendo entrar em movimentos independentes maiores, pretendo
militar mais externamente em causas maiores”. Além disso, diz que pretende “[...] estudar um
pouco mais sobre gênero, mais a questão de identidade de gênero, pessoas transexuais etc. que
é o que realmente me chama atenção”. Segundo nívea, este vai ser o tema do seu mestrado.
Quando questionada sobre o que mudou na sua vida depois da militância ela diz que
[...] Mudou bastante coisa. Eu tenho tido uma visão muito mais crítica. [...]
Eu acho que a gente perde um pouco a questão do eu. Eu, eu, eu, eu... não
é mais eu, somos nós, é uma coisa maior, sabe? O quê que isso vai
influenciar aqui ou ali? Não sou só eu, tem outras pessoas também que podem
estar na mesma situação ou numa situação parecida que a minha. Então eu
comecei a pensar um pouco mais no coletivo. Comecei a pensar também no
que eu posso fazer pra que esse coletivo se beneficie de alguma forma. [...] A
gente diminui um pouquinho o egoísmo (Grifo nosso).
179
Natália Vieira
Assim como Nívea, Natália Vieira também mora na residência universitária mista que
fica dentro do câmpus da UFPB. Vivenciam, juntamente com outros e outras residentes, o
desafio constante para continuar seus estudos e ter as condições mínimas de bem-estar naquele
espaço. Em maio de 2017, cansados do descaso para com a residência universitária, um grupo
de estudantes, todos moradores da residência, ocuparam o hall da reitoria como forma de
evidenciar os problemas e cobrar solução. Mas antes de entrar neste ponto, falemos um pouco
da trajetória de Natália e o que a levou a se engajar na pauta da assistência estudantil.
Natália também foi uma das estudantes que apresentamos rapidamente no terceiro
capítulo, quando tratamos da assistência estudantil na UFPB. Pretendemos aqui recordar alguns
pontos e desenvolver outros que não foram apresentados naquela ocasião.
Natália nasceu no Mato Grosso do Sul, mas viveu a maior parte de sua vida em
Presidente Epitácio, uma pequena cidade do interior de São Paulo: “mas eu não vim de
Presidente Epitácio pra estudar na Paraíba. Eu morava e moro no interior da Paraíba hoje, há
seis anos, e aí consegui me inserir nesse ambiente de universidade pela primeira vez”. A cidade
do interior da Paraíba a qual Natália se refere é Caaporã, localizada a 45 km de distância de
João Pessoa.
Devido à falta de transporte público que traga os estudantes da cidade à capital72 – coisa
comum nas cidades do interior da Paraíba – Natália precisou recorrer à PRAPE para a obtenção
do auxílio estudantil.
Eu entrei [na UFPB] em 2014. Aí eu passei por uma greve73, fiquei dois anos
na universidade na Pedagogia e entrei agora em Enfermagem pelas cotas. [...]
Eu fiquei nove meses tentando, né, o processo de inserção na residência. O
processo ele foi lançado em julho [de 2014], eu me lembro bem, e só entrei na
residência em maio de 2015.
Natália entrou para o curso de Enfermagem via cotas como estudante oriunda de escola
pública. Confessa que já sofreu preconceito no curso de enfermagem com perguntas que tentam
disfarçar prejulgamentos.
72
Mais acima, no terceiro capítulo, mostramos como Natália fez para vir para a UFPB quando ainda não era
contemplada com o auxílio estudantil. Cf. p.178,179.
73
Cf. nota de rodapé na p.168.
180
Antes disso, o ritmo de sua vida era o ritmo da vida de uma cidade do interior. Vivia no
sítio de onde podia retirar alguns alimentos fruto do cultivo da terra. Desta forma, relata
algumas das dificuldades que teve antes da obtenção do auxílio estudantil que lhe permitiu vir
para João Pessoa morar na residência universitária:
Aí você passa por muitas coisas ruins. Questão de você não ter telefone com
WhatsApp, você ser do sítio, né? Há um preconceito danado. Quando você
começa a fazer o curso ninguém quer fazer trabalhos com você porque você
mora longe, você não tem internet. Então eu sofri todo tipo de barreiras pra
poder caminhar dentro do curso. Aí entrando na residência é que melhorou
muito.
Certamente, as idas e vindas de Natália de sua cidade para a capital para poder
acompanhar as aulas na UFPB eram muito desgastantes. Pegar carona todos os dias, quando
isso era possível, com amigos, em caminhões e em ônibus – conforma relatado no terceiro
capítulo – representava um gasto de energia muito grande. Por isso, a afirmação de Natália de
que sua vida melhorou muito após a obtenção do auxílio estudantil74. Ainda assim, é necessário
um complemento de renda para que se possa viver o ritmo da universidade, sem falar das
necessidades pessoais básicas. Neste sentido, Natália, assim como Nívea e Davi, complementa
sua renda com uma bolsa ofertada pela universidade.
[...] Eu participo do Programa Aluno Apoiador75, então eu apoio um deficiente
e aí eu ganho uma bolsa da universidade. Se não fosse isso eu tava enrolada
mesmo, né? A bolsa do Programa Aluno Apoiador, a melhor bolsa da
universidade, sempre falam isso, é uma bolsa de R$ 500,00 reais por mês,
durante quatro meses, com possível renovação. [...] Então o [Programa Aluno]
Apoiador é bem interessante, parece que só tem aqui [na UFPB].
74
Residência Universitária + Restaurante universitário + Auxílio-alimentação final de semana, de R$ 240,00 reais.
75
Na verdade, o nome correto do programa é Programa de Apoio ao Estudante com Deficiência.
181
convivendo nas mesmas condições destes e destas, também se tornou uma deles. Tal
experiência, que pode se mostrar via sentimento de injustiça, exclusão, precarização etc., a
levou a se engajar em movimentos de mudança. Foi assim que Natália passou a fazer parte do
movimento de casas de estudantes, como relata abaixo.
76
Segundo o site da Secretaria Nacional de Casas de Estudantes (SENCE) não há informações sobre quando foi o
primeiro Encontro de Casas de Estudante. No entanto, calcula-se que tenha acontecido no ano de 1976. De lá
pra cá, todos os anos, estudantes que residem em residências universitárias se encontram para socializar e
discutir suas demandas na busca de soluções. A assistência estudantil é a principal bandeira de luta. O site
destaca ainda a necessidade de "Se aproximar do ME Geral para unir forças na defesa da universidade pública,
gratuita e socialmente referenciada" e "Unificar as lutas estudantis tendo como pauta central a Assistência
Estudantil". Mais informações, Cf. http://sencebrasil.redelivre.org.br/
182
Em maio [de 2017] a gente fez a ocupação [da reitoria] porque ficamos mais
de cinco dias sem energia. [...] Então, a gente vem tentando fazer reuniões,
fazer assembleias, né, trazendo assim uma visão de luta, uma forma de ver
como a gente vai enfrentar isso77.
Porque a gente foi agora no pré-encontro [de residentes] Norte e Nordeste [cita
os nomes das pessoas que foram] e nós conseguimos visualizar que o Nordeste
inteiro [tem problemas], tem lugar piores [que a residência da UFPB], mas
assim, eu não posso me pautar pelo lugar pior porque aqui vem verba, pra
Paraíba vem recurso, então dá pra ter uma situação melhor, né?
Natália toca num ponto muito comum presente, praticamente, em todas as falas dos e
das estudantes com quem conversamos e que está ligado à forma como é feito o processo
seletivo para a obtenção do auxílio. Além disso, afirma que falta
Você vive num desespero porque... a bolsa vai sair, não vai sair, hoje é dia 5
ainda, aí, às vezes, dia 17 não saiu ainda, metade do mês. Como você estuda
assim? É um desgaste muito grande, fora essa questão de você se manter, né?
Você tem que se manter. Eu não estou aqui à Deus dará, eu tenho que
manter um CRA, se eu não manter isso eu, automaticamente... eles vão
me excluir, né? Tem umas medidas que eles tomam pra exclusão mesmo.
77
No quinto capítulo, trataremos da discussão do campo político do movimento estudantil, momento em que
discutiremos os atos, lutas e protestos dos estudantes, entre eles a ocupação da Reitoria pelos residentes.
183
A avaliação que Natália faz sobre a expansão da universidade, nos últimos anos, e as
condições do estudante de origem popular no ensino superior vai de encontro à nossa tese e
mostra o porquê das lutas estudantis.
João Batista
No momento em que nos concedeu a entrevista, João Batista tinha terminado o curso de
Psicologia na UFPB e já estava cursando, há cinco meses, o mestrado na mesma área. Com 31
anos, João Batista é um jovem negro que, ao ingressar com bolsa na pós-graduação, passou a
viver em melhores condições que na época de sua graduação. Além de lhe proporcionar uma
melhor situação econômica, a bolsa lhe permitiu também se dedicar exclusivamente ao
mestrado.
184
João Batista é natural de Santa Cruz, pequena cidade do Estado do Rio Grande do Norte
que possui, segundo ele próprio, cerca de 14 mil habitantes. É o filho do meio de uma família
de cinco filhos e o único que possui ensino superior. Afirma que a mãe era desempregada e o
pai comerciante. Até os seus 12 anos de idade a família possuía estabilidade financeira. Mais
ou menos neste período o pai começou a falir e teve que vender o que tinha para pagar as dívidas
e a família começou a passar por dificuldades financeiras.
No período que meu pai começou a falir, a situação ficou mais difícil. Tipo,
roupa, por exemplo, era bem mais difícil. Meu pai comprava uma calça para
eu passar o ano inteiro indo pra escola e isso gerou algumas coisas assim na
minha vida. O fato de não ter roupa nem dinheiro pra sair, como meus amigos
faziam, tipo o pessoal da minha idade ia pra uma discoteca todo domingo na
minha cidade e daí na segunda feira o pessoal ficava comentando e eu não
tinha nada pra comentar, eu não tinha ido. Eu era meio fechado. Não era de
grupo, mas também... questão de dinheiro pra poder gastar e em algumas
coisas eu não tinha e não me sentia parte.
A relação familiar não foi fácil. Com as dificuldades no comércio do pai este passou a
agredir a mãe de João Batista com frequência.
Já cheguei até a dormir com uma faca debaixo do travesseiro. Se meu pai
tentasse fazer alguma coisa, tentar machucar ela, eu ia tentar fazer alguma
coisa. E por coincidência esses momentos foram próximos dos momentos em
que meu pai tava com problemas financeiros no comércio dele. Daí quando os
problemas aumentavam, aumentava também a violência a ponto deles se
separarem.
O pai de João Batista é analfabeto, “só sabe assinar o nome”, afirma. A mãe, que é
evangélica, chegou a estudar até o ensino médio. A partir de 2007, ela passou a desenvolver um
quadro de esquizofrenia, o que exigiu de João Batista uma atenção maior e foi um dos motivos
que o levou a cursar Psicologia. Após a separação dos pais a vida não foi nada fácil. João Batista
morou um tempo com seu pai, muito embora tenha vivido mais tempo com sua mãe. O pai
ajudou financeiramente durante um tempo, mas ainda assim as dificuldades eram grandes.
estas, não sentir nada, principalmente quando se sabe que sua origem de classe média lhe
permitiu outras experiências de vida bem diferentes. Mas a entrevista continuou.
João Batista estudou em escolas públicas e, através de uma bolsa do PROUNI, financiou
50% do curso de Psicologia em uma universidade particular do Rio Grande do Norte. Os outros
50% do curso foram financiados com o FIES. Afirma que foi neste período que começou a
despertar para as questões políticas. Isto se deu, principalmente, depois de pagar a disciplina de
Psicologia e Política Pública. João Batista diz que antes desta disciplina não via relação
nenhuma entre a Psicologia e a política.
Pagando essa matéria com esse professor [...] eu lia os textos e ia discutir com
ele porque eu queria saber até onde ia isso, que relação tem, porque colocar
duas coisas tão diferentes... [...] Isso despertou como intriga, eu via aquilo
como algo que não se mistura, tipo água e óleo. Daí eu lendo os textos comecei
a ver que a psicologia tem muita relação com as políticas, as ações sociais
interferem no desenvolvimento das pessoas, interfere na saúde mental das
pessoas. E é claro... tem muitas políticas públicas de saúde mental.
A leitura de textos que iam de Marx aos filósofos franceses marxistas e também não
marxistas começou a chamar a atenção de João Batista para as questões sociais.
Daí em 2012, 2013 tinha um movimento do Passe Livre e eu fiz parte nesse
momento [...]. Foi em Natal, Rio Grande do Norte [...]. O preço [das
passagens] tava R$ 2,40 e era absurdo, por todo o contexto. [...] É um absurdo!
É muito caro pro estudante, pro trabalhador ter que pagar tão caro pra se
locomover. Daí, a gente fechou a avenida... Foi minha primeira participação
num movimento coletivo de reivindicação. Eu já achava injusto várias coisas
que depois eu fui ver num texto de Marx que ele falava disso, mas eu não sabia
que tinha teóricos que discutia isso.
João Batista comenta a respeito dos sentimentos que, naquele momento, o impulsionou,
juntamente com outros jovens a participar dos protestos contra o aumento das passagens.
Eu tive uma sensação muito boa de que eu não estava sozinho, de que tinha
muita gente que pensava como eu, que via e que estava disposto a enfrentar.
Gente que tava com muita raiva pela situação que tava sendo imposta e que
tava afetando muita gente, gente pobre, gente que a voz dessas pessoas... e
quem tava representando essas pessoas eram os estudantes que tinham
tempo pra fazer isso, tempo pra pensar sobre isso. A sensação era de raiva
mesmo, de indignação. Que me doía porque... eu vinha de uma família pobre
e eu imaginava que eram pessoas como eu, famílias como a minha que
estavam sendo prejudicadas (Grifo nosso).
186
É importante perceber também que a fala de João Batista chama atenção para o tempo
livre78 que uma parcela da juventude dispõe e que permite, por exemplo, leva-los a se engajar
em movimentos políticos ou ações que visam a mudança. Neste sentido, o sentimento de que
não está sozinho, misturado com a raiva, a indignação e sensação de injustiça são elementos
que, combinados, impulsionam para a ação.
No entanto, João Batista afirma que nunca fez parte de nenhum coletivo ou partido
político. Afirma não ver com bons olhos alguns grupos políticos partidários uma vez que estes
corrompem, apesar de saber que tem muita gente com intenção de mudar a realidade.
“Eu fui ativo em algumas ações coletivas como o aumento das passagens e alguns protestos,
mas eu nunca entrei em grupo específico com bandeira partidária ou até em partido político
mesmo. Eu dava a cara, mas em situações específicas”.
Em 2014, João Batista veio para João Pessoa estudar Psicologia na UFPB. Morou por
um tempo na casa de um amigo em Bayeux (cidade vizinha a João Pessoa) enquanto tentava
conseguir algum Benefício de Permanência. Como não podia mais continuar na casa do amigo
– uma vez que morava na casa uma família numerosa e também já havia se esgotado o prazo
que tinham estabelecido – e também não fora selecionado para a Residência Universitária,
afirma que tomou uma decisão: “levei minhas coisas pra reitoria, sentei na entrada da reitoria,
abri o caderno e escrevi: ‘sem residência’. [...] Tudo que eu tinha coube em duas bolsas e uma
mochila e eu levei pra reitoria e fiquei lá na porta”.
Se a intenção era ser visto e chamar atenção para sua causa, lugar melhor não havia. A
entrada da reitoria é local de passagem de funcionários, estudantes e demais pessoas que
trafegam diariamente pelo local. Assim, não custou muito para que João Batista fosse visto
pelas assistentes sociais da PRAPE. Sensibilizadas pela situação, as profissionais alocaram João
Batista na residência universitária, como hóspede, onde permaneceu por dois meses num quarto
com nove pessoas até ser contemplado com o auxílio-moradia. Pouco tempo depois, foi morar
com um amigo em uma quitinete.
Ter sido contemplado com o auxílio-moradia – além do almoço e janta no restaurante
universitário – deu a João Batista a segurança de que poderia continuar seus estudos. No
entanto, nos meses subsequentes, a instabilidade do repasse da verba para os estudantes
contemplados com o auxílio – devido aos atrasos no pagamento – lhe lembraria que a
78
O assunto é discutido no subtópico 1.3.2 – A transformação da paisagem sociocultural e seus efeitos sobre o
processo de socialização do jovem. Cf.p.61.
187
No começo de sua fala, João Batista toca num ponto central de todo esse debate que é a
entrada de estudantes da classe trabalhadora no ensino superior, muito embora ele considera
ainda muito tímida. Mas, segundo ele próprio, “isso não significa que vai permanecer”.
A conscientização da condição de precarização pode levar ao sentimento de injustiça
que, por sua vez, pode levar à ação. No entanto, nem todos estão dispostos a participar de
movimentos de reivindicação auto organizados. A falta de experiência em grupos militantes, a
desconfiança nos partidos, coletivos e sujeitos pode ser um fator que explique isso – para além
do contexto sociopolítico atual que mais separa que aglutina as pessoas em movimentos de
mudança. Assim como Davi, Rogério e Marighella, João Batista foi um dos quatro estudantes
que perceberam que só poderiam mudar algo se lançando num protesto mais radical. E foi assim
que fizeram a greve de fome em 2016. Mas inda não falamos de Marighella. Então vejamos a
seguir.
79
No próximo capítulo, no subitem “5.1 Atos, lutas e protestos”, discutimos como João Batista e outros
estudantes se organizaram num ato pelo Auxílio Moradia.
188
Carlos Marighella
Por pouco nossa entrevista com Marighella não aconteceu no dia que tínhamos marcado.
Neste dia, por um descuido, não percebi que a bateria do celular estava descarregando e
certamente não daria para gravar a entrevista. Conversei com ele sobre a possibilidade de
marcarmos para outro dia. Ele tirou o carregador de seu celular que trazia na mochila e disse:
“vamos fazer hoje. Quem vai saber se depois a gente vai ter tempo!”. E assim foi.
Com 22 anos de idade, Marighella é um jovem negro que impressiona pela desenvoltura
com as palavras. Falava de política com desembaraço articulando as lutas estudantis locais com
o contexto da política nacional e internacional. Certamente, a militância política no grêmio
estudantil do Lyceu Paraibano – e em outros espaços – contribuiu bastante para sua formação
política.
No momento da entrevista, Marighella nos falou que estava morando no bairro de
Mangabeira com a namorada. Mas antes, morou no Valentina e depois que os pais se separaram,
quando ele tinha 10 anos, tinha morado no centro da cidade com a mãe e o irmão. Afirma que
a mãe é vendedora “[...] ela foi isso a vida toda dela”. Sobre esse período lembra que “[...]
quando chegou lá no centro, véio, era outra realidade, não era [como era no bairro] Valentina,
já era aquela história da passagem, lembra? Da indignação”.
Marighella se refere a um fato marcante na sua vida que aconteceu quando ainda
estudava no ensino básico. Certo dia, um rapaz interrompeu a aula e pediu para fazer uma fala
para a turma. A professora cedeu o espaço e ele fez um discurso em sala sobre o aumento das
passagens de ônibus.
[...] Minha mãe vivia sempre falando essa história de que o fim do mundo
seria quando a gente não pudesse nem comer direito. [...] E isso é muito
marcante pra mim porque foi aí que, com o passar do tempo, foi quando eu
percebi onde começou tudo. Porque ele falar nisso, que o aumento de
passagem ia tirar o arroz e o feijão de casa pra [ser destinado a] pagar a
passagem, então isso me atrelou um sentido mais duro à esta questão. [...]
Nessa época eu morava com minha mãe e meu irmão lá no centro de João
Pessoa e era um fardo muito grande pagar passagem todo santo dia pra ir e
vir, ir e vir... Morar de aluguel, pagar comida, roupa, não sei o quê.
A vida no bairro Valentina era diferente, tudo era mais próximo e havia a solidariedade
típica dos bairros populares. Uma vez morando no centro da cidade a distância para ir à
universidade era um problema.
189
E aí eu disse: porra, véi, como é que eu vou pra universidade? Passei um tempo
pulando roleta [catraca de ônibus], tinha até uns cobradores e motoristas que
já conhecia e abria a porta de trás e aí quando eu pude eu retribui e fazia umas
falas dentro do ônibus falando da condição do trabalhador, [falava] pra galera
ligar pra rádio pra denunciar e tal. E algumas vezes isso colou por um bom
tempo. Mas teve um tempo que chegaram as câmeras, a roleta foi pra frente e
fudeu tudo”.
Ao recorrer à memória, Marighella volta no tempo e lembra que não foi na universidade
onde aprendeu sobre política, mas sim no cotidiano do bairro periférico onde morava.
Daí para conhecer os grupos que militavam no colégio foi um pulo. “Mas não foi quando
eu comecei a militância de fato, porque você se torna um militante de fato quando você cumpre
tarefas, [...] que você as propõe ou são propostas pela organização que você está e tá formando
novos quadros. E isso só acontece depois”.
Junto com outros amigos do Lyceu Paraibano, Marighella disputa o grêmio estudantil
que já estava há 6 ou 7 anos com uma gestão da UJS. “A gente tentou fazer uma nova chapa
pra contrapô-los e colocamos 300 e poucos votos. Sem estrutura nenhuma. A gente não tinha
apoio partidário como a UJS tem com o PCdoB que dá o suporte [...]”. Afirma que atuavam
“[...] inspirados nos métodos antigos como o cartaz, o panfleto, a fala, o discurso em sala de
aula, a tentativa de criar uma identidade visual”. No entanto, “naquela época a gente fazia tudo
isso, mas a gente não tinha ciência que era tudo isso”, afirma.
Militante do Partido dos Trabalhadores (PT) desde 2016 afirma que já atuou no Partido
Comunista Revolucionário (PCR) e no Levante Popular da Juventude. Sempre que pode,
190
contribui com outros movimentos e causas que apoia como, por exemplo, a da moradia: “ajudei
já o pessoal do Tijolinho Vermelho que tem uma ocupação no centro de João Pessoa que é do
Terra Livre”. Passou um tempo num acampamento urbano/rural com o MST e participou das
ocupações das escolas do ensino médio contra a tentativa de implantação da PEC 55. “E assim,
quando eu posso, eu meto minha mola. Mas oficialmente a organização que eu contribuo,
milito, sigo as orientações e resoluções é o Partido dos Trabalhadores”.
Sobre trabalho, Marighella diz: “sou mais uma vítima do desemprego que assola o pais
desde o golpe de 2016. Mas aí eu meto minha mola de vender dindim, de vender sanduíche
natural”. Afirma que ia tentar vender em Mangabeira “[...] porque talvez seja melhor, mas por
enquanto é aqui [na UFPB] porque eu consigo associar com as aulas, vender e ir pras aulas
depois”.
Antes mesmo de entrar para a UFPB, Marighella já era frequentador da universidade:
“eu já tinha contato com a UFPB mesmo estudando no Liceu Paraibano eu já cumpria tarefas
aqui. Já cooperava com a campanha pelo DCE, já vinha fazer campanha pela Constituinte, já
era frequentador assíduo da Praça da Alegria [...]”. Diz que conheceu muita gente de outras
escolas que vinha para a UFPB cooperar e fazer algum tipo de militância.
Em 2015 Marighela começou a cursar a licenciatura em Ciências Sociais na UFPB.
Entrou no curso através das cotas, via recorte social. Afirma que optou pelo curso de Ciências
Sociais “[...] por causa da abordagem que ele traz sobre as três ciências que o curso aborda
sobre a sociedade [Sociologia, Ciência Política e Antropologia] e a importância disso na minha
atuação enquanto agente construtor do mundo”.
Como se pode ver, apesar da pouca idade, Marighella tem uma trajetória de militância
e um discurso político coeso. O curso de Ciências Sociais seria um complemento teórico para
muitas coisas que ele já conheceu através da sua militância. Assim, a atuação política no
movimento estudantil da universidade aconteceria naturalmente.
Logo que começou seus estudos na UFPB, Marighella se inscreveu para tentar algum
tipo de auxílio estudantil e não conseguiu. Para ir para a universidade, teve que começar a
trabalhar na informalidade.
requisitos do aluno que já era do segundo, terceiro período era o CRA80. CRA
de quê se eu reprovei no segundo mês da parada? E aí fudeu. De lá pra cá foi
isso.
Ao mesmo tempo que a universidade fascina por ser o espaço das ideias, dos debates e
de uma grande efervescência cultural; é também o local onde suas limitações evidenciam-se na
medida em que nem sempre consegue cumprir o que promete. Logo, para alguns, alcançar o
que ficou no caminho requer um esforço que nem todos estão dispostos a bancar. Marighella
compreendeu isso. Compreendeu também que, ao olhar para a história, é possível ver uma linha
uma linha histórica da militância estudantil na UFPB: “Figuras importantes da sociedade
paraibana e do Brasil atuaram aqui no movimento estudantil, como também inúmeras figuras
que passaram despercebidas”. No entanto, afirma que “[...] a história não é contínua, né? Mas
tem uma continuidade no movimento estudantil, tem gerações que vem atuando”.
Assim como Davi, Marighella se sentiu contagiado pelo clima da vida universitária e
fez das limitações que permeiam o cotidiano acadêmico o combustível para a ação.
Quando eu chego aqui [na UFPB] eu não tinha a noção disso, mas eu sentia o
porquê, porque era muita gente que pensava num mesmo lugar, pessoas que
tavam trocando ideias, que tinham indignações, muitas [dessas pessoas]
organizadas e eu fui imbuído disso também, eu peguei esse fervor pelo
pensar e pelo agir. E nesse processo eu fui conhecendo a realidade dos cursos
com as suas limitações, a falta de biblioteca e o movimento estudantil aqui
[na UFPB], na sua história, na história que eu conheço, ele tá sempre
ligado a isso às pautas mais locais, às pautas mais do cotidiano (Grifo
nosso).
E aqui [na UFPB] é isso. Se você chegar na sala de aula pra falar da assistência
estudantil hoje a maioria das pessoas nem olham, o máximo que elas fazem é
pegar o celular. Agora o professor olha, fazem perguntas. Mas pouco são os
alunos que se interessam. Não tem discurso, não tem nada que você fale [que
faça os estudantes participarem].
80
O Coeficiente de Rendimento Acadêmico (CRA) mede o desempenho acadêmico do estudante em cada período
letivo.
192
Essa dificuldade é real. E Marighella sabe que para romper com a indiferença dos e das
estudantes a pauta estudantil “[...] tem que tá ligado com a vontade comum. Eu não posso chegar
lá e colocar ‘abaixo ao imperialismo’ pra tentar tirar o aluno da sala de aula pra combater o
imperialismo. Não vai afetar ele”.
A leitura que Marighela faz é precisa. A fonte das revoltas dos movimentos está nas
limitações que a sociedade e as instituições criam e que se manifesta no cotidiano das pessoas,
afetando-as na medida que estas limitações se impõem sobre elas.
Muito embora estas limitações tendam a crescer – levando-se em consideração o atual
contexto político, os cortes de verbas para as universidades e a ameaça da privatização – ainda
assim, como nos mostra Marighella, a participação dos estudantes nos processos de mudança é
difícil. Como nos disse em entrevista: “da última vez que a gente conseguiu afetar as pessoas
foi lá... acorrentados”.
Após a entrevista, expliquei que identificaria os estudantes entrevistados por um nome
fictício e perguntei como gostaria que seu nome aparecesse no nosso trabalho. Não pensou duas
vezes: Carlos Marighella.
Virginia Rodrigues
Diferente dos demais estudantes apresentados acima, Virginia não recebe nenhum tipo
de auxílio estudantil. No entanto, em seu caso, para que fosse possível uma politização do
espaço em que vive e em que atua foi preciso romper barreiras que, à primeira vista, pareciam
impossíveis de serem rompidas. Isto se dá uma vez que sua trajetória é marcada por profundos
embates que vão de encontro aos alicerces que antes davam sentido à sua vida – e que de certa
forma ainda dão –, mas que hoje são resignificados por uma nova visão de mundo que se abriu
graças à militância estudantil.
193
Virginia tem 23 anos, é natural do Recife, mas mora no bairro Geisel com os pais. De
forma natural, seguiu a orientação destes que são evangélicos e fazem parte da igreja
Congregação Cristã do Brasil, a qual também pertence. Afirma que desde os 13 anos de idade
que trabalha como voluntária em igrejas cuidando de crianças ou adolescentes e que isso
contribuiu muito para o que ela é hoje.
Virginia diz que “a relação com estudos, por incrível que pareça, não era boa até eu
entrar na universidade”. Afirma que só a partir do primeiro ano do ensino médio que ela
começou a ter interesse pelos estudos e que isto está ligado a um histórico de agressão que teve.
[...] é uma história meio pesada. Pra resumir a questão eu fui agredida todos
os dias por causa dos estudos, pura e unicamente, acho que da primeira série
até o primeiro ano do ensino médio. É uma história meio pesada, mas tem
outras questões também envolvidas.
Neste momento da fala de Virginia preferimos não entrar nos detalhes do acontecido. O
que nos pareceu foi que essas agressões partiram do pai que, curiosamente, não foi citado em
nenhum momento da entrevista. No entanto, apesar do passado trágico, ela, muito bem-
humorada, sorria com as histórias que contava de sua vida e conseguia, até mesmo, ver o lado
positivo desta experiência: “talvez, se isso não tivesse acontecido [...] talvez eu não fosse a
militante que eu sou hoje e talvez não me interessasse pelas causas que me interesso, pelas
pessoas que me interesso”.
Virginia se diz “mulher, militante, evangélica e feminista” e isso não foi algo fácil de
ser aceito por seus pais.
Até hoje minha mãe até aceita, [e diz] “olhe, beleza, você pode ser do
movimento estudantil, tranquilo”. Apesar de ter tido muita guerra no começo.
Agora quando eu falo assim: “não, mãe, é que o feminismo diz isso... que isso
aqui é uma atitude machista, é uma atitude homofóbica”. Pronto, já morreu ali
mesmo pra ela porque ela fica: “isso não é atitude de gente não, Virginia”. E
não sei o quê e já começa toda aquela luta.
[...] Muitas vezes eu já fui chamada de baderneira, já fui chamada de mundana,
que isso não é coisa de crente, tá ligado? De ir para um ato político. Já teve
gente da igreja que me viu tipo com um cartaz gritando palavras de ordem [e
disse]: “ah, eu nunca pensei que lhe veria numa situação dessas”. [No que ela
responde] Que situação? A de estar lutando pelo meu país e pela minha
educação? Pela educação de seus filhos também, né?
No entanto, garante que hoje a relação com eles é boa: “minha mãe é um pouco
conturbada por conta das coisas que aconteceram na infância, mas não é nada como ‘nossa, que
relação péssima’”. Foi através da conversa e do diálogo que Virginia pode afirmar sua vontade
frente à de seus pais que, sendo evangélicos, programavam uma vida não muito diferente da
194
deles para ela. No entanto, “[..] por meio da minha militância eu pude conversar com ela mais
abertamente sobre algumas questões relacionadas a agressão, relacionadas ao feminismo,
relacionada à própria Pedagogia; o que é, qual a diferença do fazer pedagógico na relação”.
Para Virginia, o problemático disso tudo era conciliar o conservadorismo típico de
algumas condutas religiosas com a visão de mundo mais aberto que já possuía.
Como se sabe na igreja tem toda aquela história da repressão, aquela história
tipo: “ah, porque a menina tem que sentar com as pernas fechadas”. E toda
aquela questão que vai bem além disso. Questão ligada a sexualidade, à gênero
e tal. E isso era uma coisa que me incomodava.
Embora tenha sido difícil no começo, Virginia diz que a aceitação por parte de seus pais
de sua posição se deu, principalmente, a partir de conversas diárias: “Porque a militância ela
não se faz somente dentro da universidade. Até porque como é que eu posso me dizer militante
se eu não milito dentro da minha própria casa? Se eu não fizer a diferença também dentro da
minha comunidade? ”. Neste sentido, já vê alguns avanços principalmente quando a mãe “já tá
dizendo por ai que não vai votar, já faz uns cartazes pra ir pros atos. Ela mesmo vai, tá ligado?
Às vezes ele diz: ‘Virginia vai ter ato em tal canto agora, bora?’ [E eu digo] Bora, tudo certo”.
Quando nos concedeu a entrevista, Virginia estava no sétimo período do curso de
Pedagogia da UFPB. Disse-nos que era apartidária, o que não lhe impedia de fazer parte da
gestão do Diretório Acadêmico de Pedagogia. Além disso, milita também no Movimento
Estudantil Popular Revolucionário (MEPR), o que lhe levou a participar do Movimento
Feminino Popular (MFP)81 “que vai tratar da questão do feminismo sem ser a questão do
feminismo burguês. Vai, tipo, fazer uma relação entre o feminismo, questões sociais e também
relacionado a questões trabalhistas. É bem mais amplo que esses outros feminismos que tem".
No D.A de Pedagogia, Virginia atua com as pendencias e solicitações diárias dos
estudantes. Mas não só isso, afirma que tem participado da reformulação do projeto político
pedagógico do curso e que o D.A tem fala em diversas instâncias da universidade como o
Conselho de Centro, o Conselho Universitário (CONSUNI) e o Conselho Superior de Ensino,
Pesquisa e Extensão (CONSEPE).
81
Movimento organizado por mulheres e para mulheres com o objetivo de mobilizar, politizar e organizar as
mulheres trabalhadoras com vistas à participação na luta de classes para a transformação da sociedade e
combate a exploração e opressão vigentes. Cf. https://mfprio.wordpress.com/about/
195
Virginia afirma que tem vários estudantes de Pedagogia que moram na residência
universitária e que tem conhecimento da situação em que se encontra a residência. Por isso
apoiou e participou de alguns atos dos residentes, como a ocupação da reitoria em maio de
2017, por exemplo.
também a Polícia Militar Ambiental. Sabe lá o que ela quis dizer com isso!82
[risos] (Grifo nosso).
Para Virginia a gestão de Margareth é uma “[...] gestão antidemocrática, é uma gestão
que não escuta os estudantes, a reitora ela reprime toda e qualquer ação estudantil, inclusive
com processo. Inclusive ele não teria o direito de colocar processo em alguns casos”. Muitos
estudantes que participam de atos e protestos estudantis na universidade chamam a atenção para
a questão do pouco diálogo, da repressão e punição com processos. Neste sentido, Virginia nos
diz algo que já ouvimos de outros estudantes: [...] falta nela a questão do humano, não só a
questão da administração. Ela tem que perceber que ela está dentro de uma universidade e que
ela tá lidando com pessoas”.
Mesmo com todas as dificuldades advindas da militância, Virginia vê como positiva as
mudanças que ocorreram em sua vida. Afirma que muita coisa mudou “tanto a nível político
quanto educacional”. Mudou também quanto a questão da autonomia e sua visão de mundo:
“me tornei mais politizada, me tornei mais ativa mesmo e tipo isso me trouxe diversos avanços,
inclusive em relação à religião”. Quando questionamos sobre o sentimento que a participação
política desperta nela, Virginia responde:
Carlos Lamarca
“Eu vim aqui pra João Pessoa com R$ 150,00 reais no bolso e mais nada na minha vida”.
Ao vir estudar em João Pessoa com apenas esse dinheiro no bolso, Lamarca sabia que era tudo
ou nada. Natural de Paulista, região metropolitana de Recife, Lamarca teve uma infância e uma
adolescência conturbada. Aos seis anos de idade, perdeu o pai quando este morreu eletrocutado
num acidente de trabalho. Depois disso, sua mãe passou muito tempo em estado de depressão,
o que fez com que ele logo cedo tivesse que se virar para ajudar em casa. “Então, eu com seis
anos de idade eu tive que aprender a cozinhar, a dar um jeito na casa... assim comecei a fazer
algumas coisas porque ela não fazia, não tinha forças pra fazer”.
82
Neste momento Virginia faz piada com a situação uma vez que a Polícia Ambiental lida com questões ligadas
ao meio ambiente e com animais.
197
Revisitando a memória, Lamarca fala que tem pouca lembrança da convivência com o
pai, uma vez que ele trabalhava de segunda à sábado e só tinha tempo com ele no domingo. A
relação com a mãe foi melhor e mais próxima, até ela arranjar outro companheiro. Diz que a
relação com o padrasto é extremamente difícil e que a mãe vive uma relação abusiva, mas que
ele pouco pode fazer. “Eu acho que, na verdade, a minha vinda pra João Pessoa não foi nem a
vontade de estudar, sendo bem sincero, foi mais um meio de fugir daquilo porque eu ia afundar
na minha relação com o meu padrasto. Ele é militar, tá ligado?”.
Hoje a relação com o padrasto está melhor, uma vez que não mora mais com ele: “Então,
quando eu chego lá eu sou visita”, ou seja, não se demora muito. Quando se reestabeleceu em
uma nova relação, a mãe de Lamarca agregou à família os dois filhos do seu companheiro. Hoje
ela é pensionista do INSS e recebe um salário mínimo.
Em 2009, a família de Lamarca foi tentar a vida em São Paulo. O padrasto, que também
é músico, viu uma oportunidade de viver por lá. Moraram em Mauá e depois se mudam para
São Bernardo dos Campos. Passam poucos anos em São Paulo e retornam de vez para
Pernambuco para morar na Ilha de Itamaracá. Ao lembrar do período afirma: “eu sei que essa
minha ida pra São Paulo atrapalhou e muito na minha vida dos estudos”.
Em 2010, teve o primeiro contato com a militância no movimento secundarista do
grêmio da escola, que era ligado a UJS. Participou do primeiro congresso estudantil da UBES,
no Rio de Janeiro, onde passou 3 dias na UFRJ como representante de sua escola. Depois
começou a frequentar as reuniões do PCdoB, pois a UJS era na sede do PCdoB em Pernambuco.
Diz que foi aí que começou a ver algumas contradições:
Claro que todo partido político vai ter umas contradições, mas aquelas do
PCdoB começaram a me incomodar. [...] Tipo... a estética que bate de frente
com o discurso. Um discurso tão bonito de luta de classes e... Enfim, primeiro
que era um partido comunista do Brasil e nem falava em comunismo dentro
do partido. Pra você ouvir falar em Marx ali dentro custava, viu. Custava.
Segundo Lamarca, “a juventude do PCdoB era tratada como lixo”. Afirma que não era
filiado a UJS e nem ao PCdoB, “mas construía junto”. Antes da campanha para presidente, em
2014, ele e um amigo começaram a se aproximar do PT. “Ele [o amigo] era oriundo do Ocupe
Estelita e das Jornadas de Junho de 2013 e eu vindo do PCdoB. [...] De lá pra cá eu vinha
construindo com o PT e aqui foi que eu dei uma parada”. Segundo Lamarca, se afastou “por
questões logísticas”. No momento da entrevista nos disse que não milita em nenhum movimento
ou coletivo: “depois da greve de fome, nada”.
198
[...] é muito doido porque não tem estrutura, né? Acho que é uma sala de cinco
metros quadrados é bem pequenininha mesmo. Tinha um colchão que era onde
eu dormia e quando eu acordava eu tinha que colocar por trás do armário
porque tinha o espaço, né, que a galera usava e estrutura não tem, né? Eu não
podia guardar nada, não tinha uma geladeira. O banheiro era o banheiro que
todo mundo usava, não tem como estudar direito aí dentro do CA, era um
ambiente que sempre tinha muita gente. E daí o meu rendimento começou
a cair é impossível não cair. Já complicou porque com dois meses de aula
começou a greve dos professores em 2015, foram cinco meses de greve. Então
já houve uma lacuna no meu estudo e quando voltou eu já não tava mais
preparado e eu já tava morando no CA então daí foi só decaindo o meu
rendimento (Grifo nosso).
Sem ter outra opção, Lamarca morou no C.A por nove meses, de junho de 2015 à março
de 2016. Neste período, almoçava no RU e lavava as roupas na lavanderia da residência
universitária. Só saiu do C.A após a greve de fome – da qual participou como um dos quatro
estudantes acorrentados –, momento em que passa a receber o Auxílio Moradia.
Lamarca só voltaria a receber o auxílio em dezembro de 2016, quando houve uma troca
do Pró-Reitor e seu nome foi incluído na folha de pagamento. No entanto, nos meses que passou
sem receber o auxílio, precisou da ajuda de amigos para cumprir um contrato de aluguel de um
ano, no valor de R$ 480,00 reais, que tinha dado início.
Aí eu comecei a pedir a um monte de gente, a galera foi ajudando de
pouquinho e pouquinho e tal, minha mãe não tinha como me ajudar e foi mais
o pessoal assim. E no segundo mês eu comecei a fazer outra coisa, comecei a
voltar pro sinal por que antes eu ficava vendendo zine no sinal, umas poesias
que eu fazia e tal pra conseguir me manter, mas esses cinco meses foi bem
complicado.
sei exatamente o que as pessoas esperam ganhar com isso e eu também não sei se eu continuo
tendo instiga de tentar fazer alguma coisa porque, sei lá, eu acho que eu me desgastei tanto
nesses três anos que eu tô aqui que não sei se vale a pena não”. Diversos estudantes nos
relataram a questão do desgaste que o ME causa naqueles e naquelas que se aventuram na
militância.
No começo do período de 2018.1, Lamarca nos conta que foi procurado por estudantes
que estavam reclamando das catracas que foram colocadas no RU do câmpus I da UFPB. Os
que reclamavam eram aqueles e aquelas que estavam comendo no RU antes da catraca. E como
muitos estudantes não conseguiram o benefício do auxílio para almoçar no RU, depois das
catracas, ficaram impossibilitados de ter acesso ao restaurante.
E o pessoal não fez nada assim só aceitou. E eu fiquei muito doído com isso,
eu fiquei bastante triste, na verdade. Eu disse Poxa! Porque que quando o
negócio aconteceu em 2015 pra 2016 a gente teve essa atitude de gritar, de
fazer alguma coisa. Véi, tem um monte de gente que precisa comer. Essa
galera tão fazendo o que pra comer? Porque que essa galera não chega lá e
invade?
Nas experiências que eu tive: raiva, dor, desespero, sensação de perda. Essa
coisa assim porque eu acho que quando mexe com o nosso emocional tão
forte assim é “ou vai ou racha”, sabe? Eu acho que quando não tem isso... não
que seja uma coisa boa, necessariamente, mas eu acho que quando não
acontece alguma coisa que dá esse sopapo na gente, a gente leva essa tapa
assim “acorda!” as coisas ficam muito vazias (Grifo nosso).
“Raiva, dor, desespero e sensação de perda”. Estes são alguns dos sentimentos que,
como sugere Lamarca, mexem por dentro e dão o sopapo necessário para despertar para a real
situação. É o momento em que o estudante “acorda”, ou, como se diz no senso comum, é o
201
momento em que “a ficha cai”. Depois disso, resta a decisão, seja pela permanência ou pela
desistência do curso superior.
A decisão pela primeira opção requer, para alguns, algo de difícil empresa que é romper
o isolamento e, mais que isso, requer a associação com outros que se encontram na mesma
situação; coisa que, para alguns, é algo natural dada sua trajetória de militância precedente. Já
a decisão pela segunda opção não é menos difícil.
No momento da entrevista, Lamarca nos falou que estava morando no bairro do Castelo
Branco com a companheira. Depois de cursar cinco períodos do curso de Ciências Sociais,
mudou para o curso de História no qual estava cursando o primeiro período. Disse que depois
de “[...] tanta paulada que levou da universidade não conseguiu mais seguir com o curso,
criando uma espécie de trava”. Se mantém com o Auxílio Moradia e produz, junto com a
companheira, uma cachaça artesanal que vende na noite, nas tocadas de coco de roda. “É o que
segura a gente por fora do Auxílio Moradia”.
*****
Como pudemos ver através da biografia e da experiência concreta dos e das estudantes
acima, há uma parte da vida acadêmica que nem sempre se mostra, que não está visível porque,
nos corredores das universidades, cruzamos com pessoas e não com seus problemas
particulares. Contudo, quando estes problemas deixaram de ser vistos apenas como algo
individual, estavam dadas as condições para o surgimento de uma matriz discursiva capaz de
ordenar os enunciados dispersos que evidenciavam as situações de precarização.
Assim, emerge um novo sujeito político que passa a atuar através de movimentos de
pressão que irrompem o cotidiano acadêmico politizando este espaço ao qual o estudante de
origem popular passou a pertencer e do qual ele se sente parte integrante.
202
83
Cf. Anexo H, p.273
204
um guarda aqui [disse o nome do guarda] que ele não sabe a diferença entre uma porta e um ser
humano [...]”.
Claudio conta que durante um momento da festa, que prosseguiu por toda noite, ele
discutiu com este segurança que não estava gostando da agitação e impedindo os estudantes de
entrar na universidade. No outro dia, pela manhã, quando todos já tinham ido “[...] eles vieram
e começaram a me espancar aqui dentro [do C.A de Filosofia], os guardas da universidade. Eles
eram acho que seis nessa hora. Eu tava sozinho”. Claudio chegou a ser preso e a responder
processo, mas preferiu não levar o caso a diante. A violência deste episódio, juntamente com
outros, fez com que os estudantes passassem a denunciar os casos de abusos de autoridade da
segurança da UFPB e a cobrar providências.
resolver à curto, médio e longo prazo. Uma aluna criticou a formação de comissões que não
dão em nada e propôs um seminário de assitência estudantil que fosse aberto.
Foi proposto também por outro
estudante uma melhor gestão dos recursos
do Restaurante Universitário e medidas
urgentes para se resolver o problema da
comida do R.U. Outro ponto que também
foi citado foi a questão de uma maior
transparência em relação aos valores
destinados à assistência estudantil.
Thompson se comprometeu em conversar
com o superintendente do R.U para cobrir
as necessidades de acesso ao restaurante. Propôs abrir o restaurante mais cedo e fechá-lô mais
tarde para atender à todos e que a empresa garantisse as 2.200 refeições.
A reunião prosseguiu com a discussão de outros pontos da pauta. Em dado momento,
foi enfatizado a necessidade da abertura da Reitoria para acesso dos funcionários. Thompson
propôs reestabelecer os serviços no prédio e propôs outra reunião para o dia seguinte no
auditório da Reitoria às 15h30. Posteriormente, os estudantes deliberaram pela desocupação do
espaço pondo fim a ocupação que durou dois dias. O fim do ato era também uma forma de se
evitar o desgaste com outros setores da universidade como funcionários e professores, uma vez
que a permanência na Reitoria acarretaria atraso no pagamento da folha.
João Batista lembra que “o Auxílio Moradia não estava abarcando todas as pessoas que
tinham necessidades, tinha pessoas que vinham de outras cidades, pessoas pobres e não estavam
conseguindo o auxílio. [...] Daí o auxílio começou a atrasar em 2014”.
O atraso no pagamento do Auxílio Moradia era um problema que precisava de solução,
mas, neste momento, a dificuldade era reunir os estudantes afetados para discutir o assunto e
dar algum encaminhamento. João Batista relatou, à época, a dificuldade para “encontrar pessoas
que também têm auxílio moradia para ir reivindicar”. Compara essa situação com a dos
estudantes residentes: “[...] eles moram em quartos próximos um dos outros, marcam reunião,
discutem a pauta e vai reivindicar. A gente não, a gente tem mais dificuldade, a gente fica mais
separado”.
A criação de um grupo virtual no Facebook entre os estudantes que estavam recebendo
o Auxílio Moradia ajudou a criar um vínculo entre eles. O grupo chamado “Bolsista Auxílio
Moradia” passou a socializar as informações sobre a assistência estudantil na UFPB. Através
dele eram divulgadas informações a respeito do pagamento dos auxílios, os atrasos no repasse
das verbas, além de ajudar na auto-organização dos e das estudantes e no encaminhamento das
ações.
Daí a gente foi na reitoria, saber o que aconteceu e eles colocavam a culpa no
MEC que não repassou o dinheiro e tal e a gente queria saber o que podia ser
feito. [...] De 2015 pra 2016 o processo seletivo do auxílio chegou a demorar
mais de 1 ano pra sair o resultado e passou mais de um ano sem chamar
ninguém e o pessoal tinha que estudar, tinha que pagar as despesas. Em 2016
a coisa ficou mais intensa e a gente começou não só ir na reitoria, mas se
manifestar com cartazes (João Batista, mestrando em Psicologia, UFPB).
Após encontrar os estudantes no Centro de Vivências da UFPB, passamos a acompanhar
toda a preparação para o ato, da confecção dos cartazes até a ida do grupo à reitoria em protesto.
Lembro de ter questionado João Batista se eles chegaram a procurar o apoio do DCE e na
ocasião ele nos confessou que o DCE não apoiaria o ato. Posteriormente, em entrevista, João
Batista nos deu a seguinte declaração:
A fala de João Batista nos revela a perda do elo representativo da instituição política
maior de representação dos estudantes na universidade com os próprios estudantes; ou, ao
208
menos, com uma parcela significativa deles. O não acolhimento pelo DCE da demanda dos
estudantes pelo Auxílio Moradia evidencia a dificuldade destes estudantes – não iniciados na
militância estudantil – de criar vínculos políticos e conseguir apoios para sua demanda.
Voltaremos a este ponto mais à frente.
Contando apenas consigo mesmos, os estudantes, auto-organizados, adentraram a
reitoria com os cartazes recém confeccionados ao alto e gritando palavras de ordem. Depois de
percorrer alguns corredores do local, conseguiram marcar uma reunião com os gestores da
PRAPE para o horário da tarde. Na ocasião, foram apresentadas 12 pautas de reivindicação.
Toda a pauta foi discutida ponto a ponto entre os estudantes e os gestores da PRAPE.
Acompanhamos toda a reunião. Era perceptível a descrença dos discentes em relação às
explicações dadas pelos gestores. A rispidez na fala de alguns estudantes se dava em razão da
descrença nas “respostas institucionais”. No nosso caderno de campo, anotamos a seguinte
passagem: os estudantes dizem que os burocratas da Reitoria agem como se estivessem
representando num teatro.
A questão era urgente. Os atrasos no repasse do Auxílio Moradia ocasionavam,
consequentemente, atrasos no pagamento dos aluguéis dos estudantes e toda uma série de
dificuldades. Segundo João Batista, “quando o dinheiro do Auxílio [Moradia] atrasa, demora
muito e passa um mês sem vir a gente vai pagar multa de aluguel, vai atrasar várias contas; vai
pagar multa de água, luz, internet, comida... vai faltar dinheiro pra comprar comida”.
Depois dos protestos, a tendência é de que à curto prazo as coisas se estabilizem. No
entanto, a persistência do problema acaba desembocando em outros movimentos
reivindicatórios maiores. Foi este o caso da greve de fome.
Às 8h da manhã do dia 23 de
fevereiro de 2016, quatro estudantes da
UFPB deram início a uma greve de
fome tendo como pauta de
reivindicação a assistência estudantil.
Após algumas tentativas anteriores de
diálogos frustrados entre estudantes e
gestores da universidade – assim como
a persistência dos problemas ligados à
assistência –, João Batista (Psicologia),
Carlos Lamarca (Ciências Sociais), Davi Nascimento (Serviço Social) e Carlos Marighella84
(Ciências Sociais) decidiram se acorrentar em frente à rampa que dá acesso ao prédio da reitoria
da UFPB e deflagraram a greve de fome.
84
Reiteramos que optamos em preservar a identidade dos estudantes, portanto, estes são codinomes.
210
O estopim que motivou a greve de fome foi a divulgação, com um ano de atraso, da lista
de aprovados na assistência estudantil, na categoria Auxílio Moradia, de 2015.1. A lista
continha 150 aprovados num universo de cerca de 600 estudantes que esperavam pela
divulgação dos resultados85. Vejamos como tudo ocorreu através do relato de seus principais
protagonistas.
No dia que seria divulgada da lista dos beneficiados com o auxílio, Marighella, Davi e
Lamarca esperavam juntos a publicização do resultado. A expectativa era grande, uma vez que
a continuidade de seus respectivos cursos na universidade estava condicionada à obtenção do
auxílio. Davi relata a sua reação ao ver que nenhum deles tinham sido contemplados:
[...] Daí eu olhei assim e disse: eu faria uma greve de fome só pra poder fazer
esse povo aqui pensar no que eles tão fazendo com a gente. Aí um amigo do
Rio de Janeiro, lá da UFRJ, olhou pra minha cara assim e falou: “Davi você
tá falando sério?”. Eu: “Oxe, eu tô falando sério. Quer saber de uma coisa, eu
vou fazer a greve de fome”. Vamos embora, Lamarca? – aquele rapaz que
você conheceu ontem. Bora, Lamarca, você pira? Piro! Vambora. Aí o
Marighella – você conhece o Marighella? Vambora, Marighella? Vambora
também. Então é isso. Vamos ali agora na Praça da Alegria chamar quem
quiser pra fazer uma reunião no centro acadêmico agora pra fazer nossa carta
de protesto, de manifesto pra poder começar já movimentar isso aqui (Davi,
estudante de Psicologia).
Lamarca lembra que ficou revoltado com a divulgação da lista. “Isso é engraçado porque
foram mais de 800 pessoas inscritas86, então como é que 800 pessoas se inscrevem e 150
pessoas são contempladas com um ano de atraso? Já era a segunda entrada de estudantes”.
Lamarca concorda que foi Davi quem propôs a ideia da greve de fome.
Daí eu lembro que a gente ficou bem mal, peguei a comida, mas não consegui
comer. Daí quando a gente saiu do RU eu lembro que Davi disse: “Não, bicho.
85
Cf. ANEXO I – Nota dos estudantes sobre a greve de fome, p.274.
86
Os estudantes divergem quanto o número exato, situação compreensível quando se recorre à memória.
211
Eu não vou aceitar isso não. Amanhã eu vou lá na Reitoria, vou fazer barulho
lá não sei o quê. Vou me acorrentar na frente do gabinete da Reitora”. Aí
Marighella disse: “Oxe, eu me acorrento também”. Aí eles olharam pra minha
cara e disseram “e aí, tu vai se acorrentar também?”. Aí eu disse: “rapaz...”.
Aí eu fiquei meio pensativo, mas eu pensei: “véio, eu tô há um ano aqui já
não tenho mais nada a perder eu vou. Se deu, deu, se não deu...”. Eu não
ia ter como me manter aqui mais tempo. Já não tava aguentando mais ter
que pedir, quando não tinha RU nos finais de semana, ter que pedir comida
nos restaurantes ao redor porque senão não ia ter o que comer.
De oito horas da manhã do dia seguinte [à divulgação dos contemplando com
a assistência] a gente já tava acorrentado lá. A última refeição que a gente fez
foi no café da manhã no dia que começou a greve de fome lá na reitoria (Carlos
Lamarca, grifo nosso).
João Batista se juntou aos grevistas um dia depois dos outros três estudantes terem dado
início à greve de fome.
Eu não sabia que isto ia acontecer, mas eu fiquei sabendo na noite anterior.
Eles mandaram uma mensagem no grupo do Facebook [Bolsista Auxílio
Moradia] no qual a gente tenta se articular e fizeram manifesto, entregaram
algumas cartas e divulgaram isso. E tinha algumas pessoas que ficaram de dar
uma assistência, levar água etc. [...] Eu fiquei sabendo que os meninos
estavam lá, eu cheguei lá por volta das 10h30, 11h00. Eu conhecia de vista
um [deles] que era o Lamarca, mas não tinha vínculo de amizade. Aí sentei
pra conversar com eles e perguntei se eu podia me acorrentar também.
Lamarca riu, achou engraçado e perguntou: “mas tu não tem que estudar, tu
não tem outras coisas pra fazer?” Obviamente eu tinha, como eles também
tinham, mas eu... já tinha passado fome na minha vida e eu imaginei que
ninguém faz isso porque é diversão ou quer aparecer. Ninguém arranja
namorada porque fez greve de fome, não acontece, não é uma coisa comum...
“não, eu vou me sacrificar alí pra virar um herói”. Na verdade, foi um ato de
desespero porque a reitoria não tava se comunicando com a gente. Isso
vinha desde 2014, essa dificuldade. Se intensificou de 2015 pra 2016 e em
fevereiro de 2016 foi que teve o estopim (João Batista, mestrando em
Psicologia, UFPB. Grifo nosso).
Havia ainda um quinto grevista. No entanto, uma gastrite detectada uma semana antes
o fez recuar da ideia. Rogério afirma que “o plano era nós cinco nos acorrentarmos, só que eu
tava com início de gastrite na época e isso poderia piorar mais a minha situação”. Mas, falou
para os outros: “estamos juntos”.
Segundo João Batista, “os primeiros dias foram os mais difíceis, os primeiros quatro
dias”. Após decidir participar do ato, ele afirma que pesquisou no celular “quanto tempo um
ser humano dura fazendo greve de fome”. Viu na rede que era cerca de 19 dias sem que haja
prejuízos permanentes. No que ele pensou: “Dezenove dias tá tranquilo. É tempo [suficiente]
da reitora se comover”. Contudo, os dias que estavam por vir mostrariam que não seria bem
assim.
Davi narra o momento em que recebeu uma ligação de sua mãe durante a greve de fome.
Quando eu estava na greve de fome, no sexto dia ela me ligou: “Davi, o que
você está fazendo aí? Eu acabei de receber a notícia na televisão, você tá
maluco?” Aí eu: “mãe, é isso tem que ser assim”. E ela: “eu sei disso, eu sei.
Mas, olha, força, se eu estivesse aí eu iria fazer a greve de fome com você.
Mas fique aí, sua família está toda aqui...”. Eu me emociono muito, porque
você ouvir isso da sua família é muito bacana, sabe? Enquanto, por exemplo,
pessoas que estavam lá comigo a família ligou também e disse: “ei, você está
humilhando a família, você está envergonhando a família”, sabe?! Um outro
tipo de processo, de pensamento a cerca disso (Davi, estudante de psicologia).
213
A decisão pela greve de fome foi tomada no calor da hora, de um dia para o outro, sem
um maior amadurecimento da ideia e de como se daria a ação e, principalmente, impulsionado
pelo sentimento de injustiça. Como disse João Batista mais acima: “[...] foi um ato de desespero
porque a reitoria não tava se comunicando com a gente”.
Fruto de uma decisão
apressada, não houve muito tempo
para planejamento. No entanto, a
ideia era aproveitar o momento da
divulgação da lista e expor os
problemas relativos à assistência aos
estudantes da UFPB.
Horas depois, foi se formando
um grupo de estudantes para dar
apoio aos quatro grevistas. Esse
grupo foi crescendo e através do
boca-a-boca e do uso das redes
sociais, em pouco tempo, toda a
universidade já sabia da greve de
fome. Foi criado um grupo Facebook
chamado Greve de Fome UFPB87
para publicizar as ações, denunciar a
falta de diálogo, os problemas
relativos à assistência estudantil e a
necessidade de se discutir em conjunto – gestores e estudantes – essas questões.
No dia 25 de fevereiro de 2016, os estudantes auto-organizados lançaram nas redes
sociais a primeira nota (imagem ao lado). Nela, destaca-se o montante do alunado da UFPB
(40.000 estudantes) e a dependência de parte desse alunado de políticas de permanência na
universidade. Ressalta também que a quantidade dos estudantes contemplados na lista (150) é
bem inferior ao número dos estudantes que solicitaram o auxílio (600) e que são pessoas vindas
de outros estados – assim como os estudantes em greve de fome88.
87
Dois anos após a greve de fome, ainda é possível acessar a página no Facebook que foi mantida pelos
estudantes e tem sido usada para divulgar atos, reuniões, repasse de informações, vídeos etc. ligados ao ME, aos
movimentos sociais e à universidade.
88
Exceto Carlos Marighella que é de João Pessoa e se juntou ao grupo em solidariedade.
214
Além da problemática da
assistência estudantil, os estudantes
criticam também a terceirização do RU, os
cortes de bolsas da Pós-Graduação e
iniciação científica entre outros. Pedem
ainda uma reunião com a reitoria para
discussão dessas questões e finalizam a
nota com a frase: "pelo fim da
precarização da universidade".
Na página do grupo no Facebook
eram divulgadas também notas sobre o
estado de saúde dos grevistas atualizadas quase que diariamente. Após a decisão pela greve de
fome, o tempo se tornou o maior inimigo dos quatros grevistas: “Nossa, eu passei mal demais.
No primeiro dia quando deu de madrugada, que a fome bateu, eu pensei assim: “Meu Deus do
céu, o que é que eu estou fazendo? O QUE É QUE EU ESTOU FAZENDO?”, repetiu Davi de
forma enfática.
Para além das dificuldades
inerentes à situação de uma greve de fome
houve também a incompreensão de parte
do alunado: “Aí você se pega na situação
de passar aluno e falar mal do espaço e,
enfim, botar você pra baixo... nossa
senhora! E é estranho como nós tivemos o
gás de continuar lá mesmo com o povo
falando: ‘eu vou fazer um churrasco aí na
frente de vocês’ (Davi, estudante de
psicologia).
Por outro lado, a página criada no Facebook se tornou o principal meio de comunicação
e publicização do protesto estudantil, o que permitiu a adesão e apoio de muitas pessoas.
Constantemente eram divulgadas informações acompanhadas das hashtags
#QuemTemFomeTemPressa, #GreveDeFomeUFPB, #AssitenciaEstudantil, #OcupareResistir,
#AssistenciaEstudantil e #QuemTemFomeTemPressaUFPB.
215
Logo, o grupo virtual “Greve de Fome UFPB” atingiu um grande número de seguidores
de todas as partes do Brasil89 que passaram a acompanhar o protesto dos estudantes da UFPB.
Desta forma, a adesão ultrapassou o âmbito local, a comunicação em rede deu visibilidade ao
movimento. A quantidade de curtidas e compartilhamentos das postagens e as mensagens de
apoio aos estudantes mostram que a página foi uma ferramenta importante de comunicação.
Dezenas de notas de apoios foram divulgadas na página, a maioria de entidades ligadas
à universidades da Paraíba e do Brasil. Os apoios vieram, em grande parte, de Centros
Acadêmicos e Diretórios Acadêmicos; Executivas Nacionais de diversos cursos; coletivos e
movimentos sociais; notas de apoios de associação de professores, de sindicatos, de
departamentos de cursos da UFPB e outras universidades; Diretores de Centro e do Centro de
Referência dos Direitos Humanos da UFPB.
Horas depois de ter deflagrado a greve de fome, os quatro grevistas acorrentados já
contavam com um grande número de estudantes apoiando a iniciativa direta e indiretamente.
Estudantes independentes, assim como estudantes ligados à diversos coletivos, grupos e
partidos políticos se somaram em apoio. Assim, para garantir a horizontalidade foi colocado
em prática a criação de comissões que agregavam os estudantes por atividades (comissão de
estrutura, comunicação, jurídica, segurança, alimentação, limpeza, cultural etc.). No tocante a
tomada de decisões, procurou-se manter a horizontalidade das falas nas discussões em plenárias
com o formato: coordenação, facilitação e relatoria. Assim, abria-se as inscrições para fala e as
questões eram colocadas e debatidas com vistas à deliberação da pauta.
A pauta
89
Até a conclusão da pesquisa a página “Greve de Fome UFPB”, do Facebook, contava com mais de 5.000
curtidas.
216
No dia 29 de fevereiro de 2016, os estudantes divulgam uma pauta mais completa com
reivindicações a serem atendidas a curto e médio prazo. Esta última pauta, mais detalhada, foi
fruto de reuniões e debates entre os estudantes sobre a assistência estudantil na UFPB.
Destacamos a seguir os principais pontos.
Um novo modelo de acesso ao RU, com a participação de entidades estudantis para sua
formulação;
[...] implantação de uma política local que garanta que 30% dos alimentos sejam
comprados de produtores agroecológicos [...];
Abertura de novo pregão para a construção e consequente abertura do RU II no final do
período letivo 2016.1;
Expansão no número de funcionários da Creche Universitária para que se possa atender
todas as mães e pais estudantes e servidores da UFPB.
90
Novatos.
217
Residência Universitária
Indicação dos membros que integrarão a Comissão de Seleção dos candidatos a novos
residentes e renovação para manutenção dos atuais pela coordenação da residência.
Auxílio Moradia
Enquanto as tentativas de
diálogos não se concretizavam, os
estudantes organizaram diversas
atividades culturais e debates em que
puderam contar com o apoio do corpo
docente e discente da UFPB além de
artistas e demais apoiadores do ato.
Durante todo o período da
greve de fome, a Comissão de Cultura
agendou uma programação que contou com apresentações musicais, oficinas de fanzine,
exibição de vídeos e debate, aulas
públicas, teatro, pockets shows etc.
A participação de diversos
artistas no local da greve de fome
ajudou a fortalecer a causa dos
estudantes. Os eventos eram
registrados e amplamente divulgados
e compartilhados nas redes sociais.
218
O diálogo difícil
À medida em que a greve se tornava notícia fora dos muros da universidade, aumentava
a pressão por uma resposta em relação à situação dos estudantes em greve e em relação à
assistência estudantil na UFPB. Na página do grupo no Facebook, eram divulgadas notas
denunciando que as respostas dadas pela reitora à mídia não correspondiam com a verdade. No
dia 24/02/2018 os estudantes entregaram ao Vice-Reitor a pauta completa com todas as
reivindicações do grupo. Em resposta, no dia 26/02/2016, a Reitoria lança uma nota91 sobre os
pontos da pauta apresentada por manifestantes.
A nota iniciava dizendo que o Vice-Reitor em exercício foi procurado por cinco
representantes do grupo de manifestantes e prosseguia dizendo:
[...] O grupo, após redigir o documento, declarou que havia decidido que
apenas entregaria o texto na rampa de acesso à Reitoria. O Vice-Reitor foi ao
encontro do grupo e por volta das 10h recebeu o documento intitulado: Quem
tem fome tem pressa!!
A equipe do Reitorado foi então convocada para análise do teor das
reivindicações apresentadas em reunião que durou até às 18h, quando duas
Pró-Reitoras dirigiram-se à rampa e convidaram os manifestantes para o
Gabinete da Reitoria, visando o pronunciamento oficial da instituição, sobre
os 23 pontos pautados no documento entregue. Os manifestantes recusaram o
convite (Nota da Reitoria em resposta à pauta dos estudantes).
91
Ver nota completa nos anexos, p. 275.
219
segunda lista foi publicada nesta sexta-feira (26/02), no site da Prape, e deverá contemplar mais
108 estudantes. Desta forma, toda demanda qualificada, ou seja, 100% dos requerentes aptos”.
A nota da Reitoria prossegue comentando cada ponto da pauta dos estudantes.
Por sua vez, os estudantes lançam, um dia depois, uma nota de repúdio à resposta
apresentada pela Reitoria. Afirmam que “a proposta apresentada pela reitora é resultado de uma
análise a portas fechadas e sem diálogo com estudantes”. Apontam ainda que a então gestão “é
marcada pela ausência de diálogo com estudantes, sempre agindo de maneira autoritária e
desrespeitando as organizações estudantis”. Sobre o documento apresentado afirmam que este
“não apresenta respostas concretas, conclusivas e que atendam de fato a cada uma das
reivindicações exigidas. Contém soluções evasivas e números que não refletem a realidade do
cenário universitário, que é de precarização e sucateamento do ensino e assistência
estudantil” (Nota de Repúdio dos estudantes, grifo nosso).
Na tentativa de ampliar os canais de diálogo, os estudantes auto-organizados, através da
Comissão Jurídica do coletivo Greve de Fome UFPB, protocolaram, no dia 01/03/2016, uma
representação no Ministério Público Federal e na Defensoria Pública da União com a pauta de
reivindicação do movimento grevista. A estratégia era ampliar as chances de diálogo com a
Reitora e com a PRAPE trazendo para o campo do conflito outros atores que pudessem
intermediar a conversa entre os estudantes e a Reitoria.
A Defensora Pública, Diana Andrade, que já tinha sido procurada outras vezes pelos
estudantes para intermediar conflitos anteriores, esteve no local da greve de fome e atuou na
mediação do conflito entre estudantes e universidade.
Os estudantes insistiam em negociar diretamente com a Reitora e sua equipe. E mais: se
negavam a negociar em gabinetes e salas à portas fechadas, uma vez que este tipo de negociação
já havia sido feito outras vezes e, segundo os estudantes, não trouxeram resultados satisfatórios.
Assim, pretendiam com isso manter a dinâmica da organização coletiva que já vinham pondo
em prática entre eles de forma que fosse quebrada qualquer hierarquia entre os atores
envolvidos no conflito.
Desta forma, os e as estudantes auto-organizados insistiam que a negociação
acontecesse no local da greve de fome e que todos os atores envolvidos pudessem participar
através das inscrições das falas. O estranhamento dessa nova sociabilidade – que exigia por
processos mais horizontais de negociação – fez com que os gestores da universidade insistissem
num diálogo “à moda antiga”, mas sem sucesso.
Desfecho
220
A luta desses estudantes pela assistência estudantil na UFPB não é nova. Ela está
conectada com diversas experiências de luta no campo político do movimento estudantil da
Paraíba. Basta lembrar da greve de fome que ocorreu no início dos anos 1980 na UFPB quando
um grupo de estudantes protestaram contra a cobrança de taxas e contra o fim dos subsídios no
Restaurante Universitário. Um dos participantes da greve de fome de 1984, o jornalista Ednaldo
Alves publicou um texto na época da greve de fome de 2016 em que fala das lutas estudantis
de sua época e das atuais.
[...] Entre os anos de 1984 e 1986, estive junto com a luta de minha geração
em defesa do ensino público e, por mais de uma vez ocupamos a Delegacia
do MEC, Fundação José Américo, Reitoria, Restaurante Universitário e
tomando às ruas em protestos, enquanto vários colegas faziam uma GREVE
DE FOME (lembro dos então estudantes Chico César, Wagner Spagnul,
Magal, Chico Viola). A pauta? ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL. Era a luta
contra a cobrança de taxas e contra o fim dos subsídios, era a luta contra a
criação dos tais critérios de carência, era a luta pela gratuidade plena do ensino
público.
A transformação de lutas sociais em casos de polícia e a judicialização da
gestão universitária também não nos era novidade. Enquanto o bafo da
ditadura ainda estava no cangote da administração, dezenas de colegas
estudantes foram denunciados na Polícia Federal por “vandalismo”, “cárcere
privado”, “invasão de prédio público” e, ameaçados de enquadramento na
famigerada Lei de Segurança Nacional (a matrona da atual Lei “antiterror”).
222
João Batista afirma que a pergunta que mais ouviu durante a greve de fome foi
“[...] o porquê de eu estar fazendo aquilo, por que você faz isso, sacrificando
seu corpo por conta de um auxílio moradia? Daí minha resposta era que a
gente já estava sacrificando nosso corpo aqui dentro da universidade
passando fome, a fome tá sendo representada aqui [na greve de fome] pra
ser visível, mas a fome ela existe na universidade não só com quatro
pessoas, tem centenas de pessoas aqui pobres que não tem o que comer e
nem onde morar. É fome, é fome, frio, humilhação, tem gente se prostituindo
pra poder continuar no curso pra realizar um sonho que não é só dele, é
gente que é o primeiro da família que entrou num curso de graduação”
(João Batista, mestrando em Psicologia, UFPB. Grifo nosso).
92
Cf. http://www.polemicaparaiba.com.br/entretenimento/o-que-mudou-tres-decadas-da-ultima-greve-de-
fome-na-ufpb/
223
93
A ideia por trás da “reorganização” era dividir os estudantes das escolas públicas paulista por ciclos, numa clara
tentativa de reduzir o número de escolas e os gastos com a educação. O projeto foi amplamente rejeitado tanto
pelos estudantes quanto por seus pais, uma vez que faltou, à época, transparência e diálogo com todas as partes
interessadas sendo em pouco tempo suspenso.
224
com a universidade aberta. Dá pra compreender esse paralelo do que antes era necessidade e
qual foi que se tornou”.
Em uma conversa com um dos estudantes que participou da ocupação, ele nos disse que,
no caso da UFPB, a ocupação foi mais um ato simbólico que qualquer outra coisa, tendo em
vista que a ocupação do Centro de Vivência – uma área aberta e longe das salas de aulas – não
interrompeu as atividades da universidade. Assim, a ideia dos estudantes ocupados era
promover o debate sobre os impactos negativos da aprovação da PEC 55 para universidade e
pressionar o corpo docente e discente rumo a uma greve geral. A proximidade do fim do período
letivo naquele ano também foi um fator que enfraqueceu a ocupação.
Muito embora as ocupações das universidades em todo o Brasil não tenham tido a força
suficiente para barrar a aprovação da PEC 55, elas foram importantes uma vez que conseguiram
demonstrar certa capacidade organizativa e de articulação dos estudantes à nível nacional.
Carina Vitral, então Presidente da UNE, escreveu à época que "uma mobilização tão grande e
unificada só teve precedente durante o governo neoliberal de FHC, há mais de 15 anos atrás,
que encontrou no movimento estudantil um dos seus principais pontos de resistência"
(VITRAL, 2016).
94
No dia seguinte à entrevista, Natália nos repassou um documento de 51 páginas contendo todas as 39 pautas
que foram discutidas com os gestores da PRAPE. O documento é de uma organização e de um detalhamento
notável. Ao longo das 51 páginas há a exposição de cada uma das 39 pautas com diversas imagens da residência,
suas instalações e equipamentos apontando os problemas que precisam de solução. Cf. ANEXOS, p. 277.
227
Em que consiste?
Ao analisar o campo científico, Bourdieu (1983) nos mostra que é na universidade que
se dá a luta pelo monopólio da competência científica. Assim, postula que
Nestes termos, sendo a universidade um espaço social diverso, acreditamos que outras
lutas ocorrem em seu interior, a exemplo da luta pelo poder político que se verifica no que
estamos chamando aqui neste trabalho de campo político universitário. Ainda segundo
Bourdieu, o campo político pode ser entendido
[...] ao mesmo tempo como campo de forças e campo de lutas que têm em
vista transformar a relação de forças que confere a este campo a sua estrutura
em dado momento, não é um império: os efeitos das necessidades externas
fazem-se sentir nele por intermédio sobretudo da relação que os mandantes,
em consequência da distância diferencial em relação aos instrumentos de
produção política, mantêm com os seus mandatários e da relação que estes
últimos, em consequência das suas atitudes, mantêm com as suas organizações
(BOURDIEU, 2009, p.163-164, grifo nosso).
95
Não só o capital político, tendo em vista que, no caso do campo político universitário, este tipo de capital pode
vir acompanhado de outras espécies de capital como o capital científico.
230
O polo dominante
96
Quando, aqui no caso estudado, afirmamos que os estudantes ocupam o polo concorrente é preciso não
incorrer no erro de achar que eles visam ocupar o lugar (e os cargos) daqueles que estão na posição do polo
dominante. Na verdade, o que está em jogo é o poder do monopólio da competência política sobre os
instrumentos de produção política, ou seja, o poder de decisão no campo político. Ou o poder de exercer
influência no campo.
97
Há a representação estudantil nestes órgãos. Alguns deles são: Conselho Universitário (CONSUNI), Conselho
Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), Conselhos de Centro, Colegiados Departamentais e de
Cursos entre outros.
231
o agente possua capital científico suficiente (aquilo que distingue seu portador como
conhecedor da área que atua) para que possa convertê-lo em capital político. No espaço
acadêmico, a interiorização do habitus acadêmico – via obtenção de títulos, participação em
congressos, pontuação em currículo com artigos, bancas, pesquisas etc. – capacita o agente a
converter capital científico em capital político.
Assim, periodicamente, a universidade outorga à agentes específicos a competência
política que os legitimam enquanto instancia de poder e decisão sobre a própria universidade e
seus recursos. Uma vez investido da competência política, o agente passa a exercê-la através da
administração burocrática (WEBER, 1984), que retira sua legitimidade na força da norma e no
cumprimento da lei.
Se por um lado temos o agente investido de competência política para atuar no campo
político universitário, por outro, temos a própria universidade enquanto instituição e modelo
organizacional burocrático regida por estatutos, regulamentos e normas que lhe assegura – a ela
e a sua gestão central/burocrática – a posição de polo dominante no campo político
universitário. Portanto, a universidade e sua gestão central/burocrática garante a posição de
dominação no campo político universitário através da dominação legal (WEBER, 1984) que,
segundo nossa compreensão, tem função de estratégias de conservação que visa garantir o
monopólio da competência política.
Para nós, uma dessas estratégias se mostra, por exemplo, na não paridade existente entre
docentes, estudantes e técnicos administrativos nas decisões colegiadas via órgãos
deliberativos98. Tal expediente, encontra-se amparado no Art. 56, Parágrafo único, da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que diz: “Em qualquer caso, os docentes
ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que
tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de
dirigentes” (LDB, 2017, p.39)99. Desta forma, os estatutos das universidades públicas
brasileiras garantem 70% dos assentos em seus órgãos deliberativos aos professores, sendo os
outros 30% restantes divididos entre a representação discente (15%) e a representação técnico
administrativa (15%).
Frequentemente questionado pelos estudantes em seus movimentos reivindicatórios, o
modelo proporcional adotado nas decisões colegiadas das universidades é uma forma evidente
98
Como, por exemplo, Conselho Universitário (CONSUNI), Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão
(CONSEPE), Conselhos de Centros, Colegiados Departamentais e de Cursos entre outros
99
Sendo a universidade uma instituição que é expressão de um dado sistema social, observa-se aqui a influência
exógena exercida pelo sistema sob a universidade.
232
O polo concorrente
Outra posição que se faz presente na estrutura do campo político universitário é a dos
concorrentes, para nós corporificado na figura do e da estudante que milita no movimento
estudantil de sua época. Assim, o ME se desenvolve na estrutura do campo político universitário
como resultado de um sistema de relações que entrelaça diferente agentes que põe em jogo
diferentes estratégias na disputa pelo poder político que se dá tanto internamente, quanto em
oposição ao polo dominante.
Sendo o estudante um novato no espaço social (universidade) onde acontece as relações
de poder (campo político universitário), o pouco capital científico acumulado – além do próprio
status de estudante – imediatamente o coloca na posição de polo concorrente. No entanto, há
brechas deixadas em aberto no polo dominante que garantem certo espaço de movimentação e
poder de decisão aos concorrentes, ainda que limitado. Contudo, sua proximidade e influência
em relação a esse poder é tanto maior quanto for a internalização do habitus político.
A noção de habitus de Bourdieu nos é útil na medida que nos ajuda a perceber que
100
Nestes casos, temos a situação de estudantes que raríssimas vezes tiveram alguma experiência política, seja
em movimentos sociais, partidos políticos, militância em coletivos e grupos entre outros. Como temos trabalhado
aqui, elas só passam a ocorrer na universidade a partir do momento em que a experiência vivenciada pelo
estudante traz à tona situações de precarização, injustiça, exclusão e outros sentimentos que podem levá-lo a se
engajar num movimento de mudança. Desta forma, é através da experiência que o ser social (estudante)
desperte a consciência social (reflexão sobre as questões materias vivenciadas).
234
Bourdieu (1983, p.138): “os novatos [...] só poderão ‘vencer os dominantes em seu próprio jogo
[...]’”. Assim, as regras do jogo do campo político universitário são as regras previamente
estabelecidas por aqueles que ocuparam e ocupam a posição de dominantes.
Disto resulta que a atuação política estudantil se dá nos limites determinados pelos
estatutos, regulamentos e normas do polo dominante (gestão central/burocrática da
universidade). Assim, tendo em vista a garantia da participação estudantil (de 15%) nos
assentos em cada órgão colegiado e comissão, esta participação se dá, principalmente, via
representação política através do DCE, CA’s e DA’s. No entanto, a atividade política do
estudante na universidade pode ocorrer também nos limites de sua capacidade de aglutinação
do corpo discente através de grupo de pressão em movimentos de protestos auto-organizados –
tendência cada vez mais crescente nos movimentos políticos juvenis contemporâneo.
Neste caso específico, a pesquisa de campo nos mostrou que, longe de ser algo
extraordinário, os atos e protestos auto-organizados por estudantes que atuam por fora das
instituições de representação estudantil são, na verdade, cada vez mais frequentes – como
pudemos observar nos exemplos mencionados no início deste capítulo. Isto está ligado a um
fenômeno que não é local, mas geral, na medida em que se constata a perda da confiança nas
instituições políticas em boa parte dos sistemas democráticos do mundo contemporâneo. Deste
modo, ao passo que diminui a crença nas instituições políticas, amplia-se cada vez mais o fosso
entre representantes e representados ampliando, concomitantemente, a crise de legitimidade da
democracia representativa.
Não é nosso objetivo aqui fazer uma discussão daquilo que na Ciência Política e na
Sociologia Política é conhecido também por crise de representação política. Para isto, há uma
vasta bibliografia disponível. Cabe aqui destacar que tal crise atravessa as várias instâncias da
representação política, entre elas a estudantil. Desta forma, não é de se estranhar que cada vez
mais se fale em fragmentação do ME e no desinteresse dos e das estudantes pela política
estudantil tradicional.
Portanto, a perda de confiança nas formas de representação política tradicional deu
origem a um fenômeno que, embora não seja algo novo, tem sido cada vez mais frequente na
militância entre os jovens: as ações autogestionárias que tem como alicerce a democracia direta
baseada na horizontalidade nas decisões. Com isso, apaga-se o peso das hierarquias e da
burocracia a ela atrelada, dos líderes, da vanguarda e de ideais previamente estabelecidos e que
235
devem ser alcançados101. Toma o primeiro plano a pauta que motivou o protesto e os meios
utilizados para concretizá-la – o que será decidido de forma coletiva.
Desse modo, quando determinado seguimento estudantil não encontra acolhimento para
sua pauta nas formas de representação tradicional – legitimada pelo polo dominante do campo
político universitário – a representação (que neste caso não existe) abre espaço para a auto-
representação. Foi isso que evidenciou a nossa pesquisa de campo quando tratamos, mais acima,
do “Ato dos estudantes pelo Auxílio Moradia (janeiro de 2016)” em que João Batista, um de
seu organizadores, procurou o DCE mas não obteve apoio. A perda do elo representativo levou
João Batista e os demais estudantes que estavam no ato a, literalmente, “se virar sozinhos”.
Situação semelhante ocorreu na “Ocupação da Reitoria pelos estudantes residentes (maio de
2017)” em que os próprios residentes se negavam a ter apoio de outros agentes políticos.
O fato de não serem iniciados na militância estudantil, dificultou a criação de vínculos
políticos que possibilitassem a obtenção de apoio para sua demanda. Dito de outra forma, a
ausência de um habitus político – que permitisse interiorizar as regras do campo político e
reconhecer previamente seus agentes, aliados e opositores – levou os estudantes a procurar
ajuda onde ela não seria possível.
João Batista, em entrevista para esta pesquisa, afirmou que “O DCE é comprado também
pela reitoria, o DCE não resolvia nada, a gente foi até o DCE e eles cruzaram os braços”. Na
mesma fala, diz que quando os estudantes mobilizados pensaram em fazer uma representação
do Auxílio Moradia, o Pro-Reitor ficou sabendo e lhes disse: “Olhe, é importante que vocês
coloquem alguém do DCE”. Neste momento, João Batista percebeu que a insistência do Pró-
Reitor para que eles colocassem alguém do DCE evidenciava uma cumplicidade entre os dois
órgãos.
O exemplo acima nos mostra uma possível ligação política do DCE com setores da
Reitoria. Atitudes como esta marcam diferentes representações de luta entre os agentes do
mesmo polo: de um lado, estudantes precarizados com a pauta do Auxílio Moradia; e de outro,
os estudantes “institucionalizados” (DCE) preocupados em conservar o poder através da
manutenção do apoio com setores da universidade. Instaura-se aí um conflito entre agentes do
mesmo polo na medida que, ao levar sua demanda para o campo político universitário, os
101
Certamente, aqueles e aquelas que estão na militância compartilham dos ideais de uma sociedade mais
igualitária e livre das opressões de classe, de gênero, étnico-raciais etc. No entanto, as mobilizações
autogestionárias organizam-se e aglutinam seus participantes em torno de ações pontuais que tem implicações
na sua vida cotidiana sem, contudo, deixar de lado estes ideais.
236
Portanto, boa parte das mobilizações estudantis nos dias atuais expressam, de certa
forma, uma busca pela representação política perdida. E, no caso do campo político
universitário, a auto-representação – via movimentos e atos de pressão, como as ocupações –
se configura como uma estratégia de subversão que visa resolver a pauta ora em questão por
meios incomuns à lógica do campo. Este tipo de prática política, que procurar dar visibilidade
a uma demanda, mesmo estranha à lógica do campo, não pode ser ignorada, tendo em vista que
tal demanda é produto do próprio espaço social (universidade) e afeta diretamente um dos polos
pertencentes ao campo, ou seja, parte expressiva do corpo discente.
No entanto, as soluções para estas reivindicações são quase sempre soluções parciais.
Seu tratamento é feito de remendos que se desfazem e são refeitos até que a “ferida” fique
novamente exposta por completo e o “enfermo” reclame mais uma vez por solução. Os cortes
de verbas do Governo Federal, a má gestão ou até mesmo o descaso de gestores e funcionários
são fatores que ora juntos, outrora individualmente podem agravar a situação.
Assim, a chegada em massa de estudantes de origem popular na universidade pública
federal e os problemas decorrentes da assistência estudantil fizeram emergir no campo político
universitário um novo ator, o “estudante precarizado”. O conflito decorrente de sua chegada no
campo político instaura-se na medida em que ele traz consigo a pauta da assistência estudantil
e se depara com as dificuldades de solucioná-la pelos canais tradicionais consentido pelo polo
dominante.
Estando a produção propriamente política concentrada nas mãos daqueles que dominam
o campo, os dominados, limitados em sua ação pelos estatutos e normas da universidade, assim
como pela pouca ou nenhuma representação política de suas entidades e, portanto, desprovidos
da competência política necessária, se valem de estratégias de subversão como instrumento
próprio de produção de discursos e atos políticos.
238
102
Ala jovem do PSB (Partido Socialista Brasileiro).
239
compreendermos o porquê da relevância das entidades estudantis para os grupos políticos que
estão além dos muros da universidade.
Como mostra as falas de Denis e Davi, as entidades estudantis além de serem espaços
de poder são também espaços representativos de um amplo número de estudantes universitários
sendo, desta forma, um meio de acesso a este seguimento e, portanto, visados por grupos
políticos. Para Marighella, não só o corpo discente, mas também o corpo docente sofre a
influência dos partidos que visam seus respectivos votos. No entanto, Davi chama atenção para
um dado importante: a interferência desses grupos nos processos decisórios estudantis que
podem acontecer à parte da maioria. Segundo seu entendimento, este tipo de procedimento mina
o processo decisório na medida em que as escolhas podem não ser a da maioria. Enquanto isso,
“você jura que está num processo democrático”.
Na condição de aliados, os partidos políticos (mas também os sindicatos) atuam ainda
oferecendo apoio logístico (xérox, aparelhos de som etc.), formação política e outras formas de
fomentar as atividades políticas estudantis. Muitos dos partidos possuem uma ala jovem que
são espaços de formação de futuras lideranças políticas. Muitos desses jovens frequentam a
103
Se refere as eleições de 2016 para prefeitos e vereadores.
240
104
Certamente, outros aliados podem eventualmente contribuir com o movimento dos estudantes na UFPB, não
descartamos essa possibilidade. No entanto, estes foram os que tiveram mais presentes e atuantes durante
nossa pesquisa e observação de campo.
105
Cf. ANEXO, p. 281-282.
241
Você vive com medo do estigma, entendeu? Você tem que tomar cuidado com
tudo assim... Por que a militância ela é cruel hoje em dia. Ela é a militância do
capitalismo. Ela tá passada de cima a baixo de capitalismo, da mentalidade
capitalista (Cleiton Júnior, estudante de Ciências Sociais. Grifo nosso).
A prioridade das pautas (nacional/geral versus pautas locais), como apontado por
Heloísa, é quase sempre motivo de discordância entre os grupos no momento de definir o que
é mais prioritário. No entanto, como visto mais acima, no movimento “Ocupa UFPB”
(novembro de 2016), dependendo do momento político nacional, pautas mais gerais ganham
prioridade podendo se tornar hegemônicas entre os grupos mobilizando-os para ação. A
estudante de Turismo, Eva, destaca um ponto que tem a ver com a organização e o
encaminhamento das decisões, assim, segundo ela, uns preferem a centralidade e outros
preferem processos mais horizontais.
Em nossas observações de campo, ficou evidente a predominância da horizontalidade
entre os grupos e participantes dos atos nas tomadas de decisões em detrimento das hierarquias
que concentram poder. Esta é uma tendência cada vez mais crescente, principalmente quando,
de forma inversa, há o sentimento entre o corpo discente de não representatividade dos órgãos
de representação oficial do ME.
No entanto, os vários estudantes entrevistados para esta pesquisa ressaltaram a tentativa
de alguns grupos de se destacar enquanto protagonistas nas mobilizações e atos – o que se
aproxima mais de um personalismo – como sendo uma das principais causas dos conflitos no
ME. Nestes casos, se sobressair na militância evidenciaria determinado grupo ou coletivo em
detrimento de outros, o que aumentaria seu capital político em relação aos demais que também
participam da mesma luta. Contudo, isto acarreta sérias dificuldades na medida em que a busca
pelo protagonismo personalizado numa pessoa ou grupo evidencia uma espécie de competição
que visa, antes de mais nada, não a luta em si e as conquistas que porventura advenham dela,
mas o saldo (capital político) que ela traria para o movimento ou grupo, dificultando de imediato
qualquer tentativa de entendimento entre os militantes.
243
Fica claro que, no campo político universitário, uma das maiores fragilidades do polo
concorrente se encontra na sua fragmentação e na dificuldade de diálogo entre os grupos e
coletivos. Isto dificulta uma leitura do processo político que poderia levar à um
encaminhamento de ação em comum que fortaleceria o movimento em torno de uma unidade.
Assim, o que poderia ser a maior vantagem do polo concorrente – seu grande número –, se
torna, na prática, um enorme obstáculo.
No entanto, a diversidade presente no ME, traz em si elementos positivos na medida em
que a participação de jovens nos movimentos políticos de sua geração evidencia o aspecto
educativo e de aprendizado – para além do meramente político – que tais movimentos
inevitavelmente trazem consigo. Um exemplo são as questões de gênero:
Por exemplo, os homens, quando era a parte de cozinhar e limpar os homens
faziam, mas era uma parte mais coercitiva do que eles se darem para fazer
aquilo, entende, porque tinha que fazer aquilo. Mas acabou rolando essa
divisão de tarefas, mesmo que forçadamente, mesmo que falando... “Não,
peraí, não é só mulher que tem que limpar a cozinha...”. (Eva, 8º período de
Turismo. Ex-militante do ME independente na UFPB e de movimentos
culturais).
Eva se refere as divisões das atividades que ocorreu no “Ocupa UFPB (novembro de
2016)”. Quando questionada se na ocupação que aconteceu no Centro de Vivências da UFPB
houve esse momento de diálogo ela afirmou: “Rolou sim, todo dia tinha reunião e tinha pautas
a serem levantadas desse tipo. [...] Porque o espaço era coletivo, então tinha que dialogar sobre
coisas básicas como limpeza, organização, festas e não sei o quê [...]”.
Para Eva, “por mais diferenças que se crie, por mais ódio que eu tenha das coisas não
acontecerem, entre aspas, se aprende, sabe? E você pode levar para outros espaços aquilo que
se aprende”. Desta forma, a presença feminina nos atos, ocupações e movimentos faz com que
questões que envolvem a relação entre os gêneros sejam colocadas e problematizadas. Assim,
questões como: quem vai limpar o espaço, quem vai cozinhar são, por exemplo, questões que
se colocam em situações como estas, mas que dizem muito sobre a forma como os homens são
no seu dia a dia, na sua relação com a família, com a namorada, com a esposa etc.
244
***
Considerações finais
No final da primeira década do novo século XXI, em artigo que trata das continuidades
e rupturas dos movimentos estudantis no Brasil, Bringel (2009, p. 103), mostra que, entre outras
características deste movimento, “sua composição social está constituída principalmente por
setores das classes médias [...]”.
Estes dados sobre a composição social da universidade pública de até então nos mostram
que no Brasil a breve experiência política de pouco mais de uma década da esquerda no poder
possibilitou uma melhora de vida das camadas mais populares por meio de um conjunto de
programas sociais. Entre estes, estão alguns programas que visam ter impacto no ensino
superior ao promover o acesso de jovens das camadas mais populares à universidade. Mas isto
se deu neste breve espaço de tempo em que o movimento pendular da política econômica
brasileira – para pensarmos a partir da metáfora de Ianni (1991) – se movimentou dentro dos
marcos de um capitalismo nacional106.
As contradições internas da adoção desta política, apoiada num pacto de classes, se
mostrou com mais força após a reeleição da Presidenta Dilma Rousseff, em 2014, culminando,
em 2016, no golpe parlamentar-jurídico-midiático107. A nova ordem política que emerge –
apoiada no capitalismo associado108 – opera sob o signo da política do Estado mínimo, da
privatização, da redução de direitos sociais e do corte de gastos, todos eles nocivos à educação.
Na universidade pública, o reflexo destas contradições – que se expressam através de
seu crescimento e retração – tomam formas diversas e se acentuam produzindo movimentos de
protestos protagonizados por estudantes precarizados. Assim, a chegada de estudantes de
origem popular à universidade recoloca em outros termos o projeto político do movimento
estudantil do ensino superior. Isto se dá na medida em que, nos dias atuais, a realização desse
projeto político não pode ignorar a garantia da assistência ao estudante – demanda da
sobrevivência e permanência no ensino superior – como condição básica.
106
Ou seja, aquele que tem o Estado como principal centro de decisão política que formula, orienta e executa os
programas de desenvolvimento do país. Cf. nota de rodapé, p. 136.
107
Cf. SOUZA, 2016.
108
Baseado na associação direita ou indireta entre capitais e interesses políticos e econômicos nacionais e
estrangeiros. Cf. nota de rodapé, p. 133.
247
Tal projeto político pode mudar ao longo do tempo uma vez que, por um lado, muda o
contexto sociopolítico, cultural e econômico em que estes agentes atuam e, por outro, muda-se
também os próprios agentes do campo – fruto da revitalização da dinâmica social que se dá via
mudanças geracionais. Groso modo, o projeto político do movimento estudantil se transforma
conforme o contexto e os agentes em cena. Sendo assim, ele já assumiu, em outros momentos,
os contornos por uma “luta pela democracia”, ou da “luta por uma universidade pública e
democrática”; e, atualmente, a assume a forma da “luta por sobrevivência e permanência no
ensino superior”.
Em nossa pesquisa de campo, os diversos protestos estudantis evidenciavam este
cenário. A luta pela assistência dentro da universidade moveu e move, nos dias atuais, tanto os
e as estudantes já experimentados nos movimentos políticos dentro e fora do câmpus, quanto
aqueles e aquelas que, para permanecer na universidade, tiveram que construir um capital
político e levar a pauta da assistência estudantil para o centro do debate. Isto se deu a partir do
reconhecimento comum de situações de precarização que levaram ao estabelecimento de laços
de sociabilidade e práticas de ação política próprias, o que mostra que estas formas de ação
coletiva trazem a marca da origem de classe de seus praticantes.
Recorrendo ao campo conceitual desenvolvido por Thompson (1984), pudemos mostrar
que isto acontece no momento em que o estudante (o ser social) desperta, através da experiência
vivida, a consciência social (reflexão sobre as questões materias vivenciadas). Desta forma, o
seu “fazer-se” estudante revela, portanto, situações de injustiça, exclusão e precarização que
podem leva-lo a se engajar num movimento de mudança.
No entanto, este movimento não é protagonizado por uma classe social, mas por um
grupo social – estudantes –, que atua via ação coletiva a partir do reconhecimento recíproco de
uma demanda em comum – a assistência estudantil. Esta, é nomeada por uma matriz discursiva
que agrega sujeitos, nomeia aspirações difusas e aponta oponentes. E é aqui que chegamos no
campo político universitário.
Para melhor compreendê-lo recorremos à Bourdieu (1983, 1996, 2003, 2004, 2009) e às
ferramentas conceituais por ele desenvolvidas que aqui foram repensadas de acordo com as
particularidades de nosso estudo. Através delas, pudemos localizar os diferentes agentes dentro
do campo social (a universidade) onde se passa as lutas e disputas do que chamamos neste
trabalho de campo político universitário. Neste campo, os diferentes agentes mobilizam os
diferentes recursos (capitais) disponíveis na luta interna que se dá no seu interior – para alguns,
a luta pela sobrevivência e permanência no ensino superior.
248
É justamente nesta confusão entre perceber algumas coisas que a maioria não percebe
ou ver coisas que não existam, mas que possam parecer que existem que mora a desconfiança
de grande parte dos estudantes com o movimento estudantil. No entanto, sendo suas entidades
representativas espaços de poder é natural que a este espaço concorram diferentes interesses,
mesmo em períodos de crise de representação política. Principalmente pelo fato desses espaços
de poder (CA’s, DA’s, DCE e a nível mais geral a UNE) serem espaços reconhecidos como
legítimos pelo polo dominante.
Todavia, muito embora haja periodicamente uma grande concorrência entre os
diferentes grupos, coletivos e sujeitos por esses espaços de representação política, cresce por
fora dessas instituições a organização estudantil autônoma, horizontalizada e mais dinâmica em
seus processos decisórios. Não à toa, diversos jovens que atuam no movimento estudantil se
autoreconhecem como “estudantes independentes”. Para Francisco de Oliveira, constituir esse
grupo faz parte da “[...] busca de construir outros espaços ali [na universidade] que possam ser
mais horizontais e que não sejam direcionados de cima, daí que viria meu enquadramento
enquanto independente pra esses grupos” (Francisco Oliveira, Pós-graduando de Psicologia).
Eventualmente, os estudantes puderam contar com aliados, entre eles, os partidos
políticos, sindicatos e estudantes do câmpus IV (das cidades de Mamanguape e Rio Tinto) que
de forma mútua (câmpus IV e câmpus I, João Pessoa) procuraram em alguns momentos somar
esforços na luta estudantil. Outros agentes virtualmente presentes no campo que aparecem
como aliados foram o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública e o Coletivo
Representativo dos Docentes em Luta (Cordel). Os dois primeiros foram agentes importantes
na mediação dos conflitos entre estudantes e universidade; o último, contribuiu na publicização
dos problemas ligados à assistência estudantil e em relação à privatização dos espaços da
universidade e na busca de soluções.
Certamente, o campo político universitário é mais complexo podendo revelar, em dado
momento ou contexto, outros agentes em potencial. Aqui, procuramos compreender como este
campo se estrutura, seus agentes e os diferentes tipos de capitais postos em movimento no seu
interior. A pesquisa de campo e o estudo de caso – que se ateve aos limites do câmpus I da
UFPB –, as diversas entrevistas e a observação nos revelaram também os conflitos mais comuns
que permeiam os diferentes sujeitos e grupos que compõe o polo concorrente.
Fruto da diversidade que constitui não o movimento estudantil, mas os movimentos
estudantis, esses conflitos ora se originam pela forte presença dos partidos políticos e sua
agenda entre os estudantes – motivo de discordâncias e rachas entre os diferentes grupos e
coletivos – assim como pelo não consenso quanto a sua organização, mais centralizado ou
250
descentralizado. A prioridade de pauta (nacionais ou locais) também foi lembrada como sendo,
não raro, motivo de discordâncias. As discussões em torno do que ser priorizado passa, muitas
vezes, pela convicção interna de alguns grupos que podem contrastar com a dos demais grupos
e sujeitos que compõe o ME.
O protagonismo a todo custo também foi visto como um problema. A tentativa de alguns
grupos, coletivos e sujeitos de construir um capital político próprio desconsiderando o trabalho
feito de forma coletiva, e de se colocar como principal protagonista (e ainda propagar isso),
revelou momentos de tensão no ME que não raro levam à discordância e rupturas que dificultam
a ação em conjunto e o encaminhamento da pauta. Este é, sem dúvida, um grande obstáculo a
ser superado pelos estudantes que militam no ME.
Os limites entre o papel do masculino e do feminino dentro do movimento também foi
lembrado mostrando que, embora tenha ocorrido progressos, ainda há muito o que se avançar
neste campo.
É a parte mais difícil, porque você tem um duplo enfrentamento. Começa que
você nem é ouvida pelos próprios companheiros de... [trecho inaudível].
Então, sempre era a tentativa de que homens estivessem nas mesas, homens
estivessem na liderança do movimento. [...] E sempre tem a cota da mulher,
pra não dizer que não tem uma mulher na negociação coloca uma mulher. Isso
era a parte mais difícil de lidar mesmo, porque sempre que você tentava mudar
isso, tinha a questão de você não ser ouvida (Heloísa, estudante do 8º período
de Economia. Ex-militante da Marcha Mundial das Mulheres e do ME
independente na UFPB).
Muito embora situações como estas ainda sejam frequentes, foi ressaltado o aspecto
educativo que a diversidade (de gênero, raça, sexo etc.) presente no ME pode desenvolver entre
os e as militantes. Como mostra a fala de Eva, estudante do 8º período de Turismo, “por mais
diferenças que se crie, por mais ódio que eu tenha das coisas não acontecerem, entre aspas, se
aprende, sabe? E você pode levar para outros espaços aquilo que se aprende”.
Estas situações, que são pontos de conflitos e divergências no ME, estão ligadas a
própria diversidade deste movimento que se revela nos diferentes sujeitos, grupos, coletivos e
instituições de diferentes orientações ideológicas e políticas. Como dito na introdução deste
trabalho, a unidade homogeneizadora (que interliga) os sujeitos no ME é a geracional. Mais que
uma faixa etária a qual corresponde um determinado jeito de ser e de estar na sociedade, a
geração é aqui compreendida como um conjunto de experiências históricas vivenciadas e
partilhadas de forma mais intensa por determinados sujeitos num dado período de suas
existências. Assim, a juventude é o elemento comum que interliga os diferentes sujeitos que
compõe o ME.
251
Neste sentido, as contribuições de Mannheim (1968, 1982) apontam para alguns dados
que podem nos ajudar nesta compreensão. Segundo o autor, o jovem “[...] não está apenas
biologicamente num estado de fermentação, mas sociologicamente penetra num mundo em que
os hábitos, costumes e sistemas de valores são diferentes dos que até aí conhecera”
(MANNHEIM,1968, p. 75). A chegada do e da estudante à universidade pode ser pensado como
um exemplo disto. E esse “estado de fermentação” pode ser o “motor” que o levará a se engajar
nos movimentos de mudança de sua geração.
Portanto, sendo a juventude o elemento comum a todos e todas que compõe o ME, ela
(a juventude) é o que impulsiona o jovem para a mudança, uma vez que é nesta fase da vida
que há um espaço maior para o experimento; tendo em vista que, muitas vezes, o jovem ainda
não está enredado no status quo da sociedade. Contudo, é quase senso comum achar que a
juventude é sempre progressista, como se este fosse um dado de sua própria essência. Quanto
a isso, Mannheim alerta para a coexistência de unidades de gerações antagônicas. No entanto,
muito embora seja cada vez mais comum o surgimento de movimentos conservadores entre os
jovens, ainda assim tais movimentos são minoritários no ME.
O surgimento de novos grupos etários põe em movimento o contato das gerações mais
novas com a produção cultural fruto da contribuição das sucessivas gerações. Não obstante,
este contato vai se dar de forma diferenciada para cada um podendo ser assimilado, reformulado
ou até mesmo deixado de lado.
Mannheim lembra que “para a sociedade continuar a existir, a recordação social é tão
importante quanto o esquecimento e a ação a partir do zero” (MANNHEIM, 1982, p.76). Isto
nos leva a pensar a importância da memória e a ressignificação das lutas estudantis das gerações
passadas que é feita pelos jovens na militância nos dias atuais. A fala a seguir de um dos
estudantes entrevistados exemplifica isso: “Marighella pra mim é um herói. E lá naquele
momento alí [nos movimentos escolares], mesmo sem ter armas, a gente sabia que ia honrar
Marighella com esse processo. É um sentido de vida, é uma história diferente” (Marighella,
estudante de Ciências Sociais da UFPB).
Não à toa, o próprio estudante, ao saber que o autor da tese daria nomes fictícios para
os entrevistados, optou por ser chamado de Marighella, o que também aconteceu com outro
entrevistado que optou pela alcunha de Carlos Lamarca.
Pensar a categoria juventude enquanto elemento que interliga os diversos sujeitos do
movimento estudantil, nos leva às contribuições teóricas de Marialice Foracchi (1972) para este
tema. Ao situar sua análise no plano da sociedade marcada pela crise do sistema que se reflete
nas instituições, a autora mostra os reflexos dessa crise na universidade (que cumpre apenas
252
uma parte do que promete) e, por conseguinte, o impacto da crise no estudante, que tem como
principal consequência a limitação da condição juvenil. Portanto, é uma crise que perpassa o
plano societário, institucional e pessoal.
Em suas pesquisas, Foracchi enfatizou o aspecto de classe como fundamental na
compreensão das condições sociais as quais se inserem os estudantes. Para a autora (1965), a
família se esforçaria em “prolongar a situação de manutenção, isto é, manter pelo maior espaço
de tempo possível o estudante comprometido com uma responsabilidade direta de retribuição”,
ou seja, de manutenção de posição da família no status quo da sociedade. Segundo a autora
(1965, p.221-222, grifo nosso) as condições sociais da participação do estudante na sociedade
brasileira deveriam “[...] ser investigadas no contexto de referência de sua classe de origem
que é, predominantemente, a pequena-burguesia ascendente, denominada por alguns
autores de ‘nova classe média’”.
Acreditamos que mudanças no plano mais geral da sociedade, da instituição familiar e
dos comportamentos nos colocam diante de um novo rearranjo dos papéis sociais e da relação
de vínculos entre os jovens e as demais gerações. Além do mais, a ascensão das classes
populares à universidade é um elemento novo ainda pouco estudado. No entanto, a composição
social da universidade hoje já não é mais tão homogênea. Assim, o aspecto de classe reaparece
não como manutenção da posição familiar dos setores mais privilegiados no status quo social
via educação, mas, uma vez chegado ao ensino superior, enquanto manutenção dos sujeitos
pertencentes às classes populares na universidade.
Isto ficou evidente no “nós” que “dá a liga” a uma parcela do movimento estudantil no
contexto atual: “Aluno em situação socioeconômica desfavorável”, “Estudantes carentes”,
“Quem tem fome, tem pressa”, “Reivindicações de quem tem fome” etc. Estes são alguns
“slogans de identificação” mais comuns nos diversos cartazes e panfletos distribuídos e usados
também na internet em forma de hashtags. A carência, elemento comum de aglutinação, é,
portanto, percebida na medida em que é vivenciada pelos indivíduos no decorrer de suas
experiências de vida. O reconhecimento recíproco de situações de precarização entre os
estudantes os levaram ao estabelecimento de laços de sociabilidade e práticas de ação política
próprias. Assim, sentimentos como raiva, indignação, dor, desespero, sensação de perda etc. –
todos estes relatados em nossas entrevistas – foram ativados agindo como elemento propulsor
para mudança.
Contra quem ou o que se voltam os e as estudantes? As análises dos movimentos, atos
e protestos estudantis apontam para a gestão central/burocrática da universidade como sendo o
maior antagonista do ME. É do polo dominante do campo político universitário que são
253
109
Certamente este impacto não se dá apenas na instituição universidade. Podemos pensar também a família
como instituição primeira a qual o jovem se prende.
110
A PEC do teto dos gastos públicos que limita os gastos em educação e saúde por 20 anos.
254
é sua incapacidade de absorver no seu arranjo institucional o movimento estudantil como força
viva e atuante dentro desta instituição.
Na busca desta “força viva” por sua integração ao ensino superior, um jovem militante
nos dá uma pista dos meios para tal fim:
A parada é essa, você detecta na sociedade a luta e infla ela, você joga força;
porque política é isso, é ação concentrada. Você joga força naquela pauta,
naquela reivindicação pra que ela agregue e você consiga coletar mais pessoas
para esse sentimento.
E sentencia:
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APÊNDICE
QUESTIONÁRIO ENTREVISTAS
Dados iniciais:
Nome
Sexo
Idade
Local de nascimento
Onde e com quem mora?
Curso / Período
Trabalha? Se sim, com o quê?
Milita em algum partido ou coletivo? Qual?
Trajetória de vida:
1) Formação escolar básica (fundamental e médio): escola pública / escola privada /
misto?
2) Fale de sua trajetória de vida (local onde cresceu / família / estudos / grupos que
participou / pessoas e fatos que considera importantes na sua socialização etc.);
3) Como é sua relação com seus pais?
4) Eles possuem curso superior?
5) Eles militam em algum movimento ou partido?
6) Isto teve alguma influência sobre você?
Participação política:
1) Você lembra quando foi que começou a participar de algo?
2) O que lhe motivou?
3) Que sentimento (s) a participação política desperta em você?
4) Pertence a algum partido político, grupo, coletivo ou movimento social?
5) Como se organizam?
6) Há tensões? Como são resolvidas?
7) Você participa de algum outro movimento social ou projeto?
8) Fale de sua participação política no ME
9) Como você vê o ME nacional?
10) Como você vê o ME na UFPB?
11) Qual/Quais a(s) dificuldades para a militância política no ME hoje?
12) Quais as principais pautas do ME hoje?
13) O que mudou em sua vida após a militância política?
14) Há alguma diferença em ser homem, mulher, negro, gay... na militância?
Projetos:
1) Quais seus planos para o futuro?
2) Como você imagina o Brasil daqui há dez anos?
3) Você acredita que sua ação hoje pode fazer a diferença no futuro?
4) O que você pretende para sua vida?
266
ANEXOS
Negros lutam por uma universidade sem cor. Jornal da Bahia, Salvador: [ s.n ],
6 set. 1993. Fonte: http://ceao.phl.ufba.br/phl8/popups/1993-09-06_rr.pdf
271
A equipe do Reitorado foi então convocada para análise do teor das reivindicações
apresentadas em reunião que durou até às 18h, quando duas Pró-Reitoras dirigiram-se à
rampa e convidaram os manifestantes para o Gabinete da Reitoria, visando o
pronunciamento oficial da instituição, sobre os 23 pontos pautados no documento
entregue. Os manifestantes recusaram o convite.
I- Introdução ao documento:
que até aquele momento, nenhuma comunicação ou documento havia sido encaminhado
pelos manifestantes, nem solicitação de audiência. Portanto se fazia necessário o
conhecimento dos motivos que estavam dando causa a tal protesto. Os representantes da
Comissão informaram que os manifestantes decidiram fazer uma assembleia e que
encaminhariam uma pauta de reivindicações no turno da tarde, o que não ocorreu.
2. “... o estopim de nossa ação se deu por conta da lista de auxílio moradia, que saiu
no dia 22/02, com um ano de atraso, excluindo diversos estudantes ....”
Obs.: A nota é maior e pode ser consultada em seu formato integral no seguinte endereço
eletrônico: http://www.ufpb.br/content/nota-sobre-pauta-de-manifestantes-que-ocuparam-
rampa-do-pr%C3%A9dio-da-reitoria
Ofício 001/2017
DEMANDAS PRAZO
Infraestrutura
4 – Conclusão de obras paradas (quadra, cozinha da residência, sala de
jogos, e urbanização da residência);
Lazer
18 – Garantir o acesso dos estudantes nos espaços desportivos da
UFPB, que já estão garantidos em estatuto;
Auxílio
Financeiro
279
Segurança
23 – Melhorar e aumentar a iluminação no entorno da residência bem
como de toda a UFPB; (Sugestão: trocar a iluminação incandescente por
lâmpadas de LED)
Saúde
29 – Atualização da lista dos residentes no HU para garantir atendimento,
uma vez que a própria equipe administrativa rejeita o atendimento aos
residentes; (Sugestão: atualização a cada semestre)
Primeiro ato de resistência da UNE e das frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular em São
Paulo (31/10/2018) reuniu cerca de 30 mil pessoas. Reconheceram o resultado das urnas, mas
afirmaram que não aceitarão retrocessos. Foto: Mídia Ninja.