MODELO Contestação em Ação Civil Pública Ambiental Desmatamento

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE

DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE SINOP –


ESTADO DE MATO GRASSO

Ação Civil Pública Ambiental - Desmatamento

REQUERIDO, previamente qualificado, vem, à presença de


Vossa Excelência, por seu advogado, oferecer

CONTESTAÇÃO CONTRA AÇÃO CIVIL PÚBLICA


AMBIENTAL
em face da ação civil pública em epígrafe proposta pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, pelas razões de fato e de
direito que passa a expor.

1. SÍNTESE DOS AUTOS

Cuidam os autos originários de Ação Civil Pública Ambiental com pedido de tutela
de urgência proposta pelo Ministério Público Estadual, com base em auto de infração ambiental
lavrado pelo IBAMA a partir de análises de geoprocessamento em que se verificou suposta
degradação ambiental consistente no desmatamento de 850 hectares de floresta nativa, objeto de
especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente, em área pertencente ao
Requerido.

A narrativa foi extraída do processo administrativo ambiental instaurando pelo


IBAMA após lavratura do auto de infração ambiental e termo de embargo, com aplicação de multa
administrativa no valor de R$ 4.250.000,00. Segundo o Ministério Público Estadual, tais documentos
demonstrariam e comprovariam o dano ambiental de modo que seria cabível a imposição de
obrigação de reparar o dano e ao pagamento de indenização por dano ambiental cujo valor, para o
Parquet, perfaz o montante de R$ 12.640.540,25.

Ao final, o Ministério Público Estadual pleiteou a concessão de antecipação dos


efeitos da tutela para que o Requerido paralise as atividades na área, bem como, se abstivesse de
exercer qualquer atividade no local (pecuária, agricultura, piscicultura, edificações, etc), somente
retornando com a atividade com autorização do órgão ambiental competente, sob pena de multa
diária. O pedido de tutela antecipada foi deferido e o Requerido citado. É o escólio necessário.
2. DO AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL QUE ORIGINOU A AÇÃO

A ação civil pública ambiental proposta tem sua origem no auto de infração
ambiental e termo de embargo lavrados pelo IBAMA e noticiados ao Ministério Público Estadual com
cópia integral do processo administrativo ambiental, no qual figura como autuado o Requerido.

Segundo o Relatório de Fiscalização juntado aos autos pelo Ministério Público


Estadual, no ano de 2007, foi estabelecida a Moratória da Soja, que corresponde a um pacto entre
indústrias, associações e organizações da sociedade civil, com objetivo de inibir o plantio de soja em
áreas desmatadas indevidamente no Bioma Amazônia com base em dados de desflorestamento do
PRODES/IMPE e critérios e estabelecidos pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS).

O produto do monitoramento realizados por aquelas entidades é repassado ao


IBAMA que qualifica e autua os sojicultores que descumpriram a Moratória da Soja, realizando a
triagem individual dos polígonos das áreas monitoradas, e posteriormente, a análise multitemporal
das imagens, identificando os infratores a partir de bancos de dados públicos como o Cadastro
Ambiental Rural – CAR, Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental (SIMLAM),
Sistema de Gestão Fundiária do Incra (SIGEF), além de informações do banco de dados da própria
autarquia.

Especificamente em relação ao Requerido, consta que, a lavratura do


procedimento administrativo foi embasada em análises de geoprocessamento apresentada pelo setor
competente do IBAMA (Centro de Sensoriamento Remoto – CSR), e que as cartas-imagens teriam
fornecido subsídios suficientes para o ato administrativo, com imagens antes e depois do alegado
desmatamento, que teria ocorrido em data posterior a 2011.

Após a lavratura do auto de infração ambiental e termo de embargo com base em


dados de geoprocessamento, o Requerido foi cientificado e a cópia dos autos enviada ao Ministério
Público Estadual, que propôs a presente ação civil pública quase cinco anos depois.

Contudo, é de se notar que a mera lavratura do auto de infração ambiental não


comprova a materialidade e autoria para a propositura de ação civil pública, nem a obrigação de
reparar ou indenizar, sendo imprescindível a prévia comprovação do dano na inicial, o que não
ocorreu no caso dos autos.

É dizer que, a propositura da ação civil pública com fundamento exclusivo na


lavratura do auto de infração lavrado pelo IBAMA a partir de imagens de geoprocessamento, não é
prova inequívoca do dano como tentar fazer crer o Ministério Público Estadual.

Lembre-se que o auto de infração ambiental apenas instaura o competente


processo administrativo para apuração de infração ambiental, assegurado o contraditório e a ampla
defesa, no qual o particular poderá rechaçar integralmente os seus termos e produzir prova em
contrário.
Lamentavelmente, há uma tendência em penalizar toda e qualquer conduta contra
o meio ambiente, e pior, sem qualquer prova de autoria e materialidade.

Portanto, a presente ação civil pública proposta tão somente com base na lavratura
do auto de infração não pode prevalecer, porque o ato administrativo goza de presunção de
legalidade e veracidade relativa, não absoluta.

3. PRELINARMENTE

3.1. INÉPCIA DA INICIAL

A petição inicial exige, como requisito de validade, o atendimento dos aspectos


formais constantes das normas do art. 330, do Código de Processo Civil, que são pressupostos de
constituição e de desenvolvimento válido do processo, dentre os quais, a causa de pedir, que, na
subspecie iuris, seria o direito de recompor o alegado dano ambiental.

No entanto, isso só se torna possível se o Ministério Público Estadual tivesse


esclarecido se houve o dano ambiental, quando e como ocorreu, e quais os danos ambientais
causados. Tais esclarecimentos não foram realizados, limitando-se a alegações genéricas fundadas
apenas em auto de infração ambiental lavrado por imagens de geoprocessamento, cuja presunção
de veracidade e legalidade não é absoluta.

Assim, a petição inicial que imputa como causa de pedir a reparação do dano
causado ao meio ambiente, deveria ter demonstrado e provado a causa, a origem e o fim, para se
constatar se havia, in casu, a infração ou a participação do Requerido.

Caso contrário, ante à inexistência de prova a respeito do nexo causal do


Requerido ─ que será melhor delineado nos capítulos seguintes ─, não há que se falar em infração,
mesmo porque, a Lei exige a demonstração inequívoca da participação do suposto infrator no evento
danoso, não sendo possível imputar a responsabilidade civil, muito menos pleitear indenização por
danos coletivos, cujo pedido não tem forma nem semblante.

Cediço que a causa de pedir é a propulsora de toda a atividade judicial e


representa aquilo que se pretende em juízo, isto é, para que lhe seja reconhecido por sentença. Por
outro lado, se não existe o direito, não há causa de pedir, que, na ordem jurídica, produz no sujeito
ativo o direito e no sujeito passivo a obrigação.

Aliás, é assente no Direito Processual Civil que, para a constituição e


desenvolvimento do processo, faz-se necessário o atendimento da substância de seu conteúdo, de
forma exposta nos artigos de fato, de modo que possa justificar a pretensão.
A causa pedir não é só o fato matriz da relação jurídica que vinculou os sujeitos da
lide, como por igual o fato de que derivou o dever de prestar do sujeito obrigado ou daquele a quem a
ordem jurídica imputa o dever de determinado comportamento.

Ora, a própria inicial deixa evidente a inexistência de causa de pedir para lastrear a
pretensão ministerial, porque não existe prova do suposto dano ao meio ambiente, senão mera
lavratura de auto de infração ambiental cuja presunção não é absoluta.

Em verdade o pedido exarado na inicial é uma verdadeira confusão, não se


sabendo de forma honesta e consistente o que pretende o Ministério Público Estadual, inclusive,
porque pede para condenar o Requerido em obrigações de fazer e pagar, por presunções e
conjecturas, perdendo-se nas suas ilações que não chegam à conclusão lógica. Isto é, há pedidos
incompatíveis entre si (art. 330, § 1º, IV do CPC).

E mais. A petição inicial se mostra desconexa e inconsequente, porque a


exposição dos fatos não decorreu a conclusão lógica, valendo dizer que a narratio e a conclusio não
atendem as regras formais necessárias para este tipo de ação, sequer objetivando e determinando o
que realmente pretende, conforme já alegado ut retro e ainda, tudo sem a certeza da alegada
infração.

In casu, falta os pressupostos legais e documentos essenciais, como vistoria no


local da origem, imagens de satélite georreferenciada da data da ocorrência dos alegados danos,
polígono com coordenadas geográficas da área danificada, e demais situações capazes de permitir a
concretude da suposta infração.

Some-se, neste passo, que os documentos apresentados não possuem o condão


absoluto de importar na veracidade do apontado, sobretudo, porque a via administrativa muitas
vezes, está dissociada dos fatos e que, inclusive, desrespeita a ampla defesa e o contraditório.

Com efeito, o simples ato de lavrar um auto de infração ambiental não pode ser
considerado como critério único e passível de justificar sequer a propositura de uma ação civil
pública, especialmente quando não houver decisão terminativa irrecorrível nos respectivos autos
administrativos e, ainda, se ausentes maiores elementos que permitam a conclusão sobre o dano
ambiental imputado.

O Ministério Público Estadual não fundamentou objetivamente qual o dispositivo de


Lei Ambiental foi realmente violado pelo Requerido, limitando-se a criar na inicial, um emaranhado de
citações vazias e inadequadas para especificar uma pretensão que pudesse lastrear a ação civil
pública.

Deste modo, maxima venia, a presente ação é natimorta, posto que não possui
materialidade da suposta conduta do Requerido. Não obstante os argumentos já mencionados, não
há menção da data do suposto dano, nem documentos juntados capazes de permitir, sequer, de
forma sumária, a conclusão sobre a prática da tipificação ambiental pelo Requerido.
Assim sendo, está mais do que evidente a falta de atendimento aos incisos I, III e
IV do § 1º, art. 330 c/c inciso IV, do art. 337, todos do Código de Processo Civil, pelo que se requer a
decretação de inépcia da inicial, com a consequente extinção do processo sem julgamento do mérito.

3.2. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL

Inobstante o exposto alhures, falta ao Ministério Público Estadual o interesse de


agir indispensável para permitir a admissibilidade da demanda com seu consequente processamento
e julgamento.

O Legislador Brasileiro, sempre zeloso com a ciência processual civil, fez inserir no
art. 17 do Código de Processo Civil, que para propor ou contestar uma ação, é necessário ter
interesse e legitimidade. Disso deflui que o autor deve demonstrar com a inicial, as condições da
ação consistente no interesse de agir, na legitimidade para a causa e na possibilidade jurídica do
pedido.

Bem analisados os autos, verifica-se que ao Ministério Público Estadual, o


interesse de agir, seria o proveito ou a utilidade que evidentemente tiraria com o exercício desta
ação, ante à violação de direitos transindividuais ou metaindividuais. No entanto, tal violação não foi
objetivada na inicial, traduzindo-se inidônea para lastrear a ação civil pública.

No caso sub judice, nenhum receio de violação pode ter o Ministério Público
Estadual, pela simples e convincente razão de não ter direito algum, até por uma questão de lógica,
haja vista que imputa ao Requerido suposto ilícito de degradar vegetação nativa sem autorização,
sem provar o nexo causal, ou seja, quem deu causa ao suposto dano ambiental.

Logo em seguida, o Ministério Público Estadual expõe que está devidamente


demonstrado o liame causal entre a conduta e o Requerido, sem apontar qual regra ou
enquadramento legal o Requerido infringiu e sem demonstrar nenhuma prova de materialidade ou
autoria.

Resta evidente que o nexo causal entre o alegado fato e a conduta do Requerido
deve estar comprovado, pois a simples autuação por supostamente destruir floresta na área rural,
não significa que deu causa à infração, mesmo porque, a autuação foi lavrada por imagens
geoprocessadas que sequer mencionam com exatidão a data dos alegados danos ambientais, o que
por si, torna duvidosa a alegada infração que não goza de presunção absoluta.

É necessário dizer, o que estamos assistindo atualmente é o excesso ou a


síndrome da defesa ambiental, que está criando uma verdadeira guerra contra o sistema produtivo do
País, em nítida ofensa ao princípio do desenvolvimento, da atividade econômica e até mesmo do
direito à propriedade, constitucionalmente assegurados.
O meio ambiente e os recursos naturais merecem proteção que a lei confere, mas
o excesso abusivo fere os critérios de justiça, tornando esta justiça que se pretende neste processo
tornar inimiga do seu próprio fim, ou seja, a garantia social. Nesse contexto, o interesse processual
não está presente nos autos.

Por tais motivos, maxima venia, impõe-se a extinção do processo sem julgamento
do mérito, pois ausência de interesse processual do Ministério Público Estadual, nos moldes que
determina o art. 17 e art. 337, XI, do Código de Processo Civil.

4. DO MÉRITO

4.1. PRESCRIÇÃO – PRETENSÃO REPARATÓRIA x PRETENSÃO


RESSARCITÓRIA

No caso em testilha, o Ministério Público Estadual requer a condenação do


Requerido ao pagamento de dano moral coletivo e de dano ambiental, se baseando em auto de
infração ambiental lavrado em 2015 por imagens geoprocessadas, que sequer menciona a data de
ocorrência dos referidos danos, caracterizando assim, a prescrição da ação de reparação.

Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal - STF reconheceu a


repercussão geral sobre o tema da imprescritibilidade do dano ambiental, que rendeu azo à edição
do Tema 999, fixando-se por ocasião do julgamento a seguinte Tese: "é imprescritível a pretensão de
reparação civil do dano ambiental". 

Maxima venia, a questão merece melhor análise.

Maria Helena Diniz1 ensina que o instituto da prescrição pode ser conceituado
como a perda da pretensão de exigibilidade atribuída a um direito, em razão da inércia do seu titular,
no prazo legal, cujo termo inicial é o da violação do direito. Por pretensão, entenda-se o poder de
exigir coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico (prestação), surgida a partir da violação do
direito.

Enquanto a Lei da Ação Civil Pública nada dispõe acerca da prescrição, o artigo
189 do Código Civil de 2002 dispõe que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206. Por sua vez, o artigo 206, §
3º, inciso V, do mesmo diploma legal, determina prescrever em três anos a pretensão de reparação
civil, resguardadas as hipóteses de incidência de causas suspensivas ou interruptivas.

1
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 256-257.
Carlos Roberto Gonçalves2 lembra que o instituto da prescrição é necessário, para
que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos.

Referida tranquilidade já era apontada por Pontes de Miranda 3 muito antes da


vigência da Constituição Federal de 1988, sob o argumento de que os prazos prescricionais servem à
paz social e à segurança jurídica. Segundo o renomado doutrinador, a prescrição não destrói direito,
tão pouco apaga as pretensões, e sim, atendem à conveniência de que um direito não perdure por
demasiado tempo.

Temos, portanto, que a prescrição objetiva preservar a estabilidade social e a


segurança jurídica, de modo que não existam relações jurídicas perpétuas, que poderiam obrigar ad
eternum outros sujeitos, causando-lhes tormentas constantes ao ponto de serem obrigados
indefinidamente à reparação.

No entanto, o legislador também prevê expressamente causas de


imprescritibilidade, como a prática do racismo, prevista no artigo 5º, inciso XLII; a ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional do Estado Democrático elencada no artigo
5º, inciso XLIV; a impossibilidade de usucapião de imóvel público nos termos do artigo 183, § 3º; e,
os direitos sobre terras indígenas, conforme preceitua o artigo 231, § 4º, todos da Constituição
Federal.

Logo, a regra é a prescritibilidade das pretensões, regra esta que comporta


exceções que somente a Constituição Federal, explicita ou implicitamente prevê, mas quando
implícitas, dependem de profunda análise e interpretação, pois ao contrário, estar-se-ia confrontando
o próprio texto constitucional, especificamente em relação ao princípio da segurança jurídica.

Ocorre que a prescrição não é uma mera opção do legislador. Ao contrário, está
inserida em um grupo de institutos jurídicos que são corolários diretos e obrigatórios do próprio
princípio da segurança jurídica, compreendido por Canotilho4, como um dos grandes pilares do
próprio Estado Democrático de Direito, ao lado do princípio da legalidade.

Nesse sentido, o renomado doutrinador Paulo de Bessa Antunes 5 pontua o


confronto entre a imprescritibilidade e a segurança jurídica:

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que, nos casos individuais, uma vez que o autor
esteja cientificado da lesão e do seu autor, contra si começa a fluir o prazo prescricional.
Em se tratando das ações coletivas, isto é, das ações civis públicas, não vejo porque a
situação deva merecer tratamento diferente. Em primeiro lugar, há que se considerar que,
na forma do art. 5° da Lei 7347/85, existe previsão legal para a legitimidade ativa de toda
uma infinidade de autores, legitimidade esta que tem sido ampliada pelos tribunais desde
há muito tempo. Assim, o temor de que o bem jurídico meio ambiente fique desprotegido
é, evidentemente, despropositado. Entretanto, não é despropositado o temor de que a
2
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 316.
3
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. São Paulo: RT, 1971, p. 131.
4
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 258.
5
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2012, p. 74-75.
manutenção de questões abertas e sem definição legal clara possam desequilibrar
relações jurídicas e violar os preceitos de justiça que devem informar à ordem jurídica.
[...]
O importante da manutenção da possibilidade teórica da ocorrência da prescrição é
assegurar que o equilíbrio jurídico não seja quebrado, garantindo a existência do preceito
de justiça que, ante a existência da responsabilidade objetiva, sofre uma transmutação
significativa. Romper a barreira prescricional seria, no caso concreto, estabelecer um nível
insuportável de falta de isonomia, com graves reflexos para a vida do direito e,
reflexamente, para a atividade econômica.

Para o Ministro Mauro Campbell Marques do Superior Tribunal de Justiça, ao


proferir voto vista no Recurso Especial n. 1.120.117, as pretensões de ressarcimento por violação
aos direitos fundamentais, tanto na esfera moral como na patrimonial, ainda que em sede coletiva,
não poderiam ser cobertas pela imprescritibilidade, pelo simples fato de possuírem natureza
sancionadora. Por isso seria correta a incidência dos prazos legais de prescrição previstos na
legislação. É que, como visto ut retro, a Constituição Federal quando declara a imprescritibilidade de
ações, sempre o faz de maneira expressa.

Pois bem. Um dos maiores administrativistas do país, o Professor Celso Antônio


Bandeira de Mello, após defender a imprescritibilidade para os atos de improbidade administrativa
durante anos, se convenceu que essa tese era insustentável diante do direito de defesa. Veja o que
ensina o emérito doutrinador6:

Até a 26ª edição deste Curso admitimos que, por forca do § 5º do art. 37, de acordo com o
qual os prazos de prescrição para ilícitos causados ao erário serão estabelecidos por lei,
ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, estas últimas seriam imprescritíveis.
[...]
Já não mais aderimos a tal desabrida intelecção. Convencemo-nos de sua erronia ao ouvir
a exposição feita no Congresso Mineiro de Direito Administrativo, em maio de 2009, pelo
jovem e brilhante professor Emerson Gabardo, o qual aportou um argumento, ao nosso
ver irrespondível, em desfavor da imprescritibilidade, a saber: o de que com ela restaria
consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se
houvesse increpado dano ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria
necessária além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente longo. De fato, o
Poder Público pode manter em seus arquivos, por período de tempo longuíssimo,
elementos prestantes para brandir suas increpações contra terceiros, mas o mesmo não
sucede com estes, que terminariam inermes perante arguições desfavoráveis que se lhes
fizessem.
Não é crível que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos
princípios que adota no que concerne ao direito de defesa. Dessarte, se a isto se agrega
que quando quis estabelecer a imprescritibilidade a Constituição o fez expressamente
como no art. 5º, incs. LII e LXIV (crimes de racismo e ação armada contra a ordem
constitucional) e sempre em matéria penal que, bem por isto, não se eterniza, pois não
ultrapassa uma vida ainda mais se robustece a tese adversa a imprescritibilidade.

6
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 1080-1081.
Está-se diante de um conflito entre princípios constitucionais. Se de um lado a
prescrição está ligada intimamente à segurança jurídica, ao direito do contraditório e ampla defesa, à
razoabilidade e proporcionalidade, do outro, há o interesse e compromisso em preservar o meio
ambiente, para as presentes e futuras gerações.

É claro que o meio ambiente é essencial à vida e que todos têm o dever de
preservá-lo. No entanto, a Lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei
4.717/65 que regula a Ação Popular, a Lei 9.605/98 que trata dos Crimes Ambientais e o Decreto
6.514/08 que dispõe sobre as infrações administrativas ambientais, por exemplo, já dispõem de
meios importantes para garantir a proteção do meio ambiente, dispensando o reconhecimento da
imprescritibilidade das ações de reparação.

Ora. Não cabe ao aplicador da norma e muito menos ao legislador, eternizar a


hipótese da reparação civil por danos provocados ao meio ambiente, visto que o dano decorre
principalmente da inércia e omissão do próprio Poder Público, o qual tem o dever legal da
fiscalização.

Impor a tese da imprescritibilidade, significaria buscar através do Poder Judiciário,


a criação de um cenário para que em um futuro breve, gerações muito antigas possam ser
responsabilizadas por danos provocados ao meio ambiente. Dessa forma, estar-se-ia terceirizando
às futuras gerações a reparação ambiental.

Outrossim, o fundamento da prescrição não é a convalidação de eventuais atos


ilícitos ou a liberação do sujeito passivo do direito subjetivo. De outro modo, visa garantir a
estabilidade das relações jurídicas, a segurança jurídica e, em última análise, a própria manutenção
do Estado Democrático de Direito, a fim de que não se perpetuem situações de sujeição jurídica, em
que o fator tempo só faz degradar, desfigurar, deturpar quaisquer tentativas de busca da verdade.

Por tais razões, se mostra razoável reconhecer a prescrição da pretensão


ministerial no tocante a obrigação de reparar o suposto dano ambiental, ou, alternativamente,
reconhecer a prescrição tão somente em relação ao pagamento de indenização, porque esta última,
não há dúvidas, prescreve, conforme expressa previsão do art. 206, § 3º, inciso V do Código Civil,
sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, da segurança jurídica, da
propriedade e de sua função social, constitucionalmente assegurados.

4.2. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL

Antes de se adentrar na análise em si, cumpre observar que os pedidos de


reparação por dano material são incabíveis na espécie, porque não há nexo de causalidade para
responsabilização do Requerido.
De fato, é certo que a responsabilidade civil ambiental adotou a regra da
responsabilidade civil objetiva, no entanto, a despeito de se prescindir de culpa, para imputar ao
Requerido a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado ou pagar indenização por dano
ambiental, faz-se necessária a presença dos pressupostos da existência do dano devidamente
caracterizado e do nexo de causalidade entre o dano e a atividade causadora do dano propriamente
dito.

Ocorre que, a pretensão do Ministério Público Estadual, apesar de estar baseada


nas regras da responsabilidade civil objetiva, não comprova que seus pressupostos estão presentes
no caso concreto, pois, é possível verificar que a existência do nexo causal objeto da presente lide foi
apenas inferido, e não comprovado, e nem poderia, porque inexistente.

Tal dedução se deu a partir da narrativa genérica de que o Requerido é o


proprietário do imóvel que teve a vegetação supostamente suprimida sem autorização. Não há
sequer menção à data da ocorrência dos fatos imputados. À propósito, o único embasamento do
Ministério Público Estadual é um auto de infração ambiental e termo de embargo lavrados
remotamente, cuja presunção de veracidade e legalidade não é absoluta.

Antes do mais, evitando-se aqui repetir todo o já sustentado anteriormente,


necessário recordar que a premissa basilar que orienta a conclusão quanto à existência do nexo
causal reside na ideia de que a área pertence ao Requerido.

Veja-se, portanto, que a ação foi proposta indubitavelmente por suposição da


ocorrência de dano ambiental pelo simples fato de existir um auto de infração ambiental cuja
veracidade e legalidade não é absoluta. Nesse ponto, há de se destacar que a ilação – caracterizada
pela inferência, pelos indícios, pelas presunções e pela ausência de prova material – em tudo se
diferencia da comprovação, operação por meio da qual se afirma e se torna irrefutável determinado
fato, que é integralmente demonstrado a partir de provas materiais. É nesse sentido a definição de
De Plácido e Silva7:

COMPROVAÇÃO. Derivado do latim comrobatio, de comprobare, tem significação de


aprovação plena, inteira. Desse modo, comprovação não tem somente o sentido de
indicar o ato de provar novamente ou com nova prova. Mas o de aprovar por inteiro, o que
dá a ideia de uma confirmação integral ao que antes já se tinha provado. A comprovação
é reforço de prova, para torna-la irrefutável. E quando se comprova tem-se a confirmação
integral da prova anterior, que assim se robustece e se avoluma para acentuar a
veracidade da asserção sobre o fato arguido, ou a irrefutabilidade da prova apresentada.
Fatos comprovados, assim, devem ser fatos que se encaram como integralmente
demonstrados ou postos em evidência.

Com isso, torna-se imperioso reconhecer que embora o Ilustríssimo membro do


Ministério Público tenha inferido, ainda que indiretamente, a existência de nexo causal, e até mesmo
de um dano ambiental imputável ao Requerido – o que foi feito por meio de uma operação lógica

7
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 26ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 324.
denominada ilação –, a pretensão exposta na inicial não se sustenta por falta de comprovação da
ocorrência de referido nexo e do citado dano.

Nessa linha de raciocínio, vale mencionar que o excelso Superior Tribunal de


Justiça julgou, em 22.11.2017, o Recurso Especial n. 1.596.081 em sede de Recurso Representativo
de Controvérsia, ou seja, detentor de efeito vinculante capaz de sujeitar todos os Tribunais ao seu
devido cumprimento, em consonância com o artigo 928, inciso II, do Código de Processo Civil 8,
unificando a jurisprudência conforme preconiza o artigo 926 do mesmo diploma legal9.

No referido caso, o e. STJ decidiu que, muito embora a responsabilidade civil


ambiental seja objetiva e integral, é obrigatória a comprovação de nexo de causalidade demonstrada
pela conduta comissiva ou omissiva do adquirente de produto que causou dano ao meio ambiente.
Senão vejamos:

Em que pese a responsabilidade por dano ambiental seja objetiva (e lastreada pela teoria
do risco integral), faz-se imprescindível, para a configuração do dever de indenizar, a
demonstração da existência de nexo de causalidade apto a vincular o resultado lesivo
efetivamente verificado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se
repute a condição de agente causador.10

E no presente caso, como visto, a imputação de responsabilidade civil ambiental ao


Requerido decorre da presunção de ocorrência de nexo causal e de dano ambiental e não de prova
propriamente dita, que como visto, sequer menciona a data da ocorrência do suposto desmatamento,
o qual teria sido verificado através de sistemas a distância (imagens geoprocessadas), isto é, não
houve fiscalização in loco.

Vê-se, pois, que as inconsistências na utilização das regras de responsabilidade


civil ambiental para buscar a condenação do Requerido, em razão de estarem ausentes no presente
caso a comprovação do dano ambiental e do nexo causal, afasta a pretensão ministerial da
remansosa jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Assim sendo, mostra-se de rigor o reconhecimento da inexistência de nexo causal


de comportamento do Requerido ou mesmo de danos ambientais a serem reparados e/ou
indenizados no presente caso, bem como a aplicação do entendimento firmado pelo Superior
Tribunal de Justiça em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, em consonância com o
artigo 927, inciso III11, do Código de Processo Civil de 2015, para afastar a pretensão deduzida na
exordial.

8
Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em: [...] II - recursos especial
e extraordinário repetitivos.
9
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
10
Recurso Especial 1596081, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, DJe
21.11.2017.
11
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: [...] III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
4.3. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO SIMULTÂNEA DE
OBRIGAÇÕES DE RECUPERAR (FAZER) E DE INDENIZAR (PAGAR)

As formas de reparação do dano ambiental material podem ser de duas ordens: por
meio da restauração natural e pela indenização pecuniária ou compensação econômica, de forma a
se manter ou recuperar o equilíbrio ecológico. Partindo desse pressuposto, vale destacar que a
exordial se encontra maculada em razão da existência de vício concernente à cumulação de pedidos
pretendidos pelos Autores.

Isso porque, in casu, o Ministério Público Estadual pretende que o Requerido seja
condenado a realizar simultaneamente, no mesmo procedimento, a obrigação de pagar quantia
(requerendo, para tanto, que seja arbitrado valor a título de danos morais coletivo) e obrigação de
fazer (consistente na recuperação do dano ambiental efetivado, mediante o pagamento do valor total
de R$ 12.640.540,25).

No entanto, o artigo 3º da Lei Federal 7.347/1985 12 impede a cumulatividade de


condenação em dinheiro e o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer dirigidos para o mesmo
fim.

De fato, há três formas principais de reparação do dano ambiental: (i) a restauração


natural ou in specie; (ii) a compensação por equivalente ecológico; e, (iii) a indenização pecuniária.
Não estão elas hierarquicamente em pé de igualdade, já que a indenização, por sua ineficácia em
termos de salvaguarda do bem ambiental, deve ser a última ratio, de viés eminentemente
pedagógico, para que não se cogite, jamais, situação de impunidade.

A modalidade ideal – e a primeira que deve ser tentada, mesmo que mais onerosa
– é a restauração natural do bem agredido, cessando-se a atividade lesiva e, repondo-se a situação o
mais próximo possível do status anterior ao dano, ou adotando-se medida compensatória
equivalente. Isso porque o direito constitucionalmente assegurado é o da higidez ambiental, de modo
que se deve priorizar a completa recuperação do meio ambiente antes de cogitar-se em
indenização13.

Reveladas insuficientes ou inviáveis – fática ou tecnicamente – a reparação in


specie, ou, a seguir, por meio de compensação, admite-se a indenização em dinheiro, como meio
indireto de sanar a lesão. A indenização, portanto, somente é recomendada nos casos em que a
reparação integral do dano ambiental, por meio da restauração natural ou da compensação, não é
alcançada.

12
Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
13
FINK, Daniel Roberto. Desconsideração da personalidade jurídica em direito ambiental. Em MILARÉ, Édis (Coord.). Ação Civil
Pública após 30 anos. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 208.
Sobre o tema, José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala 14 ensinam que
a quase inviabilidade da recomposição do dano ambiental não redunda na irreparabilidade do
mesmo. A sociedade tem a seu lado os mecanismos jurisdicionais de reparação, conforme já
referido, e que servem para obrigar o agente a ressarcir, de forma mais integra possível, a lesão
ambiental. [...] Não sendo possível a reparação natural, como instrumento subsidiário de reparação,
deve-se cogitar da utilização da compensação ecológica. Assim sendo, sempre que não for possível
reabilitar o bem ambiental lesado, deve-se proceder a sua substituição por outro funcionalmente
equivalente ou aplicar a sanção monetária com o mesmo fim de substituição.15

Nesse sentido, no que se refere à cumulação das obrigações de recompor o dano


e de pagar indenização pecuniária, conforme pretende a petição inicial, a jurisprudência firmou o
entendimento de que tais pedidos são auto- excludentes, sob pena de reparação bis in idem. Afinal, o
artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, estabelece que é o poluidor obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
afetados por sua atividade. In verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL MORAL E COLETIVO. INDENIZAÇÃO.


REPARAÇÃO DO DANO MATERIAL E AMBIENTAL DURANTE O PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO DO RECURSO. Tanto o dano ambiental quanto o
moral e material são ''de lege lata'' indenizáveis. Havendo reparação daqueles danos no
curso do respectivo processo administrativo não há se falar em indenização judicial, pena
de reparação ''bis in idem'.'16

Ou seja, a fixação de medida indenizatória tem lugar quando as medidas de


reparação, tal como descritas acima, não forem suficientes. Exatamente por não importar o
restabelecimento do ambiente lesado, a indenização não está relacionada, não se quantifica e nem
se orienta pelo princípio da reparação integral.

14
José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala fazem a seguinte crítica: “É preciso observar, entretanto, que a restauração
natural deve ser sempre priorizada e, apenas quando esta não for possível, deve- se então aplicar a indenização pecuniária ou a
substituição do bem por outro equivalente, como forma de compensação ambiental. A viabilidade de uma ou outra forma de
reparação deve, vale ressaltar, ser precisada por perícia. Em relação à aplicação do instituto da compensação ecológica, quatro
parâmetros devem ser observados visando à eficácia deste mecanismo: 1. Em primeiro lugar, deve-se fazer uma valoração
econômica do bem ambiental. Trata-se de um processo que deve levar em consideração as gerações futuras e fundamentar-se em
uma visão ecocêntrica, abandonando o clássico antropocentrismo utilitarista. 2. Em seguida, considera-se que as medidas
utilizadas no sistema de compensação devem observar os princípios de equivalência, razoabilidade e proporcionalidade. 3. Outro
parâmetro a considerar é o estabelecido pela União Europeia pela Diretiva 2004/35/CE e transportada para o direito português pelo
Dec.-lei 147/2008, que preceitua, no seu anexo V, medidas de reparação primária, complementar, reparação compensatória e
perdas transitórias. 4. Por fim, convém observar que o valor obtido com a compensação deve ser destinado primordialmente ao
local afetado, pois é neste onde ocorrem impactos negativos à natureza, As medidas compensatórias aplicadas no local afetado
beneficiam tanto o meio ambiente como a comunidade prejudicada. O mecanismo da compensação ecológica, como visto, é uma
resposta econômica à questão do dano ambiental. Trata-se, portanto, deu uma solução ainda precária ao problema da crise
ambiental, pois não foge muito da racionalidade utilitarista, quando deveria procurar maior comprometimento ético com o bem
ambiental e as gerações futuras” LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p.219-220.
15
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 6ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 215.
16
TJMG. Processo nº 1.0024.05.705147-6/001. Rel. Des. Belizário de Lacerda. j. 2.9.2008. v.u.
Repise-se que, a imposição de mais de uma sanção para uma mesma conduta
ilícita constitui fragrante ofensa ao nom bis in idem, enquanto projeção jurídica do princípio da
proporcionalidade, ambos garantias constitucionais.

Desse modo, mostra-se descabido e equivocado o pedido de condenação de pagar


indenização por dano material e moral coletivo cumulado com o de recuperar integralmente o meio
ambiente, para além do seu descabimento no caso em concreto pela ausência do próprio dano
ambiental, até mesmo por configurar afronta ao consagrado princípio do non bis in idem.

Portanto, considerando a evidente cumulação indevida e excessiva de condenação,


devem ser inadmitidos os pedidos ministeriais.

4.4. INADEQUAÇÃO DO CÁLCULO DO SUPOSTO DANO MATERIAL

Ainda, faz-se necessário, ad argumentandum tantum, e ante o princípio da


eventualidade, discutir o critério de cálculo do quantum indenizatório.

Entende-se a complexidade em estabelecer parâmetros econômicos para


quantificar o suposto dano, visto que o dano ambiental é de difícil valoração, porquanto a estrutura
sistêmica do meio ambiente dificulta ver até onde e até quando se estendem as sequelas do suposto
estrago.

No entanto, no caso em voga, a falta de critério minimamente razoável para fixação


do pretendido quantum indenizatório torna-o simplesmente inexequível e impraticável, demonstrando,
tão só, desproporcionalidade e falta de amparo legal.

Para quantificação econômica do suposto dano ambiental objeto da demanda, o


Parquet alega ter seguido a orientação técnica para a valorização de danos ambientais do Ministério
Público do Estado de Mato Grosso.

Maxima venia, o alegado documento juntado aos autos não possui o condão de
valorar eventual dano ambiental, porquanto se trata de mera tabela desprovida de qualquer
informação precisa da área ou do suposto dano, ferindo de morte o princípio do contraditório e da
ampla defesa. Não há uma fórmula de cálculo nem qualquer outra informação, senão simples
números desprovidos de qualquer informação técnica. E como se não bastasse, o cálculo é baseado
em informações extraídas de auto de infração ambiental lavrado com base em sistemas remotos,
cujo processo administrativo sequer transitou em julgado.

O referido documento técnico utilizou métodos de valoração econômica associados


aos recursos ambientais que foram perdidos no processo de destruição de florestas tropicais. Em
análise apenas dos documentos juntados na presente ação civil pública, qual seja, o cálculo
apresentado pelo Ministério Público Estadual, a conclusão é de que o método escolhido, além de
inadequado, utilizou parâmetros desproporcionais e distantes da realidade.
O valor extraordinário, sem observância à razoabilidade e proporcionalidade, é
alcançado inclusive porque o montante apurado incluiu até mesmo o custo de recuperação da área.
Ou seja, há pedido de reparação in natura, e o cálculo apresentado serve para postular que,
simultaneamente, seja o dano indenizado, estando embutido no valor da indenização pleiteada
novamente o custo da reparação in natura. Em outras palavras: o custo de recuperação da área está
sendo exigido duplamente.

Portanto, mesmo que os supostos danos materiais estivessem configurados, não


merece ser acolhido o quantum indenizatório alvitrado na exordial, ou seja, o montante de R$
12.640.540,25, porquanto resultou de estudo técnico desprovido de critério razoável, fixando valores
desproporcionais e sem qualquer amparo legal.

Diante disso, mostram-se inadmissíveis as metodologias utilizadas no cálculo que


instrui o pedido de indenização, resultando em valor totalmente equivocado e exorbitante que não
permitem extrair qualquer base ou fórmula de cálculo.

Lado outro, a reparação de danos ambientais, como visto, sempre tem por fim
buscar o reequilíbrio social e ecológico do meio afetado, impondo-se ao seu causador adotar e arcar
com práticas de fazer ou de não fazer, ou ainda pagar pelo correspondente prejuízo ocasionado
quando o dano for irreversível ou de difícil reparação.

Como já perpassado, a indenização do dano mede-se por sua extensão conforme


preconiza o artigo 944 do Código Civil, o que significaria que aquele que causar o dano deve repará-
lo ou indenizá-lo ainda que isso representasse a sua aniquilação econômica, porquanto a respectiva
atividade assumiu tal risco.

Contudo, é preciso considerar que o parágrafo único do aludido artigo 944 do


Código Civil, dispõe que conquanto a regra geral da responsabilidade civil disponha que a
indenização se mede pela extensão do dano, se houver excessiva desproporção entre a gravidade
da culpa e o dano poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. Tal proposição normativa,
fundamenta-se, sem dúvida, no princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

Além disso, também sob o aspecto da infringência dos princípios da razoabilidade


e da proporcionalidade é que não se sustenta a pretensão condenatória do Ministério Público, na
medida em que não há proporção adequada entre os meios que se quer empregar e o fim que se
pretende alcançar, consistente na recuperação do suposto passivo ambiental do imóvel objeto da
lide. Ou seja, trata de medida excessiva.

Sobre a razoabilidade, vale observar o que nos ensina a mais abalizada doutrina:

Pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também
ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis –, as condutas desarrazoadas,
bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias
que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e
disposição de acatamento às finalidades da lei. É de se ressaltar, porém, que, mesmo
quando a norma confere ao julgador parâmetros de flexibilidade na sua aplicação, isto é,
quando lhe concede uma margem de variação à prolação do ‘decisum’, não o afasta dos
princípios da razoabilidade e da fundamentação baseada na prova dos autos (poder
vinculado).17

Nessa linha, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ressalta que o princípio da razoabilidade
impõe adequação entre meios e fins, sendo vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções
em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público18.

Por seu turno, a aplicação do princípio da proporcionalidade nas ações judiciais é


matéria já examinada pela doutrina:

O princípio da proporcionalidade decorre diretamente da noção de justiça, da ‘justa


medida’, da ‘moderação’.19
Não é lícito ao juiz construir, dentre várias, a tutela que, simplesmente, lhe parece mais
oportuna. Isso porque, na fixação dos feitos práticos da sentença, estará ele submetido ao
princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade, devendo optar pela tutela mais
ajustada a esse imperativo constitucional. 20

Assim, à luz dos argumentos expostos acima, evidencia-se a ausência de


proporcionalidade e razoabilidade na pretensão condenatória do Ministério Público Estadual, motivo
pelo qual ela deve ser desconsiderada.

E utilizando-nos da obra de Maria Fernanda Dias Mergulhão21, há forte tendência


doutrinária de aplicação do parágrafo único do artigo 944 do Código Civil também à responsabilidade
civil objetiva.22 Ou seja, a ponderação judicial em relação à responsabilidade civil ordinária a que se
refere o Código Civil seria igualmente aplicável à responsabilidade ambiental objetiva, mas não em
relação à ponderação da culpa frente ao dano, mas sim, procurando-se evitar condenações
indenizatórias desproporcionais ou, ainda que baseadas no valor integral do dano ambiental (se
fosse calculá-lo), aniquilasse completamente uma atividade econômica produtiva.

Observe-se aqui que não se está a defender a aplicabilidade do referido dispositivo


do Código Civil no sentido de flexibilização da responsabilidade civil ambiental – indisputavelmente
objetiva e fundada na teoria do risco integral a –, mas na perspectiva de temperança que impõe o
princípio da proporcionalidade.23

Sim, os esforços para que o poluidor arque com a reparação dos efeitos
ocasionados pela sua atividade ou seu empreendimento devem ser ponderados com os princípios da
17
Joel Dias Figueira Júnior. Comentários ao Código de Processo Civil. Apud José Eduardo Suppioni de Aguirre. Aplicação do
Princípio
18
da Proporcionalidade no Processo Civil. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 194.
Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas. 2007, p. 72.
19
Wilson Antônio Steinmetz. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade. Apud José Eduardo
Suppioni
20
de Aguirre. Ob. cit., p. 110 e 111.
José Eduardo Suppioni de Aguirre. Ob. cit., p. 194.
21
MERGULHÃO, Maria Fernanda Dias. Indenização integral na responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2014.
22
MILARÉ, Édis; FRANCO, Rita Borges Franco. Reparação integral: “pensando melhor”. Revista do Advogado. ANO XXXVII,
Março 2017, nº 133, p. 51-59.
23
Idem, ibidem, p. 57.
razoabilidade e da proporcionalidade, sobretudo em razão da corrente expectativa de se manter a
atividade econômica respectiva – salvo casos de atividades inerentemente ilegais ou predatórias –
para o bem da manutenção de empregos diretos e indiretos, pagamento de impostos e, em última
instância, a reprodução do desenvolvimento econômico que a sociedade espera obter.

Afinal, como já referido, a manutenção da ordem econômica (artigo 170 da


Constituição Federal de 1988) e a preservação do meio ambiente (artigo 225 da mesma Carta) são
valores constitucionais que devem coexistir e balancear os atos do judiciário e da administração
pública em matéria ambiental. Isso significa que embora seja premente a obrigação de reparar um
dano ambiental, também é importante observar que o montante a ser gasto em decorrência de tal
circunstância danosa não pode onerar o particular de forma a inviabilizar ou dificultar a continuidade
de suas atividades. É o que vem sendo preconizado na jurisprudência. Confira-se:

AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DERRAMAMENTO DE ÓLEO.


RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. AGENTE POLUIDOR. EVENTO DANOSO.
NEXO CAUSAL. LAUDO PERICIAL. EXISTÊNCIA ANTERIOR DE ELEMENTO
POLUIDOR NO LOCAL. IRRELEVÂNCIA. VALOR MONETÁRIO DA INDENIZAÇÃO.
PROPOSTA EMITIDA PELA CETESB. VALIDADE. PECULIARIDADES DO CASO
CONCRETO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO.
POSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO CONVERTIDA NA MOEDA DE CURSO LEGAL AO
TEMPO DO FATO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS INCABÍVEIS. [...] 8. A fixação de indenizações desmesuradas, a pretexto
de defesa do meio ambiente, configura intolerável deturpação da mens legis , não
podendo o Estado valer-se do silêncio da lei para espoliar o poluidor, a ponto de tornar
inviável o respectivo empreendimento. [...]” (TRF3. Apelação e Reexame Necessário nº
0206469-90.1994.4.03.6104, 6ª Turma, Rel. Desembargadora Federal Consuelo Yoshida,
D.J.e 10/11/2011).

Em decisão do Superior Tribunal de Justiça, de Relatoria do Ministro Raul Araújo,


impôs-se que a quantificação da indenização deve advir de um juízo de ponderação entre a
razoabilidade e a proporcionalidade, sendo ao mesmo tempo uma compensação e um meio de
caráter pedagógico. Vejamos:

As perdas e danos decorrentes de responsabilidade civil ambiental objetiva compreendem


prejuízos (danos emergentes), decorrentes da proibição da pesca, e lucros cessantes
derivados da ausência de possibilidade do exercício normal dos afazeres profissionais do
pescador no período de recuperação da ictiofauna. Em se tratando de verbas
indenizatórias decorrentes de danos materiais, para os quais o salário mínimo vigente à
época do acidente é o parâmetro, os juros moratórios incidirão da data do evento danoso
(Súmula 54 do STJ) e a correção monetária, por se tratar de atualização da moeda, será
aplicada de acordo com o INPC, a partir da data do ajuizamento da ação, como pedido.
Na quantificação da indenização do dano moral, o juízo de ponderação entre os critérios
de proporcionalidade e razoabilidade é relevante para que o montante da condenação
possa tanto ser uma compensação para a vítima, quanto punir e prevenir, por meio de um
caráter pedagógico, condutas do infrator. (STJ. Recurso Especial nº 1.293.799/PR
2011/0274213-6, Decisão Monocrática, Rel. Ministro Raul Araújo, D.J.e 01/02/2017).
Em outro giro, é necessário registrar que sempre se convencionou que o sistema
da responsabilidade ambiental tem também um sentido pedagógico, que visa a educar a sociedade,
o Poder Público e o poluidor propriamente dito, visando a desestimular a ocorrência de episódios
similares no futuro.

E a indenização propriamente dita, por não estar – como já referido – vinculada ao


princípio da reparação integral, tem caráter eminentemente pedagógico. Ou seja, não sendo possível
a reparação in situ ou ex situ, direcionada ao restabelecimento do equilíbrio ecológico, todo e
qualquer valor de condenação em pecúnia será insuficiente, donde se conclui não fazer sentido fixar
valores indenizatórios que acarretem, por si sós, a aniquilação da atividade econômica do poluidor,
apenas e tão somente para registrar a imposição, no caso concreto, de sanção civil.24

Não há, portanto, como dissociar qualquer critério ou parâmetro para o cálculo de
dano ocasionado ao meio ambiente dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
buscando-se alcançar, de um lado, o reequilíbrio do meio socioambiental lesado e, de outro lado,
manter a atividade econômica para o bem do desenvolvimento da sociedade brasileira.

Assim, deve-se se levar em consideração para valoração de eventual dano


ambiental no presente caso, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que como visto,
foram desconsiderados pelo Ministério Público Estadual em sua exordial.

4.5. INEXISTÊNCIA DE DANO MORALCOLETIVO

Não obstante o pedido de condenação pelo suposto dano, o Ministério Público


também pretende a condenação do Requerido ao pagamento de indenização por dano moral
coletivo, arbitrando-se condenação em pecúnia in fine.

No entanto, o fato de não haver comprovação do dano ambiental causado pelo


Requerido, como veementemente demonstrado ut retro, já é suficiente para afastar qualquer tentativa
de lhe imputar a responsabilização de pagamento de indenização pecuniária a qualquer título,
inclusive em dano moral coletivo. De todo modo, para fins de cautela, passamos a abordar
especificamente esta questão.

O dano ambiental moral ou extrapatrimonial caracteriza-se pela ofensa,


devidamente evidenciada, aos sentimentos, seja individual ou coletivo, resultantes da lesão ambiental
patrimonial. Vale dizer, quando um dano patrimonial é cometido, a ocorrência de relevante
sentimento de dor, sofrimento e/ou frustração resulta na configuração do dano ambiental
extrapatrimonial ou moral, o qual, por certo, não decorre da impossibilidade de retorno ao status quo
ante, mas, sim, da evidência desses sentimentos individuais ou coletivos, autorizando-se falar em
danos ambientais morais individuais ou coletivos.

24
MILARÉ, Édis; FRANCO, Rita Maria Borges. Ob. cit., p. 56 e 57..
A única diferença diz respeito ao titular desses sentimentos. Enquanto no dano
ambiental moral individual o lesado será o sujeito unitário – individualizado –, no dano ambiental
moral coletivo esse sentimento negativista perpassará por todos os membros de uma comunidade
como decorrência de uma atividade lesiva ao meio ambiente.

Com todo respeito, o Ministério Público Estadual não demonstrou que existe um
dano moral passível de ser indenizável. Ao contrário disso, com o nítido objetivo de se furtar de
comprovar o que, de fato, não ocorreu, o Parquet se limita a mencionar que quando a sociedade é
forçada a duvidar intensamente da eficácia do controle ambiental, é incentivada a lesar o meio
ambiente com exemplos de impunidade, em atitude que decorre de desonestidade de atos como
narrados nesta petição, e prosseguem trazendo previsões legais, de forma genérica e retórica, a
ocorrência de dano no caso, sem determinar quais foram esses danos, qual a base de cálculo que foi
usada para se chegar a tal valor (que, observe-se, um valor significativo), nem indicar as suas vítimas
diretas, inviabilizando, por consequência, o seu reconhecimento.

Sobre a matéria, o Ministro José Augusto Delgado, em artigo doutrinário, expõe


que, para se configurar o dano moral ambiental, é necessário que o autor da demanda demonstre e
comprove nos autos que a alegada degradação ambiental teria causado comoção social negativa
relativa a sentimento de dor, sofrimento ou vergonha. Confira-se:

Com efeito, a manifestação dos danos morais ambientais vai se evidenciar da mesma
maneira que os danos morais individuais, ou seja, com um sentimento de dor,
constrangimento, desgosto, infelicidade, angústia, etc. A única diferença diz respeito ao
titular desses sentimentos. Enquanto no dano moral individual o lesado será o sujeito
unitário -individualizado -, no dano moral ambiental esse sentimento negativista
perpassará por todos os membros de uma comunidade como decorrência de uma
atividade lesiva ao meio ambiente. Tem-se, assim, aquilo que a doutrina vem
denominando dano moral coletivo.
O dano moral ambiental, dessa forma, irá se contrapor ao dano ambiental material. Este
afeta, por exemplo, a própria paisagem natural, ao passo que aquele se apresentará como
um sentimento psicológico negativo junto à comunidade respectiva.
Nessas condições, o dano material ambiental poderá ou não ensejar um dano moral
ambiental. Dependerá de como tais eventos irão repercutir na comunidade onde se situa o
bem ambiental afetado. Se gerar um sentimento de comoção social negativo, de
intranquilidade, de desgosto, haverá também um dano moral ambiental. [...]
De tudo quanto exposto, corretas são as afirmações dos doutrinadores que visualizam o
meio ambiente como sendo um direito imaterial e incorpóreo, voltado para proteger os
interesses da coletividade. Esta, consequentemente, pode sofrer dano moral. Este
consuma-se quando produz o efeito de instalar a dor física ou psicológica coletiva,
situações que determinam degradação ambiental causadora de mal- estar e ofensa aos
sentimentos de cidadania.25

25
DELGADO, José Augusto. Responsabilidade civil por dano moral ambiental. Informativo Jurídico da Biblioteca
Ministro Oscar Saraiva, v. 19, n. 1, jan./jun. 2008, p. 104 e seguintes.
No mesmo sentido, a jurisprudência tem sido restritiva quanto à cominação de
condenações por dano moral coletivo, admitindo-a somente nas situações em que haja efetiva
comprovação de que o dano ambiental expôs uma determinada coletividade a sentimentos de dor,
sofrimento ou vergonha. Confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA. FRAUDE EM LICITAÇÃO REALIZADA PELA MUNICIPALIDADE.
ANULAÇÃO DO CERTAME. APLICAÇÃO DA PENALIDADE CONSTANTE DO ART. 87
DA LEI 8.666/93. DANO MORAL COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE
REQUESTIONAMENTO. INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO NÃO DEBATIDO NA
INSTÂNCIA “A QUO". 1. A simples indicação dos dispositivos tidos por violados (art. 1º,IV,
da Lei 7347/85 e arts. 186 e 927 do Código Civil de 1916), sem referência com o disposto
no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos
verbetes das Súmula 282 e 356 do STF. 2. Ad argumentandum tantum, ainda que
ultrapassado o óbice erigido pelas Súmulas 282 e 356 do STF, melhor sorte não socorre
ao recorrente, máxime porque a incompatibilidade entre o dano moral, qualificado pela
noção de dor e sofrimento psíquico, e a transindividualidade, evidenciada pela
indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa objeto de reparação,
conduz à não indenizabilidade do dano moral coletivo, salvo comprovação de efetivo
prejuízo dano. 3. Sob esse enfoque decidiu a 1ª Turma desta Corte, no julgamento de
hipótese análoga, verbis: "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO
AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO
MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL.
INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE
(INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E
DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO." (REsp 598.281/MG, Rel.
Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 02.05.2006, DJ 01.06.2006) 4. Nada obstante, e apenas obiter
dictum, há de se considerar que, no caso concreto, o autor não demonstra de forma clara
e irrefutável o efetivo dano moral sofrido pela categoria social titular do interesse coletivo
ou difuso, consoante assentado pelo acórdão recorrido: "...Entretanto, como já dito, por
não se tratar de situação típica da existência de dano moral puro, não há como
simplesmente presumi-la. Seria necessária prova no sentido de que a Municipalidade, de
alguma forma, tenha perdido a consideração e a respeitabilidade e que a sociedade
uruguaiense efetivamente tenha se sentido lesada e abalada moralmente, em decorrência
do ilícito praticado, razão pela qual vai indeferido o pedido de indenização por dano
moral". 5. Recurso especial não conhecido.” (STJ. Primeira Turma. Recurso Especial n.º
821891. Relator: Ministro Luiz Fux. D. J. 12/05/2008).

No mesmo sentido, é o entendimento do e. TJMT:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL –


EXTRAÇÃO DE MADEIRA DE FORMA IRREGULAR – QUANTIDADE SUPERIOR AO
DISCRIMINADO NO DOCUMENTO FISCAL E AMBIENTAL – DESMATAMENTO ILEGAL
– INFRAÇÃO AMBIENTAL CONFIGURADA – PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL COLETIVO - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA RAZOÁVEL
SIGNIFICÂNCIA E GRAVIDADE PARA A COLETIVIDADE DA INFRAÇÃO AMBIENTAL
OBJETO DA DEMANDA –DANO MORAL COLETIVO NÃO CONFIGURADO – RECURSO
DESPROVIDO. Para que seja configurado o dano moral coletivo em matéria ambiental se
mostra necessário que o fato transgressor seja de razoável significância e gravidade para
a coletividade, não visualizado na espécie. (N.U 0000307-92.2015.8.11.0018, CÂMARAS
ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA,
Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/02/2020, Publicado no DJE
08/02/2020).

Pois bem. Considerando que, no caso em tela, o Ministério Público Estadual, além
de ter deixado de demonstrar a conduta antijurídica, a ofensa intolerável, a percepção do dano
causado e o nexo de causalidade entre a alegada conduta do Requerido e as supostas lesões,
sequer demonstrou os sentimentos de dor, sofrimento e comoção social que estaria a coletividade
sofrendo por conta do episódio objeto dos presentes autos, certamente resta evidenciado o
descabimento do pedido de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.

Na realidade, ao justificar o cabimento do pedido de indenização por danos morais


coletivos, restringe-se o Ministério Público Estadual a afirmar, genericamente, que a alegada conduta
do Requerido não pode inspirar exemplo de impunidade.

Contudo, ao fazer tal alegação, deixou de demonstrar o nexo de causal entre o


dano ocorrido e a conduta praticada – que igualmente já se viu, não existiu –, bem como comprovar o
sofrimento coletivo, o que certamente evidencia o descabimento do pedido de condenação ao
pagamento de indenização por dano moral coletivo.

Por essa razão, também não há que se falar em indenização por dano moral
coletivo, assim como já visto quanto ao requerido dano material, sendo que, a improcedência deste
pedido é medida que se impõe.

4.6. NÃO CABIMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

O Ministério Público Estadual postula, ainda, o deferimento de inversão do ônus da


prova. Tal pleito, contudo, não há de ser acolhido.

Importante frisar, inicialmente, que a inversão do ônus da prova tem por finalidade
imputar a produção do ônus da prova ao réu, para que este comprove a não ocorrência dos fatos
relatados pelo autor.

Recorde-se, todavia, que o fato de existir uma dificuldade probatória para uma das
partes não acarreta a inversão do ônus da prova, uma vez que, para o juiz aplicar tal princípio, é
necessário que haja uma desigualdade entre as partes, o que no caso em apreço, de fato, não há.

Acerca do tema, inicialmente, vale observar que o processo de conhecimento tem


como objeto as provas dos fatos alegados pelos litigantes, de cuja apreciação o magistrado deverá
definir a solução jurídica para a lide.

Como se sabe, às partes não basta simplesmente alegar os fatos. Para que a
sentença declare o direito, é preciso, antes de tudo, que o juiz se certifique da verdade do fato
alegado, o que se dá através das provas. Certo que no Direito Processual predomina o princípio
dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial
relevância a questão do ônus da prova.

Este ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos
fatos por ela arrolados seja admitida pelo julgador. Precisamente, nas palavras do renomado
doutrinador Humberto Theodoro Júnior, não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o
direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco
de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direito
subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima
antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.26

Em atenção ao princípio dispositivo, o Novo Código de Processo Civil, em seu


artigo 373, repartiu o ônus da prova entre os litigantes do seguinte modo:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:


I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor.

Logo, cada litigante tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que
pretenda seja aplicado pelo magistrado na solução do litígio. A corroborar o que ora se aduz,
encontramos novamente as preciosas lições de Humberto Theodoro Júnior. Confira-se:

Quando o réu contesta apenas negando o fato em que se baseia a pretensão do autor,
todo o ônus probatório recai sobre este. Mesmo sem nenhuma iniciativa de prova, o réu
ganhará a causa, se o autor não demonstrar a veracidade do fato constitutivo do seu
pretenso direito. Actore non probante absolvitur reus.
Quando, todavia, o réu se defende através de defesa indireta, invocando fato capaz de
alterar ou eliminar as consequências jurídicas daquele outro fato invocado pelo autor, a
regra inverte-se.
É que, ao se basear em fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor, o réu
implicitamente admitiu como verídico o fato básico da petição inicial, ou seja, aquele que
causou o aparecimento do direito que, posteriormente, veio a sofrer as consequências do
evento a que alude a contestação.
O fato constitutivo do direito do autor tornou-se, destarte, incontroverso, dispensando, por
isso mesmo, a respectiva prova (art. 334, nº III).
A controvérsia deslocou-se para o fato trazido pela resposta do réu. A este, pois, tocará o
ônus de prová-lo.
Assim, se o réu na ação de despejo por falta de pagamento nega a existência da relação
ex locato, o ônus da prova será do autor. Mas, se a defesa basear-se no prévio
pagamento dos alugueres reclamados, ou na inexigibilidade deles, o ônus probandi será
todo do réu.27

26
Curso de Direito Processual Civil. 51.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. I, p. 486.
27
Ob. cit., p. 462-463.
À vista desses valiosos ensinamentos, e considerando que na ação civil pública em
questão se discute eventual dano ao meio ambiente que teria sido causado pelo Requerido, fato esse
alegado pelo Ministério Público Estadual, porém, não comprovado, não resta dúvida que cabe a este,
o ônus da prova, nos termos do inciso I do artigo 373 do Código de Processo Civil.

Não se nega que tal regra geral prevista no novo Código de Processo Civil é objeto
de algumas exceções advindas de regras especiais contidas no ordenamento jurídico, dentre elas a
prevista no inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor28.

Trata-se, contudo, de hipótese excepcional, que deve estar atrelada à


vulnerabilidade de uma parte em relação à outra, a evidenciar sua hipossuficiência, especificamente
no que concerne às possibilidades de produção da prova pericial. Ou seja, deve haver situação em
que há, para o autor, dificuldade invencível de realizar a prova de suas alegações 29, ao mesmo
tempo em que há para o réu nítida facilidade na produção da prova relativa aos fatos objetos da
demanda.

Isso posto, temos que o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor
pode sim ser aplicado em ações civis públicas ambientais, porém apenas quando verificadas as
hipóteses legais, de forma que deve haver nítida observância aos princípios da precaução e da
prevenção.

Abre-se aqui um parêntese para elucidar a notável importância da distinção entre


esses dois princípios, os quais, apesar de semelhantes, possuem características próprias, de forma
que não podem ser concebidos como sinônimos.

Sabe-se que o princípio da precaução é a garantia contra as ameaças de danos


graves ou irreversíveis diante da ausência de certeza científica absoluta, de maneira que tal incerteza
não será utilizada como razão para o adiamento de medidas eficazes e economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental. Isto é, se desconhecida a efetiva danosidade ambiental de
determinada atividade ou produto, deverá ser adotada uma postura precaucionista com relação a
esse.

Importante trazer à baila a relevante intervenção feita por Paulo Affonso Leme
Machado sobre esse princípio:

A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades


humanas, não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou
males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das
gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta.30

28
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do
ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
29
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 109.
30
Direito Ambiental Brasileiro, 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 2011, p. 75 e 76.
Por sua vez, o princípio da prevenção tem como objetivo impedir a ocorrência de
danos ao meio ambiente, através da imposição de medidas acautelatórias, antes da implantação de
empreendimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidoras 31. Ou seja, deve
ser aplicado nos casos de atividades das quais já se detenha o conhecimento sobre a efetividade ou
a potencialidade de geração de impactos ao meio ambiente. Fechando-se o parêntese, retoma-se a
narrativa.

Pois bem. As implicações que esses princípios têm no âmbito da matéria de ônus
da prova em ações civis públicas surgem na medida em que:

(i) diante de situações de incerteza científica sobre a danosidade de


determinada atividade, aplicando-se o princípio da precaução, deve o juiz
inverter o ônus da prova, de maneira que caberá àquele que pretende
realizar tal atividade o ônus de provar que dela não decorrerão danos; ou,

(ii) diante de situações onde é possível estabelecer um conjunto de nexos de


causalidade suficiente para delinear os impactos futuros mais prováveis,
onde, ao se aplicar o princípio da prevenção, tem-se que a regra é de que
seja mantida a norma geral, cabendo ao autor provar os fatos objetos da
demanda.

Assim, in casu, não há que se falar em qualquer dano que justifique, seja a
aplicação do princípio da precaução, seja a aplicação do princípio da prevenção. Portanto, apesar de
ser possível entender que o inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor é passível
de aplicação em algumas ações civis públicas ambientais, não há que se falar em tornar sua
aplicação como regra geral a ser aplicada sem qualquer critério ou balizamento.

Com efeito, a prova da existência dos pressupostos alegados na petição inicial


para que a pretensa responsabilidade do Requerido emerja é ônus exclusivo do Ministério Público
Estadual, pois diz respeito ao fato constitutivo do direito que esse entende defender.

Assim, a bem ver, nos litígios ambientais não se vislumbra necessariamente um


desequilíbrio entre os litigantes a ser restabelecido – em que pese a relevância do bem jurídico em
jogo. Tampouco, a dificuldade probatória de uma das partes corresponde à facilidade da outra. Há
casos em que a prova é de difícil produção para ambas as partes. Nesta hipótese, impor ao réu,
sempre e sempre, o ônus da prova, sem que haja previsão expressa de lei, e sem que a relação de
direito material assim o requeira, é atentatório do princípio da isonomia (afinal, se não há
desigualdade a reequilibrar, a inversão do ônus da prova é que causará um desequilíbrio e, por
conseguinte, uma desigualdade).

A inversão do ônus da prova, na forma requerida, acaba por transferir encargo


impossível ao Requerido, porque o episódio que deflagrou a propositura da presente ação é

31
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1071.
fundamentado em auto de infração ambiental cuja presunção de veracidade não é absoluta,
devendo, por este mesmo motivo, ser rechaçada por essa MM. Juíza.

Destarte, à vista de todo exposto, é patente que pleito autoral afronta o disposto no
artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, igualmente não se sustenta por não abarcar, no
caso, hipótese alguma de excepcionalidade que justifique a alteração da regra geral de distribuição
do ônus da prova, razão pela qual deve ser de pronto reformada.

Diante disso, em proteção à não interpretação ampliativa para restringir direitos


individuais e por não ser aplicável à presente ação civil pública a inversão do ônus da prova, resta
evidente, desde logo, seu descabimento.

5. REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA NÃO


ATENDIDOS – REVOGAÇÃO QUE SE IMPÕE

O Ministério Público Estadual requereu a antecipação dos efeitos da tutela para


que o Requerido se abstivesse de exercer qualquer atividade na área, o que foi atendido por este MM
Juízo nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO, com base na motivação supra, DEFIRO o pedido de tutela de


urgência e determino ao requerido que se abstenha de exercer qualquer atividade no local
(pecuária, agricultura, piscicultura, edificações, etc.), somente retornando com a atividade
com autorização do órgão ambiental competente, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00
(um mil reais).

Cediço que o artigo 12 da Lei 7.347/1985 autoriza a concessão de liminar em ação


civil pública, mas somente quando presentes os requisitos discriminados no Código de Processo
Civil, aplicáveis subsidiariamente a presente ação, e com a descrição específica da conduta tendente
à degradação. Contudo, o requerimento, maxima venia, não merecia prosperar, ante a ausência de
demonstração dos requisitos autorizadores para concessão da tutela antecipada.

Isso porque, a concessão de medidas liminares se justifica em situações


emergenciais, a fim de evitar danos frente à demora da prestação jurisdicional. O receio que justifica
a atuação do poder geral de cautela é o que se relaciona a um dano provável, embasado em
circunstâncias concretas ─ e não apenas possível ou eventual ─, e, ainda, a um perigo iminente, de
forma que a espera do curso normal do processo resulte na inutilidade do provimento.

Em se tratando de situação estável, que perdura há anos e sem prova de


materialidade, inexiste o perigo da demora.

Ora. A simples alegação do Ministério Público Estadual de que o fumus boni juris
estaria consubstanciado na notícia de fato, enquanto o periculum in mora decorreria do risco da
ocorrência de sequelas irreversíveis ao meio ambiente, maxima venia, não bastam para a concessão
da liminar.

Para a concessão da medida de urgência se faz necessário e imprescindível a


demonstração, por meio de prova inequívoca, de um dano ou risco efetivo que justifique a
antecipação do provimento jurisdicional pleiteado pela parte, o que não aconteceu no caso em voga.

Em que pese as ponderações lançadas, o Ministério Público Estadual se limitou a


levantar argumentos genéricos no sentido de que as condutas do Requerido causariam gravíssimos
danos ambientais capazes de evoluir para lesões irreparáveis , sem, contudo, imputar qualquer
conduta específica praticada em detrimento do meio ambiente, que, aliás, funda-se tão somente em
auto de infração ambiental lavrado no ano de 2015, sem qualquer menção da data do suposto
desmatamento.

Outrossim, não há qualquer elemento que permita concluir pela exploração


desordenada da área ou pela ocorrência de prejuízo iminente ao meio ambiente, ou sequer se o
terreno rural está sendo explorado pelo Requerido, e, ainda que estivesse, não consta qual a
atividade implementada no local, motivo pelo qual não é possível presumir a degradação ambiental,
como aventado pelo órgão ministerial.

Ademais, antes mesmo da pretensão aqui aviada, é comum que se determine a


prévia fiscalização da área, com a notificação dos proprietários/possuidores para promoverem as
adequações necessárias, culminando, muitas vezes, na assinatura do Termo de Ajustamento de
Conduta pelos responsáveis.

À propósito, o eminente Ministro Marco Aurélio Mello, da Corte Suprema, tem


defendido com veemência que ao magistrado cabe aplicar a Lei:

Nunca é demasiado reconhecer que a atuação do Judiciário é vinculada ao Direito


aprovado pelo legislador, pelo Congresso Nacional. Nessa premissa está a segurança
jurídica, a revelação de viver-se não em um regime de exceção, mas num Estado
Democrático de Direito.32

Logo, na hipótese não estão configurados os pressupostos autorizadores da


medida urgente pleiteada conforme determina a Lei, uma vez que, mesmo que estivesse a sua
pretensão acobertada pela fumaça do bom direito, não restou demonstrado, concretamente, efetivo
perigo de dano grave ou de difícil reparação que possa advir do decisum, requisitos os quais devem
sozinhos, não autorizam a concessão da medida.

Portanto, não existe qualquer perigo de dano, probabilidade do direito ou risco ao


resultado útil ao final do processo que autorizasse, data venia, a concessão da medida, e sendo
assim, impõe-se sua revogação.

32
https://www.conjur.com.br/2020-out-21/marco-aurelio-mello-prisao-preventiva-justicamento, acessado em 22 de outubro de 2020,
às 14h55min.
6. DOS REQUERIMENTOS

Isto posto, requer:

a) A revogação da tutela de urgência concedida, por estarem ausentes os requisitos


autorizadores de sua concessão, nos termos mencionados;

b) Preliminarmente, seja reconhecida a inépcia da inicial e a ausência de interesse processual,


nos termos expostos;

c) No mérito, requer seja reconhecida a prescrição da presente ação, por se tratar de supostos
fatos ocorridos em período anterior a própria lavratura do auto de infração ambiental (2015),
ou, subsidiariamente, tão somente à prescrição em relação ao pedido de condenação ao
pagamento de indenização moral e material, extinguindo-se o feito sem resolução de mérito,
com base no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil;

d) Alternativamente, diante de todo o exposto, requer seja a presente Ação Civil Pública extinta
com resolução de mérito, de acordo com o artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil,
em razão da total improcedência dos pedidos ministeriais;

e) Ad cautelam, protesta-se pela produção de todas as provas em direito admitidas, a serem


especificadas em momento oportuno.

f) Por fim, requer que as futuras intimações sejam feitas, exclusivamente, em nome do
advogado subscritoro.

Pede deferimento.

Florianópolis, 23 de outubro de 2020.

Advogado
OAB/SC
Petição assinada digitalmente
(Lei 11.419/2006, art. 1º, §2º, III, “a”)

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