Cultura e Produção de Conhecimento em Serviço Social
Cultura e Produção de Conhecimento em Serviço Social
Cultura e Produção de Conhecimento em Serviço Social
Capa
Déborah Letícia Ferreira de Sousa, a partir da imagem da aquarelista e tatuadora
Jade Carneiro - @jadecarneiro.arte e @mahadevacustomtattoo
Diagramação
Déborah Letícia Ferreira de Sousa
Revisão
Déborah Letícia Ferreira de Sousa e Fábio Marques de Souza
Conselho Editorial
Prof. Dr. Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly (Aswan University, Egito)
Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei (UFMA, Brasil)
Profa. Dra. Robéria Nádia Araújo Nascimento (UEPB, Brasil)
Comitê Científico
Prof. Dr. Christian Fernando dos Santos Moura (IFSP, Brasil)
Prof. Dr. Eduardo Gomes Onofre (UEPB, Brasil)
Prof. Dr. José Alberto Miranda Poza (UFPE, Brasil)
Profa. Dra. Lilian Barbosa (UPE)
Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina)
Profa. Dra. Mona Mohamad Hawi (USP, Brasil)
213 p.
ISBN: 978-65-87069-90-6
DOI: 10.47180/978-65-87069-90-6
CDD 360
1ª edição
MARÇO / 2023
“Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas
equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens”.
Clarice Lispector
Clarice Lispector,
Um Sopro de Vida (pulsações).
SUMÁRIO
PREFÁCIO 11
INTRODUÇÃO 14
CONSIDERAÇÕES 201
REFERÊNCIAS 204
11
PREFÁCIO
A
vida cruzou caminhos e me deu a sorte de co-
nhecer Flávio José Souza Silva, um jovem e pro-
missor pesquisador na área de Serviço Social.
Doutorando em Serviço Social no Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSS/ESS/UFRJ),
ele tem se destacado pela inteligência, empenho e dedicação à
pesquisa.
O Flávio é intenso, sensível, criativo, cativante e atento às
especificidades do tempo presente. A trajetória dele como pes-
quisador e professor promete ser ainda mais brilhante nos pró-
ximos anos e, certamente, ele será um nome importante na área
de Serviço Social no Brasil e no mundo.
Além deste livro, “Cultura e Produção de Conhecimento em
Serviço Social”, que é resultado de sua dissertação de mestrado,
Flávio já publicou diversos artigos em revistas acadêmicas e
tem participado ativamente de eventos, congressos e da organi-
zação política do Serviço Social desde o movimento estudantil,
como, também do conjunto CFESS-CRESS-ABEPSS.
Esta obra apresenta uma pesquisa consistente sobre a rela-
ção entre a categoria cultura e a direção social do Serviço Social
brasileiro. O autor mapeou teses de doutorado defendidas nos
Programas de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS), dis-
poníveis on-line pela plataforma Sucupira, no período de 2011 a
2017, e analisou as apreensões acerca da categoria cultura e sua
relação com a direção social da profissão.
A obra utiliza como suporte teórico a Teoria Social Crítica
de base marxiana, que permite a apreensão qualificada das di-
mensões que compõem o real, partindo da apreensão da tota-
lidade social. O autor parte da totalidade social para vincular a
12
Boa leitura!
INTRODUÇÃO
1
Segundo Mota (2013, p. 19) “ao reconhecer o Serviço Social como profissão e área do conheci-
mento, poder-se-á objetar que estou advogando em favor de uma divisão técnica do trabalho
profissional, entre os que investigam e os que têm um exercício profissional vinculado às mais
diversas práticas sociais. Ao contrário, o que defendo é a existência de uma unidade entre essas
dimensões, o que não significa uma identidade, visto que há uma distinção entre o âmbito da
produção intelectual e o da ação prático-operativa”.
2
Para Iamamoto e Carvalho (2011), a “questão social” diz respeito às expressões do processo
de formação, desenvolvimento da classe trabalhadora e da sua inserção no cenário político da
sociedade, exigindo, assim, o seu reconhecimento enquanto classe social por parte do empre-
sariado e do Estado.
15
3
Nossa apreensão acerca da categoria ideologia alicerça-se nas contribuições de Marx e Engels
(2009, p. 31), contida na Ideologia Alemã, em oposição à apreensão idealista sobre a “(...) ideo-
logia [onde] os homens e as suas representações aparecem de cabeça para baixo como numa
câmara escura, é porque esse fenômeno deriva do seu processo histórico de vida da mesma
maneira que a inversão dos objetos na retina deriva do seu processo diretamente físico. Em
completa oposição à filosofia alemã, a qual desce do céu a terra, aqui se sobe da terra ao céu”.
Assim, os autores constroem uma nova apreensão sobre a ideologia, materialista.
16
(CHAUÍ, 2016).
Estamos aqui reafirmando uma concepção histórica de clas-
se social, que parte da apreensão que esta é uma práxis; um fazer
histórico que não é um dado fixo, imutável e a-histórico. Aqui
reside a contradição e a dialética: por um lado conseguimos
captar todas as potencialidades transformadoras que a classe
possui, mas, também, há o ocultamento dessas potencialidades
de ser, graças ao “risco de absorção ideológica pela classe domi-
nante, sendo o primeiro sinal desse risco justamente a difusão
de que há uma nova classe média no Brasil” (CHAUÍ, 2016, p.
19).
Assim sendo, pela sua posição no sistema social (não pos-
suindo o poder político do Estado, não sendo classe dominante;
e não possuindo o poder social da classe trabalhadora organiza-
da) seu teor heterogêneo, fragmentário e individualista, a classe
média brasileira não consegue perceber uma causa que a unifi-
que, apesar de que ela se sentiu muito confortável em participar
da “ópera bufa” que foi o processo de golpe iniciado em 2014,
logo depois da vitória da presidenta democraticamente eleita
Dilma Rousseff filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), que
apresentasse, naquele momento histórico (e com novas confi-
gurações, na atualidade), como um ataque à nossa frágil demo-
cracia.
A classe média brasileira é movida pela contradição: o so-
nho de ser classe dominante e o pesadelo de tornar-se (ou de
descobrir que é) classe trabalhadora, externando-se enquanto
uma classe ideologicamente conservadora, reacionária, tendo
seu papel social e político muito claro que é o de assegurar a
hegemonia4 ideológica da classe dominante (CHAUÍ, 2016).
4
Gramsci (2015) assevera que hegemonia se dará pelo domínio de uma determinada classe
sobre a outra, não apenas no sentido efetivo (pelo uso da força policial, por exemplo), mas tam-
bém pelo abstrato, dimensão articulada ao que o autor chama de superestrutura e que envolve
a produção de uma determinada cultura e valores que irão referendar a relação de poder de
18
5
A saber: Núcleo de Fundamentos Teórico-Metodológicos da Vida Social; Núcleo Fundamentos
da Formação Sócio Histórica da Sociedade Brasileira; e o Núcleo de Fundamentos do Trabalho
Profissional (ABEPSS, 1996).
20
6
Seguimos as orientações de Lukács (1979, p. 40), que diz: “Quando atribuímos uma prioridade
ontológica a determinada categoria em relação à outra, entendemos simplesmente o seguinte:
a primeira não pode existir sem a segunda, enquanto o inverso é ontologicamente impossível”.
7
“(...) outro erro metodológico consiste em supor que uma dada categoria social tem um mesmo
desenvolvimento, em qualquer esfera da vida social” (BARROCO, 2010, p. 25).
8
São as contribuições contidas na tradição de pensamento marxiano/marxista que permitem
a apreensão desse ser social, através da sua ontologia. Ressalta Cardoso (2013, p.14): “a partir
da compreensão da estrutura e do funcionamento da sociedade de classes e do trabalho, Marx
poderá apreender as capacidades e/ou potencialidades características do gênero humano em
qualquer sociedade e modo de produção”.
23
9
O Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, vinculado a Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSS/ESS/UFRJ), teve seu início, com o curso de
mestrado, em 1976 e o doutorado em 1994, sendo o primeiro curso de doutorado público, em
Serviço Social, no Brasil. Atualmente, esse Programa está estruturado em 3 (três) áreas de con-
centração, sendo elas: Teoria Social, Formação Social e Serviço Social; Trabalho, Lutas Sociais,
Política Social e Serviço Social; e Cultura e Serviço Social. Cada área de concentração, aglutina
2 (duas) linhas de pesquisa. Disponível em: < http://pos.ess.ufrj.br/index.php/pesquisa >.
Acesso em: 3 de abril de 2018.
28
10
Sobre as bases do conceito culturalista, Terry Eagleton (2011, p. 26), aponta: “é a fusão do
descritivo e do normativo, conservada tanto de “civilização” quando do sentido universalista
de “cultura”, que despontará na nossa própria época sobre a roupagem de relativismo cultural.
Ironicamente, esse relativismo “pós-moderno” deriva-se justamente de tais ambiguidades na
própria época moderna”.
11
O ideário pós-moderno, segundo Harvey (2014), consiste na condição histórico-social-geo-
gráfica, que se expressa primeiro na arquitetura, nas artes e na literatura, enquanto um estilo
(o pós-modernismo), mas que gesta uma forma de pensar (e de produzir conhecimento) que
está em sintonia com as exigências do capitalismo, neste período de crise, a pós-modernidade.
31
12
Recentemente, nos dois últimos números da Revista Temporalis, especificamente as de núme-
ro 33 e 34, há dois artigos específicos que versam sobre expressões da cultura, particularizando
as suas contribuições/reflexões no campo da arte; o primeiro trabalhando a mediação da arte
no trabalho educativo do Serviço Social e as suas contribuições à emancipação humana; e, o
segundo, trazendo uma importante reflexão da arte a sua contribuição às lutas sociais.
35
13
Para Gramsci (1968, p. 12), o conceito de bloco histórico é apreendido enquanto uma “unidade
entre a natureza e o espírito, entre vida e política (estrutura e superestrutura), unidade dos con-
trários e dos distintos”. Ou seja, é a unidade entre estrutura econômica e superestrutura social.
50
14
Como sabemos, a lei do valor opera diretamente por meio do valor de troca das mercadorias
apenas no contexto da produção simples de mercadorias. No modo de produção capitalista,
53
essa lei é mediada pela equiparação das taxas de lucro – entre outras palavras, pela concorrência
de capitais. (...), mas essa redistribuição de valores de troca tem de ser coerente com a estrutura
da demanda de valores de uso determinada pelo capitalismo (MANDEL, 1982, p. 370).
15
Adorno e Horkheimer (1985), na obra Dialética do Esclarecimento, autores importantes da
Escola de Frankfurt, elaboram o conceito de indústria cultural, para tentar apreender as ex-
pressões ideológicas que estavam presentes na produção em série de produtos culturais, sendo
estes responsáveis pelo prolongamento do trabalho alienado, constituindo, assim, uma cultura
mercadológica e a serviço da sociedade capitalista.
54
16
Segundo Nóbrega (2013) o debate em torno de uma possível “crise dos paradigmas” ganhou
destaque na agenda da intelectualidade brasileira nos anos 1990. Para autora, esse debate traz
em seu cerne, direta ou indiretamente, o debate relacionado às transformações decorrentes nes-
ta quadra histórica, donde essa crise é justificada ao trabalho e não ao sistema capitalista. Neste
sentindo, portanto, é proposta a revisão das categorias ontológicas na apreensão do ser social e
em seu lugar é recomendado o uso de conceitos abstratos, subjetivistas e cultutalistas, repondo,
desta maneira, o conservadorismo societal e alimentando teorias alinhadas à manutenção da
ordem social.
55
17
Jameson (1997), na obra que serviu de base para nossa apreensão sobre a temática (cultura,
pós-modernidade, lógica cultural do capitalismo tardio), trata a pós-modernidade enquanto
teoria. Para nós, a pós-modernidade não se configura enquanto uma teoria, mas uma junção
de várias teorias em um grande caleidoscópio, que como tal, ver a desordem dos fragmentos
apenas como desordem, sem ligação nenhuma. Para nós, portanto, a pós-modernidade será
tratada enquanto um pressuposto, uma tentativa de pensar um momento social que não possui
materialidade alguma.
57
18
Mentalidade, em tradução literal do francês.
60
19
“Diante da crise dos anos de 1970, surgiram inúmeras interpretações teóricas sobre os pro-
cessos econômicos, políticos, sociais e culturais que enterraram o bloco histórico fordista-key-
nesiano e, mais tarde, desaguaram no neoliberalismo” (CASTELO, 2012, p. 184). Sobre essa
diversidade, Cf.: Mészáros (2002); Netto (2012); Mandel (1990).
61
20
Segundo Lukács (2013, p. 32), as categorias decisivas e responsáveis pela constituição desse
ser social, estão imbricadas e devem ser apreendidas em sua relação inextricável, como é o caso
“do trabalho, da linguagem, da cooperação e a divisão social do trabalho”, mostrando, assim, o
surgimento de novas relações da consciência com a realidade social.
79
tórico que o separa das suas bases naturais (essa separação ja-
mais foi/será completa) consegue desenvolver capacidades que
são essenciais para o seu desenvolvimento, como a sociabilida-
de, a consciência, a linguagem, a universalidade e a liberdade.
Através desse processo de diferenciação, mediado pelo traba-
lho, o homem vai “atribuindo valor às coisas e criando formas
de interação como a linguagem, os costumes, constituindo, as-
sim, a cultura” (BONFIM, p. 10).
Essa concepção de história materialista, apresentada por
Marx e Engels (2009), nos deixa claro que em última instância
quem determina a história é a produção e a reprodução da vida
real. Assim, a forma em que as relações econômicas são estrutu-
radas, são as bases que determinarão a superestrutura, influen-
ciando, inclusive, as suas formas e as suas expressões, sendo
que todas estas estão em interação em um movimento contra-
ditório, dialético e histórico. A cultura, assim, “(...) configura
somente a moldura, a possibilidade da livre autorrealização, da
espontânea força criadora dos homens (LUKÁCS, 1920, p. 10).
Isto posto, o desenvolvimento político, social, ético, religio-
so, cultural etc. se funda no econômico, alimentando-o e o reali-
mentando-o; estrutura e superestrutura, ambas interligadas,
em movimento, construindo e reconstruindo uma sociabilidade
em uma totalidade histórica. É neste movimento que a cultura
surge como expressão subjetiva desse ser social, mas vinculada-
-se às bases materiais desse surgimento, através do intercâmbio
com a natureza, das relações sociais estabelecidas pelo trabalho,
na constituição da sociabilidade e na efetivação desse ser en-
quanto produto histórico.
O trabalho que efetiva o homem e o separa da sua condição
animalesca, no seu processo de objetivação/exteriorização, pro-
duz processos alienantes que são responsáveis por criar “(...)
obstáculos socialmente construídos por este mesmo desenvol-
84
21
É importante destacarmos que tanto na reprodução natural, quanto na reprodução social,
as categorias ontológicas inferiores não podem ser anuladas. O que acontece que elas são
transformadas e elevadas a patamares superiores, mais complexas (LUKÁCS, 2013; BONFIM,
2015).
22
A concepção de trabalho como fundador da sociabilidade humana implica o reconhecimento
de que as relações sociais construídas pela humanidade, desde as mais antigas, sempre se as-
sentaram no trabalho como fundamento da própria reprodução da vida dado que, por meio de
tal atividade, produziram os bens socialmente necessários a cada período da história humana
(GRANEMANN, 2009, p. 4).
86
23
Nossa escolha teórica, como já trabalhada e apresentada em seções anteriores, define a cultura
enquanto uma categoria. No entanto, para esta linha de pensamento, a cultura é tida enquanto
um conceito, tendo, assim, várias interpretações que cabem ao sujeito pesquisador a definição
que melhor lhe cabe.
92
(...) todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não pas-
sa de um ato primário do etnocentrismo tentar transferir a
lógica de um sistema para outro. (...) A coerência de um há-
96
24
O relativismo cultural parte da compreensão que se deve “olhar” para as diferentes cultu-
ras abstraindo-se de qualquer preconceito oriundo do etnocentrismo. Ou seja, a falsa crença
na superioridade de específicas sociedades (especificamente a europeia) em relação às outras
(ALMEIDA, 1999).
98
tas, para que assim, o conceito se torne mais fácil de ser entendi-
do, pois as diferenças subjetivas entre estas classes tornaria essa
percepção mais fácil, através de uma “reprodução simbólica”
(CALDAS, 1986, p. 20). Nessa acepção, a cultura acompanharia
a estratificação social das classes, produzindo padrões cultu-
rais, bem como, culturas de classe distintas.
Percebamos, portanto, que mais uma vez o autor está inte-
ressado na “reprodução simbólica” da cultura, que agora seria
gestada pelas classes sociais. Vejamos, não há a preocupação de
apreender, por exemplo, a hegemonia que a classe dominante
conquista para se sobrepor socialmente. A análise, para o autor,
limita-se apenas à reprodução simbólica.
Na terceira e última obra analisada, a mais recente de to-
das, escrita pelo professor Doutor em Antropologia pela Uni-
versidade da Flórida, Mércio Pereira Gomes (Gainesville-1977),
lançada pela primeira vez em 2008, pela Editora Contexto, com
o título “Antropologia: ciência do homem e filosofia da cultura”.
Nesta obra o autor busca compreender o surgimento do homem
até os dias atuais, através de uma linguagem acessível. Na
obra o autor busca ir para além da compreensão comum à
antropologia, que busca entender a diversidade cultural, para
construir uma ciência que pretende dar sentido ético ao homem
(GOMES, 2015).
Nessa perspectiva, inicialmente, o autor traz os vários sen-
tidos sobre o conceito de cultura, mostrando, assim como faz os
outros autores, a multiplicidade de interpretações sobre a cul-
tura. Assim, busca fazer um levantamento conceitual das diver-
sas interpretações/concepções em torno do conceito de cultura,
chegando a duas sínteses: a primeira seria uma concepção de
cultura que estaria relacionada à erudição; e a segunda, presen-
te até os dias atuais, seria a concepção idealista expressa nas
formulações alemãs sobre a cultura (GOMES, 2015).
100
técnico-operativa.
As contradições presentes entre o capital e o trabalho
são marcadas por interesses particulares entre essas classes. É
neste jogo de interesses contraditórios donde a prática profis-
sional do Assistente Social é polarizada, e que supõe, assim,
como bem ressalta Iamamoto (2013, p. 103), em duas dimensões
também contraditórias, “as determinações históricas da prática
profissional; e [a apreensão da] profissão como realidade vivida
na e pela consciência de seus agentes profissionais”. A unidade
entre estas dimensões, por serem contraditórias, podem sugerir
defasagem, no que tange as condições, efeitos e as representa-
ções que legitimam o fazer profissional.
Nossa opção teórica não desvincula o fazer profissio-
nal da produção de conhecimento teórico. Obviamente, não
acreditamos que a prática e a teoria representem a mesma di-
mensão na totalidade social, mas sim, uma unidade, que carrega
consigo contradição, particularidade e singularidade. Portanto,
não é possível que exista uma prática profissional que não seja
orientada por uma determinada visão de mundo, sustentada,
dessa forma, por alguma orientação teórico-metodológica. Po-
rém, a elaboração teórica, pode ser construída através de abstra-
ções e não corresponder a realidade concreta.
Neste sentido, a realidade concreta é um determinante
que não exclui a participação ativa dos sujeitos que a constrói.
Portanto, é impossível traçar questões relacionadas à produção
de conhecimento, sem partimos de tais reflexões.
Pelo exposto até aqui, daremos início a um proces-
so de recuperação histórica do Serviço Social, tentando captar
determinantes sócio-históricos que possibilitaram a sua emer-
110
2013, p. 21).
25
Da economia “clássica” à economia “vulgar”, segundo Löwy (1994), marcou essa mudança de
“tonalidade” do positivismo, partindo da apreensão de que esta corrente de pensamento foi a
perspectiva teórica que a burguesia utilizou para explicar os fenômenos sociais.
119
26
Os projetos profissionais, expressam a autoimagem das profissões, ou seja, o dever ser coleti-
vo destas profissões. Assim, as profissões são reconhecidas e legitimadas a partir das respostas
que são dadas “(...) às demandas que lhe são postas pelo movimento da sociedade e, no caso
da sociedade capitalista, pela relação capital/trabalho devemos observar que essas respostas”
vinculam-se aos projetos societários, reforçando, assim, um ou outro projeto (emancipatório ou
conservador à ordem) (CARDOSO, 2013, p. 78).
27
Os projetos societários, portanto, são projetos coletivos caracterizados pelo seu maior nível
de abrangência, já que estes possuem uma dimensão “macroscópica” que expressam propostas
para o conjunto da sociedade, no que tange à construção de uma imagem de sociedade que deve
ser alcançada (NETTO, 2006).
28
Sendo considerado muito relevante para história econômica brasileira, a industrialização
restringida é caracterizada pelo processo de substituição de importações de produtos manu-
faturados pela indústria nacional, sendo portanto o início da segunda fase de constituição do
capitalismo brasileiro, durante o governo de Getúlio Vargas (SANTOS, 2012).
124
29
Essa resolução nunca será completa, tendo em vista que só a superação deste modelo de socie-
dade poderá pôr fim à “questão social”. Não que a autora sugira o contrário, mas acreditamos
que seja importante ressaltar.
30
Como já fora dito, à nível universal, a passagem do capitalismo concorrencial para fase mo-
nopólica do capitalismo mundial abre espaço, na divisão social e técnica do trabalho, junto ao
impulsionamento do pensamento conservador, para o surgimento do Serviço Social (NETTO,
2011a). Porém, as mediações apontadas, na realidade e singularidade brasileira, são importan-
tes para apreendermos esses processos sobre aquela determinação, contida em Mandel (1982),
que objetivasse de forma desigual e combinada expressando-se particularmente em cada país.
126
31
A primeira escola de Serviço Social, foi criada em 1936, como consequência dos estudos e das
ações promovidas pelo Centro de Estudo de Ação Social (CEAS), fundada em 1932, onde seu
objetivo geral era o de “(...) promover a formação de seus membros pelo estudo da doutrina
social da igreja e fundamental a sua ação nessa formação doutrinária e no conhecimento apro-
fundado dos problemas sociais” (CERQUEIRA, 1944, apud IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p.
179). A primeira escola de Serviço Social do Brasil, fundada em São Paulo passa, no ano de 1947,
a integrar a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), sendo esta universidade
fundada em 1946 (CARDOSO, 2013).
128
32
A crítica ao tradicionalismo e as metodologias importadas (como o neotomismo europeu; e o
funcionalismo/pragmatismo estadunidense), se deu pelo processo de laicização da profissão,
que ao adentrar o espaço universitário, conseguiu construir alternativas ao projeto de formação
130
e de intervenção posto pela Igreja Católica. Somou-se a esse processo, a interlocução com as
Ciências Sociais e a singela aproximação com a teoria marxista (com vários problemas e, na
realidade brasileira, sendo suprimida pelo cenário de golpe ditatorial).
33
Assim, o marco inicial do Movimento de Reconceituação foi o 1º Seminário Regional Latino-
131
-Americano de Serviço Social, realizado em Porto Alegre-RS, em 1965, ano também em que foi
fundada a Associação Latino-Americana de Escolas de Serviço Social (ALAETSS), a qual de-
sempenhou um papel fundamental na articulação de profissionais na reconceituação. Estamos
falando de um processo que se iniciou em 1965 e permaneceu com vigor até 1975, permitindo,
em seu auge, em 1972, a fundação do Centro Latino-Americano de Trabalho Social (CELATS),
mas que foi interrompido pelo cenário de ditaduras instauradas na América Latina (NETTO,
2011b).
34
Netto (2011b) argumenta que o movimento de Reconceituação possibilitou, pela primeira vez,
na história da profissão, a construção de uma heterogeneidade na categoria profissional, possi-
bilitando, dessa forma, que o Serviço Social tivesse contato com a teoria marxista, aproximação
essa que aconteceu com diversos equívocos, principalmente no que se refere ao contato com a
obra de Marx, feita por interpretes, por intermédio de manuais “de qualidade muito discutível”
ou de versões, do que o autor classificou de “(...) deformadas pela contaminação neopositivista
e até pela utilização de materiais notáveis pelo seu caráter tosco” (NETTO, 2011b, p. 148).
132
35
Ao passo que dedicamos, no início do nosso texto, um debate em torno dos autores cultura-
listas, podemos apreender a vinculação entre esta perspectiva teórica e a apreensão daqueles
autores que, em suas análises sobre a cultura, privilegiam as expressões culturais, desvinculan-
do-as de qualquer materialidade.
36
Projeto que foi tensionado desde os seus primeiros sinais, se tornou a direção majoritária na
profissão, até os dias atuais, mas não rompendo com o caráter de intenção, tendo em vista que
nem o tradicionalismo e, nem muito menos o conservadorismo profissional (singularidade) e
nem na sociedade (universalidade) foram superados em sua totalidade (NETTO, 2011b).
135
37
“(...) A maturação intelectual, profissional e política desses protagonistas é, de algum modo,
a consolidação do processo da perspectiva que estamos examinando” (NETTO, 2011b, p. 271).
38
Em 1979 a ABESS assumiu com vigor o seu papel de articuladora nas escolas de Serviço Social
e coordenou a discussão, em nível nacional, de um projeto de formação profissional crítico,
aprovado em Convenção Nacional em 1982 pelo Conselho Federal de Educação. Também nessa
Convenção foi alterada o seu nome para Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
(ABESS) e não mais Associação de Escolas de Serviço Social, na linha do seu papel na discussão
da formação (CARDOSO, 2013).
137
39
Essa categoria é formulada e trabalhada por Karl Marx (1968) no Livro 1 d’O Capital, capítulo
24 – Sobre a Acumulação Primitiva –, onde o autor irá tratar a exigência do sistema que estava
surgindo (o capitalismo) na expropriação das terras e meios de produção, na transformação e
conformação das massas de trabalhadores “livres”, que acompanhavam atônitos a transforma-
ção dos seus meios de trabalho em capital, bem como, a formulação de legislações, por parte do
Estado, que legalizariam essas expropriações.
155
40
“Vale ressaltar que no caso brasileiro, embora a iniciativas de proteção social remontem aos
anos 40 do século XX, a natureza excludente, fragmentária e não universal das políticas públicas
de proteção social não facultou a existência de um Estado Social, até mesmo após a Constitui-
ção de 1988, com a ampliação dos direitos sociais e a criação da chamada Seguridade Social”
(MOTA, 2017, p. 33).
157
41
Ao passo que estamos escrevendo este texto, acaba de ser disponibilizada uma nota da
CAPES, informando ao governo que se não houver modificações nos valores dos repasses à
agência, com os atuais recursos, todas as bolsas de pós-graduação (mestrado, doutorado e
pós-doutorado) serão canceladas a partir de agosto de 2019, bem como, todas as cooperações
internacionais, segundo a nota, também serão afetadas. Ou seja, o ensaio é o fim da produ-
ção de ciência no Brasil já em agosto de 2019, como reflexo da PEC 55, que congela o orça-
mento em políticas essenciais por 20 anos. Cf. COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO
DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR. Ofício nº245/2018-GAB/PR/CAPES. Disponível em:
<https://sei.capes.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codi-
go_verificador=0746852&codigo_crc=6755A444&hash_download=ef5e65b749e9b6a0c124c56e-
438345f0dbb86d4b097fccd29f4b4221365642ee971b5a5e507aea925d83d67d1d4d79f08696fa5be-
30b507aa19122ff68c396a9&visualizacao=1&id_orgao_acesso_externo=0 >. Acesso: 10/02/2019.
158
42
Em entrevista recente, o candidato à presidência da República, pelo PLS, atualmente presi-
dente, afirmou: “(...) não há ciência no Brasil. E quando tem, é ‘coisa’ rara”. Cf. Jair Bolsonaro –
Roda Vida. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=RQ6gDUTMtLc >. Acesso
em: 13/02/2019. E defendeu a privatização do ensino superior no Brasil. Outra defesa à privati-
zação é a também recente declaração do candidato à presidência, desta vez pelo PSDB, Geraldo
Alckmin, que afirmou: “(...) que as pós-graduações, pelo menos, deveriam ser pagas no Brasil”.
Cf. Alkmin Estuda Acabar com a Gratuidade do Ensino Superior, começando pelas Pós-Gra-
duações. Disponível em: < https://www.revistaforum.com.br/alckmin-estuda-acabar-com-
-gratuidade-no-ensino-superior-comecando-pela-pos-graduacao/ >. Acesso em: 13/02/2019.
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Esse modelo é caracterizado pelo Tratado de Bolonha (1999, apud WANDERLEY, 2017), que
aqui iremos tratar apenas duas dimensões do amplo leque de propostas de contrarreforma para
o ensino superior, que consiste no desmonte generalizado da estrutura universitária, no que
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Coleta feita através de consulta online no site da Plataforma Sucupira, no ano de 2018.
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Substituída pela revista Temporalis, em 2000, editada pela Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), destinando-se à publicação de trabalhos científicos sobre
temas atuais e relevantes no âmbito do Serviço Social, áreas afins e suas relações interdisciplina-
res. Cf. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Disponível em: < http://
www.periodicos.ufes.br/temporalis >. Acesso em: 12/02/2019.
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Em nossa pesquisa, por exemplo, percebemos que em 2 (duas) teses os objetos de pesquisas
escolhidos demandam de particularidades especificas da realidade da cidade do Rio de Janeiro.
Assim, reafirmamos que a inquietação de pesquisa tem vinculação direta com a materialidade
da vida social, mas que atende e é determinada pela particularidade donde o pesquisador está
inserido, influenciando-o na escolha da problemática “do quê pesquisar”.
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Cf. A nota de rodapé de número 9 (nove), na introdução desta obra, onde explicitamos a
particularidade deste PPGSS.
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Até o dia da defesa desta pesquisa, no site do referido PPGSS, esta linha de pesquisa consta
enquanto inativa.
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Afirmando, assim, a tendência posta em nossa pesquisa, no subtítulo 2.2, sobre as influências
do debate da Antropologia Cultural, na constituição de um conceito cultural que busca negar
o real.
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Conjunto de teorias responsáveis por apreender as expressões políticas, filosóficas, artísticas e
literárias deixadas pelo colonialismo em terras colonizadas. Neste sentindo, recusa-se as teorias
“estrangeiras” e preocupa-se em desenvolver conhecimento a partir da realidade dos países
colonizados (CAHEN; BRAGA, 2018).
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popular só se produziu enquanto
originalidade quando configurou
resistência às formas mercantis de
produção da vida social, tendo im-
pacto como recriação de formas de
sociabilidade” (Tese 3, 2016, p. 19)
O objetivo a que esse estudo se propôs fi- Cultura; Cultura enquanto movimento his-
cou fundamentalmente centrado em tentar Materialismo Cultural; tórico, apoiando-se no materia-
observar se era possível validar ou não a Capitalismo Contemporâneo; lismo cultural do marxista inglês
hipótese de Roberto Schwarz sobre a cul- Indústria Cultural; Raymond Williams, para assim,
tura poder ser tomada como um elemento Crise; e Negatividade. conseguir chegar na reflexão de
antibarbárie, frente à uma totalidade social “que estes tempos produzem não
cuja construção é entendida como lógica é cultura, mas produtos revestidos
Tese 4
regressiva. de apelo cultural” (TESE 4, 2017, p.
16). “(...) Em seguida, como a in-
dústria cultural coloca em xeque a
viabilização da cultura como subs-
tância do que seria um cultivo das
potencialidades humanas” (Resu-
mo, 2017).
Fonte: Elaboração Própria, 2018.
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A coleta destas informações foi feita por meio da Plataforma Lattes do CNPq. Neste caso es-
pecífico, não encontramos nenhum registro de atuação profissional do autor.
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CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS