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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Memória do Tempo
Tipologia de um retrato

Ana Filipa de Sá Alves Gomes

Mestrado em Pintura
Dissertação

Lisboa, Outubro de 2011


Folha de Rosto
UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Memória do Tempo
Tipologia de um retrato

Ana Filipa de Sá Alves Gomes


Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Ilídio Óscar Pereira de Sousa Salteiro

Mestrado em Pintura
Dissertação

Lisboa, Outubro de 2011


ANA FILIPA DE SÁ ALVES GOMES
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO [OUTUBRO DE 2011. 205 PÁGINAS]
DISSERTAÇÃO MESTRADO EM PINTURA
FACULDADE DE BELAS-ARTES DA UNIVERSIDADE DE LISBOA [LISBOA, JANEIRO DE 2012]

Errata

Página Linha Onde se lê Deve ler-se


I 4 a maioria dos pintores do século a maioria dos pintores do século
XIX e início do século XX, XIX e início do século XX
adoptaram uma posição de adoptaram uma posição de
desconfiança desconfiança
V 21 (in memorian) (in memoriam)
3 11 e se os os limites se situam e se os limites se situam
4 16 A dissertação é composta por A dissertação é composta por
quatro capítulos. cinco capítulos.
5 29 que se prentende argumentar que se pretende argumentar
8 1 (NR) Apontamentos [online] Apontamentos [em linha]
9 10 como constacta Julia Hirsch como constata Julia Hirsch
10 1 A nona imagem do conjunto, A nona imagem do conjunto
representa representa
13 36 superfície foto-sensibilizada superfície fotossensibilizada
14 2 superfície foto-sensibilizada superfície fotossensibilizada
14 9 tinha a propriedade de endurecer tinha a propriedade de endurecer
quando era exposta à luz deste quando era exposta à luz. Deste
modo, ao retirar o betume modo, ao retirar o betume
14 3 (NR) Correspondance conservée à Correspondance conservée à
Châlon-sur-Saône, Chalon-sur-Saône,
15 3 telas de gaze semi-trasparentes telas de gaze semitransparentes
21 1 era frequente os pintores era frequente os pintores
recorrem recorrerem
23 9 molduras com passepartout molduras com “passe-partout”
25 19 Com a carte-de-visite, e pela Com a “carte-de-visite”, pela
primeira vez primeira vez
29 32 autocromo permanence autocromo permanece
30 5 Alfred Stieglitz decreveu Alfred Stieglitz descreveu
31 37 período de crescente auto- período de crescente
consciência autoconsciência
32 30 Trattato dell Arte della Pittura Trattato Dell’ Arte della Pittura
Scoltura et Architecttura Scultura ed Architettura
33 1 (NR) “The Inventors of The Art of “The Inventors of The Art of
Modeling” Modelling”
34 21 resgata o retrato da sua resgata o retrato da sua qualidade
qualidade de objecto, de objecto, transformando-o
tranformando-o
35 7 (NR) Fotografia y Pintura: ¿ Dos Fotografía y Pintura: ¿Dos Medios
Medios Diferentes? Diferentes?
35 23 27 Protegenes Protógenes
36 20 teólogo Suiço teólogo Suíço
36 7 (NR) 9 Knowledge and the Love of Knowledge and the Love of
(NR) Mankind Vol I Mankind Vol. I
37 19 fisica ou mentalmente física ou mentalmente
38 15 Como constacta Shearer West Como constata Shearer West
38 28 ‘apagar’ a indidualidade ‘apagar’ a individualidade
39 4 por vezes parecem transcencer por vezes parecem transcender

a
ANA FILIPA DE SÁ ALVES GOMES
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO [OUTUBRO DE 2011. 205 PÁGINAS]
DISSERTAÇÃO MESTRADO EM PINTURA
FACULDADE DE BELAS-ARTES DA UNIVERSIDADE DE LISBOA [LISBOA, JANEIRO DE 2012]

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40 18 catalizadores de mundança catalisadores de mudança
40 24 passível de reconcialiação passível de reconciliação
41 29 panorâma artístico panorama artístico
42 4 poder talismático poder talismânico
49 1 (NR) The Art-Journal New Series Vol The Art-Journal New Series Vol.
VI VI
50 20 para o auxiliar nas suas para os auxiliarem nas suas
composições; composições;
50 24 que nos permita representar que nos permite representar
50 6 (NR) mantendo-se até aos dias de hoje mantendo-se até aos dias de
hoje.
50 9 (NR) A Treatise on Photography; A Treatise on Photography;
Containg the Latest Discoveries Containing the Latest Discoveries
and Improvements Appertainig to and Improvements Appertaining
the Daguerreotype to the Daguerreotype
57 22 apesar dessa “obra” apesar de essa “obra”
57 8 (NR) The American Amateur The American Amateur
Photographer Volume I July to Photographer Volume I July to
January, January [em linha],
58 1 (NR) The American Amateur The American Amateur
Photographer Volume I July to Photographer Volume I July to
January, January [em linha],
59 18 utilização do contra-luz. utilização do contraluz.
62 7 pelo própio Stieglitz pelo próprio Stieglitz
62 39 na Austria na Áustria
63 7 um carácter anti-artístico um carácter antiartístico
64 26 a mais aguçada auto-crítica a mais aguçada autocrítica
69 5 (NR) “The Death of Art in the 19th- “The Death of Art in the 19th
Century” Century”
72 3 que à ocasião de o verem que na ocasião em que o vêem,
frequentemente lhes é dito o que frequentemente lhes é dito o que
é mais Material no que lhe diz é mais Material no que lhes diz
respeito, pelo menos do seu respeito, pelo menos do seu
Caráter Geral; (…) Estes, Carácter Geral; (…) Estes,
portanto, frequentemente portanto, frequentemente
correspondem aos Fins da respondem aos Objectivos da
Pintura Histórica.» Pintura Histórica.»
72 21 pertence a uma geração antiga pertence a uma geração anterior
73 1 reune em dez instantes reúne em dez instantes
74 2 participar na mortabilidade participar na mortalidade
74 19 refere-se ao objeto fotografado refere-se ao objecto fotografado
74 20 o espetáculo que se oferece o espectáculo que se oferece
74 26 decoberta de equivalência descoberta de equivalência
75 8 mais do que images mais do que imagens
76 11 slogan “slogan”
77 1 um conjunto de indivíduos que, um conjunto de indivíduos que,
precisamente nesse momento de precisamente nesse momento de
partilha, acabam por se constituir partilha acabam por se constituir
como uma família. como uma família.

b
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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO [OUTUBRO DE 2011. 205 PÁGINAS]
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78 5 requer quase sempre requerem quase sempre
79 3 Como sugeriu Alla Sekula Como sugeriu Allan Sekula
79 21 o insconsciente pessoal o inconsciente pessoal
80 19 ela não repeita as escolhas ela não respeita as escolhas
80 36 Qualquer pessoa que tenha Qualquer pessoa que tenha
pousado posado
81 19 A artista Neo-Zelandesa Frances A artista Neozelandesa Frances
Hodgkins Hodgkins
82 3 (NR) Dictionary of Philosophy and Dictionary of Philosophy and
Psychology Vol II Psychology Vol. II
83 3 é «simultanemante é «simultaneamente
83 19 no que diz repeito ao género no que diz respeito ao género
83 20 aquilo a que chamou «foto- aquilo a que chamou
terapia» «fototerapia»
83 34 Concluimos que Antoni se Concluímos que Antoni se
colocou colocou
84 3 que surge memorializada na que surge representada na
fotografia emoldurada fotografia emoldurada
86 1 (NR) Referência 198, p. 154. Anexo 2, Referência 198, p. 154.
88 25 MOULIN, Joelle MOULIN, Joëlle
89 29 Küsnacht [Suiça] Küsnacht [Suíça]
93 14 Fotografia y Pintura: ¿ Dos Fotografía y Pintura: ¿Dos
Medios Diferentes? Medios Diferentes?
93 26 Correspondance conservée à Correspondance conservée à
Châlon-sur-Saône Chalon-sur-Saône
94 9 Lausanne [Suiça] Lausanne [Suíça]
95 9 Dictionary of Philosophy and Dictionary of Philosophy and
Psychology Vol I Psychology Vol. I
95 12 Dictionary of Philosophy and Dictionary of Philosophy and
Psychology Vol II Psychology Vol. II
98 28 The Principles and Practice Of The Principles and Practice of
Photography Familiarly Photography Familiarly
Explained Explained
99 8 Knowledge and the Love of Knowledge and the Love of
Mankind Vol I Mankind Vol. I
99 13 Knowledge and the Love of Knowledge and the Love of
Mankind Vol II Mankind Vol. II
99 17 A Treatise on Photography; A Treatise on Photography;
Containg the Latest Containing the Latest
Discoveries and Improvements Discoveries and Improvements
Appertainig to the Appertaining to the
Daguerreotype Daguerreotype
99 26 30 34 Trattato Dell' Arte Della Pittura Trattato Dell’ Arte della Pittura
Scultura Ed Architettura Scultura ed Architettura
100 1 Suiça Suíça
100 31 An Argument in Befalf of the An Argument in [sic] Behalf of
Science the Science
102 2 Art&Research, Vol 2 Art&Research, Vol. 2
106 1 eram images de identidade eram imagens de identidade

c
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107 9 (NR) Pelo facto da têmpera Pelo facto de a têmpera
109 15 no humanismo, antropocentrismo no Humanismo, Antropocentrismo
111 19 que surgem retratadas no que surgem retratadas no
políptico de seis painéis, políptico de seis painéis
apresentam fisionomias apresentam fisionomias
112 21 Trattato dell Arte della Pittura Trattato Dell’ Arte della Pittura
Scoltura et Architecttura Scultura ed Architettura
112 2 (NR) Trattato Dell' Arte Della Pittura Trattato Dell’ Arte della Pittura
Scultura Ed Architettura Scultura ed Architettura
113 24 retratistas mais bem sucedidos retratistas mais bem-sucedidos
114 10 enfatizavam a auto-confiança enfatizavam a autoconfiança
115 11 as auto-biografias as autobiografias
115 14 estes estudos auto-fisionómicos estes estudos auto fisionómicos
115 32 Em Abrégé de la Vie des Peintres Em Abrégé de la Vie des Peintres
e em Cours de Peinture par e em Cours de Peinture par
Principes Principes
117 13 (NR) O seu hobby era o recorte O seu “hobby” era o recorte
123 32 o estilo e singularidade da obra o estilo e singularidade da obra
eram consideradas eram considerados
125 18 a arte tem como objetivo a arte tem como objectivo
126 31 o recurso ao foto-realismo o recurso ao fotorrealismo
129 27 je vi sur le papier blanc je vis sur le papier blanc
129 33 Correspondance conservée à Correspondance conservée à
Châlon-sur-Saône Chalon-sur-Saône
130 8 after his own name the after his own name the
Daguerrotype. Daguerreotype.
131 34 «The sitter, before a transcript of «The sitter, before a transcript of
him is taken, should be put into a him is taken, should be put into a
mood, which shall make his face mood, which shall make his face
diaphanous with the expression of diaphanous with the expression of
his highest and best, i. e. his his highest and best, i. e. his
genuine, essential self.» genuine, essential self.»
133 17 «this chance invention «This chance invention
133 29 darkskinned Celt dark-skinned Celt
133 35 to whom we are so indebted to whom we are so [sic] indebted
133 43 Nobody else equaled nobody else equalled
134 6 Colour Photography : and Other Colour Photography: and Other
134 35 «Attemps to read «Attempts to read
134 38 the art of modeling portraits the art of modelling portraits
135 3 “The Inventors of The Art of “The Inventors of The Art of
Modeling” Modelling”
136 24 Fotografia y Pintura: ¿ Dos Fotografía y Pintura: ¿Dos Medios
Medios Diferentes? Diferentes?
137 6 11 Knowledge and the Love of Knowledge and the Love of
Mankind Vol I Mankind Vol. I
139 16 «let a man of genius «Let a man of genius
141 4 this marvelous machine this marvellous machine
141 5 The Art-Journal New Series Vol The Art-Journal New Series Vol.
VI VI

d
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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO [OUTUBRO DE 2011. 205 PÁGINAS]
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141 26 A Treatise on Photography; A Treatise on Photography;
Containg the Latest Discoveries Containing the Latest Discoveries
and Improvements Appertainig to and Improvements Appertaining
the Daguerreotype to the Daguerreotype
141 36 «mere conventional « (…) mere conventional
141 37 that modeling of flesh & limb that modelling of flesh & limb
141 41 «to ennoble Photography « (…) to ennoble Photography
144 39 The American Amateur The American Amateur
Photographer Volume I July to Photographer Volume I July to
January, January [em linha],
144 41 I have looked for in vain I have looked in vain
145 4 au serieux here au serieux [sic] here
145 5 The American Amateur The American Amateur
Photographer Volume I July to Photographer Volume I July to
January, January [em linha],
145 7 «as a means of bringing « (…) as a means of bringing
146 35 it does not seem worth while it does not seem worth while [sic]
149 41 “The Death of Art in the 19th- “The Death of Art in the 19th
Century” Century”
150 27 Ends of Historial Pictures.» Ends of Historical Pictures.»
151 3 photographie’s ability to “capture” photography’s ability to “capture”
151 20 it can be reexperienced it can be reexperienced [sic]
151 33 communicated by visual imagens. communicated by visual images.
153 43 family photo albuns.» family photo albums.»
154 37 saber-toothed tigers sabre-toothed tigers
156 7 was wanting to the person was wanting [sic] to the person
156 7 of being wanting to the picture of being wanting [sic] to the
picture
156 38 la corona di lanro la corona di lauro
156 40 denotano it suo dominio denotano il suo dominio
156 42 Trattato Dell' Arte Della Pittura Trattato Dell’ Arte della Pittura
Scultura Ed Architettura Scultura ed Architettura
157 4 elle l'est doublement a l'égard du elle l'est doublement à l'égard du
portrait portrait
157 24 consacrées a la postérité consacrées à la postérité
158 16 a l'opposition à l'opposition
158 30 modeling, finish and rendering. modelling, finish and rendering.
181 3 John Everett Millais, An Idyll of John Everett Millais (1829-1896),
1745 An Idyll of 1745
184 4 Raffaello Sanzio, detalhe de Raffaello Sanzio (1483-1520),
Madonna Sistina detalhe de Madonna Sistina
204 1 [da série Foto-terapia] [da série Fototerapia]

Legenda: NR = Nota de Rodapé

Nota: Não devem contar-se as linhas em branco mas devem contar-se as linhas dos títulos
e subtítulos.

e
Resumo

A fotografia, enquanto forma de expressão recente, herdou grande parte dos princípios e
modos de ver da pintura. Embora tenha sido uma disciplina em relação à qual a maioria dos
pintores do século XIX e início do século XX, adoptaram uma posição de desconfiança, a
fotografia articula-se e encontra na pintura grande parte da sua base de construção.

Ainda que do ponto de vista ‘tecnológico’ a fotografia tenha introduzido outros meios, o que
se pretende é reflectir sobre a fotografia enquanto meio intrinsecamente ligado à pintura ao
nível dos processos de representação, dos processos de composição e dos seus grandes
temas, tais como o retrato.

O retrato é um dos grandes arquétipos da pintura e é certo que em termos temáticos foi uma
das mais importantes heranças que a fotografia recebeu.

A importância do retrato prende-se com o facto do ser humano se constituir essencialmente


por um conjunto de redes afectivas que o definem; o retrato, de certa forma, acaba sempre
por surgir enquanto substituto do representado.

Desde o advento da fotografia em 1827 com Joseph Nicéphore Niépce, a “carte-de-visite”,


que originou as colecções de retratos, foi um dos primeiros processos fotográficos a ser
patenteado, em 1854, por André Adolphe-Eugène Disdéri.

A importância do retrato ao longo da História e da História da Arte é inegável. Porque somos


seres humanos, condenados pela finidade do tempo, temos uma necessidade intrínseca de
fixar, preservar, tentar reter aquilo que não é eterno; os outros.

Dentro do vasto campo do retrato, o retrato de família tem sido uma das áreas mais
exploradas pelos artistas e é precisamente este o nicho temático com que se pretende
relacionar a série Memória do Tempo. À luz da história do retrato na bidimensionalidade do
quadro, e estabelecendo paralelismos com a obra de outros artistas, disseca-se formal e
conceptualmente o conjunto de fotografias que é proposto para análise, incidindo
particularmente nos conceitos de tempo, narrativa, série, dupla-representação, imagem
dentro da imagem, construção fragmentada e auto-representação.

Palavras-chave: Retrato, Retratos de Família, Auto-representação, Semelhança, Histórias,


Fragmentação/Construção, Preto e Branco, Fotografia, Tempo, Memória, Dupla
Representação, Narrativa, Velar, Máscara.

I
II
Abstract

Photography being a recent form of expression has inherited a vast majority of its principles
from painting. Although painters from the XIXth and the beginning of the XXth centuries
mistrusted photography, it articulates and meets in painting the most part of its foundations.

While, from the ‘technological’ point of view, photography has introduced other mediums, we
wish to think over it as a mean of artistic expression deeply connected to painting from the
perspective of its representation and composition processes and from the standpoint of the
themes they address, such as the portrait.

The portrait is, unquestionably, one of painting’s archetypes and it is obviously one of the
most important heritages photography has received.

We may ascertain that the importance of the portrait derives from the fact that the human
being is built around a defining nest of affections; the portrait always shows itself as a
replacement for the subject.

Since the inception of photography in 1827 with Joseph Nicéphore Niépce, the “carte-de-
visite”, being the basis for the portrait collections, was one of the first patented photographic
processes, back in 1854 by André Adolphe-Eugène Disdéri.

The importance of the portrait both in History and Art History is unquestionable. Because we
are human beings, condemned by the limits of time, we hold an intrinsic desire to hold,
preserve and try to retain what is not eternal; the others.

Within the wide scope of portrait, the family portrait has been exploited the most by artists.
This is the niche where the series Memória do Tempo wishes to fit. In light of the history of
portrait in the two-dimensional surface of the picture, and relating to other artists’ work, we
deeply analyse both formally and conceptually, the set of chosen photographs; specifically
focusing the concepts of time, narration, series, double-representation, picture-in-picture,
fragmented construction and self-representation.

Keywords: Portrait, Family Portraits, Self-Representation, Resemblance, Stories,


Fragmentation/Construction, Black and White, Photography, Time, Memory, Double-
Representation, Narrative, Veil, Mask.

III
IV
Agradecimentos

Na dissertação de mestrado, apesar do processo solitário a que qualquer investigador está


destinado, há contributos de natureza diversa que não podem, nem devem deixar de ser
realçados. Desde o início deste projecto contei com a confiança e o apoio de inúmeras
pessoas e é certo que sem esses contributos, esta investigação não teria sido possível.

Por esse motivo, desejo expressar os meus sinceros agradecimentos:

Ao meu orientador, o Professor Doutor Ilídio Salteiro, pela competência científica e


acompanhamento do projecto; pela disponibilidade, empenho e generosidade reveladas ao
longo deste trabalho, assim como pelas críticas, correcções e sugestões relevantes
oferecidas durante a orientação. Agradeço a dedicação, a partilha do saber e as valiosas
contribuições para o trabalho. Acima de tudo, obrigada por me acompanhar nesta jornada e
por estimular o meu interesse por esta área de conhecimento.

A todos os Professores da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, pelo saber


que competentemente me souberam transmitir e que representou uma oportunidade ímpar
de crescimento académico e pessoal. A todos, obrigada pela oportunidade de aprender e
contribuir.

A todos os Professores do Instituto Português de Fotografia, a quem devo o que sei sobre
fotografia.

Aos meus pais, em especial à minha mãe, pelo apoio e incentivo constante na concretização
deste projecto e de tantos outros.

Aos meus avós maternos (in memorian) e ao meu avô Lourenço (in memorian), que por
certo teriam tido muito orgulho em partilhar mais esta etapa da minha vida.

Um agradecimento muito especial à minha avó Atlântica, a contadora de histórias sem a


qual este projecto jamais teria sido possível.

Aos meus amigos, pela compreensão que tiveram comigo. Acima de tudo, pelo inestimável
apoio que preencheu as diversas falhas que fui tendo por força das circunstâncias, e pela
paciência revelada ao longo destes últimos anos.

O meu profundo e sentido agradecimento a todas as pessoas que contribuíram, directa ou


indirectamente, para a concretização desta dissertação e que acreditaram no projecto,
estimulando-me intelectual e emocionalmente. Agradeço a todos por me incentivaram nas
pequenas vitórias e me ajudaram a ser firme nos momentos de desânimo.

V
VI
Índice

Resumo .................................................................................................................................. I
Abstract .................................................................................................................................III
Agradecimentos .................................................................................................................... V
Índice .................................................................................................................................. VII
Capítulo 1 Introdução ........................................................................................................ 1
1.1 Pressupostos Epistemológicos ............................................................................ 1
1.2 Enquadramento e Âmbito de Intervenção ............................................................ 1
1.3 Objectivos de Investigação .................................................................................. 3
1.4 Metodologia ......................................................................................................... 3
1.5 Estrutura .............................................................................................................. 4
Capítulo 2 Análise Formal de Memória do Tempo ............................................................. 7
2.1 Ficha Técnica ...................................................................................................... 7
2.2 Classificação de Género ...................................................................................... 7
2.3 Identificação Temática ......................................................................................... 7
2.4 Os Objectos no Espaço ....................................................................................... 8
2.5 Geometria do Espaço Fotográfico: Proporção, Enquadramento e Centralidade .10
2.6 Qualidade Expressiva da Luz: O Claro-Escuro ...................................................10
2.6.1 O Recurso ao Preto e Branco .............................................................................10
2.7 Narrativa e Construção Fragmentada: A Dupla Representação..........................11
2.7.1 Profundidade de Campo e Focagem Selectiva: A Orientação do Olhar ..............11
Capítulo 3 O Retrato: No Princípio foi Pintura ..................................................................13
3.1 Pioneiros da Fotografia: O Legado da Pintura ....................................................13
3.2 O Retrato enquanto Mitologia .............................................................................30
3.3 Interdisciplinaridade: Pintura e Fotografia ...........................................................42
Capítulo 4 Dimensão Conceptual de Memória do Tempo.................................................71
4.1 Tempo e Narrativa ..............................................................................................71
4.1.1 A Imagem dentro da Imagem no Retrato: Referências Análogas ........................72
4.1.2 Fotografia e Memória ..........................................................................................73
4.2 O Retrato de Família: Enquadramento e Pontos de Contacto.............................75
4.3 Auto-Representação: O Retrato como Extensão do Autor ..................................81
Capítulo 5 Conclusão .......................................................................................................85
5.1 Considerações Finais .........................................................................................85
Bibliografia ...........................................................................................................................87
B.1 História ...............................................................................................................87
B.1.1 História da Arte ...................................................................................................87

VII
B.1.2 História da Fotografia .........................................................................................87
B.1.3 História do Retrato ..............................................................................................88
B.2 Retrato de Família ..............................................................................................89
B.3 Monografias ........................................................................................................89
B.4 Catálogos ...........................................................................................................90
B.5 Estudos de Arte ..................................................................................................91
B.6 Metodologia ........................................................................................................94
B.7 Revistas ..............................................................................................................94
B.8 Documentos Electrónicos ...................................................................................95
B.9 Referências ......................................................................................................102
Anexo 1 ..............................................................................................................................103
O Retrato Pictórico .............................................................................................................103
Anexo 2 ..............................................................................................................................129
Documentação Bibliográfica Original ..................................................................................129
Anexo 3 ..............................................................................................................................161
Imagens .............................................................................................................................161
I. Memória do Tempo...........................................................................................161
II. Outras Obras ....................................................................................................171

VIII
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 1. INTRODUÇÃO

Capítulo 1 Introdução

1.1 Pressupostos Epistemológicos

«Tanto a ciência como a arte abarcam questões similares e adoptam uma postura
experimental nos seus processos metodológicos de investigação.»1

Jonathan Lahey Dronsfield2 afirma que a investigação em arte contemporânea aspira atingir
o ponto em que duas modalidades ostensivamente opostas, o visível e o redigível, a
imagem e o texto, são ou se tornam indiscerníveis. Essa tarefa pode ser abordada pelo
artista não apenas pelo lado da imagem, mas também pelo da palavra escrita.

A questão prende-se com o que se entende por ‘palavra’ neste contexto. Para Dronsfield,
em investigação, esta palavra ou componente teórica, não antecede nem precede a prática,
ela própria é a prática.

«A teoria já não pode, de facto nunca pôde, ser levianamente considerada desligada da
prática, e uma vez dentro dela, transforma-se em algo diferente de teoria.»3

Deste modo, o trabalho de investigação no campo das artes plásticas deve incluir «o que a
obra de arte diz e o que pode ser dito sobre a obra de arte.»4

Dronsfield5 defende o princípio de que uma peça artística diz sempre algo sobre si própria. A
matéria visível contém sempre em si uma componente ‘textual’, mesmo que esta não se
apresente sob a forma de palavras legíveis; mas o que a obra em si diz, através da sua
presença física, não tem de corresponder necessariamente ao que é dito, ou escrito, sobre
ela, pois é precisamente nesse espaço de separação entre o visível e a escrita que se
encontra o lugar da investigação. É esse espaço de disjunção que cabe ao investigador
suprimir.

1.2 Enquadramento e Âmbito de Intervenção

O ponto de partida para a elaboração desta dissertação é uma série de dez fotografias que
produzi em 2007 intitulada Memória do Tempo.6

A série é um retrato da minha avó que foi construído a partir da sua representação, em
paralelo com fragmentos de lembranças de momentos relevantes da sua vida.

Na sua génese, em termos de representação, uma fotografia remete sempre para o passado
porém, em simultâneo, enquanto objecto, encontra-se fisicamente no presente. A fotografia,
por si só, é sempre um artefacto que alude a uma duplicidade temporal. Em Memória do

1
Felicitas Thun-Hohenstein, Art Knowledge at the Academy of Fine Arts Vienna [em linha], Art&Research: A
Journal of Ideas, Contexts and Methods, Vol. 2, Nº 2, 2009. Anexo 2, Referência 1, p. 129.
2
Jonathan Lahey Dronsfield, Theory as Art Practice: Notes for Discipline [em linha], Art&Research: A Journal of
Ideas, Contexts and Methods, Vol. 2, Nº 2, 2009.
3
Ibidem. Anexo 2, Referência 2, p. 129.
4
Ibidem. Anexo 2, Referência 3, p. 129.
5
Ibidem.
6
Consultar Anexo 3 [I.] p. 161-170.

1
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 1. INTRODUÇÃO

Tempo esta duplicidade surge reforçada pelo recurso ao ‘objet trouvé’,7 que em contraste
com a imagem do representado tornam o seu próprio passado visível.

Ao longo dos tempos, dentro do género do retrato, o retrato de família tem sido uma das
áreas mais exploradas pelos artistas. Podemos ter o artista enquanto observador das
famílias de outros, em que adopta uma posição quase voyeurista ou reflexiva, mas também
em relação com a sua própria família, onde se revela e partilha o seu mundo interior. É
precisamente com esta subcategoria do retrato que se pretende relacionar a série Memória
do Tempo.

A escolha do trabalho em análise não é inocente; o projecto que iniciei em 2007 articula-se
intimamente com a pesquisa e trabalho que desenvolvo actualmente sobre a vida e a morte
de um familiar que tenho vindo a conhecer através das histórias que me foram sendo
contadas, assim como pelo achado ocasional de vários objectos que perpetuam a sua
memória.

À medida que a pesquisa para este trabalho se foi desenvolvendo, as perguntas que os
objectos encontrados encerram foram-se revelando e remetendo para outros mundos e
vivências, que embora distantes do ponto de vista temporal, passaram a fazer parte do meu
imaginário.

Um laço familiar é o meu ponto de partida para outros mundos. Todos conhecemos pessoas
que nunca vimos, mas que fazem parte do nosso imaginário; este trabalho surge como o
ponto de passagem e articulação com o meu projecto actual. A produção deste conjunto foi
o catalisador para o início do projecto prático que desenvolvo actualmente. Do perscrutar do
fundo das gavetas e do resultante encontro casual de uma madeixa de cabelo que pensei
ser minha, mas que vim a descobrir ter pertencido a um familiar de uma geração distante,
nasceu o desejo de aprofundar o conhecimento sobre o seu mundo e continuar a
investigação dentro do mesmo universo do retrato de família.

O projecto que desenvolvo actualmente é uma extensão da série Memória do Tempo. Não
só se mantém o mesmo universo de análise, como também grande parte dos seus pontos
decisivos em termos formais e conceptuais. Permanece o recurso à fotografia e ao trabalho
de claro-escuro como principal veículo de expressão, e a utilização da duplicidade de formas
e espaços como referência aos conceitos subjacentes de tempo e memória.

Mantém-se a exploração da polaridade temporal entre “o aqui e o agora” da fotografia


enquanto objecto fisicamente presente e a sua génese representacional intrinsecamente
ligada à dimensão do passado.

Esta dissertação intenta reflectir sobre as implicações inerentes à série Memória do Tempo,
incidindo na sua dissecação formal e conceptual, mas também prepara os fundamentos em
que assenta o projecto que desenvolvo actualmente.

A interpretação deste trabalho enquanto retrato ou auto-representação procura reflectir


sobre os limites da classificação de um objecto enquanto auto-representação.

7
Objectos do quotidiano encontrados casualmente por artistas e posteriormente reutilizados na criação de uma
obra de arte. O ‘objet trouvé’ é frequentemente utilizado como material em bruto numa ‘assemblage’.

2
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 1. INTRODUÇÃO

1.3 Objectivos de Investigação

Neste trabalho de investigação pretende-se mostrar a relevância do retrato enquanto


mitologia da Pintura e da Fotografia, ponderando os motivos pelos quais o género tem sido
um dos mais explorados ao longo dos tempos.

Analisando a interdisciplinaridade existente entre os campos da Pintura e da Fotografia,


procura encontrar-se os seus grandes pontos de contacto e responder à questão: A
Fotografia pode ser Pintura?

Ao enquadrar a série Memória do Tempo dentro da tipologia do retrato, mais concretamente


do retrato de família, faz-se uma desmontagem do seu processo construtivo, em termos
formais e conceptuais. Interessa ainda determinar se o conjunto de fotografias pode ser
considerado uma peça única e se os os limites se situam na classificação de auto-
representação.

1.4 Metodologia

Neste subcapítulo sistematiza-se o método de investigação adoptado no estudo.

Felicitas Thun-Hohenstein8 defende que no contexto das artes plásticas a investigação pode
ser definida enquanto pesquisa metódica da prática artística ou como conclusão
directamente derivada da ‘práxis’.9 A investigação artística é metódica, ecléctica e foca-se
em casos particulares. Baseia-se numa linguagem específica cujas regras se reconstituem
constantemente pela ‘práxis’.

A presente dissertação parte de um ‘estudo de caso’10 para, generalizando, abrir outros


percursos. Foi seleccionado este ‘caso’ porque resulta de uma experiência própria com
‘conhecimento de causa’.

Em termos de metodologia projectual foi adoptada como ponto de partida a investigação e


pesquisa bibliográfica. Procedeu-se à leitura e análise dos textos com ligação mais imediata
com o conteúdo dos pontos que se pretendem desenvolver, com vista à recolha de
elementos base que sustentem a estrutura deste projecto.

A pesquisa efectuada através de livros e da internet visa também a busca de referências


formais e conceptuais para esta dissertação.

8
Felicitas Thun-Hohenstein, Art Knowledge at the Academy of Fine Arts Vienna [em linha], Art&Research: A
Journal of Ideas, Contexts and Methods, Vol. 2, Nº 2, 2009.
9
Deriva do grego πράξις. Significa actividade e acção. Exprime a unidade dialéctica do pensar e do ser, sendo
ao mesmo tempo saber e prática, conhecimento e acção. É o termo natural da teoria, sem o qual esta seria inútil
e ilusória.
10
Abordagem metodológica de investigação de carácter particularístico, cujo objecto de estudo é uma situação
específica que se pretende analisar em profundidade, tendo como objectivo aprofundar a descrição de
determinada realidade. É um dos métodos mais relevantes de pesquisa qualitativa. O estudo de caso fornece
conhecimento sobre uma realidade delimitada, mas os seus resultados podem permitir formular hipóteses para o
encaminhamento de outras pesquisas.

3
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 1. INTRODUÇÃO

Foi feito um levantamento de referências do retrato enquanto mitologia da pintura, pois estas
encontram-se na origem formal e conceptual do método criativo aplicado. Pretendeu-se
proceder à sua articulação com a presença do retrato na fotografia.

A desmontagem formal de Memória do Tempo aplica os métodos propostos por René


Berger em Connaissance de la Peinture e Découverte de la Peinture e introduz o conjunto
proposto para análise.

Como forma de enquadramento e criação de uma base de reflexão, procede-se à


explanação dos pontos referidos na estrutura do terceiro capítulo – “O Retrato: No Princípio
foi Pintura”. Numa perspectiva de desenvolvimento que parte do geral para o particular, é
importante enquadrar a série que se pretende analisar dentro do género a que pertence.

A demonstração conceptual da obra em questão desenvolveu-se como conclusão da


investigação, explanando os principais conceitos presentes no retrato em dez partes.

Tendo respondido às questões e objectivos apresentados no início desta introdução,


procedeu-se à elaboração das considerações finais da presente dissertação.

1.5 Estrutura

A dissertação é composta por quatro capítulos. Numa primeira fase introdutória


sistematizam-se os pressupostos, o âmbito, o enquadramento, os objectivos e a
metodologia adoptada durante a investigação.

A análise formal de Memória do Tempo introduz o tema e o trabalho sobre o qual a presente
investigação assenta. Resume-se numa dissecação formal do conjunto a analisar,
apresentando e justificando as opções tomadas durante a construção do trabalho. Consiste
na desconstrução formal do conjunto de fotografias a analisar e apresenta uma ficha técnica
enquanto análise preliminar do estudo do conjunto.

Procede-se à classificação do género e sua inserção no panorama do retrato, ou mais


objectivamente, do retrato de família.

É feita uma análise dos objectos e da sua disposição no espaço fotográfico. Identifica-se o
tema. A decomposição da geometria do espaço fotográfico foca-se no enquadramento, na
proporção e na centralidade.

Examinam-se os aspectos relacionados com a qualidade da luz e o trabalho de claro/escuro,


determinantes na escolha do suporte de impressão e na própria construção das imagens.

É abordado o conceito de narrativa ou construção fragmentada presente no conjunto. Faz-


se referência à dupla representação materializada nas imagens e à forma como esta se
apresenta em dois tempos diferentes: o presente e o passado.

Procede-se ao desenvolvimento dos aspectos relacionados com a profundidade de campo,


o progressivo desvelar da personagem e a forma como se pretendeu orientar o olhar do
espectador em cada imagem.

4
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 1. INTRODUÇÃO

Em “O Retrato: No Princípio foi Pintura” é feita uma reflexão sobre o retrato enquanto
arquétipo da Pintura e consequentemente da Fotografia, com base em elementos da
História das duas disciplinas e seus pontos de contacto. Este capítulo é desenvolvido a par
com a leitura e análise da bibliografia recolhida e visa apresentar um estudo sobre o retrato
enquanto mitologia da Pintura, e consequentemente da Fotografia. Procura reflectir sobre a
Pintura e a Fotografia enquanto disciplinas análogas, focando os seus pontos de contacto.
“O Retrato: No Princípio foi Pintura” faz um enquadramento geral do género em que se
insere a série Memória do Tempo.

A dimensão conceptual das fotografias propostas para análise consiste na apresentação de


referências artísticas dentro da tipologia do retrato de família e no desenvolvimento dos
principais conceitos subjacentes a Memória do Tempo: tempo e narrativa, a imagem dentro
da imagem, fotografia e memória e auto-representação.

Foi desenvolvido o conceito de tempo e narrativa patente neste trabalho, assim como o
recurso à utilização da imagem dentro da imagem. Pesquisaram-se e apresentaram-se
referências análogas noutras imagens.

Na tipologia do retrato de família, sendo da própria família, é implícito que uma das
motivações para o desenvolvimento deste género de trabalho seja a questão afectiva. Neste
aspecto procura-se fazer algum paralelismo, ao nível das motivações, com o trabalho que
alguns artistas têm vindo a desenvolver neste campo.

Embora este seja um factor relevante, no caso em concreto, a família é encarada enquanto
extensão do autor, ou seja, esta série não é só uma narrativa de recordações alheias mas
uma forma de procurar elementos que também me definem. É uma forma de auto-
reconhecimento.

Num retrato de um familiar existe sempre a tentativa de fixar o que se tem medo de perder,
e nesse sentido, estas memórias são também as minhas.

Porque somos parte dos que nos são próximos, o conjunto de fotografias em análise não
pode ser encarado exclusivamente como um retrato. É neste ponto que se procura reflectir
sobre a possibilidade destas imagens poderem ser consideradas uma auto-representação.
No contexto desta análise conceptual é este um dos factores que se prentende argumentar.

Procura-se, deste modo, examinar o conceito de auto-representação sem recurso ao auto-


retrato do ponto de vista tradicional, fazendo a sua ligação com a presença deste meio na
obra de artistas tais como Janine Antoni.

Procede-se à sumarização das conclusões extraídas do estudo de Memória do Tempo.

5
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 1. INTRODUÇÃO

6
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 2. ANÁLISE FORMAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

Capítulo 2 Análise Formal de Memória do Tempo

2.1 Ficha Técnica

Autoria – Filipa Gomes

Título – Memória do Tempo1

Data – 2007

Número de Peças – 10 fotografias

Dimensões – 60 cm x 60 cm cada fotografia

Suporte – Impressão em gelatina e sais de prata em papel baritado; montagem em PVC de


3mm

Modo de Exposição – O conjunto de imagens deve ser exposto de forma integral e a


numeração das fotografias, referente à sua ordem, é fixa. A distribuição das imagens
desenvolve-se em linha recta, num contínuo, numa superfície única, com um espaçamento
de 60 cm entre cada fotografia.

Edição – Filipa Gomes

Impressão – António Costa [Viragem Lab]

Montagem – Fineprint e Superfície Pictórica

2.2 Classificação de Género

Numa primeira abordagem objectiva, Memória do Tempo enquadra-se dentro do género do


retrato.

2.3 Identificação Temática

O tema subjacente ao conjunto em análise é a memória e o tempo, enquanto objecto


flutuante, fugaz, efémero; a passagem entre o que foi e o que é. Todos os seres transportam
o tempo que viveram. Somos, essencialmente, tempo. Somos mudança, memória, nostalgia
e saudade. Olhamos constantemente para trás, ao flutuarmos no fluxo contínuo e inevitável
que é a vida.

Memória do Tempo é um retrato cuja identidade se constrói através de memórias; através


do acto de recordar a passagem do tempo. É uma tomada de consciência da efemeridade e

1
Consultar Anexo 3 [I.] p. 161-170.

7
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 2. ANÁLISE FORMAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

do poder transmutativo do devir perpétuo inerente à temporalidade. «Atravessamos a vida à


medida que dela nos separamos.»2

2.4 Os Objectos no Espaço

Memória do Tempo é um retrato que se constitui por um conjunto de dez fotografias no qual
a retratada surge sempre representada de meio corpo, numa pose frontal, segurando
imagens que representam momentos marcantes de uma vida.

Como refere Richard Brilliant, «as propriedades mágicas da frontalidade são amplamente
conhecidas e têm sido empregues por criadores de imagens como um sinal do poder
sobrenatural e da autoridade da imagem sobre o observador (…). Mas a frontalidade
também potencia a força comunicativa do retrato de formas menos ameaçadoras, realçando
a intimidade da recepção, essencial em retratos privados de família, ou encurtando a
distância entre o devoto e o seu deus.»3

O sociólogo francês Pierre Bourdieu ligou a pose frontal à própria estrutura da família. Ao
mostrar os «mais enraizados valores culturais»,4 a frontalidade é um sinal de «honra,
dignidade e respeitabilidade»,5 sugerindo o estatuto e o lugar da retratada no seio da
estrutura familiar.6

Num retrato frontal a relação que se cria entre o retratado e o observador é de maior
proximidade; à partida, estabelece-se uma interacção mais estreita, que aproxima o
espectador da imagem. No entanto, em Memória do Tempo, o contacto visual que se espera
num retrato frontal surge contrariado pelo desfoque que vela a representação do
personagem em detrimento do foco em primeiro plano.

No conjunto em análise impõe-se uma dialéctica entre a familiaridade e o afastamento. Se


por um lado a posição frontal acerca o observador do retratado, por outro, a velatura que
mascara a personagem acaba por simultaneamente o afastar. Embora o encontro visual
entre o espectador e o retratado só se concretize em absoluto na última imagem do
conjunto, quando o plano de representação do personagem entra em foco, a familiarização
e proximidade desenvolve-se gradualmente através das fotografias que a figura nos vai
apresentando no decorrer da série.

Em Memória do Tempo, à semelhança do cenário, o vestuário da retratada é negro, fazendo


com que esta pareça fundir-se com o plano de fundo. O esbatimento dos contornos da figura
tende a enfatizar o carácter transitório do conceito de temporalidade inerente a este retrato,
mas também orienta a atenção do espectador para os fragmentos temporais que quer
mostrar.

2
Luís Ene, Blog de Apontamentos [online] (http://blogdapontamentos.blogspot.com/2006/01/o-texto-o-autor-e-o-
leitor.html).
3
Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 79 e 80. Anexo 2, Referência 4, p. 129.
4
Pierre Bourdieu et al., Photography: A Middle-Brow Art [em linha], MediaFire, 1990, p. 82. Anexo 2, Referência
5, p. 129.
5
Ibidem. Anexo 2, Referência 6, p. 129.
6
Pierre Bourdieu et al., Photography: A Middle-Brow Art [em linha], MediaFire, 1990, p. 82 e 83.

8
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 2. ANÁLISE FORMAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

Tradicionalmente os fundos monocromáticos libertam o retratado de potenciais alusões


espaciais, situando-o tanto em qualquer lugar como em lugar nenhum. À partida, com um
fundo neutro e com uma total ausência de acessórios, a fotografia perderia as suas
potenciais conotações sociais, ou seja, o contexto social e geográfico do retratado. No
entanto, em Memória do Tempo, esta informação advém das dez imagens que surgem
dentro da imagem, que para além de ajudarem a contar a sua história, reconstroem a sua
identidade.

É a omissão de um fundo concreto nesta série que permite ao espectador focar-se nos
fragmentos temporais apresentados e na reconstituição da identidade do representado;
como constacta Julia Hirsch, um dos mais antigos artifícios do retrato, utilizado desde o
mosaico romano até às pinturas de Rembrandt e às fotografias de David Octavius Hill e Julia
Margaret Cameron.7

Em Memória do Tempo a fotografia que surge dentro de cada fotografia, que a personagem
segura e nos mostra, fala-nos do que já só existe enquanto representação; daquilo que é
irrecuperável mas permanece suspenso enquanto reminiscência.

A primeira imagem ‘re-fotografada’ surge como um resgate da sua memória mais antiga,
uma fotografia da própria, tirada em estúdio, datada de 1933, onde surge representada com
um vestido de verão, meias claras, em cima de uma cadeira do estúdio fotográfico, como
era habitual à época.

Na segunda imagem a retratada mostra-nos um cartão escolar, que identifica a sua


localização geográfica, Lisboa, a escola que frequentou, a Escola Industrial do Marquês de
Pombal, o seu nome, Atlântica Martins Alves e o seu curso, Auxiliar de Laboratório Químico.
A data do ano lectivo, 1946-47, juntamente com a informação referente ao ano de
frequência são pistas que indiciam a sua idade, localizando-a e posicionando-nos
cronologicamente na história.

A fotografia que nos apresenta na terceira imagem é uma alusão directa à sua profissão,
técnica de laboratório.

Na quarta imagem ‘fala-nos’, pela primeira vez, dos laços afectivos. Um tímido abraço de um
casal, representa a entrada na vida adulta e a descoberta do amor.

A quinta imagem é o seu desenvolvimento, a vida já de casada, numa festa com amigos.

Na fotografia que mostra na sexta imagem do conjunto apresenta-nos o seu filho, que a
segura, com uma mão, pelo vestido.

Na sétima imagem segura duas fotografias, mostrando-nos o filho, já adulto e uma nova
entrada na família, a da sua nora.

A oitava imagem simboliza a chegada dos netos, apresentando a representada com um


bebé ao colo, o meu auto-retrato.

7
Julia Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p. 77.

9
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 2. ANÁLISE FORMAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

A nona imagem do conjunto, representa o final da vida activa, mas é acima de tudo um
retrato dos meus quatro avós, reunidos numa só fotografia. Ao contrário da expressão
neutra que a personagem apresenta ao longo das fotografias anteriores, aqui os seus olhos
fecham-se, numa atitude de oração por aqueles que já não se encontram presentes.

A última imagem do conjunto difere de todas as anteriores. Revelando, pela primeira vez o
rosto da personagem, a décima fotografia sintetiza todas as outras e uma vida. Com a
expressão de um meio sorriso, faz o balanço de uma vida que recorda e revive, ao dizer-
nos: “Vejam como eu sou. Olhem como eu era. Esta é a minha história”.

Emergindo de um fundo negro, despido de pistas materiais, o retrato passa a existir para
além de um mundo palpável, finito e concreto. Liberto da temporalidade material, como num
renascimento, resgata-o do passado e projecta-o para o futuro.

2.5 Geometria do Espaço Fotográfico: Proporção, Enquadramento e


Centralidade

Memória do Tempo é um retrato estruturado por um conjunto de dez quadrados. Cada uma
das dez imagens que o compõe é um quadrado de vincada simetria vertical. As linhas de
força que marcam a estrutura interna de cada fotografia convergem continuamente para o
seu centro, procurando destacar as imagens que se encontram dentro das imagens, ponto
central da construção das fotografias que dão corpo a este retrato.

É a posição das mãos da retratada e a sua projecção em direcção ao observador que criam
um ponto central de convergência para o olhar e demonstram a sua intenção em contar a
história da sua vida por imagens.

Memória do Tempo é um retrato que deve ser exposto apresentando linearmente a


progressão cronológica dos dez quadrados que o compõe, isto é, respeitando a ordem
ascendente do número de série de cada fotografia. É esta a sequência que estrutura o
retrato em dez partes e permite ao observador reconstruir a identidade da retratada.

2.6 Qualidade Expressiva da Luz: O Claro-Escuro

Memória do Tempo foi criada com recurso exclusivo à luz natural, dirigida da direita para a
esquerda, ligeiramente equilibrada pelo uso de uma superfície reflectora.

A iluminação é constante, com sombras vincadas, que trabalham em prol da modelação e


peso escultórico da figura. A luz incidente destaca as imagens dentro das imagens ao
mesmo tempo que afunda o corpo da retratada e destaca o seu rosto, parecendo projectá-lo
em direcção a um renascimento.

2.6.1 O Recurso ao Preto e Branco

Na construção deste retrato optou-se pelo preto e branco com vista à obtenção de uma
fusão mais eficiente da retratada com o fundo e de forma a respeitar as características
cromáticas das imagens originais que surgem representadas dentro das fotografias.

10
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 2. ANÁLISE FORMAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

2.7 Narrativa e Construção Fragmentada: A Dupla Representação

Memória do Tempo é um retrato de teor narrativo que remete para uma duplicidade
temporal explícita. À excepção da última imagem do conjunto, em todas as fotografias há
uma representação “actual” da retratada, velada pelo desfoque selectivo, que surge em
paralelo com uma imagem sua do passado.

São os dez quadrados que constroem o seu retrato, como no desenvolvimento de uma
narrativa clássica, linear e cronológica, através da re-representação ou da reapresentação
de momentos climáticos da sua vida. As imagens seleccionadas e apresentadas são
fragmentos que metaforicamente reconstroem cronologicamente o processo da criação de
uma identidade, de uma vida.

À medida que estas pistas vão sendo examinadas e as diferentes peças se encaixam, uma
história coerente começa a emergir do caos aparente de um passado que apenas surge
indiciado por estes fragmentos – fotografias, memórias.

2.7.1 Profundidade de Campo e Focagem Selectiva: A Orientação do Olhar

Na construção de Memória do Tempo optou-se pelo desenvolvimento de imagens com


pouca profundidade de campo. O recurso a esta forma de fotografar, que resultou na
focagem selectiva de um único plano de imagem, o da imagem dentro da imagem, procurou
orientar o olhar do espectador para as fotografias que a personagem fotografada vai
mostrando ao longo da série.

A utilização desta técnica, a lembrar o sfumato pictórico, vela a representação da retratada


realçando as memórias do passado, resgatando a sua imagem e experiências de outros
tempos.

Aumentando a profundidade de campo, na última imagem mantém-se em foco a globalidade


da cena. É a fotografia final que faz a revelação da retratada, apresentado um contraponto
explícito entre a imagem da juventude e a da velhice.

11
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 2. ANÁLISE FORMAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

12
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Capítulo 3 O Retrato: No Princípio foi Pintura

3.1 Pioneiros da Fotografia: O Legado da Pintura

A invenção da câmara fotográfica despoletou uma verdadeira revolução no modo como o


retrato, e a arte em geral, passaram a ser concebidos.

A fotografia primitiva, por exigir tempos de exposição muito longos, não era a mais
apropriada para a actividade do retrato. Por este motivo, os retratos criados através desta
técnica só permitiam a sua prática em dois ambientes, no estúdio, ou no caixão.

Os primeiros retratos fotográficos foram essencialmente de jovens adultos de classe média,


em poses muito erectas, pouco naturais, sobre um fundo escuro. Embora inicialmente não
procurassem tirar fotografias dos seus filhos em vida, era frequente fazerem-se fotografias
‘post-mortem’ de crianças para as quais não existia nenhum outro tipo de registo visual.

No final do século XIX as fotografias já eram facilmente reproduzíveis em massa e o tempo


de exposição reduziu drasticamente, assim como o peso das câmaras fotográficas.

Embora a câmara ainda não fosse um objecto de posse massificada, a tecnologia que
facilitou as reproduções exactas, democratizando a arte do retrato, não suscitou grande
interesse por parte do mundo da arte. No entanto, o desenvolvimento da fotografia é
essencial para compreender a evolução da arte da era moderna, que tanto aprendeu como
reagiu contra o ultra-realismo e a suposta neutralidade da câmara fotográfica.

Os artistas usaram a câmara escura desde a Renascença e a capacidade de projectar uma


imagem num ecrã, através de um pequeno orifício, já era conhecida na Antiguidade
Clássica. Foram os desenvolvimentos científicos do século XVIII nos campos da óptica e da
percepção da luz que permitiram que, na década de trinta do século seguinte, se tivessem
vindo a desenvolver diferentes métodos de mecanicamente reproduzir e fixar imagens.

Embora inicialmente a fotografia tenha sido pensada com uma finalidade essencialmente
prática, como por exemplo para documentar monumentos, paisagens ou esculturas, a sua
qualidade estética, em termos de representação da luz e sombra, e a capacidade a si
inerente na representação do detalhe, foram percebidas desde a sua origem.

Thomas Wedgwood e Humphry Davy foram os primeiros a tentar gravar uma imagem obtida
através de uma câmara escura, pouco antes do início do século XIX. A familiaridade de
Wedgwood com o instrumento, que lhe advinha do facto de ser filho de um ceramista inglês
que o utilizava para criar os esboços dos desenhos que decoravam as suas peças, assim
como ter tido conhecimento da descoberta de Johann Heinrich Schulze acerca da
sensibilidade de determinados sais de prata à luz, levaram a dupla às suas primeiras
experiências de sensibilização de papéis brancos e couro com uma solução de nitrato de
prata.

Sobre a superfície foto-sensibilizada, colocavam objectos planos ou transparências pintadas


e expunham o conjunto à luz; as zonas da sombra dos objectos sobre a superfície
preparada permaneciam brancas, enquanto as outras, escureciam progressivamente. No

13
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

entanto, Wedgwood e Davy não chegaram a fixar as suas impressões solares, pois nunca
conseguiram dessensibilizar a superfície foto-sensibilizada de forma a evitar que esta
continuasse a escurecer pelo efeito da luz.

Neste aspecto, Joseph Nicéphore Niépce, um inventor residente em Chalon-sur-Saône, teve


mais sucesso. Em 1816, iniciou as suas pesquisas para determinar que composto químico
poderia fixar as imagens recebidas através da câmara escura. Em 1824 inventa o primeiro
processo fotográfico do mundo, a heliografia. As imagens eram obtidas pela deposição de
betume judaico sobre uma placa de estanho polida ou uma placa de vidro. Esta substância
tinha a propriedade de endurecer quando era exposta à luz deste modo, ao retirar o betume
com uma solução de alfazema das partes não afectadas pela luz, e colocar a placa virada
para baixo no topo de uma caixa que continha iodo, a passagem desta substância ao estado
gasoso, escurecia a região descoberta da placa, criando uma imagem.

Em 1827 expõe uma dessas placas durante aproximadamente oito horas dentro de uma
câmara escura e consegue registar uma vista da janela da sua casa, criando a primeira
fotografia permanente do mundo, Vue de la fenêtre du domaine du Gras.1 Embora, como
afirma Graham Clarke, a falta de qualidade e a ambiguidade da imagem sejam mais
características de um fragmento arqueológico do que de uma fotografia.2

Apesar de o único registo fotográfico que resta do seu trabalho estar datado de 1827, as
cartas que enviou ao seu irmão Claude demonstram que muito provavelmente terá
conseguido fixar a imagem obtida através da câmara escura cerca de uma década antes,
embora em negativo.

Numa carta datada de 5 Maio de 1816 endereçada a seu irmão, Niépce afirma claramente
que havia conseguido fixar uma imagem em negativo, embora este não seja o termo que
utiliza:

«Coloquei o dispositivo na sala onde trabalho; voltado para a gaiola dos pássaros e para as
janelas bem abertas. Fiz a experiência de acordo com o processo que conheces, meu caro
amigo; e vi aparecer no papel branco a parte da gaiola que pode ser vista da janela e uma
imagem desvanecida dos caixilhos que se encontravam menos iluminados do que os
objectos no exterior. (…) Isto é apenas uma tentativa muito imperfeita. (…) A possibilidade
de pintar deste modo parece-me quase demonstrada. (…) Aquilo que tinhas predito
aconteceu: o fundo da imagem é negro e os objectos são brancos, quero dizer, mais claros
do que o fundo.»3

Nesta carta, Niépce já profetiza o impacto que este novo processo teria na forma tradicional
de pintar, apresentando-o como um método alternativo de pintura. Na realidade, o nome
com que o baptizou, heliografia, assim o atesta, “gravar com Sol”.

Em 1827, a caminho de Londres, Niépce trava conhecimento com o pintor e artista cénico
Louis Jacques Mandé Daguerre, em Paris, que também já fazia pesquisa na mesma área,
tentando capturar a imagem produzida na câmara pela acção espontânea da luz.

1
Consultar Anexo 3 [II.] p. 171.
2
Graham Clarke, The Photograph, p. 12.
3
Joseph Nicéphore Niépce, Lettres (1816-1817): Correspondance conservée à Châlon-sur-Saône, p. 23. Anexo
2, Referência 7, p. 129.

14
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Daguerre era um dos proprietários do Diorama, um conhecido teatro que tinha a


particularidade de albergar cenários colossais, altamente realistas, executados com
sobreposições de pinturas em telas de gaze semi-trasparentes, cujas imagens se fundiam
consoante a orientação e quantidade de luz que deixava entrar pelas janelas e pela
clarabóia. Para assegurar a precisão destas pinturas, recorria frequentemente à câmara
escura, o que o conduziu à experimentação fotográfica.

Após regressar a França, em 1829, Niépce e Daguerre estabelecem parceria numa tentativa
de aperfeiçoamento da heliografia, com o objectivo de copiar com maior fidelidade a
natureza.4 No entanto, a sua pesquisa conjunta durou apenas quatro anos, dado o
falecimento de Niépce.

Daguerre prossegue com as pesquisas sozinho e em 1837 consegue fazer a sua primeira
fotografia com qualidade, uma natureza morta extremamente detalhada,5 com uma gama
tonal mais alargada, de um grande realismo. A daguerreotipia foi o primeiro processo
fotográfico a incluir uma etapa de revelação. Uma placa de prata coberta por uma fina
camada de iodeto de prata era exposta numa câmara escura e em seguida submetida a
vapores de mercúrio que provocavam o aparecimento da imagem latente invisível formada
durante a exposição à luz. Visto este processo de revelação ampliar o efeito da luz na
chapa, o tempo de exposição reduziu para um máximo de trinta minutos. A fixação da
imagem era obtida através da imersão da placa em água salgada.

A daguerreotipia foi o primeiro método que verdadeiramente transformou o modo de criar


imagens. A 6 de Janeiro de 1839, La Gazette de France anuncia entusiasticamente a
descoberta deste processo, que afirmou ir revolucionar a arte do desenho:

«Anunciamos uma importante descoberta do nosso famoso pintor do Diorama, M. Daguerre.


Esta descoberta é prodigiosa. Perturba todas as teorias científicas da luz e da óptica, e
revolucionará a arte do desenho.
M. Daguerre descobriu o modo de fixar as imagens que se pintam a si próprias na câmara
escura, de tal forma que estas deixam de ser reflexos temporários dos objectos, mas a sua
impressão fixa e duradoura, e tal como na pintura e na gravura, podem ser afastadas da
presença dos objectos.
Imagine a fidelidade da imagem da natureza reproduzida na câmara e adicione-lhe o
trabalho dos raios solares que fixam estas imagens, com todo o seu espectro de luzes,
sombras e meios-tons, e terá uma ideia dos desenhos maravilhosos que M. Daguerre
apresentou, para nosso grande interesse. (…)
Natureza morta, arquitectura – são os triunfos do dispositivo que M. Daguerre quer apelidar,
segundo o seu nome, de Daguerreotipia. (…)
Se tentasse encontrar algo semelhante ao efeito obtido pelo novo processo, diria que se
aproxima das gravuras em cobre ou da mesotinta – mais desta última. Quanto à
verosimilhança, é superior a ambas.»6

4
Desejo similar ao da ‘mimésis’ na pintura.
5
Consultar Anexo 3 [II.] p. 172.
6
H. Gaucheraud, “The Fine Arts – A New Discovery”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL,
Beaumont, ed., p. 17 e 18. [reimpressão do artigo publicado a 6 de Janeiro de 1839, La Gazette de France
(Paris)] Anexo 2, Referência 8, p. 129 e 130.

15
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

O relatório do cientista Joseph-Louis Gay-Lussac sobre a daguerreotipia anunciou o


nascimento de um ‘novo pintor’ e determinou a compra do processo por parte do Estado
Francês:

«A perspectiva da paisagem e de cada objecto é traçada com exactidão matemática;


nenhum acidente, nenhum traço mesmo que imperceptível, consegue escapar do olho e do
lápis do novo pintor; e como só são necessários três a quatro minutos para atingir a
perfeição do seu trabalho, um campo de batalha, em todas as suas fases, será representado
com uma perfeição inatingível por qualquer outro meio. (...) o processo de M. Daguerre deve
ser considerado uma grande descoberta. É a origem de uma nova arte, no âmago de uma
velha civilização, que marcará uma época e será preservado como um título de glória
nacional.»7

Após a compra do processo da daguerreotipia pelo Estado Francês, Daguerre escreveu um


pequeno manual onde explica os detalhes técnicos do seu método, incluindo o desenho da
câmara e do equipamento complementar, e apresenta os relatórios que haviam sido
apresentados ao parlamento por François Arago e Joseph-Louis Gay-Lussac, assim como a
descrição do processo da heliografia desenvolvido por Niépce. Traduzido para diversos
idiomas e contando com mais de trinta edições, Historique et Description du Procédé du
Daguerréotype et du Diorama foi o factor que contribui para a disseminação do processo por
todo o mundo.

Em Julho de 1839 Hippolyte Bayard descobriu uma forma de obter imagens positivas
directamente em papel. Um papel revestido por uma fina camada de cloreto de prata
escurecia quando exposto à luz numa câmara escura, depois de impregnado em iodeto de
prata. O tempo de exposição variava entre trinta minutos e duas horas.

No mesmo ano, o anúncio da invenção da daguerreotipia na Literary Gazette incitou o inglês


William Henry Fox Talbot a retomar a pesquisa que havia iniciado em 1833. Em 1841
patenteou um novo método, a calotipia,8 um aperfeiçoamento do seu desenho fotogénico. A
calotipia foi o primeiro processo negativo/positivo que permitia a multiplicação de uma
mesma imagem graças à obtenção de um negativo intermédio em papel revestido com
cloreto de prata e tornado translúcido com cera.

Tal como na daguerreotipia, a imagem latente era revelada em seguida por meio da adição
de um produto químico, o revelador: uma solução de ácido gálico e nitrato de prata. Uma
segunda folha de papel igualmente coberta de cloreto de prata era depois exposta através
do negativo translúcido para obter o positivo final.

Devemos ao cientista e astrónomo John Herschel a descoberta, em 1839, do meio de


fixação das imagens por imersão num banho de tiossulfato de sódio, que ainda hoje é o
componente essencial dos fixadores fotográficos. A Herschel devemos também o termo
‘fotografia’, em substituição da designação de Talbot de ‘desenho fotogénico’, e os termos
‘positivo’ e ‘negativo’ em detrimento de ‘cópia inversa’ e ‘cópia duplamente inversa’.

7
Joseph-Louis Gay-Lussac, “Rapport”, 1839, in Louis Jacques Mandé Daguerre, Historique et Description des
Procédés du Daguerréotype et du Diorama [em linha], Gallica Bibliothèque Numérique, 1839, p. 33 e 35. Anexo
2, Referência 9, p. 130.
8
O termo calotipia advém do grego καλός que significa ‘linda’ e τύπος, que se refere a ‘impressão’.

16
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

A vantagem da calotipia residia essencialmente na facilidade de manipulação das provas


sobre papel e na possibilidade de reprodução múltipla. Por outro lado, a definição das
imagens, limitada pela presença das fibras do negativo em papel, não conseguia competir
com a das daguerreotipias. Ao inspeccionar as imagens de Daguerre em Paris, Herschel
ficou maravilhado, afirmando serem verdadeiras obras de arte face aos resultados
imprecisos e velados obtidos por Talbot. Numa conversa com o político francês François
Arago, Herschel afirma:

« (...) Devo dizer-lhe que comparada com estas obras de arte de Daguerre, o Senhor Talbot
não produz mais do que coisas indistintas e veladas. A diferença entre os dois resultados é
tão grande quanto aquela que separa a lua do sol.»9

Embora a daguerreotipia tenha suscitado grande interesse e admiração entre a comunidade


científica, em 1839 o tempo de exposição que o processo exigia em dias luminosos ainda
rondava os três minutos tornando-o, deste modo, pouco adequado para a prática do retrato.

Em 1840, o engenheiro especializado em óptica Jean Baptiste François Soleil escreve no


seu Manual de fotografia Guide de l’Amateur de Photographie que ainda não havia sido
possível realizar um retrato em que o retratado surgisse numa pose natural e com os olhos
abertos:

« (…) a expectativa que existia para a obtenção de retratos ainda não se concretizou (…)
Sei que até agora nenhum retrato foi produzido no qual os olhos estivessem abertos e o
rosto apresentasse uma atitude natural.»10

No entanto, em 1840 já começavam a surgir alguns estúdios de fotografia que produziam


retratos, tal como o de Robert Cornelius em Filadélfia.11 A iluminação destes espaços era
efectuada através da utilização de espelhos que reflectiam a luz de modo tão intenso que a
luminosidade se tornava incómoda para os retratados. Deste modo, por esta altura, ainda
era difícil que esta prática se tornasse popular.

Face a estas dificuldades, para reduzir o tempo de exposição, Josef Petzval criou uma
objectiva para retrato cerca de vinte vezes mais luminosa do que a produzida por Daguerre.
O seu único inconveniente prendia-se com a perda de definição nos cantos da imagem, no
entanto esta questão não era particularmente relevante num retrato. John Frederick
Goddard aumentou a sensibilidade das chapas à luz ao usar vapor de brometo de prata
para além do iodeto de prata. Em 1841, o físico Hippolyte Louis Fizeau aumentou o
contraste das daguerreotipias ao adicionar ouro à prata melhorando, deste modo, as
tonalidades mais escuras e produzindo brancos mais brilhantes.

Tais melhorias tecnológicas permitiram obter uma daguerreotipia com apenas alguns
segundos de exposição, o que tornou possível satisfazer a crescente procura do público por
retratos. Um número incalculável de estúdios especializados em retrato surgiu por todo o
mundo, sendo os seus proprietários pessoas com as mais variadas profissões. Em cerca de

9
John Herschel, “Fait Divers”, in AA.VV., L’Artiste, série 2, tomo 3 [em linha], Gallica Bibliothèque Numérique,
1839, p. 64. Anexo 2, Referência 10, p. 130.
10
Jean Baptiste François Soleil, apud Beaumont Newhall, The History of Photography, p. 28. Anexo 2,
Referência 11, p. 130.
11
Consultar Anexo 3 [II.] p. 173.

17
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

duas semanas qualquer pessoa podia aprender o ofício e montar o seu negócio. O baixo
custo da fotografia permitiu a democratização e rápida popularização do retrato.

Oliver Wendell Holmes, físico americano e também fotógrafo amador, no seu ensaio Sun-
Painting and Sun-Sculpture, refere o motivo pelo qual o retrato fotográfico se tornou tão
popular:

« (…) aqueles que amamos já não nos deixam quando morrem, tal como faziam
antigamente. Permanecem connosco tal como em vida; olham para nós a partir das
paredes; encontram-se nas nossas mesas; descansam nos nossos seios; ou melhor, se
quisermos, podemos usar os seus retratos como anéis de brasão. Os nossos olhos
esquecem as imagens outrora neles projectadas. (…) a retina artificial inalterável que os
fitou retém a sua imagem para sempre, um raio de luz grava-a no nervo óptico como se
irradiasse de uma forma viva. Como estas sombras perduram, e como os seus originais
desvanecem!»12

Para Holmes a fotografia era uma forma de triunfar sobre o tempo e sobre a morte. A
verosimilhança e capacidade de reprodução do real da imagem fotográfica surgiam como
uma melhoria significativa das imprecisões e debilidades da memória humana. O
entusiasmo e quase obsessão na captura da imagem de entes queridos foram o motor que
catapultou a disseminação e crescimento dos estúdios e do retrato fotográfico. A
daguerreotipia surgia como um «espelho com memória».13

De acordo com Audrey Linkman, o directório comercial de Manchester listava quarenta e


dois pintores em 1843, dos quais pelo menos vinte e oito eram sem dúvida retratistas. Um
mercado tão desenvolvido como este atesta a importância do género na sociedade da
época e demonstra claramente que a prática do retrato se encontrava absolutamente
propensa à mecanização através da câmara.14

No século XIX a fotografia de retrato herdou muitas das características do retrato pictórico
do século XVIII. «São então comuns a ambas a imobilidade da representação, o realismo
(da perspectiva, das poses, movimentos e atitudes dos personagens, da iluminação), o
carácter de instantâneo das cenas (pormenores, a relação com o quotidiano, etc.), ou o
sentido narrativo e documental dos acontecimentos mais monumentais ou teatrais, ou até da
captação romântica da paisagem.»15

Como sugeriu Otto Walter Beck, «a fotografia entra no campo da arte guiada pelo princípio
pictórico. O retrato fotográfico deve lutar para atingir a profundidade, a qualidade táctil, a
lógica e a plenitude do equilíbrio que nos deleitam nas obras-primas do desenho ou da
pintura num registo monocromático.»16

12
Olivier Wendell Holmes, “Sun-painting and sun sculpture; with a stereoscopic trip across the Atlantic” in The
Atlantic Monthly, p. 14. Anexo 2, Referência 12, p. 130.
13
Olivier Wendell Holmes, “The Stereoscope and the Stereograph” [reimpresso a partir do periódico The Atlantic
Monthly, Junho 1859], in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 54.
14
Audrey Linkman, The Victorians: Photographic Portraits, p. 21.
15
Isabel Sabino, A Pintura Depois da Pintura, p. 135.
16
Otto Walter Beck, Art Principles in Portrait Photography [em linha], Open Library, 1907, p. 15. Anexo 2,
Referência 13, p. 130.

18
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

No século XIX o retrato fotográfico era equiparado à pintura a óleo. Tradicionalmente, o


retrato a óleo era um objecto de posse elitista, que se desenvolvia ao longo do tempo em
estudos sucessivos divididos por sessões. A sua representação formal encarnava a
essência da personalidade do retratado e confirmava o seu estatuto e importância. Por outro
lado, a fotografia sugere uma captura instantânea e uma forma de representação de teor
essencialmente democrático. No entanto, embora superficialmente a fotografia seja a
antítese do retrato a óleo, é certo que o retrato fotográfico se inscreveu no contexto da
pintura. Tanto na fotografia como na pintura, «o retrato é (…) um signo cujo objectivo é tanto
a descrição de um indivíduo como a inscrição da sua identidade social. (…) é também uma
mercadoria, um luxo, um adorno cuja propriedade confere estatuto.»,17 deste modo, «a aura
da preciosa miniatura é legada às primeiras daguerreotipias.»18

No retrato fotográfico, tal como na pintura, era esperado que o fotógrafo retratista
enfatizasse as qualidades do retratado e minimizasse os seus defeitos e imperfeições.
Embora este conceito de idealização pareça precisamente a antítese de um processo
mecânico cuja lógica era a reprodução precisa da entidade disposta em frente da câmara, o
facto de o retrato ser um género amplamente estabelecido na pintura, tendo a ele associado
um conjunto de ideais previamente instituídos, levou a que a fotografia se tivesse de adaptar
aos cânones vigentes. O retrato deveria satisfazer as aspirações sociais quer do artista quer
do cliente logo, o fotógrafo não podia ignorar a tradição e o gosto vigente.

Para atingir o ideal, um equilíbrio perfeito entre a beleza sublime e a própria individualidade
do sujeito, era exigida ao pintor uma observação cuidadosa e minuciosa do retratado, tanto
para o estudo da sua fisionomia como para o conhecimento mais profundo do seu carácter.
De facto, à época, os pintores de retrato reivindicavam uma dimensão espiritual para o seu
trabalho, ao proclamarem a sua capacidade para traduzir na tela, a personalidade, o
carácter e a própria essência do retratado. A importância deste credo não foi ignorada pelos
fotógrafos, tal como demonstra o artigo publicado pelo periódico The Photographic News na
sua edição de 3 de Novembro de 1876, que recomendava «assegurar o retrato de um
homem na sua plenitude, mente e corpo, em vez de uma mera máscara da sua
representação física.»19

O fotógrafo britânico Cornelius Jabez Hughes considerava que «o objectivo principal devia
ser produzir uma imagem característica, e o segundo representá-la o mais agradável
possível, através de uma selecção judiciosa da vista do rosto e da pose da figura, assim
como, sem sacrificar o carácter, destacar os aspectos positivos e dissimular os menos
favoráveis.»20 Como sugere Graham Clarke, «desde o advento do retrato fotográfico, os
fotógrafos têm-se preocupado em expressar numa única imagem, uma hipotética essência
‘interior’. Deste modo, a revelação do carácter é a essência de um bom retrato.»21

Na realidade, era frequente a idealização do retratado e a suposta tentativa de


representação do seu carácter, resultarem na criação de estereótipos por idade e por
17
John Tagg, The Burden of Representation, p. 37. Anexo 2, Referência 14, p. 131.
18
Ibidem. Anexo 2, Referência 15, p. 131.
19
The Photographic News edição de 3 de Novembro de 1876, apud Robin e Carol Wichard, Victorian Cartes-De-
Visite, p. 21. Anexo 2, Referência 16, p. 131.
20
Cornelius Jabez Hughes, “Carte-de-Visite Portraits”, in AA.VV., Humphrey's Journal of the Daguerreotype and
Photographic Arts and the Sciences and Arts Appertaining to Heliography Vol. XIII [em linha], Google Books,
1862, p. 188. Anexo 2, Referência 17, p. 131.
21
Graham Clarke, The Photograph, p. 101. Anexo 2, Referência 18, p. 131.

19
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

género, baseados nas qualidades valorizadas na pintura: a modéstia, a simplicidade e a


castidade para as mulheres, e a dignidade, força e nobreza no caso dos homens.

O pintor dominava em absoluto a transposição do retratado para a tela, desde a expressão


do rosto, à pose e ao cenário. Deste modo, controlava incondicionalmente o sujeito.
Analogamente, também o fotógrafo aspirava exercer um controlo similar sobre os elementos
que constituíam o seu trabalho e foi a recriação que a fotografia em estúdio possibilitou que
lhe permitiu alcançar este objectivo. Dentro do estúdio o fotógrafo determinou rigorosamente
todos os elementos do retrato, desde o vestuário, aos adereços, pose, expressão e
cenários. Assim, aproximava-se do modo de operar dos pintores de cenas de género e dos
retratistas.

É de salientar que a grande maioria dos manuais de fotografia da época, direccionados para
o ensino da prática do retrato em estúdio, apresentava pelo menos um capítulo sobre
direcção de modelos.22 Os fotógrafos eram aconselhados a não se deixarem influenciar
pelas opiniões do retratado, tal como sugere o periódico The Photographic News quando
afirma que «no estúdio os homens não são todos iguais; nesse momento todos os homens
são inferiores ao artista.»23

Note-se a semelhança do conselho que a publicação anteriormente referida oferece aos


fotógrafos, com o que John Burnet havia dirigido aos pintores décadas antes, quando afirma
que «no momento em que o artista, por assim dizer, cede o seu lápis a outro, corre o risco
não só de estragar o seu trabalho, mas de destruir a verosimilhança.»24
No século XIX, era esperado que o fotógrafo de retrato controlasse o seu trabalho a um
nível semelhante ao dos artistas que trabalhavam com pintura. Só assim o seu trabalho
poderia ser comparável ao do pintor. John Mayall anunciava claramente a sua autoridade
através da tabuleta que tinha pendurada no seu estúdio: «É pedido aos retratados que se
coloquem, tanto quanto possível, nas mãos do artista.»25

A expressão era o factor mais importante para assegurar a verosimilhança. No entanto, à


época, o conceito de verosimilhança não se referia à simples parecença física, mas à
representação das qualidades espirituais do retratado. No século XVIII Joshua Reynolds já
considerava que «a verosimilhança consiste mais em representar o aspecto geral do que em
respeitar a similitude exacta de cada detalhe.»26 Em 1864, Marcus Aurelius Root, escritor e
pupilo de Robert Cornelius, advertiu os fotógrafos de que «antes de ser fotografado, o
retratado devia ser colocado num estado de espírito que torne o seu rosto diáfano, com a
sua melhor expressão, isto é, o seu ser essencial e genuíno.»27

22
Em The Studio and What to do in it (1891), de um total de vinte e um capítulos, Henry Peach Robinson dedica
dez a este tópico.
23
Autor desconhecido, “The Stronger Will”, in AA.VV., The Photographic News Volume XXVIII [em linha], Internet
Archive, 1884, p. 388. Anexo 2, Referência 19, p. 131.
24
John Burnet, apud John A. Tennant, in AA.VV., The Photographic Journal of America Volume LIII [em linha],
Internet Archive, 1916, p. 266 [originalmente publicado em Practical Hints on Portrait Painting: Illustrated by
Examples from Works of Vandyke and Other Masters, 1850]. Anexo 2, Referência 20, p. 131.
25
John Jabez Edwin Mayall, apud Robin e Carol Wichard, Victorian Cartes-De-Visite, p. 26. Anexo 2, Referência
21, p. 131.
26
Joshua Reynolds, Sir Joshua Reynolds's Discourses on Art [em linha], Open Library, 1891, p. 102. Anexo 2,
Referência 22, p. 131.
27
Marcus Aurelius Root, The Camera and the Pencil [em linha], Google Books, 1864, p. 34. Anexo 2, Referência
23, p. 131.

20
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Para a obtenção da expressão era frequente os pintores recorrem a sessões múltiplas, o


que era impraticável no caso da fotografia. Na maior parte dos estúdios o fotógrafo conhecia
o cliente momentos antes de efectuar o retrato logo, tinha cerca de dez minutos para
conhecer o seu carácter e adivinhar as suas qualidades espirituais; situação que acabava
por o expor ao ridículo.

A única alternativa que restava ao fotógrafo era identificar a expressão que pretendia obter
do retratado, recriá-la ele próprio, e pedir ao cliente que a imitasse. De acordo com as
convenções tradicionais da pintura, os fotógrafos, tal como os retratados, consideravam
apropriado assumir uma expressão séria, calma e digna. Não era aceitável assumir
expressões de grande emoção, tal como o riso. No século XVIII, Reynolds já recomendava
aos pintores que «se pretendessem preservar a beleza mais perfeita, no seu estado mais
perfeito, não podiam exprimir quaisquer paixões; todas elas produzem, mais ou menos,
distorção e deformidade no mais belo rosto.»28

Henry Peach Robinson considerava que «um riso rasgado é frequentemente belo na
natureza, devido à sua evanescência; mas torna-se intolerável quando fixo no papel.»29
Deste modo, aconselhava «um ar de animação, muito menos do que um sorriso, que fica
bem em quase todos os rostos.»30

Para além da expressão, também a pose do retratado deveria obedecer a regras que
procurassem favorecer a postura natural do indivíduo. Disdéri considerava que «a primeira
condição para uma boa atitude é que devia estar em harmonia com a idade, estatura,
hábitos e modos do indivíduo; em segundo lugar, devia expressar a maior beleza de que o
modelo é capaz.»31

Tal como na pintura, o fotógrafo devia procurar disfarçar as características físicas menos
agradáveis do retratado, através da escolha de uma pose que o favorecesse. Alfred H. Wall,
um colaborador frequente de diversas publicações dedicadas à arte e à fotografia, sugere
que «se o seu cliente é alto e magro, ou baixo e gordo, escolha uma pose que torne estas
peculiaridades menos proeminentes;»32 Wall considerava que «os defeitos pessoais de um
modelo podem ser frequentemente disfarçados pela escolha de uma postura.»33

A pose tinha sempre como objectivo reforçar a expressão facial do retratado, pois tal como
Alfred Wall relembra, «a expressão não se limita ao rosto, fala através de cada movimento
do corpo e dos membros»34

28
Joshua Reynolds, Sir Joshua Reynolds's Discourses on Art [em linha], Open Library, 1891, p. 124 e 125.
Anexo 2, Referência 24, p. 131 e 132.
29
Henry Peach Robinson, The Studio and What to do in it [em linha]. Open Library, 1891, p. 94 e 95. Anexo 2,
Referência 25, p. 132.
30
Ibidem. Anexo 2, Referência 26, p. 132.
31
André Adolphe-Eugène Disdéri, “The Aesthetics of Portraiture”, in AA.VV., The Photographic News Volume VII
[em linha], Google Books, 1863, p. 344. Anexo 2, Referência 27, p. 132.
32
Alfred H. Wall, A Manual of Artistic Colouring as Applied to Photographs [em linha], Google Books, 1861, p. 10.
Anexo 2, Referência 28, p. 132.
33
Ibidem. Anexo 2, Referência 29, p. 132.
34
Alfred H. Wall, “Practical Observations upon Photographs in their Relation to Art”, in AA.VV. The Journal of the
Photographic Society of London Vol. 6 [em linha], Google Books, 1860, p. 142. Anexo 2, Referência 30, p. 132.

21
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Tal como na pintura, regra geral, os fotógrafos adoptaram três tipos de retrato – busto, meio
corpo e corpo inteiro – e em cada categoria o retrato podia variar entre a vista de perfil, a
três quartos ou frontal.

Embora os pintores tivessem maior flexibilidade na escolha dos fundos e acessórios a


aplicar no retrato, era também este o campo que os fotógrafos mais facilmente podiam
controlar. Nos estúdios fotográficos os retratos eram efectuados com recurso a cenários
pintados, que procuravam recriar uma ilusão de tridimensionalidade, mas também se
utilizavam fundos neutros, regra geral escuros. O uso criterioso do cenário e acessórios
permitia ao fotógrafo disfarçar ou tornar menos evidentes as partes do retratado
considerados menos lisonjeiras ou deselegantes.

O retrato de corpo inteiro era o que mais facilmente possibilitava a utilização de acessórios,
panejamentos e fundos que permitiam recriar o efeito pictórico característico dos retratos a
óleo e da pintura de miniaturas.

Nos estúdios fotográficos do século XIX os cenários pintados apresentavam duas temáticas
predominantes, ambas derivadas da imagética pictórica do século XVIII, quando os clientes
mais abastadas esperavam ser retratados sob fundos que enfatizassem o seu poder e
elegância. Um dos cenários mais frequente apresentava um ambiente interior, uma sala de
visitas, muitas vezes adornada por lambris de madeira, janela, e peças de tapeçaria ou
reposteiros. O outro representava um exterior, normalmente uma paisagem rural, sendo que
cada cenário remetia para um conjunto de acessórios próprio. No entanto, os cenários
pintados não agradavam a todos. Oscar Rejlander, por exemplo, considerava que estes
fundos, que eram «uma combinação ilegítima das irrealidades da arte académica com a
verdade da fotografia, deviam resultar sempre numa incongruência.»35 Mas esta
“incongruência” persistia, e eram raros aqueles que optavam pelos fundos neutros.

Sendo a luz o pincel do fotógrafo, o trabalho de iluminação era fundamental para assegurar
o máximo de detalhe e transmitir a tridimensionalidade desejada. À semelhança dos
pintores, os fotógrafos optavam por estúdios com uma orientação a norte. Deste modo, era-
lhes assegurada uma iluminação estável, protegida da luz directa e das flutuações
luminosas provocadas pelas nuvens. Os fotógrafos de retrato tinham preferência por uma
iluminação difusa, proveniente de clarabóias ou janelas laterais. Estas podiam
frequentemente apresentar diferentes tipos de vidro, opaco ou transparente, de forma a
possibilitar uma maior variedade e controlo da intensidade da luz. No interior do estúdio a
iluminação geral era regulada por cortinas, mas o detalhe das imagens era assegurado
pelos jogos de luz criados pelos reflectores.

A iluminação do retrato permitia salientar a beleza e disfarçar os defeitos e as marcas do


tempo. Segundo Robinson «uma fotografia bela podia ser composta de materiais
desagradáveis, se pudéssemos deitar sobre eles a sedução e a magia do claro-escuro
perfeito.»36

35
Oscar Gustave Rejlander, apud Robin e Carol Wichard, Victorian Cartes-De-Visite, p. 27. Anexo 2, Referência
31, p. 132.
36
Henry Peach Robinson, Picture-Making by Photography [em linha], Open Library, 1884, p. 28. Anexo 2,
Referência 32, p. 132.

22
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Ser fotografado através do método da daguerreotipia não era fácil, pois exigia ao retratado
uma pose o mais natural possível, mas tendo de permanecer imóvel durante cerca de trinta
segundos.

Dada a fragilidade da sua superfície, as daguerreotipias não permitiam praticamente


qualquer retoque.

Para favorecer a sua protecção, eram comercializadas em caixas de veludo com tampa de
vidro, semelhantes às utilizadas pelos pintores de miniaturas. Posteriormente, dada a
massificação do processo, foram substituídas por caixas mais baratas em cartão. Na Europa
era frequente a comercialização de daguerreotipias em molduras com passepartout e vidro.
As imagens apresentavam frequentemente a assinatura do fotógrafo ou o nome do estúdio
onde eram produzidas.

A daguerreotipia, mais do que apresentar indivíduos concretos com características pessoais,


reflectiu essencialmente o gosto de uma época. E é certo que a grande maioria das
daguerreotipias que se conhecem actualmente são retratos.

Um dos mais conhecidos retratistas franceses foi Jean Baptiste Sabatier-Blot, um pintor de
miniaturas que se tornou pupilo de Daguerre. As suas daguerreotipias apresentavam
composições cuidadas que a nível de pose e detalhe reflectiam claramente a sua
experiência como pintor.37

Tanto a daguerreotipia como a calotipia foram processos extremamente utilizados pelo


mundo inteiro durante cerca de duas décadas.

Embora tenha sido extremamente popular para a produção de retratos, a daguerreotipia era
um processo condenado à partida, pois não permitia a duplicação das imagens, era
extremamente frágil e exigia a preservação em caixas ou molduras, o que a tornava
dispendiosa.

David Octavius Hill, um pintor escocês, e o fotógrafo Robert Adamson foram a dupla de
maior sucesso a recorrer à calotipia para a criação de retratos.38 Estima-se que ao longo da
sua curta parceria entre 1843 e 1847 tenham produzido mais de mil e quinhentos negativos.

As suas obras de maior sucesso eram retratos informais, nos quais dispunham os retratados
em ambientes exteriores, tanto individualmente como em grupo. A sua técnica mais
frequente em termos de iluminação consistia em atenuar a severidade das sombras
projectadas pela incidência directa da luz sol recorrendo a espelhos côncavos que
utilizavam como reflectores. O tempo de exposição dos retratos de Hill e Adamson eram
habitualmente longos, chegando a atingir vários minutos.

A forte influência da pintura na sua obra parece ligar os seus retratos, especialmente no
tratamento da luz e dos tecidos, à tradição da pintura flamenga do século XVII. Eram
imagens de uma grande dignidade, profundas, que expressavam o carácter individual do
retratado.

37
Consultar Anexo 3 [II.] p. 174.
38
Consultar Anexo 3 [II.] p. 175.

23
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Em 1847, para melhorar a transparência do negativo da calotipia, Claude Félix Abel Niépce
de Saint Victor, primo de Niépce, descobriu uma forma de substituir o papel por vidro. Para
que o brometo de prata pudesse aderir a este novo suporte, decidiu misturar albumina (clara
de ovo) à emulsão. Embora um pouco menos contrastadas e de menor foto sensibilidade, as
imagens tornaram-se extremamente precisas e detalhadas, exigindo aos ópticos o
desenvolvimento de objectivas de maior qualidade.

A impressão em papel albuminado foi inventada em 1850 por Blanquart-Evrard, proprietário


do processo da calotipia em Lille, e rapidamente se tornou no material de impressão mais
comum.

O papel pré-emulsionado, preparado para fotossensibilização imediata, começou a ser


comercializado pelos fabricantes. No entanto, tanto o papel albuminado como o papel
salgado apresentavam graves problemas em termos de estabilidade. De facto, em 1850, a
ideia de que também a impressão fotográfica poderia ser de carácter evanescente, causou
grande preocupação.

Em 1856 Adolphe Louis Poitevin resolve esta questão ao inventar a impressão em carbono,
um processo que produzia provas impressas altamente resistentes à deterioração, que para
além do seu carácter permanente também dava origem a imagens de uma riqueza extrema
em termos de gama tonal.

Em 1851, o escultor inglês Frederick Scott Archer substitui a albumina por colódio, cuja base
era o algodão pólvora. As imagens obtidas através do recurso ao colódio húmido atingiram
uma qualidade nunca antes alcançada. O seu único inconveniente era que a placa
preparada tinha de ser exposta ainda húmida e processada imediatamente a seguir,
obrigando o fotógrafo a estar sempre próximo de uma câmara escura.

Nos anos seguintes foram desenvolvidas duas variantes do processo do colódio húmido, a
ambrotipia e a ferrotipia.

A ambrotipia, patenteada pelo fotógrafo americano James Ambrose Cutting em 1854, dava
origem a uma imagem aparentemente positiva directamente sobre a chapa de vidro.
Baseava-se na sobreposição e branqueamento de negativos em vidro sub-expostos, obtidos
através do processo do colódio húmido, montados sobre um fundo negro para reproduzir o
efeito visual de um positivo. Dada a eliminação da etapa de impressão da cópia, a
ambrotipia não podia ser reproduzida. Embora estivessem muito aquém da qualidade de
uma daguerreotipia, as ambrotipias eram bastante apelativas para os profissionais da
época, pois eram mais fáceis de produzir e podiam ser executadas e finalizadas mais
rapidamente, permitindo aos retratistas a entrega imediata do trabalho.

A ferrotipia, segunda variante do colódio húmido, era um processo ainda mais rápido do que
a ambrotipia. Foi inventado em 1856 pelo norte-americano Hamilton L. Smith, um Professor
da Universidade de Kenyon, com base nas pesquisas do Professor de física francês e
membro da Société Française de Photographie, Adolphe Alexandre Martin.

A ferrotipia substituiu as chapas de vidro por finas placas de ferro esmaltadas a negro,
revestidas por uma emulsão fotossensível. Dada a resistência do suporte, as imagens
obtidas através deste processo podiam ser facilmente enviadas pelo correio, transportadas

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

no bolso ou montadas em álbuns, sem que houvesse o risco de quebra. Eram facilmente
processadas enquanto o cliente aguardava e bastante económicas, pois para além dos
materiais que utilizava serem baratos, eram criadas com recurso a uma câmara com
objectivas múltiplas, o que permitia a obtenção de várias imagens a partir de uma única
pose.

No entanto, nem a ambrotipia nem a ferrotipia conseguiram substituir por completo a


daguerreotipia. Tal só foi alcançado por uma terceira aplicação da técnica do colódio, a
“carte-de-visite”,39 um processo patenteado em 1854 pelo fotógrafo francês André Adolphe-
Eugène Disdéri. O seu nome adveio da parecença das suas dimensões às de um vulgar
cartão-de-visita, embora nunca tenham sido utilizadas como tal; eram pequenas impressões
fotográficas, geralmente em papel albuminado, coladas sobre um cartão com cerca de 10
cm x 6,5 cm.

Para a criação destas pequenas fotografias Disdéri criou uma câmara especial com quatro
objectivas para a obtenção do negativo de colódio húmido. Eram feitas quatro exposições
em cada metade da chapa o que dava origem a oito poses diferentes por negativo. A partir
de uma impressão única era possível obter oito retratos individuais.

A “carte-de-visite” não exigia mão-de-obra qualificada e o sistema tornou-se no mais popular


método de produção em massa de retratos, disseminando-se por todo o mundo.

Com a carte-de-visite, e pela primeira vez, o retrato fotográfico ficou ao alcance de todas as
classes sociais. No entanto, isso não significou o advento de um novo cânone no retrato,
dado que o novo formato se regeu estritamente pela tradição.

Nas poses das primeiras “cartes-de-visite” os retratos eram regra geral de corpo inteiro. Na
pintura de retrato até ao século XVI o retrato de corpo inteiro estava reservado a divindades,
mas a partir de 1500 a tipologia expandiu-se à representação dos mais ricos e poderosos, o
que acabou por ligar a pose ao estatuto social do representado. As “cartes-de-visite” de
corpo inteiro foram indubitavelmente influenciadas por esta ideia pré-concebida herdada da
pintura. No entanto, não tinham grande valor estético. Não se procurava salientar a
expressão e atitude individual do retratado e as reduzidas dimensões das imagens não
permitiam grande enfoque nos rostos. Actualmente, as “cartes-de-visite” valem
essencialmente como documentos de uma era. «Mais do que as palavras, mais do que as
pinturas ou as gravuras, as fotografias antigas transmitem uma impressão imediata e sem
distorção do passado.»40

O facto de terem sido produzidas num tamanho único favoreceu o aparecimento do álbum
fotográfico e as consequentes colecções de retratos. O álbum de família41 tornou-se uma
moda na Era Vitoriana o que possibilitou a sobrevivência de inúmeros exemplares até aos
dias de hoje.

39
Consultar Anexo 3 [II.] p. 176.
40
Charles Sinclair Minto, apud Derrick Price e Liz Wells, in AA.VV., Photography: A Critical Introduction, WELLS,
Liz, ed., p. 57. [Originalmente publicado em Victorian and Edwardian Scotland from Old Photographs, 1970]
Anexo 2, Referência 33, p. 132.
41
Um dos passatempos no século XIX era coleccionar “cartes-de-visite” de famosos. Muitos dos primeiro álbuns
fotográficos não eram álbuns de família, mas livros volumosos cheios de fotografias de celebridades, da realeza
e de políticos.

25
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

No entanto, os retratos de maior qualidade de meados do século XIX foram executados por
fotógrafos muito diferentes dos meros operadores que se dedicavam à produção das
“cartes-de-visite”. Em França surgiu um grupo de fotógrafos que desenvolveu um estilo mais
arrojado e adequado à representação individual das personalidades do mundo artístico e
literário.

Gaspard-Félix Tournachon, mais conhecido por Nadar, foi um caso paradigmático deste
movimento. Os seus retratos eram simples, autênticos e sóbrios, sobre fundos lisos,
monocromáticos, com poses de meio corpo a três quartos, iluminados pela luz de uma
clarabóia. A força dos rostos que fotografou adveio do facto de conhecer a maior parte dos
retratados mas também da sua visão refinada e amplo domínio da fisionomia que derivava
da sua experiência enquanto caricaturista. 42

Nadar tinha uma opinião bem formada acerca do que o diferenciava dos restantes
fotógrafos, que produziam um número sem fim de daguerreotipias e cartes-de-visite, mas
sem paixão. Assumia uma atitude perante a fotografia muito diferente da de Disdéri, por
exemplo, concebendo o retrato como expressão de uma verdade interior, do carácter e
personalidade do retratado. Nadar procurava a “verosimilhança íntima”.

Num texto escrito em 1857 por ocasião de um processo em tribunal contra o seu irmão, que
também queria usar o nome artístico de Nadar, o fotógrafo assume a sua crença:

«A fotografia é uma descoberta maravilhosa, uma ciência que ocupa as maiores


inteligências, uma arte que aguça os espíritos mais sagazes – e cuja prática está ao alcance
do último dos imbecis. (…) Vemos a cada passo operar fotograficamente um pintor que
nunca havia pintado, um tenor sem emprego, e eu ocupo-me do vosso cocheiro e do vosso
criado – estou a falar a sério – para numa única lição formar outros dois operadores de
fotografia. A teoria fotográfica aprende-se numa hora; as primeiras noções de prática
aprendem-se num dia.
… O que não se aprende… - é o sentido da luz, é a apreciação artística dos efeitos
produzidos por iluminações diversas e combinadas, é a aplicação deste ou daquele efeito,
segundo a natureza da fisionomia que o artista quer reproduzir. O que ainda menos se
aprende, é [saber captar] a inteligência moral do retratado, é a capacidade que nos põe em
comunicação com o modelo, que nos permite avaliá-lo e dirigi-lo para os seus hábitos, nas
suas ideias, de acordo com o seu carácter, e nos permite obter, não de forma banal e
aleatória uma reprodução plástica indiferente, ao alcance de qualquer técnico de laboratório,
mas a verosimilhança mais familiar e mais favorável – a verosimilhança íntima.»43

No estúdio da Rue Saint-Lazare, que ocupou entre 1854 e 1860, Nadar desenvolve uma
abordagem ao retrato como género estético e uma forma muito diferente de usar a câmara
fotográfica, não só para registar meros traços fisionómicos mas acima de tudo para penetrar
na alma do sujeito representado. Para tal, estabeleceu um estilo de representação próprio,
virtualmente despido de tudo o que fosse acessório, de tudo o que fosse alheio à presença
central e singular do representado. A fotografia de Nadar, aproximava-se da autenticidade,
intimidade e verdade dos retratos produzidos pelos grandes mestres da pintura.

42
Consultar Anexo 3 [II.] p. 177.
43
Félix Nadar, apud Jean Prinet e Antoinette Dilasser, Nadar, p. 115 e 116. Anexo 2, Referência 34, p. 132 e
133.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Nadar ganhou a aprovação da crítica e em 1859 Philippe Burty afirmou ser «incontestável
que M. Nadar fez dos seus retratos obras de arte em todos os sentidos, pela forma como
ilumina os que retrata, pela liberdade que dá à pose e postura, pela sua busca pela
expressão característica. (…) o sol é apenas o agente, M. Nadar é o artista que o põe a
trabalhar.»44

O escultor Antoine Samuel Adam-Salomon, contemporâneo de Nadar, foi também um dos


grandes nomes da fotografia de retrato francesa. A iluminação à maneira de Rembrandt,
com fortes efeitos de claro-escuro e o envolvimento dos modelos em pesados tecidos de
veludo, conferiam às suas imagens um efeito pictórico que aludia aos retratos flamengos do
século XVII. 45

Adam-Salomon desempenhou um papel fundamental para a aceitação da fotografia como


uma forma de arte. Em 1858 o poeta francês Alphonse de Lamartine referiu-se à fotografia
como uma «invenção do acaso que nunca será considerada arte, mas apenas um plágio da
natureza através de uma objectiva.»46 Após observar a obra de Adam-Salomon, Lamartine
mudou a sua opinião:

« (…) já não posso afirmar que é um negócio; é uma arte. É mais do que uma arte; é um
fenómeno solar no qual o artista colabora com a luz do sol.»47

À época, embora controverso, tal como na pintura também o retoque dos negativos
fotográficos se generalizou, pois a maior parte dos clientes exigia o aperfeiçoamento e
correcção das imperfeições do rosto e marcas da idade que o registo rigoroso das imagens
fotográficas fixava. Para além do retoque directo dos negativos também as impressões eram
frequentemente corrigidas por artistas coloristas através do recurso a pigmentos opacos,
como a tinta-da-china. A falta de capacidade da fotografia na reprodução da cor era vista
como uma enorme lacuna no que dizia respeito ao retrato. Deste modo, para a criação de
um ‘retrato completo’, o trabalho dos coloristas era considerado fundamental, pois «num
retrato a cor da pele é quase tão importante como os traços fisionómicos. A fotografia pode
reproduzir fielmente o aspecto geral e até certo ponto indiciar a cor da pele. No entanto, sem
cor, dificilmente se consegue distinguir adequadamente o tom claro do rosto, os olhos azuis
e o cabelo de um loiro, do cabelo, olhos e compleição escura de um moreno; as bochechas
bronzeadas do marinheiro, e o tom ensebado do funcionário municipal; o rosto avermelhado
do fazendeiro e o branco do tecelão; o cabelo louro do Saxão e a pele escura do Celta.
A mão do artista torna-se necessária para a concretização de um retrato perfeito.»48

Em 1860 vulgarizou-se a criação de cenários. Os retratos passaram a desenvolver-se em


ambientes recriados com recurso a um largo conjunto de ornamentos em tecido e adereços
construídos em papel machê, tais como colunas e cercas dispostas sobre relva artificial ou
seixos.

44
Philippe Burty, “Nadar’s Portraits at the Exhibition of the French Society of Photography”, in AA.VV.,
Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 109. Anexo 2, Referência 35, p. 133.
45
Consultar Anexo 3 [II.] p. 178.
46
Alphonse de Lamartine, apud Gisele Freund, Photography & Society, p. 77. Anexo 2, Referência 36, p. 133.
47
Ibidem. Anexo 2, Referência 37, p. 133.
48
Cornelius Jabez Hughes, The Principles and Practice Of Photography Familiarly Explained [em linha], Google
Books, 1861, p. 63. Anexo 2, Referência 38, p. 133.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

O retrato fotográfico tornou-se num meio publicitário por excelência para actores que
pretendiam promover o seu trabalho e a sua imagem. Os ambientes cénicos dos palcos
eram recriados nos estúdios e os actores dispostos em poses teatrais perante as câmaras.

Napoleon Sarony foi um dos fotógrafos que mais se destacou nesta área e os seus retratos
tornaram-se famosos. Sarony dirigia os seus clientes de forma apaixonada, tentando
destacar visualmente a força do personagem interpretado por cada modelo que
fotografava.49

Mais do que um fotógrafo, Sarony era um artista e a sua câmara uma oportunidade de
emular a própria pintura.

«Sarony era um artista de corpo inteiro e as suas criações, mais do que verosimilhança,
eram autênticos quadros. (…)
Relembrando o notável desenvolvimento da arte fotográfica nas últimas três décadas, não
encontramos ninguém a quem devamos tanto como Napoleon Sarony, não só pela sua
genialidade e conhecimento, mas também pela coragem das suas convicções e pela
determinação com que defendeu que o lugar-comum se deveria render ao artístico. A sua
liderança arrojada neste sentido encorajou todos aqueles que acreditavam que a arte-
ciência podia elevar-se a um plano superior e, deste modo, situaram-se na luta pela
excelência. (…)
Até Napoleon Sarony, não havia vivido ninguém que tivesse feito tanto para promover a
fotografia do domínio das artes mecânicas para o da arte em si. (…)
Chamámos-lhe Victor Hugo da fotografia porque conseguia fazer sobressair, de forma vívida
embora natural, as características dos seus modelos num estilo que ninguém conseguiu
igualar. (…) O temperamento artístico inato do Senhor Sarony (…) permitiu-lhe desenvolver
a capacidade pictórica da câmara ao seu mais alto nível. Nas suas mãos a câmara parecia
ser usada tão habilmente como um lápis.»50

As pequenas “cartes-de-visite” começaram a dar lugar às “cartes cabinet”, que rapidamente


se popularizaram. Regra geral, ambas eram impressas em papel albuminado e produzidas
através da técnica do colódio húmido; o que as diferenciava eram sobretudo as dimensões.
A “carte cabinet” foi inicialmente introduzida em Inglaterra em meados da década de 1860 e
consistia numa imagem fotográfica com cerca de 14 cm x 10 cm, colada sobre um cartão
com 16,5 cm x 11,5 cm.

O maior inconveniente de todos os processos que utilizavam o colódio como base era a
exposição obrigatória em chapas húmidas. Idealizaram-se diversas formas de conservar a
substância em estado sensível durante dias ou mesmo semanas, para que a manipulação
química pudesse ser realizada no laboratório, mas a questão só foi definitivamente resolvida
pelo fotógrafo e físico inglês Richard Leach Meaddox, em 1871, ao substituir o colódio por
gelatina.

O procedimento veio a ser aperfeiçoado por Charles Bennett ao demonstrar que as placas
cobertas por gelatina aumentavam a sua fotossensibilidade se fossem mantidas a 32 ºC por
vários dias. Deste modo, não só se tornou possível preparar e armazenar as placas de
49
Consultar Anexo 3 [II.] p. 179.
50
AA.VV., Wilson’s Photographic Magazine [em linha], Internet Archive, Vol. 34, 1897, p. 68, 71, 72, 74 e75.
Anexo 2, Referência 39, p. 133 e 134.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

brometo e gelatina antecipadamente, mas também a sua sensibilidade à luz aumentou


exponencialmente, o que permitiu reduzir o tempo de exposição a fracções de segundo.

É pouco antes de 1880 que tem início o desenvolvimento do obturador, pois a elevada
sensibilidade das chapas exigia a criação de mecanismos capazes de deixar entrar a luz no
aparelho durante um centésimo ou mesmo um milésimo de segundo. Faltava a possibilidade
de medir de forma precisa a intensidade da luz e o exposímetro tornou-se então um
verdadeiro instrumento de medida.

George Eastman, fundador da Kodak, criou, em 1888, o conceito de suporte flexível. As


placas em vidro foram gradualmente substituídas por rolos de celulóide. Pela primeira vez, a
fotografia doméstica tornou-se uma possibilidade para todos.

Mas faltava ainda à fotografia a capacidade de reprodução das cores. As primeiras


tentativas tiveram início em 1848 pelas mãos de Edmond Becquerel. Em 1851, Niépce de St
Victor demonstrou que uma placa de prata revestida de cloreto de prata puro conseguia
reproduzir directamente as cores, embora de forma instável.

Em 1869, Louis Ducos du Hauron criou as primeiras verdadeiras fotografias a cores em


papel, aplicando o princípio demonstrado por James Clerk Maxwell da síntese aditiva da cor;
a decomposição da luz nas suas três cores primárias, vermelho, verde e azul. Fotografou a
mesma cena três vezes, utilizando um filtro diferente em cada exposição, respectivamente
vermelho, verde e azul. Deste modo, obteve três imagens positivas que coloriu na cor que
as produziu. Sobrepondo as três imagens de forma precisa, Hauron conseguiu reconstituir
as cores.

O primeiro processo de fotografia a cores numa chapa única, praticável por amadores,
surgiu em 1907. O autocromo, patenteado pelos irmãos Lumière em 1903, retomou o
princípio da síntese tricromática realizada, desta vez, sobre uma chapa única, pela
justaposição de um mosaico de microfiltros das três cores efectuado com grãos de fécula de
batata.

O autocromo foi recebido com entusiasmo, como «o mais fulgurante e atraente, se não o
mais valioso, de todos os desenvolvimentos recentes associados ao nome da Fotografia»51
mas de acordo com Dixon Scott, a impossibilidade de manipulação do processo era uma
desvantagem e a própria representação possibilitada pelo autocromo estava muito longe
tanto da natureza como da arte:

«A Criação pela Manipulação não é permitida no trabalho a cores; (…) a paisagem do


autocromo permanence um banho de água fria, um pouco desconsolável e austero, - algo
que ainda está muito longe tanto da ilusão sensual a que chamamos natureza, como da
realidade voluptuosa a que chamamos arte.»52

51
Dixon Scott e Charles Holme, Colour Photography: and Other Recent Developments of the Art of the Camera
[em linha], Open Library, 1908, p. 1. Anexo 2, Referência 40, p. 134.
52
Dixon Scott e Charles Holme, Colour Photography: and Other Recent Developments of the Art of the Camera
[em linha], Open Library, 1908, p. 5 e 6. Anexo 2, Referência 41, p. 134.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

No entanto, após mais de meio século de experiências inconclusivas, os fotógrafos


receberam com entusiasmo a chegada do primeiro processo fotográfico a cores
efectivamente viável.

Numa carta dirigida ao editor da revista britânica Photography, datada de 31 de Julho de


1907, o fotógrafo Alfred Stieglitz decreveu os dias em Paris em que na companhia do seu
amigo e também fotógrafo Edward Steichen, viu pela primeira vez as provas da invenção.
Stieglitz mostrou-se optimista em relação ao novo processo; não o considerou uma ameaça,
mas viu na sua facilidade de execução e veracidade na representação das cores um meio
viável para o alcance do triunfo na arte fotográfica:

«O seu entusiasmo relativamente às imagens do Autocromo de Lumière e aos resultados


com eles obtidos tem fundamento. Li cada palavra que a Photography publicou sobre o
assunto. Nada do que escreveu é exagerado. Independentemente do que você ou alguém
possa ter escrito sobre o assunto e em honra dos resultados, as imagens são tão
surpreendentemente verdadeiras que ultrapassam as maiores expectativas. (…) Steichen
chegou sem fôlego ao meu hotel para me mostrar as suas duas primeiras fotografias. (…)
convenceram-me de imediato que o problema da cor aplicado ao trabalho prático tinha sido
resolvido, e que até o mais picuinhas deveria ficar satisfeito. (…) As possibilidades do
processo parecem ser ilimitadas. (…) em breve o mundo perderá a cabeça pela cor, e
Lumière será o responsável. (…) A diferença entre os resultados obtidos pela mais alta
sensibilidade artística e os dos visualmente inaptos será ainda maior a cores do que foi a
preto e branco, Que Deus tenha piedade de nós. Mas tal como em todas as coisas, o bem
eventualmente triunfará sobre o mal. Pela minha parte aprendi acima de tudo que nenhum
problema parece estar para além do alcance da ciência.»53

3.2 O Retrato enquanto Mitologia

Yuri M. Lotman considera que «o retrato é o género mais “natural” da pintura, e em teoria, o
que menos precisa de uma justificação teórica.»54

De acordo com o dicionário Oxford English Reference,55 um retrato é a representação de


uma pessoa ou de um animal, em particular do seu rosto, executado através de pintura,
desenho, gravura, fotografia, escultura, etc; retratar é criar algo semelhante. As raízes
semânticas do termo em italiano, ‘ritratto’, vêm do verbo ‘ritrarre’, que tanto significa retratar
como copiar ou reproduzir. No entanto, esta definição algo simplista esconde a
complexidade inerente a um retrato. Um retrato não se resume à semelhança; é uma obra
de arte que comporta o conceito de identidade do sujeito retratado, na época ou no lugar em
que foi criada. Como afirma Richard Brilliant, «a verosimilhança, enquanto conceito, tem os
seus limites no retrato; é uma característica muito comum nos retratos (…), mas nem todas
as imagens que se parecem com “alguém”, devido a um intenso grau de realismo descritivo,
são necessariamente, e por esse motivo, um retrato.»56 A imagem de uma pessoa pode não
ser necessariamente um retrato dessa pessoa, pois o retrato não se restringe à

53
Alfred Stieglitz, apud Aaron Scharf, Pioneers of Photography, p. 176. Anexo 2, Referência 42, p. 134.
54
Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 25. Anexo 2,
Referência 43, p. 134.
55
The Oxford English Reference Dictionary, Oxford University Press, 2001, p. 1130.
56
Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 72. Anexo 2, Referência 44, p. 134.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

representação das expressões faciais mas deve abarcar a essência do indivíduo. Um retrato
é uma tentativa deliberada de capturar algo de um determinado ser humano. Se a imagem
falhar na representação em termos de carácter, o retrato dessa pessoa não existe.

No entanto, como aponta Shearer West, «tentar interpretar todos os retratos como
encarnações de algo mais do que a mera aparência exterior do retratado pode ser
anacrónico, mas através da natureza da sua função mimética, os retratos oferecem sempre
ao observador um vislumbre da essência interior.»57

O género do retrato é único na sua diversidade formal. O retrato é uma representação mas
também é um objecto com uma existência material, e como tal, apresenta uma variedade de
funções. Os retratos podem ser pinturas, esculturas, desenhos, gravuras, fotografias,
moedas, medalhas… Podem surgir enquanto imagens impressas em jornais ou revistas, em
mosaicos, peças cerâmicas, tapeçarias ou notas. Os retratos podem representar indivíduos
ou grupos, de forma parcial (bustos ou silhuetas) ou em pose total. Podem revelar parte da
história do retratado ou documentar a época em que foram feitos. Os retratos também se
apresentam em contextos diversos: desde as galerias, aos museus e habitações, às
moedas e jóias, decorações de jardim e monumentos de arte pública, sendo que cada local
determina um significado diferente para o objecto. Esta omnipresença do tema torna-o, de
certa forma, a mais familiar das formas de arte. Os aspectos funcionais do retrato, a sua
familiaridade de uso e popularidade advêm do facto de se apresentar enquanto género
indeterminado. À partida, um retrato pode parecer factual como um documento, no entanto,
a sua especificidade é sempre parcial pois encontra-se sujeita ao contexto da sua produção,
apresentação e recepção.

Desde os primórdios da História da Arte o estudo da representação do rosto parece reflectir


o constante desejo do Homem de se compreender a si mesmo. Independentemente do
espaço ou do tempo em que a arte se manifeste, a tentativa de tradução do que encerra e
oculta o rosto humano tem sido continuadamente explorada.

É certo que em determinadas civilizações foi ignorado por motivos religiosos, mas a maior
parte dos artistas de quase todas as épocas utilizaram o retrato como forma de questionar a
própria personalidade humana. Não é por acaso que desde a Roma Antiga se diz que o
rosto é o espelho da alma.58

Gerardo Mosquera chama à atenção para o facto de o retrato não ser um género de
representação cujo campo de acção se restrinja exclusivamente à representação do rosto.
No entanto, afirma que ele é, claramente, o seu principal componente, pois o rosto é uma
verdadeira «máquina de comunicação».59

O interesse artístico neste género foi evidente na sua presença crescente na pintura e na
teoria da arte a partir do século XVI, o que é justificável, de acordo com Stephen Greenblatt
pelo facto de o Renascimento na Europa ocidental ter sido um período de crescente auto-
57
Shearer West, Portraiture, p. 37. Anexo 2, Referência 45, p. 134.
58
Afirmação da autoria de Marcus Tullius Cícero (106-43 a. C.) expressa no livro III da obra De Oratore [lat.,
imago animi vultus est, indices oculi]. Filósofo, orador, advogado e político romano, Cícero foi um dos mais
destacados expoentes da corrente filosófica do ecletismo. Proporcionou a Roma o conhecimento do Pensamento
Helenista ao traduzi-lo para o latim.
59
Gerardo Mosquera, “Interfaces: Portraiture and Communication”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 8.

31
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

consciência no qual os conceitos de identidade única e individual começaram a ser


formulados.60

O tratado de Francisco de Holanda Do Tirar Polo Natural, escrito em 1549, representa a


primeira reflexão exclusiva sobre o retrato ao vivo e de acordo com uma referência do autor
apresentada no Prólogo surge como um prolongamento das obras Da Pintura Antiga e
Diálogos em Roma.

Do Tirar Polo Natural desenvolve-se através do diálogo entre Fernando, um pintor que
representa o próprio autor, e Braz Pereira, seu amigo residente no Porto, apresentando um
conjunto de reflexões acerca da forma mais perfeita de retratar ao vivo, do que deve ser um
retrato e de quem deve ser retratado. Francisco de Holanda considera que «poucos foram
os que mereceram ser ao natural pintados, para ficarem em memória à posteridade e
tempo»,61 mas apenas as figuras de excepção, homens virtuosos, famosos em armas,
desenho e letras, e todos aqueles que amam, pois o retrato tem sempre como objectivo
deixar um rasto de memória e lembrança. O autor lança as «linhas ou traços sobre a tábua
do tirar ao natural»,62 afirmando que retratar uma pessoa implica fazê-lo segundo o seu
carácter e personalidade, que deve surgir espelhada «conforme maneira e postura que
aquela pessoa que tiro costuma ter»;63 em seguida deve ser privilegiada a escolha do
ângulo, ou seja, pintar «fronteiro»64 (de frente) ou de «meio rosto»65 (de perfil), ou melhor,
usar o meio-termo entre os dois, o «treçado»,66 ou seja o retrato a três quartos. Francisco de
Holanda defendeu que os olhos, nariz e boca são os principais «indícios por onde se
conhecem as pessoas, quando estão bem pintadas»,67 mas afirma que os primeiros são a
parte fundamental do rosto humano, «porque deles tem começo toda luz, e eles são as
janelas e portas por onde tudo tem a entrada.»68 Também Leon Battista Alberti havia
referido um século antes, na obra De re aedificatoria, que «o olho é por natureza o órgão
mais especialmente amoroso do Belo.»69

As conclusões finais do livro salientam o pressuposto individualismo do renascimento e


relembram que a «pessoa ínclita»,70 não deve ser parecida com nenhuma outra, pois deve
ser retratada mediante a sua maneira de ser, alegre ou triste, gorda ou magra, embora o
pintor deva procurar salientar os seus traços mais belos.

Recorde-se que também Giovanni Paolo Lomazzo dedicou uma secção inteira do seu
Trattato dell Arte della Pittura Scoltura et Architecttura de 1584 ao estudo do retrato, assim
como Nicholas Hilliard em The Arte of Limning, um tratado sobre a pintura de miniaturas,
que embora escrito entre 1598 e 1603, só veio a ser publicado no século XX.

Um retrato é uma manifestação física da vaidade. As pessoas querem ser vistas, de


preferência no seu melhor, mesmo que isso signifique apagar parte daquilo que realmente
60
Shearer West, Portraiture, p. 17.
61
Francisco de Holanda, Do Tirar Polo Natural, p. 14.
62
Francisco de Holanda, Do Tirar Polo Natural, p. 21.
63
Francisco de Holanda, Do Tirar Polo Natural, p. 22.
64
Ibidem.
65
Ibidem.
66
Ibidem.
67
Francisco de Holanda, Do Tirar Polo Natural, p. 37.
68
Francisco de Holanda, Do Tirar Polo Natural, p. 25.
69
Leon Battista Alberti, apud Maria de Lourdes Sirgado Ganho, O Essencial sobre Francisco de Holanda, p. 28.
70
Francisco de Holanda, Do Tirar Polo Natural, p. 39.

32
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

são. Se não for através da aparência, será através do que possuem, do seu estatuto social
ou da sua riqueza, embora tal fosse mais evidente no retrato antigo, quando se era
efectivamente retratado para evidenciar poder, beleza e categoria. Cada característica que
desprezassem em si próprios ou que desejassem possuir, era alterada de acordo com a sua
vontade. O desejo de controlar o modo como somos vistos é irrevogavelmente parte
intrínseca da natureza humana. Como seres humanos, não queremos ser percepcionados
de forma inferior à ideia que temos de nós próprios, mas todos temos uma visão do que
somos que contradiz a forma como somos vistos pelos outros.

A imagem que o Homem criou de si próprio nunca deixou de se transformar. As diversas


interpretações do rosto humano que marcaram a História do Retrato corresponderam aos
inúmeros conceitos sobre a fisionomia e os mistérios da mente.

A prática artística do retrato e as suas convenções sofreram grandes mudanças ao longo


dos tempos, mas embora a maior parte dos retratos mantenha um certo grau de
verosimilhança, o retrato é sempre o resultado do meio empregue, da visão do artista e da
moda e estilo vigentes à data da sua produção.

Em The Natural History, Plínio o Velho atribuiu a invenção do retrato a Butades, um


ceramista grego que viveu cerca de 600 anos a.C. A descoberta foi fruto de um acaso; a sua
filha, enamorada por um rapaz que partiria para longe, decidiu contornar a sombra
projectada do seu rosto sobre uma parede:

«Butades, um oleiro de Sicião, foi quem primeiro inventou, em Corinto, a arte de modelação
de retratos na terra que utilizou na sua actividade comercial. Foi através da sua filha que
concretizou a descoberta; esta, profundamente apaixonada por um jovem que ia partir para
uma longa viagem, traçou o perfil da sua face tal como era projectada na parede pela luz de
uma lâmpada. Vendo isto, o seu pai preencheu o contorno comprimindo barro contra a
superfície, fazendo desta forma uma cara em relevo que posteriormente endureceu pelo
fogo em conjunto com outros artigos de cerâmica. Este modelo, diz-se, foi preservado no
Nymphæum em Corinto, até à destruição da cidade por Mummius.»71

Embora não existam provas concretas de que esta descrição corresponda em absoluto à
verdade, é certo que o ‘amor’ e a ausência podem estar na origem das primeiras
representações do rosto humano. O retrato atribui sempre um valor de memorial à
representação, perpetuando o representado para além da ‘morte’,72 constituindo-se
enquanto artifício de supressão da distância. Objectivamente, a relação entre o retrato e os
rituais funerários é antiga. Poder-se-ia afirmar que os retratos foram originalmente
inventados com o propósito de servirem as cerimónias fúnebres. Nas antigas culturas
Latino-Americanas o retrato era considerado um vestígio do morto, tal como na Roma Antiga
e no Egipto, onde era utilizado para preservar a sua imagem para a eternidade.

Como refere André Bazin «na origem da pintura e da escultura, encontra-se o “complexo” da
múmia. A religião egípcia, dirigida como um todo contra a morte, faz depender a
sobrevivência da perenidade material do corpo. Deste modo, ela satisfaz uma necessidade
71
Caio Plínio Segundo, “The Inventors of The Art of Modeling” in The Natural History [em linha], Perseus Digital
Library, vol. XXXV, cap. 43, 1855. Anexo 2, Referência 46, p. 134 e 135.
72
Neste caso a palavra ‘morte’ não é aplicada exclusivamente enquanto morte física mas também enquanto
ausência corporal.

33
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

fundamental da psicologia humana: a defesa contra o tempo. A morte não é mais do que a
vitória do tempo. Fixar artificialmente a aparência carnal do ser é arrancá-lo ao fluxo do
tempo: segurá-lo à vida. Era natural preservar as suas aparências na realidade, mesmo do
morto, na sua carne e nos seus ossos. A primeira estátua egípcia é a múmia do homem
curtido e petrificado em natrão.»73

De facto, como afirma Manuel Carrión Gútiez, «viver, para o homem, é ter presença. Viver é
existir e existir é ter presença; (…) A luta fundamental do homem não é, então, a luta pela
vida, mas a luta por assegurar a presença…».74

E o retrato é, precisamente, «a presença perturbante de vidas suspensas na sua


duração…»,75 pois tal como uma fotografia, «embalsama o tempo, livra-o da sua própria
corrupção.»76

Gerardo Mosquera considera que «nos retratos cujo principal objectivo é a criação de uma
obra de arte para o circuito artístico, a identificação e a representação do sujeito retratado
têm um papel auxiliar, subordinadas à criação de uma imagem artística e à mensagem que
transmite.»77 Por outro lado, como sugere Richard Brilliant,78 é difícil pensarmos num retrato
sem o remetermos em primeiro lugar para o representado. Mesmo quando não se tratam de
retratos de família, captados num qualquer evento de cariz privado, mas de peças
produzidas por grandes artistas, concebidas intencionalmente enquanto obras de arte, o
sujeito observador irá focar-se tendencialmente na tentativa de identificação da pessoa que
se encontra retratada na imagem. É pouco provável que diga: “Este é um retrato da Ana”;
dirá, em vez disso: “Esta é a Ana”. Tal observação resgata o retrato da sua qualidade de
objecto, tranformando-o numa espécie de operador de canalização de um objecto real. «O
reconhecimento é primário, quase como se a obra de arte se tornasse transparente neste
encontro entre indivíduos…».79

O poder do retrato está precisamente nessa força que ao afectar a nossa percepção,
interfere na diferenciação que fazemos entre a representação do indivíduo e o indivíduo em
si. O retrato torna-se num substituto do representado, ou melhor, a imagem enquanto
representação e a imagem real fundem-se numa só. Em vez de mostrar ou representar o
outro, transmuta a sua ausência e dá-lhe corpo. À sua semelhança, converge o ser com a
sua imagem representada.

Como Lotman refere, «o retrato, de certo modo, antecipa as funções da fotografia,


transportando o testemunho documental da representação e autenticidade de um indivíduo.
Esta função coloca o retrato lado a lado com a impressão digital colocada num

73
André Bazin, “Ontologie de L’Image Photographique” in Qu’est-ce que le Cinéma?, p. 9. Anexo 2, Referência
47, p. 135.
74
Manuel Carrión Gútiez, “La presencia y la figura”, in AA.VV., Una Imagen para la Memoria: La Carte de Visite,
p. 9. Anexo 2, Referência 48, p. 135.
75
André Bazin, “Ontologie de L’Image Photographique” in Qu’est-ce que le Cinéma?, p. 14. Anexo 2, Referência
49, p. 135.
76
Ibidem. Anexo 2, Referência 50, p. 135.
77
Gerardo Mosquera, “Interfaces: Portraiture and Communication”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 7. Anexo 2, Referência 51, p. 135.
78
Richard Brilliant, Portraiture, p. 23.
79
Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 77. Anexo 2, Referência 52, p. 135.

34
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

documento.»80 De acordo com o autor, o retrato mais antigo terá sido uma impressão digital
em argila; um objecto que significa e substitui a identidade individual, mas que também é
uma identidade em si própria. Ou seja, «é simultaneamente algo separado do indivíduo e
inseparável dele/dela; inseparável no sentido em que a perna ou o coração de alguém são
de si inseparáveis.»81

O retrato, tal como a imagem fotográfica, é um vestígio da realidade, um objecto verdadeiro


que testemunha a existência do real. O que Roland Barthes propõe como “noema”, ou
essência da fotografia, aplica-se de igual modo ao retrato: «é literalmente uma emanação do
referente. De um corpo real, que estava lá…»82

No retrato, tal como na fotografia, «a realidade e a sua pegada aparecem idênticas.»83


Deste modo, o retrato «não é uma representação mas uma apresentação: objecto, verdade,
contingência pura, ‘presença da realidade’.»84

Richard Brilliant defende que «o conceito de identidade afecta a singularidade da relação


com a pessoa representada (…), assim como a intensidade especial do envolvimento
psicológico do observador com o retrato, como se o ser humano ali representado estivesse
de algum modo presente diante dos seus olhos.»85

Segundo Bazin, «a fotografia beneficia de uma transferência da realidade da coisa na sua


reprodução.»86 À imagem da fotografia, também o retrato «é o objecto em si mesmo, mas
liberto das contingências temporais. A imagem talvez seja difusa, deformada, descolorida,
sem valor documental, ela provém pela sua génese da ontologia do modelo; ela é o
modelo.»87

Na realidade, a sobreposição coincidente do indivíduo com a sua imagem não é um conceito


recente, tal como demonstra um episódio relatado por Plínio sobre a visita de Apelles a casa
de Protegenes:

«Protógenes não estava em casa, mas por acaso encontrava-se um grande painel no
cavalete, pronto para ser pintado, com uma mulher idosa, deixada a cargo. Às suas
perguntas ela respondeu que Protegenes não estava em casa e em seguida perguntou
quem deveria anunciar como visitante. “Aqui está ele”, foi a resposta de Apelles, e
agarrando num pincel, traçou a cores sobre o painel, um esboço de uma minuciosa finura
sem igual.»88

80
Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 25. Anexo 2,
Referência 53, p. 135.
81
Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 25 e 26. Anexo 2,
Referência 54, p. 135. Lotman profere esta afirmação porque de acordo com a mitologia, se um feiticeiro se
apoderasse da pegada de um indivíduo, poderia controlá-lo, manipulando-o através de encantamentos.
82
Roland Barthes, A Câmara Clara, p. 91.
83
Laura Gonzáles Flores, Fotografia y Pintura: ¿ Dos Medios Diferentes?, p 136. Anexo 2, Referência 55, p. 136.
84
Ibidem. Anexo 2, Referência 56, p. 136.
85
Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 71. Anexo 2, Referência 57, p. 136.
86
André Bazin, “Ontologie de L’Image Photographique” in Qu’est-ce que le Cinéma?, p. 16 e 17. Anexo 2,
Referência 58, p. 136.
87
Ibidem. Anexo 2, Referência 59, p. 136.
88
Caio Plínio Segundo, “Artists who Painted with the Pencil” in The Natural History [em linha], Perseus Digital
Library, vol. XXXV, cap. 36, 1855. Anexo 2, Referência 60, p. 136.

35
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Se, como afirma Stuart Hall, «o retrato fotográfico é uma descrição abreviada de um
indivíduo, então o retrato é mais do que “apenas uma imagem”, é um local de trabalho: um
evento semiótico de identidade social.»89 «Os retratos fixam a nossa identidade no que é
essencialmente uma arte de descrição.»90

O retrato, à semelhança do auto-retrato, levanta sempre, para o espectador, a questão da


identidade, frequentemente ligada ao rosto, ao corpo e associada à questão do “eu” e da
sociedade. O conceito de identidade pode abarcar diversas características tais como o
carácter, personalidade, estatuto social, relações, profissão, idade e género, sendo que
estas qualidades não são fixas; variam de acordo com o local e a época em que o retrato foi
produzido. As propriedades abarcadas pela identidade não podem ser reproduzidas num
retrato mas apenas sugeridas ou evocadas. Um retrato é, então, uma imagem da essência
do indivíduo materializada através do corpo.

Como Brilliant sugere «o retrato, ele próprio, é como um pacote: o rosto e o corpo do
indivíduo representado constituem o papel de embrulho desse pacote: o vestuário usado é o
seu laçarote. (…) É uma suposição, vulgarmente aceite, que todos nós, mais cedo ou mais
tarde, mostramos “o que somos” nos nossos rostos, nos nossos corpos, no vestuário. (…) A
tarefa do retratista é tornar os elementos invisíveis do carácter, embora essenciais, visíveis,
e deste modo, juntar numa imagem singular a sua essência corpórea e incorpórea.»91

Em Physiognomische Fragmente zur Beförderung der Menschenkenntnis und


Menschenliebe,92 uma obra em três volumes escrita entre 1775 e 1778, o filósofo e teólogo
Suiço Johann Caspar Lavater defendeu que a aparência exterior, a fisionomia, era uma
manifestação directa das características interiores. À luz do pensamento aristotélico, que
afirmava que «os atributos da alma parecem estar todos associados ao corpo»,93 Lavater
defendeu que «não existe qualquer objecto na natureza cujas propriedades e poderes se
possam manifestar de qualquer outro modo que não através da aparência externa, como
afecta os nossos olhos. Através dela todos os seres são caracterizados. Ela é a fundação do
conhecimento humano. O homem divagará na mais profunda ignorância, tanto com respeito
a si próprio como aos objectos que o rodeiam, se não se familiarizar com as propriedades e
poderes com a ajuda do exterior; e se cada objecto não tivesse uma característica peculiar à
sua natureza e essência, que nos permita conhecer o que é, e nos possibilite distingui-lo do
que não é.»94

Deste modo, de acordo com Lavater os traços do rosto revelavam aspectos das qualidades
psicológicas do representado. Considerou que «existem muitas características ou partes do
corpo que não são susceptíveis à dissimulação; e de facto, essas características são
marcas indubitáveis do carácter interior.»95 Através da apresentação de inúmeras
ilustrações, o autor procurou demonstrar no seu extenso tratado que as diferenças no

89
Stuart Hall, apud David Bate, Photography: The Key Concepts, p. 67. Anexo 2, Referência 61, p. 136.
90
David Bate, Photography: The Key Concepts, p. 67. Anexo 2, Referência 62, p. 136.
91
Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 74. Anexo 2, Referência 63, p. 136.
92
Em português, Fragmentos da Fisionomia para a Promoção do Conhecimento e do Amor da Humanidade.
93
Aristóteles, De Anima [em linha], Internet Archive, 1907, p. 7. Anexo 2, Referência 64, p. 136.
94
Johann Caspar Lavater, Essays on Physiognomy for the Promotion of the Knowledge and the Love of Mankind
Vol I [em linha], Google Books, 1789, p. 11 e 12. Anexo 2, Referência 65, p. 136 e 137.
95
Johann Caspar Lavater, Essays on Physiognomy for the Promotion of the Knowledge and the Love of Mankind
Vol I [em linha], Google Books, 1789, p. 153. Anexo 2, Referência 66, p. 137.

36
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

formato, ângulo e nas dimensões dos elementos do rosto que não podiam ser dissimulados,
como o nariz, a boca e a testa, podiam efectivamente indiciar alguns aspectos da
personalidade do retratado.

Na década de 80 do século XIX, as teorias de Lavater degeneraram nos estudos de Francis


Galton, que desenvolveu uma técnica baseada em estudos sobre fisionomia e frenologia96
que consistia na sobreposição de fotografias de rostos de indivíduos com características
semelhantes ou em circunstâncias parecidas. Galton defendia que a imagem compósita
resultante desta justaposição de fotografias revelaria as características físicas hereditárias
de determinados conjuntos de indivíduos. Inicialmente apresentou a sua técnica como um
método útil no diagnóstico de doenças, mas mais tarde veio a afirmar que poderia revelar
que os rostos sobrepostos pertenciam ao mesmo grupo étnico, ou correspondiam a grupos
de indivíduos com o mesmo comportamento.

O método de Galton desenvolvia-se em torno do conceito de raça, determinando diferenças


sociais que afirmava pertencerem a certos “tipos” sociais, ou seja, de acordo com a raça e
classe. No seu estudo, os diferentes grupos sociais ou classes surgiam separados por raça,
com características físicas que considerava definitivas.

A partir da sua técnica de criação e estudo de fotografias compostas de rostos, Galton


definiu o conceito de “eugenia”, que consistia no «estudo dos agentes sob o controle social
que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja fisica
ou mentalmente»,97 ou seja, no melhoramento genético de acordo com as características
faciais inerentes a cada raça.

O conceito de Galton propunha que as qualidades morais e intelectuais eram hereditárias e


que algumas raças eram superiores a outras. Deste modo, os controversos estudos de
Galton deram origem a uma visão racista e fundamentalista da sociedade, que descriminava
e rotulava os indivíduos por categoriais, e que veio a culminar na ideologia da “pureza racial”
nazi.

No século XVII, Charles Le Brun havia tentado estabelecer uma taxonomia de expressões
com o seu Méthode pour Apprendre à Dessiner les Passions, publicado postumamente, em
1698. No entanto, apenas os pintores de história e cenas de género adoptaram as suas
ideias relativamente à representação das emoções do rosto humano, pois os retratos, à
época, queriam-se neutros, dignos e com alguma seriedade; os próprios retratados não
queriam ser representados com expressões faciais extremas, pois considerava-se que a
emoção congelada num retrato desfigurava e era pouco natural.

Como a expressão também podia ser uma forma de revelar o carácter do retratado, a sua
ausência significava para os pintores uma ferramenta de comunicação que lhes podia ter
sido útil.

96
Teoria desenvolvida no início do século XIX pelo físico e médico alemão Franz-Joseph Gall, que consistia no
estudo da estrutura do crânio como forma de determinar o carácter, personalidade e as capacidades mentais do
indivíduo. Esta “pseudociência”, actualmente desacreditada, baseava-se na falsa assunção de que as faculdades
mentais estavam localizadas em orgãos cerebrais localizados na superfície do crâneo.
97
Fonte: http://www.ufrgs.br/bioetica/eugenia.htm.

37
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

No entanto, deve ser salientado que apesar de os retratos representarem indivíduos


concretos, é comum acentuarem-se as características típicas ou convencionais do sujeito
em detrimento dos seus aspectos individuais.

Erwin Panofsky mencionou esta dualidade inerente ao género ao afirmar que «por defeito,
um retrato visa dois princípios basilares (…) Por um lado, procura salientar o que diferencia
o retratado do resto da humanidade e o que mudaria em si se o seu retrato fosse produzido
num momento diferente ou noutra situação; e isso é o que distingue um retrato de uma
figura “ideal” ou “padrão”. Por outro lado procura exibir o que o retratado tem em comum
com o resto da humanidade e o que permanece constante no sujeito independentemente do
espaço e do tempo; e isto é o que distingue um retrato de uma figura que integre uma
pintura de género ou narrativa.»98

Como afirma Graham Clarke, «a praticamente todos os níveis, e em qualquer contexto, o


retrato (…) está carregado de ambiguidade.»99

E essa ambiguidade e dualidade entre a verosimilhança e a representação de personagens


tipo pode ser seguida até à Antiguidade. Como constacta Shearer West,100 embora as
esculturas gregas Korai e Kouros formalmente fossem figuras estilizadas e repetidas a partir
de um modelo padrão, as estatuetas representavam indivíduos distintos, por vezes através
de uma pequena característica física individual ou pela inclusão de objectos simbólicos. O
objectivo não era tanto a obtenção da semelhança física entre o retratado e a sua imagem
representada mas a concretização de uma imagem ideal que reflectisse as qualidades
merecedoras de emulação. «Assim, o retrato é, pela sua própria natureza, o mais filosófico
dos géneros (…). A um nível fundamental, é construído pela comparação entre o que uma
pessoa é, e o que ele ou ela deviam ser.»101

Esta tensão entre a individualidade e a representação das características gerais permanece


em alguns retratos do século XX. O fotógrafo alemão August Sander pretendia representar a
realidade de uma forma objectiva, passiva, sem qualquer intervenção. Os retratos de Sander
procuravam representar tipologias, sujeitos que separava por categorias sociais e
profissões.102 No entanto, embora o seu projecto pretendesse ‘apagar’ a indidualidade e
salientar personagens-tipo, o facto de ter fotografado pessoas reais, no decurso das suas
profissões, acabou por salientar as suas características singulares e abafar a ideia de que
deveriam representar as qualidades de um grupo, de uma determinada classe ou profissão.

O retrato distingue-se de todos os outros géneros artísticos pela forma como é produzido,
pela natureza do que representa e pelo modo como funciona enquanto objecto de uso ou
apresentação. A criação de um retrato requer quase sempre a presença do retratado, ou
pelo menos uma imagem do mesmo. Tal condicionante exige um envolvimento directo entre
o artista e o sujeito no processo de elaboração da obra. O artista pode basear o seu trabalho
recorrendo à pose, copiando imagens semelhantes ou baseando-se apenas na sua memória

98
Erwin Panofsky, apud Shearer West, Portraiture, p. 24. Anexo 2, Referência 67, p. 137.
99
Graham Clarke, The Photograph, p. 101. Anexo 2, Referência 68, p. 137.
100
Shearer West, Portraiture, p. 25 a 28.
101
Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 36. Anexo 2,
Referência 69, p. 137.
102
Consultar Anexo 3 [II.] p. 180.

38
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

no entanto, em qualquer caso, a arte do retrato está sempre ligada à presença implícita ou
explícita do retratado.

A maioria dos retratos representa, directa ou indirectamente, um momento em concreto. Ao


contrário das paisagens, que por vezes parecem transcencer a temporalidade, num retrato,
a representação de um indivíduo particular remete sempre para o encontro entre este e o
artista.

Quando olhamos para um retrato vemos alguém que já não existe, que envelheceu ou que
já não está igual ao que era quando foi representado. No entanto, o retrato parece sempre
transportar o observador para o momento da sua criação, para aquele momento passado,
em particular, quando o artista e o retratado se reuniram num determinado local, num tempo
específico. Se o retrato foi tirado do natural, é indiferente, pois a imaginação do observador
evocará sempre a memória, real ou não, desse encontro.

Perante um retrato não é possível evitar o confronto com o artista que se encontra perante
nós, perante o modelo; pois um retrato revela sempre um momento partilhado no contexto
da produção da obra. Um retrato é sempre «uma imagem-espelho – não como nos vemos a
nós mesmos, mas como os outros nos vêem.»103

Idealmente, o objectivo de um retrato seria captar a verdadeira representação da essência


do sujeito, sem qualquer interferência tanto do artista como do representado. No entanto, tal
não é possível, pois é improvável que o indivíduo não tente projectar uma imagem produzida
de si mesmo, que represente a forma como deseja ser percepcionado e, por outro lado, o
artista acaba sempre por atribuir ao sujeito, ainda que inconscientemente, uma imagem de
si próprio.

A fotógrafa Inge Morath afirma que um bom retrato «captura um momento de quietude
dentro do fluxo diário das coisas, quando o interior de uma pessoa tem uma oportunidade de
vir à superfície.»104 Um retrato devia ser a fixação de um momento temporal no qual a
verdadeira essência do retratado se revela sem distorção tanto da parte do sujeito como do
artista no entanto, este situa-se «a meio caminho entre o reflexo e o próprio rosto, entre o
que é construído e o que é milagroso, que não é produzido pelas mãos do homem.»105

O retrato encontra-se «no ponto de intersecção das várias formas possíveis de revelar a
natureza essencial de um homem (…) através da interpretação do seu rosto. Neste sentido,
o retrato não é apenas um documento que fixa a aparência deste ou daquele rosto, mas
uma impressão da linguagem cultural de uma era e da personalidade do próprio artista.»106

Lotman107 defende que de um ponto de vista metafórico o retrato encontra-se no cruzamento


entre três caminhos distintos: o da representação do rosto à imagem da natureza, que
possibilite o seu reconhecimento, o da sua representação condicionada pelo gosto do seu

103
Graham Clarke, The Photograph, p. 103. Anexo 2, Referência 70, p. 137.
104
Inge Morath, apud Graham Clarke, The Photograph, p. 101. Anexo 2, Referência 71, p. 137.
105
Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 34 e 35. Anexo 2,
Referência 72, p. 137.
106
Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 36. Anexo 2,
Referência 73, p. 137.
107
Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 40.

39
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

tempo, e o da interpretação do artista no momento de produção e do observador, no


momento de recepção da obra.

A prática do retrato distingue-se de todos os outros géneros pela sua relação com a
verosimilhança. Todos os retratos apresentam uma imagem natural, distorcida, ideal ou
parcial do sujeito no entanto, o retrato como género liga-se historicamente ao conceito de
‘mimésis’. Foi precisamente o facto de ser frequentemente associado à ideia de cópia ou
imitação que fez com que muitas vezes fosse considerado um género menor.

Desde o Renascimento e até ao início do século XIX deu-se um grande ênfase à


necessidade do artista inventar e representar imagens ideais, o que relegou o retrato para
uma espécie de exercício mecânico, longe da prática das belas-artes. Em Lives of the Most
Eminent Painters, Sculptors & Architects, Vasari refere que Miguel Ângelo afirmava não
pintar retratos porque não existiam modelos suficientemente belos:

«Miguel Ângelo também fez o retrato de Messer Tommaso num desenho à escala natural;
ele, que nunca pintava o retrato de ninguém, tanto antes como depois, pois detestava pintar
fosse o que fosse a partir do natural, a não ser que apresentasse a perfeição absoluta da
beleza.»108

Até os artistas que viviam da prática do retrato apresentavam frequentemente uma atitude
de desdém face ao género. O Modernismo trouxe consigo alguns catalizadores de
mundança para o género do retrato; nos séculos XIX e XX o aparecimento da fotografia e a
valorização crescente da abstracção em detrimento da ‘mimésis’ veio intensificar ainda mais
esta tendência para menosprezar o tema. A maior parte dos artistas que se considerava
parte integrante do espírito de vanguarda que assolou o mundo da arte no final do século
XIX e início do século XX, rejeitaram o retrato devido à sua ligação às tradições de
representação do passado. Consideravam que a sua associação ao ‘mimetismo’ não era
passível de reconcialiação com a liberdade criativa que se encontrava na base deste novo
espírito artístico. No entanto, apesar das objecções teóricas levantadas pelos movimentos
de vanguarda, muitos pintores de renome tais como Pablo Picasso, continuaram a criar
retratos.

Actualmente o retrato parece romper com muitas das características tradicionais do tema,
no entanto, estas rupturas não são tantas quantas poderão parecer à primeira vista. Como
salienta Lucie Desjardins «as questões teóricas que estão em jogo na prática
contemporânea do retrato devem-se à história deste género. Quando ele pretende fugir da
imitação e libertar-se da tradição, quando vira as costas à representação para melhor jogar
com a história, o retrato continua a escapar a definições; por vezes parecendo esconder o
que representa, ao mesmo tempo que expõe o sujeito, constrói-se não como género, mas
como elo da passagem do tempo. Não pode ser só entendido como recusa do mimetismo
ou da tradição, porque permite reflectir sobre noções tão fundamentais como as do signo, do

108
Giorgio Vasari, Lives Of The Most Eminent Painters, Sculptors, And Architects Volume V [em linha], Google
Books, 1864, p. 336. Anexo 2, Referência 74, p. 137 e 138.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

traço, da imagem, da verosimilhança, da genealogia; continua sobretudo a interrogar o


corpo, a ausência, a morte e a passagem do tempo.»109

O desdém pelo retrato, que se acentuou no início do século XX com a abstracção crescente
que inundou a pintura, transformou-se em fascínio a partir do final da Segunda Guerra
Mundial quando o género adquiriu importância fundamental na prática de artistas como Jo
Spence e Robert Mapplethorpe.

Embora se anuncie constantemente a morte do retrato enquanto género, o tema ressurge


sistematicamente nas produções artísticas contemporâneas. Fernand Léger afirmou em
1913 que «o pintor de retratos está a extinguir-se, e o género e os pintores de cenas
históricas também morrerão – não de morte natural, mas mortos pela sua própria era.»110 No
entanto, Benjamin Buchloh assegura que o retrato foi o mais duro resistente face à
desconstrução operada pelo cubismo sobre as temáticas pictóricas tradicionais.111

Robin Gibson, curador da National Portrait Gallery reafirma a vitalidade do género, ao


salientar que «quer gostemos ou não, a pintura de retrato está viva. (…) Todos os dias leio
nos jornais novas notícias da sua morte, mas a cada dia ela continua. (…) após os horrores
de duas guerras mundiais, os artistas voltaram a olhar para as pessoas e para a condição
humana. (…) Os seres humanos voltaram a ser motivo aceitável de interesse.»112

Ainda que esta afirmação tenha sido proferida em 1996, treze anos depois o BP Portrait
Award continua a ser um dos mais prestigiados e concorridos prémios de Pintura da
actualidade. De acordo com dados do Museu, em 2009 mais de mil e novecentos artistas
enviaram trabalhos a concurso, e a exposição das obras seleccionadas resultou na mostra
de sessenta pinturas que só em Londres foi vista por um número recorde de duzentas e
noventa e oito mil pessoas.113

Referindo-se a Lucien Freud, Francis Bacon e David Hockney, Honor Clerk, também curador
da National Portrait Gallery, sustenta que o interesse de artistas consagrados na pintura de
retrato dá ao género uma enorme importância: «se existirem três indivíduos de renome
internacional a fazer retrato, tal facto transmite ao género uma credibilidade que todos
querem emular.»114

A importância do retrato no panorâma artístico contemporâneo é inegável. Cerca de vinte


anos após a criação do BP Portrait Award na década de 80, a National Portrait Gallery lança
o Photographic Portrait Prize em 2003, vocacionado exclusivamente para a prática do
retrato na fotografia.
109
Lucie Desjardins, Portraits en trois temps (Actualités/Débats; history of self portraits, works of Chuck Close,
Roberto Pellegrinuzzi, Hiroshi Sugimoto) [em linha], Etc. Montreal. Revue d'Art Contemporain Etc. Inc., 1 de
Março de 2005. Anexo 2, Referência 75, p. 138.
110
Fernand Léger, “The Origins of Painting and its Representational Value”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000,
HARRISON, Charles, ed., p. 204. Anexo 2, Referência 76, p. 138.
111
Benjamin Buchloh, “Residual Resemblence: Three Notes on the Ends of Portraiture” in Face Off: The Portrait
in Recent Art, p. 53.
112
Robin Gibson, apud Marianne Macdonald, Portrait of the Artist (with Earring) as a Pounds 10,000 Winner [em
linha], The Independent – News and Media (Londres, Inglaterra), 25 de Julho de 1996. Anexo 2, Referência 77,
p. 138.
113
National Portrait Gallery, The Exhibition [em linha], National Portrait Gallery, 2010.
114
Honor Clerk, apud Marianne Macdonald, Portrait of the Artist (with Earring) as a Pounds 10,000 Winner [em
linha], The Independent – News and Media (Londres, Inglaterra), 25 de Julho de 1996. Anexo 2, Referência 78,
p. 138.

41
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Desde a sua origem o retrato manteve algumas características fundamentais, mas sofreu
diversas flutuações. O retrato sempre envolveu uma obra de arte cujo objectivo era
representar ou apresentar, de alguma forma, um indivíduo concreto. Sempre teve uma
espécie de poder talismático de dar corpo ao representado e sempre se cruzou com
questões filosóficas e psicológicas próprias da sua génese. No entanto, até ao século XX o
retrato era um fenómeno quase exclusivo da arte ocidental, que reflectia as preocupações
acerca do carácter individual que não se verificavam em outras culturas. Com a globalização
da cultura ocidental o retrato fez acompanhar a sua expansão geográfica de outras
mudanças.

Actualmente o retrato aparece em todos os média e serve diversos objectivos. Apesar disso,
ainda são produzidos com a finalidade de representarem um indivíduo particular e
documentarem a sua aparência, estado ou profissão num determinado momento.
Continuam a ser encomendados, tanto por indivíduos como por organizações, para serem
apresentados publicamente ou remetidos ao espaço privado. Mantêm-se como um sinal
importante de afeição familiar, amizade ou solidariedade de grupo. Servem de veículo para
a auto-exploração artística e para a experimentação técnica, mas também se tornaram uma
forma de os artistas explorarem auto-conscientemente as questões de género, raça,
sexualidade e corpo. Com a globalização, a expansão dos média e a coexistência de
funções antigas e novas, o retrato neste século tornou-se um género de arte com
possibilidades de representação mais versáteis e com mais funções do que em qualquer
outro momento da História.

Como profetiza a revista Photograms of the Year, «actualmente, em todos os ramos da arte,
o retrato atingiu um estatuto extremamente elevado. (…). É seguro afirmar que se um
homem desejar o seu retrato numa pintura, fotografia ou miniatura, tem poder para obter
cada um, e mais, pode deixá-los aos seus descendentes com a confiança absoluta de que
cada um será julgado como uma obra de arte para a posteridade.»115

3.3 Interdisciplinaridade: Pintura e Fotografia

A história da fotografia primitiva é uma sequência de desenvolvimentos tecnológicos e


científicos, tanto em termos de câmaras e objectivas, como ao nível do processamento
químico das imagens. «A fotografia foi a filha do casamento entre a óptica e a química» 116
no entanto, o novo meio rapidamente procurou o seu lugar no mundo da arte, estabelecendo
as suas normas a partir das convenções da composição pictórica. O termo geral dado a este
movimento foi Pictorialismo, cujos objectivos, segundo Mike Weaver eram «criar uma
fotografia em que a beleza sensual da impressão estivesse em consonância com a beleza
moral da imagem, sem qualquer referência particular aos valores do design ou do
documentário, e sem levar em conta a identidade pessoal ou topográfica.»117

115
Autor desconhecido, “The Work of the Year: A Fragmentary Retrospect”, in AA.VV., Photograms of the Year
[em linha], Internet Archive, 1899, p. 40 e 42. Anexo 2, Referência 79, p. 138.
116
Duncan Macmillan, “‘Born like Minerva’: D. O. Hill and the Origins of Photography”, in AA.VV., British
Photography in the Nineteenth Century: The Fine Art Tradition, WEAVER, Mike, ed., p. 25. Anexo 2, Referência
80, p. 138.
117
Mike Weaver, The Photographic Art: Pictorial Traditions in Britain and America, p. 8. Anexo 2, Referência 81,
p. 138 e 139.

42
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

A própria pintura estava em mutação, e até o Naturalismo na fotografia retirou dela alguns
dos seus princípios. O Naturalismo remetia para uma forma mais imediata e directa de
pensar a fotografia e é frequente apontar-se o movimento enquanto pólo antagónico do
Pictorialismo. No entanto, podemos afirmar que as suas intenções se enquadravam no
interior do espectro do Pictorialismo, pois procurou inspiração no modo de observar a
natureza dos pintores Impressionistas, ao nível do registo das impressões luminosas, do
tratamento da textura e do grão, e através do recurso ao foco selectivo em contraste com
planos mais difusos.

A tese da concepção da fotografia enquanto arte enfrentou o seu ponto mais crítico na visão
algo contraditória do fotógrafo naturalista e intelectual inglês Peter Henry Emerson. As suas
reflexões oscilavam entre as restrições que julgava inerentes aos processos fotográficos e
as interligações filosóficas entre arte, beleza e ciência. Mas mesmo a pintura dualizava entre
duas posições; se por um lado procurava fugir à precisão e inevitável realismo da fotografia,
por outro recorria ao rigor e fidelidade das suas representações.

Desde o anúncio da sua invenção, em 1839,118 a fotografia afectou o mundo das artes
visuais e influenciou significativamente os pintores.

Um dos efeitos mais profundos da invenção da fotografia foi a forma como afectou os
pintores de retrato profissionais, especialmente os que se dedicavam à pintura de
miniaturas, que se depararam com um enorme decréscimo na procura dos seus serviços.
Consequentemente, alguns tornaram-se fotógrafos e abriram os seus próprios estúdios
enquanto outros encontraram trabalho em estúdios como coloristas e especialistas em
retoques.

Os retratos criados pela daguerreotipia suplantaram progressivamente a pintura de


miniaturas, pois eram considerados absolutamente realistas e de elevada qualidade.

Mas o maior impacto da fotografia na pintura foi o uso que os artistas deram às imagens
fotográficas. Foram vários os que encontraram na fotografia uma aliada com bastante
utilidade, mas não tantos os que aplaudiram publicamente a sua invenção. Os pintores do
século XIX recorriam a imagens fotográficas para alterar a percepção do foco das suas
imagens, jogar com a profundidade de campo e estudar de modo preciso os contrastes de
luz e sombra, apesar de os artistas do Alto Renascimento já utilizarem a câmara escura e o
auxílio das suas projecções para transcrever a tridimensionalidade da realidade para a
superfície pictórica bidimensional.

Os pintores pré-rafaelitas, por exemplo, utilizaram consideravelmente a fotografia. Rupert


Potter, fotógrafo amador, produzia diversas imagens de estudo para o seu amigo e membro
fundador da Irmandade Pré-Rafaelita Sir John Everett Millais,119 para além de fotografar as
suas pinturas nas diversas fases de execução. Everett Millais recorria às fotografias de
paisagem de Potter essencialmente como fontes de informação para a pintura dos fundos.

118
H. Gaucheraud, “The Fine Arts – A New Discovery”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL,
Beaumont, ed., p. 17 e 18. [reimpressão do artigo publicado a 6 de Janeiro de 1839, La Gazette de France
(Paris)]
119
Consultar Anexo 3 [II.] p. 181.

43
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Dante Gabriel Rossetti, um dos mais conhecidos pintores pré-rafaelitas, também mandou
fotografar uma das suas últimas musas, Jane Morris. As imagens não são da sua autoria,
mas a marca de Rossetti é evidente nas poses, nos ângulos das mãos e do rosto e no
tratamento dos tecidos. 120

Eugène Delacroix, Edgar Degas e Gustave Courbet, entre outros, também utilizaram
frequentemente a imagem fotográfica como estudo preliminar para a pintura.121

As fotografias de nus eram inestimáveis para Courbet, pois permitiam-lhe estudar as


características fundamentais do Naturalismo.

O fotógrafo Oscar Gustave Rejlander acreditava que a fotografia podia ensinar aos artistas a
verdade sobre a anatomia do corpo humano e frequentemente fotografava os seus modelos
em poses semelhantes às utilizadas pelos grandes mestres da pintura,122 de forma a
demonstrar, respeitosamente, os erros que haviam cometido:

«Acredito que a fotografia tornará os pintores em artistas mais competentes e desenhadores


mais cuidadosos. Poderão testar as suas figuras através da fotografia. Na Vénus e Adónis
de Ticiano, a cabeça da Vénus está virada de tal forma que nenhuma mulher conseguiria
virar e em simultâneo mostrar tamanha porção das suas costas. A sua perna direita também
está demasiado comprida. Provei a exactidão da minha opinião através da fotografia, com
modelos femininos diferentes. Em Paz e Guerra, de Rubens, as costas da figura feminina
com um cesto foram pintadas a partir de um modelo masculino, o que comprovei através do
mesmo método de teste. (…)
A fotografia pode ser útil aos artistas de diversas formas, embora poucos tenham
consciência disso.»123

Em Photography as the Handmaid of Art, Rejlander ofereceu algumas sugestões aos seus
colegas artistas. Ao utilizar a câmara como um projector, num quarto escurecido, apenas
com a intensidade da luz solar a iluminar um positivo transparente de uma fotografia
colocado sobre uma janela, Rejlander conseguia projectar sobre a tela uma imagem
ampliada no tamanho que quisesse, e sobre ela era possível desenhar. Rejlander
considerava que se o pintor recorresse a esta técnica, que mais não é do que o
desenvolvimento do fenómeno da câmara escura, a fotografia podia «salvaguardar o seu
bem mais precioso, o tempo».124

Degas, por exemplo, tirou as suas próprias fotografias, utilizando a luz e as técnicas de
composição características da sua pintura.

As séries de fotografias produzidas por Eadweard Muybridge sobre a análise do movimento


agitaram a comunidade artística, pois as imagens indiciavam que as convenções
estabelecidas para a representação de um cavalo em movimento estavam incorrectas. Os
pintores aceitaram a descoberta de Muybridge, mas defenderam que não se deviam fazer
120
Consultar Anexo 3 [II.] p. 182.
121
Consultar Anexo 3 [II.] p. 183.
122
Consultar Anexo 3 [II.] p. 184.
123
Oscar Gustave Rejlander, “An Apology for Art-Photography”, in AA.VV., The British Journal of Photography
Vol. X [em linha], Google Books, 1863, p. 78. Anexo 2, Referência 82, p. 139.
124
Oscar Gustave Rejlander, apud Edgar Yoxall Jones, Father of Art Photography: O. G. Rejlander 1813-1875, p.
33 e 34. Anexo 2, Referência 83, p. 139.

44
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

modificações ao nível da representação pictórica, sustentando a sua posição no facto do


olho humano não ser capaz de congelar um momento temporal. Deste modo, consideraram
que a representação de uma impressão de movimento mais geral, resultante de um conjunto
de movimentos diferentes, seria mais facilmente aceitável do ponto de vista visual.125

Por outro lado, Delacroix reconhecia a ajuda preciosa que a fotografia representava para os
artistas, e a 21 de Maio de 1853 escreve no seu diário:

«Deixai um homem de génio utilizar a daguerreotipia como deve ser usada e ele elevar-se-á
a um nível sem precedentes.»126

O pintor posava os seus modelos nus e utilizava as fotografias captadas pelo seu amigo e
fotógrafo Eugène Durieu para desenvolver esboços. Desenhava e pintava a partir de
daguerreotipias mas também de impressões em papel.

Numa comunicação aos estudantes, assinalou aquele que julgava ser um dos grandes
benefícios do recurso à fotografia; a capacidade da visão através da câmara versus as
limitações da visão humana:

«A daguerreotipia é mais do que um decalque, é o espelho do objecto. Alguns detalhes


quase sempre negligenciados em desenhos a partir do natural, aqui assumem uma
importância característica, e assim introduzem ao artista o conhecimento pleno da
construção, pois a luz e a sombra encontram-se representadas verdadeiramente.»127

A 7 de Março de 1854, numa carta dirigida ao seu amigo e pintor Constant Dutilleux,
Delacroix explica o seu entusiasmo pela fotografia:

«Como eu lamento que uma invenção tão admirável tenha chegado tão tarde, quero dizer,
pelo menos no que a mim diz respeito! A oportunidade de estudar tais resultados teria tido
uma influência em mim que só consigo imaginar dada a utilidade que ainda têm, mesmo
com o pouco tempo que posso despender com um estudo sério. São demonstrações
palpáveis do desenho livre da natureza, do qual até então só tínhamos uma ideia muito
imperfeita.»128

No entanto, ao contrário de alguns artistas, a crítica não aceitou a fotografia tão facilmente,
utilizando frequentemente o termo para se referir a pinturas e esculturas que não eram mais
do que cópias da aparência exterior do mundo. No século XIX vários críticos consideraram
que a fotografia e a proliferação de imagens fotográficas eram as principais responsáveis
pelo declínio do gosto e pela morte do estilo individual do artista.

Charles Baudelaire, considerado o pai da crítica de arte moderna, condenou severamente a


fotografia e os pintores que a admiravam e praticavam uma estética naturalista, parodiando
e ironizando a obsessão dos artistas e do público pelo realismo:

125
Autor Desconhecido, “The Photographic News 1889”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG, Vicki, ed.,
p. 188 e 189.
126
Eugène Delacroix, apud Van Deren Coke, The Painter and the Photograph, p. 9. Anexo 2, Referência 84, p.
139.
127
Ibidem. Anexo 2, Referência 85, p. 139.
128
Ibidem. Anexo 2, Referência 86, p. 139.

45
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

«Para nós, o pintor naturalista, tal como o poeta naturalista, é quase um monstro. O gosto
exclusivo pelo Real (…) oprime e sufoca o gosto pelo Belo. (…) Em relação à pintura e à
escultura, o Credo actual da sofisticação (…) é o seguinte: “ Acredito na Natureza, e apenas
na Natureza (…). Acredito que a arte é, e não pode ser mais do que a reprodução exacta da
Natureza (…). Assim, uma indústria que nos pudesse dar um resultado idêntico à Natureza
seria a Arte absoluta.” Um Deus vingativo deu ouvidos aos que rezam entre a multidão.
Daguerre foi o seu Messias. E agora o crente diz para si próprio: “Como a Fotografia nos dá
toda a garantia de exactidão que podíamos desejar (e acreditam mesmo nisso, os ingénuos
loucos!), então Fotografia e Arte são a mesma coisa.” A partir daquele momento, a nossa
miserável sociedade apressou-se, qual Narciso para um homem, a olhar pasmada para a
sua imagem trivial gravada num bocado de metal. A demência, um fanatismo extraordinário,
possuiu todos estes novos adoradores do sol.»129

Baudelaire considerava que a fotografia jamais poderia tornar-se numa forma de arte e que
deveria «regressar à sua verdadeira função que é servir as ciências e as artes – mas a mais
humilde serva, como a imprensa e a estenografia, que nunca criaram nem suplementaram a
literatura.»130 Afirmava que a fotografia devia manter-se como «secretária e escriturária de
quem necessitasse de uma precisão factual absoluta»,131 pois se lhe fosse permitido
«invadir o domínio do impalpável e do imaginário, de qualquer coisa cujo valor depende
exclusivamente da adição de algo da alma humana, então será muito pior para nós!»132

No entanto, alguns pintores basearam composições inteiras em imagens fotográficas,


sobretudo quando se tratavam de retratos. Um dos auto-retratos de William Etty que se
encontra na National Portrait Gallery não é mais do que uma cópia ampliada de uma
calotipia produzida por David Octavius Hill e Robert Adamson em 1844.133

Em The Painter and the Photograph Van Deren Coke endereça esta questão ao afirmar que
«os artistas se interessam pelas fotografias como fontes de ideias para o seu trabalho. De
onde elas vêm ou como são feitas, pouco os preocupa.»134

Embora esta inter-relação possa ser interpretada como plágio, a prática pictórica actual
levou ainda mais longe esta apropriação de fotografias, pois é frequente nas técnicas mistas
os pintores incorporarem nas suas obras imagens ou reproduções de imagens que não
produziram.

É certo que no século XIX existiram fotógrafos que produziam retratos com essa intenção,
considerando que as suas imagens deviam servir acima de tudo como auxiliares para os
pintores. Em 1855, numa carta dirigida ao pintor e físico Samuel Finley Breese Morse, o
fotógrafo Mathew B. Brady questiona-o sobre o assunto:

«Permita-me que solicite a sua opinião relativamente à ajuda que o progresso da


Daguerreotipia tem proporcionado às artes relacionadas da pintura, desenho e gravura. (…)

129
Charles Baudelaire, “The Modern Public and Photography”, in AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON,
Charles, ed., p. 666 e 667. Anexo 2, Referência 87, p. 139.
130
Charles Baudelaire, “The Modern Public and Photography”, in AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON,
Charles, ed., p. 668. Anexo 2, Referência 88, p. 140.
131
Ibidem Anexo 2, Referência 89, p. 140.
132
Ibidem Anexo 2, Referência 90, p. 140.
133
Consultar Anexo 3 [II.] p. 185.
134
Van Deren Coke, The Painter and the Photograph, p. XI. Anexo 2, Referência 91, p. 140.

46
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Durante a minha experiência (…) tentei realiza-la o mais possível como um auxiliar para o
artista. (…) Tenho considerado esta questão de suprema importância.»135

Embora raramente o admitissem, para os pintores realistas, que se dedicavam à criação de


cenas de género, a fotografia também constituiu uma enorme vantagem. O pintor inglês
William Powell Frith afirmou que na sua opinião «a fotografia não beneficiou, de todo, a
arte.»136 No entanto, em 1864 o Journal of the Photographic Society of London publica um
ensaio de Thomas Sutton, lido na reunião da Photographic Society of Scotland a 13 de
Janeiro do ano anterior, onde o autor afirma que Frith recorria à fotografia para o auxiliar na
pintura e que inclusivamente havia contratado os serviços de um fotógrafo para a obtenção
de estudos para a obra The Derby Day:137

«Outros (…) como o Senhor Frith, usam bastante a fotografia na obtenção de estudos para
certas zonas dos seus quadros. Assim em “A Derby Day”, o Senhor Frith contratou o seu
gentil amigo, o Senhor [Robert] Howlett, para que fotografasse do topo de um veículo a
maior quantidade de grupos de figuras com um aspecto excêntrico que conseguisse; e deste
modo, o pintor da aclamada obra “Derby Day”, obteve muitos estudos úteis, não para copiar
literalmente para o seu quadro (…) mas para trabalhar na sua própria mente e em seguida
reproduzir com verdadeira marca de génio.»138

Baudelaire não partilhava da mesma opinião; considerava que «a indústria fotográfica era o
refúgio dos aspirantes a pintor, cada pintor pouco dotado ou demasiado preguiçoso para
completar os seus estudos (…).»139 e que a fotografia, «ao invadir os territórios da arte, se
tornou no seu pior inimigo...».140

Diversos pintores escondiam o facto de se basearem em fotografias para a criação de


esboços preliminares, pois tal era frequentemente motivo para estigma. Consequentemente,
grande parte das fotografias outrora usadas pelos pintores como auxiliares de memória
eram imediatamente destruídas assim que a pintura estivesse concluída.

Dado a crítica nem sempre aprovar a utilização da fotografia como auxílio para a pintura,
rapidamente os pintores procuraram um imaginário que os distinguisse e destacasse da
mera tarefa de colorir imagens copiadas das fotografias. Por outro lado, o novo meio já
proporcionava uma forma alternativa de reproduzir a realidade com rigor e correcção, o que
libertou os pintores dessa obrigação. A pintura passou a ter de ser mais do que uma
habilidade para reproduzir o mundo.

A crescente inquietação que pautou o final do século XIX pôs em causa as tradições pré-
estabelecidas da arte, impulsionando o desenvolvimento de todos os movimentos pictóricos
que se afastavam dos valores do Naturalismo e do Realismo.

135
Mathew B. Brady, apud Beaumont Newhall, The Daguerreotype in America [em linha], Open Library, 1961, p.
83. Anexo 2, Referência 92, p. 140.
136
William Powell Frith, apud Beaumont Newhall, The History of Photography, p. 83. Anexo 2, Referência 93, p.
140.
137
Consultar Anexo 3 [II.] p. 186.
138
Thomas Sutton, “On some of the Uses and Abuses of Photography”, in The Journal of the Photographic
Society of London Vol. 8 [em linha], Google Books, 1864, p. 204. Anexo 2, Referência 94, p. 140.
139
Charles Baudelaire, “The Modern Public and Photography”, in AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON,
Charles, ed., p. 667. Anexo 2, Referência 95, p. 140.
140
Ibidem. Anexo 2, Referência 96, p. 140.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Em Art and Photography, Aaron Scharf afirma que todos os estilos Pós-Impressionistas
rejeitaram consistentemente as imagens da câmara e que a maior ênfase da arte passou a
ser dada à imaginação. Scharf também declara que os pintores Simbolistas eram unânimes
na aversão que sentiam face à imagem fotográfica, embora diversos fotógrafos
Secessionistas141 produzissem fotografias de carácter e intenção essencialmente
simbólica.142

No entanto, apesar do despontar das novas tendências na arte, a Royal Academy manteve
a sua posição conservadora e continuou a expor um estilo de pintura mais convencional. Em
The Linked Ring Margaret Harker refere um episódio peculiar. Em 1894 foi pedido às artistas
do sexo feminino que participavam na exposição anual que enviassem os esboços utilizados
para a preparação das suas pinturas para futura publicação num artigo de uma revista. Para
espanto do editor, em vez dos esperados esboços, recebeu fotografias idênticas às pinturas.
Harker afirma que no século XIX a interacção entre a pintura e a fotografia era recíproca e
que a influência das novas atitudes contemporâneas no campo das artes-plásticas também
afectou a forma como os fotógrafos começaram a encarar a fotografia.143

Talvez alguns pintores se tenham sentido ameaçados, pois tanto a pintura como a fotografia
se ocupam de questões ligadas à percepção. Frequentemente os pintores sentiram urgência
em encontrar novas formas de expressão, deixando aos fotógrafos a satisfação de os
poderem copiar, ainda que a preto e branco. Assim, livre do jugo do realismo, a pintura pôde
seguir o seu rumo em direcção ao modernismo.

Como refere André Bazin, «a fotografia surge como o acontecimento mais importante da
história das artes plásticas. Simultaneamente libertação e realização, permitiu à pintura
ocidental libertar-se definitivamente da obsessão realista e reencontrar a sua autonomia
estética.»144

No entanto, ainda que inicialmente os fotógrafos tenham defendido que o modo de


credibilizar a fotografia enquanto arte passava por provar que esta era capaz de representar
os mesmos temas da pintura, de forma semelhante, e que os cânones tradicionais de
representação pictórica deviam ser aplicados de igual modo na fotografia, esta também
acabou por perseguir o seu caminho em direcção ao modernismo. Henry Peach Robinson
foi uma das figuras mais influentes na defesa desta aproximação entre pintura e fotografia,
mas embora estivesse consciente das diferenças entre as duas disciplinas, considerava que
a igualdade de estatuto dos dois meios só seria alcançada se a fotografia conseguisse
ultrapassar as suas limitações.

No século XIX predominava a crença de que a fotografia representava fielmente a realidade;


fotografia e verdade eram conceitos que se sobrepunham. Em 1860 o periódico The Art-
Journal afirma que «a fotografia não pode enganar; não pode diminuir em nada; nesta

141
O Foto-Secessionismo surgiu no inicio do século XX e pretendia promover o Pictorialismo fotográfico e a
defesa da fotografia como uma das Belas-Artes. O grupo de fotógrafos liderado por Alfred Stieglitz afirmava que
o mais importante numa fotografia não era o seu tema mas a representação da visão subjectiva do artista. O
movimento era uma versão americana da Linked Ring Brotherhood, um grupo formado por fotógrafos que
haviam abandonado a Royal Photographic Society e ao qual só era possível aceder por convite.
142
Aaron Scharf, Art and Photography, p. 249.
143
Margaret F. Harker, The Linked Ring: The Secession Movement in Photography in Britain, 1892-1910, p. 19.
144
André Bazin, “Ontologie de L’Image Photographique” in Qu’est-ce que le Cinéma?, p. 16 e 17. Anexo 2,
Referência 97, p. 140 e 141.

48
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

máquina maravilhosa não há capacidade para acrescentar ou retirar: sabemos que o que
vemos tem de ser verdade.»145 No entanto, alguns fotógrafos defenderam a expansão do
campo de actuação desta nova arte emergente, encorajando a produção de imagens «cujo
objectivo não era apenas o de entreter, mas instruir, purificar e enobrecer.»146

Diversos fotógrafos consideravam que dada a lentidão do processo, as suas imagens


deveriam ser cuidadosamente construídas; desde a escolha dos fundos, à selecção do
enquadramento, adereços e vestuário, contratação de modelos e desenho de luz; produziam
as suas imagens com o intuito de provocar impacto e transmitir algo ao espectador,
podendo até contar uma história. Pretendiam dar às suas imagens características adicionais
e por isso buscaram inspiração na pintura. Para eles a fotografia deveria ser mais do que
um registo de carácter documental, mas algo novo, destinado a produzir obras de arte de
acordo com as regras clássicas da composição na pintura.

Entre meados do século XIX e o início do século XX os fotógrafos estudaram


meticulosamente as temáticas relativas à pintura, fotografaram tópicos similares e
frequentemente adoptaram os métodos utilizados pelos pintores, como a construção gradual
da imagem fotográfica em detrimento de uma abordagem mais espontânea à fotografia.

Valentine Blanchard considerava que o fotógrafo beneficiava muito do estudo das regras
que guiavam os pintores, ao educar o seu olhar e poder de observação. Salientava, no
entanto, que o mais importante era a sua capacidade de ver; algo que não era possível
comprar juntamente com o equipamento fotográfico. Blanchard apontava ser este o motivo
pelo qual muitos fotógrafos amadores nunca chegavam a conseguir produzir fotografias que
se afirmassem enquanto obras de arte.147

O recurso à alegoria tornou-se numa das primeiras manifestações da fotografia enquanto


arte.

A dupla Hill e Adamson foi exímia na criação de calotipias em que representavam alguns
dos seus amigos disfarçados de monge ou vestidos com armaduras, reencenando
passagens de romances da literatura inglesa. O poder destes registos de carácter teatral
dependia amplamente dos adereços utilizados, do modo como as figuras eram dispostas na
composição e da prestação dramática dos modelos.148

As alegorias prefiguraram o início de uma nova era na fotografia; a fotografia enquanto


realidade construída, tal como na pintura, e não enquanto mera cópia mecânica do natural.

O aperfeiçoamento da técnica do colódio atraiu inúmeros amadores para a prática da


fotografia que possuíam uma visão mais ampla das questões artísticas do que a maioria dos
fotógrafos profissionais.

145
Autor desconhecido, “America in the Stereoscope”, in AA.VV., The Art-Journal New Series Vol VI [em linha],
Google Books, 1860, p. 221. Anexo 2, Referência 98, p. 141.
146
Cornelius Jabez Hughes, apud Beaumont Newhall, The History of Photography, p. 73. Anexo 2, Referência
99, p. 141.
147
Valentine Blanchard, apud Margaret F. Harker, The Linked Ring: The Secession Movement in Photography in
Britain, 1892-1910, p. 19.
148
Consultar Anexo 3 [II.] p. 187.

49
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

É de salientar que o primeiro presidente da Photographic Society of London,149 Sir Charles


Eastlake, era um amador. Embora a filiação na sociedade fizesse distinção entre os
membros que praticavam a arte como profissão e os que dela se ocupavam dum ponto de
vista recreativo, a opinião destes era bastante valorizada.

Na primeira reunião da Photographic Society of London o pintor de miniaturas Sir William


Newton foi convidado para apresentar o seu ensaio Upon Photography in an Artistic View,
and its Relation to the Arts, publicado no primeiro volume do Journal of the Photographic
Society, em 1853.

Newton afirmou que a fotografia podia ser útil se fosse produzida de acordo com
determinados princípios inerentes às Belas-Artes. Negou a fotografia enquanto arte
autónoma e fez a apologia do retoque e do desfoque propositado, entre outros artifícios que
considerava úteis quando utilizados por fotógrafos que trabalhavam na criação de imagens
de estudo para pintores ou na execução de fotografias inseridas na prática artística.

«Não concebo que seja necessário ou desejável para um artista a representação ou


tentativa de obtenção de todos os detalhes, mas a procura da reprodução de um efeito
amplo e geral (...) Não considero necessário que a totalidade do assunto deva estar, aquilo
a que se chama, em foco; pelo contrário, tenho observado em diversas circunstâncias que o
objecto é melhor reproduzido quando o todo do assunto está um pouco desfocado (...)
Gostaria de salientar, no entanto, que estas observações se aplicam apenas aos artistas,
cujas produções em causa devem ser consideradas estudos privados para o auxiliar nas
suas composições; (...) foi recentemente declarado nesta sala que a fotografia devia
permanecer sempre tal como estava representada na Câmara, sem qualquer tentativa de
aperfeiçoamento pela arte. (...) Não concordo de forma alguma (...) Por mais espantosos
que sejam os poderes da Câmara, ainda não atingimos aquele grau de perfeição que nos
permita representar fielmente os efeitos das cores, e consequentemente da luz e da sombra;
(...) Considero que quando um efeito razoavelmente fiel e pitoresco pode ser obtido por meio
de um produto químico ou através da aplicação de outro processo aplicado ao negativo, o
operador tem toda a liberdade para exercer o seu próprio critério.»150

As ideias de Newton não representavam uma mudança radical. Já em 1843 o fotógrafo e


óptico francês Noël Marie Paymal Lerebours recomendava aos praticantes da daguerreotipia
que utilizassem objectivas com uma maior abertura quando fotografassem pessoas mais
velhas ou com traços fisionómicos menos agradáveis, de forma a «obterem um daqueles
retratos suaves e algo vagos a que os pintores chamam “difusos”.»151 No entanto, as
recomendações de Newton atearam uma acesa controvérsia entre os membros da
sociedade fotográfica, levando o artista a afirmar que «enquanto artista e fotógrafo com
alguma experiência, considerei que fui convidado para falar mais particularmente sobre a

149
Fundada em 1853, a Photographic Society of London foi presidida por Sir Charles Eastlake durante os seus
dois primeiros anos de existência. A motivação para a criação do projecto surgiu do interesse demonstrado pelo
público relativamente à primeira exposição exclusivamente dedicada à fotografia no Reino Unido. Em 1852 o
evento reuniu cerca de setecentas imagens na galeria da Society of Arts. Em 1894, com a permissão da Rainha
Vitória, a associação mudou o seu nome para Royal Photographic Society of Great Britain, mantendo-se até aos
dias de hoje
150
Sir William J. Newton, “Upon Photography in an Artistic View, and its Relation to the Arts”, in AA.VV.,
Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 79 e 80. Anexo 2, Referência 100, p. 141.
151
Noël Marie Paymal Lerebours, A Treatise on Photography; Containg the Latest Discoveries and Improvements
Appertainig to the Daguerreotype [em linha], Google Books, 1843, p. 5. Anexo 2, Referência 101, p. 141.

50
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

minha perspectiva no que respeita ao modo de aplicação da Fotografia como auxiliar das
Belas-Artes. (…) Quando a fotografia é aplicada a edifícios para finalidades arquitectónicas,
então deve-se exercer todo o esforço para a obtenção de cada detalhe o mais exacto e claro
possível, independentemente de qualquer consideração.»152

Julia Margaret Cameron foi uma das fotógrafas que frequentemente recorreu ao desfoque
para a produção das suas imagens. Os seus impressionantes retratos e as cenas de género
que encenou, lembrando as regras estilísticas dos Pré-Rafaelitas, foram essencialmente
influenciados pelos pintores e escritores que constituíam o seu círculo social, mais do que
pelos profissionais da sua área.

Cameron perseguia a beleza nos seus retratos, independentemente das convenções que os
estúdios fotográficos procuravam estabelecer. Reencenou de forma brilhante cenas da
literatura, da bíblia, da mitologia e da pintura renascentista, utilizando os seus familiares,
amigos e empregados como modelos153 e granjeou o seu caminho para lá da técnica,
recorrendo a todos os meios para atingir os efeitos que desejava.

As imagens que criava, deliberadamente difusas, procuravam elevar a sua arte para além
da «mera fotografia topográfica convencional – a criação de mapas e a representação de
esqueletos da forma e das feições, sem a redondeza e a plenitude da força e do aspecto da
modelação da carne e dos membros, que só o foco que uso pode dar, embora chamado e
condenado como “desfocado.”»154 Cameron aspirava «enobrecer a Fotografia e assegurar
para ela o carácter e as práticas da Arte, combinando o real com o ideal e não sacrificando
nada da Verdade, por toda a devoção possível à Poesia e à Beleza.»155

Como resposta ao desejo de criar fotografias que se enquadrassem num conceito pré-
estabelecido de arte, vários fotógrafos começaram a combinar negativos para a obtenção de
uma única prova impressa. As composições combinadas, cujas representações eram
impraticáveis num só negativo, levaram a fotografia a exceder os limites da sua capacidade
de reprodução mecânica.

Oscar Gustave Rejlander, pintor de formação, estabeleceu-se em Inglaterra como fotógrafo


retratista por volta de 1846 e foi considerado pioneiro no desenvolvimento da técnica da
impressão combinada. O retrato alegórico The Two Ways of Life,156 de 1857, um dos mais
célebres exemplos da sua técnica de combinação de negativos, foi claramente inspirado
pelo fresco renascentista Scuola di Atene de Raffaello Sanzio. A principal diferença entre os
dois é que a obra de Raffaello faz uma alegoria à ciência e à filosofia, enquanto a de
Rejlander remete para os caminhos do bem e do mal.

Para a produção desta fotomontagem, Rejlander montou um palco onde encenou e


fotografou os grupos de modelos de acordo com a distância a que se encontrariam do
espectador na prova final.

152
Sir William J. Newton, “Upon Photography in an Artistic View, and its Relation to the Arts”, in AA.VV.,
Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 80. Anexo 2, Referência 102, p. 141.
153
Consultar Anexo 3 [II.] p. 188.
154
Julia Margaret Cameron, Carta a Sir John Herschel (31 de Dezembro de 1864), apud Colin Ford, The
Cameron Collection, p. 141. Anexo 2, Referência 103, p. 141.
155
Ibidem. Anexo 2, Referência 104, p. 141 e 142.
156
Consultar Anexo 3 [II.] p. 189.

51
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Para a impressão final da imagem, com cerca de 41 cm de altura por 79 cm de


comprimento, foram usados trinta negativos diferentes que o fotógrafo mascarou e encaixou
como se de um puzzle se tratasse. A impressão foi executada ao longo de cerca de seis
semanas, tendo sido produzida especialmente para a Art Treasures Exhibition que decorreu
em Manchester no mesmo ano. O facto de uma das mais prestigiadas exposições de arte do
século XIX ter exibido cerca de seiscentas fotografias é representativo da elevação do
estatuto deste novo meio de expressão no panorama artístico.

Embora a fotografia e o seu autor tenham sido altamente criticados pelo recurso à
fotomontagem, à encenação e ao nu, a imagem despertou o interesse de inúmeros
coleccionadores, incluindo a Rainha Vitória que adquiriu uma das poucas cópias existentes.

Entre os membros da Photographic Society of London as opiniões dividiram-se. O Senhor


Crace afirmou:

«A imagem em si tem sido severamente criticada, e de facto é lamentável que duas ou três
figuras que apresenta, embora não totalmente grosseiras, se encontrem tão próximas desse
limite, como que a impedir a aprovação da imagem por parte do público»157

Por outro lado, o Senhor Shadbolt defendeu Rejlander:

«Discordo firmemente da opinião do Senhor Crace, pois considero não existir qualquer parte
da imagem que possa ofender a sensibilidade.»158

As críticas ao trabalho de Rejlander continuaram. Se em 1858 Thomas Sutton se referiu a


Two Ways of Life como «a mais hábil fotografia produzida até então»,159 sublinhando a sua
surpresa perante a recusa da Scottish Photographic Society160 em admitir a exibição da
mesma,161 em 1863 ataca-a ferozmente, assim como ao seu criador, afirmando que «as
imagens que resultam da imaginação humana, da observação, (…) são mais dignas e
pertencem a uma categoria diferente das que são produzidas na câmara escura (...) O
verdadeiro artista, que já domina as dificuldades técnicas da sua profissão, e faz uma
análise global da sua integridade intelectual, jamais tentará construir imagens com recurso à
fotografia (…). Quando há uns anos a Assembleia desta Sociedade [Scottish Photographic
Society] baniu da sua exposição a imagem The Two Ways of Life, na qual mulheres
degradantes eram exibidas num estado de nudez, com toda a veracidade inflexível da
fotografia, fizeram muito bem, pois não havia nem arte nem decência numa imagem assim;
e se na altura expressei uma opinião diferente, estava enganado. (…) é indecente exibir
publicamente fotografias de prostitutas nuas, verdadeiramente representadas em carne e
osso e ao mais minucioso detalhe.»162

157
Journal of the Photographic Society of London (21 de Abril de 1858), apud Edgar Yoxall Jones, Father of Art
Photography: O. G. Rejlander 1813-1875, p. 20. Anexo 2, Referência 105, p. 142.
158
Ibidem. Anexo 2, Referência 106, p. 142.
159
Thomas Sutton, Photographic Notes Vol. III [em linha], Google Books, 1858, p. 24. Anexo 2, Referência 107,
p. 142.
160
Estabelecida em 1856, a Scottish Photographic Society teve como seu primeiro patrono o Príncipe Alberto.
Inicialmente foi presidida por Sir David Brewster, cientista e inventor escocês cujos estudos levaram à
descoberta do princípio do caleidoscópio em 1816.
161
Thomas Sutton, Photographic Notes Vol. III [em linha], Google Books, 1858, p. 24.
162
Thomas Sutton, apud Edgar Yoxall Jones, Father of Art Photography: O. G. Rejlander 1813-1875, p. 24.
Anexo 2, Referência 108, p. 142.

52
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Rejlander defendeu-se afirmando que «é possível fotografar correctamente vinte figures,


mas elas não podem ser fotografadas de uma só vez. Nem quatro se podem fotografar
correctamente de uma só vez; de qualquer forma, também não se pode desenhar ou pintar
uma imagem de uma vez.»163 No entanto, o fotógrafo não era imune a estas críticas e
confidenciou ao seu amigo Henry Peach Robinson estar «farto de produzir fotografias para o
público – especialmente fotografias combinadas, pois não trazem nem proveito nem honra,
mas somente críticas injustas e uma imagem pessoal deturpada.»164

Rejlander, que descreveu a sua técnica em diversas publicações, afirmava que o único
objectivo das suas experiências era provar aos artistas que a fotografia permitia inúmeras
possibilidades estéticas.

Os seus métodos levaram vários fotógrafos a produzir imagens a partir de negativos


múltiplos, tais como Henry Peach Robinson. Pintor de formação, Robinson ficou conhecido
pela sua obra Fading Away;165 uma impressão criada a partir da combinação de cinco
negativos diferentes onde representa uma jovem rapariga tuberculosa acompanhada pelos
seus pais pesarosos.

O autor afirmou que a modelo representada «era uma rapariga perfeitamente saudável, com
cerca de catorze anos de idade, e a fotografia foi produzida com a intenção de observar o
quão às portas da morte era possível faze-la parecer»,166 mas a imagem, à época
considerada de mau gosto, chocou a sensibilidade do público e gerou controvérsia por
representar de uma forma tão realista uma temática considerada excessivamente dolorosa.

Na Inglaterra Vitoriana era considerado aceitável que os pintores produzissem imagens que
versassem esta temática167 mas a fotografia, que ainda se encontrava ligada a um conceito
de verdade e as cenas que representava consideradas literalmente reais, para ser aceite
pelo público e pela crítica, era persuadida a restringir o seu campo de representação. É de
salientar, no entanto, que a imagem despertou a atenção do Príncipe Alberto, que para além
de adquirir uma cópia da fotografia, encomendou uma prova de cada impressão combinada
que viesse a ser produzida por Henry Peach Robinson.

Fading Away ilustra a tentativa da fotografia em estabelecer-se como arte, mas apesar de
relacionada com a pintura, ainda não era respeitada. A imagem procurou simular uma
estética pictórica, mas embora claramente encenada, foi considerada demasiado real.

Muitos dos que admiravam Fading Away desconheciam o facto de que era uma impressão
combinada, e quando o fotógrafo revelou o seu método de trabalho numa reunião da
Photographic Society of Scotland, foi recebido com reclamações por parte de diversos
membros da sociedade que se sentiram enganados. No entanto, Robinson defendeu a sua
técnica e o direito de qualquer fotógrafo de recorrer a todos os truques ou artifícios que
aprimorassem e beneficiassem a sua arte, afirmando que «ele pode usar todos os meios

163
Oscar Gustave Rejlander, “An Apology for Art-Photography”, in AA.VV., The British Journal of Photography
Vol. X [em linha], Google Books, 1863, p. 78. Anexo 2, Referência 109, p. 142.
164
Oscar Gustave Rejlander, apud Edgar Yoxall Jones, Father of Art Photography: O. G. Rejlander 1813-1875, p.
23 e 24. Anexo 2, Referência 110, p. 142.
165
Consultar Anexo 3 [II.] p. 190.
166
Henry Peach Robinson, The Elements of a Pictorial Photograph [em linha], Open Library, 1896, p. 102. Anexo
2, Referência 111, p. 142.
167
Consultar Anexo 3 [II.] p. 191.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

legítimos para representar a história que tem para contar, da melhor forma, e é seu dever
imperioso evitar o meio-termo, o básico e o repulsivo; e procurar exaltar o seu tema, evitar
formas estranhas e corrigir o que não é pitoresco. (…) qualquer “expediente, truque ou
bruxedo” de qualquer natureza está disponível para o uso do fotógrafo (…).
Muito pode ser feito, e podem produzir-se fotografias maravilhosas, através da mistura do
real com o artificial.»168

Embora advogasse este cruzamento entre a realidade e a ficção, existe alguma dualidade
nos seus escritos, pois por outro lado afirmou que «a melhor característica de uma fotografia
era esta verdade perfeita, esta representação absoluta da luz, da sombra e da forma (…)
fora do alcance do pintor e do escultor.»169

Henry Peach Robinson foi um dos membros mais eloquentes da Royal Photographic
Society, e a sua influência foi amplamente sentida através da sua escrita.

Pictorial Effect in Photography, publicado em 1869, era um manual que se destinava ao


ensino da produção de arte fotográfica, baseado em normas académicas de composição
que retirou de manuais de pintura. O objectivo do livro era «estabelecer as leis que
governam – tanto quanto for possível aplicar leis a um tópico que depende, em certa
medida, do gosto e da sensibilidade – a composição de uma fotografia, para que tenha o
maior efeito pictórico possível, e ilustrar com exemplos os princípios gerais sem os quais a
imitação, por mais minuciosa e fiel que possa ser, não será pitoresca e não alcançará a
dignidade da arte.»170

Robinson ilustrou o texto com as suas fotografias e gravuras a par de reproduções de


pinturas de artistas da era Vitoriana e procurou salientar a importância da percepção e de
um olhar treinado como factores primordiais de distinção entre um artista e um homem
comum:

«Por mais que um homem possa amar belas paisagens, o seu amor por elas seria muito
maior se as olhasse com o olho de um artista e soubesse porque são belas. Um novo
mundo abre-se àquele que aprendeu a distinguir e sentir o efeito das belas e subtis
harmonias que a natureza apresenta, em todos os seus aspectos.
Regra geral, os homens pouco vêem do que está diante dos seus olhos, a não ser que
estejam treinados a usá-los de um modo especial.»171

As observações e a posição de Robinson perante as ‘regras’ de composição e a importância


do estudo da arte no trabalho de um fotógrafo permanecem válidas actualmente. Robinson
defendia o conhecimento das normas artísticas, mas apenas como guia de estudo, pois a
sua aprendizagem jamais deveria suprimir a visão criativa e singular do artista. Afirmou que
«a arte deve ser um guia apenas para o estudo da natureza, não um conjunto de correntes
para restringir as ideias ou desencorajar a capacidade de interpretação original do artista,

168
Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 51, 78 e 109. Anexo
2, Referência 112, p. 142 e 143.
169
Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 51. Anexo 2,
Referência 113, p. 143.
170
Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 9 e 10. Anexo 2,
Referência 114, p. 143.
171
Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 15 e 28. Anexo 2,
Referência 115, p. 143.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

seja ele pintor ou fotógrafo; (…) as regras não pretendem (…) mutilar aqueles que as usam,
e não se sustenta que o estudante se guie por elas em absoluto. O objectivo é treinar a sua
mente para que consiga seleccionar facilmente, e quando seleccionar, saber porque é que
determinada vista de um assunto é melhor do que outra.»172

Robinson considerava que ter noções fortes acerca das fórmulas de composição da pintura
poderia trazer sucesso ao fotógrafo. Partia do princípio de que as regras aplicadas numa
arte poderiam ser aplicadas noutra. No entanto, produzir uma fotografia que obedecesse a
estes pressupostos formais exigia habilidade e capacidade de manipulação. Era frequente
Robinson desenhar um esboço da composição final que pretendia fotografar,173 e se
pretendesse executar uma impressão combinada, posava os seus modelos individualmente.

Henry Peach Robinson expressou claramente as suas intenções no prefácio de Picture


Making by Photography ao afirmar:

«Até agora, o meu objectivo tem sido (…) induzir os fotógrafos a pensarem por si próprios
como artistas, e aprenderem a expressar os seus pensamentos artísticos na gramática da
arte. (…) Os materiais usados pelos fotógrafos apenas diferem em grau dos utilizados pelo
pintor e pelo escultor.»174

No momento em que os pintores começavam a sair dos seus ‘ateliers’, Robinson simulou a
natureza no seu estúdio, iluminada por uma clarabóia. No entanto, enquanto os fotógrafos
consideraram que a forma de conquistar um lugar na arte para a fotografia, era emulando a
pintura, a crítica dificilmente admitiu uma posição estética independente a este novo meio.

Os retratos de Hill e Adamson, Nadar e da própria Julia Margaret Cameron, elaborados com
uma enorme sensibilidade e precisão, ganharam reconhecimento, mas cenas de género
encenadas para a câmara, sem a veracidade que se considerava característica inerente à
fotografia, eram quase sem excepção alvo de controvérsia.

No entanto, Robinson defendia que eram essa restrições e limites impostos à fotografia que
a impediam de conquistar o seu espaço no museu e que o fotógrafo não tem culpa «que a
sua arte não o leve tão longe quanto as tintas e os pincéis levam o pintor. As suas
produções só seriam imperfeitas quando não conseguisse executar o que a sua arte lhe
possibilitava – uma arte, em alguns aspectos, mais difícil do que a do pintor, porque tal
como na escultura, mais circunscrita e limitada. (…) o pintor pode imaginar novos mundos e
interpretar a sua imaginação com o seu lápis; pode pintar uma personificação daquilo que
ainda não ocorreu (…) sem cometer um grande erro, ou pelo menos um que ainda não
tenha sido condenado pela crítica. No entanto, se o fotógrafo – que podia, se tivesse a
perícia, com os meios que tem à disposição, seguir o pintor no que toca à representação
das suas ideias sobre o que ainda não foi visto – tenta fazer o mesmo, sujeita a sua arte ao
ridículo e ao desdém; o motivo será o de infringir as “convenções.”»175

172
Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 19 e 28. Anexo 2,
Referência 116, p. 143.
173
Consultar Anexo 3 [II.] p. 192.
174
Henry Peach Robinson, Picture-Making by Photography [em linha], Open Library, 1884, prefácio. Anexo 2,
Referência 117, p. 143.
175
Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 78 e 79. Anexo 2,
Referência 118, p. 143.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Um dos mais mordazes críticos de Robinson foi Peter Henry Emerson, que desprezava a
fotografia encenada e defendia uma abordagem naturalista e directa na produção de
imagens fotográficas. Segundo Emerson, a fotografia naturalista devia ser fiel à natureza,
verdadeira, sem efeitos, cuidadosamente seleccionada e composta pelo olhar do fotógrafo.

No manual Naturalistic Photography for Students of the Art, publicado em 1889, sustentou a
sua tese de que o maior poder da fotografia era a sua capacidade de registar o mundo de
forma exacta, defendendo que esta devia imitar a natureza em vez de a tentar alterar.

Um dos seus maiores argumentos para a prática da fotografia naturalista baseava-se na


focagem diferencial. Emerson afirmou que existia um ponto central na visão e que o olho só
‘via’ em detalhe parte do objecto que focava; tudo o resto surgia atenuado. Como este
fenómeno não era automaticamente obtido através da objectiva, considerava que o fotógrafo
devia usar a sua câmara de forma a recriar este comportamento da visão:

« (…) o olho não vê as coisas tão nítidas como uma objectiva, pois o olho tem defeitos
devido à dispersão, aberração esférica, astigmatismo, turvação aérea, ponto cego e para lá
dos vinte pés, não se ajusta perfeitamente aos diferentes planos. Todas estas pequenas
imperfeições fazem com que a imagem produzida pela visão seja mais imperfeita do que a
gerada por uma objectiva (…). Portanto, a regra de focagem deve ser: focar o objecto
principal da imagem e deixar tudo o resto menos nítido; e até esse objecto principal não
deve estar tão nítido quanto a óptica da objectiva o consegue representar.»176

O princípio básico defendido por Emerson era de que a fotografia devia ser encarada como
um meio por si só, independente, e como tal, podia ser usado para a expressão artística. Em
contraposição aos críticos, que negavam o estatuto de arte à fotografia, Emerson declarou
que «a natureza não salta para dentro da câmara, não se foca sozinha, não se expõe, não
se processa nem se imprime sozinha. Pelo contrário, o artista, usando a fotografia como um
meio, escolhe o seu tema, selecciona os detalhes, generaliza o todo da forma que já vimos,
e consequentemente dá-nos a sua visão da natureza. Isto não é copiar ou imitar a natureza,
mas interpretá-la; e isto é tudo o que qualquer artista pode fazer, e a perfeição com que o
faz depende da sua perícia e do conhecimento que tem desta técnica; e a imagem
resultante, seja qual for o meio, será bela em proporção à beleza do original e à habilidade
do artista. (…) se fossem enviados vinte fotógrafos para uma área limitada e lhes dissessem
para criar uma composição, o resultado seriam vinte representações diferentes. As
fotografias com qualidade artística possuem tanta individualidade como qualquer outra obra
de arte».177

Robinson defendia precisamente o mesmo, afirmando que «até o mais determinado opositor
da fotografia como uma arte, tem de admitir que o mesmo objecto, representado por
fotógrafos diferentes, irá produzir resultados pictóricos diferentes, e isto é, invariavelmente,
não só porque usam objectivas e químicos diferentes, mas também porque há algo diferente

176
Peter Henry Emerson, Naturalistic Photography for Students of the Art [em linha], Open Library, 1890, p. 119.
Anexo 2, Referência 119, p. 144.
177
Peter Henry Emerson, Naturalistic Photography for Students of the Art [em linha], Open Library, 1890, p. 284 e
285. Anexo 2, Referência 120, p. 144.

56
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

na mente de cada homem, que de alguma forma é comunicado à ponta dos seus dedos, e
consequentemente, às sua fotografias.»178

No entanto, embora Emerson tenha sido um dos defensores da arte fotográfica,


considerando-a superior à gravura e ao desenho a carvão em termos de precisão, julgava-a
inferior à pintura pelo facto de não ter capacidade para a reprodução da cor. No entanto, em
1891, Emerson renuncia à tese que sempre havia defendido, afirmando que um “grande
pintor”, não identificado, lhe havia apontado que arte e natureza não se podiam confundir. O
fotógrafo conclui que a fotografia era um meio muito mais limitado do que inicialmente
imaginava e em 1898, na terceira edição de Naturalistic Photography for Students of the Art
altera o título do capítulo final de “Photography, a Pictorial Art” para “Photography – not Art”.

Emerson defendia a verdade da imagem e a pureza das características da fotografia logo,


todas as suas imagens eram produzidas a partir de um único negativo e sem recurso a
qualquer retoque, que o fotógrafo considerava uma forma de manipulação a evitar; um
«processo através do qual uma fotografia boa, má ou indiferente é convertida num mau
desenho ou pintura.»179

Atacou ferozmente o recurso à impressão a partir de negativos múltiplos por considerar que
o processo era «o que muitos de nós praticámos no berçário; cortar imagens e colá-las nos
espaços propositadamente deixados em branco para esse efeito, num livro ilustrado. (…) A
Natureza é tão subtil que é impossível representá-la através desse tipo de ‘patchwork’180 (…)
Alguns escritores honraram este método de impressão ao referirem-no como a mais nobre
forma de obra fotográfica. Deus os ajude! O assunto nem merece tantas palavras, pois
apesar dessa “obra” poder produzir efeitos sensacionais nas galerias de fotografia, não é
mais do que a arte de uma ópera bouffe.»181

Em 1889, Emerson escreveu uma crítica directa a Merry Fisher Maidens, de Henry Peach
Robinson, referindo-se à fotografia como «uma obra fútil, plana, insípida, maior e mais
desprezível do que nunca. A sua composição é infantil e a sensação que transmite,
pueril»182 e comentou desfavoravelmente a obra teórica de Robinson, em particular Picture-
Making by Photography, onde é concretamente abordada a relação entre a pintura e a
fotografia. Deste modo, Emerson adverte os estudantes a evitarem seguir os ensinamentos
de Robinson, afirmando que procurou, «em vão, por uma única ideia original nos seus livros,
mas só encontrei diversos erros gramaticais, falsos ensinamentos e doutrinas estúpidas. O
livro não merece uma crítica séria, e o capítulo sobre “Fotografia Naturalista” é um ataque
sem escrúpulos ou ignorante a um assunto que o escritor é absolutamente incapaz de
compreender. (…) os estudantes fazem bem em evitar os seus falsos ensinamentos e
exemplos sobre arte (?) fotográfica. O escritor não conhece a ciência, e ouvir uma pessoa

178
Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 13. Anexo 2,
Referência 121, p. 144.
179
Peter Henry Emerson, Naturalistic Photography for Students of the Art [em linha], Open Library, 1890, p. 184.
Anexo 2, Referência 122, p. 144.
180
Estrangeirismo que refere uma obra feita de remendos.
181
Peter Henry Emerson, Naturalistic Photography for Students of the Art [em linha], Open Library, 1890, p. 199.
Anexo 2, Referência 123, p. 144.
182
Peter Henry Emerson, “Our English Letter”, in AA.VV., The American Amateur Photographer Volume I July to
January, Open Library, 1889, p. 199. Anexo 2, Referência 124, p. 144.

57
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

cujas capacidades (artísticas e outras) considero abaixo de medíocres, honestamente, seria


ridículo.»183

Apesar das críticas, Henry Peach Robinson havia sido eleito Vice-presidente da Royal
Photographic Society em 1870, onde permaneceu até 1891, altura em que se demitiu,
frustrado pelo falhanço da sociedade em reconhecer a verdadeira dimensão artística da
fotografia.

A procura da estética fotográfica foi quase sempre um acto colectivo. A fotografia foi uma
actividade que desde o início juntou indivíduos que partilhavam interesses e gostos comuns,
em clubes e sociedades.

Em Maio de 1892, juntamente com um pequeno grupo de fotógrafos dissidentes, Robinson


funda a The Linked Ring Brotherhood,184 dando início ao Movimento Secessionista na
fotografia.

Insatisfeita com a atmosfera restritiva da Photographic Society of Great Britain, a The Linked
Ring Brotherhood apresentava-se como uma associação cujo objectivo era promover o
Pictorialismo e a fotografia como uma das Belas-Artes. O folheto informativo distribuído
pelos novos membros afirmava claramente que a sociedade tinha sido constituída «como
um meio para juntar aqueles que se interessavam pelo desenvolvimento da mais digna
expressão Artística, de que a Fotografia também era capaz.»185

A sociedade organizava reuniões mensais e exposições anuais para os seus membros, que
tanto eram artistas, amadores ou profissionais da fotografia, e a sua filiação só era possível
por convite, obrigatoriamente aprovado por unanimidade. Embora a sua posição fosse
elitista, a segregação ajudou a manter os seus propósitos iniciais. The Linked Ring
representou uma fuga às convenções da Photographic Society of Great Britain, que embora
também tentasse impulsionar a aceitação da fotografia no meio artístico, e até incluísse
fotógrafos pictorialistas entre os seus membros, tinha objectivos mais amplos.

A actividade mais importante do Linked Ring era a organização dos salões fotográficos
anuais, que decorreram entre 1893 e 1909 e cujo objectivo era promover a fotografia
pictorialista a nível internacional e criar um padrão de elevada qualidade na selecção das
obras, exibidas nas melhores condições que à época eram possíveis. Uma das inovações
das exposições fotográficas organizadas pelo Linked Ring foi a colocação de preços junto às
fotografias, o que acabava por lhes atribuir um valor comparável ao das pinturas.

Dentro do Linked Ring surgiram duas correntes estéticas evidentes. Os Puristas, que se
preocupavam com a fidelidade à natureza, não recorriam ao retoque dos negativos ou à
manipulação posterior da impressão para alterar tons, reduzir detalhe ou adicionar texturas
que consideravam não serem próprias do meio. Por outro lado, aceitavam a impressão
combinada, a alteração das relações entre os tons e a difusão dos detalhes, desde que
183
Peter Henry Emerson, Carta ao editor in AA.VV. The American Amateur Photographer Volume I July to
January, Open Library, 1889, p. 243. Anexo 2, Referência 125, p. 144 e 145.
184
O nome da associação The Linked Ring Brotherhood simbolizava a unidade entre os seus membros (referidos
como ‘Links’ ou elos), vinculados numa irmandade fraternal (‘Brotherhood’), a nível espiritual e estético.
Liberdade e Igualdade eram os lemas da sociedade. Os três anéis enlaçados do seu símbolo representavam as
qualidades que mais prezavam: Verdade, Beleza e Imaginação.
185
Margaret F. Harker, The Linked Ring, p. IX. Anexo 2, Referência 126, p. 145.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

obtidos por meios estritamente fotográficos. Frederick Hollyer186 foi um dos membros da
sociedade que seguiu esta tendência. Os Impressionistas preocupavam-se com a verdade,
mas em relação a um ideal; também partiam da observação da natureza, mas modificavam-
na pela imaginação. Não se limitavam aos processos fotográficos pois consideravam-nos
demasiado restritivos. Os fins justificavam os meios e os retoques incluíam a gravação do
próprio negativo e a manipulação total do processo de impressão. Associavam a pintura, o
desenho e a gravura à imagem fotográfica, o que resultava, por vezes, numa técnica mista.
Robert Demachy187 e Frank Eugene188 foram dois dos grandes defensores desta corrente
pictorialista.

O Movimento de Secessão na fotografia tinha preocupações eminentemente estéticas, e


embora os Pictorialistas adoptassem diferentes percursos, todos se identificavam com «a
busca da verdade através da percepção da beleza, acicatada pela imaginação e transmitida
em fotografias.»189 Existem, no entanto, algumas características gerais que foram comuns
às imagens dos Pictorialistas: o valor decorativo, a harmonia das linhas e dos tons através
da execução de composições elaboradas, a enfatização dos estados de espírito e da
atmosfera, tanto dos personagens como das paisagens, e a interpretação individual em vez
da representação factual das cenas, evitando tudo o que não fosse belo. Ao tratamento da
luz era dada uma atenção especial, recorrendo frequentemente à utilização do contra-luz.

Ainda que inicialmente fosse formada exclusivamente por fotógrafos britânicos, os


fundadores da Linked Ring Brotherhood decidiram expandir internacionalmente a sua
filiação a membros de outros grupos Secessionistas, tanto na Europa como nos Estados
Unidos. Um dos mais destacados membros do Linked Ring nos Estados Unidos foi Alfred
Stieglitz, eleito em 1894.

Embora o Linked Ring não publicasse uma revista, publicou os Linked Ring Papers, com
uma circulação restrita entre os membros da sociedade, e cujo objectivo era criar uma forma
de comunicação que pudesse chegar àqueles que não podiam participar nas reuniões por
questões geográficas.

Inicialmente, ao tentar afirmar-se como uma forma de arte, a fotografia adoptou os métodos
formais e compositivos da pintura, e até a fotografia naturalista, que à luz do impressionismo
procurou contornar as regras vigentes, se estabeleceu enquanto forma de arte, embora sem
recorrer à rígida preparação formal em termos de composição do Pictorialismo.

No entanto, o final do século XIX foi uma era pautada por uma crescente industrialização no
campo da fotografia; imagens vulgares e descuidadas eram produzidas em larga escala
pelos estúdios fotográficos e os profissionais competentes começaram a preocupar-se com
os procedimentos duvidosos daqueles que se aproveitavam da ignorância do público para
aumentarem os seus lucros. Para além disso, o aparecimento da fotografia de instantâneo,
anunciado pela Eastman Kodak com o famoso slogan «Você carrega no botão, nós fazemos
o resto!»,190 alarmou os praticantes da arte da fotografia. O fotógrafo Alvin Langdon Coburn,

186
Consultar Anexo 3 [II.] p. 193.
187
Consultar Anexo 3 [II.] p. 194.
188
Consultar Anexo 3 [II.] p. 195.
189
Margaret F. Harker, The Linked Ring, p. 68. Anexo 2, Referência 127, p. 145.
190
«You press the button, we do the rest!»

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

por exemplo, afirmou que com o aparecimento da Câmara Brownie,191 «uma fotografia é tão
vulgar como uma caixa de fósforos.»192 Tais factores, a par da agitação que se começou a
sentir nos círculos artísticos, motivada pela oposição crescente entre as tradições vigentes e
os novos ideais, incitaram os fotógrafos que almejavam a afirmação da arte fotográfica a
reexaminarem a estética da fotografia e a considerarem-na uma arte autónoma,
independente de todas as outras formas artísticas.

Com os avanços deste novo meio, a pintura e a fotografia divergiram nas suas
interpretações do modernismo e na viragem do século, esta encontrou o seu próprio espaço
no mundo da arte.

Em diversos aspectos Emerson deve ser reconhecido como o ‘pai’ dos movimentos
secessionistas na fotografia. As inovadoras aproximações à arte fotográfica que criou, que
acompanhavam os desenvolvimentos importantes da fotografia do ponto de vista
tecnológico, possibilitaram o desenvolvimento de um vasto conjunto de novas interpretações
do mundo a todos os fotógrafos de vanguarda.

Em Fevereiro de 1902 Alfred Stieglitz formou a associação The Photo-Secession193 em


Nova-Iorque, adoptando os conceitos e objectivos do Linked Ring, embora com uma
diferença fundamental que derivava do facto de Stieglitz pretender elevar os padrões da
fotografia americana acima dos da europeia; só eram aceites fotógrafos americanos como
membros, embora também pudessem expor artistas europeus:

«O objectivo da Foto-Secessão é o progresso da fotografia aplicada à expressão do


Pictorialismo; é reunir aqueles americanos que praticam ou se interessam pela arte e
organizar exposições, de tempo em tempo, e em locais diversos, não necessariamente
limitadas às produções da Foto-Secessão ou a trabalho americano.»194

A Foto-Secessão visava o reconhecimento da fotografia pictorialista «não como a serva da


arte, mas como um meio distinto de expressão individual. A atitude dos seus membros é de
rebelião contra a hipocrisia do descrente, do Filisteu, e das autoridades, em geral, que
regulam as exposições. O Secessionista não tem a pretensão de que é infalível, nem sujeita
a sua fé a qualquer credo, mas exige o direito de desenvolver a sua própria salvação
fotográfica.»195

191
Introduzida em Fevereiro de 1900 pela companhia Eastman Kodak, a Brownie era uma câmara simples e de
baixo custo, cuja estrutura consistia numa caixa de cartão com uma objectiva de menisco muito básica que
produzia oito fotografias quadradas por cada rolo de filme tipo 117. A sua facilidade de manuseamento e preço
acessível – um dólar – contribuiu para a rápida popularização do sistema.
192
Alvin Langdon Coburn, “The Future of Pictorial Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images,
NEWHALL, Beaumont, ed., p. 207. Anexo 2, Referência 128, p. 145.
193
Foto-Secessão.
194
Camera Work nº 3, Jul 1903, apud Margaret F. Harker, The Linked Ring, p. 171 e 172. Anexo 2, Referência
129, p. 145.
195
Alfred Stieglitz, “The Photo-Secession”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont,
ed., p. 167. Anexo 2, Referência 130, p. 145.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Num artigo publicado pela Eastman Kodak em 1905, Stieglitz sintetizou um conjunto de
conselhos que considerava fundamentais para todos os fotógrafos pictorialistas que
quisessem «mergulhar nos profundos mistérios da arte»:196

«Observem o trabalho de artistas consagrados – não digo para olharem para ele, mas para
o observarem – tornem-no vosso. Em seguida estudem a natureza mais proximamente do
que nunca – em toda a parte. (...) Evitem livros sobre composição como evitariam a peste,
para que não destruam na vossa mente todas as outras considerações em detrimento das
fórmulas que apresentam. Se sentirem necessidade de serem ensinados por outros, por não
se conseguirem educar a vocês mesmos, procurem um mestre liberal, mas guardem a
vossa originalidade como a mais preciosa propriedade, que poderá salvaguardar-vos de
produzirem trabalho feito por uma máquina.»197

Stieglitz foi um dos grandes fotógrafos americanos do início do século XX e a sua influência
no desenvolvimento da arte fotográfica ficou amplamente documentada nas inúmeras
publicações sobre o tema e também na revista trimestral da sua autoria, Camera Work, que
publicou entre 1903 e 1917.

Quando a revista Camera Work surgiu, o termo Pictorialismo já era sinónimo de arte
fotográfica, e aplicava-se a uma grande variedade de estilos, mas ao contrário do que se
passa actualmente, onde a distinção entre obra documental e obra de carácter artístico se
atenuou, à época o trabalho de teor documental era visto como um simples método de
registo de factos, que consequentemente não podia ser arte. Em 1901 Charles Caffin 198
afirma que «nos primórdios da fotografia, o interesse do homem era capturado pela
capacidade da câmara em gravar factos; hoje em dia, o objectivo do artista é fazê-la fixar as
suas impressões do facto, e expressar na impressão os seus sentimentos pessoais.»199

Stieglitz havia sido editor do periódico American Amateur Photographer entre 1893 e 1896, e
vice-presidente do Camera Club de Nova-Iorque onde também editou a revista Camera
Notes. No entanto, devido aos altos padrões de qualidade que exigia no trabalho
pictorialista, e por não poder gerir a publicação como gostaria, afasta-se e cria a sua própria
associação e periódico. Stieglitz afirmava sobre a Camera Work que «apenas exemplos de
trabalho que evidenciem valor individual e artístico, independentemente da escola a que
pertençam, ou que contenham alguma característica excepcional de mérito técnico, ou que
exemplifiquem algum tratamento merecedor de consideração, serão reconhecidos nestas
páginas.»200

A revista Camera Work foi uma invenção exclusiva de Stieglitz e segundo Allan Sekula pode
ser considerada «como uma obra de arte por direito próprio, como uma espécie de contentor
monumental para trabalhos de menor dimensão a ela subordinados. As capas da Camera
196
Alfred Stieglitz, “Simplicity in Composition”, in AA.VV., The Modern Way in Picture Making: Published as an
aid to the amateur photographer [em linha], Open Library, 1905, p. 164. Anexo 2, Referência 131, p. 145.
197
Ibidem. Anexo 2, Referência 132, p. 145.
198
Charles Henry Caffin foi inicialmente um crítico de arte mas interessou-se pela crítica de fotografia no início do
século XX. Escreveu para as revistas Camera Notes, publicada pelo Camera Club de Nova Iorque e editada por
Alfred Stieglitz, e para a Camera Work, publicada apenas por Stieglitz. Escreveu diversos livros sobre arte, mas o
único que dedicou exclusivamente à fotografia foi Photography as A Fine Art, publicado em 1901.
199
Charles H. Caffin, Photography as a Fine Art [em linha], Open Library, 1901, p. 95. Anexo 2, Referência 133,
p. 145.
200
Alfred Stieglitz, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. IX. Anexo 2, Referência
134, p. 146.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Work enquadravam o discurso vanguardista, tanto nas outras artes como na fotografia, (…)
e tudo o que aparecia entre essas capas passava pelas mãos de Stieglitz. Poucos artistas
foram capazes de manter um nível tão grande de controlo sobre o contexto no qual a sua
obra era mostrada.»201

A qualidade e o tipo de impressão das imagens que constituíam as páginas do periódico


eram um factor primordial na filosofia da revista. Allan Sekula afirma que a elegância e
qualidade das reproduções, supervisionadas pelo própio Stieglitz, era muitas vezes superior
à das impressões dos próprios autores.202 Segundo Marianne Margolis em quarenta e oito
dos cinquenta números publicados, Stieglitz dedicava uma página à descrição dos métodos
de impressão das ilustrações. Para além disso, também indicava sempre se as imagens
haviam sido impressas a partir do negativo original ou não, pois só estas eram consideradas
impressões originais.203

A revista Camera Work tornou-se um fórum de debate sobre todas as questões ligadas à
fotografia como arte mas também sobre teoria de arte em geral, reunindo nomes como
Charles H. Caffin, crítico de arte e fotografia, Frederick H. Evans, fotógrafo, George Bernard
Shaw, dramaturgo e ensaísta, Robert Demachy, fotógrafo pictorialista, e Edward Steichen,
pintor e fotógrafo que em parceria com Stieglitz veio a abrir o espaço de exposição Little
Galleries of the Photo-Secession, ou 291, como ficou conhecido devido à sua localização no
número 291 da Quinta Avenida, onde operou entre 1905 e 1917.

A galeria tornou-se famosa essencialmente por dois motivos. Por um lado, as exposições
ajudaram a elevar a fotografia ao mesmo estatuto da pintura e da escultura nos Estados
Unidos. Diversos fotógrafos do início do século XX como Alvin Langdon Coburn, Gertrude
Kasebier e os próprios Stieglitz e Steichen ganharam reconhecimento por parte da crítica
através das exposições na 291. Por outro lado, Alfred Stieglitz também usou o espaço para
introduzir na América alguns dos nomes mais sonantes da cena artística de vanguarda
europeia. Os pintores e escultores Henri Matisse, Auguste Rodin, Henri Rousseau, Paul
Cézanne, Pablo Picasso, Constantin Brancusi, Francis Picabia e Marcel Duchamp foram
alguns dos artistas que mostraram o seu trabalho na galeria multidisciplinar de Stieglitz.
Embora a galeria tenha aberto com o propósito de exibir mostras de arte fotográfica com
duas semanas de duração, entre 1808 e 1817 Stieglitz só apresentou mais dez exposições
exclusivamente dedicadas à fotografia. Em resposta aos que protestaram face a este facto,
a Camera Work relembrou os seus leitores que o Secessionismo não pertencia
exclusivamente à fotografia, pois «a Ideia da Secessão não é nem a serva nem o produto de
um meio. É um espírito. Digamos que é o Espírito da Lâmpada; o antigo e descolorido, o
frequentemente desprezado, a lâmpada da honestidade demasiadas vezes esquecida;
honestidade nos objectivos, honestidade da auto-expressão, honestidade na revolta contra a
autocracia das convenções.»204 O próprio termo “Secessão”, utilizado no nome da
sociedade formada por Stieglitz, também tinha sido utilizado pelas vanguardas artísticas na
Alemanha e na Austria de forma a enfatizar a sua independência face aos cânones
académicos.

201
Allan Sekula, “On the Invention of Photographic Meaning”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG,
Vicki, ed., p. 458. Anexo 2, Referência 135, p. 146.
202
Ibidem.
203
Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. IX.
204
Alfred Stieglitz, “The Editor’s Page”, Camera Work nº 18, Abril de 1907, in AA.VV., Camera Work: A Critical
Anthology, GREEN, Jonathan, ed., p. 118. Anexo 2, Referência 136, p. 146.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Um dos temas mais recorrentes nas páginas da Camera Work era a controvérsia entre a
‘honestidade fotográfica’ e a manipulação do meio. Em 1907, no artigo Monsieur Demachy
and English Photographic Art, Robert Demachy volta a expor as objecções de Lady
Eastlake205 relativamente à fotografia ser demasiado mecânica para ser considerada uma
arte. No entanto, à luz de Robinson, Demachy oferece uma alternativa, sugerindo que a
forma de escapar a esta característica era a manipulação das impressões fotográficas:

«O carácter fotográfico é, e sempre foi, um carácter anti-artístico, e a impressão produzida


mecanicamente a partir de um negativo não retocado, terá sempre, aos olhos de um
verdadeiro artista, defeitos e ausência de ênfase face aos quais as qualidades especiais tão
proclamadas não contarão para muito.»206

George Bernard Shaw, por outro lado, considerava que o fotógrafo que recorria a métodos
de trabalho característicos da pintura « (…) falha no respeito à sua arte. É um grande traidor
no campo fotográfico.»207

Frederick Evans considerava que a fotografia pura, directa, se baseava na obtenção do


negativo perfeito, sem recurso à manipulação, e na sua representação ideal no momento de
impressão: «Pessoalmente detesto enigmas, e não me parece valer a pena imaginar se uma
determinada prova é uma fotografia má ou um desenho a carvão ainda pior. (…) a beleza do
original é a principal impressão, e julgo que isso é o maior elogio a que um fotógrafo pode
aspirar. (…) O negativo é o elemento principal, porque é através dele que procuramos fixar
algum do efeito da natureza, e consoante o nosso grau de sucesso na gravação da luz na
chapa, assim será a impressão a partir dela, de grande valor ou medíocre. (…) todo o
sucesso desta arte (…) depende da qualidade do negativo, das condições sob as quais a
fotografia é produzida, e é precisamente neste ponto que reside o artista.»208

Steichen, por outro lado, defendia a manipulação, pois considerava que devido às escolhas
do fotógrafo, nomeadamente em relação à exposição e processamento do negativo, na
realidade, a fotografia era sempre manipulada.

205
Lady Elizabeth Eastlake foi uma importante escritora, historiadora e crítica de arte Inglesa do século XIX.
Casada com Sir Charles Eastlake, director da National Gallery of Art e Presidente da Photographic Society of
London, Lady Eastlake teve uma forte influência na cena artística Londrina da sua época. Um dos seus mais
importantes ensaios, Photography, data de 1857 e foi publicado pela primeira vez no periódico Photographic
Notes de forma anónima. O artigo é uma pequena história e reflexão sobre os primeiros anos da fotografia mas
também uma análise da posição desta face à arte. Lady Eastlake advoga a verdade da imagem fotográfica, que
por ser produzida mecanicamente, considera não poder ser arte mas, todavia, servir bem as necessidades de
comunicação do seu tempo: «Para tudo o que a Arte, assim chamada, foi até agora o meio mas não o fim, a
fotografia é o agente disponibilizado – para tudo o que apenas requer mera precisão e escravidão manual, sem
qualquer emprego de sentimento artístico, ela é apropriada e portanto, o meio perfeito. Ela adequa-se aos dias
de hoje, em que o desejo pela arte se restringe a uma pequena minoria, mas a ânsia, ou melhor, a necessidade
de factos exactos, imediatos e económicos é geral. (…) O seu objectivo é dar evidência dos factos, tão
minuciosa e imparcialmente, como para nossa vergonha, apenas uma máquina irracional pode dar.» Lady
Eastlake esqueceu apenas que a «máquina irracional» era operada por um ser racional, o Homem. Lady
Elizabeth Eastlake, “Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 93
e 94. Anexo 2, Referência 137, p. 146.
206
Robert Demachy, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. X. Anexo 2, Referência
138, p. 146.
207
George Bernard Shaw, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. X. Anexo 2,
Referência 139, p. 146.
208
Frederick H. Evans, “Pure Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont,
ed., p. 180 e 181. Anexo 2, Referência 140, p. 146.

63
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

A posição de Stieglitz relativamente a este tópico foi evoluindo ao longo dos anos. Em 1902
durante uma conferência no National Arts Club, de acordo com Marianne Fulton Margolis
parecia partilhar da opinião de que «o resultado era a única base justa para julgamento, e
que era justificável o uso de qualquer meio sobre o negativo ou sobre o papel para atingir o
fim desejado.»209 No entanto, em The Pictures in this Number, um artigo de opinião
publicado na Camera Work do ano seguinte sobre as fotografias seleccionadas para essa
edição da revista, Stieglitz elogia a obra de Gertrude Käsebier como uma «fotografia
absolutamente directa, não tendo sido falsificada, tratada ou retocada de forma alguma.»210
Com o passar dos anos, torna-se claro que a posição crítica de Stieglitz perante o recurso à
manipulação aumentou. Em 1917, em Our Illustrations, publicado no último número da
revista Camera Work, Stieglitz escreve sobre as fotografias de Paul Strand, um dos grandes
precursores da fotografia directa:211 «O trabalho é brutalmente directo. Isento de qualquer
contra-senso; desprovido de trapaça e de qualquer ‘ismo;’ isento de qualquer tentativa de
iludir um público ignorante, incluindo os próprios fotógrafos.»212

Paul Strand advogava acima de tudo a exactidão na fotografia e numa comunicação


posterior, dirigida aos estudantes da Clarence White School of Photography, o fotógrafo
aconselhou-os a estudarem e observarem o mundo que os rodeava e a evitarem a
subserviência às convenções:

«Acima de tudo, olhem à vossa volta, para o mundo que vos rodeia. Se estiverem vivos, ele
significará algo para vós, e se souberem como o usar, quererão fotografar o seu significado.
Se deixarem que a visão de outras pessoas se interponha entre vocês e o mundo,
alcançarão algo extremamente vulgar e sem valor, uma fotografia pictórica. Mas se
mantiverem esta visão clara, poderão fazer algo que pelo menos é uma fotografia, com vida
própria, como uma árvore ou uma caixa de fósforos; se a virem, tem vida própria. (…) Para
alcançarem este objectivo, não existem atalhos, nem fórmulas, nem regras, à excepção da
vossa própria vivência. É no entanto necessária, a mais aguçada auto-crítica, coragem e

209
John Francis Strauss, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. X. Anexo 2,
Referência 141, p. 147.
210
Alfred Stieglitz, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. X. Anexo 2, Referência
142, p. 147.
211
A fotografia directa ou ‘straight photography’ remetia para uma posição absolutamente purista em termos de
concepção fotográfica. Procurava uma representação o mais objectiva possível, renunciando a qualquer
manipulação.
O Grupo f/64, fundado em 1932 em São Francisco, foi representativo da prática da fotografia pura, que se
caracterizava por não apresentar quaisquer qualidades em termos de técnica, composição ou conceito que
derivassem de outro meio artístico. O nome do grupo derivou de um termo técnico que refere a pequena abertura
do diafragma que utilizavam, com vista à obtenção da máxima nitidez das imagens e uma grande profundidade
de campo. Entre os seus membros contava com Ansel Adams e Edward Weston.
O termo ‘straight photography’ surgiu na década de 80 do século XIX para referir imagens que não recorriam à
manipulação, em oposição às impressões combinadas de Henry Peach Robinson e ao uso do foco selectivo
empregue por diversos fotógrafos Pictorialistas.
Inicialmente a fotografia directa era uma escolha viável dentro do espectro do Pictorialismo, como se vê, por
exemplo, na obra de Frederick Evans. No entanto, a fotografia de Paul Strand operou uma mudança no
significado do termo. A fotografia directa passou a implicar uma estética própria, caracterizada por altos
contrastes, nitidez absoluta, aversão a reenquadramentos e realce da estrutura dos objectos. Os princípios
formais desta linguagem e a ênfase nas impressões a preto e branco não manipuladas, dominou a estética
fotográfica modernista até aos anos 70 do século XX.
212
Alfred Stieglitz, “Our Illustrations”, Camera Work nº 49/50, Junho de 1917, in AA.VV., Camera Work: A Critical
Anthology, GREEN, Jonathan, ed., p. 329. Anexo 2, Referência 143, p. 147.

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trabalho árduo. Mas primeiro aprendam a fotografar. Só isso, penso eu, é em si mesmo um
problema.»213

Também a obra fotográfica de Stieglitz abandonou progressivamente a artificialidade, o


recurso às técnicas pictóricas e à manipulação. Em imagens como The Steerage,214 de
1907, Stieglitz afastou-se dos ideais pictorialistas da representação primordial da beleza e
começou a preocupar-se essencialmente com as características próprias do meio
fotográfico.

Num pequeno texto intitulado How The Steerage Happened, Stieglitz recordou o dia em que
a bordo do navio “Kaiser Wilhelm II”, teve a visão que o levou à produção de uma das suas
obras mais emblemáticas:

«No convés superior, a olhar por cima da amurada, estava um jovem rapaz com um chapéu
de palha. O formato do chapéu era redondo. Ele observava os homens, e as mulheres e as
crianças que se encontravam no convés inferior do navio. No convés superior estavam
apenas homens. Todo o cenário me fascinou. Ansiava escapar do meu ambiente e juntar-
me àquelas pessoas (…) Vi formas inter-relacionadas. Vi um quadro de formas e a ele
subjacente, um quadro do que sentia pela vida. E enquanto decidia se devia afastar esta
visão aparente que me prendia – pessoas, as pessoas comuns, o sentimento do navio e do
oceano e do céu e o sentimento de libertação; de que estava longe da máfia a que chamam
ricos – lembrei-me de Rembrandt e questionei-me se ele sentiria o mesmo que eu estava a
sentir (…).
Tinha apenas um suporte com uma chapa ainda por expor. Conseguiria fixar o que vi, o que
senti? Finalmente abri o obturador. O meu coração a bater. Nunca tinha ouvido o meu
coração a bater. Teria conseguido a minha imagem? Sabia que se tivesse, ter-se-ia atingido
outro marco histórico na fotografia (…). (…) aqui estaria uma fotografia baseada em formas
relacionadas e no mais profundo sentimento humano; um passo na minha evolução, uma
descoberta espontânea.
Levei a minha câmara para o camarote, e ao regressar para a minha cadeira, a minha
esposa disse: “Já tinha enviado um camareiro para ir à tua procura (…).” Eu disse-lhe onde
tinha estado.
Ela disse: “Falas como se estivesses muito longe, num mundo distante”. E eu disse que
estive.
“Pareces mesmo odiar estas pessoas na primeira classe.” Não, não as odiava; sentia-me
apenas completamente deslocado.»215

Como destaca Allan Sekula,216 na sua descrição do acontecimento, Stieglitz apresenta-nos


dois mundos: um que o sufoca, onde se encontra a sua esposa e uma nova burguesia
endinheirada, e outro que o liberta, o mundo das “pessoas comuns”. Com a prancha de
desembarque a operar como barreira entre o fotógrafo e a cena que observa, The Steerage
foi produzida no ponto em que os dois universos se intersectam. Stieglitz aponta a presença

213
Paul Strand, “The Art Motive in Photography”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG, Vicki, ed., p. 287.
Anexo 2, Referência 144, p. 147.
214
Consultar Anexo 3 [II.] p. 196.
215
Alfred Stieglitz, “Alfred Stieglitz: Four Happenings – III. How The Steerage Happened”, in AA.VV.,
Photographers on Photography, LYONS, Nathan, ed., p. 129 e 130. Anexo 2, Referência 145, p. 147.
216
Allan Sekula, “On the Invention of Photographic Meaning”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG,
Vicki, ed., p. 465 e 466.

65
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

concreta de um “jovem rapaz com um chapéu de palha”, que nos apresenta como
espectador, mas parece sugerir que esta personagem dentro da cena é a própria
personificação mística do fotógrafo; a sua possibilidade imaginária de escapar ao seu
ambiente e juntar-se àquelas pessoas.

The Steerage é uma autobiografia simbólica do próprio Stieglitz. Mais do que uma ilustração
da cena fotografada, ela apresenta-se como a encarnação do fotógrafo, contendo a sua
autobiografia. The Steerage é uma fotografia que transcende a percepção; ela codifica a
totalidade do que o fotógrafo experienciou nesse momento específico, do que experienciaria
se fosse o rapaz com o chapéu de palha. The Steerage é a forma como Stieglitz pode ser
aquele jovem rapaz; ela apresenta-se-nos como o equivalente do fotógrafo estar naquele
lugar e ser aquele rapaz. Stieglitz acredita de forma tão intensa no poder daquela imagem,
que lhe atribui um significado que transcende a sua superfície de representação e se situa
na abstracção absoluta. Nesse sentido, The Steerage anuncia o conjunto que veio a
desenvolver posteriormente, de carácter vincadamente metafórico, os Equivalents,217 uma
equação perfeita entre as nuvens e a música, a abstracção absoluta:

«Quis uma série de fotografias que quando fosse vista por Ernest Bloch (o grande
compositor) ele exclamasse: Música! Música! Isso é mesmo música! Como é que fez isso?
E ele apontaria para violinos, e flautas, e oboés, (…), cheio de entusiasmo, e diria que teria
de compor uma sinfonia chamada “Nuvens.”»218

Stieglitz escolheu fotografar nuvens para provar aos que consideravam que o valor dos seus
retratos advinha do poder que exercia sobre os modelos, que a qualidade das suas imagens
não dependia do tema. Afirmou que «quis fotografar nuvens para descobrir o que tinha
aprendido sobre fotografia em quarenta anos. Estabelecer a minha filosofia de vida através
das nuvens – mostrar que as minhas fotografias não dependiam do tema – nem se deviam a
privilégios especiais – as nuvens estavam lá para todos – ainda não pagam impostos – são
de graça.»219

O fotógrafo construía séries com as imagens das nuvens e com outras fotografias e
considerava-as equivalentes dos seus pensamentos, sentimentos e aspirações.

A partir do final da primeira década do século XX tanto Stieglitz como Steichen


abandonaram definitivamente as representações atmosféricas romanceadas, típicas do
Pictorialismo.220 Steichen começou a explorar planos fotográficos mais aproximados,
antecipando o fotógrafo alemão Albert Renger-Patzsch que viria a promover o movimento da
Nova Objectividade na fotografia alemã, com uma abordagem formal pautada pela precisão,
objectividade, exactidão e fidelidade face ao objecto fotografado.

Em 1901, Charles Caffin já havia afirmado que Stieglitz «é por convicção e instinto um
expoente da “fotografia directa;” ao trabalhar essencialmente ao ar livre, com exposições
curtas; deixando que os seus modelos posem por si mesmos, e baseando os resultados em

217
Consultar Anexo 3 [II.] p. 197.
218
Alfred Stieglitz, “How I Came to Photograph Clouds”, in AA.VV., Photographers on Photography, LYONS,
Nathan, ed., p. 112. Anexo 2, Referência 146, p. 147 e 148.
219
Alfred Stieglitz, “How I Came to Photograph Clouds”, in AA.VV., Photographers on Photography, LYONS,
Nathan, ed., p. 111 e 112. Anexo 2, Referência 147, p. 148.
220
Consultar Anexo 3 [II.] p. 198 e 199.

66
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

meios estritamente fotográficos. Pode ser incluído entre os Impressionistas; concebendo a


totalidade da sua fotografia antes de a tentar captar, procurando efeitos de actualidade
vívida e reduzindo a composição final à sua expressão mais simples. Será recordado que o
Dr. Emerson disse sobre a fotografia com a qual ganhou a sua primeira distinção, que era a
única na colecção que demonstrava espontaneidade.»221

A Foto-Secessão, como grupo, acabou por se dissolver devido às divergências de opinião


entre os seus membros e fragmentação dos seus objectivos, mas a revista Camera Work
manteve-se activa até 1917. No entanto, nos seus últimos sete anos de existência a
publicação foi orientada para uma abordagem mais modernista, tanto em termos literários
como visuais. Segundo Marianne Fulton Margolis222 a edição de Abril/Julho de 1911
publicou reproduções dos desenhos de Rodin e o especial de Agosto de 1912 apresentou o
trabalho de Matisse e Picasso, a par do primeiro artigo publicado de Gertrude Stein.223
Durante esta fase a revista também publicou trabalhos de alguns dos mestres pioneiros da
fotografia, como David Octavius Hill e Julia Margaret Cameron. As suas fotografias
enfatizaram o progresso em direcção a uma abordagem da fotografia mais directa, que
culminou na última edição da revista, com a apresentação da obra de Paul Strand, o
epítome dos ideais de uma estética modernista na fotografia.

Como afirmou Jonathan Green, a revista «Camera Work é um retrato. É um retrato do


Stieglitz, pois documenta cada passo da sua transição de um jovem experimentalista,
preocupado com uma variedade de temas e com a técnica, para um artista maduro, capaz
de expressar a intimidade e a espiritualidade através de uma percepção extraordinariamente
refinada das pessoas e dos lugares que lhe eram mais próximos. (…) Camera Work é o
retrato de uma era. Folhear as suas cinquenta edições é experienciar o crescimento através
do qual a sensibilidade artística do século XIX se transformou na consciência artística dos
dias de hoje.»224

Apesar da curta duração dos Movimentos de Secessão na Fotografia, o seu impacto no


mundo da arte foi significativo, estabelecendo a fotografia como uma arte por direito próprio.

Allan Sekula destaca como «através da Camera Work Stieglitz estabeleceu um género onde
não existia nenhum: a revista esboçou os termos sob os quais a fotografia poderia ser
considerada arte, e posicionou-se como um texto implícito, como uma escritura por trás de
cada fotografia que aspirava ao estatuto de arte. A Camera Work tratava a fotografia como
um objecto central do discurso, enquanto inventava, mais minuciosamente do que qualquer
outra fonte, o mito da autonomia semântica da imagem fotográfica.»225

O próprio Paul Strand afirmou em 1917 que «todo o desenvolvimento da fotografia foi dado
a conhecer ao mundo através da Camera Work (…). A importância de um meio justifica-se

221
Charles H. Caffin, Photography as a Fine Art [em linha], Open Library, 1901, p. 39 e 40. Anexo 2, Referência
148, p. 148.
222
Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. XI.
223
Escritora, poeta e feminista, natural de Pittsburgh, Estados Unidos, Gertrude Stein relacionou-se de perto com
alguns dos nomes mais sonantes das vanguardas modernistas do século XX como Pablo Picasso, Matisse,
Georges Braque e Francis Picabia, entre outros.
224
Jonathan Green, in AA.VV., Camera Work: A Critical Anthology, GREEN, Jonathan, ed., prefácio. Anexo 2,
Referência 149, p. 148.
225
Allan Sekula, “On the Invention of Photographic Meaning”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG,
Vicki, ed., p. 458. Anexo 2, Referência 150, p. 148.

67
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

pela sua própria existência, tornando-se inúteis e irrelevantes quaisquer comparações


quanto às suas potencialidades. Se uma aguarela é inferior a um óleo, ou se um desenho,
uma gravura ou uma fotografia não é tão importante como as anteriores, é inconsequente.
Ter de desprezar alguma coisa para respeitar outra é um sinal de impotência Em vez disso
aceitemos com alegria e gratidão tudo através do qual o espírito do homem procura, a auto-
realização mais completa e intensa.»226

O Pictorialismo e o Movimento de Foto-Secessão na fotografia advogaram a expressão


individual como a via para a preservação da dignidade e da independência intelectual.
Embora recorressem à publicidade nas suas publicações, não cortejavam a opinião da
crítica nem o financiamento por parte do mecenato. Em alternativa, estabeleceram uma rede
de instituições, publicações e estratégias de selecção para validarem o seu trabalho.

Sietglitz desprezava todos aqueles que permitiam que o dinheiro conduzisse a sua arte. Em
1899 afirmou que «praticamente todo o trabalho de qualidade é feito, e sempre foi feito, por
aqueles que seguem a fotografia por amor, e não apenas por motivos financeiros.»227

Embora Stieglitz, entre tantos outros, tenha afirmado categoricamente que a fotografia
estava longe de poder ser reduzida à sua mecanização,228 um dos factores que dificultou a
aceitação do meio enquanto arte foi inquestionavelmente a natureza do seu próprio
processo de produção, que é essencialmente mecânico.

Em 1897 o ilustrador americano Joseph Pennell atacou ferozmente os fotógrafos ao afirmar


que a fotografia era simplesmente um método de produção mecânico de imagens que não
exigia o mesmo treino que a pintura; ironizou a pretensão dos fotógrafos ao intitularem-se
artistas e salientou a sua aversão face às fotografias que tentavam parecer pinturas:

«Ele [o fotógrafo] vê o que gosta, pois aprendeu aquilo de que gosta lendo livros sobre
pintura, que não compreende e que nada lhe ensinam; ele prepara a sua câmara; ele foca-a
ou desfoca-a; ele coloca a chapa ou o filme. E quem faz o trabalho? O que faz a imagem?
Bem, ele só sabe se existe alguma imagem quando leva a chapa ou o filme para casa e o
processa. O que é que faz o pintor? Ou se senta em frente ao seu modelo (…) estudando-o
cuidadosamente sem qualquer ajuda para além das suas mãos (…); ou olha para ele, e a
sua observação e memória são tão perfeitas que consegue absorver o carácter absoluto da
cena que se encontra diante de si, e então, mais tarde, reprodu-la com a sua câmara – o
seu cérebro (…) Deixem o fotógrafo encontrar o seu tema da mesma forma, e estudá-lo ao
seu modo, e tendo, para seu gáudio, seleccionado, arranjado e composto a imagem, como
ele diz – pois ele só usa os termos técnicos artísticos – mas se esqueça de retirar a tampa
da objectiva. O que acontece então? Mas ele não se esquece; ele carrega no botão e uma
imagem é o resultado. (…) ele descobriu uma máquina para fazer a sua obra de arte em seu
lugar. Não admira que se ria do pobre artista, que tem de humildemente trabalhar para criar
beleza, que uma câmara constrói num instante. Que farsa é pensar que Ticiano, Velasquez

226
Paul Strand, “Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 219 e
220. Anexo 2, Referência 151, p. 148.
227
Alfred Stieglitz, “Pictorial Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont,
ed., p. 163. Anexo 2, Referência 152, p. 148 e 149.
228
«Cada impressão que faço, mesmo que a partir de um único negativo, é uma nova experiência, um novo
problema. Pois a menos que seja capaz de diversificar – acrescentar – não estou interessado. Não há
mecanização, mas sempre fotografia.» Alfred Stieglitz, “A Statement”, in AA.VV., Photography: Essays & Images,
NEWHALL, Beaumont, ed., p. 217. Anexo 2, Referência 153, p. 149.

68
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

e Rembrandt de facto estudavam e trabalhavam (…) quando o mestre da era moderna


apenas tem de ir a uma loja, comprar uma câmara e fazer uns truques (…) para apresentar
uma obra-prima completa (…). Em suma, o fotógrafo é o independente arrojado que se
libertou da tradição e afirmou a sua individualidade, não através da prática da sua mão e da
sua mente e do seu olho (…); não, enfiando a cabeça numa caixa negra e no momento
crucial deixando que uma máquina faça tudo por si. (…) A arte do fotógrafo, como
actualmente é explicada, é fazer fotografias que parecem aquilo que não são. (…) O
fotógrafo revolucionário é aquele que apresenta na superfície fotográfica uma vaga
parecença com uma fotografia má de um desenho carvão, a sépia, (…) de uma água-tinta
ou uma aguarela. Nunca ouvi falar de um grande pintor que se esforçasse por fazer passar
as suas pinturas por cromos.»229

Por outro lado, Charles Caffin, defendeu os fotógrafos artistas enquanto estudantes
pacientes e aplicados, tal como os outros artistas:

«Com certeza elas [as fotografias] exigem (…) qualidades de teor artístico muito elevado.
(…) e a sua beleza advém do facto de se basearem nas características artísticas comuns à
pintura, com a única excepção da diversidade de cores. (…) É na tomada de consciência
das dificuldades e no esforço persistente de as ultrapassar que a imagem fotográfica se
eleva gradualmente ao nível de uma arte.»230

Segundo Walter Benjamin a reprodução em massa representou uma mudança, não só


quantitativa mas também qualitativa, no estatuto da obra de arte. Em A Obra de Arte na Era
da sua Reprodutibilidade Técnica, Benjamin expõe o antagonismo entre a obra de arte como
entidade singular e preciosa e a obra de arte como objecto passível de reprodução. À luz do
pensamento de Benjamin a primeira, pelo seu carácter único, seria necessariamente um
objecto privilegiado e reservado à apreciação de uma minoria. A fotografia, caracterizada
pela sua reprodutibilidade e valor de exposição, abriu o campo dos seus potenciais
observadores, permitindo a penetração da arte nos espaços do mundo quotidiano.

As críticas ao estatuto da fotografia como arte sempre se esconderam por trás da máscara
da mecanização: «A indústria vai matar a arte. A indústria e a arte são duas inimigas que
nada reconciliará…».231 No entanto, é provável que o carácter eminentemente ‘democrático’
do meio fotográfico tenha ferido a susceptibilidade das classes e sectores mais elitistas.

Se actualmente consideramos que é o pensamento criativo e o modo de ver o mundo, a par


das capacidades técnicas, que distinguem o verdadeiro pintor de um amador; do mesmo
modo, é o pensamento criativo e o modo de ver o mundo combinados com a destreza com
que controla o processo de produção das imagens, que distinguem um fotógrafo que é
artista de um fotógrafo de instantâneos.

229
Joseph Pennell, “Is Photography among the Fine Arts?”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG, Vicki,
ed., p. 211 a 213. Anexo 2, Referência 154, p. 149.
230
Charles H. Caffin, “Photography as a Fine Art”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG, Vicki, ed., p.
218, 219 e 222. Anexo 2, Referência 155, p. 149.
231 th
Edmond de Goncourt e Jules de Goncourt, “The Death of Art in the 19 -Century”, in AA.VV., Realism and
Tradition in Art 1848-1900, NOCHLIN, Linda, ed., p. 17. Anexo 2, Referência 156, p. 149.

69
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 3. O RETRATO: NO PRINCÍPIO FOI PINTURA

Num artigo de opinião sobre o Salão Fotográfico de 1904, publicado na revista Photograms
desse mesmo ano, Albert Charles Robinson Carter profetizou o futuro estatuto da fotografia
e a afirmação dos fotógrafos como verdadeiros artistas:

«Na minha imaginação vejo o dia em que ninguém se recordará que a fotografia outrora não
teve voto na eleição da arte. Aparecerão críticos que a discutirão como arte, de acordo com
a tradição. Haverá uma laboriosa associação de jovens que será penosa mas firmemente
dirigida para o estudo dos Grandes Mestres do Linked Ring. Na Christies desse tempo os
coleccionadores rivalizarão entre si e licitarão para assegurarem este ou aquele exemplar
clássico. (…) O lote irá para a Christies e o Daily Telegraph desse dia publicará as
manchetes: “Os preços para as fotografias bateram máximos” e “Triunfo do leilão dos
Pioneiros do século XX”. Serão escritos livros sobre as vidas terríveis dos fotógrafos, e
como um génio desiludido, quando impedido de mostrar A Misty Morning, acabou com a
própria vida com cianeto.»232

Foram nomes como Stieglitz e Strand que construíram os alicerces que possibilitaram que o
desenvolvimento da fotografia ao longo do século XX viesse a demonstrar que «a fotografia
não é apenas uma Arte, mas é também uma Arte totalmente individual e independente.»233

232
Albert Charles Robinson Carter, apud Margaret F. Harker, The Linked Ring, p. 109. Anexo 2, Referência 157,
p. 149 e 150.
233
Dixon Scott, “The Function of the Camera”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont,
ed., p. 201. Anexo 2, Referência 158, p. 150.

70
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

Capítulo 4 Dimensão Conceptual de Memória do Tempo

4.1 Tempo e Narrativa

Paradigmaticamente, uma fotografia fixa um momento no tempo. Ao longo da história, a


exposição da imagem fotográfica passou de horas a fracções de segundos, o que de certa
forma enfatizou o conceito de ‘verdade’ inerente a este meio: o registo de um determinado
acontecimento num momento exacto do fluxo temporal.

Embora, como sugere Hubert Damisch, a fotografia ofereça «o verdadeiro rasto de um


objecto ou de uma cena do mundo real»,1 só o faz na medida em que «isola, preserva e
apresenta um momento retirado de um contínuo.»,2 o que constitui um paradoxo; olhamos
para uma fotografia como um registo temporal, um registo histórico, no entanto, se a
fotografia congela um momento no tempo, acaba por o retirar da história. Nesse sentido,
tradicionalmente uma fotografia não tem antes nem depois, mas apenas o momento em que
foi produzida. Memória do Tempo, na sua operação como um todo instalacional, e através
da própria construção narrativa que lhe é implícita, escapa ao destino indiciado por Damisch
ao reconstruir o “contínuo” em que se inscreve. O seu “presente” encontra-se saturado pela
memória do passado mas também é a promessa de um futuro.

Memória do Tempo concentra numa única entidade as imagens da memória, consolidando


diversas representações que capturam a existência da representada, retratada ao longo do
tempo, mas simultaneamente num só tempo, o seu “presente”, e potencialmente a
eternidade.

Se se admite que a fotografia captura e congela um momento no tempo então, as imagens


de Memória do Tempo desafiam esta característica do meio ao darem-nos dez momentos,
cada um deles individual mas simultaneamente relacionados e colocados numa progressão
diacrónica que remete para uma ligação narrativa e simultaneamente suscita a sensação de
que entre os seus dez instantes poderiam existir tantos outros.

Na forma como as fotografias se inter-relacionam, podemos afirmar que constituem um


álbum, uma história de envelhecimento e mudança ao longo do tempo, representada em dez
etapas, ou melhor, em nove etapas mais uma: as primeiras nove imagens aludem aos nove
meses de gestação que resultam na revelação da imagem final.

À luz do que Richard Brilliant afirma sobre a arte do retrato, Memória do Tempo «concretiza
o indivíduo retratado e sugere que sob a diversidade de aparências ao longo da vida, a
“ideia” denominada de um ser humano particular, no sentido Platónico de “ideia” como forma
original, pode ser representada e preservada.»3

Um retrato que escapa à unicidade do tempo e se desenvolve segundo uma estrutura


narrativa pode partilhar afinidades com o género literário da biografia. No retrato em análise

1
Hubert Damisch, “Five Notes for a Phenomenology of the Photographic Image”, in AA.VV., Classic Essays on
Photography, TRACHTENBERG, Alan, ed., p. 288. Anexo 2, Referência 159, p. 150.
2
John Berger, “Understanding a Photograph”, in AA.VV., Classic Essays on Photography, TRACHTENBERG,
Alan, ed., p. 293. Anexo 2, Referência 160, p. 150.
3
Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 72. Anexo 2, Referência 161, p. 150.

71
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

torna-se evidente o que Jonathan Richardson, pintor e teórico, afirmou em Two Discourses:
«um retrato é uma espécie de História Geral da Pessoa que representa, não apenas para
Ele, que a conhece, mas para Muitos Outros, que à ocasião de o verem frequentemente
lhes é dito o que é mais Material no que lhe diz respeito, pelo menos do seu Caráter Geral;
(…) Estes, portanto, frequentemente correspondem aos Fins da Pintura Histórica.»4

À luz do que é indiciado por Richardson, Memória do Tempo transporta em si o mesmo tipo
de informação sobre a retratada que uma biografia pode transmitir. Não se confina a um
único “momento decisivo”, mas explora a sua antítese, um labirinto de tempos entrelaçados.

À semelhança do que é um ser humano, um conjunto fragmentado de emoções, vivências,


experiências e conhecimento, Memória do Tempo constrói-se através de uma série de
fragmentos temporais congelados; os traços ou vestígios de uma vida real, filtrada através
da fotografia.

4.1.1 A Imagem dentro da Imagem no Retrato: Referências Análogas

A utilização da imagem dentro da imagem no retrato fotográfico foi frequentemente utilizada


desde o século XIX. Como refere Geoffrey Batchen, era comum encontrar retratos em que o
representado surgia a mostrar ou a olhar para uma fotografia,5 assim como a manusear
álbuns fotográficos, como que a reafirmar a sua ligação aos indivíduos apresentados nas
suas páginas.6

Num estudo de caso apresentado por Julia Hirsch, a autora apresenta-nos uma fotografia de
duas crianças, mais concretamente de duas irmãs, que surgem retratadas lado a lado, junto
a uma fotografia emoldurada de um casal que pertence a uma geração antiga, relembrando-
nos a inevitabilidade da passagem do tempo.7 Como Hirsch refere, enquanto observadores,
não sabemos quem são os indivíduos retratados na imagem emoldurada, mas partimos do
princípio de que eram figuras importantes na vida destas crianças, pois para além do
fotógrafo ter escolhido incluir esta imagem na composição, as irmãs também surgem
representadas lado a lado, recriando o ângulo e a pose das figuras representadas no interior
da pequena moldura.

Hirsch afirma que «a globalidade da composição, como noutras imagens dentro das
imagens, estabelece uma ligação entre o momento fotografado e a história que o precedeu.
Vemos quatro pares de olhos que superaram o tempo e o espaço, juntos, para nos fitarem.
A distância foi comprimida num rectângulo, o sonho do Renascimento de superar o tempo
foi alcançado…»8

O que a autora afirma sobre a fotografia das duas irmãs, aplica-se de igual modo ao retrato
Memória do Tempo. Também aqui as imagens dentro das imagens fazem renascer o
passado no presente, suprimindo a distância entre o que foi e o que é, ao comprimir o
espaço temporal num único plano de imagem.

4
Jonathan Richardson, Two Discourses [em linha], Google Books, 1719, p. 45 e 46. Anexo 2, Referência 162, p.
150.
5
Consultar Anexo 3 [II.] p. 200.
6
Geoffrey Batchen, Forget me not: Photography & Remembrance, p. 10.
7
Consultar Anexo 3 [II.] p. 201.
8
Julia Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p. 127. Anexo 2, Referência 163, p. 150.

72
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

Memória do Tempo reune em dez instantes fotográficos uma multiplicidade temporal, vários
rostos de uma só vida, vários rostos de vidas que se intersectam, anulando a distância, a
solidão e o próprio tempo, numa projecção para a continuidade.

As imagens procuram reconstituir e trazer de volta a retratada na sua globalidade e


autenticidade. Tal como em todas as fotografias de instantâneo, em Memória do Tempo, as
imagens dentro das imagens «dão-nos uma prova irrefutável da nossa própria mortalidade,
operando como electrocardiogramas do processo de envelhecimento.»9

No políptico, as imagens dentro das imagens, separadas por uma multiplicidade de anos,
são a materialização física da mudança dramática operada pelas marcas da passagem do
tempo. Segurar uma fotografia dentro de uma fotografia responde a uma necessidade de
inclusão de uma presença virtual de algo que de outra forma estaria ausente.

As fotografias dentro das fotografias «relacionam-se com a experiência individual e podem


operar, como sonhos, para condensar ou deslocar, oferecendo, com efeito, um substituto
para a experiência real.»10

4.1.2 Fotografia e Memória

Já em 1859 Olivier Wendell Holmes se referia à fotografia como um «espelho com


memória»,11 e a Eastman Kodak desde o final do século XIX, frequentemente promoveu a
venda dos seus produtos explorando esse mesmo conceito, a ligação da memória à
fotografia:

«O instantâneo como memória; a câmara como contadora de histórias; a capacidade da


fotografia para “capturar” o tempo e prolongar a experiência do momento.»12

O retrato em estudo, como todos os retratos fotográficos, parece oferecer uma espécie de
substituto mágico da representada, ao tentar trazer para o presente um momento passado
da sua vida. Memória do Tempo constitui-se como uma dupla analepse, tanto para a
retratada, que resgata e revive episódios que construíram a sua história, como para o
observador, pois a própria génese da imagem fotográfica é a tentativa de documentação do
que já passou e que nunca mais poderá ser recuperado, tal como os fragmentos temporais
que povoam o interior das imagens do conjunto.

Como sugere Roland Barthes, quando olhamos para uma fotografia olhamos para algo que
já não existe. O momento passou. Deste modo, uma fotografia replica sempre aquilo que já
perdemos, e acaba por sugerir uma necessidade de registar, de tentar reter o mundo e
aqueles que nos rodeiam.

9
Andy Grundberg, “The Snapshot Comes of Age”, in Ann Beattie e Andy Grundberg, Flesh & Blood:
Photographers' Images of Their Own Families, p. 13. Anexo 2, Referência 164, p. 150.
10
Liz Wells, “Introduction: Image and Identity”, in AA.VV., The Photography Reader, WELLS, Liz, ed., p. 377.
Anexo 2, Referência 165, p. 150 e 151.
11
Olivier Wendell Holmes, “The Stereoscope and the Stereograph” [reimpresso a partir do periódico The Atlantic
Monthly, Junho 1859], in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 54.
12
Publicidade da Kodak, apud Martha Langford, Suspended Conversations, p. 4. Anexo 2, Referência 166, p.
151.

73
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

Susan Sontag afirma que «as fotografias promovem activamente a nostalgia. (…) Todas as
fotografias são um memento mori. Tirar uma fotografia é participar na mortabilidade,
vulnerabilidade, mutabilidade de outra pessoa (ou coisa). Precisamente por
descontextualizar um momento e congelá-lo, todas as fotografias atestam a dissolução
implacável do tempo. (…) As fotografias exprimem a inocência, a vulnerabilidade das vidas
em direcção à sua própria destruição, e esta ligação entre a fotografia e a morte assombra
todas as fotografias de pessoas.»13

Numa fotografia o referente está sempre simultaneamente presente (implícito nas


fotografias) e ausente (esteve lá mas já não está neste momento). Embora a motivação da
gravação de uma imagem fotográfica, especialmente quando se trata de um retrato, seja
sempre uma tentativa de legar para o futuro, o referente acaba sempre por assombrar a
imagem como um fantasma; é sempre um regresso do que já passou, do que está perdido.
Como Barthes afirma: «Leio ao mesmo tempo: isto será e isto foi. Observo, horrorizado, um
futuro anterior em que a morte é a aposta. Dando-me o passado absoluto da pose (aoristo),
a fotografia diz-me a morte no futuro. O que me fere é a descoberta desta equivalência.
Diante da foto da minha mãe criança, digo para mim mesmo: ela vai morrer. Estremeço,
como o psicótico de Winnicott, perante uma catástrofe que já aconteceu. Quer o sujeito
tenha ou não morrido, toda a fotografia é esta catástrofe.»14

A fotografia transporta um gesto no tempo; por isso Barthes refere-se ao objeto fotografado
como Spectrum: o espetáculo que se oferece ao olhar, mas também o regresso de um
morto, como um fantasma, como uma existência do passado que se manifesta no presente.

Sontag afirma que «tal como o coleccionador, o fotógrafo é animado por uma paixão que,
mesmo quando parece ser pelo presente, está ligada a um sentido do passado.»15 De facto,
o lugar do objecto fotográfico é sempre o passado, mas a fotografia, silenciosamente,
aponta intensamente para algo, acabando por dar ao passado uma permanência. O facto da
decoberta de equivalência ferir Barthes, faz com que a fusão entre o passado e o presente,
este «esmagamento do Tempo»16 desfaça, de certa forma, o seu efeito catastrófico.

A fotografia opera como um elo que liga dois elementos distantes. Diante de uma fotografia
de Jerôme, o irmão mais novo de Napoleão, Barthes pensa: «Vejo os olhos que viram o
Imperador»,17 pois para o autor a fotografia emana literalmente do seu referente – «De um
corpo real, que estava lá, partiram radiações que vêm tocar-me, a mim, que estou aqui.
Pouco importa a duração da transmissão; a foto do ser desaparecido vem tocar-me como os
raios emitidos por uma estrela. Uma espécie de ligação umbilical liga o corpo da coisa
fotografada ao meu olhar: a luz, embora impalpável, é aqui um meio carnal, uma pele que
eu partilho com aquele ou aquela que foi fotografado.»18

O facto de a fotografia ser um rasto de algo que existiu, a sua ligação à presença material
da pessoa fotografada, por um lado intensifica o seu estatuto como um prenúncio de morte
mas por outro, e em simultâneo, acaba por se ligar à vida.

13
Susan Sontag, On Photography, p. 15 e 70. Anexo 2, Referência 167, p. 151.
14
Roland Barthes, A Câmara Clara, p. 107.
15
Susan Sontag, On Photography, p. 77. Anexo 2, Referência 168, p. 151.
16
Roland Barthes, A Câmara Clara, p. 107.
17
Roland Barthes, A Câmara Clara, p. 11.
18
Roland Barthes, A Câmara Clara, p. 91.

74
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

O elo representado pela fotografia é para Barthes uma questão existencial, pois através do
seu texto procura lidar com a dor da perda da sua mãe, procurando um canal de religação
com ela através de uma fotografia da mesma, que nunca nos chega a mostrar.

É talvez através das imagens que movem os nossos afectos que podemos encontrar a força
fundamental da fotografia que Barthes nos apresenta. Como aponta Marianne Hirsch, as
fotografias são os únicos vestígios materiais de um passado que é irrecuperável.19

Como afirma Susan Sontag, as imagens fotográficas, como um «vestígio material» do


passado, são mais do que images, são um traço capaz de substituir a realidade. «Enquanto
uma pintura, mesmo uma que satisfaça os padrões fotográficos de verosimilhança, nunca é
mais do que a afirmação de uma interpretação, uma fotografia nunca é menos do que o
registo de uma emanação (ondas luminosas reflectidas por objectos) – um vestígio material
do sujeito de uma forma que nenhuma pintura pode ser.»20

As fotografias pessoais são as que mais intensamente ligamos à memória. «A fotografia


com valor pessoal é um talismã no qual frequentemente se acredita que o passado reside e
pode ser revivido. (…) mais do que ser habitada pela memória, ela cria-a; é um mecanismo
através do qual o passado pode ser construído e colocado no presente.»21

Como refere Sylvia Plachy «tudo se parte e se perde. Mundos desaparecem. Fotografar é
comprimir em pequenos quadrados ou rectângulos momentos salvaguardados do tumulto da
vida ou do caos da família. Não há som nem há cheiro. A seiva desapareceu; mas como
uma folha seca, ainda é qualquer coisa. É um sinal; tu e eles estiveram juntos algures.»22

Como Sontag esclarece, as fotografias não são um instrumento para a memória, mas uma
reinvenção da mesma, um substituto para as memórias.23

4.2 O Retrato de Família: Enquadramento e Pontos de Contacto

Como refere Julia Hirsch «as nossas fotografias de família iludem, obscurecem ou revelam,
mas nunca nos deixam completamente neutros. São sempre relíquias que nos lembram
daquilo que já havíamos esquecido»,24 evocando de forma intensa as experiências gravadas
em imagens.

O interesse pelo indivíduo e consequentemente pela família enquanto objecto passível de


interesse artístico e representação teve o seu início no Renascimento; na era em que pela
primeira vez se colocou o homem como centro do mundo. Surgiram os sonetos, os
romances, as biografias a as autobiografias, assim como os auto-retratos e até o retrato
como o entendemos actualmente, centrado no indivíduo e nas características que o tornam
único.

19
Marianne Hirsch, Family Frames: Photography Narrative and Postmemory, p. 5.
20
Susan Sontag, On Photography, p. 154. Anexo 2, Referência 169, p. 151.
21
Marita Sturken, “The Image as Memorial: Personal Photographs in Cultural Memory”, in AA.VV., The Familial
Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p.178. Anexo 2, Referência 170, p. 151.
22
Sylvia Plachy, apud Ann Beattie e Andy Grundberg, Flesh & Blood: Photographers' Images of Their Own
Families, p. 18. Anexo 2, Referência 171, p. 151.
23
Susan Sontag, On Photography, p. 165.
24
Julia Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p. 10. Anexo 2, Referência 172, p. 151.

75
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

O fenómeno da fotografia de família surgiu quase imediatamente após a apresentação do


meio em 1839, competindo directamente com o trabalho dos pintores de miniaturas. Os
fotógrafos recriavam tanto as poses como os cenários característicos da pintura, e foram
buscar muitas das suas referências ao Renascimento, tanto do ponto de vista estrutural
como a nível de conteúdo. Tal como no Renascimento, também a fotografia de família
surgiu numa época em que o interesse pela identidade suscitava uma enorme curiosidade,
tal como o seu lugar na história e no tempo.

Quando George Eastman criou a Kodak em 1888, o seu público-alvo não eram os fotógrafos
profissionais mas as pessoas que viam as fotografias mas nunca haviam pensado tirá-las,
tal como não pintavam, não se dedicavam à literatura nem compunham música. Com o
slogan «Você carrega no botão, nós fazemos o resto!», a câmara fotográfica entrou pela
primeira vez no domínio doméstico e a fotografia rapidamente se tornou no principal veículo
de representação da família; no meio através do qual as memórias da família e a sua
história se perpetuavam.

«Muito antes do nascimento da linguagem oral, o homem primitivo comunicava através de


imagens visuais. A invenção da fotografia deu à comunicação visual a sua linguagem mais
simples, directa e universal.»25 Se existe um instrumento que tenha ajudado a construir e
perpetuar a ideologia que liga um conceito de humanidade universal à noção de família é a
câmara fotográfica e os seus produtos, a imagem fotográfica e os álbuns de família.

Como refere Don Slater «a fotografia está intimamente ligada com a vida doméstica e o
mundo privado, e sempre assim foi desde a sua origem.»26

Podemos afirmar que «as câmaras e a película fotográfica sempre foram desenvolvidas com
a família em mente.»27 As pessoas, desde a infância à velhice, foram constantemente o
tema principal da fotografia, especialmente da fotografia de instantâneo, e é certo que o
desejo de possuir retratos da família e dos amigos motivou a compra de muitas câmaras
fotográficas.

Pierre Bourdieu demonstrou esta ligação intrínseca entre a fotografia e a ideologia moderna
de família ao afirmar que a «a prática fotográfica só existe e subsiste, na maior parte do
tempo, por virtude da sua função familiar, ou antes, pela função a ela conferida pelo grupo
familiar, nomeadamente a de solenizar e imortalizar os pontos altos da vida familiar, em
suma, de reforçar a integração do grupo familiar ao reafirmar que tem tanto de si própria
como da sua unidade.»28

A família é essencialmente um grupo ligado através de laços e valores morais comuns;


muito mais do que os vínculos de sangue, é uma ligação sentimental que deriva do instinto e
da paixão. Deste modo, as fotografias de família são sempre sobre a memória e as
memórias, ou seja, são sempre sobre as histórias de um passado, partilhadas (tanto as

25
Edward Steichen, “On Photography”, in AA.VV., Photographers on Photography, LYONS, Nathan, ed., p. 107.
Anexo 2, Referência 173, p. 151.
26
Don Slater, “Domestic Photography and Digital Culture», in AA.VV., The Photographic Image in Digital Culture,
LISTER, Martin, ed., p. 129. Anexo 2, Referência 174, p. 151.
27
Patricia Holland, “History, Memory and the Family Album”, in AA.VV., Family Snaps: The Meanings of Domestic
Photography, SPENCE, Jo, e HOLLAND, Patricia, ed., p. 4. Anexo 2, Referência 175, p. 152.
28
Pierre Bourdieu et al., Photography: A Middle-Brow Art [em linha], MediaFire, 1990, p. 19. Anexo 2, Referência
176, p. 152.

76
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

histórias como o passado) por um conjunto de indivíduos que, precisamente nesse momento
de partilha, acabam por se constituir como uma família.

O trabalho de Nan Goldin é um dos exemplos mais marcantes no campo do retrato de


família. Embora num sentido alargado do conceito de família, a sua obra acentua
precisamente o sentido de pertença a um grupo, ao grupo que escolheu e construiu como
sua família. É disso exemplo o conjunto The Ballad of Sexual Dependency, «a história de
uma família recriada, sem os papéis tradicionais.»29 De acordo com Peter Schjeldahl, Goldin
«perseguiu uma existência sobrecarregada e desordenada entre boémios da sociedade e
tirou centenas de fotografias a documentar as suas experiências. Se o seu trabalho sugere
um género, é o instantâneo de família. Mas que família! E que instantâneos!»30

Memória do Tempo é um retrato da minha avó, mas pela sua estrutura narrativa e pela
alusão recorrente a outros indivíduos que surgem representados nas imagens de
instantâneo que incorpora, desenvolve-se não só como um retrato mas também como um
retrato colectivo, como um álbum de família que convida os que estão fora do seu círculo
íntimo a penetrar na sua esfera privada, transferindo um mundo pessoal para uma esfera
pública.

Memória do Tempo é a documentação das relações que constituíram a vida da minha avó; é
um álbum que se constrói como uma história. Uma sequenciação de imagens que dá uma
forma física ao conjunto abstracto de relações que constituem a sua narrativa, oferecendo
um sentido coerente às vidas dos que o habitam.

O processo de construção do conjunto em análise aproxima-se intimamente ao que Don


Slater refere como “a metáfora do álbum de família”: «qualquer que seja o formato que
apresente, representa um processo de editar imagens em ícones e narrativas através das
quais a identidade da família se constitui e estabiliza. O realismo das fotografias como
traços do passado parece ligar uma identidade construída ao fluxo natural do tempo.»31

Um exemplo paradigmático de uma abordagem contemporânea à fotografia de família e ao


álbum de família é a obra de Larry Sultan. Ao longo de dez anos, Sultan fotografou
sistematicamente os seus pais durante as visitas que fazia a casa. As fotografias foram
publicadas no livro Pictures from Home,32 em 1992, a par de uma narrativa escrita que foi
construindo sobre os seus pais, a partir de conversas gravadas, e reflexões que escreveu
sobre o projecto, que pretendia acima de tudo «capturar a sua existência de forma a evitar a
sua futura inexistência.»;33 uma motivação que parece ser sempre comum a todas as
fotografias e retratos de família.

A série de Sultan, tal como um álbum de família convencional, apresenta-nos fragmentos e


momentos isolados de uma vida, criteriosamente seleccionados e dispostos numa estrutura
narrativa. Mas mais do que reflectir uma suposta realidade, Pictures from Home é acima de

29
Nan Goldin, apud Martha Langford, Suspended Conversations, p. 31. Anexo 2, Referência 177, p. 152.
30
Peter Schjeldahl, apud Trevor Fairbrother, Family Ties: A Contemporary Perspective, p. 50. Anexo 2,
Referência 178, p. 152.
31
Don Slater, “Domestic Photography and Digital Culture», in AA.VV., The Photographic Image in Digital Culture,
LISTER, Martin, ed., p. 138. Anexo 2, Referência 179, p. 152.
32
Consultar Anexo 3 [II.] p. 202.
33
Larry Sultan, apud Marianne Hirsch, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p. XI. Anexo 2,
Referência 180, p. 152.

77
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

tudo uma visão pessoal, a imagem que o próprio autor tem dos seus pais; uma interpretação
cuidadosamente encenada e coreografada, contestada pelos próprios intervenientes.

À pergunta de Sultan «Não achas que uma ficção pode sugerir uma verdade?»,34 o seu pai
responde: «Talvez, mas de quem é essa verdade?».35

A visualização e entendimento de um álbum de família requer quase sempre um diálogo oral


ritualizado de descrição; contar uma história, criar memórias e celebrar o passado de forma
a suprimir as ausências e o seu aparente secretismo. À partida, um álbum encontra-se num
ambiente doméstico, privado, e é exigido a quem o vê um grande nível de familiaridade que
lhe permita descodificar as imagens nele contidas. No entanto, como Julia Hirsch salienta,
as fotografias de família podem despertar uma sensação de empatia e pertença mesmo
quando não identificamos o indivíduo para quem olhamos. Citando Freud, Hirsh associa
esta questão a «uma sensação de um laço indissolúvel, de ser um só com o mundo
eterno.»;36 são estas emoções que se apoderam de nós quando fixamos um retrato de
família, mesmo quando olhamos para a imagem de estranhos ou para pessoas que nos são
indiferentes.

Deste modo, «entendemos o conceito de “família” como uma metáfora para toda a
humanidade (…). A atracção permanente da exposição de Edward Steichen, Family of Man,
que surgiu pela primeira vez em 1955, é prova suficiente de que as fotografias de famílias
simbolizam ideais de irmandade universal e compreensão.»37

The Family of Man38 foi uma das primeiras exposições em grande escala exibidas no MoMa
e como Steichen afirmou na introdução do catálogo da mesma, foi «o projecto mais
ambicioso e desafiante que a fotografia alguma vez tentou (…) Foi concebido como um
espelho dos elementos e emoções universais do quotidiano da vida – como um espelho da
unidade universal da humanidade por todo o mundo.»39

As fotografias de família dependem de uma narrativa universal que transforma as suas


superfícies em rectângulos mágicos que ressoam vidas e histórias transversalmente
interligadas. Como Steichen afirmou, «o que era preciso era uma afirmação positiva de
como a vida era maravilhosa, como as pessoas eram maravilhosas e, acima de tudo, quão
parecidas eram as pessoas em todas as partes do mundo.»,40 e é certo que a defesa do
conceito de universalidade de Steichen aplicado ao fenómeno do retrato de família foi
claramente corroborado pela resposta do público à exposição: «As audiências não só

34
Larry Sultan, “Pictures from Home”, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p.10. Anexo 2,
Referência 181, p. 152.
35
Ibidem. Anexo 2, Referência 182, p. 152.
36
Sigmund Freud, apud Julia Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p. 120. Anexo 2,
Referência 183, p. 152.
37
Julia Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p. 120. Anexo 2, Referência 184, p. 152.
38
Comissariada por Edward Steichen em 1955, então director do departamento de fotografia do MoMa, The
Family of Man levou ao museu, nas suas primeiras quinze semanas de exibição, cerca de duzentos e setenta mil
visitantes. A exposição apresentava quinhentas e três fotografias de duzentos e setenta e três fotógrafos
diferentes, seleccionadas a partir de cerca de dois milhões que haviam sido enviadas para Nova Iorque, tanto por
profissionais como amadores, a partir de sessenta e oito países diferentes. A exposição foi exibida
posteriormente em trinta e sete países, em seis edições, e actualmente encontra-se permanentemente instalada
no Château de Clervaux no Luxemburgo.
39
Edward Steichen e Carl Sandburg, The Family of Man, p. 4 e 5. Anexo 2, Referência 185, p. 152.
40
Edward Steichen, A Life in Photography, p. 228. Anexo 2, Referência 186, p. 153.

78
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

compreendem esta apresentação visual, como também participam dela, e identificam-se


com as imagens…».41

Como sugeriu Alla Sekula, «The Family of Man universaliza a família nuclear burguesa,
sugerindo um álbum de família utópico e globalizado, um romance familiar imposto em todos
os cantos do mundo.»42

Os laços que se criaram em vida e que perduraram para além dela são um tema subjacente
a todos os retratos de família. Os mortos e os vivos coabitam eternamente nas nossas
fotografias de família, enquanto estas forem vistas; é o nosso olhar que lhes dá vida. Mas
mais do que o nosso olhar, trazemos para as imagens o conhecimento que temos do que
está para lá dos limites da imagem. No entanto, podemos compreender as imagens até de
pessoas que não nos são familiares, porque sabemos que os retratos de família são criados
e preservados do mesmo modo que as próprias famílias perduram. O afecto, o amor e a
necessidade de cuidar são conceitos que lhes são intrínsecos.

Sabemos que num retrato de família existe sempre alguma mensagem sobre um
nascimento, um encontro, um desencontro, um casamento, uma perda; mensagens que são
comuns e que tornam um retrato de família universal.

Memória do Tempo é um retrato de família que se desenvolve numa progressão cronológica


natural. Deste modo, as mensagens que lhe são implícitas são facilmente apreendidas,
permitindo uma identificação universal.

Como sugere Patricia Holland «as fotografias de família podem operar nesta junção entre
memória pessoal e história social, entre o mito público e o insconsciente pessoal. A nossa
memória nunca é totalmente “nossa”, nem as fotografias são representações do nosso
passado sem mediação. Quando olhamos para elas tanto construímos um passado
fantástico como iniciamos uma busca como detectives para encontrar outras versões da
versão “real”. Muito foi feito do reconhecimento desestabilizador de que não pode haver uma
história final, “verdadeira”, para ser descoberta. No entanto, existem outras histórias para
escrever, embebidas nas antigas, interpretando, reconstruindo, tentando criar sentido para
os acontecimentos, de formas menos dominantes.»43

O projecto Collected Visions44 de Lorie Novak, uma instalação interactiva em linha, surge
como uma reinterpretação virtual do conceito subjacente à Family of Man de Steichen.
Apelando à participação do visitante, Collected Visions é um projecto que explora a relação
entre o retrato de família e a memória colectiva, reconstruída. É um arquivo de retratos de
família recebidos por pessoas de todo o mundo, que apela aos seus visitantes o envio de
fotografias ou ensaios escritos sobre as suas imagens ou sobre as de outros, com as quais
se identifiquem no site.

41
Edward Steichen, “On Photography”, in AA.VV., Photographers on Photography, LYONS, Nathan, ed., p. 107.
Anexo 2, Referência 187, p. 153.
42
Allan Sekula, Photography against the Grain: Essays and Photo Works, 1973-1983, p. 89. Anexo 2, Referência
188, p. 153.
43
Patricia Holland, “History, Memory and the Family Album”, in AA.VV., Family Snaps: The Meanings of Domestic
Photography, SPENCE, Jo, e HOLLAND, Patricia, ed., p. 13 e 14. Anexo 2, Referência 189, p. 153.
44
Consultar site Collected Visions disponível em: http://cvisions.nyu.edu/.

79
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

Cada “ensaio fotográfico” pode ser elaborado por dois indivíduos distintos, o que enviou a
fotografia e o que escreveu o texto que a acompanha. A identificação da fotografia é
apresentada exclusivamente através do texto escrito sobre ela, constituindo-se
eventualmente como uma versão da realidade, uma história reconstruída por um elemento
externo que, ao identificar-se com a imagem exposta, procura dar sentido aos
acontecimentos a partir da sua própria experiência pessoal.

Como refere Lorie Novak, «a maior parte das pessoas que enviam ensaios escreveram
sobre fotografias que não eram suas. Como está exemplificado nos excertos seguintes de
ensaios seleccionados, alguns autores escrevem sobre fotografias de outros como se
fossem suas, enquanto outros confessam que a fotografia poderia ser deles mas não é.
Esta é uma fotografia minha e da minha irmã mais nova. Não, não é. Mas se fosse, eu seria
um pediatra, como o nosso pai, e ela seria a paciente que obrigaria o meu pai a abandonar
o jantar para a visitar no hospital. – excerto do ensaio Será que Ela Ficará Melhor?45
Escolhi esta fotografia porque se parece com o meu retrato na escola na terceira classe.
Tinha um corte de cabelo semelhante, um de que a minha mãe se orgulhava porque tinha
sido ela a cortá-lo e o corte a direito era absolutamente recto. – excerto do ensaio Ela
Parece-se Comigo Outrora46
Esta sou eu e a minha irmã Alex, no passado dia de Acção de Graças.47 Ela anda sempre
atrás de mim para eu fazer alguma coisa com a minha vida, ela não repeita as escolhas que
fiz – excerto do ensaio Detesto os Feriados.48»49

Apesar de Collected Visions remeter para uma justaposição fictícia que vincula memórias a
fotografias (nem sempre sabemos se o ensaio foi escrito por quem enviou a fotografia ou
não porque essa informação mantem-se confidencial), isso não significa que as memórias
apresentadas não sejam “reais”. Como sugere Marianne Hirsch, embora as fotografias de
família sejam portadoras de significado dentro da própria narrativa familiar, parecendo
esvaziar-se desse significado fora do círculo restrito da família, o facto de frequentemente
serem tão parecidas, moldadas pelas mesmas convenções, faz com que facilmente
suscitem uma sensação de identificação transversal em todo o mundo.50 É possível afirmar
que em Collected Visions podemos encontrar um retrato de família que nos “esquecemos”
de tirar.

Como afirma Lorie Novak « (…) esta identificação com as imagens de outros é a mais forte
validação do site. Até os autores que contribuem com as suas próprias imagens geralmente
escolhem relacionar uma história pessoal ou projectar os seus sentimentos em imagens
anónimas. (…)
As fotografias e as narrativas que inspiram podem substituir memórias de eventos reais.
Qualquer pessoa que tenha pousado para um feliz instantâneo de grupo durante um evento

45
O ensaio e a fotografia correspondente encontram-se disponíveis em:
http://cvisions.nyu.edu/museum/folklore/doctor.html
46
O ensaio e a fotografia correspondente encontram-se disponíveis em:
http://cvisions.cat.nyu.edu/museum/childhood/teeth.html
47
Em nota de rodapé, Lorie Novak afirma estar certa de que este ensaio não foi escrito pela pessoa que enviou a
fotografia pois as duas figuras femininas que se encontram na imagem são as suas irmãs Karen e Patricia.
48
O ensaio e a fotografia correspondente encontram-se disponíveis em:
http://cvisions.nyu.edu/museum/secrets/holidays.html
49
Lorie Novak, “Collected Visions”, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p.26. Anexo 2,
Referência 190, p. 153.
50
Marianne Hirsch, “Familial Looking”, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p. XIIII.

80
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

familiar tenso, compreende como as fotografias podem ser fabricadas, e passado um tempo,
alterar memórias. (…)
O arquivo Collected Visions permite aos visitantes encontrar imagens que evocam memórias
dos seus próprios eventos familiares que nunca foram fotografados. Memórias associadas a
estas imagens “perdidas” frequentemente são mais vívidas do que as que estão nos álbuns
de família.»51

4.3 Auto-Representação: O Retrato como Extensão do Autor

O auto-retrato é a forma mais pessoal de expressão do artista; é um meio privilegiado de


auto-análise e apresenta uma oportunidade única para a auto-reflexão e auto-revelação.

«Subjacente a qualquer auto-retrato encontra-se o mistério sobre como um indivíduo se vê a


si próprio ou a si própria como outro. Um auto-retrato implica a objectificação do seu próprio
corpo por parte do artista e a criação de um “duplo” de si próprio»52

Deste modo, segundo West, um auto-retrato pode ser simultaneamente convincente e


esquivo; pode não apresentar uma representação do seu autor, no sentido mais
convencional, mas ser apenas uma referência, uma lembrança da sua vida, uma forma de
auto-exploração, uma imagem de um outro que o represente.

Um auto-retrato não se limita exclusivamente à representação da verosimilhança do


produtor, mas ao modo como este se “vê” e como decide representar-se.

A artista Neo-Zelandesa Frances Hodgkins, por exemplo, usa uma panóplia de objectos que
evocam a sua própria personalidade e os seus interesses para a construção dos seus auto-
retratos. Como o próprio nome indica, as obras pertencentes à série Self-Portrait: Still Life,53
ou Auto-retrato: Natureza Morta, podiam ser consideradas naturezas mortas, no entanto, o
facto de a artista ter escolhido chamar-lhes auto-retratos altera o seu sentido. Um auto-
retrato, tal como uma auto-representação é um campo aberto, sujeito essencialmente à
intenção e vontade do artista.

Nesse sentido, Memória do Tempo é simultaneamente um retrato, na sua leitura mais


objectiva e superficial, mas é também um auto-retrato. Por um lado representa a minha avó,
por outro também me representa, pois ela é a minha extensão, parte integrante da minha
identidade, daquilo que me evoca e constitui a minha história, tal como os objectos que
Hodgkins escolheu para a representarem.

As imagens dos nossos familiares, tanto dos que fazem parte integrante da nossa vida como
dos que nunca conhecemos mas cuja influência ainda sentimos, parecem esclarecer e
revelar a nossa própria condição e identidade, pois como Holland defende, «é aqui que
encontramos, entre estes rostos, a imagem chocante dos nossos eus anteriores. (…) aqui

51
Lorie Novak, “Collected Visions”, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p.26 e 27. Anexo 2,
Referência 191, p. 153.
52
Shearer West, Portraiture, p. 165. Anexo 2, Referência 192, p. 154.
53
Consultar Anexo 3 [II.] p. 203.

81
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

podemos contemplar as camadas da nossa existência passada. (…) Dizemos a nós


mesmos, frequentemente com incredulidade, que isto é onde nós outrora estivemos.»54

A definição tripartida de signo de Charles Sanders Peirce separa-o em três tipos: símbolo,
ícone e índex.55 Partindo do seu sistema e do pensamento de Roland Barthes, uma
fotografia é definida como um ícone, dada a verosimilhança física entre o signo e o objecto
que representa, e como um índex, dada a sua relação de contiguidade, de causa e efeito,
constituindo-se como um rasto ou um vestígio do real. Na sua obra Câmara Clara, Barthes
intensifica esta relação indéxica quando nos fala da fotografia como uma emanação física,
material, de um passado real. A fotografia dá autenticidade à realidade do passado e
fornece-nos uma ligação material a ela. Para Barthes, o referente não é conteúdo mas
presença: «Os realistas, nos quais eu me incluo (…), não tomam, de forma alguma, a foto
por uma “cópia” do real, mas por uma emanação do real passado: uma magia (…). O
importante é que a foto possui uma força verificativa e que o verificativo da Fotografia incida
não sobre o objecto mas sobre o tempo. De um ponto de vista fenomenológico, na
Fotografia, o poder de autenticação sobrepõe-se ao poder de representação.»56

A fotografia só existe porque algo estava lá, logo eu, nas minhas fotografias de família, tal
como Barthes, posso encontrar alguma verdade sobre o passado, sobre o meu e sobre o da
minha família; sobre um passado que é comum e que me moldou e constituiu como
indivíduo.

Como afirma John R. Grimes, as fotografias de família são «o espelho confessional do


artista, um lugar para a auto-revelação e para a procura de uma resolução interior.»57

Ao olhar para uma imagem da sua mãe em criança, uma fotografia que jamais poderia
reconhecer, Barthes demonstra um intenso desejo de identificação, o que levanta uma
possibilidade curiosa relativamente à forma de olhar que se estabelece na interacção
familiar. Barthes deseja reconhecer a sua mãe na fotografia, mas também deseja
reconhecer-se a si próprio.

Através de Memória do Tempo, que é e não é um auto-retrato, eu, tal como Barthes, sou
parte destas imagens, pois o seu olhar familiar ultrapassa a enorme distância temporal e
espacial que delas me separa e anula a eventual dificuldade de reconhecimento que teria,
dada a não coincidência entre as pessoas que vejo e aquelas de quem me lembro.

Através deste olhar familiar declaro que estas pessoas são parte da história através da qual
me construo. Como Brilliant afirma, «os genes herdados determinam o tamanho do nariz, o
formato do corpo, a cor da pele, dos olhos e do cabelo – em suma, a fisionomia e a estrutura

54
Patricia Holland, “History, Memory and the Family Album”, in AA.VV., Family Snaps: The Meanings of Domestic
Photography, SPENCE, Jo, e HOLLAND, Patricia, ed., p. 2. Anexo 2, Referência 193, p. 154.
55
Charles Sanders Peirce, “Sign”, in AA.VV., Dictionary of Philosophy and Psychology Vol II [em linha], Open
Library, 1902, p. 527 e 528.
56
Roland Barthes, A Câmara Clara, p. 99.
57
John R. Grimes, “Being in a Circle of Family”, in Trevor Fairbrother, Family Ties: A Contemporary Perspective,
p. 13. Anexo 2, Referência 194, p. 154.

82
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

de um ser humano – e afectam o desenvolvimento da personalidade e do temperamento, de


um modo geral, o conjunto básico de elementos que constituem a identidade individual.»58

Um ser humano é «simultanemante uma entidade física separada e parte de uma entidade
social mais vasta, a família.»59

Numa primeira leitura superficial, Memória do Tempo pode não ser descrito como um auto-
retrato no seu sentido mais tradicional. No entanto, desafiando os seus limites, a direcção
que o conjunto adopta em direcção à auto-exploração, aproxima-o ao que outrora
caracterizou os auto-retratos do passado.

Memória do Tempo é o produto de um processo de familiaridade; os olhares que “troco” com


os que povoam o interior das imagens, estrutura uma forma complexa de auto-retrato que
revela o conceito de identidade como algo necessariamente relacional e familiar, assim
como fragmentado e disperso. O facto de me representar por elementos familiares reflecte a
pluralidade e as teias relacionais que constituem o conceito de identidade.

Sobreponho deliberadamente o auto-retrato e o retrato de família pois há um contínuo


subjacente a estes géneros. A identidade deriva necessariamente do processo familiar de
formação do sujeito. Nesse sentido, um auto-retrato pode surgir através da representação
do círculo familiar que participa directa e activamente na construção da identidade.

A fotógrafa Britânica Jo Spence foi uma das primeiras a utilizar fotografias da sua infância e
retratos de família antigos para investigar a sua inserção social no que diz repeito ao género
e classe; a sua identidade.60 Com Rosy Martin desenvolveu aquilo a que chamou «foto-
terapia», um processo reconstrutivo baseado numa terapia psicológica em que fazia novos
retratos fotográficos com o objectivo de «interromper, substituir ou refazer» os aspectos da
sua personalidade.61

Momme, de Janine Antoni,62 explora claramente a noção de que um ser humano é um


repositório de informação cultural, familiar e genética. À primeira vista a fotografia parece ser
apenas um retrato de uma mulher de meia-idade sentada numa poltrona. Envergando um
longo vestido branco, a figura contempla a luz que emana da janela a seu lado, inundando o
espaço de uma luminosidade misteriosa. Numa pequena mesa de madeira encontra-se um
barco em miniatura e dois adereços que parecem simbolizar a passagem do tempo: uma
jarra de flores e fotografias antigas de família.

Numa segunda leitura, o observador acaba por reparar no abdómen proeminente da


personagem, mas rapidamente conclui que a idade da mulher provavelmente não a
permitirá estar grávida. O mistério é resolvido quando reparamos que em vez de dois pés
descalços, existem três pés a espreitar por baixo do vestido da mulher. Concluimos que
Antoni se colocou cuidadosamente sob o vestido da sua mãe, numa reencenação ritualística
do regresso ao útero materno.
58
Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 70. Anexo 2, Referência 195, p. 154.
59
Ibidem. Anexo 2, Referência 196, p. 154.
60
Consultar Anexo 3 [II.] p. 204.
61
Jo Spence e Rosy Martin, “Photo Therapy: New Portraits for Old 1984 Onwards, in Jo Spence, Putting Myself
in the Picture, p. 172-193.
62
Consultar Anexo 3 [II.] p. 205.

83
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 4. DIMENSÃO CONCEPTUAL DE MEMÓRIA DO TEMPO

Momme mostra-nos três gerações: a artista, que parece afligir-se com a ideia de perder a
sua mãe; a mãe de Janine Antoni, que parece aceitar que o seu tempo passou e a mãe da
sua mãe, que surge memorializada na fotografia emoldurada sobre a mesa de apoio.

A identidade não é um conceito individual mas algo que se define através das relações
familiares. Deste modo, as fronteiras que eventualmente separariam um auto-retrato de um
retrato de família são difusas.

84
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 5. CONCLUSÃO

Capítulo 5 Conclusão

5.1 Considerações Finais

Marianne Hirsch refere-se à relação que temos com as imagens dos nossos antepassados
como «pós-memória», distinguindo-a da Memória devido à distância geracional e da História
devido a uma profunda ligação pessoal.1

Memória do Tempo é simultaneamente um repositório de memória e «pós-memória».


Apresentando-se ao mesmo tempo como um retrato singular, um retrato de família e uma
auto-representação, conflui num objecto único as memórias da minha avó, as memórias dos
meus antepassados e as pós-memórias que deles construí e que conjuntamente me
constroem.

Como Hirsch afirma «a pós-memória é uma forma poderosa e muito particular de memória
precisamente porque a sua ligação ao objecto ou fonte é mediada não através da
reminiscência mas através de um investimento da imaginação e da criatividade. Isso não
significa que a própria memória não seja mediada, mas que está ligada mais directamente
ao passado. A pós-memória caracteriza a experiência daqueles que cresceram rodeados
por narrativas que precederam o seu nascimento, cujas próprias histórias são influenciadas
pelas histórias das gerações precedentes…».2

No seu limite, mesmo quando interpretado como um retrato de família ou enquanto retrato
singular, Memória do Tempo continua a actuar no domínio da «pós-memória», pois a edição
das imagens dentro das imagens que o constituem foi feita por mim, que me situo pelo
menos a uma geração de distância. A memória de que se fala em Memória do Tempo, mais
do que a memória da minha avó, é uma memória mediada, construída.

O material fotográfico arquivado pela minha avó, a sua memória vivida e oralmente descrita,
foi o ponto de partida para a construção de uma memória fabricada. Deste modo, Memória
do Tempo fala-nos de uma memória dupla ou desdobrada. Não a memória directa da minha
avó mas a que construí através das suas memórias.

Habitualmente a fotografia torna os objectos visíveis. No entanto, Memória do Tempo


dedica-se em grande parte à evocação do invisível: relações, emoções e memórias. Afirma
a proximidade entre a vida e a morte e procura usar uma para contrariar a finalidade da
outra. O seu objectivo é a imortalidade. Através do reforço das capacidades de memória da
fotografia, procura neutralizar a morte e a ausência.

A memória como fantasma do passado é continuamente evocada, reanimada como


componente real do presente. Situadas entre o passado e o presente, as imagens de
Memória do Tempo constituem-se como máquinas do tempo. Através da manipulação
temporal, levam-nos a relembrar aqueles a quem se dedicam, a senti-los como seres vivos,
como espectros de presenças reais na actualidade.

1
Marianne Hirsch, Family Frames: Photography Narrative and Postmemory, p. 22.
2
Ibidem. Anexo 2, Referência 197, p. 154.

85
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO 5. CONCLUSÃO

O estudo de Memória do Tempo ajudou-me a concluir que não consigo conceber o meu
trabalho na área artística desligado de um universo pessoal de experiências. A ligação entre
a arte e a vida é o campo em que pretendo continuar a minha pesquisa, a partir de histórias
e imagens que vou encontrando de um passado que embora não seja o meu, ainda faz
sentir a sua influência.

A resposta de Robert Adams à questão: “Porque é que as pessoas fotografam”, faz sentido
hoje, mais do que nunca – «Na melhor das hipóteses, fotografamos pelo que está diante da
câmara (…). Nunca o conseguimos na perfeição, mas em troca recebemos algo perfeito –
um sentimento de pertença. O tema redefine-nos e faz parte da biografia pela qual
queremos ser conhecidos.»3

3
Robert Adams, Why People Photograph, p. 179. Referência 198, p. 154.

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102
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Anexo 1

O Retrato Pictórico

A pintura de retrato manifestou-se ao longo da História da Arte de formas diversas e por


diferentes motivos.

A arte Pré-Histórica apresenta poucos exemplos de representação humana que possam


efectivamente ser classificados como retrato, pois o desenvolvimento do género requer um
ambiente histórico-cultural que nesse período não existia.

Entre os primeiros indícios de representação da figura humana encontram-se as pinturas


das grutas de Lascaux no entanto, o humano ainda não surge enquanto elemento central
das composições em que se encontra.

Visto a grande maioria das pinturas rupestres representarem essencialmente animais


ferozes, alguns historiadores sugerem que estas primeiras manifestações artísticas
provavelmente fariam parte de rituais que precediam as caçadas. A pintura de cenas em
que os caçadores se sagravam vitoriosos perante a presa, funcionaria como amuleto e
ajudaria a criar uma sensação de confiança no grupo. As noções primitivas de religiosidade
e santidade surgiram pela primeira vez através da objectificação da vida em arte e mito. As
primeiras pinturas em grutas elevaram a narração de histórias e a interacção social que
delas derivava a estatuto de ritual mágico-religioso.

Ainda que a Pré-História não seja observada enquanto berço da arte do retrato, uma notícia
recentemente publicada pelo jornal inglês The Guardian dá conta da descoberta daquilo que
arqueólogos especializados acreditam ser um desenho de um rosto humano com cerca de
vinte e sete mil anos. A pintura foi encontrada em Angoulême, França, e pensa-se ter sido
executada cerca de 25.000 A.C., o que a transforma no retrato mais antigo alguma vez
produzido.

«A única razão que nos permite garantir que as pessoas que pintaram as cavernas na Idade
do Gelo eram tão humanos como nós, ou seja, que utilizavam o cérebro de forma
semelhante à nossa, é o facto de terem produzido arte. Nenhum outro animal produz arte.
Agora, a arte mais recente apresenta, literalmente, uma face humana. (…) Esta face,
construída por seres humanos cuja existência se assemelhava, mais do que possamos
imaginar, à de animais que caçavam e eram caçados, num mundo de mamutes lanudos,
tigres com dentes de sabre e outros animais que, até agora, pareciam ser os personagens
principais da arte das cavernas. E no entanto, o retrato mostra que estes homens
reconheciam o animal diferente, aquele que os podia fitar de forma particular e reflecti-los.»1

O retrato é um dos temas mais antigos do mundo da arte; existe desde o nascimento da
própria Pintura, no momento em que o Homem passou a ter consciência de si próprio.

Na grande maioria das Civilizações da Antiguidade as únicas figuras humanas que se


representavam pictoricamente remetiam para a glorificação e adoração dos deuses. Foi com
a atribuição do estatuto de divindade aos faraós do Antigo Egipto que a verdadeira História
1
Jonathan Jones, Old masters [em linha], The Guardian, 6 de Junho de 2006. Anexo 2, Referência 199, p. 154.

103
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

do Retrato teve o seu início. Pela primeira vez surgiu o conceito de representação enquanto
registo visual do passado.

Imagens pintadas dos faraós e dos deuses cobriam as paredes dos templos, túmulos e
palácios, mas não se encontravam acessíveis à população em geral.

A lei da frontalidade,2 aplicada pelos pintores do reino, e o hieratismo3 característico das


representações antigas, acentuavam a grandiosidade do perfil do faraó. A falta de
preocupação com a proporção e o afastamento do ‘realismo’ estilístico, característico dos
cânones de representação do Antigo Egipto, sublinhavam a importância do sujeito
representado em detrimento da mimésis.

Na Grécia Antiga, na sua fase pré-Helenista, os objectos de representação socialmente


aceites encontravam-se bastante limitados. Apenas o panteão de Deuses era passível de
representação escultórica, ainda assim com diversas restrições. O mais comum do ponto de
vista temático seria sempre optar pela representação de um Deus do sexo masculino, com o
peso da idade em evidência; optar pela representação de um Deus como Hermes,4
enquanto jovem atlético, era considerado um acto de carácter quase revolucionário.

Com o despontar do Helenismo certas restrições temáticas foram abolidas, embora


continuasse a ser esperado que uma obra de arte devesse sempre retratar uma divindade.
Os artistas do período Helenista viveram uma fase de alguma liberdade em termos
estilísticos no que respeitava à representação de entidades de carácter divinatório; para
além de ter passado a ser aceitável a concepção escultórica de deusas, a determinação da
sua fisionomia, pose e modo de representação passaram a estar sujeitas essencialmente ao
gosto de cada artista. Não existem duas Vénus exactamente iguais ao longo dos quase dois
séculos que compreenderam esta fase de ouro de uma das maiores civilizações da
Antiguidade.

2
Convenção de representação da figura humana através do recurso a dois pontos de vista em simultâneo. A
figuração através deste cânone de representação adquire uma forte componente estática, solene e dignificante.
A Lei da Frontalidade funda-se no princípio da valorização dos atributos que caracterizam cada elemento do
corpo humano. Desenhado de perfil, o rosto é mostrado ao máximo. O olho é representado de frente, por ser
este o seu aspecto mais característico e revelador. O tórax também surge de frente mas as pernas e os pés, são
desenhados de perfil.
3
Disposição das figuras no espaço obedecendo a uma ordem decrescente, do mais sagrado para o menos
sagrado.
4
Hermes, defensor da Humanidade perante os Deuses do Olimpo, foi sempre uma das entidades de maior
devoção por parte dos gregos. Filho de Zeus e da ninfa Maia, o seu centro de culto encontrava-se baseado na
região da Arcádia, local onde se acreditava ter nascido. Considera-se que o seu nome terá origem na palavra
‘herma’, termo grego que designava os montes de pedra que se utilizavam para demarcar os caminhos.
Frequentemente associado às divindades da vegetação tais como Pã e as ninfas, a Hermes couberam diversas
atribuições: protector dos rebanhos, das estradas e dos viajantes, mensageiro e intérprete da vontade dos
Deuses, condutor das almas ao mundo inferior (Hades), Deus da fortuna, da riqueza e do comércio, Deus da
eloquência e da arte de bem falar, Deus da fertilidade, do sono e dos sonhos. Apesar do virtuosismo de grande
parte das suas atribuições, era também considerado o patrono dos ladrões, astuto e perigoso. De acordo com a
mitologia grega, no dia do seu nascimento terá fugido do berço e ido a Tessália, roubar parte do gado do seu
irmão, o Deus Apolo, escondendo-o numa caverna. Apolo terá descoberto o roubo e embora o mesmo tenha sido
negado por Hermes, o Deus recém-nascido foi conduzido à presença de Zeus que o obrigou a proceder à
devolução dos animais. A reconciliação entre os dois irmãos ter-se-á dado quando Hermes ofereceu a Apolo
uma invenção da sua autoria que o encantou, a lira. Em troca Apolo ter-lhe-á oferecido gado e o caduceu.
Nas imagens mais antigas Hermes surge representado por um homem adulto, com barba, envergando uma
longa túnica, ou enquanto pastor, carregando um carneiro sobre os ombros. Posteriormente, já no período
Helenista, surge representado por um jovem atlético e imberbe, como servente especial de Zeus, envergando um
capacete e sandálias aladas e carregando o caduceu, um bastão entrelaçado por cobras e também ele coroado
por asas que através de propriedades mágicas, estaria destinado à distribuição da fortuna.

104
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

A arte da Grécia Clássica procurava exaltar a beleza da figura humana, materializando


arquétipos de beleza, proporção e perfeição anatómica.

A arte romana bebeu essencialmente de duas fontes: a arte etrusca, orientada para a
expressão da realidade e a greco-helenística, vocacionada para a expressão de um ideal de
beleza. Apesar da influência das concepções artísticas helenísticas, o temperamento dos
romanos, mais realistas e práticos, fez com que optassem por representar com maior
fidelidade os traços particulares dos indivíduos retratados, o seu carácter, personalidade e
estados de espírito, em detrimento da hipotética perfeição idealizada pelos gregos.

O que acabou por ocorrer foi uma acomodação entre a concepção artística romana e a
grega.

Era frequente os artistas romanos conceberem a cabeça e aproveitarem o corpo de um


deus esculpido por um grego; copiavam e modificavam as escultoras gregas pré-existentes.

A estatuária romana teve o seu maior êxito nos retratos, dedicando-se essencialmente à
representação dos imperadores e dos homens da sociedade.

A maioria dos retratos da Antiguidade que sobreviveram são esculturas ou imagens inscritas
em moedas. Só temos conhecimento que a pintura de retrato desempenhou um papel
significativo entre os gregos e os romanos através de relatos escritos por Plínio:

«Retratos individuais correctos foram transmitidos às gerações futuras através da pintura;


(…) A existência de um fascínio antigo pelo retrato é-nos transmitido quer por Atticus, o
amigo de Cícero que escreveu uma obra sobre o tema, quer por M. Varro, que desenvolveu
a ideia algo liberal de inserir, de uma forma ou de outra, nos seus inúmeros volumes,
retratos de setecentos indivíduos, já que não podia conceber que os traços das suas
fisionomias se perdessem para sempre ou que a passagem dos séculos levasse a melhor
sobre a humanidade. Foi por isso o inventor de um benefício para os seus concidadãos, que
poderia ter sido invejado pelos próprios Deuses; conferiu-lhes não só a imortalidade mas
também a transmitiu à face da Terra outorgando-lhes desta forma a omnipresença que
permite que cada um ocupe o seu nicho individual. Varro prestou também este serviço a
pessoas que não pertenciam à sua família.»5

Na Antiguidade, antes da invenção da pintura a óleo, as tintas eram menos resistentes à


influência destrutiva do tempo e do meio ambiente. Para além disso, sabe-se que grande
parte dos retratos eram pintados em painéis de pequena dimensão, destinando-se ao uso
privado logo, eram mais susceptíveis de perda. A perícia técnica dos pintores romanos só é
evidente a partir das imagens que sobreviveram em Pompeia, tal como o retrato de uma
mulher encontrado na Casa dei Dioscuri, a poetisa grega Sappho.

Nos séculos I a III d.C., durante a ocupação Romana do Egipto, surgiu um tipo de retrato
funerário que se destinava a preservar a memória e a vida para além da morte. Por terem
sido encontrados maioritariamente na necrópole do Oásis de Fayum, ficaram conhecidos
por Retratos de Fayum. Como denota John Berger, «serviam uma função pictórica dupla:

5
Caio Plínio Segundo, “The Honour Attached to Portraits” in The Natural History [em linha], Perseus Digital
Library, vol. XXXV, cap. 2, 1855. Anexo 2, Referência 200, p. 155.

105
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

eram images de identidade – como fotografias de passaporte – para o morto, na sua viagem
com Anubis (…); em segundo lugar, e brevemente, serviam como lembrança do falecido
para a família do morto.»6

Embora fossem colocados em sarcófagos, como na antiga tradição egípcia, os Retratos de


Fayum eram pintados em vida. «Pintar era nomear, e ser nomeado era uma garantia de
continuidade. (…) o pintor de Fayum era convocado não para fazer um retrato, no sentido
em que hoje entendemos o termo, mas para registar o seu cliente»,7 pois as imagens de
Fayum são acima de tudo a colaboração entre o pintor e o retratado, na preparação da sua
morte. «Eram imagens destinadas ao enterro, sem um futuro visível.»8

As imagens de Fayum eram de pequena dimensão, pintadas em painéis de madeira pela


técnica da têmpera ou da encaustica,9 e apresentavam um naturalismo extraordinário.

Os Retratos de Fayum são verdadeiras relíquias arqueológicas, artefactos de uma enorme


riqueza histórica, material e plástica; um registo da confluência entre as civilizações Egípcia,
Grega e Romana: egípcias no seu simbolismo e uso, gregas na sua técnica pictórica e
romanas pelo seu contexto social.

Pela sua técnica e expressão no tratamento do rosto humano, os Retratos de Fayum


ilustram os fundamentos técnicos de toda a História da Pintura, assim como as suas razões
morais, psicológicas, de conteúdo e significado.

A sua vivacidade e naturalidade revelam um artista conhecedor dos humores humanos e


suas expressões fisionómicas. Foram pintados há mais de dois mil anos, mas ainda
conservam um sopro de vida.

A simplicidade, economia de meios e os pouquíssimos pormenores que os retratos de


Fayum apresentam, contribuem para a representação de indivíduos que parecem
despregados de temporalidade, na orla do tempo; suspensos na eternidade, num limite que
já não é o da sua vida, mas também não é o da sua morte.

A pintura de tradição bizantina difere radicalmente dos conceitos de arte clássicos que se
baseavam na beleza física. Nos ícones bizantinos as figuras apresentavam uma carência
total de realismo. A cabeça não respeitava a proporção com o resto do corpo, pois era nela
que residia a inteligência e sabedoria. Os rostos eram quase sempre representados
frontalmente pois eram considerados o centro espiritual do ícone. A magreza dos corpos
indicava a superioridade do espírito sobre a carne, salientando a renúncia dos bens
materiais e todos os assuntos terrenos.

A iconografia bizantina procurava acima de tudo a espiritualidade, pois a beleza interior tinha
primazia sobre a estética.

6
John Berger, “The Fayum Portraits”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 124. Anexo 2,
Referência 201, p. 155.
7
John Berger, “The Fayum Portraits”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 125. Anexo 2,
Referência 202, p. 155.
8
Ibidem. Anexo 2, Referência 203, p. 155.
9
Na técnica da encáustica os pigmentos eram misturados com cera de abelha quente ou fria e outros
ingredientes tais como ovo, resina e óleo de linhaça. Este médium versátil permitia aos pintores criar imagens
que formalmente se aproximavam das concebidas pela técnica do óleo, apenas empregue séculos mais tarde.

106
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

A época Medieval foi um período de intenso fervor religioso e feudalismo. Centrando grande
parte do poder em si própria, assim como bens e riqueza, a Igreja exercia uma forte
influência no panorama artístico, impondo-se como o seu maior mecenas ao longo de toda a
Idade Média. Visto a fonte de sustentabilidade económica dos artistas se ter voltado para a
Igreja, também as temáticas e suportes foram forçados a centrar a sua atenção neste novo
patrono. Deste modo, do ponto de vista do retrato, as figuras de eleição em termos de
representação eram Jesus, a Virgem Maria e José, a par dos líderes religiosos, anjos e
santos. O vitral ganhou uma enorme relevância enquanto suporte, a par das esculturas em
pedra que adornavam as paredes das catedrais, tornando visíveis os espíritos invisíveis.

Podemos afirmar que a noção de indivíduo não existia na Idade Média, o que acabava por
inviabilizar o desenvolvimento do retrato. Numa sociedade focada no teocentrismo, na qual
o indivíduo só tinha consciência de si mesmo como membro de uma raça, povo, classe,
família ou corporação, as representações do rosto humano apresentavam fisionomias que
correspondiam a um estereótipo que não parecia retirado do natural. Na Idade Média o
retrato afastou-se da tradição clássica romana, restringindo-se a fisionomias imaginadas,
estilo retrato-tipo. O facto de não existir verosimilhança nestas representações é indicador
de que a noção de individualidade ainda não estava amadurecida nessa época.

Embora não possa ser considerada precursora do retrato moderno, a escultura gótica
medieval demonstrou uma tendência evidente no sentido da desconstrução através da
caricatura. Actualmente existem muitos retratos que não se baseiam no princípio da
semelhança mas numa operação de desconstrução do sujeito, cujo percurso pode ser
traçado até à Idade Média, onde a face humana foi ostensivamente distorcida em formas
demoníacas ou glorificada em rostos angelicais idealizados.

À semelhança do retrato da Grécia Antiga, a estilização de funções específicas traduziu-se


em máscaras anatómicas estipuladas para o efeito – um cânone fisionómico. Deste modo, a
função primordial de lembrança que podemos atribuir a um retrato era assegurada não pelas
imagens em si, que tendiam para o afastamento do real, mas através da colocação de
inscrições com o nome do retratado.

Embora a consciência de indivíduo ainda não estivesse totalmente desenvolvida, e os


conceitos de artista e assinatura não existissem, sabe-se que alguns pintores da época
marcaram as suas obras com o seu nome.

Na Europa Medieval a pintura de retrato era executada com recurso à têmpera,10 técnica
que dava origem a obras de arte coloridas, marcadas por fortes contrastes de luz e sombra.

10
Técnica de pintura baseada na mistura de pigmentos naturais em pó com uma substância aglutinante solúvel
em água, tal como a gema de ovo, mais comum na era Medieval. A têmpera à base de gema de ovo foi muito
utilizada na pintura Europeia entre os séculos XIII e finais do século XV, tanto em frescos como em painéis de
madeira previamente preparados com gesso, mas dada a sua longa durabilidade conhecem-se exemplos desde
o tempo do Antigo Egipto. As cores obtidas através desta técnica são brilhantes e translúcidas no entanto, pelo
facto dos materiais terem um tempo de secagem rápido, tornava-se difícil a obtenção de graduações de tons
suaves e velaturas. Para uma aproximação a tais efeitos era necessário aplicar finas camadas de tinta
sobrepostas sobre o suporte, semi-opacas ou transparentes, acrescentando pequenos pontos ou linhas de
outros tons sobre a matéria já seca. Pelo facto da têmpera não poder ser aplicada em camadas mais espessas,
raramente encontramos pinturas efectuadas nesta técnica com a profundidade e saturação que é possível atingir
através da pintura a óleo. Por outro lado, a pintura a têmpera tem a vantagem de não ter as suas cores alteradas
pela passagem do tempo. Embora a técnica tenha sido suplantada pela pintura a óleo a partir do Alto

107
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Séculos mais tarde, na Flandres, Jan van Eyck introduziu uma nova técnica que permitiria a
obtenção de uma paleta cromática ainda mais versátil e o alcance de contrastes luminosos
de uma sofisticação sublime, a pintura a óleo.11 Na Renascença italiana e francesa o
recurso ao óleo deu origem a uma reverência pela figura humana ainda maior do que a
devoção nela depositada pela arte religiosa medieval; o ser humano passou a ser o principal
foco do imaginário dos artistas. Deste modo, o retrato tornou-se um dos géneros mais
populares da pintura, sendo utilizado, na ausência da fotografia, para o registo de famílias
nobres e burguesas, assim como arma de propaganda pela Igreja Católica como forma de
demonstração do seu poder. A título de exemplo refere-se a obra de Rafael que retrata o
Papa Leão X com os Cardeais Luigi de Rossi e Giulio de Medici.

Embora a pintura a óleo tenha oferecido aos artistas do Renascimento um modo de


expressão da luz e da cor mais preciso, o desenvolvimento da forma e da perspectiva
adveio do estudo dos modelos clássicos. Visto que a maior parte das pinturas da
Antiguidade Clássica se perderam, foi através dos relatos de Plínio o Velho que os pintores
do Renascimento italiano retomaram os ideais da estética grega:

«Enumerarei agora, de forma tão breve quanto possível, os mais eminentes de entre os
pintores; (…) Foi (…) Cimon, quem primeiro inventou o desenho em escorço, (…) e quem
primeiro aprendeu a variar os personagens representando-os em atitudes diversas (…). Foi
também ele quem primeiro marcou as articulações dos membros, traçou as veias e
transmitiu as dobras naturais e sinuosidades dos tecidos. (…) Polygnotus de Thasos foi, por
exemplo, quem primeiro pintou o género feminino sob tecidos transparentes e quem
representou a cabeça coberta por chapéus de cores variadas. Contribuiu para a arte da
pintura com outros avanços, como por exemplo, o abrir da boca mostrando os dentes, e
transmitindo expressão ao semblante, em lugar da antiga rigidez dos traços fisionómicos.
(…) Apollodorus de Atenas (…) foi o primeiro a pintar objectos tal como realmente se nos
oferecem; (…) Parrhasius de Êfeso também contribuiu de forma significativa para o avanço
da pintura, tendo sido o primeiro a conferir simetria às suas imagens, o primeiro a transmitir
uma atitude performativa e expressão aos personagens, elegância aos cabelos e
graciosidade à boca; na realidade, e no que respeita ao contorno, é universalmente admitido
entre os artistas que ele lhes levou a palma. (…) Para que o contorno extremo seja
adequadamente executado tem que ser delicadamente arredondado acabando por provar a
existência de algo mais por detrás dele mesmo, desvendando aquilo que ele próprio é
também suposto esconder.»12

A abundância de imagens de perfil que marcou o retrato do Renascimento italiano advém do


interesse que manifestaram perante o trabalho de medalhística e pintura da Antiguidade:

Renascimento, a sua utilização tem sido alvo de alguns revivalismos; de William Blake, aos Pré-Rafaelitas,
Giorgio de Chirico ou Otto Dix.
11
A pintura a óleo advém da aglutinação de pigmentos com óleo de linhaça. A mistura pode ser aplicada em
camadas finas, empastes espessos ou velaturas. Pensa-se que a técnica terá surgido pela primeira vez no
Afeganistão, entre os séculos V e IX, apesar de só ter sido utilizada no Ocidente a partir do século XV. O
primeiro artista a utilizar o óleo na Europa foi o pintor Flamengo Jan van Eyck. A pintura a óleo tem tendência a
escurecer ou tornar-se amarelada com a passagem do tempo.
12
PLÍNIO SEGUNDO, Caio, “The Age of Painting; With the Names of the More Celebrated Works and Artists,
Four Hundred And Five in Number”; “The First Contest for Excellence in The Pictorial Art”; “Artists who Painted
with the Pencil” in The Natural History [em linha], Perseus Digital Library, vol. XXXV, caps. 34-36,1855. Anexo 2,
Referência 204, p. 155.

108
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

«Appeles de Cos (…) contribuiu mais para a pintura do que todos os outros em conjunto,
tendo chegado ao ponto de publicar alguns tratados acerca dos princípios da arte. (…).
Pintou retratos de tal forma realistas que tal facto chegado ate nós através dos escritos do
gramático Apion se assemelha de todo inverosímil. (…) Pintou também um retrato do Rei
Antigonus, e como o monarca era cego de um dos olhos, desenvolveu um método que lhe
permitiu disfarçar tal defeito. Com esse objectivo representou-o de perfil, de tal forma que o
que era na realidade um defeito do sujeito pudesse ser antes visto como uma deficiência do
quadro, fazendo sua a preocupação de representar somente aquele lado da face que
poderia representar sem qualquer deficiência.»13

A transferência do monopólio do poder de mecenato, da Igreja para a aristocracia local,


permitiu o desenvolvimento de um leque temático mais extenso e diversificado. Ao contrário
da época medieval, cuja ênfase se encontrava no divino e na ascese, a Renascença italiana
e francesa focava-se no individualismo, valorizando o talento e o trabalho, no racionalismo e
no abandono do mundo sobrenatural, no universalismo, caracterizado pela descoberta do
mundo, no humanismo,14 antropocentrismo15 e consequente aperfeiçoamento do desenho
da figura humana. Iniciou-se um período de crescente valorização do conceito de identidade
individual. Deste modo, o sul da Europa tornou-se um pólo de grande dinamismo ao nível do
desenvolvimento do retrato, ditando a evolução do tema nos dois séculos que se seguiram.

«Quando este impulso rumo ao superlativo desenvolvimento individual se combinou com


uma forte e variada natureza, que dominava todos os elementos da cultura da idade, surgiu
o ‘homem universal’ – l’uomo universale – que pertencia em exclusivo a Itália. (…) Em Itália,
no período Renascentista, encontramos artistas que produziram trabalhos perfeitos em
todos os ramos da arte e que deixaram fortes marcas enquanto seres humanos. Outros, fora
das artes que praticavam, eram mestres num vasto círculo de interesses espirituais.»16

Na Flandres o espírito artístico da época tinha como base o naturalismo, acentuando a


natureza e a reprodução de texturas orgânicas em detrimento da materialização das
subtilezas luminosas e de profundidade, características da pintura italiana.

Os artistas renascentistas do Norte da Europa também se dedicaram à representação da


figura humana no entanto, muitas vezes faziam-no de uma forma mais impessoal, pintando-
os simplesmente como sendo mais uma peça do cenário, ou melhor, dedicando-lhes a
mesma atenção que despendiam com o ambiente envolvente. Foi na região da Flandres que
pela primeira vez na História da Civilização Ocidental, surgiu a pintura ao ar livre, longe dos
estúdios e da aristocracia mecenática; atitude que contrastava em absoluto com a dos

13
Ibidem. Anexo 2, Referência 205, p. 156.
14
Filosofia moral que coloca o humano como ser primordial. É uma perspectiva comum a diversas posturas
éticas que atribuem a maior importância à dignidade, aspirações e capacidades humanas, em especial a
racionalidade. O seu significado filosófico essencial destaca-se em oposição ao apelo ao sobrenatural ou a uma
entidade superior. Para os humanistas a curiosidade intelectual era vista como uma força criadora. Deste modo
nasce o espírito crítico que se opunha à postura submissa característica da Idade Média. Francesco Petrarca é
tradicionalmente considerado o pai da filosofia humanista que conduziu à Renascença.
15
Doutrina que coloca o Homem como referência para o entendimento do Universo. É uma concepção filosófica
e cultural centrada no ser humano. O termo tem origem no grego ‘anthropos’, que significa ‘humano’, e ‘kentron’,
que se refere a ‘centro’.
16
Jacob Burckhardt, The Civilization of the Renaissance in Italy, p. 101. Anexo 2, Referência 206, p. 156.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

artistas italianos, que passavam grande parte do seu tempo no interior dos ‘ateliers’,
trabalhando em prol do aperfeiçoamento das formas do humano na arte.17

Os primeiros retratos do Renascimento Flamengo apresentavam os representados de perfil,


à semelhança da tradição italiana. Posteriormente evoluíram para retratos a três quartos ou
mesmo em posição quase frontal. Andreas Beyer chega a afirmar que a história do retrato
pode ser representada como a trajectória de um movimento no qual a face se vira
gradualmente para o observador:

«A história do retrato na era moderna pode de facto ser interpretado como o “decorrer de um
movimento” no qual a face se volta, de forma gradual, para o observador. A natureza
tentativa do percurso do retrato, e o ponto até onde o género se manteve “passivo”, estão
maravilhosamente captados numa caracterização de Otto Pächt, que disse destes retratos:
“O que está retratado é o estado de ser olhado, não o de olhar”.»18

O século XV foi um ponto de viragem na história do retrato ao marcar o início da


profissionalização da pintura deste género na Europa. Os ideais de liberdade que marcaram
a Renascença permitiram que pela primeira vez, particularmente na pintura, os artistas
pudessem começar a desenvolver um estilo pessoal, diferente dos demais. Esta valorização
do indivíduo manifestou-se na busca de fama, uma noção diametralmente oposta aos ideais
medievais do Homem anónimo, ao serviço de Deus, despojado de vaidades pessoais.

Foi durante o Renascimento que surgiram, pela primeira vez, os conceitos de artista e
assinatura da obra. Este, ao contrário do artesão, não se limitava ao ofício que o
caracterizava; mais do que um mero executante da obra, ele era o seu criador, o que a
idealizava. Deste modo, para além de dominar as técnicas próprias do seu ofício, deveria
procurar ser um Homem de conhecimento universal. Leonardo da Vinci foi um paradigma
deste conceito renascentista no entanto, cerca de catorze séculos antes, quando Plínio se
referiu a Pamphilus19, já anuncia uma figura que poderá ser vista como precursora deste
Homem completo; de um primeiro enlace entre a arte e a ciência: «Pamphilus (…) foi o
primeiro pintor com conhecimento em todas as outras ciências, em particular em aritmética e
geometria, sem as quais, defendia, a arte da pintura nunca poderia atingir a perfeição.»20

17
Motivados pelo desejo de alcançar a perfeição e um maior realismo ao nível da concepção da figura humana,
os artistas da Renascença Italiana tornaram-se anatomistas de excelência. Embora não fosse fácil conseguir
permissão, ou mesmo oportunidade, para a dissecação directa de corpos humanos, na primeira década do
século XVI as investigações anatómicas levadas a cabo por artistas ultrapassaram largamente o conhecimento
leccionado nos pólos universitários da época.
Através de uma investigação anatómica minuciosa, Leonardo Da Vinci e Miguel Ângelo tornaram-se figuras de
proa na contribuição para uma nova forma de conceber o desenho do rosto e corpo humano. Era frequente
fazerem estudos e desenhos de corpos ou membros dissecados, de forma a explorarem mais eficientemente o
seu potencial artístico, embora a maioria dos artistas que fazia investigação neste campo limitasse o seu estudo
à superfície da pele, explorando a aparência dos músculos, ossos e tendões através de desenhos altamente
pormenorizados obtidos a partir de um modelo vivo. Os artistas do Renascimento contribuíram substancialmente
para a criação de um vocabulário anatómico preciso e consistente, tanto do ponto de vista artístico como
científico, através de ilustrações altamente detalhadas que foram registando cada nova descoberta.
18
Andreas Beyer, Portraits: A History, p. 38. Anexo 2, Referência 207, p. 156.
19
Pamphilus de Amphipolis foi um importante pintor Macedónio do século IV a.C. discípulo de Eupompus,
fundador da Escola de Pintura de Sicião. Não existem vestígios das suas obras, apenas relatos escritos. Como
Professor, foi um dos grandes Mestres da Antiguidade, iniciando o método do ensino científico da arte. Apelles,
retratista de Alexandre Magno e conhecido por ter sido o mais virtuoso pintor da Grécia Antiga, foi seu discípulo.
20
Caio Plínio Segundo, “Artists who Painted with the Pencil” in The Natural History [em linha], Perseus Digital
Library, vol. XXXV, cap. 36, 1855. Anexo 2, Referência 208, p. 156.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Na escultura, na pintura e na arquitectura, muitas das obras serviam para exaltar o poder e
popularidade conquistada pelas personalidades. Inicialmente, tanto em Itália como na
Flandres, as figuras retratadas surgiam enquanto figurantes em cenas religiosas. Na
Santíssima Trindade de Santa Maria Novella, em Florença, Masaccio representou os
doadores da obra no plano inferior da pintura.

Nas décadas seguintes Jan van Eyck na Flandres e Pisanello em Itália começaram a
produzir retratos de corpo inteiro de indivíduos particulares. O retrato autonomizou-se e o
sujeito começou a ser representado por si só, enquanto tema em si. É o caso do retrato do
Casal Arnolfini da autoria de Van Eyck.

A importância deste retrato no panorama da história do género advém do facto de que a


verosimilhança, salientada por uma inscrição, poderia exercer uma função legal. O retrato
deste casal, possivelmente do seu casamento, surge como registo e testemunha da
cerimónia,21 o que transforma a pintura num documento oficial.

Jan van Eyck foi um dos mais influentes pintores da Renascença, e a magnificência do
realismo dos seus retratos expandiu-se muita além da fronteira da Flandres. A sua visita a
Portugal em meados do século XV influenciou decisivamente o pintor Nuno Gonçalves, em
especial na obra que lhe é atribuída, os Painéis de São Vicente, um retrato colectivo cujo
tema se reporta à vitória sobre os mouros em Arzila, que levou à conquista de Tânger. As
dezenas de figuras de todas as classes sociais que surgem retratadas no políptico de seis
painéis, apresentam fisionomias, vestes e atitudes completamente distintas, numa pintura
que se revela quase escultural.

No Renascimento a representação da figura humana ganhou solidez, majestade e poder,


reflectindo o sentimento de autoconfiança e riqueza de uma sociedade complexa e
multifacetada em tendências e influências.

O naturalismo e expressividade de Giotto representaram a vanguarda da visualidade. Em


Masaccio, o Homem adquiriu um aspecto enobrecido. Leonardo da Vinci refinou a técnica
do óleo ao penetrar no terreno do sugestivo. Rafael revelou a doçura, a grandeza e a
harmonia perfeita, e Miguel Ângelo elevou a representação da figura humana a uma outra
dimensão, a do sobre-humano.

A partir do século XVI o retrato iniciou um período de grande diversidade. As figuras


representadas passaram a surgir em cenários detalhados, representadas de corpo inteiro e
pertencentes às mais variadas classes sociais e profissões. A título de exemplo destaca-se
o retrato dos Embaixadores de Hans Holbein o Novo.

O Renascimento foi o precursor da era moderna. A crescente importância dada aos


métodos científicos de investigação veio pôr em causa grande parte das crenças que até
então nunca haviam sido testadas, encontrando-se arreigadas na sociedade e tidas
enquanto verdadeiras; a religião e os seus dogmas perderam o seu poder absoluto, abrindo-
se o caminho para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia como hoje as conhecemos.

21
A imagem do pintor reflectido no espelho do plano de fundo e a inscrição pintada na parede da sala realçam o
papel de testemunha do artista: «Johannes de eyck fuit hic», que significa Jan van Eyck estava aqui.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Considerado por alguns historiadores um estilo autónomo, e por outros, mera transição
entre o Renascimento e o Barroco, o Maneirismo foi a consequência da decadência do
Renascimento no seu sentido mais clássico. Perante as habilidades técnicas e avanços
alcançados no Renascimento, os artistas viram-se forçados a procurar elementos que lhes
permitissem desenvolver tais características.

O Maneirismo renegou a rigidez dos cânones clássicos, orientando-se para a estilização


exagerada e algum capricho ao nível dos detalhes. Deu origem a uma linguagem visual
mais dinâmica, vibrante, subjectiva, dramática e sofisticada, que se permitia distorcer as
proporções da figura humana para alcançar uma maior expressividade, ou por motivos
meramente estéticos:

«Foi descrito como um “estilo com estilo” que elevou os princípios da cultura do gosto
refinado e da intensificação artística, ao ponto da distorção. O sujeito transformou-se, em
algumas circunstâncias, num simples pretexto, numa arena para o exercício da autonomia
artística e para a procura da forma que destruía quaisquer barreiras.»22

As formas esguias, contorcidas e alongadas dos corpos substituíram os membros bem


torneados do Renascimento; os rostos surgem melancólicos e misteriosos, de expressão
impenetrável, em posturas aristocráticas; nas composições de cores brilhantes, a luz detém-
se sobre as figuras, produzindo sombras irreais. Contudo, a expressão interior do retratado
era essencialmente transmitida através da inclusão de acessórios nas pinturas, algo que
não era totalmente inédito, mas que se tornou prática comum no Maneirismo. Giovanni
Paolo Lomazzo no seu Trattato dell Arte della Pittura Scoltura et Architecttura de 1584
enfatiza a crescente importância do simbolismo no retrato maneirista:

«Em primeiro lugar, o artista deve considerar o estatuto de quem vai retratar e em seguida,
deve dar ao retrato o simbolismo que dê a conhecer esse estatuto, como seria para um
imperador a coroa de louros, tal como se vê nas estátuas da antiguidade, e como
judiciosamente o fez Ticiano no Cesar que pintou para o Duque de Mântua, com uma coroa
de louros e um bastão na mão que simbolizam o seu poder, realçados pelo ceptro e a
armadura à antiga; mas com discrição para atenuar a fealdade do traje, para que apesar de
tudo o retrato permaneça belo.»23

Para além dos atributos simbólicos, Lomazzo também indicou regras que ajudariam a
caracterizar a figura representada através de técnicas tradicionais da pintura de retrato. O
teórico de arte refere que um olhar ligeiramente inclinado no sentido descendente indicaria
dignidade; a torção do corpo expressaria virtude e a representação da cabeça em poses
acentuadas seria um sinal de inspiração ou genialidade.

Durante o Maneirismo, o auto-retrato estabelece-se como um subgénero no qual o artista se


retrata e se expressa, numa tentativa de transmissão das suas características físicas e sua
interioridade emocional. Na escolha da paleta, pincelada e no modo como desenha as suas
próprias formas, atribuindo-lhes volume e textura, o artista tece os seus comentários
individuais sobre a natureza e os atributos da arte.

22
Andreas Beyer, Portraits: A History, p. 168. Anexo 2, Referência 209, p. 156.
23
Giovanni Paolo Lomazzo, Trattato Dell' Arte Della Pittura Scultura Ed Architettura Volume II [em linha], Google
Books, 1844, p. 369 e 370. Anexo 2, Referência 210, p. 156.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

É aqui que encontramos, pela primeira vez, o artista moderno, com o seu interior, o seu
tradicionalismo e a sua rebelião em simultâneo, o seu gosto pela vida e pela fuga, o seu
subjectivismo exibicionista e a reserva com que tenta readquirir o último segredo da sua
personalidade.

Auto-retrato num Espelho Convexo da autoria de Parmigianino foi paradigmático do ponto


de vista da inovação. A obra apresenta o primeiro auto-retrato pintado num tondo,24 assim
como a particularidade de representar a imagem do artista reflectida na superfície de um
espelho convexo, o que provoca a distorção da sua mão, em primeiro plano, e do cenário
envolvente.

No século XVI já existiam artistas especializados em retrato e nos séculos XVII e XVIII
tornou-se prática comum na Europa que pintores itinerantes viajassem de povoação em
povoação oferecendo os seus serviços.

Com o despontar do Barroco, encontrando-se o tema do retrato instituído em absoluto por


toda a Europa, diversos artistas perderam dinamismo perante a falta de inovação neste
campo, começando a dedicar-se à criação de cenas mais activas, por vezes até de carácter
narrativo, que ilustravam passagens da cultura tradicional ou regressavam à imagética
religiosa.

Embora fosse um dos géneros favoritos dos coleccionadores, o retrato do início do século
XVII era rígido e académico e só muito raramente os pintores conseguiam encontrar
soluções artisticamente inovadoras nesse campo. A pintura não-naturalista de El Greco foi
uma das excepções. O seu estilo expressivo, com uma clara tendência para a abstracção,
poderia parecer desapropriado para o desenvolvimento de uma temática que se esperava
materializar a verosimilhança do retratado no entanto, por se ter afastado do estilo oficial
dos retratos de corte, El Greco foi um dos retratistas mais bem sucedidos do seu tempo.

Caravaggio veio provar, por outro lado, que o realismo e o respeito pela veracidade
fisionómica não eram a antítese de uma posição inovadora no retrato. Embora a pintura de
retratos autónomos não tenha sido frequente na sua obra, nenhum outro artista do seu
tempo conseguiu representar com tanta fidelidade a realidade romana.

Retrato de Alof com um Pajem é um dos poucos retratos autónomos que pintou. Representa
o Grande Mestre da Ordem dos Cavaleiros de Malta envergando uma armadura e
segurando o bastão de comando, enquanto um jovem pajem lhe transporta o elmo e a
túnica. O escurecimento irregular do plano fundo destaca a figura do Grande Mestre em
detrimento do pajem. A obra de Caravaggio foi marcada por um grande naturalismo e pelo
uso característico do claro-escuro. Frequentemente usava fundos rasos, obscuros, por
vezes totalmente negros, e agrupava a cena em primeiro plano com focos intenso de luz a
incidir sobre os detalhes, geralmente os rostos.

O gosto pelo alto contraste atingiu o seu expoente máximo na arte Barroca; as sombras
tornaram-se tão importantes quanto o tema em si atingindo, de certa forma, estatuto de

24
Termo que surgiu no Renascimento para descrever obras pictóricas ou escultóricas de formato circular. Deriva
do italiano ‘rotondo’, que significa ‘redondo’. Os tondos existem desde a Antiguidade Clássica, como por exemplo
nas imagens circulares inscritas no centro dos vasos pintados. A pintura de tondos foi reavivada nos séculos XV
e XVI, particularmente em Itália, mas desde então a sua execução tem sido menos comum.

113
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

personagem. Através do recurso à aplicação de cores extremamente claras em justaposição


com tons de grande densidade, o tenebrismo tornou-se um componente chave do modelo
artístico Barroco, como técnica de recorte dos objectos, ou mesmo guia de toda a
composição. Este modelo reflectiu-se indubitavelmente na prática do retrato do seu tempo e
influenciou substancialmente a pintura deste tema na América colonial.

O Calvinismo e consequente posição iconoclasta que assolou a região da Flandres na


segunda metade do século XVI reduziram substancialmente as encomendas com origem na
Igreja. A posição crítica do Príncipe d’Orange face aos retratos de corte e de ostentação de
poder levaram os artistas a dedicar-se ao retrato burguês. Deste modo, os pintores
desenvolveram retratos de grupo que enfatizavam a auto-confiança da nova classe, a
virtuosidade dos seus negócios e a pertença a organizações profissionais ou de caridade.
Os retratos de grupo surgiam como contra-exemplo dos esplêndidos retratos dos
governadores da Europa barroca. No entanto, embora este tipo de retrato requeresse uma
encomenda institucional, os representados eram pintados enquanto indivíduos distintos
cujas personalidades transpareciam para lá do cargo que ocupavam, o que demonstra que
contrariamente à virtude de modéstia apregoada pelo Calvinismo, ainda persistia a vaidade
pessoal.

Banquete dos Oficiais da Guarda Civil de S. Jorge, de Frans Hals comprova que a
integração de personagens num grupo não interfere necessariamente com a sua
representação autónoma; nesta obra os retratados quase podem ser identificados pelo
nome. Em vez de pintar uma fileira de retratos, Hals inseriu os retratados num contexto
específico, ao recriar um banquete. Na composição meticulosamente calculada, dispôs os
personagens respeitando a hierarquia militar. O coronel, por exemplo, oficial de maior
patente, surge sentado no topo da mesa.

Na segunda metade do século XVIII as inovações e desenvolvimentos no campo do retrato


encontravam-se de tal forma estagnados, que a maior parte dos escultores e pintores que
se dedicavam ao tema já nem assinavam as obras produzidas. Os padrões estilísticos e
formais estavam de tal forma institucionalizados, que o facto de a obra ser produzida por um
retratista ou por outro era praticamente indiferente.

Nos séculos XVII e XVIII os retratistas reduziam o número de poses a que submetiam o
sujeito ao concentrarem-se somente no rosto e nas mãos e contratarem pintores
especializados em panejamentos para completarem a obra. O artista inglês Sir Peter Lely
utilizava um livro de poses padrão que lhe permitia focar-se exclusivamente no tratamento
do rosto e remeter para os seus pupilos a pintura do resto do corpo, de acordo com a pose
escolhida pelo retratado.

O retrato barroco afastou-se dos semblantes distantes e reservados típicos do


Renascimento. A verosimilhança e cuidado na representação fiel dos aspectos
característicos da personalidade do retratado, longe dos cânones de uma beleza idealizada,
marcaram o retrato nesta época. No entanto, tal só se verificou no tratamento dos rostos e
da cabeça; os corpos das figuras obedeciam a fórmulas de representação pré-
estabelecidas, em poses rígidas e standardizadas.

114
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Apesar do descrédito demonstrado continuamente pelo retrato, por parte dos teóricos da
arte dos séculos XVII e XVIII, o género continuou a florescer em muitos dos artistas que
marcaram a História da Pintura dessa época.

Numa era em que a demanda de retratos atingiu um dos seus expoentes máximos, o auto-
retrato afirmou-se como um dos métodos mais comuns para um retratista promover o seu
talento. E nenhum outro artista até então havia explorado tão profundamente a sua própria
fisionomia como Rembrandt, que documentou em desenhos e pinturas todos os estados
emocionais do seu rosto em todas as fases da sua vida; «é possível folhear reproduções
dos retratos de Rembrandt como se folheássemos um livro, para ver a metamorfose do
artista desde a sua juventude até ao estádio final de um velho homem inválido.»25

Foi nos séculos XVII e XVIII que no campo da literatura surgem as biografias e as auto-
biografias, o que acabou por influenciar a pintura de retrato, contribuindo para a enfatização
da especificidade e carácter psicológico único de cada obra. Tal facto também justifica a
crescente popularidade do auto-retrato. Embora inicialmente se pensasse que estes estudos
auto-fisionómicos não saíssem da esfera privada dos artistas, inventários efectuados às
possessões de Rembrandt a partir de meados do século XVII não documentam qualquer
auto-retrato. Deste modo, verifica-se que obras deste género eram altamente
comercializáveis, rapidamente tomando parte de acervos artísticos de coleccionadores.26

Embora a maioria dos auto-retratos desta época fossem essencialmente estudos nos quais
o artista se colocava como modelo por mera conveniência, tais experiências vieram a
desenvolver-se num género totalmente independente.

No século XVIII o retrato oscilava entre a enfatização da verosimilhança do retratado e a


procura de soluções mais criativas. Em termos de importância na hierarquia dos géneros da
pintura, continuava a ser bastante desconsiderado face à pintura histórica. No final da era
barroca desenvolveu-se um subgénero do retrato que o fez superar a sua posição marginal
na hierarquia de géneros, aproximando-o da categoria da pintura histórica, o retrato
historiado, de que é exemplo Retrato de Gaspar de Gueidan de Hyacinthe Rigaud. Para
além de enfatizar a ligação entre o Homem e a natureza, também continha uma mensagem
sobre a ascensão social do retratado da burguesia para a nobreza, ao apresentá-lo vestido
de nobre mas segurando um instrumento semelhante a uma gaita-de-foles, próprio dos
pastores. O retratado alude a Céladon, um personagem de Astrée, romance escrito no início
do século XVII da autoria de Honoré d’Urfé.

Em Abrégé de la Vie des Peintres e em Cours de Peinture par Principes, ambos escritos no
início do século XVIII, Roger de Piles estabeleceu que os conceitos de correcção, fidelidade
e precisão deveriam ser encarados como máximas na criação de um retrato. Deste modo,
de Piles encarava o retrato desta nova era como uma marca de carácter documental, fixa
para a posteridade. A teoria da arte do início do século XVIII aceitava pequenos retoques
desde que estes não alterassem a aparência ou o carácter do retratado; a autenticidade do
sujeito representado deveria sobrepor-se à sua idealização.

25
Andreas Beyer, Portraits: A History, p. 218. Anexo 2, Referência 211, p. 157.
26
Ibidem.

115
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

«Se a pintura é uma imitação da natureza, o retrato é-o duplamente, pois não representa
apenas o homem em geral, mas aquele homem em particular que é distinto de todos os
outros; e também que a primeira qualidade do Retrato é a verosimilhança extrema contudo,
o maior dos seus defeitos é assemelhar-se a uma pessoa para a qual ele não foi feito, visto
não existirem no mundo duas pessoas iguais. (...)
Sendo a verosimilhança o essencial dos retratos, parece que devem imitar tanto os defeitos
como as qualidades, pois a imitação ficará mais completa; (...)
Dito isto, afirmo que todos os defeitos dispensáveis para o conhecimento do aspecto e do
temperamento das pessoas, devem ser corrigidos e omitidos nos retratos de mulheres e
homens jovens, um nariz um pouco torto pode ser endireitado, um pescoço demasiado
magro, uns ombros muito altos, podem ser acomodados ao bom aspecto que procuramos,
sem passar de um extremo ao outro, e tudo isto com muita discrição, porque ao querer
corrigir demasiado o natural caímos no defeito de dar um aspecto geral aos retratos que
fazemos; do mesmo modo de quando nos agarramos com demasiado rigor aos defeitos e
minúcias, arriscamo-nos a cair na baixeza e na mesquinhez.
Mas para os Heróis e para aqueles que ocupam alguma posição de destaque no mundo, ou
que se distinguem pela sua dignidade, virtudes, ou pelas suas grandes qualidades, devemos
dar grande exactidão à imitação do seu rosto, quer as feições sejam belas ou defeituosas;
porque este tipo de Retratos são as autênticas marcas, que devem ser legadas à
posteridade”.»27

Na Europa os retratos eram tidos enquanto símbolo de poder aristocrático, não se


encontrando acessíveis à nova classe média emergente, a burguesia. No panorama colonial
Americano encontravam-se associados a uma ideia de luxo e monarquia logo, não faziam
grande sentido numa sociedade que se pretendia democrática. No entanto, por razões
históricas e de sentido patriótico, no período que precedeu a revolução, tornou-se clara a
necessidade de registo dos líderes e fundadores do novo Estado. A capacidade do retrato
para representar visualmente memórias, genealogias e anseios para o futuro, tornaram-no
particularmente popular na recém-criada América, onde ajudou a criar raízes numa terra tão
longínqua da origem dos seus colonizadores. O retrato foi o primeiro género a desenvolver-
se em solo colonial, sendo considerado um documento histórico.

Nos primeiros retratos desta nova América são visíveis os esforços por parte dos artistas na
criação de imagens que associassem uma ideia de republicanismo e modéstia aos
retratados, algo que marcou um forte ponto de viragem face à prática tradicional do retrato
europeu, que pretendia enfatizar noções de nobreza, estatuto e superioridade. Ironicamente,
embora grande parte dos retratados da época fossem americanos, a maior parte da pintura
de retrato e sua comercialização permaneceu na Europa, onde as Academias e sistemas de
mecenato se encontravam mais desenvolvidos. Foram muitos os artistas americanos que se
estabeleceram na Europa, embora ao longo do seu percurso tenham continuado a dedicar-
se à pintura de imagens dos primeiros líderes americanos.

Embora as alterações que decorreram na América, do ponto de vista do retrato, tenham sido
revolucionárias, pouco afectaram o cidadão comum, que com o novo espírito da democracia
em mente, começou a desejar ter acesso aos privilégios que até então se reservavam em
exclusivo a uma elite reduzida, tais como a possessão de um retrato.

27
Roger de Piles, Cours de Peinture par Principes [em linha], Google Books, 1708, p. 260 e 268-270. Anexo 2,
Referência 212, p. 157.

116
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Na Europa, no final do século XVIII, a demanda por retratos estendeu-se para além da
aristocracia, passando a englobar uma elite emergente dos sectores industrial e comercial
que procurava no retrato pintado a óleo um objecto de afirmação de estatuto e poder.

Em Inglaterra, a fundação da Royal Academy28 enfatizou ainda mais o alargamento deste


mercado através do seu programa anual de exposições. Os artistas pintavam retratos
especialmente para estes eventos que tinham grande adesão por parte do público e eram
amplamente comentados pela crítica e pela imprensa da época. Londres tornou-se a capital
mundial do retrato, com uma enorme quantidade de retratistas em actividade.

Rapidamente surgiram duas formas de colmatar a crescente demanda por retratos a preços
mais acessíveis: começaram a produzir-se retratos em miniatura e pela primeira vez
surgiram as silhuetas;29 imagens de perfis recortadas manualmente, em papéis negros, a
partir de uma sombra projectada, ou com recurso auxiliar de um desenho prévio ou da
câmara escura. Adornados com ouro, bronze, ou detalhes a giz, as silhuetas ganharam uma
enorme popularidade entre a classe média emergente. As silhuetas eram produzidas muito
rapidamente, poupando ao retratado (e ao retratista), no tempo de pose.

Master Hubard foi um dos grandes especialistas na técnica da silhueta, produzindo os seus
retratos manualmente; recortava-os directamente sem recurso a qualquer desenho auxiliar
ou a máquinas, o que se tornou a sua imagem de marca, expressa no verso dos seus
retratos pela assinatura «Cortado com uma tesoura comum, pelo Mestre Hubard, (de 13
anos de idade), sem desenho prévio ou máquina.»30

Pela primeira vez a tradição elitista do retrato deixou de ser um privilégio exclusivo das
classes mais abastadas, de certa forma anunciando a revolução que a invenção da
fotografia viria a operar neste campo. Em 1850, o retrato de silhueta caiu em desuso com a
crescente popularização da fotografia, que se tinha tornado mais acessível do ponto de vista
económico.

Nos séculos XVIII e XIX muitos artistas ganharam reputação e fortuna através da prática do
retrato. Os artistas, assim como os clientes que lhes encomendavam trabalho, reconheciam
o valor publicitário e notoriedade que a exibição pública destas obras lhes daria,
especialmente se fossem estilisticamente ousadas, grandiosas ou permitissem vislumbrar o
carácter do retratado.

28
Estabelecida em 1768 por Jorge III, os 34 membros fundadores da Royal Academy eram um grupo de artistas
e arquitectos de destaque, que incluíam Sir Joshua Reynolds e Sir William Chambers, determinados em
conseguir alcançar estatuto profissional para a arte e arquitectura no Reino Unido. A Royal Academy pretendia
também proporcionar um espaço para exposições abertas ao público, e estabelecer uma escola de artes por
meio da qual as suas habilidades e conhecimentos pudessem ser transmitidos às gerações futuras.
Actualmente a Academia continua a trabalhar em prol da promoção das artes e do design, dedicando-se à
apresentação de uma ampla gama de artes visuais, na tentativa de alcançar um público o mais diverso possível.
Procura estimular a compreensão, o debate e a criação através da educação e proporciona um foco tanto para
os interesses dos artistas como para os dos apreciadores de arte. A Academia realiza exposições anuais com
obras para venda desde 1870, e constitui-se como um espaço expositivo altamente reputado a nível
internacional.
29
A palavra derivou satiricamente do nome do Ministro das Finanças francês Étienne de Silhouette, nomeado por
Luís XV para reduzir o défice e fortalecer as finanças francesas. O seu hobby era o recorte de retratos de perfil
em papel e a frase “à la Silhouette” tornou-se sinónimo de tudo o que parecia mais barato, sem qualidade.
30
Doe & Hope, A Charming Late 18thC American Silhouette by Master Hubard [em linha], Doe & Hope Online
Bazaar, s.d. Anexo 2, Referência 213, p. 157.

117
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Embora a teoria da arte da época demonstrasse pouco apreço pela pintura de retrato,
alguns artistas conseguiram desenvolver o género. Ao longo dos séculos considerou-se que
o retrato era ‘inimigo’ da arte, no sentido em que castrava o processo criativo do artista.
Francisco Goya demonstrou que o retrato conseguia encorajar grandes inovações
pictóricas. No retrato de Maja Despida pintado no início do século XIX, Goya operou uma
verdadeira revolução na pintura ao criar o primeiro retrato verdadeiramente profano de uma
mulher nua, em tamanho natural. Embora a sua imagem denote influências formais das
Vénus de Ticiano, Goya libertou esta obra de qualquer sentido alegórico ao pintar esta
mulher com características individuais e inequívocas. O pintor eliminou qualquer grau de
significância que pudesse distrair o observador do carácter puramente profano da obra,
eliminando acessórios e mantendo o cenário, de certo modo, anónimo.

O século XIX foi palco de uma enorme rotura face à uniformidade estilística vivida durante o
Renascimento. Embora o Humanismo e Naturalismo já se afirmassem enquanto correntes
de pensamento distintas, até então as suas diferenças nunca haviam sido tão evidentes
como no início deste século, pois encontravam-se definidas por região, em escolas de
pensamento que se desenvolviam localmente, como no caso do Renascimento italiano e o
que se desenvolveu na Flandres.

Nesta era de novos pensadores, até ao despontar do Romantismo na Europa, o Classicismo


manteve-se enquanto corrente predominante, pautada por um forte sentido de racionalismo
e humanismo. Foi através da literatura Romântica que o gosto pelo Naturalismo ganhou
novo fulgor. Lord Byron, William Blake, Percy B. Shelley, William Wordsworth e Samuel
Coleridge foram alguns dos poetas que através da escrita expressaram a sua reverência
perante a força, poder e beleza extrema da natureza.

No campo do retrato o Romantismo operou em várias vertentes, tendo contribuído para o


desenvolvimento de dois subtemas com abordagens que tiveram principal destaque. Surgiu
o conceito de Herói Romântico, que preconizava um tipo de personagem de proporções
épicas, que pelo seu carácter arrojado atingiria um elevado estatuto de grandeza através do
desafio dos valores do seu tempo. De certa forma, Napoleão personificou estes valores no
mundo real. Por outro lado, surgiu o ideal de amor Romântico, que buscava a perfeição da
união espiritual entre duas almas gémeas. Embora esta segunda vertente tenha influenciado
a arte do retrato de uma forma subtil, o seu efeito foi decisivo.

O Neoclassicismo, cuja tradição remonta à Grécia Antiga, tinha como meta o


aperfeiçoamento da humanidade e consequente domínio da natureza.

A pintura Neoclássica regia-se pelo estudo minucioso das formas e da perspectiva,


reflectindo uma visão ordeira do mundo, com base em ideais antropocêntricos. Na pintura
de paisagem o Homem e suas criações encontravam lugar de destaque, particularmente as
que remontavam à tradição da arquitectura Clássica. No retrato os representados surgiam
envergando trajes formais e apresentando expressões neutras, sem emoção, com vista à
criação de uma imagem de grande racionalidade e clareza.

Se compararmos o retrato equestre de Napoleão, efectuado pelo pintor Neoclássico


Jacques-Louis David, com o retrato da mesma figura de Estado criado por Antoine-Jean

118
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Gros, Romântico, as diferenças em termos de ambiência, contexto e qualidade formal são


notórias.

Os pintores Românticos e Neoclássicos trabalhavam a luz e a sombra de forma distinta, e


consequentemente a cor. Os artistas do Romantismo recorriam frequentemente a uma
paleta mais viva e dinâmica, trabalhando composições de grandes contrastes luminosos; por
outro lado, os Neoclássicos utilizavam tons mais neutros, empregando contrastes de maior
moderação.

Embora o Humanismo pudesse parecer uma corrente de pensamento mais adequada para
a prática do retrato, a maioria dos artistas do final do século XIX buscou inspiração no
Naturalismo, no modo mais dramático de trabalhar a luz empregue pelos pintores
Românticos. No entanto, é de salientar que esta nova era foi palco de grandes mudanças
que deram origem a inúmeras divisões e subdivisões no modo de ver e trabalhar de cada
artista.

Durante o Pré-Modernismo a prática tradicional do retrato continuou a existir tanto na


Europa como na América. No entanto, a par do recurso a estes estilos já estabelecidos, o
mundo da arte viu surgir novos métodos de trabalho pautados pela experimentação, que de
certa forma foram tornando o realismo pré-estabelecido quase obsoleto. Dadas as intenções
destes novos artistas, talvez faça mais sentido afirmar que a revolução que operaram deu
origem a um novo realismo, o realismo do olhar. Ou seja, se os pintores do período Barroco
enfatizavam a importância da luz nas suas composições, os Impressionistas Franceses
pintavam exclusivamente os efeitos da luz; as características formais da figura humana ou
da paisagem surgiam apenas enquanto elementos secundários face à vivacidade da cor e
influência das impressões luminosas sobre os objectos que este movimento enfatizou. Deste
modo, o retrato não era um dos géneros preferidos da maioria dos artistas Impressionistas.

Ter como obrigação actuar como um cronista artístico para capturar a realidade de acordo
com as regras académicas, não podia estar mais longe dos seus pontos de interesse. Os
artistas Impressionistas procuravam a ilusão e a efemeridade dos efeitos ópticos, a par da
experiência visual retirada pelo espectador a partir da subjectividade representada pelo
artista. Paul Signac criticou a arte figurativa dominada pelo mimetismo, anunciando a
dissolução do conceito tradicional de pintura:

«Poderia parecer que a primeira questão com que o pintor se confrontaria em frente de uma
tela em branco, seria a de decidir com que curvas e padrões dividiria a superfície e com que
cores e tons a deverá cobrir. Uma preocupação pouco frequente numa época em que a
maior parte das pinturas são fotografias instantâneas ou ilustrações inúteis.»31

Deste modo, o retrato artístico deveria ser pensado em primeiro lugar como uma obra de
arte e só depois preocupar-se em satisfazer o desejo de semelhança do cliente. Na
realidade, à excepção de Alfred Sisley, todos os artistas impressionistas pintaram retratos.

Degas foi um dos pintores Impressionistas que utilizou a figura humana como tema,
especialmente através da pintura de bailarinas frequentemente representadas em poses

31
Paul Signac, “Eugène Delacroix to Neo-Impressionism”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON,
Charles, ed., p. 17. Anexo 2, Referência 214, p. 157.

119
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

dinâmicas. Mary Cassatt, pintora Impressionista Norte-Americana, recriou frequentemente


cenas familiares, do quotidiano; Henri Toulouse-Lautrec dedicou-se à pintura de ambientes
boémios, como bordéis, cabarés e retratos de prostitutas. Monet, a quem este movimento
ficou amplamente associado, conseguiu em Camille Monet on her Deathbead o melhor
exemplo do conflito entre o objectivo tradicional do retrato e a necessidade do artista de ter
autonomia. A libertação da pintura de qualquer subserviência mimética manifesta-se
claramente nesta obra onde a emoção do luto se mistura com as pinceladas do artista, cuja
energia e vivacidade são um corolário do carácter efémero da vida.

Os Pós-Impressionistas Paul Gauguin e Gustav Klimt pintaram diversos retratos e Van


Gogh, de certa forma, popularizou a arte do auto-retrato.

No caso do Pontilhista Georges Seurat e do Pré-Cubista Paul Cézanne, as obras que


desenvolveram nas quais a figura humana se encontra visível, talvez não possam ser
consideradas retratos, pois as preocupações que apresentavam prendiam-se sobretudo com
aspectos formais, não tanto com questões temáticas.

A partir do século XV e até ao século XIX, os retratos deviam apresentar verosimilhança e


revelar o carácter do representado, o seu estatuto e posição. Nos séculos XIX e XX o retrato
foi alvo de grandes alterações ao nível da sua concepção e aparência. Os avanços
tecnológicos e intelectuais que marcaram o final do século XIX foram catalisadores para as
alterações profundas que o Modernismo operou no retrato. A invenção da fotografia, a
rejeição da mimésis, a repulsa sentida pelos artistas de vanguarda face às tradições de
representação do passado e as alterações sociais de fundo que acompanharam a
modernização, inspiraram novos modos de ver e a forma como os artistas usaram o retrato
para representar os seus contemporâneos. Numa carta escrita por James Whistler em 1878,
o pintor defende um novo modo de entender a pintura de retrato, liberta do peso da
verosimilhança e da identidade:

«Vejam a Imagem da minha mãe, em exposição na Royal Academy como um “Arranjo em


Cinza e Negro”. Isto é simplesmente o que é. Para mim é interessante pelo facto de ser um
quadro da minha mãe, mas para o público em geral, que interesse tem a identidade do
retrato? O imitador é uma pobre criatura. Se o homem que se limita simplesmente a pintar a
árvore, a flor ou qualquer outra superfície que se lhe apresente fosse considerado um
artista, então o rei dos artistas seria o fotógrafo. Cabe ao artista fazer algo mais além: o
retratista tem que colocar na tela muito mais do que a cara que o modelo apresenta naquela
ocasião: pintar o homem em si e as suas características; num arranjo de cores tratar a flor
como uma chave e não como um modelo.»32

A ideia de que o retrato não teria lugar nas Vanguardas Modernistas, que davam primazia à
criatividade do artista, à universalidade e abstracção em detrimento da mimésis, encontrava-
se arreigada a grande parte da teoria da arte modernista. Embora não rejeitasse totalmente
a arte figurativa, Clive Bell, na sua teoria formalista sobre a arte, defendeu que o retrato,
dominado pela verosimilhança, pertencia a uma categoria que definiu como ‘descriptive
painting’, ou ‘pintura descritiva’, representando, deste modo, a antítese da verdadeira arte:

32
James Whistler, “James McNeill Whistler to ‘The World’”, in AA.VV., Letters of the Great Artists: from Blake to
Pollock, FRIEDENTHAL, Richard, ed., p. 188. Anexo 2, Referência 215, p. 157.

120
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

«Retratos com valor psíquico e histórico, trabalhos topográficos, quadros que contam
histórias e sugerem situações, ilustrações de todos os tipos, pertencem a esta classe [a da
pintura descritiva] (…) De acordo com a minha teoria, não são obras de arte. Deixam
intocadas as nossas emoções estéticas já que aquilo que nos afecta não são as suas
formas, mas sim as ideias que as mesmas nos transmitem ou implicitamente sugerem.»33

Na era moderna a pintura figurativa continuou a preocupar-se com a representação do


visível. No entanto, o cumprimento das regras da perspectiva e da anatomia foi-se tornando
menos rígido. No final do século XIX os pintores abalaram de tal forma o mundo da pintura
convencional, que a crescente autonomia dos meios artísticos se tornou essencial para a
forma como estes se apresentavam. Os artistas preteriram a representação fiel da realidade
pela criação de um mundo alternativo imaginário, que consideravam superior ao real. Tal
transformação afectou não só a pintura do ponto de vista técnico, mas também a escolha
dos temas. No entanto, ao contrário de géneros como a paisagem e a natureza morta, que
desapareceram temporariamente, o retrato manteve-se sempre presente:

Como refere Benjamin Buchloh, «de entre as muitas categorias pictóricas (e esculturais)
tradicionais cujo destino era a destruição (…) o retrato parece ser aquela que mais
fortemente se opôs a este destino. Embora – pelo menos de forma temporária – tenha
partilhado o destino da desaparição com outros géneros como o nu, a natureza morta e a
paisagem, o retrato enquanto categoria pictórica parece renovar-se e às suas cabeças (qual
Hidra), quase instantaneamente após cada decapitação.»34

Apesar das sistemáticas alterações formais que pautaram o percurso metamórfico de Pablo
Picasso, o retrato sempre ocupou um lugar de destaque na sua obra, o que se torna
evidente nas inúmeras imagens que pintou das suas companheiras.

No período que precedeu o Modernismo o retrato era bastante desconsiderado pelas


hierarquias académicas dado à sua falta de criatividade e idealização. Nas Vanguardas
Modernistas continuou a ser menosprezado devido à sua associação ao conceito de
verosimilhança. Jean-Luc Nancy defende que «é a semelhança imperiosamente desejada,
com a singularidade individual, que colocou o retrato em posições altamente antagónicas -
até à contradição ou à oposição - de por vezes valer tanto como um ofício humilde, e por
outras como paradigma da arte da pintura.»35

A verosimilhança foi o motivo pelo qual o retrato foi classificado na hierarquia da arte de
formas tão diversas. No entanto, é certo que teve um papel fundamental na reflexão sobre
as questões ligadas à representação e à interpretação artística. Embora a maior parte dos
artistas modernistas não fosse exclusivamente retratista, quase todos praticaram o género
em alguma fase do seu percurso.

Com a popularização crescente da fotografia na década de 1880, considerou-se que o


retrato enquanto tema pictórico estava condenado. No entanto, a invenção da fotografia
apenas afectou a pintura de retrato de um modo superficial, pois no final do século XIX esta

33
Clive Bell, “The Aesthetic Hypothesis”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON, Charles, ed., p. 108.
Anexo 3, nota 18, p. X. Anexo 2, Referência 216, p. 158.
34
Benjamin Buchloh, “Residual Resemblance: Three Notes on the Ends of Portraiture” in Face Off: The Portrait in
Recent Art, p. 53. Anexo 2, Referência 217, p. 158.
35
Jean-Luc Nancy, Le Regard du Portrait, p. 38. Anexo 2, Referência 218, p. 158.

121
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

encontrou outros caminhos. A maior aproximação da fotografia à realidade libertou a pintura


da obrigação da verosimilhança, algo que se considerava afastá-la do seu verdadeiro
propósito artístico, o processo de reinvenção.

Em La Photographie, um artigo publicado em 1855, Antoine Joseph Wiertz afirmou que a


fotografia seria uma libertação para o verdadeiro artista, não uma ameaça. Wiertz enfatizou
a distinção entre os pintores que se preocupavam exclusivamente com os aspectos
materiais da pintura e os que se dedicavam à componente intelectual, apelidando-os de
‘pedreiros’ e ‘arquitectos’, respectivamente. Deste modo, defendeu que apenas os artistas
preocupados exclusivamente com a cópia do natural, desapareceriam; os ‘arquitectos’
continuariam o seu percurso pictórico e deveriam até pensar numa parceria futura entre a
pintura e a fotografia. A fotografia viria a conquistar o seu lugar ao lado da pintura, mas não
surgiria em sua substituição:

«Boas notícias para o futuro da pintura!


Como sabemos, a arte divide-se em duas partes – a material e a intelectual. Alguns pintores
preocupam-se exclusivamente com a componente material e reproduzem admiravelmente
um vestido de cetim. Outros, por sua vez, estão ligados à componente intelectual; inventam,
compõem, desenham e parecem alheados da reprodução.
O pintor que reproduz correctamente é o pedreiro que constrói; o outro é o arquitecto, que
inventa e compõe. O arquitecto e o pedreiro na pintura estão na presença de um grande
acontecimento. Este acontecimento será objecto de alegria para o arquitecto e de desespero
para o pedreiro.
Há poucos anos, nasceu uma máquina que é a honra dos nossos tempos e que, a cada dia
que passa, nos deslumbra o pensamento e choca o nosso olhar.
Dentro de um século esta máquina será o pincel, a paleta, as cores, a habilidade, as regras,
a paciência, o olho, o estilo, a pincelada, a massa, o esmalte, os truques do comércio, da
modelação, do acabamento e da reprodução.
Dentro de um século já não existirão pedreiros na pintura, mas somente arquitectos,
pintores no sentido pleno da palavra.
Não pensemos que a daguerreotipia mata a arte. Não, apenas mata o trabalho da paciência
e homenageia o trabalho do pensamento.
Quando a daguerreotipia, esta grande criança atingir a idade adulta; quando toda a sua
força e potencial se desenvolverem, o génio da arte enlaçar-lhe-á o pescoço e bradará:
“Minha! Agora és minha! Trabalharemos em conjunto.”»36

Libertos da pressão do mimetismo, e influenciados pelos avanços no campo da psicologia e


da psicanálise, no final do século XIX os artistas começaram a experimentar novas formas
de representar a personalidade, estatuto e profissão dos seus modelos, produzindo retratos
que exploravam a sua própria mente, representavam os seus círculos íntimos ou serviam
como manifesto do seu estilo artístico individual.

Numa carta de Julho de 1885, Van Gogh comenta com o seu irmão Theo que o mais
importante num retrato não era a correcção académica e a verosimilhança, mas a
interpretação que o artista fazia do que vê; o que o tornava mais verdadeiro do que qualquer
representação literal da realidade:

36
Antoine Joseph Wiertz, “Photography”, in AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON, Charles, ed., p. 654 e
655. Anexo 2, Referência 219, p. 158.

122
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

«Diz ao Serret que eu desesperaria se as minhas figuras estivessem certas, diz-lhe que não
quero que sejam academicamente correctas, diz-lhe que é exactamente isso que significa
quando fotografo um cavador; ele não estará certamente a cavar. Diz-lhe que adoro as
figuras de Miguel Ângelo apesar de as suas pernas serem demasiado compridas – as ancas
e os glúteos demasiado largos. Diz-lhe que é por isso que a meu ver Millet e Lhermitte são
os verdadeiros pintores, porque pintam as coisas não como elas são, traçadas de forma
seca e analítica, mas como eles, Millet, Lhermitte e Miguel Ângelo as sentem. Diz-lhe que
tenho um profundo desejo de produzir tais incorrecções, tais desvios, remodelações,
alterações da realidade, para que se tornem, enfim – mentiras, se quiserdes – mas muito
mais verdadeiras do que a verdade literal.»37

Do mesmo modo, também os futuristas, anos mais tarde, declararam que «um retrato não
deve ser como o retratado, e que o pintor trás em si mesmo as paisagens que fixaria sobre a
tela. Para pintar uma figura humana não a deves pintar; deves representar a totalidade da
sua atmosfera circundante.»38

Por outro lado, alguns artistas despiram as suas obras de qualquer referência a estatuto,
riqueza e beleza, focando-se exclusivamente nas propriedades formais do retrato. Foi o
caso de Gustav Klimt, cujos retratos eram simultaneamente lisonjeiros para a beleza dos
representados, e experimentais ao nível dos fundos e do vestuário. O Retrato de Adele
Bloch-Bauer evidencia essa tensão entre a importância da verosimilhança e os interesses
exclusivamente formais do artista.

Perante a diversidade de estilos e abordagens que surgiram no final do século XIX e início
do século XX, é improvável sintetizar uma teoria que defina claramente o sentido que o
retrato estava a tomar nesses tempos.

Enquanto alguns artistas continuaram ligados às convenções tradicionais do retrato, outros


desenvolveram trabalhos de carácter eminentemente experimental, tendo os restantes
permanecido entre os dois extremos. O único factor que parece comum a todos os artistas
foi o desejo que demonstraram em ampliar as suas fronteiras de actuação e explorar novos
sentidos e significados na arte.

Existem, no entanto, alguns factores que embora ressaltem as suas diferenças aparentes,
acabam por ligar os cubistas, futuristas, fauvistas, impressionistas, pontilhistas e
primitivistas; a alteração de prioridades e prerrogativa que todos desenvolveram. No final do
século XIX e início do século XX o estilo e singularidade da obra eram consideradas
características mais importantes do que a escolha do tema e a sua representação precisa a
partir do natural, qualidades consideradas preferenciais na pintura pré-moderna. O
Manifesto Técnico da Pintura Futurista, por exemplo, afirma claramente que «todas as
formas de imitação devem ser desprezadas, todas as formas de originalidade,
glorificadas.»39

37
Van Gogh, Carta dirigida a Theo Van Gogh, [Nuenen] Julho de 1885, in AA.VV., Art in Theory 1815-1900,
HARRISON, Charles, ed., p. 901. Anexo 2, Referência 220, p. 158 e 159.
38
Umberto Boccioni et al., “Futuristic Painting: Technical Manifesto”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000,
HARRISON, Charles, ed., p. 150. Anexo 2, Referência 221, p. 159.
39
Umberto Boccioni et al., “Futuristic Painting: Technical Manifesto”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000,
HARRISON, Charles, ed., p. 152. Anexo 2, Referência 222, p. 159.

123
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Também a posição dos fauvistas em relação ao retrato reduziu a importância da


verosimilhança em detrimento do processo de criação pictórica; a harmonização das cores e
volumes de acordo com a vontade do artista, afastando-se da realidade. Matisse afirmou
«eu não crio uma mulher, eu pinto uma imagem.»40

Ao contrário do que se passara anteriormente, em que o mecenas ou o médium em si


determinavam o processo pictórico, no século XX o artista ganhou poder de decisão
relativamente à escolha do seu estilo individual e tema de trabalho, decidindo de forma
independente o sentido e o destino da arte.

Numa conversa entre Pablo Picasso e o coleccionador de arte e editor Christian Zervos, o
pintor defendeu a libertação da arte dos cânones académicos e fez a apologia à
independência da criação artística, afirmando que «o ensino académico sobre a beleza é
falso. Temos sido enganados, mas tão profundamente enganados, que é agora impossível
vislumbrarmos sequer uma sombra da verdade. As belezas do Parthenon, as Vénus, as
Ninfas, os Narcisos são tantas e tantas mentiras. A Arte não é a aplicação de um cânone de
beleza, mas aquilo que o instinto e o cérebro são capazes de conceber independentemente
de qualquer cânone.»41

O fortalecimento do artista enquanto intérprete e a alteração drástica do seu papel como


artesão dotado de aptidões comercializáveis (simples peão para a Igreja, aristocracia e
patronos de classe média) abriu caminho para os surrealistas e dadaístas, cubistas e
expressionistas abstractos, para que atingissem níveis de popularidade e fama sem
precedentes na história da arte moderna, que mais tarde reintroduziram o sistema de
patronato.

Pablo Picasso foi provavelmente o artista mais influente e reconhecido do século XX, e
qualquer obra de arte assinada por si vale mais do que o seu peso em ouro; Salvador Dali
chegou a empregar um conjunto de artistas para criarem o seu trabalho; Jackson Pollock é
considerado por muitos como o apogeu da realização artística, e por outros como um
exemplo revelador do que foi o mundo da arte em meados do século XX. De qualquer modo,
seja qual for a nossa posição face às obras que produziram, há um factor comum a toda a
arte criada no início do século: detinha um valor comercial incrível e o seu maior patrono, a
América corporativa, tinha dinheiro para a comprar.

Com Retrato de Daniel-Henry Kahnweiler, Picasso criou um dos maiores ícones do


modernismo, abrindo novas perspectivas de desenvolvimento para o retrato, ao transportar
a fisionomia do retratado para um mundo de novos símbolos. A pintura, quase
monocromática, dificulta a percepção imediata do retratado, alargando as fronteiras dos
conceitos de verosimilhança e identidade. Embora o retrato do galerista obedeça às
premissas de inovação estilística da época, não negligencia totalmente as características do
género: a posição do retratado numa estrutura piramidal, a pose a três quartos e a ênfase
no rosto e nas mãos. O retrato modernista teve um carácter radical, mas não rejeitou a
tradição por completo.

40
Henri Matisse, “Notes of a Painter on his Drawing”, in Matisse on Art, FLAM, Jack, ed., p. 132. Anexo 2,
Referência 223, p. 159.
41
Pablo Picasso, “Pablo Picasso to Christian Zervos in Conversation”, in AA.VV., Letters of the Great Artists:
from Blake to Pollock, FRIEDENTHAL, Richard, ed., p. 258. Anexo 2, Referência 224, p. 159.

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MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Os horrores da Segunda Guerra Mundial levaram os artistas a uma tentativa consciente de


renovação da arte, num esforço de retomar um modernismo interrompido, mas também num
regresso às origens. O novo primitivismo, que ficou conhecido por Art Brut,42 rejeitou todas
as influências dos estilos oficiais, incluindo as diversas Vanguardas, assim como as
imposições do mercado de arte. Jean Dubuffet foi um dos principais impulsionadores deste
movimento que defendia a intuição e o instinto como máximas. Numa palestra que
apresentou no Arts Club de Chicago, em 1951, o artista defende os valores dos povos
primitivos; embora o mundo Ocidental tenda a considerá-los selvagens, Dubuffet acredita
que possivelmente serão mais refinados e clarividentes do que os dos ocidentais, afirmando
que «as suas soluções [dos povos primitivos] e os seus modos de fazer, que inicialmente
nos pareciam bastante rudes, são mais hábeis do que os nossos. É possível que os nossos
sejam os rudes. É possível que o requinte, celebrações e profundidade espiritual estejam do
seu lado, não do nosso.
Acredito piamente em valores de carácter selvagem; vulgo instinto, paixão, ânimo, violência
e loucura.»43

O artista defendeu, deste modo, uma arte liberta da pressão dos ideais de beleza; uma arte
endereçada ao espírito e não à visão. O regresso da pintura à sua função primitiva:

«Tem-se considerado, desde os Gregos, que a arte tem como objetivo a criação de linhas
belas e harmonias cromáticas. Se se suprime esse conceito, o que acontece à arte?
(...) A arte, então, regressa à sua verdadeira função, muito mais significativa do que a
criação de formas e cores agradáveis que aprazam o olhar.
Não considero essa função, da junção de cores em arranjos agradáveis, muito nobre. (...) A
arte dirige-se à mente, não aos olhos. Sempre foi considerada deste modo pelos povos
primitivos, e eles estão certos. A arte é uma linguagem, instrumento de conhecimento,
instrumento de expressão.»44

Dubuffet deu origem aos “anti-retratos”, que não apresentavam verosimilhança com o
retratado, não eram caricaturas nem estudos psicológicos; eram códigos fisionómicos
arcaicos e gestos que procuravam uma nova origem para a arte e a humanidade.

Embora alguns retratos não fossem tão radicais estilisticamente, também desafiavam as
convenções do retrato ao exagerarem a fealdade ou as imperfeições físicas do retratado. É
o caso de Three Studies of George Dyer, de Francis Bacon, onde a distorção do rosto
representa o lado negativo da condição humana.

Na pós-modernidade frequentemente é sugerido que todas as inovações em termos formais


e de abordagem conceptual estão esgotadas e até que a arte, no seu sentido mais arcaico,
está morta. No entanto, apesar destas afirmações apreensivas de uma minoria de críticos, a
grande maioria dos artistas estavam conscientes da forte presença da arte no mundo
contemporâneo.

42
Expressão concebida por Jean Dubuffet em 1945.
43
Jean Dubuffet, “Anticultural Positions”, in AA.VV., Theories and Documents of Contemporary Art, STILES,
Kristine, ed., p. 192. Anexo 2, Referência 225, p. 159.
44
Jean Dubuffet, “Anticultural Positions”, in AA.VV., Theories and Documents of Contemporary Art, STILES,
Kristine, ed., p. 196. Anexo 2, Referência 226, p. 159.

125
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

A pop art, arte pública, conceptual, em 3D e gerada por processos computacionais


representam apenas uma ínfima parte dos inúmeros desenvolvimentos que deram corpo a
uma vastidão de tantas outras formas artísticas que foram surgindo.

A pop art foi um movimento artístico reconhecido durante a década de 60 devido à


popularidade crescente de artistas como Andy Warhol, Jasper Johns e Roy Lichtenstein
entre outros, cujas escolhas temáticas advinham das imagens disseminadas pela televisão e
outros meios de comunicação. A força e presença dos média na vida quotidiana era tão
grande que o ritmo a que as imagens eram projectadas acabava por tornar os espectadores
indiferentes. Ao transformarem estas referências visuais em temas para a produção de
obras de arte, os artistas da pop art tentavam estimular os observadores a reconhecerem
estas imagens que já lhes eram familiares, mas percepcionando-as num contexto artístico.
Pelo uso de imagens comerciais, muitas vezes sem qualquer alteração ou corrupção, os
artistas pop fragilizaram as fronteiras que separavam o mundo da arte da publicidade.

Um dos aspectos fundamentais da pop arte é a auto-referência; com base nos princípios
dos média, os artistas construíam um simulacro do nosso imaginário colectivo através da
composição e manipulação de imagens do quotidiano. Este processo de auto-referência, ou
afastamento do contexto histórico e cultural, foi a essência do pós-modernismo e veio a
definir a visão norte-americana contemporânea sobre a arte.

Andy Warhol, na sua obra, conseguiu reconciliar duas posições antagónicas acerca do
retrato: a impossibilidade de representação da figura humana e a eficácia do retrato para
essa mesma representação. Ao associar a fotografia à pintura de cavalete na série de
retratos de ícones contemporâneos (Marilyn Monroe, por exemplo), Warhol enfatizou
simultaneamente a dissolução do indivíduo na multidão e o triunfo do motivo através da
repetição. A repetição sistemática do rosto acaba por alterar a percepção do espectador
sobre ele, tornando-o invisível.

As décadas de 70 e 80 ficaram marcadas pela afirmação da arte conceptual enquanto


modelo artístico pós-moderno, enfatizando ideais de progresso, invenção e interpretação, ao
invés da coerência e da representação em si. No entanto, embora considerado subversivo, o
realismo ainda era uma prática comum a alguns artistas, tais como os que continuaram a
praticar a arte do retrato. Chuck Close, por exemplo, iniciou o seu percurso como pintor
hiper-realista no final da década de 60, altura em que o recurso ao foto-realismo era
considerado antiquado. No entanto, a escolha do seu percurso não foi casual, tal como
recentemente relatou numa entrevista que concedeu ao San Francismo Museum of Modern
Art:

Nos anos 60, «a pintura estava morta. Já cá ando há tempo suficiente para que a pintura
tenha estado morta umas três ou quatro vezes; e um período no qual a pintura está morta é
decididamente a melhor altura para pintar porque (…) não é ditado como a pintura deve
parecer; ninguém se interessa de qualquer maneira. A escultura dominava; as pessoas
andavam a movimentar toneladas de coisas e a escavar buracos no deserto. Era estúpido
pintar, e ainda mais estúpido pintar figurativo; e a mais estúpida, mais estúpida e idiota
convenção com a qual lidar era a do retrato. Recordo-me do crítico de arte reinante à época,
Clement Greenberg, ter dito: Há apenas uma coisa que não pode ser feita na arte
actualmente, que é pintar um retrato. E eu pensei: hum… isso é bastante interessante. Isso

126
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

deve querer dizer que vou ter muito espaço disponível, sem grande competição, o que me
deu a oportunidade de escolher e seleccionar das convenções e tradições do retrato, que
não eram prementes nem importantes para ninguém em particular; e pude posiciona-me de
tal forma que me seria possível criar um retrato verdadeiramente moderno.»45

Através do desenvolvimento de um método de pintura muito próprio, baseado nos princípios


do Impressionismo e do Pontilhismo, Close é frequentemente creditado pela
repopularização do auto-retrato. As suas pinturas de grande formato são sempre retratos do
seu círculo familiar ou de amigos, que incluem diversos artistas tais como Philip Glass,
retratado em Phil.

A pintura contemporânea, especialmente a que se enquadra dentro do género do retrato,


não pode ignorar o realismo empírico da fotografia, pois tal como afirma Gerhard Richter, «a
fotografia substituiu todas as pinturas, desenhos e ilustrações que serviam para fornecer
informação acerca da realidade que representavam»46 Mas embora a «fotografia tenha
alterado os modos de ver e pensar.»,47 a pintura continua a ser capaz de criar efeitos
poderoso pelos seus próprios meios, quando procura representar a realidade; e a obra de
Richter é um exemplo perfeito deste conceito. O artista demonstrou as novas possibilidades
da pintura, especialmente as que têm início numa fotografia, mas afirmou que quando pinta
a partir de uma fotografia, «isso é parte do processo de trabalho. Nunca é uma característica
fundamental da visão»,48 ou seja, não está a «substituir a realidade com uma reprodução,
um “Mundo em Segunda Mão”.»49 Richter conclui que usa a fotografia para criar uma pintura
«tal como Rembrandt usa o desenho e Vermeer a câmara escura. Podia dispensar a
fotografia, e o resultado continuaria a parecer uma pintura feita a partir de uma fotografia.
Reprodutivo e directo são, portanto, termos sem sentido.»50

No retrato de Betty, Richter apresenta a sua filha numa pose que lembra os retratos de perfil
do Renascimento. No entanto, o facto de esta voltar as costas ao observador, demonstra a
impossibilidade de recriar o tema renascentista. O artista fixa a sua filha na tela mas não a
mostra; um paradoxo que constitui uma reflexão fundamental sobre o retrato e a própria
Pintura.

Recentemente, os retratistas têm vindo a restabelecer a sua prática enquanto forma de arte
vital assim como objecto comercialmente viável, assumindo posições de destaque em vários
estilos e aspectos da arte.

A arte do retrato constitui o esforço eterno da humanidade para capturar a essência de si


própria. O mesmo tem sido dito sobre a arte em geral. Neste sentido, o retrato é a arte das
artes, e o retratista, o artista dos artistas. Lutando para conseguir na representação o que
muitos artistas tentam alcançar pela abstracção, o retratista encarna a luta da arte para
definir o significado de si própria.

45
Chuck Close in SFMOMA, Chuck Close: Why portraits? [em linha]. San Francisco Museum of Modern Art, 7 de
Set. 2010, 10’’ a 1’ 22’’. Anexo 2, Referência 227, p. 159 e 160.
46
Gerhard Richter, “Notes 1964-1965”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON, Charles, ed., p. 757.
Anexo 2, Referência 228, p. 160.
47
Ibidem. Anexo 2, Referência 229, p. 160.
48
Gerhard Richter, “Notes 1964-1965”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON, Charles, ed., p. 758.
Anexo 2, Referência 230, p. 160.
49
Ibidem. Anexo 2, Referência 231, p. 160.
50
Ibidem. Anexo 2, Referência 232, p. 160.

127
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 1 O RETRATO PICTÓRICO

Ao longo da História do Retrato vimos seres humanos retratados como profetas e ídolos
sagrados, seres divinos e personagens históricas, enquanto elementos da natureza e
exploradores da mesma, indivíduos singulares e fracções de uma massa anónima. O retrato
não é passível de definição e constitui-se como fonte de interpretações sem fim; é a arte que
imortaliza, que recorda o indivíduo, relacionando a sua história com a do Mundo.

128
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Anexo 2

Documentação Bibliográfica Original

Referência 1 - «Both science and the arts engage similar questions and experimental
designs in their processes of methodically searching for new knowledge.» Felicitas Thun-
Hohenstein, Art Knowledge at the Academy of Fine Arts Vienna [em linha], Art&Research: A
Journal of Ideas, Contexts and Methods, Vol. 2, Nº 2, 2009.

Referência 2 - «Theory is no longer, and it never was, unproblematically outside


practice, and once inside it becomes something other than theory.» Jonathan Lahey
Dronsfield, Theory as Art Practice: Notes for Discipline [em linha], Art&Research: A Journal
of Ideas, Contexts and Methods, Vol. 2, Nº 2, 2009.

Referência 3 - « (…) what the art says, and what can be said about the art.» Jonathan
Lahey Dronsfield, Theory as Art Practice: Notes for Discipline [em linha], Art&Research: A
Journal of Ideas, Contexts and Methods, Vol. 2, Nº 2, 2009.

Referência 4 - «The magical properties of frontality are well known and have been
employed by image-makers to impress the numinous power and authority of the image on
the viewer (…). Frontality also heightens the communicative force of the portrait image in
less threatening ways, enhancing the intimacy of reception essential to private, family
portraits, or shrinking the distance between worshipper and his god.» Richard Brilliant,
“Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 79 e 80.

Referência 5 - « (…) most deep-rooted cultural values.» Pierre Bourdieu et al.,


Photography: A Middle-Brow Art [em linha], MediaFire, 1990, p. 82.

Referência 6 - « (…) honour, dignity and respectability…» Pierre Bourdieu et al.,


Photography: A Middle-Brow Art [em linha], MediaFire, 1990, p. 82.

Referência 7 - «Je plaçais l’appareil dans la chambre où je travaille; en face de la


volière, et les croisées bien ouvertes. Je fis l’expérience d’après le procédé que tu connais,
Mon cher ami; et je vi sur le papier blanc toute la partie de la volière qui pouvait être aperçue
de la fenêtre, et une légère image des croisées qui se trouvaient moins éclairées que les
objets extérieurs. (…) Ceci n’est pas qu’un essai encore imparfait; (…) La possibilité de
peindre de cette manière, me parait à peu près démontrée; (…) Ce que tu avais prévu est
arrivé: le fond du tableau est noir, est les objets sont blancs, c'est-à-dire plus clairs que le
fond.» Joseph Nicéphore Niépce, Lettres (1816-1817): Correspondance conservée à
Châlon-sur-Saône, p. 23.

Referência 8 - «We announce an important discovery of our famous diorama painter, M.


Daguerre. This discovery partakes of the prodigious. It upsets all scientific theories on light
and optics, and it will revolutionize the art of drawing.
M. Daguerre has found the way to fix the images which paint themselves within a camera
obscura, so that these images are no longer transient reflections of objects, but their fixed

129
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

and everlasting impress which, like a painting or engraving, can be taken away from the
presence of the objects.
Imagine the faithfulness of nature’s image reproduced in the camera and add to it the work of
the sun’s rays which fix this image, with all its range of high lights, shadows and half-tones,
and you will have an idea of the beautiful drawings which M. Daguerre, to our great interest,
displayed. (…)
Still life, architecture – these are the triumphs of the apparatus which M. Daguerre wants to
call after his own name the Daguerrotype. (…)
If I wanted to find something resembling the effects rendered by the new process, I would
say that they take after copperplate engravings or mezzotints – much more the latter. As to
truth, they are above all.» H. Gaucheraud, “The Fine Arts – A New Discovery”, in AA.VV.,
Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 17 e 18. [reimpressão do
artigo publicado a 6 de Janeiro de 1839, La Gazette de France (Paris)]

Referência 9 - «La perspective du paysage, de chaque objet, est retracée avec une
exactitude mathématique; aucun accident, aucun trait même inaperçu, n'échappe à l'œil et
au pinceau du nouveau peintre; et comme trois à quatre minutes suffisent à son œuvre, un
champ de bataille, avec ses phases successives, pourra être relevé avec une perfection
inaccessible à tout autre moyen. (…) le procédé de M. Daguerre est une grande découverte.
Il est l'origine d'un art nouveau au milieu d'une vieille civilisation, qui fera époque et sera
conservé comme un titre de gloire.» Joseph-Louis Gay-Lussac, “Rapport”, 1839, in Louis
Jacques Mandé Daguerre, Historique et Description des Procédés du Daguerréotype et du
Diorama [em linha], Gallica Bibliothèque Numérique, 1839, p. 33 e 35.

Referência 10 - « (…) Je dois vous dire que, comparativement à ces chefs-d’œuvre du


daguerréotype, M. Talbot ne produit que des brouillards. Il y a autant de différence entre les
deux produits qu’entre la lune et le soleil.» John Herschel, “Fait Divers”, in AA.VV., L’Artiste,
série 2, tomo 3 [em linha], Gallica Bibliothèque Numérique, 1839, p. 64.

Referência 11 - « (…) hopes that had been held for obtaining portraits have not yet been
realized (…) I know that up to now no portraits have been produced with the eyes open and
attitude and face natural.» Jean Baptiste François Soleil, apud Beaumont Newhall, The
History of Photography, p. 28.

Referência 12 - « (…) those whom we love no longer leave us in dying, as they did of old.
They remain with us just as they appeared in life; they look down upon us from our walls;
they lie upon our tables; they rest upon our bosoms; nay, if we will, we may wear their
portraits, like signet-rings, upon our fingers. Our own eyes lose the images pictured on them.
(…) the unfading artificial retina which has looked upon them retains their impress, and a
fresh sunbeam lays this on the living nerve as if it were radiated from the breathing shape.
How these shadows last, and how their originals fade away!» Olivier Wendell Holmes, “Sun-
painting and sun sculpture; with a stereoscopic trip across the Atlantic” in The Atlantic
Monthly, p. 14.

Referência 13 - «Photography enters the field of art guided by the pictorial principle.
Photo-portraiture should strive to attain the depths, the tactile quality, the logic and the
completeness of balance that delight us in masterpieces of drawing or painting in
monochrome.» Otto Walter Beck, Art Principles in Portrait Photography [em linha], Open
Library, 1907, p. 15.

130
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 14 - «The portrait is (…) a sign whose purpose is both the description of an
individual and the inscription of social identity. (…) it is also a commodity, a luxury, and
adornment, ownership of which itself confers status. The aura of the precious miniature
passes over into the early daguerreotype.» John Tagg, The Burden of Representation, p. 37.

Referência 15 - «The aura of the precious miniature passes over into the early
daguerreotype.» John Tagg, The Burden of Representation, p. 37.

Referência 16 - «To secure a portrait of a man in his completeness, mind and body,
instead of a mere mask of his physical presentment.» The Photographic News edição de 3
de Novembro de 1876, Robin e Carol Wichard, Victorian Cartes-De-Visite, p. 21.

Referência 17 - The primary object should be to produce a characteristic likeness, and the
secondary one to render it as pleasing as possible by a judicious selection of the view of the
face and pose of the figure, so as, without sacrificing character, to bring out the good points
and conceal the less favourable ones.» Cornelius Jabez Hughes, “Carte-de-Visite Portraits”,
in AA.VV., Humphrey's Journal of the Daguerreotype and Photographic Arts and the
Sciences and Arts Appertaining to Heliography Vol. XIII [em linha], Google Books, 1862, p.
188.

Referência 18 - «From the inception of the portrait photograph photographers have been
concerned to express in the single image an assumed ‘inner’ being. Thus, character
revelation is the essence of good portraiture.» Graham Clarke, The Photograph, p. 101.

Referência 19 - «In the studio all men are not equal; all men are inferior, for the time, to
the artist.» Autor desconhecido, “The Stronger Will”, in AA.VV., The Photographic News
Volume XXVIII [em linha], Internet Archive, 1884, p. 388.

Referência 20 - «The moment the artist, so to speak, gives up his pencil to another, he
runs the risk not only of spoiling his work, but of destroying the resemblance.» John Burnet,
apud John A. Tennant, in AA.VV., The Photographic Journal of America Volume LIII [em
linha], Internet Archive, 1916, p. 266 [originalmente publicado em Practical Hints on Portrait
Painting: Illustrated by Examples from Works of Vandyke and Other Masters, 1850].

Referência 21 - «Sitters are requested to place themselves as much as possible in the


hands of the artist.» John Jabez Edwin Mayall, apud Robin e Carol Wichard, Victorian
Cartes-De-Visite, p. 26.

Referência 22 - « (…) the likeness, consists more in taking the general air than in
observing the exact similitude of every feature.» Joshua Reynolds, Sir Joshua Reynolds's
Discourses on Art [em linha], Open Library, 1891, p. 102.

Referência 23 - «The sitter, before a transcript of him is taken, should be put into a mood,
which shall make his face diaphanous with the expression of his highest and best, i. e. his
genuine, essential self.» Marcus Aurelius Root, The Camera and the Pencil [em linha],
Google Books, 1864, p. 34.

Referência 24 - «If you mean to preserve the most perfect beauty in its most perfect state,
you cannot express the passions, all of which produce distortion and deformity, more or less,

131
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

in the most beautiful faces.» Joshua Reynolds, Sir Joshua Reynolds's Discourses on Art [em
linha], Open Library, 1891, p. 124 e 125.

Referência 25 - «A broad laugh is often beautiful in nature, because of its evanescence; it


becomes intolerable when fixed on paper.» Henry Peach Robinson, The Studio and What to
do in it [em linha], Open Library, 1891, p. 94 e 95.

Referência 26 - « (…) a look of animation, far short of a smile, which suits nearly all
faces.» Henry Peach Robinson, The Studio and What to do in it [em linha], Open Library,
1891, p. 94 e 95.

Referência 27 - «The first condition of a good attitude is that it should be in harmony with
the age, stature, habits, and manners of the individual; secondly, that it should express the
greatest beauty of which the model is susceptible.» André Adolphe-Eugène Disdéri, “The
Aesthetics of Portraiture”, in AA.VV., The Photographic News Volume VII [em linha], Google
Books, 1863, p. 344.

Referência 28 - «If your sitter be tall and thin, or short and stout, select a pose which may
render such peculiarities least prominent…» Alfred H. Wall, A Manual of Artistic Colouring as
Applied to Photographs [em linha], Google Books, 1861, p. 10.

Referência 29 - «A sitter’s personal defects may be frequently concealed by the choice of


position.» Alfred H. Wall, A Manual of Artistic Colouring as Applied to Photographs [em
linha], Google Books, 1861, p. 10.

Referência 30 - « (…) expression is not confined to the face, but speaks in every motion
of the body and limbs…» Alfred H. Wall, “Practical Observations upon Photographs in their
Relation to Art”, in AA.VV. The Journal of the Photographic Society of London Vol. 6 [em
linha], Google Books, 1860, p. 142.

Referência 31 - « (…) an illegitimate mingling of the unrealities of conventional art with the
truth of photography which must ever result in incongruity.» Oscar Gustave Rejlander, apud
Robin e Carol Wichard, Victorian Cartes-De-Visite, p. 27.

Referência 32 - « (…) a beautiful picture can be made out of ugly materials, if we can
throw over them the glamour and witchery of perfect chiaroscuro.» Henry Peach Robinson,
Picture Making by Photography [em linha], Open Library, 1884, p. 28.

Referência 33 - «More than words, more than paintings or prints, old photographs convey
an immediate, undistorted impression of the past.» Charles Sinclair Minto, apud Derrick
Price e Liz Wells, in AA.VV., Photography: A Critical Introduction, p. 57. [Originalmente
publicado em Victorian and Edwardian Scotland from Old Photographs, 1970].

Referência 34 - «La photographie est une découverte merveilleuse, une science qui
occupe les intelligences les plus élevées, un art qui aiguise les esprits les plus sagaces – et
dont l’application est à la portée du dernier des imbéciles. (…) Vous voyez à chaque pas
opérer photographiquement un peintre qui n’avait jamais peint, un ténor sans engagement,
et de votre cocher comme de votre concierge je me charge – c’est sérieusement que je
parle, - de faire en une leçon deux opérateurs photographes de plus. La théorie
photographique s’apprend en une heure; les premières notions de pratique, en une journée.

132
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

… Ce qui ne s’apprend pas… - c’est le sentiment de la lumière – c’est l’appréciation


artistique des effets produits par les jours divers et combinés, - c’est l’application de tel ou
tels de ces effets selon la nature des physionomies qu’artiste vous avez à reproduire.
Ce qui s’apprend encore beaucoup moins, c’est l’intelligence morale de votre sujet, - c’est ce
tact rapide qui vous met en communication avec le modèle, vous le fait juger et diriger vers
ses habitudes, dans ses idées, selon son caractère, et vous permet de donner, non pas
banalement et au hasard, une indifférente reproduction plastique à la portée du dernier
servant de laboratoire, mais la ressemblance la plus familière et la plus favorable, la
ressemblance intime.» Félix Nadar, apud Jean Prinet e Antoinette Dilasser, Nadar, p. 115 e
116.

Referência 35 - «It is indisputable that M. Nadar has made his portraits works of art in
every accepted sense of the word, by the way he lights his sitters, by the freedom he gives in
pose and stance, by his search for the typical expression of the features. (…) the sun is but
the agent, M. Nadar is the artist who puts him to work.» Philippe Burty, “Nadar’s Portraits at
the Exhibition of the French Society of Photography”, in AA.VV., Photography: Essays &
Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 109.

Referência 36 - «this chance invention which will never be art, but only a plagiarism of
nature through a lens.» Alphonse de Lamartine, apud Gisèle Freund, Photography & Society,
p. 77.

Referência 37 - « (…) I can no longer call it a trade; it is an art. It is more than an art; it is a
solar phenomenon in which the artist collaborates with the sun.» Alphonse de Lamartine,
apud Gisèle Freund, Photography & Society, p. 77.

Referência 38 - « (…) in a portrait the colour of the complexion is almost as important as


the form of the features. The photograph may truly give the general contour, and in some
degree indicate the complexion; yet without colour it is scarcely possible to adequately
distinguish between the fair skin, blue eyes, and yellow hair of the blonde, and the black hair,
dark eyes, and swarthy hue of the brunette; the bronzed cheek of the mariner, and the tallow
tint of the city clerk; the farmer's red face, and the weaver's white one; the fair-haired Saxon,
and the darkskinned Celt.
The artist's pencil must be called in to make a perfect portrait.» Cornelius Jabez Hughes, The
Principles and Practice of Photography Familiarly Explained [em linha], Google Books, 1861,
p. 63.

Referência 39 - «Sarony was an artist to the tips of his fingers, and his creations were not
merely likenesses, but pictures also. (…) In looking back upon the remarkable development
of photographic art during the last three decades, we find no person to whom we are so
indebted as Napoleon Sarony, not only for his genius and knowledge, but for the courage of
his convictions and his determination that the commonplace should surrender to the artistic.
His bold leadership in this direction gave heart to those who felt that the art-science could be
brought to a higher plane, and therefore, fell into the ranks to fight for excellence. (…) No
man who has ever lived has done so much to promote photography from the domain of the
mechanical arts to that of art proper as Napoleon Sarony. (…) We have called him the Victor
Hugo of photography, because he was able to bring out vividly, yet naturally, the
characteristics of his subjects in a style that nobody else equaled. (…) Mr. Sarony’s inborn
artistic temperament (…) was what enabled him to realize the pictorial capacity of the

133
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

camera to the fullest degree. In his hands the camera seemed to be used as deftly as a
pencil.» AA.VV., Wilson’s Photographic Magazine [em linha], Internet Archive, Vol. 34, 1897,
p. 68, 71, 72, 74 e75.

Referência 40 - «The most vivid and arresting, if not actually the most valuable, of all the
recent developments associated with Photography’s name» Dixon Scott e Charles Holme,
Colour Photography : and Other Recent Developments of the Art of the Camera [em linha],
Open Library, 1908, p. 1.

Referência 41 - «Creation by Manipulation is forbidden in colour work; (…) the


autochrome landscape remains something of a cold bath, a little discomforting and austere, -
something very far removed from either that sensuous illusion called nature, or that
voluptuous reality called art.» Dixon Scott e Charles Holme, Colour Photography: and Other
Recent Developments of the Art of the Camera [em linha], Open Library, 1908, p. 5 e 6.

Referência 42 - «Your enthusiasm about the Lumière Autochrome plates and the results
to be obtained with them is well founded. I have read every word Photography has published
on the subject. Nothing you have written is an exaggeration. No matter what you or anyone
else may write on the subject and in praise of the results, the pictures themselves are so
startlingly true that they surpass anyone’s keenest expectations. (…) Steichen arrived
breathlessly at my hotel to show me his first two pictures. (…) they convinced me at a glance
that the color problem for practical work had been solved, and that even the most fastidious
must be satisfied. (…) The possibilities of the process seem to be unlimited. (…) soon the
world will be color mad, and Lumière will be responsible. (…) The difference between the
results that will be obtained between the artistic fine feeling and the everyday blind will even
be greater in color than in monochrome. Heaven have pity on us. But the good will eventually
outweigh the evil, as in all things. I for one have learned above all that no problem seems to
be beyond the reach of science.» Alfred Stieglitz, apud Aaron Scharf, Pioneers of
Photography, p. 176.

Referência 43 - «The portrait is the most “natural” genre of painting and, in theory, the one
least in need of theoretical justification.» Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV.,
Interfaces: Portraiture and Communication, p. 25.

Referência 44 - «Likeness, as a concept, has its limits in portraiture; it is a very common


feature of portraits (…), but not every image that looks like “someone” because of a
heightened degree of descriptive realism is necessarily and for that reason a portrait.»
Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces:
Portraiture and Communication, p. 72.

Referência 45 - «Attemps to read all portraits as embodying more than the mere externals
of the sitter can be anachronistic, but by the very nature of their mimetic function, portraits
give the viewer an impression of the inner life.» Shearer West, Portraiture, p. 37.

Referência 46 - «Butades, a potter of Sicyon, was the first who invented, at Corinth, the
art of modeling portraits in the earth which he used in his trade. It was through his daughter
that he made the discovery; who, being deeply in love with a young man about to depart on a
long journey, traced the profile of his face, as thrown upon the wall by the light of the lamp.
Upon seeing this, her father filled in the outline, by compressing clay upon the surface, and

134
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

so made a face in relief, which he then hardened by fire along with other articles of pottery.
This model, it is said, was preserved in the Nymphæum at Corinth, until the destruction of
that city by Mummius.» Caio Plínio Segundo, “The Inventors of The Art of Modeling” in The
Natural History [em linha], Perseus Digital Library, vol. XXXV, cap. 43, 1855.

Referência 47 - «A l'origine de la peinture et de la sculpture, elle trouverait le “complexe”


de la momie. La religion égyptienne dirigée tout entière contre la mort, faisait dépendre la
survie de la pérennité matérielle du corps. Elle satisfaisait par là à un besoin fondamental de
la psychologie humaine: la défense contre le temps. La mort n'est que la victoire du temps.
Fixer artificiellement les apparences charnelles de l'être c'est l'arracher au fleuve de la durée:
l'arrimer à la vie. II était naturel de sauver ces apparences dans la réalité même du mort,
dans sa chair et dans ses os. La première statue égyptienne, c'est la momie de l'homme
tanné et pétrifié dans le natron.» André Bazin, “Ontologie de L’Image Photographique” in
Qu’est-ce que le Cinéma?, p. 9

Referência 48 - «Vivir, para el hombre es tener presencia. Vivir es existir y existir es tener
presencia; (…) La lucha fundamental del hombre no es, pues, la lucha pela vida, sino la
lucha por asegurarse la presencia...» Manuel Carrión Gútiez, “La presencia y la figura”, in
AA.VV., Una Imagen para la Memoria: La Carte de Visite, p. 9.

Referência 49 - « (…) c'est la présence troublante de vies arrêtées dans leur durée,
libérées de leur destin…» André Bazin, “Ontologie de L’Image Photographique” in Qu’est-ce
que le Cinéma?, p. 14.

Referência 50 - «embaume le temps, elle le soustrait seulement à sa propre corruption.»


André Bazin, “Ontologie de L’Image Photographique” in Qu’est-ce que le Cinéma?, p. 14.

Referência 51 - «In portraits whose main purpose is the creation of an artwork for the art
circuit, the identification and representation of the subject portrayed play an auxiliary role,
subordinate to the creation of an artistic image and the message it conveys.» Gerardo
Mosquera, “Interfaces: Portraiture and Communication”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture
and Communication, p. 7.

Referência 52 - «Recognition is primary, almost as if the artwork were transparent in this


encounter between persons…» Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”,
in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 77.

Referência 53 - « (…) the portrait somehow anticipates the function of photography,


performing the role of bearing documentary witness to the representation and authenticity of
a person. This function places the portrait side by side with the thumb print placed on a
document.» Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 25.

Referência 54 - « (…) it is simultaneously something separate from the person and


inseparable from him/her, inseparable in the sense that a person’s leg or heart is inseparable
from them.» Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 25 e 26.

135
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 55 - « (…) la realidad y su huella aparecen idénticas.» Laura Gonzáles Flores,


Fotografia y Pintura: ¿ Dos Medios Diferentes?, p 136.

Referência 56 - « (…) no es una re-presentación, sino una presentación: objeto, verdad,


contingencia pura, ‘presencia de realidad’.» Laura Gonzáles Flores, Fotografia y Pintura: ¿
Dos Medios Diferentes?, p 136.

Referência 57 - «The concept of identity affects the singularity of the relationship to the
person represented (…), as well as the special intensity of the viewer’s psychological
engagement with the portrait image, as if the human being there represented where
somehow present before his eyes.» Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World
Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 71.

Referência 58 - «La photographie bénéficie d’un transfert de réalité de la chose sur sa


reproduction.» André Bazin, “Ontologie de L’Image Photographique” in Qu’est-ce que le
Cinéma?, p. 16 e 17.

Referência 59 - « (…) cet objet lui-même, mais libère des contingences temporelles.
L'image peut être floue, déformée, décolorée, sans valeur documentaire, elle procède par sa
genèse de l'ontologie du modèle; elle est le modèle.» André Bazin, “Ontologie de L’Image
Photographique” in Qu’est-ce que le Cinéma?, p. 16 e 17.

Referência 60 - «Protogenes was not at home, but there happened to be a large panel
upon the easel ready for painting, with an old woman who was left in charge. To his enquiries
she made answer, that Protogenes was not at home, and then asked whom she should
name as the visitor. "Here he is," was the reply of Apelles, and seizing a brush, he traced
with colour upon the panel an outline of a singularly minute fineness.» Caio Plínio Segundo,
“Artists who Painted with the Pencil” in The Natural History [em linha], Perseus Digital
Library, vol. XXXV, cap. 36, 1855.

Referência 61 - «The photographic portrait is a shorthand description of a person, then


portraiture is more than “just a picture”, it is a place of work: a semiotic event of social
identity.» Stuart Hall, apud David Bate, Photography: The Key Concepts, p. 67.

Referência 62 - «Portraits fix our identity in what is essentially an art of description.» David
Bate, Photography: The Key Concepts, p. 67.

Referência 63 - «The portrait itself is like a package: the face and body of the person
portrayed constitute the wrappings of that package: the costume worn, its bindings. (…) It is
a commonly held assumption that all of us, sooner or later, show “what we are” in our faces,
our bodies, our costumes. (…) The portrait artist’s task is to make the invisible, yet essential
elements of character visible, and so bring together into a single image its corporeal and
incorporeal substances.» Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in
AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 74.

Referência 64 - « (…) the attributes of the soul appear to be all conjoined with body»
Aristóteles, De Anima [em linha], Internet Archive, 1907, p. 7.

Referência 65 - «There is no object in nature the properties and powers of which can be
manifest to us in any other manner than by such external appearances as affect the lenses.

136
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

By these all beings are characterized. They are the foundations of all human knowledge.
Man must wander in the darkest ignorance, equally with respect to himself and the objects
that surround him, did he not become acquainted with their properties and powers by the aid
of their externals; and had not each object a character peculiar to its nature and essence,
which acquaints us with what it is, and enables us to distinguish it from what it is not.»
Johann Caspar Lavater, Essays on Physiognomy for the Promotion of the Knowledge and
the Love of Mankind Vol I [em linha], Google Books, 1789, p. 11 e 12.

Referência 66 - « (…) there are many features or parts of the body which are not
susceptible of dissimulation; and, indeed, such features as are indubitable marks of internal
character.» Johann Caspar Lavater, Essays on Physiognomy for the Promotion of the
Knowledge and the Love of Mankind Vol I [em linha], Google Books, 1789, p. 11 e 12.

Referência 67 - «A portrait aims by definition at two essentials (…) On the one hand it
seeks to bring out whatever it is in which the sitter differs from the rest of the humanity and
would even differ from himself were portrayed at a different moment or in a different situation;
and this is what distinguishes a portrait from an “ideal” figure or “type”. On the other hand it
seeks to bring out whatever the sitter has in common with the rest of the humanity and what
remains in him regardless of place and time; and this is what distinguishes a portrait from a
figure forming part of genre painting or narrative.» Erwin Panofsky, apud Shearer West,
Portraiture, p. 24.

Referência 68 - «At virtually every level, and within every context the portrait (…) is
fraught with ambiguity.» Graham Clarke, The Photograph, p. 101.

Referência 69 - «Thus, the portrait is by its very nature the most philosophical genre (…).
On a fundamental level, it is constructed on the comparison of what a person is and what he
or she should be.» Yuri M. Lotman, “The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 34 e 35.

Referência 70 - « (…) a mirror-image – not as we see ourselves, but as others see us.»
Graham Clarke, The Photograph, p. 103.

Referência 71 - « (…) catches a moment of stillness within the daily flows of things, when
the inside of a person has a chance to come through.» Inge Morath, apud Graham Clarke,
The Photograph, p. 101.

Referência 72 - « (…) half-way between the reflection and the face itself, between what is
constructed and what is miraculous, not made by human hands.» Yuri M. Lotman, “The
Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 34 e 35.

Referência 73 - « (…) at the point of intersection of various possible ways of revealing the
essential nature of a man (…) through an interpretation of his face. In this sense, the portrait
is not only a document which fixes the appearance of this or that face, but an impression of
the cultural language of an era and the personality of the artist himself.» Yuri M. Lotman,
“The Portrait”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 36.

Referência 74 - «Michelagnolo also made the Portrait of Messer Tommaso in a cartoon


the size of life; he, who never painted the likeness of any one either before or after, seeing

137
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

that he hated to take anything from the life, unless it presented the very perfection of
beauty.» Giorgio, VASARI, Lives Of The Most Eminent Painters, Sculptors, And Architects
Volume V [em linha], Google Books, 1864, p. 336.

Referência 75 - « (…) les enjeux théoriques qui sont à l'œuvre dans la pratique
contemporaine du portrait sont tributaires de l'histoire de ce genre. Quand il prétend fuir
l'imitation et se libérer de la tradition, quand il entend tourner le dos à la représentation pour
mieux ruser avec l'histoire, le portrait continue d'échapper aux définitions; masquant tantôt
ce qu'il figure tout en démasquant le sujet, il se construit non comme genre, mais comme lieu
du passage du temps. Il ne saurait donc se comprendre uniquement comme un refus du
mimétisme ou de la tradition, car il permet toujours de penser des notions aussi
fondamentales que celles du signe, de la trace, de l'image, de la ressemblance, de la
généalogie; il continue surtout d'interroger le corps, l'absence, la mort et le passage du
temps.» Lucie Desjardins, Portraits en trois temps (Actualités/Débats; history of self portraits,
works of Chuck Close, Roberto Pellegrinuzzi, Hiroshi Sugimoto) [em linha], Etc. Montreal.
Revue d'Art Contemporain Etc. Inc., 1 de Março de 2005.

Referência 76 - «The portrait painter is dying out, and the genre and historical painters will
die too – not by natural death but killed off by their period.» Fernand Léger, “The Origins of
Painting and its Representational Value”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON,
Charles, ed., p. 204.

Referência 77 - «Portrait painting is alive and kicking, whether people like it or not. (…)
Every day I read in the papers things on its death, but it goes on. (…) after the horrors of two
world wars, artists began to look at people again and the human situation. (…) Human
beings again became acceptable subjects.» Robin Gibson, apud Marianne Macdonald,
Portrait of the Artist (with Earring) as a Pounds 10,000 Winner [em linha], The Independent –
News and Media (Londres, Inglaterra), 25 de Julho de 1996.

Referência 78 - «If you have three people of such international renown doing portraiture, it
gives the whole genre a seriousness that people want to emulate.» Honor Clerk, apud
Marianne Macdonald, Portrait of the Artist (with Earring) as a Pounds 10,000 Winner [em
linha], The Independent – News and Media (Londres, Inglaterra), 25 de Julho de 1996.

Referência 79 - «In all branches of art at the present time portraiture has taken very high
rank. (…). It is safe to say that should a man now desire his portrait as a painting, a
photogram, or a miniature, he has it in his power to obtain each, and what is more leave
them to his descendants in the proud confidence that each will be adjudged a work of art by
posterity.» Autor desconhecido, “The Work of the Year: A Fragmentary Retrospect”, in
AA.VV., Photograms of the Year [em linha], Internet Archive, 1899, p. 40 e 42.

Referência 80 - «Photography was the child of the marriage of optics and chemistry.»
Duncan Macmillan, ”‘Born like Minerva’: D. O. Hill and the Origins of Photography”, in
AA.VV., British Photography in the Nineteenth Century: The Fine Art Tradition, WEAVER,
Mike, ed., p. 25

Referência 81 - « (…) to make a picture in which the sensuous beauty of the fine print is
consonant with the moral beauty of the fine image, without particular reference to
documentary or design values, and without specific regard to personal or topographical

138
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

identity.» Mike Weaver, The Photographic Art: Pictorial Traditions in Britain and America, p.
8.

Referência 82 - «I believe photography will make painters better artists and more careful
draughtsmen. You may test their figures by photography. In Titian's Venus and Adonis,
Venus has her head turned in a manner that no female could turn it and at the same time
show so much of her back. Her right leg also is too long. I have proved the correctness of
this opinion by photography with variously shaped female models. In Peace and War, by
Reubens, the back of the female with the basket is painted from a male, as proved by the
same test. (…)
There are many ways in which photography can prove useful to artists, although few of them
are aware of it.» Oscar Gustave Rejlander, “An Apology for Art-Photography”, in AA.VV., The
British Journal of Photography Vol. X [em linha], Google Books, 1863, p. 78.

Referência 83 - « (…) save for you the most precious thing you have, your time». Oscar
Gustave Rejlander, apud Edgar Yoxall Jones, Father of Art Photography: O. G. Rejlander
1813-1875, p. 33 e 34.

Referência 84 - «let a man of genius make use of the daguerreotype as it should be used
and he will raise himself to a height that we do not know.» Eugène Delacroix, apud Van
Deren Coke, The Painter and the Photograph, p. 9.

Referência 85 - «The daguerreotype is more than a tracing, it is the mirror of the object.
Certain details almost always overlooked in drawings from nature here take on characteristic
importance and does introduce the artist to complete knowledge of construction as light and
shade are found in their true character.» Eugène Delacroix, apud Van Deren Coke, The
Painter and the Photograph, p. 9.

Referência 86 - «How I regret that such a wonderful invention arrived so late, I mean as
far as I am concerned! The possibility of studying such results would have had an influence
on me which I can only imagine by the usefulness which they still have for me, even with the
little time that I can give to serious study. They are palpable demonstrations of the free
design of nature, of which we have hitherto had only very imperfect ideas.» Eugène
Delacroix, apud Van Deren Coke, The Painter and the Photograph, p. 9.

Referência 87 - « (…) for us the natural painter, like the natural poet, is almost a monster.
The exclusive taste for the True (…) oppresses and stifles the taste of the Beautiful. (…) In
matters of painting and sculpture, the present-day Credo of the sophisticated (…) is this: “I
believe in Nature, and believe only in Nature (…). I believe That Art is, and cannot be other
than, the exact reproduction of Nature (…). Thus an industry that could give us a result
identical to Nature would be the absolute of Art.” A revengeful God has given ear to the
prayers of this multitude. Daguerre was his Messiah. And now the faithful says to himself:
“Since Photography gives us every guarantee of exactitude that we could desire (they really
believe that, the mad fools!), then Photography and Art are the same thing.” From that
moment our squalid society rushed, Narcissus to a man, to gaze at its trivial image on a
scrap of metal. A madness, an extraordinary fanaticism took possession of all these new
sun-worshipers.» Charles Baudelaire, “The Modern Public and Photography”, in AA.VV., Art
in Theory 1815-1900, HARRISON, Charles, ed., p. 666 e 667.

139
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 88 - « (…) return to its true duty, which is to be the servant of the sciences and
arts – but the very humble servant, like printing or shorthand, which have neither created nor
supplemented literature.» Charles Baudelaire, “The Modern Public and Photography”, in
AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON, Charles, ed., p. 668.

Referência 89 - « (…) secretary and clerk of whoever needs an absolute factual


exactitude» Charles Baudelaire, “The Modern Public and Photography”, in AA.VV., Art in
Theory 1815-1900, HARRISON, Charles, ed., p. 668.

Referência 90 - «(…) if it be allowed to encroach upon the domain of the impalpable and
the imaginary, upon anything whose value depends solely upon the addition of something of
a man’s soul, then it will be so much worse for us!» Charles Baudelaire, “The Modern Public
and Photography”, in AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON, Charles, ed., p. 668.

Referência 91 - «Artists are interested in pictures as sources of ideas for their work.
Where the pictures come from and how they are made are of little concern to them.» Van
Deren Coke, The Painter and the Photograph, p. XI.

Referência 92 - «Permit me to request your opinion in reference to the aid which the
progress of Daguerreotyping has afforded the kindred arts of painting, drawing & engraving.
(…) During my experience (…) I have endeavored to render it as far as possible an auxiliary
to the artist. (…) I have esteemed this of paramount importance.» Mathew B. Brady, apud
Beaumont Newhall, The Daguerreotype in America [em linha], Open Library, 1961, p. 83.

Referência 93 - « (…) photography has not benefited art at all.» William Powell Frith, apud
Beaumont Newhall, The History of Photography, p. 83.

Referência 94 - «Others (…) like Mr. Frith, use photography largely in obtaining studies for
parts of their pictures. Thus, on “A Derby Day,” Mr. Frith employed his kind friend Mr. Howlett
to photograph for him from the roof of a cab as many queer groups of figures as he could;
and in this way the painter of that celebrated picture, the “Derby Day” got many useful
studies, not to introduce literally into his picture (…) but to work up in his own mind and then
reproduce with the true stamp of genius upon them.» Thomas Sutton, “On some of the Uses
and Abuses of Photography”, in The Journal of the Photographic Society of London Vol. 8
[em linha], Google Books, 1864, p. 204.

Referência 95 - « (…) photographic industry was the refuge of the would-be painter, every
painter too ill-endowed or too lazy to complete his studies…» Charles Baudelaire, “The
Modern Public and Photography”, in AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON, Charles,
ed., p. 667.

Referência 96 - « (…) by invading the territories of art, has become art’s most mortal
enemy...» Charles Baudelaire, “The Modern Public and Photography”, in AA.VV., Art in
Theory 1815-1900, HARRISON, Charles, ed., p. 667.

Referência 97 - «La photographie apparaît donc bien comme l'événement le plus


important de l'histoire des arts plastiques. A la fois délivrance et accomplissement, elle a
permis a la peinture occidentale de se débarrasser définitivement de l'obsession réaliste et

140
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

de retrouver son autonomie esthétique.» André Bazin, “Ontologie de L’Image


Photographique” in Qu’est-ce que le Cinéma?, p. 16 e 17.

Referência 98 - «The photograph, however, cannot deceive; in nothing can it extenuate;


there is no power in this marvelous machine either to add to or take from: we know that what
we see must be TRUE.» Autor desconhecido, “America in the Stereoscope”, in AA.VV., The
Art-Journal New Series Vol VI [em linha], Google Books, 1860, p. 221.

Referência 99 - « (…) whose aim is not merely to amuse, but to instruct, purify and
ennoble.» Cornelius Jabez Hughes, apud Beaumont Newhall, The History of Photography, p.
73.

Referência 100 - «I do not conceive it to be necessary or desirable for an artist to represent


or aim at the attainment of every minute detail, but to endeavour at producing a broad and
general effect (…) I do not consider it necessary that the whole of the subject should be what
is called in focus; on the contrary, I have found in many instances that the object is better
obtained by the whole subject being a little out of focus (…) I wish, however, to be
understood as applying these observations to artists only, such productions being considered
as private studies to assist him in his compositions; (…) it has been recently stated in this
room, that a Photograph should always remain as represented in the Camera, without any
attempt to improve it by art. (…) I by no means agree (…) Wonderful as the powers of the
Camera are, we have not yet attained that degree of perfection so as to represent faithfully
the effect of colours, and consequently of light and shade; (…) I conceive that when a
tolerably faithful and picturesque effect can be obtained by a chemical or other process,
applied to the negative, the operator is at full liberty to use his own discretion.» Sir William J.
Newton, “Upon Photography in an Artistic View, and its Relation to the Arts”, in AA.VV.,
Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 79 e 80.

Referência 101 - « (…) obtain one of those soft and rather vague likenesses which painters
call “flous”.» Noël Marie Paymal Lerebours, A Treatise on Photography; Containg the Latest
Discoveries and Improvements Appertainig to the Daguerreotype [em linha], Google Books,
1843, p. 5.

Referência 102 - « (…) as an artist and a photographer of some experience, I have


considered that I was more particularly called upon to state my views respecting the mode of
applying Photography as an assistant to the Fine Arts. (…) When Photography is applied to
buildings for architectural purposes, then every effort should be exerted to get all the detail
as sharp and clean as possible, regardless of any consideration.» Sir William J. Newton,
“Upon Photography in an Artistic View, and its Relation to the Arts”, in AA.VV., Photography:
Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 80.

Referência 103 - «mere conventional topographic Photography – map making & skeleton
rendering of feature & form without that roundness & fullness of force & feature that modeling
of flesh & limb which the focus I use only can give tho’ called & condemned as “out of
focus.”» Julia Margaret Cameron, Carta a Sir John Herschel (31 de Dezembro de 1864),
apud Colin Ford, The Cameron Collection, p. 141.

Referência 104 - «to ennoble Photography and to secure for it the character and uses of
High Art by combining the real & ideal & sacrificing nothing of Truth by all possible devotion

141
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

to Poetry & Beauty.» Julia Margaret Cameron, Carta a Sir John Herschel (31 de Dezembro
de 1864), apud Colin Ford, The Cameron Collection, p. 141.

Referência 105 - «The picture itself has been severely criticized, and it certainly is to be
regretted that two or three figures in it, though perhaps not exactly indelicate, verge so
closely upon it, as to prevent the general approval of the picture.» Journal of the
Photographic Society of London (21 de Abril de 1858), apud Edgar Yoxall Jones, Father of
Art Photography: O. G. Rejlander 1813-1875, p. 20.

Referência 106 - «I most strongly dissent from the opinion of Mr. Crace, that there is any
portion of it which is offensive to delicacy.» Journal of the Photographic Society of London
(21 de Abril de 1858), apud Edgar Yoxall Jones, Father of Art Photography: O. G. Rejlander
1813-1875, p. 20.

Referência 107 - « (…) the cleverest photograph that has yet been produced.» Thomas
Sutton, Photographic Notes Vol. III [em linha], Google Books, 1858, p. 24.

Referência 108 - « (…) pictures which are the result of human imagination, observation,
(…) are more noble [sic] than, and belong to a different class – than the images in a camera
obscura (…) The true artist who has mastered the mechanical difficulties of his profession,
and takes a high view of its intellectual dignity, will never attempt to build up pictures by
photography (…). When the Council of this Society, some years ago, banished from the wall
of its exhibition a photograph entitled The Two Ways of Life, in which degraded females were
exhibited in a state of nudity, with all the uncompromising truthfulness of photography, they
did quite right, for there was neither art nor decency in such a photograph; and if I expressed
a different opinion at the time, I was wrong. (…) there is impropriety in publicly exhibiting
photographs of nude prostitutes, in flesh and blood truthfulness and minuteness of detail.»
Thomas Sutton, apud Edgar Yoxall Jones, Father of Art Photography: O. G. Rejlander 1813-
1875, p. 24.

Referência 109 - «You may take twenty good figures separately, but they cannot be taken
at once. You cannot take even four good ones at once; but then you cannot draw or paint a
picture at once.» Oscar Gustave Rejlander, “An Apology for Art-Photography”, in AA.VV.,
The British Journal of Photography Vol. X [em linha], Google Books, 1863, p. 78.

Referência 110 - «I am tired of photography for the public – particularly composite photos,
for there can be no gain and there is no honour, but cavil and misrepresentation.» Oscar
Gustave Rejlander, apud Edgar Yoxall Jones, Father of Art Photography: O. G. Rejlander
1813-1875, p. 23 e 24.

Referência 111 - « (…) was a fine healthy girl of about fourteen, and the picture was done
to see how near death she could be made to look.» Henry Peach Robinson, The Elements of
a Pictorial Photograph [em linha], Open Library, 1896, p. 102.

Referência 112 - « (…) he may use all legitimate means of presenting the story he has to
tell in the most agreeable manner, and it is his imperative duty to avoid the mean, the base,
and the ugly; and to aim to elevate his subject, to avoid awkward forms, and to correct the
unpicturesque. (…) any “dodge, trick, or conjuration” of any kind is open to the
photographer's use (…).

142
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

A great deal can be done, and very beautiful pictures made, by the mixture of the real and
artificial in a picture.» Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha],
Open Library, 1869, p. 51, 78 e 109.

Referência 113 - «The best quality of photography is this perfect truth, this absolute
rendering of light and shade and form (…) beyond the reach of the painter and the sculptor.»
Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 51.

Referência 114 - « (…) to set forth the laws which govern – as far as laws can be applied to
a subject which depends in some measure on taste and feeling – the arrangement of a
picture, so that it shall have the greatest amount of pictorial effect, and to illustrate by
examples those broad principles without regard to which imitation, however minute or
however faithful, is not picturesque, and does not rise to the dignity of art.» Henry Peach
Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 9 e 10

Referência 115 - «However much a man might love beautiful scenery, his love for it would
be greatly enhanced if he looked at it with the eye of an artist, and knew why it was beautiful.
A new world is open to him who has learnt to distinguish and feel the effect of the beautiful
and subtle harmonics that nature presents in all her varied aspects.
Men usually see little of what is before their eyes unless they are trained to use them in a
special manner.» Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open
Library, 1869, p. 15.

Referência 116 - « (…) art should be a guide only to the study of nature, and not a set of
fetters to confine the ideas or to depress the faculty of original interpretation in the artist,
whether he be painter or photographer; (…) rules are not intended (…) to cripple those who
use them, and it is not intended that the student should absolutely abide by them. The object
is to train his mind so that he may select with case, and, when he does select, know why one
aspect of a subject is better than another.» Henry Peach Robinson, Pictorial Effect in
Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 19 e 28.

Referência 117 - «To this end, my aim has been (…) to induce photographers to think for
themselves as artists, and to learn to express their artistic thoughts in the grammar of art.
(…) The materials used by photographers differ only in degree from those employed by the
painter and sculptor.» Henry Peach Robinson, Picture Making by Photography [em linha],
Open Library, 1884, prefácio.

Referência 118 - « (…) that his art will not carry him as far as paints and brushes do the
painter. His productions would only be defective when he failed to do what was possible in
his art – an art in some respects more difficult than that of the painter, because, like
sculpture, more circumscribed and limited. (…) the painter may imagine new worlds, and
interpret his imagination with his pencil; he may paint an embodiment of that which has not
yet occurred (…) and he does not commit a very great mistake, or, at least, one that has not
already been condoned by artistic opinion. But, on the contrary, if the photographer – who
could, if he had the skill, with the means at his disposal, follow very closely after the painter
in representing his ideas of things unseen – attempts to do so, he holds his art up to ridicule
and contempt; the reason being, that he violates “fitness.”» Henry Peach Robinson, Pictorial
Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 78 e 79.

143
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 119 - « (…) the eye does not see things as sharply as the photographic lens, for
the eye has the faults due to dispersion, spherical aberration, astigmatism, aerial turbidity,
blind spot, and beyond twenty feet it does not adjust perfectly for the different planes. All
these slight imperfections make the eye's visions more imperfect than that of the optician's
lens (…). The rule in focusing, therefore, should be, focus for the principal object of the
picture, but all else must not be sharp; and even that principal object must not be as perfectly
sharp as the optical lens will make it.» Peter Henry Emerson, Naturalistic Photography for
Students of the Art [em linha], Open Library, 1890, p. 119.

Referência 120 - «Nature does not jump into the camera, focus itself, expose itself, develop
itself, and print itself. On the contrary, the artist, using photography as a medium, chooses
his subject, selects his details, generalizes the whole in the way we have shown, and thus
gives his view of nature. This is not copying or imitating nature, but interpreting her, and this
is all any artist can do, and how perfectly he does it, depends on his technique, and his
knowledge of this technique; and the resulting picture, by whatever method expressed, will
be beautiful proportionately to the beauty of the original and the ability of the artist. (…) if
twenty photographers were sent to a district of limited area, and told to take a given
composition, the result would be twenty different renderings. Photographs of any artistic
quality have individuality as much as any other works of art…» Peter Henry Emerson,
Naturalistic Photography for Students of the Art [em linha], Open Library, 1890, p. 284 e 285.

Referência 121 - «It must be admitted, by the most determined opponent of photography as
a fine art, that the same object represented by different photographers will produce different
pictorial results, and this invariably, not only because the one man uses different lenses and
chemicals to the other, but because there is something different in each man’s mind, which,
somehow, gets communicated to his fingers’ ends, and thence to his pictures.» Henry Peach
Robinson, Pictorial Effect in Photography [em linha], Open Library, 1869, p. 13.

Referência 122 - « (…) the process by which a good, bad, or indifferent photograph is
converted into a bad drawing or painting.» Peter Henry Emerson, Naturalistic Photography
for Students of the Art [em linha], Open Library, 1890, p. 184.

Referência 123 - «This process is really what many of us practiced in the nursery; that is
cutting out figures and pasting them into white spaces left for that purpose in a picture-book.
(…) Nature is so subtle that it is impossible to do this sort of patchwork and represent her.
(…) Some writers have honoured this method of printing by calling it the highest form of
photographic work. Heaven help them! The subject is hardly worth as many words, for
though such "work" may produce sensational effects in photographic galleries, it is but the art
of the opera bouffe.» Peter Henry Emerson, Naturalistic Photography for Students of the Art
[em linha], Open Library, 1890, p. 199.

Referência 124 - «This is an inane, flat, vapid piece of work, bigger and more worthless
than ever. Its composition is childish and its sentiment puerile (…).» Peter Henry Emerson,
“Our English Letter”, in AA.VV., The American Amateur Photographer Volume I July to
January, Open Library, 1889, p. 199.

Referência 125 - «I have looked for in vain for a single original idea in his books, but I find
several grammatical errors, false teachings, and stupid doctrines. The book is not worth
criticizing in a serious spirit, and the chapter on “Naturalistic Photography” is an

144
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

unscrupulous or ignorant attack upon a subject the writer is perfectly incapable of


understanding. (…) students will do well to avoid his spurious teachings and examples in art
(?) photography. The writer knows no science, and to take a person whose ability (artistic
and otherwise) I honestly consider beneath contempt, au serieux here, would be ridiculous.»
Peter Henry Emerson, Carta ao editor in AA.VV. The American Amateur Photographer
Volume I July to January, Open Library, 1889, p. 243.

Referência 126 - «as a means of bringing together those who are interested in the
development of the highest form of Art of which Photography is capable.» Margaret F.
Harker, The Linked Ring, p. IX.

Referência 127 - « (…) the quest for truth through the perception of beauty, fired by
imagination and conveyed in photographs.» Margaret F. Harker, The Linked Ring, p. 68.

Referência 128 - « (…) a photograph is as common as a box of matches.» Alvin Langdon


Coburn, “The Future of Pictorial Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images,
NEWHALL, Beaumont, ed., p. 207.

Referência 129 - «The object of the Photo-Secession is to advance photography as applied


to pictorial expression, to draw together those Americans practicing or otherwise interested in
the art, and to hold from time to time at varying places, exhibitions not necessarily limited to
the productions of the Photo-Secession or to American work.» Camera Work nº 3, Jul 1903,
apud Margaret F. Harker, The Linked Ring, p. 171 e 172.

Referência 130 - « (…) not as the handmaiden of art, but as a distinctive medium of
individual expression. The attitude of its members is one of rebellion against the insincere
attitude of the unbeliever, of the Philistine, and largely of exhibition authorities. The
Secessionist lays no claim to infallibility, nor does he pin his faith to any creed, but he
demands the right to work out his own photographic salvation.» Alfred Stieglitz, “The Photo-
Secession”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 167.

Referência 131 - « (…) dive into the mysterious deep of art» Alfred Stieglitz, “Simplicity in
Composition”, in AA.VV., The Modern Way in Picture Making: Published as an aid to the
amateur photographer [em linha], Open Library, 1905, p. 164.

Referência 132 - «Observe the work of recognized artists – I do not mean look at it, but
observe it – make it your own. Then study the appearance of nature more closely than ever
before – everywhere. (…) Avoid books on composition as you would the plague, lest they
destroy in your mind all other considerations than the formulae which they lay down. If you
must be taught by others, not being able to teach yourself, seek out a broad-minded teacher,
but guard your originality as the one most precious possession which may save you from
turning out machine-made work.» Alfred Stieglitz, “Simplicity in Composition”, in AA.VV., The
Modern Way in Picture Making: Published as an aid to the amateur photographer [em linha],
Open Library, 1905, p. 164.

Referência 133 - «In the early stages of photography man’s interest was captured by the
camera’s ability to record facts; today, the artist’s aim is to make it record his impressions of
the fact, and to express in print his personal feelings.» Charles H. Caffin, Photography as a
Fine Art [em linha], Open Library, 1901, p. 95.

145
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 134 - «Only examples of such work as gives evidence of individuality and
artistic worth, regardless of school, or contains some exceptional feature of technical merit,
or such as exemplifies some treatment worthy of consideration, will find recognition in these
pages.» Alfred Stieglitz, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p.
IX.

Referência 135 - « (…) as an artwork in its own right, as a sort of monumental container for
smaller, subordinate works. The covers of Camera Work framed avant-garde discourse, in
the other arts as well as in photography, (…) and whatever appeared between these covers
passed through Stieglitz’s hands. Few artists have been able to maintain such control over
the context in which their work appeared.» Allan Sekula, “On the Invention of Photographic
Meaning”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG, Vicki, ed., p. 458.

Referência 136 - «The Secession Idea is neither the servant not the product of a medium. It
is a spirit. Let us say it is the Spirit of the Lamp; the old and discolored, the frequently
despised, the too often discarded lamp of honesty; honesty of aim, honesty of self-
expression, honesty of revolt against the autocracy of convention.» Alfred Stieglitz, “The
Editor’s Page”, Camera Work nº 18, Abril de 1907, in AA.VV., Camera Work: A Critical
Anthology, GREEN, Jonathan, ed., p. 118.

Referência 137 - «For everything for which Art, so-called, as hitherto been the means but
not the end, photography is the allotted agent – for all that requires mere manual correctness
and mere manual slavery, without any employment of the artistic feeling, she is the proper
and therefore the perfect medium. She is made for the present age, in which the desire for
art resides in a small minority, but the craving, or rather necessity for cheap, prompt, and
correct facts in the public at large. (…) Her business is to give evidence of facts, as minutely
and as impartially as, to our shame, only an unreasoning machine can give.» Lady Elizabeth
Eastlake, “Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont,
ed., p. 93 e 94.

Referência 138 - «The photographic character is, and always has been, an anti-artistic
character, and the mechanically-produced print from an unretouched negative will always
have in the eyes of a true artist faults in values and absence of accents against which the
special qualities so loudly proclaimed will not count for much.» Robert Demachy, apud
Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. X.

Referência 139 - « (…) fails in respect for his art. He is a major traitor in the photographic
camp.» George Bernard Shaw, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial
Guide, p. X.

Referência 140 - «Personally I detest conundrums, and it does not seem worth while to
have to wonder if an exhibit is a bad photograph or a worse chalk drawing. (…) the beauty of
the original is the main impression, and that I think is the best compliment a photographer
need aspire to. (…) The negative is the all-important element, for by it we seek to record
some effect of nature, and according to our success in the light-action we get on our plate, so
is our print from it, valuable or the reverse. (…) the whole success of this as art (…) depends
on the quality of the negative, on the conditions under which the subject was taken, and that
is where the artist reigns supreme.» Frederick H. Evans, “Pure Photography”, in AA.VV.,
Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 180 e 181.

146
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 141 - « (…) the result was the only fair basis for judgment and that it was
justifiable to use any means upon negative or paper to attain the desired end.» John Francis
Strauss, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial Guide, p. X.

Referência 142 - « (…) absolutely straight photography, being in no way faked, doctored or
retouched.» Alfred Stieglitz, apud Marianne Fulton Margolis, Camera Work: A Pictorial
Guide, p. X.

Referência 143 - «The work is brutally direct. Devoid of all flim-flam; devoid of trickery and
of any ‘ism;’ devoid of any attempt to mystify an ignorant public, including the photographers
themselves.» Alfred Stieglitz, “Our Illustrations”, Camera Work nº 49/50, Junho de 1917, in
AA.VV., Camera Work: A Critical Anthology, GREEN, Jonathan, ed., p. 329.

Referência 144 - «Above all, look at the things around you, the immediate world around
you. If you are alive, it will mean something to you, and if you know how to use it, you will
want to photograph that meaningness. If you let other people’s vision get between the world
and your own, you will achieve that extremely common and worthless thing, a pictorial
photograph. But if you keep this vision clear you may make something which is at least a
photograph, which has a life of its own, as a tree or a matchbox, if you see it, has a life of its
own. (…) For the achievement of this there are no short cuts, no formulae, no rules except of
your own living. There is necessary however, the sharpest kind of self-criticism, courage and
hard work. But first learn to photograph. That alone I find for myself is a problem without
end.» Paul Strand, “The Art Motive in Photography”, in AA.VV., Photography in Print,
GOLDBERG, Vicki, ed., p. 287.

Referência 145 - «On the upper deck, looking over the railing, there was a young man with
a straw hat. The shape of the hat was round. He was watching the men and women and
children on the lower steerage deck. Only men were on the upper deck. The whole scene
fascinated me. I longed to escape from my surroundings and join these people (…) I saw
shapes related to each other. I saw a picture of shapes and underlying that the feeling I had
about life. And as I was deciding, should I try to put down this seemingly new vision that held
me – people, the common people, the feeling of ship and ocean and sky and the feeling of
release that I was away from the mob called the rich – Rembrandt came into my mind and I
wondered would he have felt as I was feeling (…)
I had but one plate holder with one unexposed plate. Would I get what I saw, what I felt?
Finally I released the shutter. My heart thumping. I had never heard my heart thump before.
Had I gotten my picture? I knew if I had, another milestone in photography would have been
reached (…). (…) here would be a picture based on related shapes and on the deepest
human feeling, a step in my evolution, a spontaneous discovery.
I took my camera to my stateroom and as I returned to my steamer chair my wife said, “I had
sent a steward to look for you (…).” I told her where I had been.
She said, “You speak as if you were far away in a distant world,” and I said I was.
“How you seem to hate these people in the first class.” No, I didn’t hate them, but I merely
felt completely out of place.» Alfred Stieglitz, “Alfred Stieglitz: Four Happenings – III. How
The Steerage Happened”, in AA.VV., Photographers on Photography, LYONS, Nathan, ed.,
p. 129 e 130.

Referência 146 - «I wanted a series of photographs which when seen by Ernest Bloch (…)
he would exclaim: Music! Music! Man, why that is music! How did you ever do that? And he

147
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

would point to violins, and flutes and oboes, (…), full of enthusiasm, and he would say he’d
have to write a symphony called “Clouds.”» Alfred Stieglitz, “How I Came to Photograph
Clouds”, in AA.VV., Photographers on Photography, LYONS, Nathan, ed., p. 112.

Referência 147 - «I wanted to photograph clouds to find out what I had learned in 40 years
about photography. Through clouds to put down my philosophy of life – to show that my
photographs were not due to subject matter – (…) not to special privileges – clouds were
there for everyone – no tax as yet on them – free.» Alfred Stieglitz, “How I Came to
Photograph Clouds”, in AA.VV., Photographers on Photography, LYONS, Nathan, ed., p. 111
e 112.

Referência 148 - « (…) is by conviction and instinct an exponent of the “straight


photograph;” working chiefly in the open air, with rapid exposure; leaving his models to pose
themselves, and relying for results upon means strictly photographic. He is to be counted
among the Impressionists; fully conceiving his picture before he attempts to take it, seeking
for effects of vivid actuality, and reducing the final record to its simplest terms of expression.
It will be remembered that Dr. Emerson said of the print with which he won his first distinction
that it was the only one in the collection which had spontaneousness.» Charles H. Caffin,
Photography as a Fine Art [em linha], Open Library, 1901, p. 39 e 40.

Referência 149 - « (…) Camera Work is a portrait. It is a portrait of Stieglitz, for it


documents each step in his transition from a youthful experimenter preoccupied with a range
of subject matter and technique to a mature artist able to express the intimate and the
spiritual through an extraordinarily refined perception of the people and places closest to him.
(…) Camera Work is a portrait of an age. To read through its fifty issues is to experience the
growth by which the artistic sensibility of the nineteenth century was transformed into the
artistic awareness of the present day.» Jonathan Green, in AA.VV., Camera Work: A Critical
Anthology, GREEN, Jonathan, ed., prefácio.

Referência 150 - «Through Camera Work Stieglitz established a genre where there had
been none: the magazine outlined the terms under which photography could be considered
art, and stands as an implicit text, as scripture, behind every photograph that aspires to the
status of high art. Camera Work treated the photograph as a central object of the discourse,
while inventing, more thoroughly than any other source, the myth of the semantic autonomy
of the photographic image.» Allan Sekula, “On the Invention of Photographic Meaning”, in
AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG, Vicki, ed., p. 458.

Referência 151 - « (…) the whole development of photography has been given to the world
through Camera Work (…). The existence of a medium, after all, is its absolute justification, if
as so many seem to think, it needs one at all, comparison of potentialities is useless and
irrelevant. Whether a watercolor is inferior to an oil, or whether a drawing, an etching, or a
photograph is not as important as either, is inconsequent. To have to despise something in
order to respect something else is a sign of impotence. Let us accept joyously and with
gratitude everything through which the spirit of man seeks to an even fuller and more intense
self-realization.» Paul Strand, “Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images,
NEWHALL, Beaumont, ed., p. 219 e 220.

Referência 152 - « (…) nearly all the greatest work is being, and has always been done, by
those who are following photography for the love of it, and not merely for financial reasons.»

148
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Alfred Stieglitz, “Pictorial Photography”, in AA.VV., Photography: Essays & Images,


NEWHALL, Beaumont, ed., p. 163.

Referência 153 - «Every print I make, even from one negative, is a new experience, a new
problem. For, unless I am able to vary – add – I am not interested. There is no
mechanicalization, but always photography.» Alfred Stieglitz, “A Statement”, in AA.VV.,
Photography: Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 217.

Referência 154 - «He sees what he likes, for he has been taught what to like by reading
books upon painting, which he does not understand, and which teach nothing for him; he
prepares his camera; he focuses it, or knocks it out of focus; he puts in his glass plate or his
film. And who does the work? What makes the picture? Why, he does not as much as know
whether there is a picture on it until he brings the plate or film home and develops it. What
does the painter do? He either sits down in front of his subject (…) makes a careful study of it
with his unaided hands (…); or he looks at it, and his observation and his memory are so
keen that he can absorb the whole character of the scene before him, and then, later,
reproduce it out of his box – his brain (…). Let the photographer find his subject in the same
fashion, and study it in his way, and having, to his own great delight, selected and arranged
and composed it, as he says – for he uses only the artist’s technical terms – forget to take
the lens cap off his lens. What happens then? But he does not forget; he pushes the button,
and a picture is the result. (…) he has discovered a machine to make his masterpiece for
him. No wonder he laughs at the poor artist who must humbly toil to create beauty, which a
camera manufactures for him at once. What a farce is to think of Titian and Velasquez and
Rembrandt actually studying and working (…) when the modern master has but to step into a
shop, buy a camera, play a few tricks (…) to turn you out a finished masterpiece (…). In a
word, the photographer is the bold independent who has broken loose from tradition and
asserted his individuality, not by the cultivation of his hand and his brain and his eye (…); no,
by sticking his head into a black box and at the crucial moment letting a machine do
everything for him. (…) The art of the photographer, as now explained, is to make his
photographs as much like something that they are not as he can. (…) The revolutionary
photograph is one that bears upon the surface a vague resemblance to a poor photograph of
a charcoal, a sepia, or a hand wash drawing, to an aquatint or a water-colour. I never heard
of a great painter who endeavored to palm off his paintings as chromos.» Joseph Pennell, “Is
Photography among the Fine Arts?”, in AA.VV., Photography in Print, GOLDBERG, Vicki,
ed., p. 211 a 213.

Referência 155 - «Surely they demand (…) for qualities of a very high artistic order. (…)
and their beauty proceeds from reliance upon the artistic qualities common to painting, with
the sole exception of many colors. (…) It is in a realization of the difficulties and in the
persistent endeavor to surmount them that picture photography is being gradually brought to
the level of an art.» Charles H. Caffin, “Photography as a Fine Art”, in AA.VV., Photography
in Print, GOLDBERG, Vicki, ed., p. 218, 219 e 222.

Referência 156 - «Industry will kill art. Industry and art are two enemies which nothing will
reconcile…» Edmond de Goncourt e Jules de Goncourt, “The Death of Art in the 19th-
Century”, in AA.VV., Realism and Tradition in Art 1848-1900, NOCHLIN, Linda, ed., p. 17.

Referência 157 - «In my mind’s eye I see the day when no-one will choose to remember
that photography was once without a vote in the constituency of art. Critics will be born to

149
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

discuss it as an art according to custom. There will be a mighty be labouring of the young
men, and they will be sorrowfully but sternly directed to study the examples of the Old
Masters of The Linked Ring. At the Christie’s of that day collectors will vie with each other in
topping up the guineas to secure these or that classic example. (…) The lot will go to
Christie’s and the Daily Telegraph of the day will have the headlines: “Prices piled up for
photograms” and “Auction Triumphs of the Early Edwardians”. And books will be written on
the unbeautiful lives of photographers, and how a disappointed genius, when A Misty
Morning did not come off, took himself off with the ready cyanide.» Albert Charles Robinson
Carter, apud Margaret F. Harker, The Linked Ring, p. 109.

Referência 158 - «Photography is not merely an Art, but is also an Art entirely individual
and independent.» Dixon Scott, “The Function of the Camera”, in AA.VV., Photography:
Essays & Images, NEWHALL, Beaumont, ed., p. 201.

Referência 159 - « (…) the very trace of an object or a scene from the real world» Hubert
Damisch, “Five Notes for a Phenomenology of the Photographic Image”, in AA.VV., Classic
Essays on Photography, TRACHTENBERG, Alan, ed., p. 288.

Referência 160 - « (…) it isolates, preserves and presents a moment taken from a
continuum.» John Berger, “Understanding a Photograph”, in AA.VV., Classic Essays on
Photography, TRACHTENBERG, Alan, ed., p. 293.

Referência 161 - « (…) concretize the individual portrayed and suggest that beneath the
diversity of appearances in life, the denominated “idea” of a particular human being, in the
Platonic sense of “idea” as original form, can be both represented and preserved.» Richard
Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and
Communication, p. 72.

Referência 162 - «A Portrait is a sort of General History of the Life of the Person it
represents, not only to Him, who is acquainted with it, but to Many Others, who upon
Occasion of seeing it are frequently told what is most Material concerning Them, of their
General Character at least; (…) These therefore many times answer the Ends of Historial
Pictures.» Jonathan Richardson, Two Discourses [em linha], Google Books, 1719, p. 45 e
46.

Referência 163 - «The entire composition, like other images-within-images, establishes a


tie between the moment photographed, and a history which preceded it. We see four pairs of
eyes which have overcome time and space in order, together, to look at us. Distance has
been compressed into one rectangle, the Renaissance dream of killing time has been
achieved...» Julia Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p. 127.

Referência 164 - « (…) present us with inescapable evidence of our own mortality, acting
like electrocardiograms of the aging process.» Andy Grundberg, “The Snapshot Comes of
Age”, in Ann Beattie e Andy Grundberg, Flesh & Blood: Photographers' Images of Their Own
Families, p. 13.

Referência 165 - « (…) relate to individual experience and may operate, like dreams, to
condense or to displace, in effect offering a stand-in for actual experience.» Liz Wells,

150
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

“Introduction: Image and Identity”, in AA.VV., The Photography Reader, WELLS, Liz, ed., p.
377.

Referência 166 - «The snapshot as memory; the camera as storyteller; photographie’s


ability to “capture” time and extend the experience of the moment.» Publicidade da Kodak,
apud Martha Langford, Suspended Conversations, p. 4.

Referência 167 - « (…) photographs actively promote nostalgia. (…) All photographs are
memento mori. To take a photograph is to participate in another person's (or thing's)
mortality, vulnerability, mutability. Precisely by slicing out this moment and freezing it, all
photographs testify to time's relentless melt. (…) Photographs state the innocence, the
vulnerability of lives heading toward their own destruction, and this link between photography
and death haunts all photographs of people.» Susan Sontag, On Photography, p. 15 e 70.

Referência 168 - «Like the collector, the photographer is animated by a passion that, even
when it appears to be for the present, is linked to a sense of the past» Susan Sontag, On
Photography, p. 77.

Referência 169 - «While a painting, even one that meets photographic standards of
resemblance, is never more than the stating of an interpretation, a photograph is never less
than the registering of an emanation (light waves reflected by objects) – a material vestige of
its subject in a way that no painting can be.» Susan Sontag, On Photography, p. 154.

Referência 170 - «The photograph of personal value is a talisman, in which the past is
often perceived to reside so that it can be reexperienced. (…) it is not inhabited by memory
so much as it produces it; it is a mechanism through which the past can be constructed and
situated within the present.» Marita Sturken, “The Image as Memorial: Personal Photographs
in Cultural Memory”, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p.178.

Referência 171 - «Everything gets broken or gets lost. Worlds disappear. To photograph is
to squeeze into little squares or rectangles moments salvaged from the clutter of life or from
the chaos of one’s family. There is no sound and there is no smell. The green juice is gone;
but like the dried leaf, it’s still something. It’s a sign; you and they have been somewhere
together.» Sylvia Plachy, apud Ann Beattie e Andy Grundberg, Flesh & Blood:
Photographers' Images of Their Own Families, p. 18.

Referência 172 - «Our own family photographs delude, obscure or reveal, but never leave
us entirely neutral. They are always relics which remind us of what we had forgotten…» Julia
Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p. 10.

Referência 173 - «Long before the birth of a word language the caveman communicated by
visual imagens. The invention of photography gave visual communication its most simple,
direct, universal language.» Edward Steichen, “On Photography”, in AA.VV., Photographers
on Photography, LYONS, Nathan, ed., p. 107.

Referência 174 - «Photography is intimately bound up with domesticity and the private
world, and has been since its inception.» Don Slater, “Domestic Photography and Digital
Culture», in AA.VV., The Photographic Image in Digital Culture, LISTER, Martin, ed., p. 129.

151
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 175 - «Cameras and film have always been developed with the family in mind.»
Patricia Holland, “History, Memory and the Family Album”, in AA.VV., Family Snaps: The
Meanings of Domestic Photography, SPENCE, Jo, e HOLLAND, Patricia, ed., p. 4.

Referência 176 - « (…) photographic practice only exists and subsists for most of the time
by virtue of its family function or rather by the function conferred upon it by the family group,
namely that of solemnizing and immortalizing the high points of family life, in short, of
reinforcing the integration of the family group by reasserting the sense that it has both of
itself and of its unity.» Pierre Bourdieu et al., Photography: A Middle-Brow Art [em linha],
MediaFire, 1990, p. 19.

Referência 177 - « (…) the history of a recreated family, without the traditional roles.» Nan
Goldin, apud Martha Langford, Suspended Conversations, p. 31.

Referência 178 - «She has pursued a crowded, rumpled existence among the vagabonds
of society and taken thousands of photographs documenting her experiences. If her work
suggests a genre, it is the family snapshot. But what a family! And some snapshots!» Peter
Schjeldahl, apud Trevor Fairbrother, Family Ties: A Contemporary Perspective, p. 50.

Referência 179 - « (…) whatever physical form it takes, represents a process of editing
images into icons and narratives through which a familial identity is constituted and
stabilised. (…) The realism of photos as traces of the past seems to bolt a constructed
identity into the natural flow of time.» Don Slater, “Domestic Photography and Digital
Culture», in AA.VV., The Photographic Image in Digital Culture, LISTER, Martin, ed., p. 138.

Referência 180 - « (…) capture their existence in order to ward off their future non-
existence.» Larry Sultan, apud Marianne Hirsch, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch,
Marianne, ed., p. XI.

Referência 181 - «Don’t you think that a fiction can suggest a truth?» Larry Sultan,
“Pictures from Home”, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p.10.

Referência 182 - «Maybe, but whose truth is it?» Larry Sultan, “Pictures from Home”, in
AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p.10.

Referência 183 - « (…) a feeling of indissoluble bond, of being one with the eternal world.»
Sigmund Freud, apud Julia Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p.
120.

Referência 184 - «We read “family” as a metaphor for all humanity (…). The continued
appeal of Edward Steichen’s Family of Man exhibit which first appeared in 1955 is evidence
enough that photographs of families symbolize ideals of universal brotherhood and
understanding.» Julia Hirsch, Family Photographs: Content, Meaning and Effect, p. 120.

Referência 185 - « (…) the most ambitious and challenging project photography has ever
attempted (…) It was conceived as a mirror of the universal elements and emotions in the
everydayness of life – as a mirror of the essential oneness of mankind throughout the world.»
Edward Steichen e Carl Sandburg, The Family of Man, p. 4 e 5.

152
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 186 - « (…) what was needed was a positive statement on what a wonderful
thing life was, how marvelous people were, and, above all, how alike people were in all parts
of the world.» Edward Steichen, A Life in Photography, p. 228.

Referência 187 - «The audiences not only understand this visual presentation, they also
participate in it, and identify themselves with the images…» Edward Steichen, “On
Photography”, in AA.VV., Photographers on Photography, LYONS, Nathan, ed., p. 107.

Referência 188 - «The Family of Man universalizes the bourgeois nuclear family,
suggesting a globalized, utopian family album, a family romance imposed on every corner of
the earth.» Allan Sekula, Photography against the Grain: Essays and Photo Works, 1973-
1983, p. 89.

Referência 189 - «Family photographs can operate at this junction between personal
memory and social history, between public myth and personal unconscious. Our memory is
never fully “ours”, nor are the pictures ever unmediated representations of our past. Looking
at them we both construct a fantastic past and set out on a detective trail to find other
versions of a ‘real’ one.
Much has been made of the destabilizing recognition that there can be no final, “true” history
to be discovered. However, there are other histories to be written, embedded in the old,
interpreting, reconstructing, making sense of events in less dominant ways.» Patricia
Holland, “History, Memory and the Family Album”, in AA.VV., Family Snaps: The Meanings
of Domestic Photography, SPENCE, Jo, e HOLLAND, Patricia, ed., p. 13 e 14.

Referência 190 - «The majority of the people submitting essays have written about
photographs that are not their own. As exemplified in the following excerpts from selected
submitted essays, some authors write about photographs of others as if they were their own,
while others confess that the photo could have been theirs but is not.
This is a photo of me and my younger sister. No, not really. But if it were, I’d be a
pediatrician, like our father, and she’d be the patient my dad would have to leave dinner to
visit at the hospital. – excerpted from the essay Will She Get Better?
I picked this picture because it looks like my school portrait from third grade. I had a similar
hairstyle, one that my mother prided herself on because she cut it herself and the blunt cut
was perfectly straight. – excerpted from the essay She looks like I did then
This is me and my sister Alex, last Thanksgiving. She is always after me to make something
of my life, she doesn’t respect the choices I’ve made. – excerpted from the essay I hate the
Holidays.» Lorie Novak, “Collected Visions”, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne,
ed., p.26.

Referência 191 - « (…) this identification with the images of others is the strongest
validation of the site. Even authors who contribute images of their own usually choose to
relate a personal story to or project their feelings onto anonymous images. (…)
Photographs and the narratives they inspire can become substitutes for memories of actual
events. Anyone who has posed for a happy group snapshot at a stressful family event
understands how photographs can be fabricated, and in time, alter memories. (…)
The Collected Visions archive allows visitors to find images that evoke memories of their own
family events that were never photographed. Memories associated with theses “lost” images
are often more vivid than the ones in the family photo albuns.» Lorie Novak, “Collected
Visions”, in AA.VV., The Familial Gaze, Hirsch, Marianne, ed., p.26 e 27.

153
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 192 - «Underlying all self-portraiture is the mystery of how an individual sees
himself or herself as other. A self-portrait involves an artist objectifying their own body and
creating a “double” of themselves» Shearer West, Portraiture, p. 165.

Referência 193 - « (…) it is here that we find, amongst these many faces, the shocking
image of our earlier selves. (…) here we can gaze at layers of our past being. (…) We tell
ourselves, often with incredulity, that this is where we once were.» Patricia Holland, “History,
Memory and the Family Album”, in AA.VV., Family Snaps: The Meanings of Domestic
Photography, SPENCE, Jo, e HOLLAND, Patricia, ed., p. 2.

Referência 194 - « (…) the artist’s confessional mirror, a place for self-revealing and for
seeking inner resolution.» John R. Grimes, “Being in a Circle of Family”, in Trevor
Fairbrother, Family Ties: A Contemporary Perspective, p. 13.

Referência 195 - «Inherited genes determine the size of the nose, the shape of the body,
the color of the flesh, eyes and hair – in sum, the physiognomy and somatotype of a person
– and they affect the development of personality and temperament, altogether the basic
package of elements that constitute personhood.» Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent
Genre in World Art”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 70.

Referência 196 - « (…) both a separate physical entity and a part of a larger society entity,
the family.» Richard Brilliant, “Portraits: A Recurrent Genre in World Art”, in AA.VV.,
Interfaces: Portraiture and Communication, p. 70.

Referência 197 - «Postmemory is a powerful and very particular form of memory precisely
because its connection to its object or source is mediated not through recollection but
through an imaginative investment and creation. This is not to say that memory itself is
unmediated, but that it is more directly connected to the past. Postmemory characterizes the
experience of those who grow up dominated by narratives that preceded their birth, whose
own belated stories are evacuated by the stories of the previous generation…» Marianne
Hirsch, Family Frames: Photography Narrative and Postmemory, p. 22.

Referência 198 - «At our best and most fortunate we make pictures because of what
stands in front of the camera (…). We never accomplish this perfectly, though in return we
are given something perfect – a sense of inclusion. Our subject thus redefines us, and is part
of the biography by which we want to be known.» Robert Adams, Why People Photograph,
p. 179.

Referência 199 - «The only reason we can be sure the people who painted in caves during
the Ice Age were as human as we are - that is, they used their brains in the same way we do
- is that they made art. No other animal makes art. And now the earliest art has a human
face - literally. (…) This face was made by human beings whose lives were more animal-like
than we can imagine, hunting and being hunted in a world of woolly mammoths, saber-
toothed tigers and the other animals who – up to now – have seemed to be the main
characters in cave art. And yet the portrait shows they recognized the animal that was
different, that could look back at you in a special way and mirror you.» Jonathan Jones, Old
masters [em linha], The Guardian, 6 de Junho de 2006.

154
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 200 - «Correct portraits of individuals were formerly transmitted to future ages
by painting; (…) That a strong passion for portraits formerly existed, is attested both by
Atticus, the friend of Cicero, who wrote a work on this subject, and by M. Varro, who
conceived the very liberal idea of inserting, by some means or other, in his numerous
volumes, the portraits of seven hundred individuals; as he could not bear the idea that all
traces of their features should be lost, or that the lapse of centuries should get the better of
mankind. Thus was he the inventor of a benefit to his fellow-men, that might have been
envied by the gods themselves; for not only did he confer upon them immortality, but he
transmitted them, too, to all parts of the earth; so that everywhere it might be possible for
them to be present, and for each to occupy his niche. This service, too, Varro conferred upon
persons who were no members of his own family.» Caio Plínio Segundo, “The Honour
Attached to Portraits” in The Natural History [em linha], Perseus Digital Library, vol. XXXV,
cap. 2, 1855.

Referência 201 - «They served a double pictorial function: they were identity pictures – like
passport photos – for the dead on their journey with Anubis (…); secondly and briefly, they
served as mementos of the departed for the bereave family.» John Berger, “The Fayum
Portraits”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 124.

Referência 202 - «To paint was to name, and to be named was a guarantee of this
continuity. (…) the Fayum painter was summoned not to make a portrait, as we have come
to understand the term, but to register his client» John Berger, “The Fayum Portraits”, in
AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 125.

Referência 203 - «They were images destined to be buried, without a visible future.» John
Berger, “The Fayum Portraits”, in AA.VV., Interfaces: Portraiture and Communication, p. 125.

Referência 204 - «I shall now proceed to enumerate, as briefly as possible, the more
eminent among the painters; (…) It was (…) Cimon (…) who first invented foreshortenings,
(…) and who first learned to vary the features by representing them in (…) various attitudes
(…). It was he, too, who first marked the articulations of the limbs, indicated the veins, and
gave the natural folds and sinuosities to drapery. (…) Polygnotus of Thasos, for instance,
who was the first to paint females in transparent drapery, and to represent the head covered
with a parti-coloured head-dress. He, too, was the first to contribute many other
improvements to the art of painting, opening the mouth, for example, showing the teeth, and
throwing expression into the countenance, in place of the ancient rigidity of the features. (…)
Apollodorus of Athens (…) was the first to paint objects as they really appeared; (…)
Parrhasius of Ephesus also contributed greatly to the progress of painting, being the first to
give symmetry to his figures, the first to give play and expression to the features, elegance to
the hair, and gracefulness to the mouth: indeed, for contour, it is universally admitted by
artists that he bore away the palm. (…) For the extreme outline, to be properly executed,
requires to be nicely rounded, and so to terminate as to prove the existence of something
more behind it, and thereby disclose that which it also serves to hide.» Caio Plínio Segundo,
“The Age of Painting; With the Names of the More Celebrated Works and Artists, Four
Hundred And Five in Number”; “The First Contest for Excellence in The Pictorial Art”; “Artists
who Painted with the Pencil” in The Natural History [em linha], Perseus Digital Library, vol.
XXXV, caps. 34-36, 1855.

155
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 205 - «Apelles of Cos (…) contributed more to painting than all the others
together, and even went so far as to publish some treatises on the principles of the art. (…)
He painted portraits, too, so exactly to the life, that a fact with which we are made acquainted
by the writings of Apion the grammarian seems altogether incredible. (…) He also painted a
portrait of King Antigonus; and as that monarch was blind of one eye, he invented a method
of concealing the defect. With this object, he painted him in profile, in order that what in
reality was wanting to the person might have the semblance of being wanting to the picture
rather, he making it his care to show that side of the face only which he could show without
any defect.» Caio Plínio Segundo, “The Age of Painting; With the Names of the More
Celebrated Works and Artists, Four Hundred And Five in Number”; “The First Contest for
Excellence in The Pictorial Art”; “Artists who Painted with the Pencil” in The Natural History
[em linha], Perseus Digital Library, vol. XXXV, caps. 34-36, 1855.

Referência 206 - «When this impulse to the highest individual development was combined
with a powerful and varied nature, which had mastered all the elements of the culture of the
age, then arose the ‘all-sided-man’ – l’uomo universale – who belonged to Italy alone. (…)
But in Italy at the time of the Renaissance we find artists who in every branch created new
and perfect works, and who also made the greatest impression as men. Others, outside the
arts they practiced, were masters of a vast circle of spiritual interests.» Jacob Burckhardt,
The Civilization of the Renaissance in Italy, p. 101.

Referência 207 - «The history of the portrait in the modern era can indeed be read as the
“course of a movement” in which the face is gradually turned toward the viewer. The tentative
nature of the portrait’s path, and the extent to which the genre remained “passive”, is
beautifully captured in a characterization by Otto Pächt, who said of these portraits, “What is
portrayed is the state of being looked at, not that of looking”.» Andreas Beyer, Portraits: A
History, p. 38.

Referência 208 - «Pamphilus (…) was the first painter who was also skilled in all the other
sciences, arithmetic and geometry more particularly, without the aid of which he maintained
that the pictorial art could not attain perfection.» Caio Plínio Segundo, “Artists who Painted
with the Pencil” in The Natural History [em linha], Perseus Digital Library, vol. XXXV, cap. 36,
1855.

Referência 209 - «It has been described as a “stylish style” that elevated the principles of
cultivated refinement and artistic intensification to the point of distortion. The subject matter
sometimes became no more than a pretext, an arena for the exercise of artistic autonomy
and the search for form that broke all boundaries.» Andreas Beyer, Portraits: A History, p.
168.

Referência 210 - «Primieramente adunque bisogna considerare la qualità di colui che si ha


da ritrarre, e secondo quella dargli il suo particolare segno, che lo dia a conoscere, come
sarebbe ad un imperatore la corona di lanro, come si vede osservato nelle statue antiche, e
come giudiziosamente ha osservato Tiziano ne' Cesari ch'egli dipinse al duca di Mantova
con lauri appresso, e con bastoni in mano che denotano it suo dominio, come lo denota
ancora lo scettro, e le armi all' antica; ma con certa discretezza per levar la bruttezza dell'
abito, acciocchè sempre il ritratto resti bello.» Giovanni Paolo Lomazzo, Trattato Dell' Arte
Della Pittura Scultura Ed Architettura Volume II [em linha], Google Books, 1844, p. 369 e
370.

156
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 211 - « (…) it is possible to leaf through reproductions of Rembrandt’s portraits


like a flip book to see the unfolding metamorphosis of the artist from a young man to a
hobbled old man.» Andreas Beyer, Portraits: A History, p. 218.

Referência 212 - «Si la Peinture est une imitation de la Nature, elle l'est doublement a
l'égard du portrait qui ne représente pas seulement un homme en général mais un tel
homme en particulier qui soit distingué de tous les autres; & de même que la première
perfection d'un Portrait est une extrême ressemblance, ainsi le plus grand de ses défauts est
de ressembler à une personne pour laquelle il n'a pas été fait, n’y ayant pas deux personnes
dans le monde qui se ressemblent. (…)
L'essentiel des portraits étant la ressemblance, il parait qu'il faut imiter les défauts comme
les beautés, puisque l’imitation en sera plus complète; (…)
Cela posé, je dis que tous Ies défauts sans lesquels on connaît l’air & le tempérament des
personnes, doivent être corrigés & omis dans Ies Portraits des femmes, & des jeunes
hommes, un nez un peu de travers peut être redressé, une gorge trop sèche, des épaules
trop hautes, peuvent être accommodées au bon air que l'on demande sans passer d'une
extrémité a l’autre, & tout cela avec beaucoup de discrétion, parce qu'en voulant trop corriger
le naturel on tombe dans le défaut de donner un air général a tous les Portraits que l'on fait;
de même qu'en s’attachant trop scrupuleusement aux défauts & aux minuties, on se met en
grand danger de tomber dans le bas, & le mesquin.
Mais pour les Héros & pour ceux qui tiennent quelque rang dans le monde, ou qui se font
distinguer par leurs dignités, par leurs vertus, ou par leurs grandes qualités, on ne saurait
apporter trop d'exactitude dans l'imitation de leur visage, soit que les parties s'y rencontrent
belles, ou bien qu'elles y soient défectueuses; car ces sortes de Portraits sont des marques
authentiques qui doivent être consacrées a la postérité.» Roger de Piles, Cours de Peinture
par Principes [em linha], Google Books, 1708, p. 260 e 268-270.

Referência 213 - «Cut with common scissors, by Master Hubard, (aged 13 years), without
drawing or machine.» Doe & Hope, A Charming Late 18thC American Silhouette by Master
Hubard [em linha], Doe & Hope Online Bazaar, s.d.

Referência 214 - «It would seem that the first question confronting the painter in front of a
blank canvas is the decision as to which curves and patterns will divide the surface, which
colours and tones should cover it. Quite an infrequent worry at a time when most paintings
are instantaneous photographs or useless illustrations.» Paul Signac, “Eugène Delacroix to
Neo-Impressionism”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON, Charles, ed., p. 17.

Referência 215 - «Take the Picture of my mother, exhibited at the Royal Academy as an
“Arrangement in Grey and Black”. Now that is what it is. To me it is interesting as a picture of
my mother; but what can or ought the public to care about the identity of the portrait?
The imitator is a poor kind of creature. If the man who paints only the tree, or flower, or other
surface he sees before him were an artist, the king of artists would be the photographer. It is
for the artist to do something beyond this: in portrait painting to put on canvas something
more than the face the model wears for that one day: to paint the man, in short, as well as
his features; in arrangement of colours to treat a flower as his key, not as his model.» James
Whistler, “James McNeill Whistler to ‘The World’”, in AA.VV., Letters of the Great Artists:
from Blake to Pollock, FRIEDENTHAL, Richard, ed., p. 188.

157
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

Referência 216 - «Portraits of psychological and historical value, topographical works,


pictures that tell stories and suggest situations, illustrations of all sorts, belong to this class [a
da ‘descriptive painting’] (...) According to my hypothesis they are not works of art. They
leave untouched our aesthetic emotions because it is not their forms but the ideas or
information suggested or conveyed by their forms that affect us.» Clive Bell, “The Aesthetic
Hypothesis”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON, Charles, ed., p. 108.

Referência 217 - «Among the many traditional pictorial (and sculptural) categories that
were to be dismantled (…) the portrait appears to have been the most formidable opponent.
While – at least temporarily – sharing the fate of disappearance with the genres of the nude,
the still life, and the landscape, the portrait as a pictorial category seems to renew itself and
its heads (like those of a Hydra) almost instantly after decapitation.» Benjamin Buchloh,
“Residual Resemblance: Three Notes on the Ends of Portraiture” in Face Off: The Portrait in
Recent Art, p. 53.

Referência 218 - «C'est la ressemblance impérieusement désirée avec la singularité


individuelle qui a mis le portrait dans la position fortement contrastée – jusqu'a la
contradiction ou a l'opposition – de valoir tantôt comme un artisanat besogneux et tantôt
comme le sommet de l'art de peindre.» Jean-Luc Nancy, Le Regard du Portrait, p. 38.

Referência 219 - «Good news for the future of painting!


As one knows, art is divided into two parts – the material and the intellectual. Some painters
concern themselves only with the material part and admirably render a satin dress. Others
are attached to the intellectual part; they invent, compose, draw and seem to be unaware of
the rendering.
The painter who renders well is the mason who constructs; the other is the architect who
invents and composes. The architect and the mason in painting are in the presence of a
great event. This event will be a subject of joy for the architect and a subject of despair for
the mason.
A few years ago, a machine was born which is the honour of our time and which, each day,
astonishes our thoughts and shocks our eyes.
A century from now this machine will be the brush, palette, colours, skill, rules, patience, eye,
style, brushwork, paste, glaze, tricks of the trade, modeling, finish and rendering.
A century from now there will no longer be a mason in painting: there will only be architects,
painters in all senses of the word.
Let it not be thought that the daguerreotype kills art. No, it only kills the work of patience and
pays homage to the work of thought.
When the daguerreotype, this great child will have attained the age of maturity; when all of its
force and potential have been developed, then the genius of art will suddenly put its hand on
its collar and cry: “Mine! You are mine now! We will work together.”» Antoine Joseph Wietz,
“Photography”, in AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON, Charles, ed., p. 654 e 655.

Referência 220 - «Tell Serret that I should be desperate if my figures were right, tell him I
do not want them to be academically correct, tell him that I mean that when one photographs
a digger, he would certainly not be digging. Tell him that I adore the figures of Michelangelo,
even though the legs are rather too long – the hips and buttocks too wide. Tell him that that
is why in my eyes Millet and Lhermitte are the true painters, because they paint things not as
they are, traced in a dry analytical way, but as they, Millet, Lhermitte, Michelangelo, feel

158
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

them. Tell him that I have a great longing to make such incorrectness, such deviations,
remodelings, changes in reality, so that they may become, well – lies, if you want – but truer
than the literal truth.» Van Gogh, Carta dirigida a Theo Van Gogh, [Nuenen] Julho de 1885,
in AA.VV., Art in Theory 1815-1900, HARRISON, Charles, ed., p. 901.

Referência 221 - « (…) a portrait must not be like the sitter, and that the painter carries in
himself the landscapes which he would fix upon the canvas. To paint a human figure you
must not paint it; you must render the whole of its surrounding atmosphere.» Umberto
Boccioni et al., “Futuristic Painting: Technical Manifesto”, in AA.VV., Art in Theory 1900-
2000, HARRISON, Charles, ed., p. 150.

Referência 222 - « (…) all forms of imitation must be despised, all forms of originality
glorified.» Umberto Boccioni et al., “Futuristic Painting: Technical Manifesto”, in AA.VV., Art
in Theory 1900-2000, HARRISON, Charles, ed., p. 152.

Referência 223 - « (...) I do not create a woman, I make a picture.» Henri Matisse, “Notes of
a Painter on his Drawing”, in Matisse on Art, FLAM, Jack, ed., p. 132.

Referência 224 - «The academic teaching on beauty is false. We have been misled, but so
completely misled, that we can no longer find so much as a shadow of a truth again. The
beauties of the Parthenon, the Venuses, the Nymphs, the Narcissuses, are so many lies. Art
is not the application of a canon of beauty, but what the instinct and the brain can conceive
independently of that canon.» Pablo Picasso, “Pablo Picasso to Christian Zervos in
Conversation”, in AA.VV., Letters of the Great Artists: from Blake to Pollock, FRIEDENTHAL,
Richard, ed., p. 258.

Referência 225 - « (...) their solutions [dos povos primitivos] and theirs ways of doing, which
first appeared to us very rough, are more clever [sic] than ours. It may be ours are the rough
ones. It may be refinement, celebrations, depth of mind, are on their side, and not on ours.
Personally, I believe very much in values of savagery; I mean instinct, passion, mood,
violence, madness.» Jean Dubuffet, “Anticultural Positions”, in AA.VV., Theories and
Documents of Contemporary Art, STILES, Kristine, ed., p. 192.

Referência 226 - «Art has been considered, since the Greeks, to have as its goal the
creation of beautiful lines and beautiful color harmonies. If one abolishes this notion, what
becomes of art?
(...) Art, then, returns to its real function, much more significant than creating shapes and
colors agreeable for a so called pleasure of the eyes.
I don’t find this function, assembling color in pleasing arrangements, very noble. (…) Art
addresses itself to the mind, and not to the eyes. It has always been considered in this way
by primitive peoples, and they are right. Art is a language, instrument of knowledge,
instrument of expression.» Jean Dubuffet, “Anticultural Positions”, in AA.VV., Theories and
Documents of Contemporary Art, STILES, Kristine, ed., p. 196.

Referência 227 - «Painting was dead. I’ve been around long enough to have painting be
dead three or four times; and a period when painting is dead is absolutely the best time to
paint because (…) it’s not dictated what painting should look like; nobody cares anyhow.
Sculpture ruled; people were moving around tones of stuff and digging holes in the desert. It
was dumb to paint, even dumber to paint figuratively; and the dumbest, most moron dumb

159
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 2 DOCUMENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ORIGINAL

possible convention to deal with was the portrait. I remember the reigning art critic of the
time, Clement Greenberg, famously said: There’s only one thing that can’t be done in art
today and that’s paint a portrait. And I thought: hum… that’s pretty interesting. That must
mean that I’m going to have a lot of available room and not a whole lot of competition, which
gave me the opportunity to pick and choose from the conventions and traditions of portraiture
which had no urgency or importance for anybody in particular; and for to position myself in a
way that I would make a truly modern portrait.» Chuck Close in SFMOMA, Chuck Close:
Why portraits? [em linha]. San Francisco Museum of Modern Art, 7 de Set. 2010, 10’’ a 1’
22’’.

Referência 228 - «The photograph took the place of all those paintings, drawings and
illustrations that served to provide information about the reality that they represented.»
Gerhard Richter, “Notes 1964-1965”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON,
Charles, ed., p. 757.

Referência 229 - «Photography altered ways of seeing and thinking.» Gerhard Richter,
“Notes 1964-1965”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON, Charles, ed., p. 757.

Referência 230 - « (…) this is part of the work process. It is never a defining characteristic
of the vision…» Gerhard Richter, “Notes 1964-1965”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000,
HARRISON, Charles, ed., p. 758.

Referência 231 - « (…) replacing reality with a reproduction of it, a “Second-Hand World”.»
Gerhard Richter, “Notes 1964-1965”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON,
Charles, ed., p. 758.

Referência 232 - « (…) just as Rembrandt uses drawing or Vermeer the camera obscura. I
could dispense with the photograph, and the result would still look like a painting from a
photograph. Reproductive and direct are therefore meaningless terms.» Gerhard Richter,
“Notes 1964-1965”, in AA.VV., Art in Theory 1900-2000, HARRISON, Charles, ed., p. 758.

160
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

Anexo 3

Imagens

I. Memória do Tempo

Filipa Gomes, Memória do Tempo (conjunto de 10 fotografias), 2007, 60 cm x 60 cm cada


fotografia, impressão em gelatina e sais de prata, montagem em PVC de 3 mm.

161
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

162
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

163
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

164
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

165
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

166
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

167
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

168
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

169
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS I.

170
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

II. Outras Obras

Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833), Vue de la Fenêtre du Domaine du Gras, 1827, 20


cm x 25 cm, heliogravura. Gernsheim Collection, Harry Ransom Humanities Research
Center, University of Texas, Austin. Fonte: Wikimedia [online].

Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833), Vue de la Fenêtre du Domaine du Gras, 1827, 20


cm x 25 cm, Heliogravura. Fonte: Wikimedia [online].

171
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851), L’Atelier de l'artiste, 1837, daguerreotipia.


Société Française de Photographie, Paris. Fonte: Mary Warner Marien, Photography: A
Cultural History.

172
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Robert Cornelius (1809–1893), Head-and-shoulders Portrait, Facing Front, with Arms


Crossed, 1839, daguerreotipia. Colecção Marian S. Carson, Library of Congress,
Washington, E.U.A. Fonte: Library of Congress [online].

173
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Jean Baptiste Sabatier-Blot (1801-1881), Maria Sabatier-Blot and Her Grandchild, 1843,
daguerreotipia. George Eastman House, Rochester, Nova Iorque. Fonte: Beaumont Newhall,
The History of Photography.

174
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

David Octavius Hill (1802-1870) & Robert Adamson (1821-1848), The MacCandlish Children,
1845, calotipia sobre papel salgado. The Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fonte:
Beaumont Newhall, The History of Photography.

175
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Andre Adolph-Eugéne Disdéri (1819-1889), Portraits of a Ballerina, 1860, impressão


albuminada, “carte-de-visite” por cortar. George Eastman House, Rochester, Nova Iorque.
Fonte: Beaumont Newhall, The History of Photography.

176
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Nadar (1820-1910), The Photographer’s Wife, 1853, impressão em gelatina e sais de prata a
partir de um negativo de colódio. Caisse de Monuments Historiques, Paris, Menil Foundation
Collection, Houston. Fonte: Beaumont Newhall, The History of Photography.

177
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Antoine Samuel Adam-Salomon (1818-1881), General Giroflore, 1859, 26,8 cm x 21,2 cm,
impressão em papel salgado. Harvard Art Museums/Fogg Museum, Cambridge, E.U.A.
Fonte: Wikimedia [online].

178
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Napoleon Sarony (1821-1896), Sarah Bernhardt, 1880, 10,6 cm x 14,6 cm impressão


albuminada. George Eastman House, Rochester, Nova Iorque. Fonte: Beaumont Newhall,
The History of Photography.

179
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Auguste Sander (1876-1964), Jovens Agricultores em Fato de Domingo, Westerwald, 1913,


30,4 cm x 20,5 cm, impressão em gelatina e brometo de prata. Museum Ludwig, Gruber
Collection, Colónia. Fonte: Fotografia do Século XX, Museum Ludwig de Colónia.

180
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Rupert Potter (1833-1914), estudo para An Idyll of 1745, c. 1880. Fonte: flickr Martin Beek
[online].

John Everett Millais, An Idyll of 1745, 1884, 140 cm x 191 cm, óleo sobre tela. Lady Lever
Art Gallery, Liverpool. Fonte: Art Finder [online].

181
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

John R. Parsons (1862-1909), Jane Morris, 1865, 25,3 cm x 20 cm, impressão albuminada.
Victoria and Albert Museum, Londres. Fonte: Victoria and Albert Museum Collections
[online].

182
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Eugène Durieu (1800-1874), Studies, 1854, fotografias (par). Musée Bonnat, Bayonne,
França. Fonte: Van Deren Coke, The Painter and the Photograph.

Eugène Delacroix (1798-1863), Studies, 1855, 24,1 cm x 34,9 cm, desenho a tinta-da-china.
Musée Bonnat, Bayonne, França. Fonte: Van Deren Coke, The Painter and the Photograph.

183
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Oscar Gustave Rejlander (1813-1875), Non Angeli sed Angli (a partir da Madonna Sistina de
Raffaello Sanzio), c. 1854-6, 16,1 cm x 20 cm, impressão albuminada. The Royal Collection,
Londres. Fonte: The Royal Collection [online].

Raffaello Sanzio, detalhe de Madonna Sistina, 1512-1513, óleo sobre tela. Gemäldegalerie
Alte Meister, Dresden. Fonte: Wikimedia [online].

184
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

David Octavius Hill (1802-1870) & Robert Adamson (1821-1848), Portrait of William Etty,
1844, 20 cm x 14,3 cm calotipia. The National Portrait Gallery, Londres. Fonte: The National
Portrait Gallery [online].

William Etty (1787-1849), Self Portrait, 1844, 41,3 cm x 31,8 cm, óleo sobre cartão. The
National Portrait Gallery, Londres. Fonte: The National Portrait Gallery [online].

185
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

William Powell Frith (1819-1909), The Derby Day, 1858, 101,6 cm x 223,5 cm, óleo sobre
tela. Tate Gallery, Londres. Fonte: Art might [online].

Robert Howlett (1831-1858), Grandstand and People on Derby Day, 1856, fotografia.
Gernsheim Collection, University of Texas, Austin. Fonte: Van Deren Coke, The Painter and
the Photograph.

186
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

David Octavius Hill (1802-1870) & Robert Adamson (1821-1848), The Pastor's Visit: group
including James Fairbairn, 1843-1848, 14,4 cm x 19,9 cm, calotipia. The National Portrait
Gallery, Londres. Fonte: PhotographArté [online].

187
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Julia Margaret Cameron (1815-1879), The Parting of Sir Lanceleot and Queen Guinevere,
1874, 35 cm x 28 cm, impressão albuminada. Victoria and Albert Museum, Londres. Fonte:
Victoria and Albert Museum Collections [online].

188
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Oscar Gustave Rejlander (1813-1875), The Two Ways of Life, 1857, impressão albuminada
efectuada com uma combinação de negativos. The Royal Photographic Society, Reino
Unido. Fonte: Beaumont Newhall, The History of Photography.

189
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Henry Peach Robinson (1830-1901), Fading Away, 1858, impressão albuminada efectuada
com uma combinação de negativos. George Eastman House, Rochester, Nova Iorque.
Fonte: Beaumont Newhall, The History of Photography.

190
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Joseph Noel Paton (1821-1901), The Dead Lady, 1854-1895, 13,7 cm x 18,8 cm,
xilogravura. The British Museum, Londres. Fonte: The British Museum [online].

191
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Henry Peach Robinson (1830-1901), esboço para Carroling, 1886/7, 33 cm x 63,5 cm,
desenho a lápis. The Royal Photographic Society, Reino Unido. Fonte: Beaumont Newhall,
The History of Photography.

Henry Peach Robinson (1830-1901), Carroling, 1887, 33 cm x 63,5 cm, impressão


albuminada efectuada com uma combinação de negativos. The Royal Photographic Society,
Reino Unido. Fonte: Beaumont Newhall, The History of Photography.

192
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Frederick Hollyer (1838-1933), The children of Sir Edward Coley Burne-Jones, 1st Bt and
William Morris, 1874, 13,9 cm x 9,7 cm, impressão albuminada (“carte cabinet”). The
National Portrait Gallery, Londres. Fonte Wikimedia [online].

193
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Robert Demachy (1859-1936), Struggle, c. 1904, 17,4 cm x 11,6 cm, impressão com goma
bicromatada. Fonte: AA.VV., Camera Work: A Critical Anthology.

194
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Frank Eugene (1865-1936), Horse, c. 1890, 9,7 cm x 15 cm, fotogravura. The Royal
Photographic Society, Reino Unido. Fonte: AA.VV., Camera Work: A Critical Anthology.

195
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Alfred Stieglitz (1864-1946), The Steerage, 1907, 32,2 cm x 25,9 cm, fotogravura. The
Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fonte: AA.VV., Camera Work: A Critical Anthology.

196
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Alfred Stieglitz (1864-1946), Equivalent, 1929, 11,8 cm x 9,3 cm, impressão em gelatina e
sais de prata. George Eastman House, Nova Iorque. Fonte: Pop art machine [online].

197
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Alfred Stieglitz (1864-1946), Georgia O’Keeffe, Hand and Wheel, 1933. Fonte: Graham
Clarke, Alfred Stieglitz by Graham Clarke.

198
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Edward Steichen (1879-1973), Backbone and Ribs of a Sunflower, c. 1920. The Museum of
Modern Art, Nova Iorque. Fonte: Beaumont Newhall, The History of Photography.

199
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

E. C. Dana, Portrait of a Woman Looking at a Photographic Portrait of a Woman, c. 1880.


Fonte: Geoffrey Batchen: Forget Me Not: Photography & Remembrance.

200
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Autor desconhecido, Sisters, início do século XX. Fonte: Julia Hirsch, Family Photographs:
Content Meaning and Effect.

201
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Larry Sultan (1946-2009), Practicing Golf Swing [da série Pictures from Home], 1986. Fonte:
Ann Beattie e Andy Grundberg, Flesh & Blood: Photographers' Images of Their Own
Families.

202
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Frances Hodgkins (1869-1947), Self-Portrait: Still Life, 1941, 76,2 cm x 63,5 cm, óleo sobre
cartão. Auckland Art Gallery Toi o Tāmaki, Nova Zelândia. Fonte: Shearer West, Portraiture.

203
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Jo Spence (1934-1992), Sem Título [da série Foto-terapia], c. 1984. Fonte: Jo Spence,
Putting Myself in the Picture: A Political, Personal, and Photographic Autobiography.

204
MEMÓRIA DO TEMPO: TIPOLOGIA DE UM RETRATO ANEXO 3 IMAGENS II.

Janine Antoni (n. 1964), Momme, 1995, 91,4 cm x 73,7 cm, impressão cromogénea. Luhring
Augustine Gallery, Nova Iorque. Fonte: AA.VV., Janine Antoni.

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