DISSERTAÇÃO José Eduardo Da Silva

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

JOSÉ EDUARDO DA SILVA

ALÉM DO LITORAL:
escravidão no Agreste Meridional de Pernambuco
(Garanhuns, 1800-1850)

Recife
2020
JOSÉ EDUARDO DA SILVA

ALÉM DO LITORAL:
escravidão no Agreste Meridional de Pernambuco
(Garanhuns, 1800-1850)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em História.

Área de concentração: Sociedades, Culturas e


Poderes.

Orientador: Profº. Dr. Marcus J. M. de Carvalho


Co-orientador: Profº. Dr. Bruno Augusto Dornelas Câmara

Recife
2020
Catalogação na fonte
Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291

S586a Silva, José Eduardo da.


Além do litoral : escravidão no Agreste Meridional de Pernambuco (Garanhuns,
1800-1850) / José Eduardo da Silva. – 2020.
123 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Marcus J. M. de Carvalho.


Coorientador: Prof. Dr. Bruno Augusto Dornelas Câmara.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH.
Programa de Pós-Graduação em História, Recife, 2020.
Inclui referências e apêndice.

1. Pernambuco - História. 2. História social. 3. Escravidão. 4. Trabalho escravo –


Garanhuns (PE). I. Carvalho, Marcus J. M. de (Orientador). II. Câmara, Bruno
Augusto Dornelas (Coorientador). III. Título.

981.34 CDD (22. ed.) UFPE (BCFCH2020-172)


JOSÉ EDUARDO DA SILVA

ALÉM DO LITORAL:
escravidão no Agreste Meridional de Pernambuco
(Garanhuns, 1800-1850)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em História.

Aprovada em: 17/02/2020.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Profº. Dr. Marcus J. M. de Carvalho (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco

________________________________________________
Profº. Dr. Bruno Augusto Dornelas Câmara (Co-orientador)
Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns

________________________________________________
Profº. Dr. Robson Pedrosa Costa (Examinador Externo)
Instituição Federal de Pernambuco – Campus Recife

________________________________________________
Profº. Dr. Karina Moreira Ribeiro da Silva e Melo (Examinador Externo)
Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que de forma direta ou indireta participaram da construção desta


dissertação. Aos meus professores, que me apoiaram e orientaram-me com dedicação e
paciência e principalmente pelas contribuições extremamente importantes para a minha vida
pessoal e acadêmica.
A FACEPE, através do Programa de Concessão de Bolsas de Pós-Graduação, pelo apoio
fundamental para o fortalecimento da minha pesquisa nos arquivos do Recife.
Em especial, ao meu orientador Prof. Marcus Carvalho por me receber na pós-graduação
o melhor possível. Sendo sempre muito solícito quanto as minhas dúvidas. Essa dissertação é
resultado, portanto, das suas orientações. O senhor é um exemplo de profissional, obrigado pela
oportunidade de ter compartilhado comigo tantos ensinamentos.
Ao coorientador Bruno Augusto Dornelas Câmara que me acompanha desde a
graduação, por seus ensinamentos, dedicação, apoio e orientação. Fundamental na minha
carreira acadêmica. Profissional de índole incontestável, que nos momentos mais difíceis dessa
pesquisa, esteve ao meu lado, me incentivando. Deixo aqui os mais singelos agradecimentos,
pois, sem ele, essa pesquisa não teria acontecido.
Aos meus amigos que muito contribuíram para a realização desta pesquisa. Desde a
graduação até o mestrado, todos foram extremamente importantes nesse processo: Aline,
Deylla, Ana Raquel, João Miguel, Raphaela, Fred, Jefferson, Roney, Graziela, Ivan, Leandro,
Lucirley, Gabriela Chalegre e Ana Paula.
Aos também amigos: Walkiria Alves, que me envolveu nas ações em prol da pessoa
negra e ao professor Cláudio Gonçalves, que com a sua simpatia e humildade demonstrou que
com dedicação e entusiasmo, consegue-se chegar ao objetivo.
Impreterivelmente a equipe de profissionais que compõem a Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Pernambuco, o meu muito obrigado!
Agradeço ao professor Robson e a professora Karina por terem aceitado participar tanto
da banca de qualificação como da defesa deste trabalho. As dicas e correções no texto desta
dissertação foram essenciais para a conclusão desta etapa.
Por toda a atenção recebida em cada instituição que visitei para a realização da pesquisa
(APEJE, IAHGP, TSTJ, IHGCG). A equipe do arquivo público do Recife, em especial ao
pesquisador Hildo Leal pela disponibilidade em me receber-me sempre que precisei.
Quero agradecer também a pesquisadora Ivete de Morais Cintra. Pois, descobri que foi
ela que preservou boa parte da documentação de Garanhuns, quando umas das autoridades de
município no século passado, mandou que jogasse e queimasse a documentação. A sua
dedicação foi fundamental para que eu pudesse desenvolver esta pesquisa.
Não posso deixar de mencionar Dona Lúcia, que me abraçou como um filho. No meu
primeiro ano de pós-graduação fiquei na sua casa. Ela, com todo carinho, aconselhou-me e
ensinou-me muitas coisas. Mulher de valor, foi imprescindível nessa caminhada.
A minha sogra, que sempre esteve ao meu lado, compartilhando as minhas tristezas e
alegrias, tendo assim, um papel fundamental no meu processo de desenvolvimento.
A minha dívida com a minha esposa Layze Valentim de Melo Silva é imensa. Sempre
disponível a ouvir as minhas dúvidas. Por isso, tenho uma vida de eternos agradecimentos.
Aos meus pais, Gilvan Francisco da Silva e Silvania Maria da Silva, que nunca mediram
esforços para que eu pudesse ter oportunidades na vida. Obrigado por tudo!
Os teus vales bravios outrora esconderam fugitivos de cor (SANTOS, 1996).
RESUMO

As pesquisas que têm ampliado a dimensão, variedade e modos de ocupação, produção


e exploração dos territórios brasileiros são fundamentais para se compor uma história agrária,
uma história que compreenda outros espaços, indo muito além das áreas das grandes
agriculturas de exportação. Assim, as pesquisas que aprofundam o impacto da escravidão nas
áreas ditas “periféricas” podem sempre ampliar o que conhecemos sobre o trabalho escravo nas
pequenas e médias propriedades. Nesse intuito, a presente dissertação tem como objetivo o
estudo da escravidão negra na economia e na sociedade agropastoril do Agreste de Pernambuco,
com ênfase, em particular, na Vila e Comarca de Garanhuns, entre os anos de 1800 e 1850. A
região foi fortemente marcada por uma escravidão distribuída em pequenas propriedades, mas
que não deixou de possuir traços comuns a outros espaços escravistas do Brasil Império, como
a exploração, violência, opressão e resistência que marcou as tortuosas relações entre senhores
e escravos ao longo do século XIX. Para realizar esta pesquisa, uma significativa variedade de
fontes foi utilizada: inventários post-mortem, testamentos, livros de batismo e de nota de
tabelião (a chamada documentação cartorial e eclesiástica dos municípios), autos criminais e
anúncios de jornais. Por fim, esta pesquisa procura dar maior visibilidade a cultura escrava
constituída em Garanhuns na perspectiva de uma História Social e uma abordagem serial. A
partir da análise das fontes citadas, é possível perceber a dinâmica, a intensidade e a
capilarizarão do sistema escravista no interior de Pernambuco.

Palavras-chave: Trabalho escravo. Pequenas e médias propriedades. Agreste de Pernambuco.


ABSTRACT

Research that has expanded the size, variety and modes of occupation, production and
exploitation of Brazilian territories is fundamental to compose an agrarian history, a history that
includes other spaces, going far beyond the areas of large export agriculture. Thus, research that
deepens the impact of slavery in so-called “peripheral” areas can always broaden what we know
about slave labor in small and medium-sized properties. To this end, this dissertation aims to
study black slavery in the economy and agro-pastoral society of the Agreste de Pernambuco,
with emphasis on the village and district of Garanhuns, between the years 1800 and 1850. The
region It was strongly marked by slavery distributed on small estates, but which nonetheless
had features common to other slave spaces of the Brazilian Empire, such as exploitation,
violence, oppression and resistance that marked the tortuous relations between masters and
slaves throughout the 19th century. To carry out this research, a significant variety of sources
were used: postmortem inventories, wills, baptism, and notary notebooks (the so-called notary
and ecclesiastical documentation of municipalities), criminal records and newspaper
advertisements. Finally, this research seeks to give greater visibility to the slave culture
constituted in Garanhuns from the perspective of a Social History and a serial approach. From
the analysis of the mentioned sources, it is possible to understand the dynamics, intensity and
capillarization of the slave system in the interior of Pernambuco.

Keywords: Slave labor. Small and medium properties. Agreste de Pernambuco.


LISTA DE SIGLAS

APEJE ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL JORDÃO EMERENCIANO


BND BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL
BSF BIBLIOTECA DO SENADO FEDERAL
HDBN HEMEROTECA DIGITAL DA BIBLIOTECA NACIONAL
IAHGP INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
PERNAMBUCO
IHGCG INSTITUTO HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E CULTURAL DE
GARANHUNS
LAPEH-UFPE LABORATÓRIO DE PESQUISA E ENSINO DE HISTÓRIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
TJPE TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO (MEMORIAL DA
JUSTIÇA)
TSTD THE TRANSATLANTIC SLAVE TRADE DATABASE
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 11
2 DIMENSÕES DA PROPRIEDADE ESCRAVA EM GARANHUNS NA
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX.................................................... 24
2.1 MANOEL JOSÉ CORREA DE MELLO: O MAIOR PROPIETÁRIO DE
ESCRAVOS INVENTARIADO ...................................................................... 37
2.2 A CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE ESCRAVA E SUA
DISTRIBUIÇÃO NOS INVENTÁRIOS DE GARANHUNS .......................... 43
2.3 POSSE DE TERRAS, CULTIVO E CRIAÇÃO: O ALGODÃO, A
FARINHA DE MANDIOCA E A PECUÁRIA ................................................ 51
3 ESCRAVOS, SENHORES E A OPRESSÃO DO CATIVEIRO ................. 70
3.1 OS ANÚNCIOS DE FUGA ESCRAVA REFERENTES AO AGRESTE
PERNAMBUCANO ......................................................................................... 72
3.2 A FUGA ESCRAVA NOS INVENTÁRIOS POST-MORTEME ..................... 80
3.3 FURTO DE ESCRAVOS: OUTRA FACETA DA RESISTÊNCIA
ESCRAVA ....................................................................................................... 84
4 TRÁFICO ILEGAL E ROTAS DE DISTRIBUIÇÃO DE ESCRAVOS
PARA O AGRESTE PERNAMBUCANO .................................................... 90
4.1 O CASO DO SÍLFIDE: TRÁFICO, ILEGALIDADE E INTRODUÇÃO DE
ESCRAVOS NO INTERIOR DE PERNAMBUCO ......................................... 92
4.2 RECEPÇÃO E REDISTRIBUIÇÃO: O COMÉRCIO ESCRAVO
DESCRITO NAS AÇÕES DE LIBERDADE .................................................. 98
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 108
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 111
APÊNDICE A – FONTES COMPLEMENTARES DA PESQUISA .......... 116
11

1 INTRODUÇÃO

A cidade do Recife moldou certa identidade hegemônica para toda a Província de


Pernambuco. Como afirma Raimundo Arrais, a historiografia consagrou a hegemonia
econômica e administrativa do Recife, como sendo a história de Pernambuco.1 O mesmo se
pode perceber em relação à história da escravidão na província, sobretudo a encontrada na Zona
da Mata das plantations do açúcar, que acabou a consagrar uma identidade ao regime escravista
para toda a região. Espaços que não eram considerados significativos como aqueles que se
dedicavam à pecuária e a agricultura de subsistência, longe da cana-de-açúcar, não tinham
importância neste sistema. Como destaca Luciano Mendonça, “ao contrário do que se imaginou
durante muito tempo, a história da escravidão e do escravismo no Brasil não se reduzia a uma
grande plantation”.2
Para Suzana Cavani, além de todo peso da historiografia, ainda povoa no imaginário da
população das capitais do Nordeste, como no caso do Recife, um senso comum de que as
fronteiras da escravidão seriam delimitadas pelos engenhos da região da Zona da Mata.3 A ideia
recorrente, se dá pelo viés econômico. As economias ali desenvolvidas, ao oeste do planalto da
Borborema, seriam incapazes de gerar capitais suficientes para a aquisição de escravos por parte
daqueles produtores. Já que a criação de gado foi considerada durante muito tempo uma
atividade econômica subsidiária da cana-de-açúcar.
A escravidão no Agreste e no Sertão foi muito questionada. Considerada improvável e
mesmo rara até na economia pastoril, os estudos nessa área, na década de 1970, deram pouca
relevância social ao trabalho escravo. No entanto, nos últimos 30 anos, avanços significativos
foram constatados. Suzana Cavani e Tanya Maria Pires Brandão ressaltam que até a década de
1970, a historiografia teimava em negar o desenvolvimento de uma sociedade escravista sólida
no semiárido pernambucano.4 Estudos como os de Caio Prado Junior, Celso Furtado, Alberto
Passos Guimarães, Nelson Werneck Sodré e Manuel Correia de Andrade não associavam as
fazendas de gado e as lavouras do semiárido nordestino com o trabalho de cativos africanos e
os seus descendentes.

1
ARRAIS, Raimundo. O pântano e o riacho: a formação do espaço público no Recife do século XIX. São
Paulo: Humanas / FFLCH/USP, 2004, p. 10.
2
LIMA, Luciano Mendonça de. Cativos da “Rainha da Borborema”: uma história social da escravidão em
Campina Grande – século XIX. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2009, p. 156.
3
ROSAS, Suzana Cavani. Escravos e senhores no Sertão de Pernambuco. In. ROSAS, Suzana Cavani;
BRANDÃO, Tanya Maria Pires (org.). Os sertões: espaços, tempos, movimentos. Recife: Editora Universitária,
2010, p. 132.
4
ROSAS, Suzana Cavani; BRANDÃO, Tanya Maria Pires (org.). Op cit., 2010, p. 128.
12

É importante destacar, que mesmo uma história dita “agrária” ainda não tinha dado a
devida atenção a outros espaços de produção, fixando um olhar apenas no que Maria Yedda
Linhares chamou de “visão plantation”.5 A autora criticava o que teria sido consagrado na obra
de Gilberto Freire, que defendia a ideia de que as regiões litorâneas, as zonas de mata atlântica
do Nordeste do Brasil estavam estabelecidas na tríade “latifúndio, escravidão e monocultura”,
num período que ia de meados do século XVI ao XIX. Linhares chamava a atenção para as
outras lavouras de alimentos e das pequenas criações.
Ainda sobre esta historiografia, Suzana Cavani, citando Maria Yedda Linhares, ressalta
que:
Tais estudos, se por um lado, representaram um marco para o avanço da historiografia
econômica, especialmente com relação à abordagem da gênese e desenvolvimento da
organização da produção colonial, por outro, mostraram-se limitados em sua análise
sobre as possibilidades da utilização da mão de obra escrava em atividades não ligadas
a monocultura agroexportadora, entendida esta como caracterizada pela produção em
larga escala para o mercado externo, grandes planteis de cativos e latifúndio. Na
verdade, ao descobrirem na plantation a principal forma de organização escravista de
produção, tais abordagens tenderam apenas a conceber nessa estrutura a razão de ser
da escravidão no Brasil. Em consequência deste excessivo esquematismo e
reducionismo, desvalorizou-se ou simplesmente negou-se a existência de um universo
mais amplo, complexo e diversificado da produção escravista no Brasil. (LINHARES,
1979, Apud ROSAS, 2010, p. 132).

A própria história social também seguiu o mesmo caminho da história econômica. A


ideia corrente de que não existiu escravidão para além da Zona da Mata, acabou por tornar
quase “invisível” o trabalho escravo nas atividades agropastoris. A utilização de mão de obra
escrava em atividades não ligadas a monocultura agroexportadora (lê-se cana-de-açúcar),
apesar dos avanços da historiografia, mesmo assim, permanece uma incógnita.
É importante destacar que o território do Agreste, assim como o do Sertão, foi
paulatinamente ocupado pela força da expansão da pecuária e quase que concomitantemente
com a implantação da escravidão, que deu origem às fazendas de gado e à várias povoações e
vilas. Porém, é com o “boom algodoeiro”, que esta região se desenvolve mais acentuadamente.
Para Versiani e Vergolino, “a economia do Agreste evoluiu, assim, para uma estrutura produtiva
mais diversificada – algodão, lavoura de alimentos e gado –, em contraste com a Mata, onde
predominava a cana-de-açúcar, e o Sertão, mais voltado à atividade criatória”.6 A expansão da
economia algodoeira apresentou significativa repercussão no território pernambucano. Além

5
ROSAS, Suzana Cavani; BRANDÃO, Tanya Maria Pires (org.). Os sertões: espaços, tempos, movimentos.
Recife: Editora Universitária, 2010. Apud LINHARES, Maria Yeda & SILVA, Francisco Carlos Teixeira da.
História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Binagri, 1979.
6
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Posse de escravos e estrutura da
riqueza no agreste e sertão de Pernambuco: 1777-1887. Estud. Econ. [online]. 2003, p. 359.
13

do mais “no final da colheita, a chamada “rama” do algodoeiro, servia de ração para o gado”.7
Isso era extremamente animador para os latifundiários da região, criadores de gado, que
conseguiam aumentar os seus lucros consideravelmente.
O território que hoje se encontra o município de Garanhuns foi fruto desse processo de
expansão, do confronto dos primeiros colonizadores com os povos nativos locais (segundo a
tradição local, o lugar teria sido “primitivamente [uma] aldeia de índios”),8 da ocupação das
sesmarias em fazendas, e das transformações de algumas fazendas em povoados. É importante
destacar, que a interiorização dessas terras coincide também com o desmonte do Quilombo de
Palmares. Esses lugares sugiram do desmembramento das terras das grandes propriedades
originárias das sesmarias. A ocupação dessas terras, distantes do litoral, gerou a necessidade de
se estabelecerem caminhos que transportavam gado, gêneros de primeira necessidade e mão de
obra escrava. Nesse intuito, é de fundamental importância as pesquisas que têm ampliado a
dimensão dos territórios que vão além dos que estão relacionados as agriculturas de exportação.
Essas pesquisas, acabam por aprofundar o impacto da escravidão nas áreas ditas “periféricas”,
onde o trabalho escravo também foi amplamente difundido. Todavia, surpreende o descaso da
historiografia sobre a escravidão no Agreste pernambucano, uma vez que os documentos
pesquisados nesta dissertação evidenciam que Garanhuns e outras povoações do Agreste
receberam um significativo número de escravos, muitos deles africanos, o que coloca a região
também no mapa do tráfico transatlântico de escravos. Ainda na década de 1870, encontra-se
um significativo contingente de escravos na Paróquia de Santo Antonio de Garanhuns (949
escravos, todos, segundo o registro, nascidos no Brasil).9 Isso atesta a sua importância para a
economia do território.
Outro ponto importante, é que até o fim do século XIX, o conceito de Sertão foi muito
utilizado para designar o interior. Os territórios que se localizavam longe das Serras das Russas
eram considerados como sertões. Para Kalina Vanderlei, “o sertão é um espaço ainda não muito
bem delimitado, percebido como a antítese da imagem de civilização”.10 Com o passar do
tempo, essa concepção não abarcava mais as especificidades do território. Dentro desta

7
MONTE, Edmundo. Agreste pernambucano: gado, culturas agrícolas e os índios xucurus do Ororubá. XII
Encontro de Ciências Sociais da UFPE, 2010, p. 5.
8
GALVÃO, Sebastião Vasconcellos. Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1908, Volume I (A-O), p. 269.
9
Recenseamento do Brazil em 1872. Rio de Janeiro, Editor Typ. G. Leuzinger. Biblioteca do IBGE. Disponível
em: https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-ca talogo?id=2254 77&view=detalhes. Acesso em: 3 Ago. de 2018.
10
SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. Nas solidões vastas e assustadoras - os pobres do açúcar e a conquista
do sertão de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003, p. 18.
14

perspectiva, Moura Filho ressalta que “o Agreste, em nome e realidade é filho da própria
diversificação regional, quando esta ultrapassou a antiga oposição mata-sertão”.11
Estabelecido no planalto da Borborema, o Agreste integrou sua a economia ao litoral e
ao Sertão após a sua ocupação. Com ambientes diversos, possibilitou que colonos ocupassem
o território para outras economias, como no caso da criação de gado, uma economia paralela à
cana-de-açúcar e ligada desde o início ao povoamento do Agreste, que se configurou em
decorrência da tração animal que viabilizava o transporte da produção do interior para o litoral.
É com essa cultura pastoril e com as doações de sesmarias, que essa região passa a integrar o
horizonte dos primeiros colonos. Fazendas e currais foram sendo criadas nesse processo.
Sobre a historiografia da escravidão no Agreste, o que há sobre o assunto não é nada
comparável ao que já foi escrito sobre a escravidão na economia da grande lavoura da cana-de-
açúcar ou sobre a escravidão urbana nas grandes cidades do Império.12 O que se tem escrito
pode ser enquadrado como notas de memorialistas ou mesmo crônicas. Dentre os poucos
trabalhos levantados sobre a escravidão no Agreste de Pernambuco, destaca-se o livro pioneiro
de Ivete de Morais Cintra, “Gado brabo de senhores e senzalas” (1988).13 A autora retrata os
mais diversos aspectos da escravidão em São Bento do Una, território que era termo de
Garanhuns até meados de 1850, com uma pesquisa ampla nos inventários post-mortem, ações
de liberdade, cartas de alforria e escrituras de compra e venda de escravos. Apesar da relevância
desse estudo, a própria autora afirma que não havia intensão de problematizar o tema, e sim,
levantar dados de uma região que se desenvolveu predominantemente com à mão de obra
escrava.
Com base na historiografia local, também podemos destacar alguns aspectos da
escravidão na região, mesmo que de forma superficial. No livro intitulado “Os Aldeões de
Garanhuns” (1987), Alberto da Silva Rêgo fala sobre o fazendeiro Antonio Cardeal de
Azevedo, que possuía muitos escravos no município, e segundo relatos, sofreu inúmeros
prejuízos com a libertação dos seus cativos com a Lei Áurea. O riquíssimo fazendeiro ficou
sem mão de obra escrava e “sem nenhuma recompensa pelo Governo Federal a fim de equilibrar
a área econômica”.14 Por fim, não podemos deixar de mencionar o livro “Terra de Garanhuns”

11
MOURA FILHO, Heitor Pinto de. Um século de pernambucanos mal contados: Estatísticas demográficas
nos oitocentos. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2005, p. 105.
12
CARVALHO, Marcus J. M. de. Liberdade: rotinas e ruptura do escravismo no Recife, 1822-1850. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 1998.
13
CINTRA, Ivete de Morais. Gado brabo de senhores e senzalas. Prefácio de Napoleão Barroso Braga. Recife,
FIAM/Centro de Estudos de História Municipal, 1988.
14
RÊGO, Alberto da Silva. Os Aldeões de Garanhuns, sua gente, seus jovens, suas associações, o mundo
literário, os “players”, os poetas, e árvores genealógicas. Recife, FIAM/Centro de Estudos de História
Municipal, 1987, p. 103-104.
15

(1950) de João de Deus de Oliveira Dias que, ao retratar a escravidão na formação de


Garanhuns, trouxe como exemplo a fotografia de uma moça de origem Bantu de Garanhuns da
primeira metade do século XX.15 Essas produções, mesmo não se preocupando em aprofundar
essa temática, acabam por fornecer mais um indício do regime escravista na região.
Flávio Rabelo Versiani e José Raimundo Oliveira Vergolino desenvolveram uma grande
pesquisa sobre a escravidão no Agreste e Sertão de Pernambuco, sob o viés de uma história
quantitativa e econômica.16 Diversos artigos foram extraídos dessa pesquisa, destacando que
uma parcela significativa dos escravos da província estava localizada fora da zona açucareira,
ou seja, no Agreste e no Sertão.
Os trabalhos citados acima, se somados aos documentos levantados nesta pesquisa,
evidenciam a forte influência do município no sistema escravista. Sendo assim, ainda é
relativamente pouco o que se sabe sobre o regime escravista que se fez presente para além da
Zona da Mata, responsável pela “dinamicidade” da economia da Província de Pernambuco. E
ao estudar a escravidão nos inventários post-mortem e outras fontes, é possível esclarecer outros
aspectos da formação fundiária e urbana de Garanhuns. Como destaca Gwendolyn Midlo Hall,
“os escravos eram definidos legalmente como propriedade, portanto, muitas vezes há mais
informações listadas em documentos sobre eles do que sobre pessoas livres”.17
Até 1850 ocorreu uma ampla disseminação da propriedade escrava para além da
plantation. Segundo Luana Teixeira, os preços relativamente baixos dos escravos produziram
uma situação em que, “mesmo nos mais recônditos sertões brasileiros, quem possuísse capital
suficiente para adquirir um escravo, o fazia. Até aquele momento não havia riqueza sem
escravidão”.18 E ao estudar a história da escravidão é possível esclarecer as relações entre
proprietários de escravos, escravizados e gente pobre livre do lugar.
Versiani e Vergolino, trabalhando com os dados do censo compilado por Figueira de
Mello, ressaltam, que os levantamentos populacionais produzidos pelas autoridades provinciais
em 1827 e no início da década de 1840, pontuam que menos de 28% dos escravos de
Pernambuco estavam distribuídos nos municípios do Agreste, e, apenas cerca de 5% a 9% no
Sertão. Para os autores, no Censo de 1872, esses números chegam a 23% dos escravos da
província nos municípios do Agreste e 8% no Sertão. Em resumo, a mão de obra cativa fora da

15
DIAS, João de Deus de Oliveira. Terra de Garanhuns. Garanhuns, 1950, p. 97.
16
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Op cit., 2003, p. 360-361.
17
HALL, Gwendolyn Midlo. Escravidão e etnias africanas nas Américas: restaurando os elos. Petrópolis,
Rio de Janeiro, 2017, p. 77.
18
TEIXEIRA, Luana. O comércio interprovincial de escravos em Alagoas no Segundo Reinado. Tese de
Doutorado, CFCH, UFPE, 2016, p. 14.
16

Zona da Mata variava em torno de 30% e 40% do total.19 Por mais conservadores que sejam
esses números, eles indicam um significativo contingente de escravos nas regiões fora da zona
açucareira.
Uma primeira preocupação que tivemos em face ao nosso trabalho foi que a nossa
pesquisa se inserisse na perspectiva de uma História Social mais abrangente. Como bem pontua
José D’Assunção Barros, a história social é “uma espécie de categoria transcendente que acaba
perpassando ou mesmo englobando todas as outras especialidades da História”,20 adentrando
pela economia, a resistência escrava, a demografia, a produção agrícola local, etc.
Corroborando com essa ideia, Eric Hobsbawm destaca que “a história social nunca pode ser
mais uma especialização, como a história econômica ou outras histórias hifenizadas, porque o
seu tema não pode ser isolado”.21 A presente pesquisa comunga dessa concepção, que também
tem sido adotada por outros historiadores que trabalham a escravidão no quadro da História
Social em um meio rural, indo além da oposição de escravos e senhores dos grandes centros
urbanos. Em outras palavras, procuramos examinar a dimensão social da escravidão em
Garanhuns, analisando as relações sociais escravistas que contribuíram para o desenvolvimento
do município.
Neste trabalho foi adotada uma abordagem serial. Ainda sobre esse método, José
D’Assunção Barros afirma que o campo da história serial trata de “abordar fontes com algum
nível de homogeneidade, e que se abram para a possibilidade de quantificar ou de serializar as
informações ali perceptíveis no intuito de identificar as regularidades”.22 Vale ressaltar que as
fontes cartoriais e eclesiásticas utilizadas nessa pesquisa se prestam de maneira adequada a
abordagem serial. Como destaca ainda José D’Assunção Barros:
A História Serial refere-se ao uso de um determinando tipo de fontes (homogenias, do
mesmo tipo, referentes a um período coerente com o problema a ser examinado), e
que permitiam uma determinada forma de tratamento (a serialização de dados, a
identificação de elementos ou ocorrências comuns que permitam a identificação de
um padrão e, na contrapartida, uma atenção as diferenças, as vezes graduais, para se
medir variações). (BARROS, 2013, p. 149).

A presente dissertação divide-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo trata acerca


da introdução dessa dissertação. O segundo capítulo trata acerca do perfil dos proprietários de
escravos de Garanhuns entre os anos de 1800 e 1850, buscando abordar uma estrutura social
bastante diversificada, principalmente pelas mais importantes atividades desenvolvidas e os

19
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Op cit., 2010, p. 2003, p. 360-361.
20
BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. Petrópolis, Rio de Janeiro,
2013, p. 110.
21
HOBSBAWN. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 87.
22
BARROS, José D’Assunção. Op cit., 2013, p. 147.
17

seus grupos sociais participantes. Além disso, apresenta Garanhuns como zona de mediação de
um significativo mercado interno. Por ali, produzia-se e passava o gado, a farinha de mandioca
e outros gêneros de subsistência, o algodão, entre outros produtos.
No terceiro capítulo, intitulado “Senhores, escravos e a opressão do cativeiro”,
procuramos analisar as fugas escravas referentes à Garanhuns na primeira metade do século
XIX, numa tentativa de melhor entender essa resistência. Ao contarmos as histórias dessas
fugas e os possíveis paradeiros dos fujões, é possível identificar também os aparelhos
repressivos da época, e inclusive, contemplar algumas estratégias utilizadas por esses
escravizados no caminho para a liberdade. Por fim, este capítulo apresenta-se como uma
oportunidade para discutir aspectos das tensões entre senhores e escravizados no interior de
Pernambuco.
Os primeiros capítulos servem de base para o leitor entender a participação de
Garanhuns no sistema escravista. Neste sentido, o quarto capítulo é uma tentativa de identificar
e compreender o comércio Atlântico ilegal de escravos, sobretudo, as rotas que conduziam esses
africanos do litoral para o Agreste de Pernambuco, mais especificamente em Garanhuns. Bem
como, as possíveis rotas de abastecimento e distribuição da propriedade escrava na região,
pontuando as evidências do tráfico ilegal achado em “ações de liberdade”, nos “inventários
post-mortem” e em outros documentos que relatam a entrada ilegal de escravos na região.
Um dos problemas recorrentes nessa pesquisa diz respeito ao recorte espacial. O
presente trabalho optou por fazer um recorte da região Agreste, mais especificamente um estudo
de caso da escravidão em Garanhuns, que na divisão territorial de Pernambuco se encontrava
no Agreste da Província, uma região intermediária, entre a Zona da Mata e o Sertão, que começa
no outro lado da serra da Borborema, tem um clima variado, com áreas mais úmidas e outras
mais secas (à medida que se aproxima das fronteiras com o Sertão).
18

Mapa 1 - Povoações do Agreste de Pernambuco surgidas ao longo do século XVIII

Garanhuns

Fonte: FIDEM, 2001. Apud. NEVES, André Lemoine. Análise morfológica de cidades do Agreste
pernambucano surgidas no século XVIII. X encontro nacional da ANPUR, 2003, p. 13.

No correr da pesquisa, outros problemas se fizeram presentes, como, por exemplo, a


delimitação precisa, as fronteiras ou limites territoriais de Garanhuns em relação a outros
lugares. As divisões administrativas de origem judicial (comarcas, termos e distritos de paz) se
confundem, às vezes, com as divisões de origem eclesiásticas (dioceses, paróquias e curato),
além das divisões puramente administrativas (município, vila e cidade) e mesmo policial
(delegacias e subdelegacias). No século XIX, essas divisões não eram assim tão claras, mesmo
para os contemporâneos. Além do mais, esses espaços “imaginados” sofreram modificações ao
longo do tempo, encolhendo ou mesmo aumentando a sua jurisdição, ou administração com
anexações ou desanexações de vilas, ou freguesias. Um exemplo disso é a própria criação da
Comarca de Garanhuns, pela lei de 6 de junho de 1836 (Garanhuns pertencia antes à Comarca
do Brejo da Madre de Deus). Assim, a Vila de Santo Antônio de Garanhuns passou a ter sob a
sua jurisdição cerca de vinte mil quilômetros quadrados. Segundo o texto da lei, Garanhuns
tinha como limites: ao norte com o termo de Cimbres, ao sul com Alagoas, a Leste com Santo-
Antão, e a oeste com Flores. Segundo Manoel da Costa Honorato, no seu Dicionário de 1863,
Garanhuns era ao mesmo tempo, Comarca, Termo, Munícipio, Freguesia e Vila.23
Adeline Daumard explica que para o estudo das divisões político-administrativas deve
“se considerar o efetivo populacional, é preciso não incluir a mais ou excluir a menos, vilas

23
HONORATO, Manoel da Costa. Diccionario topographico, estatístico e histórico da província de
Pernambuco. Recife: Typographia Universal, 1863. p. 50.
19

e/ou freguesias que se emanciparam, ou foram anexadas a outras jurisdições”. Por outro lado,
a autora destaca que “é preciso considerar também os fatores de ordem geográfica”.24
Já na segunda metade do século XVIII, a freguesia de Garanhuns era ao mesmo tempo,
segundo Manoel Cavalcanti Junior, “uma unidade eclesiástica, unidade eleitoral e, em
determinados momentos, área de jurisdição do juiz de paz (elemento integrante da ordem
judiciaria)”.25 O autor ressalta que Garanhuns era a segunda localidade, “em números de
habitantes no Agreste com 3.669, perdendo apenas para Bom Jardim. Embora de cunho
eclesiástico, as freguesias acabavam por dividir o município politicamente”.26 As divisões entre
unidades eleitorais e eclesiásticas também era outro problema, inclusive para os seus
contemporâneos. Essas divisões e subdivisões foram sempre complexas. É possível perceber
isso nos poucos registros populacionais para “Garanhuns”. Apesar de coletadas em tempos
distintos, é notável que a população variava bastante conforme as divisões administrativas.

Quadro 1 – Quadro Geral da População de Garanhuns – 1774/1872


Ano Garanhuns Homens Mulheres Total
1774 Sertões de Garanhuns 1.906 (51.94%) 1.763 (48.05%) 3.669
1828 Município 13.400 (52.27%) 12.235 (47.72%) 25.635
1842 Comarca 20.254 (43.48%) 26.327 (56.51%) 46.581
1872 Paróquia 13.053 (52.66%) 11.733 (47.33%) 24.786
Fonte: MENEZES, José Cezar de. Idea da População da Capitania de Pernambuco de 1774; MELLO, Jeronymo
Martiniano Figueira de. Ensaio sobre a Estatística Política e Civil da Província de Pernambuco de 1852; Primeiro
Recenseamento Geral do Império do Brasil de 1872.

Mesmo muitas dessas localidades se emancipando, a documentação era enviada para


Garanhuns. Não é por outro motivo que no APEJE, a coleção de inventários estava sob a guarda
do 2º Cartório de Garanhuns. Dessa forma, optou-se pela seguinte escolha: a palavra
“Garanhuns”, encontradas nos documentos, seja como vila ou comarca, seria o ponto central, o
norte deste estudo.
Em um mapa de 1868 da Província de Pernambuco, é possível “visualizar”, com relativa
clareza, a divisão das comarcas que compunham o território. A comarca de Garanhuns
compreendia os municípios de Garanhuns, Buíque e Bom Conselho de Papacaça (marcada em

24
DAUMARD, Adeline. História social do Brasil: teoria e metodologia. Curitiba: Ed. Universidade Federal
do Paraná, 1984. p. 73
25
CAVALCANTI JUNIOR, Manoel Nunes. “O egoísmo, a degradante vingança e o espírito de partido”: a
história do predomínio liberal ao movimento regressista (Pernambuco, 1834-1837). Recife, 2015, p. 31.
26
Ibid., p. 39.
20

azul, com o numeral romano XV). Porém, na primeira metade do XIX, o território da Comarca
de Garanhuns pegava trechos da então Comarca de Brejo da Madre de Deus (marcada em
amarelo, com o numeral romano XIV), como Cimbres e Pesqueira, de trechos da então comarca
de Caruaru (marcada em rosa, e com o numeral romano XIII), como São Bento do Una e
Altinho.

Mapa 2 – Comarcas de Pernambuco, 1868

Fonte: MENDES, Candido, 1818-1868. Atlas Nacional, Província de Pernambuco. Coleção de Mapas Históricos
de David Rumsey.

Para realizar esta pesquisa, pode-se dispor de uma significativa variedade de fontes. O
corpo documental que constitui essa pesquisa são os inventários post-mortem (documentos que
podem evidenciar os padrões de posse de escravos no Agreste), testamentos (registros das
últimas vontades de um indivíduo), livros de batismo e de nota de tabelião de Garanhuns (a
chamada documentação cartorial e eclesiástica dos municípios) e os anúncios de jornais (fonte
privilegiada para a compreensão do cotidiano dos escravos nesta região).
Esta pesquisa também envolveu um intenso trabalho de busca por fontes encontradas no
Arquivo Público Jordão Emerenciano (APEJE), no Memorial da Justiça de Pernambuco e no
Instituto Arqueológico Histórico Geográfico Pernambucano (IAHGP). Parte considerável
dessas fontes ainda não foram trabalhadas pela historiografia. Além do mais, os conteúdos
dessas fontes podem oferecer outras perspectivas de análise, não se resumindo apenas a uma
abordagem econômica e demográfica.
Parte significativa desse trabalho, sobretudo no que se refere aos dados quantitativos,
foram compilados dos inventários encontrados no APEJE. Sobre os inventários, José
21

D’Assunção Barros destaca que “uma série de inventários pode ajudar a recuperar todo um
perfil populacional de trabalhadores escravizados, atuantes em certa localidade e período”.27Ao
todo foram 239 inventários referentes ao período de 1800 até 1850. Esses documentos foram
fichados e inseridos num banco de dados, para auxiliar no entendimento de como se configurou
a concentração de cativos antes do fim do tráfico de escravos em 1850.
Em síntese, os inventários post-mortem são documentos que consistem na descrição,
por assim dizer, sucinta e individual dos bens de um indivíduo. O processo final é o
levantamento do espólio que será repartido legalmente entre herdeiros. Porém, caso não haja
herdeiros legítimos, as autoridades locais devem fazer o sequestro dos bens. Para o período
dessa pesquisa, encontra-se um certo padrão de organização destes registros/documentos.
Como folha de rosto (nome do juiz, inventariado, inventariante, local e data), lista de herdeiros,
testemunhas e em alguns casos, testamento anexado, além das contas do funeral, o espólio com
os bens móveis, imóveis, semoventes (escravos, gado vacum e cavalar, ovelhas, cabras), bens
de raiz, dívidas ativas, passivas, dotes, negócios em sociedade, encerramento do espólio e
documentos anexados, que comprovem, pagamento de impostos ou até mesmo pessoas que
depois do falecimento querem cobrar algum tipo de dívida, ou escravos que aleguem terem
sidos libertos, por fim, a soma dos bens, a partilha, a herança e a folha de contas do juiz e do
escrivão.
Estudar a escravidão sob os mais variados aspectos através dos inventários post-mortem
é um caminho possível. Segundo Pinsky, “as listagens de cativos podem servir para a
observação da família escrava, inclusive no que diz respeito a seu destino – unida ou separada
– quando da partilha dos bens entre os herdeiros”.28 Em Garanhuns encontramos um exemplo
da formação de família escrava no inventário de Anna Thereza (1835), quando na descrição dos
seus bens, achamos os escravos Paulo e Cipriana (ambos de nação Angola e casados) que
tiveram quatro filhos, três meninos e uma menina. Além do casal de crioulos Manoel e Anna
que tiveram seis filhos, quatro meninas e dois meninos.29 Na partilha, estes escravos foram
divididos entre oito herdeiros. Outro exemplo fica por conta do inventário de Francisca Teles
Botelho (1831), com a escrava de nome Izabel descrita no espólio, de nação Angola com 28

27
BARROS, José D’Assunção. Fontes históricas: introdução aos seus usos historiográficos. Petrópolis, Rio
de Janeiro, 2019, p. 148.
28
PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. 2.ed., I reimpressão, São Paulo: Contexto, 2008, p. 37.
29
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Anna Thereza, vila e comarca de Garanhuns, 1835, fl. 5 e 5v,
Caixa 1830.
22

anos e os seus dois filhos, o crioulinho José de 2 anos e outro crioulinho de 1 ano (sem nome
declarado).30
É verdade que os inventários nos permitem cobrir extensos recortes temporais. Por outro
lado, é preciso ter certo cuidado com esta fonte. Para Pinsky, “as informações de cada inventário
devem ser analisadas tendo pano de fundo o ciclo de vida”.31 Cada processo é realizado num
momento específico do inventariado que pode retratar os bens acumulados de uma vida toda,
ou até mesmo, um momento de crise. Maria Luiza Ferreira de Oliveira destaca que, “o
historiador, ao ler os inventários, depara, inevitavelmente, apenas com fragmentos de vidas
passadas”.32 No Brasil, esse documento “vêm sendo utilizado como fonte para a história social
e econômica”.33
Os inventários “podem se transformar em testemunhos sobre a morte, mas acima de
tudo, sobre a vida, em suas dimensões material e espiritual”,34 mesmo se construídos num
contexto de óbito. As suas limitações não ultrapassam o seu valor documental. É preciso
ampliar as análises da historiografia brasileira sobre o trabalho escravo no interior de
Pernambuco, justamente sobre a policultura da região e a propriedade escrava que se constituiu
em Garanhuns. Vale lembrar que, como afirmam Versiani e Vergolino, é necessário ter certos
cuidados com a documentação dos inventários, isso porque os “indivíduos inventariados
constituem uma amostra imperfeita da população respectiva”, pessoas de nível de renda mais
baixa com ausência ou escassez de bens não são inventariados.35
Por fim, vale ressaltar a importância dessa pesquisa para os dias atuais. O Agreste de
Pernambuco, assim como outras partes do Brasil, está povoado por um número significativo de
remanescentes das comunidades quilombolas. Dessa forma, este trabalho pode contribuir para
auxiliar na busca de políticas compensatórias para esses grupos que foram socialmente
excluídos da história e sofreram violações graves em decorrência da escravidão e do tráfico
transatlântico de escravos. Para Gwendolyn Midlo Hall:
Todos os povos que se encontraram e se misturaram nas Américas deram
contribuições fundamentais para sua economia, cultura, estética, linguagem e
habilidades de sobrevivência. Os africanos e seus descendentes receberam muito

30
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Francisca Teles Botelho, vila e comarca de Garanhuns, 1831,
fl. 6 e 6v. – CAIXA 1830. Segundo Manolo Florentino e José Roberto Góes, “os avaliadores de escravos só
registravam o pai se esse fosse casado como recomendava as prescrições da Igreja Católica. Frequentemente,
seguiam literalmente o preceito latino partus sequitur ventrem”, p. 214. Isso é possível observar nos inventários
post-mortem de Garanhuns.
31
PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Op cit., 2008, p. 69.
32
OLIVEIRA, Maria Luiza Ferreira de. Entre a casa e o armazém: relações sociais e experiências da
urbanização: São Paulo, 1850-1900. São Paulo: Alameda, 2005, p. 17
33
Ibid., p. 22.
34
PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Op cit., 2008, p. 93.
35
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Op cit.,2003, p. 363.
23

pouco reconhecimento por suas contribuições e sacrifícios, e muito pouco dos


benefícios. É hora de tornar visíveis os africanos invisíveis. (HALL, 2017, p.18).

Por essa e outras razões, não podemos ignorar a cultura escrava constituída em
Garanhuns no século XIX.
24

2 DIMENSÕES DA PROPRIEDADE ESCRAVA EM GARANHUNS NA PRIMEIRA


METADE DO SÉCULO XIX

Em 1811, Garanhuns foi elevada à condição de Vila. O crescimento urbano, o maior


número de pessoas vivendo ali e os esforços da elite local foram fatores responsáveis pela
mudança da categoria. A elite da terra havia requerido ao então governador da Capitania de
Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro (1804-1817), a emancipação desta
povoação. Para o governador, Garanhuns tinha possibilidade de crescer cada vez mais, com a
prosperidade da agricultura e do comércio interno.36 A tal prosperidade agrícola era fruto da
exploração da mão de obra escrava, e o comércio interno era provavelmente advindo da
localização estratégica da povoação, da sua proximidade com outras povoações do Sertão e da
Capitania de Alagoas (território separado da Capitania de Pernambuco depois da Revolução de
1817). Os padrões de renda da classe senhorial do lugar, baseados na sua maioria na mão de
obra escrava, conseguiram arcar com os custos da elevação da vila.
Para Pereira da Costa, “ao alvorecer do século XIX era já a povoação de Garanhuns um
centro de grande importância e atividade, cuja animação se estendia às terras que constituíam a
toda e dilatada zona do julgado e da paroquia pela situação de várias fazendas pastoris e de
sítios de cultura”.37 O esforço de elevar Garanhuns a condição de vila aparece em outros
documentos. Num ofício de 1787, o Ouvidor da Capitania de Pernambuco, Antônio Xavier
Moraes Teixeira, solicitou ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e
Castro, a elevação dos julgados de Garanhuns, Tacaratu, Pajeú e Cabrobó à categoria de vila.
A intenção era melhorar a aplicação da justiça e aumentar o controle da Coroa sobre essas
populações. Por Julgado entende-se um tribunal responsável por julgar pequenas causas na
jurisdição de um juiz. Para o Ouvidor, “o termo da cidade de Olinda tem a extensão de mais
de cento e trinta legoas (sic.), e nesta distância é dificultoso, e quase impossível punir, e evitar
os crimes, porque chega muito tarde a notícia deles a Capital”.38 Distante da capital, Garanhuns
e outras povoações do interior sofriam a carência do braço da justiça.

36
Biblioteca da Câmara dos Deputados: Coleção das leis do Brasil – 1811. Carta Régia – De 10 de Março 1811.
Erige em Villa a Povoação de Garanhuns em Capitania de Pernambuco. Rio de Janeiro imprensa nacional, 1890:
Brasil. [Leis etc.] (Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1890), p. 37. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/
bd/handle/bdcamara/18323. Acesso 23 Mar de 2019.
37
COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, 1795-1817. Arquivo Público Estadual Recife, Pernambuco.
Vol. VII, 1958, p. 72.
38
Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco. Ofício do ouvidor da Capitania de
Pernambuco, Antônio Xavier Moraes Teixeira Homem, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar],
Martinho de Melo e Castro. 30 de Agosto de 1787. Disponível em:
http://resgate.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=015
_PE&PagFis=110823&Pesq=garanhgar. Acesso 6 de Jan. de 2018.
25

Outro documento que nos ajuda a entender o desenvolvimento de Garanhuns é o


manuscrito da “Idea da população da Capitania de Pernambuco de 1774”, do Governador José
Cezar de Menezes, que, ao retratar o território de Pernambuco, nos traz informações
interessantes quanto a extensão, povoações, agricultura e número de habitantes, também dos
“Sertões de Garanhuns”. Estima-se que Garanhuns naquela época possuía vinte e cinco
fazendas de gado e muitas pessoas que viviam de “papas boiadas” (conduta das boiadas) para
a praça de Pernambuco e Bahia (muitos deles vaqueiros). Plantava-se milho, feijão, mandioca,
algodão e outras roças. Além de cana-de-açúcar “de quem fazem mil rapaduras”. A igreja matriz
é invocada na figura de Santo Antonio e a sua povoação era composta de 1.906 homens e 1.763
mulheres.39
A elevação a vila, em 1811, indica a mobilização da classe proprietária do lugar, já uma
referência econômica do Agreste pernambucano. No texto da Carta Régia, instâncias de poder
eram definidas, pontuando melhor a autonomia local. Além da casa da cadeia e do pelourinho,
Garanhuns teria também uma Câmara Municipal composta por Juiz Ordinário, Juiz de Órfãos,
Vereadores, Promotor, Almotaces, Tesoureiros, Tabeliães do Público, de Notas e Escrivão. É
possível notar, que toda uma burocracia vinha sendo montada para atender as transações
comerciais da região, transações essas de algodão, gado e escravos.
Tudo indica que a povoação, elevada à categoria de vila, por Carta Régia de 10 de março
de 1811, ainda não tinha a devida estrutura. Isso porque, segundo Alfredo Leite, ela somente
foi instalada em dezembro de 1813, em cerimônias solenes, com a “criação do Pelourinho e da
posse dos vereadores e demais autoridades”.40 A vila possuía 100 casas e recebia todos os anos
a visita do Ouvidor Corregedor e Provedor da Comarca do Sertão de Pernambuco, responsável
por fiscalizar o patrimônio, as rendas, a aplicação das leis, a negligência das autoridades e o
erário régio.
Na figura abaixo, podemos observar as primeiras tentativas de projeção dos arruamentos
do entorno urbano da vila de Garanhuns.

39
BND, Manuscrito da Idea da população da capitania de Pernambuco, e das suas anexas, extensão de suas
costas, rios e povoações notáveis. Agricultura, número dos engenhos, contratos e rendimentos reais, aumento que
estes tem tido, etc., desde o anno de 1774 em que tornou posso do governo das mesmas capitanias o governador
e capitam general José Cezar de Menezes, fls. 84 e 85. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div
manuscritos/mss1428178/mss1428178.pdf>. Acesso em 14 de junho de 2019.
40
CAVALCANTI, Alfredo Leite. História de Garanhuns. Centro de Estudos de História Municipal, Recife,
Pernambuco, 1983, p.191.
26

Figura 1 - Planta da vila de Garanhuns, 1854

Fonte: APEJE, Planta da vila de Garanhuns de 1854.

Para o funcionamento da vila, é possível dizer que alguns funcionários de carreira,


ocuparam determinados lugares na estrutura de poder. Porém, ficou ao arbítrio da elite local os
cargos de vereança, entre outros. Essa elite local era formada pela classe proprietária, que
durante muito tempo ocupou os cargos públicos do município. Eram indivíduos de famílias
tradicionais, donos de terra e escravos do lugar.
Por classe proprietária, pode-se incluir não só aqueles que possuíam propriedades rurais,
mas sobretudo, eram donos da mão de obra, ou melhor, de escravos. O presente capítulo é uma
tentativa de identificar e construir um perfil dos proprietários de escravos de Garanhuns entre
os anos de 1800 e 1850, bem como da sua escravaria e outros bens. O recorte temporal escolhido
teve como embasamento os inventários post-mortem do 2º Cartório de Garanhuns e as
mudanças ocorridas na sua jurisdição, quando, em 1811 foi criada a vila e em 1836 a Comarca.41
Vale lembrar que até a extinção do tráfico africano em 1850, a oferta de escravos no Brasil era
extremamente elástica. Isso possibilitava a utilização da força de trabalho cativa muito além
das fronteiras da plantation exportadora. O Agreste de Pernambuco se beneficiou dessa
expansão.

41
APEJE, Cartório De Garanhuns - 1761 a 1899, Nível de descrição: Série, Dimensão e suporte: 81 caixas.
27

Para esse estudo, foram listados 239 inventários. Desse montante, para uma análise
inicial, separamos 30 grandes proprietários. Por elite da terra, entende-se aqueles que eram
grandes escravocratas, donos de significativas porções de terras e, na sua maioria, participantes
ativos da esfera pública, gente que possuía cargos oficiais de poder. Para melhor compreensão,
fizemos um detalhado estudo do maior escravista da região, o Capitão Manoel José Correa de
Mello, fazendo sempre que possível, um paralelo entre ele e os seus pares.
O termo “grande proprietário/fazendeiro” é relativo, isso porque vai de acordo com cada
região específica. Ter como base as grandes plantations escravistas de cana-de-açúcar seria
perpetuar uma ideia que já vem a ser combatida pela historiografia. Estudos que fogem a esse
padrão têm revelado uma estrutura social bastante diversificada e “padrões de posse de escravos
mais complexos e menos concentrado”.42 Além do mais, os padrões de posse no meio urbano
contrastam bastante com o meio rural. Márcia Maria Menendes Motta, num estudo sobre os
homens livres no município Paraíba do Sul, província do Rio de Janeiro, explica que, “para os
fazendeiros, ser senhor e possuidor de terras implicava a capacidade de exercer o domínio sobre
as suas terras e sobre os homens que ali cultivavam (escravos, moradores e arrendatários)”.43
Ou seja, esse domínio dos grandes senhores não poderia ser medido ou limitado apenas com a
mão de obra escrava ou a posse de terras. O que os definia era “a dimensão do poder que eles
exercem”.44
Em um estudo sobre a posse de escravos no Sertão pernambucano de meados do século
XIX, Maria Ferreira Burlamarqui Proa destaca que era o gado, criado a céu aberto, o elemento
que dava riqueza e poder político. Isso porque, “a produção de gado e de seus derivados
abasteciam as zonas produtoras de açúcar e os arredores urbanos”. 45 Suzana Cavani também
lembra que: “os couros alentaram o comércio interno e externo, enquanto a carne seca e os
animais de tração tiveram como destino o mercado regional, inclusive o da Zona-da-Mata”.46
Isso demonstra que a riqueza não era só medida por terra, e sim por aquilo que poderia gerar
lucro, aumentar o patrimônio, como gado e escravos.

42
CARDOSO, Ciro Flamarion. Escravidão e Abolição no Brasil: Novas Perspectivas. Rio de Janeiro, editora
Jorge Zahar, 1988, p.32.
43
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do poder: conflito de terra e direito à terra no Brasil
do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998, p. 38.
44
Ibid., p. 38.
45
PROA, Maria Ferreira Burlamarqui. Fazendas-Condomínios: pecuária, agricultura e trabalho escravo no
Sertão Pernambucano em meados do XIX. In: BRANDÃO, Tanya Maria Pires/ CHRISTÍLINO, Cristiano
Luís. Nas bordas da plantation: agricultura e pecuária no Brasil Colônia e Império. Recife: editora UFPE, 2014,
p. 238.
46
ROSAS, Suzana Cavani. Op cit., 2010, p. 127-146.
28

A historiografia que trabalha com dados quantitativos sobre a posse de escravos, já


consagrou a divisão entre pequenos, médios e grandes proprietários. Porém, em alguns casos,
ela não pode dar conta da realidade, podendo ser assim ainda mais complexa. Ricardo Salles,
num detalhado estudo sobre a escravidão no município de Vassouras, no Vale do Paraíba,
pontua cinco faixas de proprietários de cativos: microproprietários (de 1 a 4 escravos),
pequenos (de 5 a 19), médios (de 20 a 49), grandes (de 50 a 99) e megaproprietários (100 ou
mais). Para o autor, Vassouras parece ter se diferenciado de outras regiões escravistas mais
tradicionais no Brasil, isso porque, lá a posse de escravos já nasceu concentrada, pouco se
alterando ao longo do século. O tráfico de escravos, até 1850, proporcionou uma rápida
acumulação da propriedade escrava nas mãos dos megaproprietários.47 Como bem pontuou
Salles, essas categorias não são estáticas, podendo não corresponder para outras regiões.
Em um estudo sobre a sociedade escravista em Campina Grande, no Agreste da Paraíba,
Luciano Mendonça de Lima divide os proprietários em três categorias: pequeno (de 01 até 03
escravos), médio (de 04 até 09) e grande (de 10 ou mais). Além disso, o autor usa como critério
a renda, o patrimônio bruto do inventário.48 O próprio autor, explica que a “fronteira entre as
três classes de proprietários de escravos não era de todo intransponível, podendo se deslocar
em todas as direções, tanto para cima como para baixo”.49 O mesmo pode ser percebido em
Garanhuns. No inventário de Joaquim Ferreira de Souza50 (1832) e no da sua esposa Francisca
Joaquina do Rosário51 (1835). Se comparados, identificamos o deslocamento da classe
proprietária de escravos, quando Joaquim Ferreira de Souza faleceu em Garanhuns e deixou no
seu espólio 13 escravos e três anos depois a sua esposa também faleceu, deixando apenas 7
cativos. Por esses critérios, a família deixou de ser um “grande proprietário” para se tornar um
“médio proprietário”. É possível especular que um número significativo de pequenos e médios
proprietários seja oriundo da própria partilha de bens, onde um grande proprietário, ao falecer,
deixou os seus escravos para serem repartidos entre os seus herdeiros.
Versiani e Vergolino, no já citado estudo sobre os padrões de propriedade escrava no
Agreste e Sertão, fogem dessa divisão. Eles pontuam por categorias, dividindo os proprietários

47
SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do
Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 31.
48
LIMA, Luciano Mendonça de. Op cit., 2009, p. 63.
49
Ibid., p. 170.
50
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Joaquim Ferreira de Souza, vila e comarca de Garanhuns,
1832, fls. 8, 8v. e 9, Caixa 1830.
51
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Francisca Joaquina do Rosário, vila e comarca de Garanhuns,
1835, fls. 4v. e 5, Caixa 1830.
29

em quatro categorias: 1º Categoria (de 1 até 5 escravos), 2º Categoria (de 6 a 10), 3º Categoria
(de 11 a 20) e 4º Categoria (mais de 20).52
No caso da presente pesquisa, para facilitar a análise dos dados, optou-se por dividir os
proprietários de escravos em três categorias: pequenos proprietários (que possuíam até 3
escravos), os médios proprietários (que tinham entre 4 e 10) e os grandes proprietários
(que possuíam 11 ou mais escravos).
Por grande proprietário, entende-se aqueles que possuíam 11 ou mais escravos e que
eram donos de vastas propriedades territoriais em Garanhuns. Como afirma Maria Ferreira
Burlamarqui Proa, “possuir terras foi o que primeiro distinguiu socialmente os indivíduos”.53
Possuíam reconhecimento social e acesso a terras, enquanto combinaram as culturas do
algodão, gado e agricultura de subsistência e conseguiram ampliar as suas riquezas com a
escravidão. Além do mais, como já destacado acima, alguns detém importantes cargos de poder
na municipalidade, na governança local, como juízes, vereadores, tesoureiros e capitães.
Esses cargos eram alcançados graças as rendas oriundas das propriedades rurais. Eles
ajudam-nos a entender a estrutura social da época. O Capitão Mathias da Costa Vilella é um
bom exemplo destas autoridades. Ele foi um dos cidadãos que assinou o regimento da nova
Câmara de vereadores da vila de Garanhuns, em 1813.54 Mas antes disso, em 1802, ainda como
Capitão de Infantaria das Ordenanças da freguesia, ele havia pedido, por um requerimento do
seu procurador Francisco Elesbão da Fonseca Barreto, a confirmação da sua carta patente ao
príncipe regente D. João.55 Possuir uma carta patente não era para todo o mundo. Ser
proprietário de terras e bens era um dos requisitos. Ele era morador do sítio da Barra Grande da
povoação de Papacaça e possuía 29 escravos.56 Além de várias propriedades de terras, como a
da Barra Grande, que possuía casa de vivenda, engenhoca e casa de farinha (avaliada em Rs.
800$000), metade de uma propriedade no sítio Papacaça (Rs. 200$000), outra propriedade no
sítio Papacaça (Rs. 100$000), uma propriedade com casa de vivenda (Rs. 300$000) e um
sobrado em acabamento na povoação de Garanhuns (Rs. 500$000).57 Segundo Sebastião de

52
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Op cit., 2003, p. 373.
53
PROA, Maria Ferreira Burlamarqui. Op cit., 2014, p. 235.
54
IHGCG. Fundo: Livro da Comarca de Vereadores de Garanhuns. Tipologia: Audiências de Correição, Criação
dos colégios eleitorais e educação. Nº de folhas: 137. 1814 a 1879.
55
Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco. Capitania de Pernambuco.
REQUERIMENTO do capitão de Infantaria da Ordenanças da freguesia de Garanhuns. Caixa 239, Doc. 16046.
Data de Emissão: ant. 1802, novembro, 10.
56
Papacaça – distante da vila de Bom Conselho meia légua; tem duas de comprimento, segue de leste a oeste, e
é coberta de cascarrés e agrestes, impróprios para plantações; porém produz milho, feijão, mandioca, algodão,
etc. Para um melhor entendimento, ver: Diccionario topographico de Manoel da Costa Honorato.
57
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Mathias da Costa Vilella, morador do Sítio Barra Grande -
Povoação de Papacaça, termo da vila de Garanhuns, 1829, fls. 03v.- 8, Caixa 1820.
30

Vasconcellos Galvão, foi o Capitão Mathias o responsável por fundar a primeira capela no local
onde hoje é a cidade de Bom Conselho, consagrando-a Jesus, Maria e José, funcionando ela
como matriz até a fundação da atual edificação58. Outro exemplo, fica por conta do inventário
do Capitão José Velho de Sobral (1833).59 Ele foi outra autoridade responsável pela
municipalidade de Garanhuns, um típico representante da classe proprietária de terras e de
escravos, que também assinou o regimento da nova Câmara de vereadores. A sua família residia
na fazenda Muribeca, distrito de Altinho no termo de Garanhuns e no seu inventário deixou 11
cativos, uma propriedade na Muribeca (no valor de Rs. 200$000), uma parte de terras no
Brejinho (Rs. 50$000), uma parte de terras no lugar do Altinho (Rs. 250$000), uma casa de
taipa na povoação do Altinho (Rs. 50$000) e mais 59 animais cavalares e 75 animais vacuns.
Assim, a elite da terra era constituída de proprietários que detinham determinados títulos,
patentes e ocupações de poder.
Existe um amplo leque de fontes que comprovam o uso de mão de obra escrava no
município, e os inventários fornecem uma ótima alternativa para mostrar que a escravidão
também se consolidou no espaço analisado. Os cativos eram os bens mais valiosos dos
inventários, até mesmo, se comparados aos valores estimados das terras e do gado. Yony
Sampaio no seu artigo sobre a economia escravista do Agreste e do Sertão do Nordeste, também
destaca isso, demonstrando “que a terra, no Agreste e no Sertão, valia pouco em comparação
com o valor de um escravo”.60 Mas nem tanto assim. Observamos isso, no inventário da grande
proprietária Francisca Xavier da Cruz, que possuía 19 escravos (avaliados por Rs. 1:835$000),
5 terras (com o valor estimado de Rs. 842$650) e 38 animais vacuns e cavalares (avaliados por
Rs. 500$000).61 A terra também tinha o seu valor. Outro exemplo, fica por conta do inventário
do Capitão Marcos da Costa Vilella (1833), que deixou no seu espólio 22 escravos (avaliados
por Rs. 2:225$000), 9 propriedades de terras (com o valor estimado de Rs. 527$600) e 34
animais vacuns e cavalares (avaliados por Rs. 347$000).62 É interessante perceber que o gado
e os escravos tinham um ótimo poder de liquidez para os proprietários de Garanhuns, e essas
economias representavam riqueza, poder e prestígio para os seus detentores.

58
GALVÃO, Sebastião Vasconcellos. Op cit., 1908, p. 99.
59
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de José Velho de Sobral, morador da fazenda Muribeca, distrito
de Altinho, termo da vila de Garanhuns, 1833, fls. 09-13v, Caixa 1830.
60
SAMPAIO, Yony. Capital e Terra na economia escravista do Agreste e do Sertão do Nordeste. In:
Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Número 61, Recife, 2005, p. 95.
61
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Francisca Xavier da Cruz, moradora no sítio Papacaça, termo
da vila de Garanhuns, 1834, fls. 08-11, Caixa 1830.
62
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Marcos da Costa Vilella, moradora da Povoação de Papacaça,
termo da vila de Garanhuns, 1833, fls. 08- 10v, Caixa 1830.
31

Outro dado interessante, é que a agricultura de subsistência destinada ao mercado


regional de alimento, sempre fez parte dessa paisagem do comércio interno e externo com
lavouras especializadas em mandioca, milho e feijão. É possível até especular, que os lucros
obtidos na agricultura de subsistência tenham sido reinvestidos na agricultura exportadora do
algodão ou na aquisição de mão de obra escrava. Pode-se perceber um exemplo disso, no
inventário de Fidelis da Costa de Andrade (1829), ele era considerado um pequeno proprietário
e deixou uma lavoura com mil covas de mandioca (no valor de Rs. 20$000) em duas partes de
terra no sítio do Poço (avaliadas em Rs. 54$584). Além de dois escravos (José de nação Angola
e Andreza crioula, avaliados em Rs. 330$000) que provavelmente foram comprados com os
lucros da agricultura de subsistência. Esses cativos representavam 49,94% do valor estimado
do patrimônio deste senhor.63 Outro exemplo é o de Gonçalo José (1825), também considerado
um pequeno proprietário que deixou no seu espólio uma roda de moer mandioca e algumas
ferramentas (enxadas, foices e machados), e três escravos (Joana de nação Angola, um crioulo
de 9 anos e o mulato Severino).64 É interessante perceber, que neste caso, o inventariado não
possuía terras, o que leva a crer que os cativos desenvolviam os seus trabalhos em terras
arrendadas. Esses escravos foram adquiridos e mantidos através da agricultura de subsistência.
Ao todo foram levantados 239 inventários, nos quais, 198 (82,84%) dos senhores eram
proprietários de pelo menos um escravo (o maior deles tinha 63 escravos). Os 30 grandes
senhores, possuíam 613 (47,55%) dos cativos. Concentrando no seu domínio quase, metade da
população escrava, que era de 1.289 indivíduos, encontrada nos inventários. O fato de cerca de
82,84% dos inventariados possuírem pelo menos um escravo, atesta a prosperidade da região
cuja economia estava em processo de expansão. Por outro lado, a amplitude da base de
sustentação do escravismo em Garanhuns pode evidenciar a própria longevidade da escravidão
na região.
Vale ressaltar que desse montante, apenas foram constatados alguns escravos em
inventários de herdeiros. Por exemplo: no inventário de Luiza Maria de Jesus (1829) são
descritos 12 escravos.65 Seis anos mais tarde, no inventário do seu marido, Francisco José de
Souza (1835), encontramos 7 escravos.66 Desses cativos podemos citar Manoel e Catharina

63
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de José Fidelis da Costa de Andrade, Sítio Canhoto, vila de
Garanhuns, 1829, fls. 03v.- 05v, Caixa 1820.
64
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Gonçalo José, Palmeira no lugar da Barra do Prata, Vila de
Garanhuns, 1825, fls. 04 - 05v, Caixa 1820.
65
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Luiza Maria de Jesus, moradora do sítio Iati, Vila de
Garanhuns, 1829, fls. 05 – 09, Caixa 1820.
66
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Francisco José de Souza, morador do sítio Boa Vista, Vila de
Garanhuns, 1835, fls. 06 – 07, Caixa 1830.
32

(ambos identificados como sendo de nação Angola), o seu filho Manoel de 7 anos, a escrava
Maria de Angola, o cativo Miguel também de Angola e o moleque Felix (cativos identificados
nos dois inventários). Apenas um escravo não fazia parte do primeiro inventário, era o outro
filho de Manoel e Catharina, a crioulinha de nome Francisca que tinha apenas 7 meses. Outro
exemplo, é o de Alexandre Munis de Melo67 (1804) e o da sua esposa Rosa Benta Joaquina68
(1813), no primeiro momento o casal possuía 7 escravos e em seguida com o falecimento da
viúva ficaram apenas 6 cativos. Nos dois processos, foram identificados os escravos, João de
nação Angola, Rita e o seu filho Manoel. Destacamos dois novos escravos descritos no espólio
de Rosa Benta Joaquina, isso porque são filhos (de pouca idade) da escrava Rita. Que diferente
do casal de escravos Catharina e Manoel citados acima, a escrava Rita não permaneceu com
todos os seus filhos, já que a mulata Maria (filha de Rita) foi passada para a neta da inventariada
Felícia Sebastiana ainda em vida. Com isso devemos deixar claro que alguns escravos se
repetem em outros inventários, aumentando em número o computo geral, mas nem tanto.
Em Campina Grande, na Paraíba, Luciano Mendonça de Lima também verificou a
existência de muitos pequenos proprietários (com 1, 2 ou 3 cativos). Para o autor, “esse
segmento constituía a maioria dos 570 inventariados com escravos, com os seus 304
representantes, correspondendo a um significativo percentual de 53,3%”.69 Outro dado
importante, é que os grandes proprietários de Campina Grande, assim como os de Garanhuns,
eram minoria, mas ambos concentravam nas suas mãos quase, metade dos cativos inventariados
nos dois municípios. Para Luciano Mendonça:
O quadro traçado nos leva à conclusão de que a constatação de um grande número de
pequenos escravistas não é incompatível com a existência de alguns poucos grandes
escravistas, ou seja, da concentração da propriedade. Em outros termos, a oferta
relativamente elástica de escravos não contradizia o fato da maioria deles se
concentrar nas mãos de uns poucos potentados. (LIMA, 2009, p.160).

No gráfico a seguir, observamos a divisão de três grupos de senhores de escravos de


Garanhuns:

67
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Alexandre Munis de Melo, Garanhuns, 1804, fls. 11 – 12,
Caixa 1803/05.
68
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Rosa Benta Joaquina, Vila de Garanhuns, 1813, fls. 07 – 08,
Caixa 1805/20.
69
LIMA, Luciano Mendonça de. Op cit., 2009, p. 159.
33

Gráfico 1 - Perfil dos inventariados – 1800/1850

12,60% 17,22%

32,35%

38,23%

41 proprietários sem escravos 91 pequenos proprietários


77 Médios proprietários 30 grandes proprietários

Fonte: APEJE, 2º Cartório de Garanhuns, inventários post-mortem.

Inicialmente, destacamos a difusão da propriedade escrava também entre os pequenos e


médios proprietários. A distribuição de mais da metade dos escravos entre os 168 pequenos e
médios senhores relativiza, em certa medida, a concentração da propriedade escrava apenas
entre os grandes proprietários. Os dados sugerem que os pequenos e médios proprietários
também participaram ativamente do comércio de escravos. O mercado de cativos não abasteceu
apenas a elite da terra. Carlos de Oliveira Malaquias, num estudo sobre “os senhores de poucos
escravos em Minas Gerais”, explica que “a pequena propriedade, no entanto, tinha um papel
central na hegemonia escravista brasileira. Ela entranhava os significados da vida senhorial no
terreno das relações sociais, servindo de raízes fortes para a permanência da escravidão”.70 Para
Bert J. Barickman, “a presença desses pequenos lavradores com tão reduzido número de
escravos tornava pouco nítida a fronteira entre a agricultura escravista e a produção
camponesa”.71
Um número de pequenos proprietários de escravos não foi nada específico do Agreste
pernambucano, ou mesmo, de outras localidades do interior. Em estudo sobre a escravidão de
pequeno porte no Recife, entre os anos de 1800 e 1877, Antonio Nunes Neto também encontrou

70
MALAQUIAS, Carlos de Oliveira. Os senhores de poucos escravos em Minas Gerais: escravarias e
tráfico negreiro em São José do Rio das Mortes, 1795-1831. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 10,
n. 1, jan.-jul., 2017, p. 145.
71
BARICKMAN, Bert Jude. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo,
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 265.
34

um número significativo de pequenos proprietários de escravos, com até 5 cativos. Eles


representavam 55% dos 532 inventariados pesquisados pelo autor.72 Para o autor, esses
proprietários com três a cinco escravos poderiam “dispor de mão-de-obra suficiente para algo
mais que o serviço de casa, implicando na inserção dos escravos em seus negócios privados, ou
fazendo do aluguel desta força de trabalho sua própria fonte de renda”.73
Ao analisar a propriedade de escravos na sociedade mineira na primeira metade do
século XIX, Douglas Cole Libby fala sobre o caráter “democrático” da distribuição dos
escravos. Isso porque, o maior grupo de proprietários de cativos na sociedade mineira possuía
entre 3 e 5 escravos. Para Libby, “pouco mais de dois terços dos proprietários possuíam cinco
escravos ou menos”.74 Em Garanhuns, os pequenos proprietários (de 1 a 3 escravos) como já
observado, representavam 38,23%. Os médios (de 4 a 10 escravos) representavam 32,35%. O
que compactua ainda mais com a afirmativa do Douglas Libby sobre o caráter mais democrático
da escravidão também no Agreste pernambucano, mais especificamente em Garanhuns, que
possuía uma base bastante alargada de pequenos e médios proprietários. Para o autor, “a
amplitude da base de sustentação do escravismo em Minas Gerais evidentemente tem
importantes implicações sobre a lentidão do processo abolicionista”.75 Ao que parece, o caso
mineiro tem certas semelhanças com o que ocorreu, pelo menos, no Agreste de Pernambuco.
Um dado interessante sobre os pequenos escravistas de Garanhuns, aparece quando
comparamos com os pequenos proprietários do Recife. Antonio Nunes Neto, ao abordar os
proprietários de um único escravo, ressalta que o valor dele “chegava a exceder ao somatório
de todos os demais ativos da família, incluindo os monetários e não monetários”.76 Situação
parecida foi observada nos inventários de Garanhuns. No inventário de Josefa Maria (1829),
encontramos uma escrava de nome Francisca de 16 anos, avaliada por Rs. 150$000. É
interessante perceber que, nesse caso específico, a escrava da inventariada teve que ser vendida
para pagar as dívidas do casal. Além do mais, Francisca representava 96,15% do patrimônio
estimado da falecida, que era de Rs. 156$000.77 Outro exemplo fica por conta do inventário de
Domingas Ferreira (1832), ela era dona de um escravo de nação Angola, chamado Pedro, de 22
anos, avaliado por Rs. 250$000. O valor estimado do patrimônio dessa inventariada era de Rs.

72
NETO, Antonio Pessoa Nunes. Aspectos da escravidão de pequeno porte no Recife no século XIX. In:
Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Número 61, Recife, 2005, p. 222.
73
Ibid., p. 228.
74
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista – Minas Gerais no século
XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 98.
75
Ibid., p. 104.
76
Ibid., p. 223.
77
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Josefa Maria, vila de Garanhuns, 1829, Caixa 1820.
35

303$400. Ou seja, o seu cativo representava 82,39% do seu patrimônio. Os demais bens
estavam divididos em: uma roda de moer mandioca (Rs. 8$000), um engenho de descaroçar
algodão (Rs. 5$000), duas selas velhas (Rs. 4$000), uma propriedade de casa em terras alheias
(Rs. 16$000) e um cavalo (Rs. 18$000).78 Indo além dos valores, é possível imaginar que esses
cativos representavam uma força de trabalho importante na economia familiar. No caso do
inventário de Domingas Ferreira, todos os bens relacionados, com exceção da casa de morada,
estavam relacionados ao mundo do trabalho, da produção de bens, onde o escravo Pedro atuava
na geração de algum rendimento para a falecida.
Segundo Versiani e Vergolino, “os inventários do Agreste mostram de fato, uma
proporção particularmente elevada da riqueza em escravos”.79 Para os autores, essa situação
ocorria pelo fato de que, “na ausência de outros ativos, especialmente financeiros, a aplicação
em escravos poderia parecer uma forma atraente de manter riqueza”. 80 Por outro lado, a
dinâmica do mercado interno da região de Garanhuns, ao que parece, gerou capital/recurso
suficiente para adquirir cativos. Isso porque, existia um expressivo mercado interno capaz de
produzir rendimentos mais que suficientes, para integrar pequenos e médios proprietários ao
mercado de escravos.
É importante destacar a existência de outros grandes senhores de escravos
contemporâneos dos outros 30 proprietários aqui estudados. Como, por exemplo, o português
Antonio Machado Dias, morador da povoação de Correntes, termo de Garanhuns, que, segundo
Sebastião Vasconcellos Galvão, “possuía uma fazenda de gado e mais de 100 escravos”81,
podendo ser considerado até um megaproprietário, segundo a classificação de Ricardo Salles.
Ele e o seu irmão, Joaquim Machado Dias, eram tesoureiros da Câmara de Garanhuns. Como
ressalta um documento, “ambos [eram] muito abonados, como zelosos do Real Serviço, e que
não descuidavam em remeter com prontidão e segurança para o Real Cofre as contribuições”.82
A ausência desse e de outros inventários, é um indício de que poderia ainda ser bem maior o
número dos grandes proprietários de cativos do lugar.
Se as fontes estiverem certas, provavelmente o português Antonio Machado Dias era o
maior proprietário de escravos da região, podendo sim, ser considerado um membro da elite da

78
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Domingas Ferreira, vila de Garanhuns, 1832, Caixa 1830.
79
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo. Escravos e estrutura da riqueza no Agreste
Pernambucano, 1770-1887. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Número
59, Recife, 2014, p. 220.
80
Ibid., p. 221.
81
GALVÃO, Sebastião Vasconcellos. Op cit., 1908, p. 122.
82
IHGCG, Livro da Câmara de Garanhuns, 1814 a 1879. Audiências Gerais, Criação de Colégios Eleitorais e
Posturas Municipais, fl. 5.
36

terra. Além de grande escravista, ele também atuou na esfera pública, como juiz na década de
1820 e recebeu Carta Patente de Sargento das Ordenanças do termo de Garanhuns, em 18 de
outubro de 1827. Ainda nesse mesmo ano, recebeu também o comando do antigo Capitão das
Ordenanças, José de Barros Silva, outro grande proprietário de escravos, que na época passava
o cargo alegando doença.83 Em 1826, já com mais ou menos 60 anos, Antonio Machado Dias
mandou construir uma igreja dedicada “ao Santo do seu nome”. Ali é que começou a se formar
a povoação de Correntes, chamada anteriormente de “Barra de Correntes”, com casas que foram
erguidas de um lado e de outro da Igreja84. Sabemos que no dia 14 de março de 1842, a viúva
de Antonio Machado Dias emitiu uma nota no Diário de Pernambuco que declarava “a quem
convier, que ela já procedeu o inventário pertencente ao seu casal na comarca de Garanhuns,
onde os credores devem justificar os créditos”.85 No entanto, o seu inventário post-mortem não
foi encontrado. É provável que tenha havido mais gente com grandes cabedais, porém, os seus
inventários ainda não foram localizados.
Apesar da inexistência do inventário do Capitão Antonio Machado Dias, existem fortes
indícios da sua grande escravaria. Mesmo não sabendo com exatidão quantos escravos
constituíam a escravaria deste proprietário, vários indícios aparecem nos anúncios de fuga de
escravos no Diário de Pernambuco. Em fins de setembro de 1829, era publicado um anúncio
que relatava a fuga de dois escravos “novos do gentio do Gabão”, ainda sem serem batizados,
da fazenda do Corrente, propriedade de Antonio Machado Dias.86 Cerca de três meses depois,
em 3 de novembro, era publicado no Diário de Pernambuco um outro anúncio de fuga, agora
do mulato Manoel, alfaiate de 22 anos, que se evadiu também da fazenda do Corrente. O seu
dono, o Sargento-Mor Antonio Machado Dias, desconfiava que o fugitivo poderia estar
acoitado no Recife. 87
Os grandes senhores de escravos, que legaram aos herdeiros seus bens nos processos de
inventário, nos ajudam a conhecer o perfil dos proprietários de cativos em Garanhuns, bem
como, a força econômica desempenhada pela escravidão. Porém, não é de todo possível
construir padrões ou modelos gerais “perfeitos”, que dão conta de toda a realidade da posse de
escravos entre esses senhores. Vale lembrar que a escravidão, a posse de cativos e o ethos
senhorial não são homogêneos. A sua compreensão só é possível quando se percebe questões

83
APEJE, Ofícios do Governo – Livro 30, 1827 - 1829, [Fl. 43/43 v.] e [Fl. 46.]1827, outubro, 18 e 24 – Recife,
1827.
84
GALVÃO, Sebastião Vasconcellos. Op cit., 1908, p. 203-204.
85
HDBN, Diário de Pernambuco, 06.04.1842, n. 73. In. Avisos Diversos.
86
HDBN, Diário de Pernambuco, 30.09.1829, n. 208. In. Escravo fugido.
87
HDBN, Diário de Pernambuco, 03.11.1829, n. 236. In. Escravo fugido.
37

de território, economia, produção, etc. Estudos pontuais numa determinada localidade, por mais
específicos que sejam, acabam por fornecer elementos que nos ajudam a compreender melhor
a escravidão no Brasil, no todo e nas suas singularidades.

2.1 MANOEL JOSÉ CORREA DE MELLO: O MAIOR PROPRIETÁRIO DE ESCRAVOS


INVENTARIADO

O Capitão Manoel José Correa de Mello foi o maior e mais rico proprietário de escravos
da primeira metade do século XIX na vila de Garanhuns, pelo menos, dentre os que figuravam
nos inventários.88 Falecido aos 13 de dezembro de 1832 e sepultado no dia seguinte na matriz
de Santo Antonio de Garanhuns, ele deixou inúmeras evidências da sua forte influência, além
de um elevado patrimônio estimado em Rs. 32:161$678, montante resultado da soma dos seus
inúmeros bens descritos e avaliados no inventário. Vale salientar que foram realizadas duas
avaliações no seu inventário, já que outros bens e dívidas foram levantados em um segundo
momento. Inicialmente, utilizamos os dados que se aproximam melhor da situação financeira
do Capitão inventariado, já que a primeira avaliação foi realizada em 4 de fevereiro 1833,
poucos meses depois do falecimento. Com base nas Ordenações Filipinas, os inventários post-
mortem deveriam começar dentro do prazo de trinta dias e ser ultimado no de sessenta.89 E na
segunda avaliação, realizada em 1834, há um decréscimo de Rs. 4:846$335 no seu patrimônio.
Alguns detalhes da vida do Capitão estão descritos no seu testamento, redigido em 1828.
Nascido na freguesia da Nossa Senhora do Ó do Rio São Francisco, na Capitania das Alagoas,
em data desconhecida, Manoel José Correa de Mello era filho legítimo do também Capitão José
Correa de Mello e de Dona Maria Ribeiro do Nascimento. Foi casado, “em face da Igreja”, com
Francisca Josefa de Albuquerque e não deixou filhos herdeiros. Os seus bens foram divididos
entre uma irmã e vários sobrinhos. O inventariante e testamenteiro foi João Lourenço de Mello,
homem de confiança do capitão, que ficou responsável pela partilha dos bens. Vale ressaltar
que, no próprio testamento, o capitão dá detalhes do valor dos seus bens.
O seu inventário fornece detalhes importantes sobre a dinâmica do processo de
distribuição da mão de obra escrava e da economia do algodão na região. Neste contexto, torna-
se importante lembrar também que nas suas propriedades se produzia praticamente tudo o que

88
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Capitão Manoel José Correa de Mello, Brejo de Flores termo
da vila de Garanhuns, 1832, fls. 1-155, Caixa 1830.
89
ALMEIDA, Candido Mendes de. Ordenações e leis do Reino de Portugal. Rio de Janeiro: Typ. do Instituto
Philomathico, 1870, Livro I, p. 208. Disponível em: ttp://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242733. Acesso 11
de Maio de 2019.
38

ele necessitava para a manutenção e a sobrevivência dos seus escravos. Desde agricultura de
subsistência à criação de animais para a alimentação.
Um dos dados levantados no espólio do Capitão Manoel José Correa de Mello é o alto
número de escravos. O rol dos bens revela que este senhor possuía 63 escravos, avaliados em
Rs. 12:450$000 (equivalente a 38,71% do valor do seu patrimônio). Um número nada modesto
para os padrões do Agreste pernambucano, já que segundo os estudos baseados nos inventários
post-mortem de Versiani e Vergolino, “tanto no Agreste como no Sertão predominava um
escravismo de pequenos proprietários”.90 Para os autores, os pequenos proprietários do Agreste
eram aqueles que possuíam uma média de 8,1 escravos. Já Ricardo Salles, num estudo sobre
uma propriedade em Vassouras, entre 1821 e 1880, afirma que, os micro e pequenos
proprietários eram aqueles que possuíam de 1 a 19 escravos, esses eram 55% de todos os
proprietários, mas que concentravam apenas 12% da população cativa.91 Vale salientar que
esses números podem ter variáveis em determinados territórios, como é o caso de Garanhuns,
onde os 91 pequenos proprietários tinham bem menos do que 19 cativos. O mais significativo,
talvez seja, a variedade de escala das empresas agrícolas escravista nos mais variados territórios
do Brasil.
Em um contexto diferente, Peter Eisenberg afirma que os viajantes Koster e Tollenare,
“que estiveram no Brasil na década anterior a independência relataram que os senhores de
engenho precisavam de no mínimo 40 escravos para fazer açúcar”.92 O Capitão Manoel José
Correa de Mello, numa dinâmica diferente da produção dos engenhos de açúcar, detinha 63
escravos distribuídos em outras economias como o algodão, a produção de farinha de mandioca
e a criação de gado. Hebe Mattos, nos seus escritos sobre a escravidão fora das grandes unidades
agroexportadora, ressalta:
Um grande fazendeiro de café no Vale do Paraíba, em meados do século XIX, possuía
via de regra mais de 60 escravos, mas um grande produtor de café (contraindicado
para exportação) e farinha de mandioca em Capivary, em 1850, não tinha mais de 30
cativos. Cada complexo agrário local ou regional engendrava, internamente, sua
própria estratificação social no concernente aos proprietários. (CASTRO, 1988, p.39-
40).

É possível dizer que o número de escravos que o Capitão possuía era ainda maior. Isso
porque no seu testamento, escrito em 1828, quatro anos antes do seu falecimento, aparecem
outros escravos descritos (ao todo 10 indivíduos), gente que receberia o benefício da alforria

90
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Op cit., 2003, p. 361.
91
SALLES, Ricardo. E o valle era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do
Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 156 e 292.
92
EISENBERG, Peter L. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco, 1840-1910.
Rio de Janeiro, Paz e Terra; Campinas, Universidade de Estadual de Campinas, 1977, p. 169.
39

após a morte do seu senhor. São eles: o casal Antonio e a sua mulher Rita, o feitor Mathias
(responsável por sua fazenda Conceição), o feitor João Correa (da fazenda Água Azeda), os
escravos de nome Francisco e Lourenço, a mulata de nome Ana, Ignacio de nação Angola, a
escrava Catharina de nação Angola e Diogo também do gentio de Angola. Se não tivesse
alforriado esses escravos, o seu espólio teria 73 escravos e não 63, como ficou registrado na
partilha.
Ao que parece, o expediente da alforria fazia parte da política senhorial empregada pelo
Capitão. Isso porque, em março de 1828, nos registros paroquiais da vila de Santo Antonio dos
Garanhuns, ele aparece também alforriando, “em pia batismal”, a criança Ignez, filha legitima
dos escravos Antonio e Rita. No ato, foram os padrinhos Felix Pinto e a sua esposa Antônia
Maria, sobrinha do Capitão Manoel José Correa de Mello.93 Vale salientar que os pais da
criança liberta, o cativo Antonio e a sua mulher Rita, quatro anos depois, recebem também a
alforria.
Outro ponto que merece destaque é a soma estimada dos valores dos cativos descritos e
avaliados no inventário do Capitão Manoel José Correa de Mello. Ao todo, a soma chega a Rs.
12:450$000, ou seja, 38,71% do patrimônio era formado por cativos. Deste valor, dois cativos
não foram somados, o escravo José de nação Angola, já muito velho, doente, aleijado e a
escrava Roza que também se encontrava enferma. Para Marcus Carvalho, “muitos homens e
mulheres após anos de serviço leal, passando por toda a sorte de constrangimentos, eram
tratados o pior possível e abandonados na velhice”.94 Isso porque, quanto mais velho e doente
o escravo era, mais barato ficava.
Luciano Mendonça de Lima, em Campina Grande, na Paraíba, também encontrou
grandes proprietários de escravos para os padrões do Agreste nordestino, como o Capitão-Mor
Bento José Alves Viana. “Na base da sua riqueza encontravam-se os 57 escravos que possuía,
avaliados em Rs. 13.000$680, o que o transformava no maior escravocrata inventariado do
município”.95 O mesmo autor, também encontrou outros grandes proprietários, como o capitão
Francisco da Costa Agra, dono de vinte e quatro cativos, e, João Manoel Lourenço que no seu
espólio deixou 32 escravos. Ambos se dedicavam a agricultura e a pecuária.
Na tabela 01, quanto aos grandes proprietários, percebe-se uma significativa distância,
em quantidade de escravos, entre o Capitão e os demais. Três deles ficam na casa dos trinta
escravos: João Baptista dos Santos (com 39 cativos), João Pereira do Nascimento (com 35

93
Arquivo da Diocese de Garanhuns. Paróquia de Santo de Garanhuns, livro de batismos, 1828-1830.
94
CARVALHO, Marcus J. M. de. Op cit., 1998, p. 223.
95
LIMA, Luciano Mendonça de. Op cit., 2009, p. 215.
40

cativos) e Ana Thereza de Jesus (com 34 cativos).96 Vale destacar também, o quanto esses
escravos pesavam no patrimônio bruto daqueles quatro proprietários. Se para o Capitão, os seus
escravos equivaliam em 38,71% do seu patrimônio bruto, para João Batista dos Santos, eles
representavam 53,84%; para João Pereira do Nascimento, eles representavam 49,28% do seu
patrimônio bruto estimado; e para Anna Thereza de Jesus, eles representavam 85,95% do seu
patrimônio.
A posse de escravos, além de ser um investimento que produzia lucros, representava
bens que podiam ser hipotecados. Para Peter Eisenberg, os “escravos, por sua vez, constituíam
indiscutivelmente uma fonte de capital de giro dos agricultores – eles podiam ser penhorados
para conseguir empréstimos, ou vendidos”.97 Por outro lado, será que a posse de escravos
definiria a riqueza destes senhores? A riqueza era ter escravos? Pelo menos para os inventários
dos 30 grandes senhores constatou-se que os escravos se destacavam no montante patrimonial,
ficando entre 34,38% e 90,17%. Essa variação também se deve ao valor estimado dos escravos,
que vão além do sexo, idade, condição física, saúde e origem, mas também as variações que os
preços dos cativos sofreram ao longo da primeira metade do século XIX.

Tabela 1 – Os maiores proprietários de escravos de Garanhuns – 1800/1850

Inventariado Ano Nº de Valor estimado Valor estimado


escravos dos escravos do patrimônio
1. Francisca Xavier da Conceição 1831 11 Rs. 1:460$000 Rs. 1:850$000
(78,91%)
2. José Velho de Sobral 1833 11 Rs. 1:858$000 Rs. 3:370$850
(55,11%)
3. Bernardo Luís da Silva 1840 11 Rs. 3:340$000 Rs. 6:058$160
(55,13%)
4. Antonio Vieira da Silva 1845 11 Rs. 3:380$000 Rs. 8:577$520
(39,40%)
5. Luiza Maria de Jesus 1829 12 Rs. 1:100$000 Rs. 1:587$160
(69,30%)
6. Luiz Veiga Araujo Pessoa 1831 12 Rs. 2:250$000 Rs. 7:192$357
(31,28%)

96
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de João Pereira do Nascimento, sítio Santa Rita, termo da vila de
Garanhuns, 1829, fls. 06v. – 09v, Caixa 1820 / Inventário de João Baptista dos Santos, Canhoto, termo do
julgado de Garanhuns, 1807, fls. 11 – 15, Caixa 1810 / Inventário de Ana Thereza de Jesus, vila de Garanhuns,
1838, fls. 10v. – 12v, Caixa 1830.
97
EISENBERG, Peter L. Op cit., 1977, p. 93.
41

7. Luiza Maria da Conceição 1831 13 Rs. 1:550$000 Rs. 3:179$000


(48,75%)
8. Joaquim Ferreira de Souza 1832 13 Rs. 2:225$000 Rs. 5:775$080
(38,52%)
9. Antonio Francisco dos Santos 1846 14 Rs. 3:040$000 Rs. 6:275$800
(48,44%)
10. João Francisco Xavier de 1827 15 Rs. 1:602$500 Rs. 2:623$000
Araujo (61,09%)
11. Anna Thereza 1835 15 Rs. 1:690$000 Rs. 1:959$000
(86,26%)
12. Joaquina Maria do Rosário 1841 15 Rs. 3:090$000 Rs. 3:484$000
(88,69%)
13. Anna Victoriana da Costa 1830 16 Rs. 2:735$000 Rs. 3:584$233
(76,30%)
14. Anna Ferreira Vilella 1831 16 Rs. 2:480$000 Rs. 4:751$000
(52,19%)
15. Vicência Francisca de 1835 16 Rs. 1:645$000 Rs. 3:393$600
Vasconcellos (48,47%)
16. Joana Maria 1840 16 Rs. 2:640$000 Rs. 3:259$000
(81,00%)
17. Úrsula Maria das Virgens 1845 17 Rs. 2:170$000 Rs. 2:861$100
(75,84%)
18. Ana Maria de Almeida 1827 19 Rs. 1:320$000 Rs. 1:831$120
(72,08%)
19. Francisca Xavier da Cruz 1834 19 Rs. 1:835$000 Rs. 4:004$630
(45,82%)
20. Marcos da Costa Vilella 1833 22 Rs. 2:225$000 Rs. 3:526$880
(63,08%)
21. Manoela Luzia de Mello 1849 22 Rs. 4:810$000 Rs. 5:334$145
(90,17%)
22. Maria Pinheiro 1832 23 Rs. 3:285$000 Rs. 6:456$530
(50,87%)
23. José Paes de Lira 1844 23 Rs. 3:305$000 Rs. 9:612$500
(34,38%)
24. Antonio Manoel da Silva 1841 24 Rs. 6:480$000 Rs. 7:498$195
(86,42%)
42

25. Francisca de Jesus Cavalcanti 1838 27 Rs. 6:825$000 Rs. 14:925$323


(45,72%)
26. Mathias da Costa Vilella 1829 29 Rs. 3:400$000 Rs. 6:041$500
(56,27%)
27. Anna Thereza de Jesus 1838 34 Rs. 7:845$000 Rs. 9:126$490
(85,95%)
28. João Pereira do Nascimento 1829 35 Rs. 5:225$000 Rs. 10:602$360
(49,28%)
29. João Baptista do Santos 1807 39 Rs. 4:410$000 Rs. 8:190$210
(53,84%)
30. Manoel José Correa de Mello 1832 63 Rs. 12:450$000 Rs. 32:161$678
(38,71%)

Fonte: APEJE, 2º Cartório de Garanhuns, inventários post-mortem, 1800-1850.

Algo a se observar na tabela, é o vertiginoso desequilíbrio entre os grandes proprietários,


no que diz respeito aos valores brutos dos seus bens. Eles podiam variar entre pouco mais de
um conto de réis indo até trinta e tantos contos (para ser mais exato: Rs. 1:587$160 e
32:161$678). Para Versiani e Vergolino, os inventários “sugerem que uma alta proporção da
riqueza, no Agreste pernambucano, correspondia ao valor dos escravos possuídos,
independentemente do montante total do patrimônio dos indivíduos”.98 Outro dado interessante,
é o número de escravos entre os grandes proprietários, perfazendo uma média de 21 cativos por
senhor. Um perfil de posse nada modesto, que demonstra a realidade econômica dos plantéis
escravistas dos grandes proprietários de Garanhuns.
Na tabela dos grandes proprietários de escravos também pode-se perceber um
significativo número de mulheres. Foram constatadas 16 inventariadas. Essas viúvas e solteiras
possuíam 291 escravos, que juntos representavam 47,47% do total de escravos distribuídos
entre os maiores proprietários. Sobre o assunto, Daniela Fernanda Sbravati, num estudo sobre
as proprietárias de escravos em Desterro (Florianópolis, Santa Catarina), explica que:
As viúvas após a morte dos maridos, ou mesmo antes, tratavam de prover seu sustento
e de seus filhos. As mulheres solteiras também chefiavam domicílios, porém em
situações diferentes, pois, embora pudessem ser mães, não contavam com a presença
de um cônjuge. Solteiras e viúvas representam, portanto, uma atuação feminina mais
independente, e tinham na propriedade escrava uma importante estratégia de
sobrevivência. (SBRAVAT, 2008, p.81).

98
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo. Op cit., 2014, p. 218.
43

Em Garanhuns também observamos a importância da propriedade escrava, como uma


estratégia de sobrevivência e manutenção do patrimônio, para as mulheres. Isso porque, das 16
inventariadas, em 12 processos, os escravos representavam mais da metade dos bens. Ou seja,
o principal ativo do patrimônio dessas mulheres, eram os escravos.

2.2 A CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE ESCRAVA E SUA DISTRIBUIÇÃO NOS


INVENTÁRIOS DE GARANHUNS

A quantidade de pessoas registradas como africanas no citado espólio do Capitão


Manoel José Correa de Mello é elevada. Do total de 63 escravos, foram levantados 49
indivíduos identificados como sendo de nação africana, ou seja, 77,77% dos escravos deste
senhor (isso sem contar ainda com 7 escravos, que aparecem na documentação sem nenhuma
identificação de cor ou origem étnica). Para Carlos de Oliveira Malaquias, “quanto mais
africanos nas escravarias, maior o acesso ao tráfico”.99 Muito mais da metade dos seus
trabalhadores eram de origem estrangeira, gente que veio diretamente do tráfico transatlântico,
o que demonstra a intensidade desse comércio na região. Um número significativo, que expõe
a forte presença da escravidão africana na cultura do algodão, na pecuária e na agricultura de
subsistência na região.
No quadro a seguir observamos a frequência de cor e origem dos cativos do Capitão
Manoel José Correa de Mello:

Tabela 2 – Cativos pertencentes a Manoel José Correa de Mello


Cor/origem Frequência Percentual
Africana 49 77,77 %
Crioula 4 6,34 %
Parda 2 3,17 %
Mulata 1 1,58 %
Não identificado 7 11,11 %
Total 63 100 %
Fonte: APEJE. 2º Cartório de Garanhuns – Inventário do capitão Manoel José Correa de Mello, Brejo de Flores
termo da vila de Garanhuns, 1832 – Caixa 1830. Tabela construída com base no modelo usado por Walter Fraga
Filho em seu livro Encruzilhadas da Liberdade.

Pode-se notar que dois grupos de africanos são predominantes na documentação deste
capitão, os identificados como Angola (dezesseis cativos) e Congo (quatorze cativos). Os outros

99
MALAQUIAS, Carlos de Oliveira. Op cit., 2017, p. 139.
44

são distribuídos em: sete Cassanges, dois Rebolos, cinco Benguelas, um Angico, um Baca, um
Singi, um Cabinda e três Cambundás. Destes, um escravo é mencionado ao mesmo tempo,
como de nação Angola e Benguela. Isto demostra a complexidade na própria identificação
destes africanos, que na sua maioria recebiam o nome do porto de embarque na África ou dos
mercados que foram vendidos. Como destaca Valéria Costa, esses dados refletem “mais uma
estrutura de classificação e/ou nomenclatura do sistema escravista do que à dinâmica de
organização sociopolítica e à diversidade cultural dos povos da própria África”.100 Para
Gwendolyn Midlo Hall, “os documentos gerados por essas viagens podem no máximo nos dar
as costas ou portos de origem africanos e/ou os portos nas Américas onde ocorria a primeira
venda dos escravos”.101 A classificação era utilizada por traficantes como sistema de
organização e controle, “esses documentos não listam etnias africanas, e raramente as
mencionam”.102
Outro fator interessante é a proporção geral de mulheres e homens escravizados
pertencentes ao Capitão Manoel José Correa de Mello. A participação maior fica por conta dos
49 homens, que representam 77,77%. No caso dos africanos, foram encontrados 44 homens e
5 mulheres. A maior proporção de homens representava uma tendência do próprio comércio
internacional de africanos. Segundo Katia Mattoso, “quando o abastecimento de escravos se
torna mais regular, se nota a marcada preferência pelos cativos do sexo masculino, comprovada
pela composição dos carregamentos vindos da África”.103 Essa preferência pela mão de obra
escrava masculina pode ser percebida neste contexto. Como o inventário do Capitão é de 1832,
e a primeira lei de proibição do tráfico é de um ano antes, 1831, é seguro afirmar que até a
morte do Capitão, o fluxo de entrada de cativos foi bem regular, seguindo aquela tendência
apontada por Kátia Mattoso.
Para Douglas Cole Libby, “o peso relativo de homens numa dada população nos serve
de indicador, tosco talvez, de determinadas tendências demográficas”.104 Além da procura por
escravos do sexo masculino por parte dos senhores, o autor destaca que quanto maior fosse o
número de homens escravizados, maior era o engajamento dos senhores juntamente ao tráfico
negreiro internacional. Libby coloca também que, se essa “sociedade deixasse de participar
ativamente do comércio de cativos, notar-se-ia uma tendência declinante da razão de

100
COSTA, Valéria Gomes. O Recife nas rotas do tráfico negro: tráfico, escravidão e identidades no
oitocentos. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, 2013, p. 203.
101
HALL, Gwendolyn Midlo. Op cit., 2017, p. 65.
102
Ibid., p. 65.
103
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 84.
104
LIBBY, Douglas Cole. Op cit., 1988, p. 56.
45

masculinidade e a aproximação de equilíbrio entre os sexos no contingente mancípio”. 105 Isso


foi o que provavelmente aconteceu com Garanhuns, na década de 1870, quando no censo de
1872 são registrados, quanto ao número de escravizados, um total de 487 homens e 462
mulheres, havendo assim, um grande equilíbrio entre os sexos. Porém, isso não se observa entre
1800 e 1850. Na soma geral foram registrados nos inventários 748 homens e 516 mulheres,
respectivamente 59,17% e 40,82%. Vale ressaltar que 25 cativos não foram identificados (eram
escravos sem nome e gênero). Já entre os escravos de origem africana, essa diferença fica mais
latente ainda, com 304 homens e 139 mulheres, respectivamente 68,62% e 31,37%. Segundo
Versiani e Vergolino “havia uma maior proporção de escravos homens na região do Agreste,
trata-se de perfil demográfico que não difere de outras regiões de Pernambuco e do Brasil”.106
Para os autores, a escravidão no Agreste era “associada à atividade produtiva, tal como na zona
açucareira da província, e como tal respondia a estímulos econômicos”. Assim, “a
predominância de escravos do sexo masculino é coerente com isso”.107
É interessante perceber que os 30 grandes senhores possuíam 235 escravos de nação
africana, ou seja, 38,33% da propriedade escravista destes proprietários, era formado de cativos
advindos do continente africano. A porcentagem entre os médios (77) e pequenos (91)
proprietários, em relação ao contingente de africanos, é de, respectivamente, 27,86% e 38,29%,
números muito próximos aos grandes senhores. Ao que parece, possuir cativos de origem
africana não era um privilégio apenas dos maiores proprietários de Garanhuns. Esses números
mostram, que o mercado de escravos novos e estrangeiros também se intensificou no Agreste
de Pernambuco.
Valéria Costa, num estudo sobre o perfil do contingente africano em Recife, observa
que, “até a primeira metade do século XIX, as pessoas da África eram maioria entre os
escravizados na cidade do Recife”.108 A autora também afirma que “a renovação da mão de
obra escrava, não só nos engenhos, mas também no centro urbano, dava-se mais pelas
constantes importações do que pela reprodução natural”.109 Em Garanhuns, tanto a reprodução
natural como o tráfico transatlântico (os africanos representavam 34,36% nos inventários
compilados) foram importantes meios de renovação e aquisição de escravos na região.
No gráfico e na tabela a seguir, observamos os dados dos escravos de origem africana e
os nascidos no Brasil. Na construção do gráfico, optamos por separar os dados compilados nos

105
Ibid., p. 57.
106
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo. Op cit., 2014, p. 222.
107
Ibid., p. 224.
108
COSTA, Valéria Gomes. Op cit., 2013. p. 186.
109
Ibid., p. 187.
46

inventários por década. Já na tabela, optamos por separar os escravos nascidos no Brasil e os
importados da África entre os pequenos, médios e grandes senhores.

Gráfico 2 - Proporção de escravos por origem - 1800/50

400 355

300
226
189
200
125
92 77
100 55 47
5 1
0
1800/10 1811/20 1821/30 1831/40 1841/50

Nascidos no Brasil Origem africana

Fonte: APEJE, 2º Cartório de Garanhuns, inventários post-mortem, 1800-1850.

Tabela 3 – Estrutura de posse escrava: africanos e nascidos no Brasil – 1800/50


Nascidos no Brasil Africanos Não identificados Total
Pequenos senhores 102 (54,25%) 72 (38,29%) 14 (7,44%) 188
Médios senhores 329 (67,41%) 136 (27,86%) 23 (4,71%) 488
Grandes senhores 298 (48,61%) 235 (38,33%) 80 (13,05%) 613
Total 729 (55,55%) 443 (34,36%) 117 (9,07%) 1.289
Fonte: APEJE, 2º Cartório de Garanhuns, inventários post-mortem, 1800-1850.

Em um estudo sobre a estrutura de riqueza e a posse de escravos no Agreste


Pernambucano, entre 1770-1887, Versiani e Vergolino destacam que, “dentre 491 escravos,
277 (56,4%) eram brasileiros e 214 (43,6%) africanos”.110 Apesar de o grande recorte temporal
e de não haver nenhuma problematização em relação às oscilações do tráfico de escravos após
1850, os números encontrados pelos autores, em relação à proporção de brasileiros e africanos,
são muito próximos dos constatados em Garanhuns, na primeira metade do século XIX.
Em relação aos não identificados, dos 117 (9,07%) escravos que aparecem sem
informação sobre a origem deles, é possível dizer que uma parte significativa era nascida no
Brasil. São crianças de pouca idade com apenas o nome e, em alguns casos, a filiação. Como
podemos observar no inventário de José de Araujo Velho (1833). No seu espólio foi descrito e
avaliado o escravo de nome Manoel de 5 meses, filho da cativa Antonia de nação Guiné, casada

110
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo. Op cit., 2014, p. 223.
47

com o também escravo Antonio de nação Angola.111 Outro exemplo, fica por conta do
inventariado José Felix da Costa (1834) com o cativo de nome Timóteo que tinha 9 anos e foi
avaliado por Rs. 100$000.112 Certamente, esses e outros exemplos que podemos tirar das fontes,
representam um número significativo de escravos nascidos no Brasil, um contingente um pouco
maior do que os nossos dados sugerem.
Manolo Florentino e José Roberto Góes, num estudo sobre a escravidão no Rio de
Janeiro, destaca que o preço de um escravo crioulo era sempre superior ao preço de um escravo
africano, “mesmo quando se elevava em muito o desembarque de africanos e a diferença entre
o preço de ambos se atenuavam”.113 Os autores destacam que, para os proprietários, os crioulos
eram os mais qualificados e até mais inteligentes no exercício de certas tarefas. No topo da
hierarquia que presidia a vida da comunidade escrava, estavam os crioulos. Em grande parte
dos inventários de Garanhuns foi possível perceber que o preço dos nascidos no Brasil era
menor em comparação ao preço dos africanos. Claro que a variação de preço não era resultado
apenas de uma predileção da classe proprietária pelos escravos africanos. A idade, estrutura
física, saúde e mesmo, habilidades e ofícios, eram fatores que faziam também os preços
variarem bastante. Diferentemente do caso do Rio de Janeiro, o custo para trazer um escravo
africano do litoral para o interior devia influenciar de alguma forma, no preço final do cativo
em Garanhuns. Um exemplo disso pode ser visualizado no inventário de João Batista dos Santos
(1807). Nos seus bens levantados, foi possível identificar um escravo crioulo sadio, de idade de
18 anos que se chama Marcos, ele foi avaliado em Rs. 60:000. No mesmo inventário
identificamos o escravo de nome Manoel de nação Angola com 14 anos que foi avaliado por
Rs. 150:000.114 Outro exemplo disso, pode ser observado no inventário de dona Francisca Maria
(1834), ela era proprietária dos escravos, Caetano de nação Angola de 35 anos (avaliado em Rs.
115
150:000) e José, crioulo de 35 anos (Rs. 80:000). É importante perceber que essas
comparações não podem ser generalizadas. Existem várias condições que podem afetar o preço
do cativo avaliado.

111
APEJE. Cartório De Garanhuns – Inventário de José de Araujo Velho, Povoação do Altinho termo da Vila de
Santo Antonio de Garanhuns, 1833, fls. 06 – 08, Caixa 1830.
112
APEJE. Cartório De Garanhuns – Inventário de José Felix da Costa, Vila de Garanhuns, 1834, fls. 04 – 06,
Caixa 1830.
113
FLORENTINO, Manolo. Tráfico, cativeiro e liberdade (Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 220.
114
APEJE, Cartório de Garanhuns – Inventário de João Batista dos Santos, Lugar do Canhoto, termo do julgado
de Garanhuns, 09/06/1807, Caixa 1803/05.
115
APEJE, Cartório de Garanhuns – Inventário de Francisca Maria, Lugar do Correntes, termo da Vila de
Garanhuns - 02/08/1834, Caixa 1830.
48

Outro ponto relevante na análise desses números é a questão da faixa etária dos escravos
africanos em Garanhuns. No gráfico abaixo, é possível perceber o número reduzido de crianças.
Isso não quer dizer que os outros africanos que constam nessa tabela não tenham também
entrado ainda em idade infantil nessas propriedades. Porém, no momento que esses inventários
foram realizados, a grande maioria desses africanos já se encontrava em idade adulta, com cerca
de 20 a 50 anos. Versiani e Vergolino, ao analisar a estrutura demográfica das populações
escravas do Agreste nos inventários entre 1770 e 1850, perceberam uma concentração de
cativos numa faixa etária adulta produtiva entre “15 a 40 anos”. Podemos observar essa mesma
situação em Garanhuns quanto aos cativos de nação africana. Ainda segundo os autores, “isso
é coerente com a existência de um fluxo continuado de aquisição de escravos, jovens e de sexo
masculino, para uso na atividade produtiva”.116
A entrada de escravos africanos para essa região se mostra regular. Para Versiani e
Vergolino, “há grande predominância de escravos africanos, antes de 1850, tanto na faixa etária
mais produtiva (65,5% do total) quanto entre os maiores de 40 anos (69,2%)”, sinalizava o
“recurso continuado à importação de escravos”.117
A seguir observamos os dados dos escravos de origem africana divididos por sexo e
faixa etária:

Tabela 4: Escravos africanos por sexo e faixa etária: 1800-1850


Faixa etária Homens Mulheres Total
Até 09 anos 02 (0,52%) 02 (0,52%) 04 (1,04%)
10-19 12 (3,12%) 05 (1,30%) 17 (4,42%)
20-29 57 (14,84%) 28 (7,29%) 85 (22,13%)
30-39 86 (22,39%) 33 (8,59%) 119 (30,98%)
40-49 49 (12,76%) 27 (7.03%) 76 (19,79%)
50-59 37 (9.63%) 13 (3,38%) 50 (13,02%)
60-69 14 (3,64%) 08 (2,08%) 22 (5,72%)
70 ou + 09 (2,34%) 02 (0,52%) 11 (2,86%)
Total: 266 118 384
Fonte: APEJE, 2º Cartório de Garanhuns, inventários post-mortem, 1800-1850.118

116
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Op cit., 2003, p. 365.
117
Ibid., p. 368.
118
O total de escravos de origem africana é de 443 indivíduos. Para a tabela acima apenas foram registrados 384
cativos, isso porque, 59 escravos de origem africana não possuíam a faixa etária.
49

Gráfico 3: Escravos africanos por sexo e faixa etária: 1800-1850

70 e + anos

60 - 69 anos

50 - 59 anos
FAIXAS ETÁRIAS

40 - 49 anos

30 - 39 anos

20 - 29 anos

10 - 19 anos

0 - 9 anos

-24% -20% -16% -12% -8% -4% 0% 4% 8% 12%


Homens Mulheres
Fonte: APEJE, 2º Cartório de Garanhuns, inventários post-mortem, 1800-1850.

Do contingente de escravos nascidos no Brasil (729 escravos, 56,55%), 250 deles é formado
de escravos muito novos, muitos em idade infantil (0-9 anos). Logo em seguida, vem os jovens,
145 deles, com idades que variam de 10 a 19 anos. É possível dizer que, em comparação aos
africanos, a população de escravos era jovem, em idade produtiva. É o que se pode observar
nos dados a seguir:

Tabela 5: Escravos nascidos no Brasil por sexo e faixa etária: 1800-1850


Faixa etária Homens Mulheres Total
Até 09 anos 135 (21,84%) 115 (18,60%) 250 (40,45%)
10-19 79 (12,78%) 66 (10,67%) 145 (23,46%)
20-29 55 (8,89%) 53 (8,57%) 108 (17,47%)
30-39 37 (5,98%) 24 (3,88%) 61 (9,87%)
40-49 16 (2,58%) 10 (1,61%) 26 (4,20%)
50-59 09 (1,45%) 07 (1,13%) 16 (2,58%)
60-69 05 (0,80%) 05 (0,80%) 10 (1,61%)
70 ou + 02 (0,32%) - 02 (0,32%)
Total: 338 280 618
Fonte: APEJE, 2º Cartório de Garanhuns, inventários post-mortem, 1800-1850.119

119
O total de escravos de nascidos no Brasil é de 729 indivíduos. Para a tabela acima apenas foram registrados
618 cativos, isso porque, 111 escravos nascido no Brasil não possuíam a faixa etária.
50

Gráfico 4: Escravos nascidos no Brasil por sexo e faixa etária: 1800-1850

70 e + anos

60 - 69 anos

50 - 59 anos
FAIXAS ETÁRIAS

40 - 49 anos

30 - 39 anos

20 - 29 anos

10 - 19 anos

0 - 9 anos

-24% -20% -16% -12% -8% -4% 0% 4% 8% 12% 16% 20%


Homens Mulheres
Fonte: APEJE, 2º Cartório de Garanhuns, inventários post-mortem, 1800-1850.

Sobre os escravos ainda em idade infantil que aparecem nos inventários, algumas
considerações devem ser destacadas. Quando acaba a infância de uma criança nessas condições
de vida? Quando ele se torna de fato, um escravo no sentido produtivo do termo? As respostas
a essas questões não são simples. Em primeiro lugar, a própria noção de criança deve ser
problematizada. Segundo Katia Mattoso, a diferença da idade está relacionada “à função social
desempenhada por cada uma dessas categorias de idade”. Para a autora, “a criança branca livre
e até mesmo a criança de cor livre podem ter seu prazo de ingresso na vida ativa protelado,
enquanto a criança escrava, que tenha atingido certa idade, entra compulsoriamente no mundo
do trabalho”.120
Com base em testamentos e inventários post-mortem, Katia de Queirós Mattoso explica
que a distinção pode ser percebida no conceito empregado para designar as crianças cativas, até
os sete ou oito anos como crioulinho, pardinha, cabrinha “geralmente sem desempenho de
atividades de tipo econômico”. Enquanto dos oito aos doze, os cativos começam a ser chamados
de moleques ou molecas “termos que designavam outrora todo pequeno negro jovem”.121 Essas
nomenclaturas e divisões não podem ser generalizadas. Ela também apresenta mais distinções,
quando aponta sobre a maioridade religiosa e civil. A igreja, que diz que a idade de confissão
de um cristão jovem é de sete anos e a justiça, baseada no código filipino, que estipula a maior
idade de 12 anos para as meninas e 14 para os meninos. A terceira distinção seria equivalente

120
MATTOSO, Kátia de Queirós. O filho da escrava (em torno da lei do ventre livre). Revista Brasileira de
História, São Paulo. V. 8 nº 16, pp. 37-55, março/agosto, 1988. p. 39.
121
Ibid., p. 42.
51

à atividade econômica, mais importante do que as outras duas, pois diz respeito a condição de
escravo. Porém, não existe uma resposta engessada, isso porque existem várias condições que
podem afetar a distinção, se são crioulos, se são africanos, se vieram para o Brasil ainda crianças
de pouca idade, etc.
Sobre como a infância e o conceito de criança no mundo do trabalho são entendidos no
século XIX, Bruno Câmara faz algumas considerações: para ele, as crianças de pouca idade não
eram ignoradas no mercado de trabalho. “Referindo-se aos escravos, as definições sobre
infância eram imprecisas”, já que, “nos censos brasileiros dos séculos XVIII e XIX, as crianças
cativas de apenas três anos eram arroladas com ocupações específicas, como pajens ou
empregadas domésticas”.122 Citando o historiador Renato Pinto Venâncio, Bruno Câmara
coloca que um “Alvará de 1758 que se refere ao comércio de escravos africanos “definiu como
criança” os escravos que não tivessem alcançado altura superior à quatro palmos,
aproximadamente um metro”.123 Para Mattoso, 12 anos é a idade que põe fim a infância. A
autora completa o seu argumento com base na lei do ventre livre, que estipulava “que em caso
de alienação de uma escrava, os seus filhos livres, menores de 12 anos, devem acompanhá-
la”.124 Ou seja, não é nada fácil determinar com precisão o que vem a ser a idade da infância no
período oitocentista. É possível dizer que a noção de infância variou no tempo e no espaço,
inclusive a própria noção de criança escrava. A criança escrava esteve bem representada no
mundo do trabalho nas propriedades escravistas de Garanhuns, o que correspondia tanto a
reprodução natural, bem como, a continuidade do sistema nessas propriedades.

2.3 POSSE DE TERRAS, CULTIVO E CRIAÇÃO: O ALGODÃO, A FARINHA DE


MANDIOCA E A PECUÁRIA

Além do grande número de escravos, parte substancial do patrimônio do Capitão


Manoel José Correa de Mello era formado de propriedades de terra (que representavam cerca
de 11,83% do seu espólio). Ele era proprietário das seguintes fazendas: as terras denominadas,
Serra de Pedra, Água Azeda, Olho d’Agua, Pau Ferro e um sítio no Brejo de Flores (no valor
total de Rs. 900$000). Um documento do 2º cartório de Garanhuns, citado por Alfredo Leite
Cavalcanti, acaba referenciando o histórico dessa propriedade do Brejo de Flores.

122
CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Trabalho livre no Brasil Imperial: o caso dos caixeiros de comércio
na época da insurreição Praieira. Recife, Dissertação (Mestrado), UFPE, 2005, p. 58-59.
123
Ibid., p. 59. Apud VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas: assistência à criança de camadas
populares no Rio de Janeiro e em Salvador – séculos XVIII e XIX. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999, p.
22.
124
MATTOSO, Kátia de Queirós. Op cit., 1988, p. 54.
52

Os sítios Brejo das Flores e Araçá tocaram por herança ao casal Antônio Vaz da Costa
e aos demais herdeiros; porém por motivos para que não encontramos explicação em
nossas pesquisas, tornaram-se posteriormente de propriedade exclusiva do herdeiro,
capitão Matias da Costa Soares, casado com dona Florência Maria Ribeiro, que
desmembrou a metade para a parte Norte o sítio Brejo das Flores, vendendo-os a João
Francisco de Oliveira, em 5 de dezembro de 1790. Com o falecimento do capitão
Matias da Costa Soares e esposa, foram os dois sítios partilhados com os herdeiros,
entre os quais dona Ana José da Costa, casada com Florêncio de Godoi Vasconcelos,
que havendo comprado os quinhões dos outros herdeiros, vendeu o Brejo das Flores,
em 6 de dezembro de 1798, a Manoel Correa (grifo nosso). (CAVALCANTI, 1983,
p.60).

Sobre essa última propriedade, Sebastião Vasconcellos descreve que o Brejo de Flores
estava localizado “junto a cidade de Garanhuns na escarpa meridional do planalto”, sendo ela,
“uma várzea donde se formam, de numerosos olhos d’agua, as vertentes do rio Mundaú. Aí
existe uma fonte perene e abundante, da qual, principalmente, se abastece toda a população de
Garanhuns”.125 Os recursos naturais fartamente disponíveis, e mesmo, a proximidade com
Garanhuns, faziam com que essa propriedade tivesse um maior valor aquisitivo.
Na leitura do inventário, é possível perceber que, em vida, o Capitão também possuiu
outras propriedades. No seu testamento, são citados ainda oito sítios: Camaratuba, Catimbau,
Lagoinha, Conceição, Sambaiba, Agreste, Palmeira (com engenhoca e a casa de farinha
avaliada por Rs. 378$000) e Riacho Seco (onde funcionava o seu engenho de fazer rapadura e
aguardente que também era comercializada na sua venda na vila de Garanhuns, avaliado por
Rs. 600$000).126 Uma coisa é certa: não havia propriedade improdutiva. Todas elas, estão
sempre referenciadas no inventário com alguma de atividade econômica. Isso leva a crer que
os seus escravos também estavam distribuídos nestas propriedades.
Vale destacar que pelo menos nos inventários, a única referência ao plantio de cana-de-
açúcar e a produção dos seus derivados encontra-se no inventário do Capitão Manoel José
Correa de Mello. Havia sim, um plantio de cana-de-açúcar, já referenciado em um documento
de 1774, ressaltando a capacidade de fazer “mil rapaduras”.127 Porém, essa deveria ser uma
produção auxiliar, capaz de auferir algum rendimento a propriedade.

125
GALVÃO, Sebastião Vasconcellos. Op cit., 1908, p. 122-123.
126
Algumas dessas propriedades tem suas toponímias descritas em pelo menos três dicionários topográficos. São
elas: Camaratuba - serra no município de Garanhuns, significa abundante de camarás – de planta; Catimbáo ou
Catimbau - serra no município de Buíque, significa sarro de cachimbo; Lagoinha - pequena lagoa situada no
município de Bom Conselho; Conceição - Riacho com suas vertentes no município de Garanhuns; Sambaiba –
sítio de terras que que começa na barra do riacho repartição; Agreste – monte ao sul de Garanhuns na cordilheira
denominada Cavaco; Palmeira – povoação no termo de Garanhuns, com um distrito de subdelegacia de polícia.
Para um melhor entendimento, ver, VASCONCELLOS, Sebastião. Dicionário corográfico, histórico e estatístico
de Pernambuco. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. Ver também, HONORATO, Manoel da Costa.
Diccionario topographico. Recife, 1863. Ver também, CAVALCANTI, Alfredo Leite. História de Garanhuns.
Recife, 1983.
127
BND, Manuscrito da Idea da população da capitania de Pernambuco, e das suas anexas, extensão de suas
costas, rios e povoações notáveis. Agricultura, número dos engenhos, contratos e rendimentos reais, aumento que
53

Em um estudo sobre a família e a elite local de Cimbres, no Agreste de Pernambuco,


Ana Lúcia do Nascimento Oliveira e Alexandre Bittencourt Leite Marques explicam que, “a
propriedade rural e seu entorno não se caracterizavam somente como um local onde residia um
grupo familiar”. Para os autores, “boa parte abrigava também diversos tipos de roças, pastos,
além de anexos como armazéns”.128 É o que se pode observar nas propriedades do referido
Capitão Manoel José Correa de Mello, que possuíam engenhos, roças e plantações de mandioca.
Outro exemplo, que mostra toda essa diversidade de edificações e culturas agrícolas nesses
locais de trabalho e produção, fica por conta das propriedades do Capitão Antonio Lopes Viana
que foram colocadas à venda no Diário de Pernambuco, em 1850. Uma fazenda com cerca de
300 cabeças de gado num lugar chamado Riachão do Vigário, distante da vila de Garanhuns 10
léguas e mais um engenho denominado Saco do tigre, “sendo uma das principais propriedades
da comarca, tanto para a agricultura de cana, como d’algodão”. Essa propriedade “tem quase
três léguas em quadro”, e diversos anexos, com duas casas de vivenda de taipa cobertas com
telha, uma casa de farinha com todos os seus pertences, outra casa grande para assentamento
de alambique, engenho, armazém, paiol e prensa de algodão.129
Outro exemplo importante, anunciado no Diário de Pernambuco, é o da venda da
propriedade de Francisco Ferreira Farias. Ele possuía terras no lugar do Basílio, São Bento do
Una, Comarca de Garanhuns, com “600 braças de frente e três quartos de légua de fundo”.
Dentro da sua propriedade, existia uma morada de taipa grande, morada de vaqueiros, morada
de escravos, plantações de algodão e milho. “Nesta venda também se inclui 112 cabeças de
gado, ali já acostumados, para criar também alguma criação miúda, juntamente 9 escravos,
sendo o menor de 3 anos, todos ainda moços habituados ao serviço de campo”. Além de uma
casa de serviço de campo, moinho e engenho de descaroçar algodão e todas as ferramentas. É
interessante perceber, que o nível de descrição desse anúncio, esclarece algumas questões da
dimensão da propriedade escrava na região. Isso porque, pode-se observar o tamanho da
propriedade, a diversidade de economias ali existentes (algodão, agricultura de subsistência
(milho) e gado) e a atividade produtiva dos escravos acostumados ao serviço de campo.130

estes tem tido, etc., desde o anno de 1774 em que tornou posso do governo das mesmas capitanias o governador
e capitam general José Cezar de Menezes, fls. 84 e 85. Disponível em:
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div
manuscritos/mss1428178/mss1428178.pdf. Acesso 14 Jun. de 2019.
128
MARQUES, Alexandre Bittencourt Leite; OLIVEIRA, Ana Lúcia do Nascimento. Inventários dos bens do
casal: família, elite local e bens materiais em Cimbres, nos Sertões de Ararobá de Pernambuco (1762-
1836). In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Número 67, 2014, p. 77.
129
HDBN, Diário de Pernambuco, 18.08.1850, n. 33.
130
HDBN, Diário de Pernambuco, 07.11.1849, n. 249.
54

Era também muito comum que essas propriedades, dependendo das suas dimensões,
tivessem também edificações, moradas e casas, que abrigavam familiares e agregados, algumas
até alugadas, gerando assim renda para os seus donos. No inventário do Capitão José Manoel
Correa de Mello é possível observar o quanto esse negócio rendia. Ao todo foram levantados 6
senhores que deviam aluguéis das referidas casas do Capitão. Eram eles: o ferreiro Domingos
(Rs. 6$000), o alferes Antonio Dias da Silva (Rs. 6$000), Manoel Bezerra (Rs. 10$000), o
coletor de rendas Lourenço Cavalcanti (Rs. 27$000), o Capitão Antonio Lopes Vianna (Rs.
82$000) e o alferes Joaquim (Rs. 3$200). É possível até especular que alguns desses moradores
tivessem também pequenos roçados, alguma criação, etc. Afinal, era necessário pagar os
referidos aluguéis ao Capitão.
Não sabemos a dimensão das propriedades do Capitão Manoel José Correa de Mello,
mas algumas delas se destacam no cenário. Num mapa de 1823, encontramos as propriedades
de Olho d’agua e Pau Ferro.131 Isso revela que eram locais de referência importante, pois
estavam próximas ao caminho que ligava Garanhuns a Província de Alagoas. Pela toponímia é
possível perceber a relação com os recursos naturais do lugar, uma nascente de água que leva
o nome da propriedade e uma árvore de onde se tira madeira para a construção de casas e
ferramentas como, machados e foices. Provavelmente, era ali, que o capitão tirava boa parte
dos seus rendimentos em produção de algodão, gado e farinha de mandioca. No mapa, uma
inscrição indica “terreno de catinga com muitas plantações de algodão”, o que deixa ainda mais
evidente a grande produção dessa lavoura.

131
Olho d’água, um sítio começava na barra do riacho Cajueiro, Castainho; Pau Ferro, lugarejo na Comarca de
Garanhuns. Para um melhor entendimento, ver também: HONORATO, Manoel da Costa. Diccionario
topographico. Recife, 1863.
Mapa 3– Detalhe da vila de Garanhuns e das propriedades de Olho d’agua e Pau Ferro

Vila de Garanhuns Terreno de catinga com muita plantação de


algodão

Olho D’Água Pau Ferro


Fonte: Mapa Topographico da Parte da Província de Pernambuco. Limitado ao Norte pela Província da Paraíba, a leste pelo Oceano, ao Sul pela Província das Alagoas e ao
Oeste pelo Rio Panema. Arranjado segundo os trabalhos existentes, observações feitas por ordem da Junta do Governo Provisório da Província de Pernambuco, pelos
55

Tenentes Coronéis do Corpo de Eng. Firmino Herculano de Moraes Ancora, e Conrado Jacob de Niemeyer. Ano de 1823.
56

A proximidade com a vila de Garanhuns era um ponto importante, que valorizava ainda
mais essas duas propriedades do Capitão. A vila de Garanhuns era corda por três estradas que
interligavam a economia do município a outras partes da província, inclusive até Alagoas. Essas
estradas tiveram importante papel no transporte de gado, escravos, algodão, víveres e todos os
gêneros de comércio. Vale lembrar, que o custo do transporte não era barato, e afetava os
senhores de Garanhuns, que naquele momento ainda dependiam da tração animal para alcançar
o Recife ou Maceió. Mesmo assim, o comércio da região era atraente, isso porque a venda de
gado, algodão e gêneros de primeira necessidade produzia considerável rendimento. Esses
produtos abasteciam as zonas produtoras de açúcar e os arredores urbanos.
O Capitão Manoel José Correa de Mello, foi um grande produtor e exportador de
algodão. Responsável por interligar o município de Garanhuns a outros territórios fora da
província. No seu inventário foram levantadas inúmeras arrobas de “lã” (termo da fonte) que
foram produzidas nas suas propriedades, nos lugares da Palmeira, da Conceição e do Catimbau
e mais quatorze cargas de lã na Barra, que ficavam a cargo de um certo Manoel Vitorino. Os
seus negócios iam das fronteiras da província de Pernambuco até Maceió. Lá tinha a receber, o
valor de sete cargas de lã entregues ao seu compadre, o Capitão João Ignacio de Mello, além
de Rs. 257$685 em lã, com um certo Verissimo Ferreira Chaves, também em Maceió. O
inventariado também tinha negócios na cidade da Bahia. Remeteu para aquela província várias
sacas de lã que se achavam em poder de Antonio da Costa Campos, no valor de Rs. 699$455.132
O comércio de lã, pode ter possibilitado ao capitão, cabedal suficiente para comprar
escravos na Bahia, no Recife, ou até mesmo, nas Alagoas, no porto de Maceió e na vila de
Atalaia, ainda quando esse comércio era legal. Mesmo num contexto fora da cana-de-açúcar e
“distante” dos grandes senhores de engenho do litoral, o Capitão destacou-se com sua imensa
rede de comércio que vai além da região do Agreste pernambucano. Ele era um respeitável
fornecedor de algodão e outros gêneros com extensas relações que iam do São Francisco na
Bahia até Maceió e Atalaia, nas Alagoas, bem como, a cidade portuária do Recife. Nas custas
do processo de inventário é possível perceber esse intenso contato comercial.133

132
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário do Capitão Manoel José Correa de Mello, Brejo de Flores termo
da vila de Garanhuns, 1832, fls. 92, Caixa 1830.
133
A intensa transação em outras regiões e localidades pode ser percebida pelo uso do correio. O capitão pagou
aos correios da vila de Garanhuns Rs. 20$000; aos do Recife várias somas que tinham um valor total de Rs.
42$560; já para o lugar da Atalaia foram registradas outras somas no valor total de Rs. 17$440. Por fim, foram
registradas as contas do correio terrestre para a fazenda em Maceió, no valor de Rs. 5$560. Essas despesas
evidenciam suas fortes teias de comunicação com locais de distribuição de seus produtos. APEJE, Cartório De
Garanhuns – Inventário de Capitão Manoel José Correa de Mello, Brejo de Flores termo da vila de Garanhuns,
1832, fls. 92-94, Caixa 1830.
57

Estes registros evidenciam a força de um comerciante de algodão que foi, inclusive, o


maior proprietário de escravos do território pesquisado, pelos menos, nos inventários post-
mortem. Foi senhor de muitos imóveis, terras, plantações de algodão, mandioca e gado. O
capitão faz parte de um seleto grupo de grandes senhores proprietários de escravos que
interligaram as suas relações comerciais com o circuito das Alagoas, onde escoavam a sua
produção pela Zona da Mata pernambucana e alagoana.
Citando o viajante inglês Henry Koster, Manuel Correia de Andrade coloca que em Bom
Jardim no Agreste pernambucano, por exemplo, outra grande plantação de algodão foi
observada pelo viajante, a fazenda Pindoba, “cujo dono era rico e possuía muitos escravos”.134
Entre as conclusões de Manuel Correia de Andrade sobre a prática escravista no Agreste
nordestino, verificou-se também que:
Na caatinga paraibana também o algodão se alastrou de tal forma que as propriedades
rurais aí localizadas chegaram a rivalizar com os engenhos de açúcar, não somente
pelo número de escravos que chegaram a possuir, e pelas construções, como pelas
vantagens e lucros que dava o exercício da indústria. (JOFFILY, s.d., p.115-6 Apud
ANDRADE, 1998, p.147).

O algodão é uma cultura que aparece muito descrita nos inventários. Suzana Cavani
lembra que a cultura algodoeira em Pernambuco “favoreceu, principalmente a partir do final do
século XVIII, o desenvolvimento do espaço sertanejo e do agrestino, possibilitando um maior
adensamento populacional na região e uma maior integração entre o interior da província e o
litoral”.135 Boa parte da produção de algodão produzida no Brasil, na primeira metade do século
XIX, concentrava-se distante da costa do Nordeste, no caso, do litoral. Fazendo parte desta
região nordestina, distante do litoral, o município de Garanhuns estava localizado a 60 léguas
(360 quilômetros) da capital da província. Por légua, entende-se uma “medida itinerária cuja
extensão varia de povo para povo (segundo o sistema métrico, é de cinco quilômetros; a antiga
era de mais seis quilômetros)”.136 Num estudo produzido na década de 1840, José Bernardo
Fernandes Gama diz que, “nas fraldas das Serras, e nas planícies (no termo das vilas de
Garanhuns e do Brejo) é onde estão estabelecidas a maior parte das fábricas de descaroçar
algodão”.137 Para Versiani e Vergolino, as atuais cidades de Pesqueira e Garanhuns, no século

134
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária
no Nordeste. 6. ed. – Recife: Editora Universitária da UFPE, 1998, p. 146. Apud KOSTER, Henry. Viagens ao
nordeste do Brasil, p. 268-72.
135
ROSAS, Suzana Cavani. Op cit., 2010, p. 131.
136
Para um melhor entendimento, ver: Diccionario contemporâneo da língua Portuguesa. Lisboa: Parceria
António Maria Pereira, 1881, dirigido por Santos Valente e precedido de Plano da autoria de Caldas Aulete.
Disponível em: http://bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/26034. Acesso 7 de julho de 2019.
137
BSF, Memorias Históricas da Província de Pernambuco: registrado no número – 299 anos 1974. Gama, José
Bernardo Fernandes. (Recife: Typ. M.F. de Faria, 1844-1848., 1844), p. 65. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/221727. Acesso 31 Maio de 2019.
58

XIX, eram áreas tipicamente voltadas à produção diversificada, “gado, algodão e lavoura de
subsistência” e “nas partes mais úmidas, como perto de Garanhuns, a agricultura se expandia
mais”.138 Ou seja, a cultura algodoeira movimentou significativamente a economia de
Garanhuns e região.
Manuel Correia de Andrade destaca ainda que, não foram só os grandes proprietários
que abraçaram à cultura do algodão. Os poucos pequenos proprietários e moradores “passaram
logo a semeá-lo nos pedaços da terra de que dispunham, associando-o ao milho e ao feijão, a
fim de colher de um mesmo roçado o produto de subsistência e o de venda”.139 Seja como for,
um pequeno produtor que contaria com a mão de obra cativa de um, dois ou três escravos.
Vale destacar, que essas economias de alguma forma estão muito bem relacionadas. O
bagaço do algodão também poderia servir de alimento para o gado. Além do mais, o algodão
também poderia ser vendido com ou sem caroço. Para Versiani e Vergolino, o algodão se
prestava “ao cultivo intercalar, após a colheita”, podendo também servir de alimento ao gado
(a “torta” derivada do processamento da semente do algodoeiro). Para os autores, essas culturas
“frequentemente conviviam bem na mesma propriedade, e muitas vezes em sítios de pequena
extensão, pois economias de escala não são relevantes nessas atividades”.140
Um ponto que chama a atenção, diz respeito, a pouca referência de plantações de
algodão nos inventários dos proprietários que não possuem escravos. Vale salientar que, destes
41 proprietários sem escravos, apenas 3 deles (7,31%) possuíam roçados de mandioca e
algodão. Parte significativa dos não proprietários de escravos, que possuíam bens a serem
inventariado, tinham como base das suas economias a criação de animais e alguma terra para
plantação de subsistência.
É importante destacar que, os pequenos proprietários de escravos também arrendaram
pequenas porções de terra dos grandes senhores para plantarem algodão e gêneros de primeira
necessidade. Um exemplo é o arrendamento de um pedaço de terra pertencente a Leandro
Ferreira de Mello e negociada a Antonio Ferreira de Lima, no sítio Caranguejo, no termo da
vila de Garanhuns (1828/1830). Onde se identifica os trâmites do processo de concessão. No
contrato de arrendamento, o proprietário, Leandro Ferreira de Mello, reconheceu ter recebido
de Antonio Ferreira de Lima a “quantia de quinze mil réis pelo coro do primeiro ano” sob as
seguintes condições: “o pagamento por cada enxada de Rs. 3$000 para nele plantar o que mais

138
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Op cit., p. 361.
139
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão
agrária no Nordeste. 6. ed. – Recife: Editora Universitária da UFPE, 1998, p. 147.
140
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Op cit., 2003, p. 359.
59

necessário lhe for”. Ficava ele também “impedido de vender ou traspassar benfeitorias no dito
sítio se não pagar os devidos encargos ao senhorio”.141 Para Versiani e Vergolino, “o pequeno
agricultor de algodão frequentemente não tinha terras próprias, mas trabalhava como meeiro ou
terceiro na grande propriedade”.142
De fato, esses pequenos produtores também faziam parte de um cenário que movia a
economia do algodão. Um caso interessante pode ser encontrado no inventário de Roberto
Pereira (1829). Ele possuía apenas um escravo (avaliado por Rs. 180$000) e uma pequena
propriedade de terras (no valor de Rs. 25$000), no lugar do Buíque, termo de Garanhuns, onde
mesclava agricultura de subsistência, uma pequena plantação de algodão (com um engenho de
descaroçar algodão) e criação de gado.143 Outro exemplo fica por conta do inventariado
Francisco Xavier de Araujo (1835). Ele deixou no seu espólio três escravos, dois de nação
Angola e um nascido no Brasil que juntos representavam 28,77% do seu patrimônio estimado
que era de Rs. 1:633$080. Além de uma parte de terras no lugar da Moxila, com casa de morada
e engenho de descaroçar algodão. O inventariado também era proprietário de 65 animais, entre
gado e cavalos.144
O termo “engenho de descaroçar algodão”, encontrados nos inventários de Garanhuns,
é equivalente a um maquinário dotado de rolos capaz de separar a lã do algodão, colhido da sua
semente. Como pode-se notar na figura 02, de autoria do viajante e desenhista Joaquim José
Codina, datado de 1784. Num estudo sobre o algodão em Pernambuco, entre 1750 e 1820, José
Ribeiro Junior explica que o “descaroçamento era feito manualmente e, em seguida, estendido
em jiraus, batendo-se com varas no algodão. O descaroçamento era também realizado mediante
o uso de primitivo aparelho acionado a manivela, a churka oriental” (grifo nosso).145 Este
equipamento possibilitou aos agricultores de Garanhuns uma melhora significativa no processo
de comercialização da cultura algodoeira.

141
IAHGP, Acervo de Orlando Cavalcante, 2º Cartório de Garanhuns. Papel de Arrendamento de um pedaço de
terras que arrendou Leandro Ferreira de Mello a Antonio Ferreira de Lima no sítio do Caranguejo termo desta
Vila, fls. 72 e 72v, 1830.
142
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo. Op cit., 2014, p. 214.
143
APEJE. Cartório de Garanhuns – Inventário de Roberto Pereira, Lugar do Buíque, vila de Garanhuns, 1829,
fls. 06 – 07v, Caixa 1820.
144
APEJE. Cartório De Garanhuns – Inventário de Francisco Xavier de Araujo, Morador da Moxila termo da
vila de Garanhuns, 1835, fls. 04 – 06, Caixa 1830.
145
JUNIOR, José Ribeiro. A economia algodoeira em Pernambuco – da colônia à independência. Revista
Brasileira de História, São Paulo, 1, 2: 235-242, setembro de 1981, p. 238.
60

Figura 2 - Engenho de descaroçar o algodão

Fonte: BRASILIANA ICONOGRÁFICA, Engenho de descaroçar o algodão. Desenhista Joaquim José Codina.
Local do retratado Brasil, 1784. Acervo: Biblioteca Nacional (Brasil).

Outro “item” encontrado, referente a produção de algodão nos inventários, são as


prensas, responsáveis pelo processo de acondicionamento. Descaroçar e enfardar o algodão era
um dos processos importantes para o beneficiamento e transporte do produto. No entanto,
sempre foi um dos problemas básicos da exportação do algodão no Império. Foram
contabilizadas 9 (nove) prensas em inventários distintos entre 1800 e 1850. É interessante
perceber que essas prensas aparecem ligadas a outras economias nos inventários, como, por
exemplo, farinha de mandioca, engenhocas para processar a cana-de-açúcar e criação de gado.
No inventário de Maria das Brotas, de 1838146, foram descritas terras, uma prensa de algodão e
uma roda de moer mandioca avaliadas em Rs. 30$000. Já no inventário de José Felix da Costa,
de 1834147, encontra-se um pequeno sítio denominado Leite, com casa de vivenda, prensa de
algodão e casa de aviamento de farinha, tudo no valor de Rs. 120$000. No inventário de Luiza
Maria da Conceição (1831) foram descritos uma casa de vivenda no sítio do Canhoto com
prensa e engenho de algodão, casa de farinha e os seus instrumentos no valor total de Rs.

146
APEJE. Cartório de Garanhuns – Inventário de Maria das Brotas, sítio do Brejo – Papacaça, termo de
Garanhuns, 1838, fls. 07-10, Caixa 1830.
147
APEJE. Cartório de Garanhuns – Inventário de José Felix da Costa, Garanhuns, 1834, fls. 04-06, Caixa 1830.
61

300$000.148 Por fim, não podemos deixar de mencionar o caso do inventariado Luiz Veiga
Araujo Pessoa (1831), que se destacou pela diversidade da sua propriedade, ele possuía no sítio
Taquari, uma casa de vivenda, “roça de escravos”, engenhoca e prensa de algodão, casa de
aviamentos de fazer farinha e capela.149
Pelas informações reunidas, o algodão trouxe ligações vitais para o desenvolvimento do
de Garanhuns. Segundo Chancelier Boilleau, no Agreste e no Sertão pernambucano, o algodão
não perdeu “suas características de cultura comercial”150, o que fortaleceu ainda mais a
escravidão que se fez presente em Garanhuns, conciliando a mão de obra escrava com algodão,
pecuária e agricultura de subsistência. No seu livro “Memória sobre a cultura dos algodoeiros”,
publicado em 1797, o botânico Manuel Arruda da Câmara, destaca, que o produtor de tal gênero
deve “plantar pelos intervalos legumes, como feijão, milho, até mandioca, o que tudo deve
plantar o agricultor de algodão, para a fartura de sua casa, e nem estas plantações lhe danificam
o seu algodoal, porque em pouco tempo se colhem, e ficam os algodoeiros desafogados”.151
Para Versiani e Vergolino, “não houve antagonismo entre a cultura do algodão e as
atividades produtivas anteriormente estabelecidas no Agreste; ao contrário, existiram várias
formas de complementaridade entre uma e outras”152. É possível pensar que o plantio de
algodão, também foi acompanhado de outros gêneros de primeira necessidade, o que fortaleceu
ainda mais esta cultura no espaço pesquisado.
O processo de plantio e colheita do algodão, assim como a da cana-de-açúcar, também
envolvia a mão de obra escrava, mesmo que numa dinâmica diferente. Maria Ferreira
Burlamarqui Proa, estudando as propriedades rurais no Sertão, ressalta que “o gado e o algodão
foram os principais produtos da economia e alimentavam o mercado articuladamente, tanto aos
produtos para exportação, como ao açúcar, ao tabaco, à atividade aurífera e à indústria do
charque, no Piauí”.153
É importante destacar, que o crescimento da produção de algodão na província e a área
de cultivo foi se expandindo cada vez mais para o Sertão na primeira metade do século XIX.

148
APEJE. Cartório De Garanhuns – Inventário de Luiza Maria da Conceição, sítio Canhoto, vila de Garanhuns,
1831, fls. 08-14, Caixa 1830.
149
APEJE. Cartório De Garanhuns – Inventário de Luiz Veiga Araujo Pessoa, sítio Taquari, vila de Garanhuns,
1831, fls. 14-20, Caixa 1830.
150
Chancelier Boilleau - Notícias sobre a cultura do algodoeiro em Pernambuco. Tradução, introdução e
notas por Denis A. Bernardes. In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.
Recife. 1979 (LI), p. 302.
151
CÂMARA, Manuel Arruda da. Memória sobre a cultura dos algodoeiros, e sobre o methodo de escolher,
e ensacar, etc. Lisboa, 1799, p. 30. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5292. Acesso 11 Maio
de 2019.
152
VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo. Op cit., 2014, p. 213.
153
PROA, Maria Ferreira Burlamarqui. Op cit., 2014, p. 229.
62

Essas terras viraram objetos de interesse de comerciantes que atuavam principalmente no


Recife.154 É provável, que nessa década tivesse ocorrido uma maior expansão da propriedade
escrava, até mesmo pelo fato de haver comerciantes do Recife atuando na região, o que podia
facilitar a entrada de cativos. A escravidão dinamizava as relações produtivas. O algodão era
uma delas, beneficiada pelo seu crescente valor no mercado externo. A literatura consultada
atesta que Garanhuns, no início do século XIX, foi uma grande região produtora de algodão. É
o que podemos observar no inventário do ano de 1830, de Antonio Ferreira da Silva e da sua
mulher Rita Juácia Pereira de Basto, moradores da cidade do Recife, que possuíam 85 escravos
e várias propriedades em Garanhuns, o que podia facilitar a entrada de cativos na região.155
É importante frisar ainda que, na década de 1840, houve uma forte crise no setor
algodoeiro. As vendas caíram e as tarifas passaram a ser mais dispendiosas, interferindo nos
lucros dos seus produtores. Além do mais, a seca de 1844-47 provocou a escassez do produto.156
Com a perda do potencial de lucros nessa atividade, é provável, que o trabalho escravo passou
a ser focado para outras atividades mais rentáveis. É possível imaginar também, que esses
proprietários acabaram por diminuir até mesmo a sua escravaria para pagar dívidas com o fim
do boom algodoeiro.
Por ser um território muito próximo da divisão administrativa da província das Alagoas,
os moradores de Garanhuns obtiveram fortes conexões comerciais. Inclusive, segundo
recomendações do presidente da Província de Pernambuco, Francisco do Rego Barreto, diante
do Artigo 7º da Lei provincial número 63 de 2 de maio de 1838, era necessário dar maior
atenção aos negócios do algodão realizado entre as duas províncias. Para ele, era importante
que na “Província das Alagoas se fiscalize, e arrecade o dízimo do algodão desta Província, da
mesma forma que aqui”.157 O presidente também pedia o empenho dos “agentes das notas do
algodão” que atuavam na vila de Garanhuns na fiscalização das sacas que eram transportadas
para a província das Alagoas. Destaca ainda que seria conveniente até “aumentar o número
destes Agentes”.158 A preocupação do presidente da província, em arrecadar impostos
referentes a importação desse produto, acaba por destacar o forte comércio que o algodão da
região de Garanhuns tinha no cenário da economia provincial. Atesta também, não só o volume
de algodão produzido e exportado (afinal, conforme destacava, seria necessário até “aumentar

154
LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1824: a Confederação do Equador. Recife: FUNDAJ, Editora
Massangana, 1989, p. 55.
155
IAHGP, Tribunal da Relação de Pernambuco. Ano: 1830 – Caixa 2. Inventario de Antonio Ferreira da Silva e
de sua mulher Rita Juácia Pereira de Basto, da qual era testamenteiro. Recife, 1830-31.
156
Para um melhor entendimento, ver: CARVALHO, Marcus J. M. de. Op cit., 1998, p. 147-148.
157
HDBN, Diário de Pernambuco, 18.03.1839, n. 64. In. Arrecadação de Rendas.
158
HDBN, Diário de Pernambuco, 18.03.1839, n. 64. In. Arrecadação de Rendas.
63

o número” dos agentes que arrecadavam o dízimo do produto), mas, também as fortes conexões
entre a província de Alagoas e Pernambuco, justamente na fronteira que as separava no Agreste.
Para Juliana Andrade, “segundo fontes do século XVII, os limites meridionais, por
exemplo da vila de Alagoas situada no entorno da lagoa Manguaba, era Garanhuns”.159 Isso
reforça ainda mais, as estreitas relações comerciais com o território pesquisado desde sua
fundação. Além do mais, outros senhores inventariados de Garanhuns também possuíam terras
na Província das Alagoas. Um exemplo disso, pode ser observado no inventário de Ana Maria
de Almeida (1827), que deixou em seu espólio meia légua de terra de criar gado no sítio do
Salgado, nas Alagoas, avaliado por Rs. 55$000. Ana Maria de Almeida, era casada com
Antonio Anselmo da Cruz Vilella, o seu inventariante. Ambos eram moradores da povoação de
Papacaça (atual cidade de Bom Conselho), pertencente a vila de Garanhuns. No inventário,
foram levantados 19 escravos, uma parte de terras em Papacaça, cuja propriedade tinha duas
casas de vivenda e duas moradas de casa no valor de Rs. 120$000, outra parte de terras
denominada Baixa Grande avaliada por Rs. 37$000 e o sítio da Boa Vista no valor de Rs.
50$000.160
Outra questão a ser destacada, são as linhas de crédito relacionadas com outros senhores
da província de Alagoas que acabam por aparecer nas dívidas dos inventariados de Garanhuns.
Evidenciando ainda mais a proximidade com a província de Alagoas, como, por exemplo, no
inventário post-mortem de Thomas Figueredo da Silva (1800), que ficou a dever a Luiz
Francisco de Araujo no lugar de Murici, no termo de Atalaia, da Província de Alagoas, o valor
de Rs. 316$800, e, a José de Pinto, morador também em Atalaia, a quantia de Rs. 25$000. A
viúva meeira de Thomas também declarou que o seu marido morreu na vila de Atalaia, mas
eram moradores de Garanhuns, por isso o seu inventário foi feito no distrito.161
Outro dado interessante, é o comércio de escravos entre as províncias de Pernambuco e
Alagoas. No estudo sobre o tráfico interprovincial de Alagoas, Luana Teixeira destaca que
podem ter saído escravos da vila de Garanhuns para Alagoas, pois essa localidade tinha estreitas
relações com Maceió e Penedo, principais portos de reexportação desses cativos.162
Além do gado, algodão, escravos e senhores, é possível perceber também a grande
circulação de farinha de mandioca, o que destaca esse produto como mais um gênero de

159
ANDRADE, Juliana Alves de. Gente do vale: experiências camponesas no interior da província das
Alagoas (1870 – 1890). Tese (Doutorado), UFPE, Recife, 2014, p. 61.
160
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Ana Maria de Almeida, povoação de Papacaça, termo da vila
de Garanhuns, 1827, fls. 04-09, Caixa 1820.
161
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Thomas de Figueredo da Silva, povoação de Santo Antonio
dos Garanhuns, 1800, fls. 02-02v, Caixa 1800/03.
162
TEIXEIRA, Luana. Op cit., 2016, p. 49.
64

produção e comércio em Garanhuns. Num estudo combinado da cana, do fumo, da mandioca e


da escravidão no Recôncavo baiano, Bert Barickman explica que, a farinha de mandioca é
indiscutivelmente importante naquele contexto brasileiro, “presente tanto nas mesas dos ricos,
como nas dos pobres, e nas cuias e baldes que os escravos usavam a falta de pratos, constituíam
a base da dieta comum”.163
Para Garanhuns, não contamos com os dados do tamanho do mercado de farinha local.
Ao que tudo indica, esse comércio não foi muito bem documentado. Porém, possuímos alguns
indicativos do trato com esse produto nos bens descritos nos inventários post-mortem. No
inventário do Capitão Manoel José Correa de Mello, é possível perceber a emergência desse
produto nas suas contas. A farinha de mandioca era fundamental para garantir a sobrevivência
de todos e, nas propriedades do referido Capitão, este produto de subsistência existia em grande
proporção. Foram declarados cento e trinta e dois alqueires164 de farinha de mandioca deste
senhor no valor de Rs. 583$420, quantidade essa capaz de abastecer todas as suas terras e outras
localidades.
A farinha de mandioca também foi essencial para o mercado interno pernambucano. Em
1817, foi publicado e fixado um edital sob pena de lei no pelourinho da vila de Garanhuns, que
foi encaminhado para as povoações vizinhas de Altinho, Panema e Papacaça, além de outras
com potencial agrícola.165 Neste documento, o Desembargador Ouvidor Geral Corregedor da
Comarca do Sertão, responsável pela vigilância e o controle dessa jurisdição, enfatizou o plantio
da mandioca e principalmente a necessidade da farinha de mandioca para alimentação de todos.
Na missiva, a autoridade destacou “a grande escassez que se está experimentando de farinha de
mandioca”, não atribuindo a falta deste gênero apenas a seca, e sim, pelo “desuso do Alvará do
senhor Rei Dom Pedro II, de 27 de fevereiro de 1701”.
O que chama atenção, é que o alvará citado estabelecia que aqueles lavradores que
possuíssem até três escravos, plantassem e vendessem ao público unicamente, mandioca, milho,
feijão e arroz. É interessante perceber, que aquele alvará pode evidenciar o que seria um
pequeno senhor de escravos em Pernambuco. Já que no mesmo documento, ficou estabelecido

163
BARICKMAN, Bert Jude. Op cit., 2003, p. 96.
164
O termo alqueire, no período colonial, equivale a medida de grãos que variava de um lugar para outro,
podendo ser também uma medida de terras que variava regionalmente. Em Lisboa, variava de conselho para
conselho, podendo equivaler em 13,800 litros no caso da medida de grãos e na medida de terras poderia ser a
“sexagésima parte do moio, medida de capacidade para secos”. Para um melhor entendimento, ver: Diccionario
contemporâneo da língua Portuguesa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1881, dirigido por Santos Valente
e precedido de Plano da autoria de Caldas Aulete, p. 70. Disponível em:
http://bibdig.bibliotecaunesp.br/handle/10/26034. Acesso 7 Jul. de 2019.
165
Este documento foi inicialmente transcrito e publicado no livro de Alfredo Leite, “História de Garanhuns”.
Encontra-se também no livro de posturas da Câmara de Vereadores de Garanhuns, 1814-1879.
65

que os senhores dos engenhos de cana-de-açúcar ou cultivadores e fabricadores de algodão que


não possuíssem mais de três escravos, fossem obrigados por lei a plantar somente mandioca.
Neste caso, a quantidade de cativos poderia determinar o lugar social destes lavradores. Por
outro lado, o que se observa nos inventários, é que os pequenos senhores de escravos se
inseriram também no mercado do algodão, o que poderia elevar as suas rendas, já, que com
poucos escravos, a produção de algodão poderia ser satisfatória.
Para Barickman, no mercado rural do Recôncavo, “os senhores de engenho e lavradores
de cana sempre tinham a opção de cultivar mandioca, e nada os impedia de empregar alguns
cativos na fiação e tecelagem”.166 Não é o que se observa em Pernambuco, pelo menos em
teoria, com o edital publicado na câmara de vereadores de Garanhuns em 1817, que retificava
o alvará de 1701 do plantio de mandioca. Ao que parece, este alvará foi esquecido e o decreto
foi burlado tanto pelos grandes senhores de escravos, quanto por pequenos e médios lavradores.
É interessante perceber, que o ouvidor da comarca do Sertão enfatizou um alvará
publicado há mais de um século. Que o número de pequenos senhores de escravos nos
inventários pesquisados em Garanhuns era elevado e que proprietários como Roberto Pereira e
Francisco Xavier de Araujo, já citados nessa dissertação, acabaram por diversificar suas
economias, utilizando-se inclusive, da produção de algodão, proibida para aqueles senhores
com até três cativos. Ao que parece, a difusão da propriedade escrava entre os pequenos
lavradores e os rápidos lucros com o comércio do algodão, fizeram com que estes senhores, não
plantassem gêneros de primeira necessidade, destinados para a população em geral.
Algo semelhante aconteceu em outra província. Alice Canabrava, num estudo sobre o
desenvolvimento da cultura algodoeira na província de São Paulo, na segunda metade do século
XIX, explica que a cultura do algodão havia se generalizado por toda a região e que os pequenos
agricultores do interior acabaram por abandonar a produção de gêneros alimentícios e o
comércio de gado em prol da cultura algodoeira, que rendia maiores lucros.167 Canabrava,
citando um ofício da câmara municipal de Itú, destaca:
Pouco mais tarde, contavam-se no município numerosos lavradores entregues ao
plantio do algodão, com tão louvável ardor que degenera em mania; muitos deles,
enxergando nessa cultura um novo Potosí, abandonam aquelas que os alimentava e as
suas famílias sem os enriquecer, entregando-se ao cultivo do algodão como meio de
aquisição rápida de fortuna. (CANABRAVA, 1984, p.60).

Em discussões calorosas sobre a imigração para o Sul do Império no Senado em 1873,


o algodão do município de Garanhuns também foi mencionado. Isso porque, alguns

166
BARICKMAN, Bert Jude. Op cit., 2003, p. 126.
167
CANABRAVA, Alice Piffer. O algodão em São Paulo: 1861-1875. 2º ed., São Paulo: T. A. Queiroz, 1984,
p. 60.
66

parlamentares defendiam as políticas de imigração para as províncias do Norte [lê-se Nordeste].


O exemplo era que o clima de Garanhuns “é tão ameno ou superior ao clima de S. Paulo, e o
solo de Garanhuns passa pelo mais fértil talvez do norte do Brasil. O seu algodão rivaliza com
o melhor algodão conhecido no mundo”.168 O que o colocava essa cultura algodoeira do
município num local de destaque, mesmo, na segunda metade do século XIX.
Um capítulo à parte da história do Capitão Manoel José Correa de Mello, que aparece
relatado nos autos do seu inventário, diz respeito à venda da farinha de mandioca para as tropas
que combatiam os rebeldes da Cabanada (1832-1835). No ano em que o Capitão faleceu, 1832,
as províncias de Pernambuco e Alagoas se viam a volta com os rebeldes liderados por Vicente
Ferreira de Paula. Para combater o conflito nas matas, era necessária toda uma logística de
abastecimento. Nem tudo poderia sair do Recife, capital da província. Era necessário contactar
os produtores de farinha do interior, de lugares que estivessem próximos ao conflito. Garanhuns
era um desses pontos. Por isso, um certo Capitão Antonio Lopes Viana, solicitava que o
inventariante dos bens do Capitão Manoel José Correa de Mello, João Lourenço de Mello,
vendesse, parte da farinha de mandioca para o abastecimento das tropas que lutaram contra os
cabanos de Panelas e Jacuípe. Esses documentos identificam, a dinâmica social dos grupos
locais responsáveis por abastecer as tropas de primeira linha com gêneros de primeira
necessidade. Por outro lado, demonstra também um certo vínculo entre o requerente, o Capitão
Antonio Lopes Vianna e o Capitão Manoel José Correa de Mello, pois o requerente morava
numa casa do inventariado no lugar da Onça do meio, avaliada em Rs. 100$000. Isso demostra
que a elite local também se mobilizou no combate aos rebeldes.
Sobre o abastecimento das tropas, no ofício de 18 de outubro de 1832, publicado no
Diário de Pernambuco, o comandante do Quartel Geral da povoação do Altinho, já alertava as
autoridades sobre a dificuldade de obter víveres para o fornecimento das forças. Segundo ele,
alguns pontos passavam dois ou três dias sem farinha de mandioca. O responsável pelo
fornecimento achava-se em Garanhuns, “distante desta Povoação vinte e tantas legoas, e mesmo
por aquela parte já se não acham farinhas para comprar, de maneira que as tenho mandado vir
do Bonito e Caruaru”.169
No ano seguinte, 1833, o juiz da matriz de Águas Belas, Lourenço Bezerra Cavalcanti
de Albuquerque, ficou encarregado pelo fornecimento de uma porção de alqueires de farinha,
que serviria para a sustentação das tropas em ação contra os cabanos de Panelas. E por falta

168
Annaes do Senado do Império do Brasil, livro 6, anno de 1873. Yuribelo. Transcrição: Secretaria Especial de
Editoração e Publicações, p. 93.
169
HDBN, Diário de Pernambuco, 29.10.1832, n. 509. In. Artigos de ofício.
67

deste gênero de primeira necessidade, o juiz recorreu à fazenda de Água Azeda, propriedade do
falecido Capitão José Correa de Mello, que o testamenteiro, João Lourenço de Mello, estava
sob tutela. Explicou o juiz, que nesta fazenda existe muita mandioca velha, de quatro a cinco
anos, com cerca de trinta a quarenta mil covas de mandioca que poderiam abastecer as tropas.
Sugeriu também, que o testamenteiro não tivesse prejuízo com essas roças velhas que poderiam
render “não menos de cinco a seis contos de reis” e pela precariedade do fornecimento de
farinhas, em defesa da nação para acabar com a revolta dos salteadores de Panelas e Jacuípe, o
juiz pedia para que o testamenteiro faça a venda dos alqueires de farinha. Sendo assim, o
inventariante e testamenteiro vendeu os ditos alqueires de farinha.
Nos autos do inventário, encontra-se o documento que descreve a negociata dos
alqueires de farinha entre o Capitão Antonio Lopes Vianna, o inventariante e testamenteiro João
Lourenço de Mello.
Nos pontos de Panelas contra os rebeldes convenho na venda dos ditos alqueires de
farinha para a questão junto fim sendo vendido cada alqueire a Rs. 5$760, preço que
quanto corri na feira desta vila para não causar prejuízo aos interessados, sendo
depositado o produto dos ditos quarenta alqueires de farinha em mão do senhor
Antonio Lopes Viana do qual já se achara o termo de deposito da dita quantia sendo
isto entranhado no inventário para todo o tempo com os interessados, 30 de setembro
de 1833. (APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário do Capitão Manoel José Correa
de Mello, Brejo de Flores termo da vila de Garanhuns, 1832, fls. 60-61, Caixa 1830).

O documento citado acima possibilita um dado interessante, o possível valor do alqueire


de farinha em Garanhuns (Rs. 5$760), já que os quarenta alqueires de farinha foram negociados
no preço da feira local da vila “para não causar prejuízo” aos herdeiros. Expõe também, um
mercado de farinha de mandioca imprescindível para a alimentação da população de
Garanhuns. É provável que nessa feira, boa parte dos produtores da região vendesse o seu
excedente ou até comercializasse outras mercadorias, como gado, algodão, gêneros de primeira
necessidade e até escravos.
Outra economia fundamental da região foi a pecuária. Isso porque, nos inventários de
Garanhuns, entre os bens descritos, é possível observar que a criação de animais fazia parte da
economia dos que residiam ali. Na verdade, a grande maioria dos inventariados, de alguma
forma, estava ligado com a criação de animais (pecuária). Além do mais, o gado fez parte do
desenvolvimento do município com a sua criação, com a sua produção de carne, com o couro
e os seus derivados do leite. Boa parte dos gêneros alimentícios produzidos no Agreste também
abasteciam o litoral através dos carros de bois. Segundo Ana Lúcia do Nascimento Oliveira e
Alexandre Bittencourt Leite Marques, “além de fornecer o couro para confecção de objetos, o
gado também proporcionava alimentos para os habitantes dos Sertões”. Para os autores, “os
68

moradores da região contavam para seu sustento alimentos como carne seca, leite, queijo e
coalhada”.170
A criação de animais era uma fonte de renda de todos, dos pequenos, médios e grandes
proprietários de escravos. O gado, aparece com frequência, entre os não proprietários de
escravos. Dos 41 inventariados que não possuíam escravos, 35 (85,36%) deles tinham gado
entre os seus bens. Esses proprietários eram criadores, possuíam pequenas posses de terra de
criar animais e utensílios para o cuidado com eles (celas, esporas, selins e estribos). De fato, a
pecuária era então, a maior fonte de rendimento para estes senhores. Isso porque, apenas 6
(14,63%) dos proprietários sem escravos não tinham na sua base a criação de animais vacum,
cavalar e “gado miúdo” (termo da fonte). O termo “gado miúdo” provavelmente se refere a
criação de ovelhas, cabras e outros animais de pequeno porte. Vale salientar, que destes 41
proprietários sem escravos, apenas 3 (7,31%) destes possuem roçados de mandioca e algodão.
Isso demonstra com mais veemência que a criação de animais era o principal ativo para essa
categoria em especial.
É necessário destacar, a importância das atividades agropecuárias no mercado interno
de Garanhuns. Isso porque, dos 239 proprietários inventariados, 200 (83,68%) possuíam
alguma relação com a criação de animais vacum e cavalar. Esses dados inventariados, nos
ajudam a identificar as estruturas das unidades domésticas e perceber que o gado teve relevância
na economia do agreste pastoril.
Parte significativa da riqueza de quase todos os proprietários inventariados, em
Garanhuns, entre 1800 e 1850, era a criação de animais. Alguns deles se destacam no cenário.
No inventário de João Baptista dos Santos (1807), foram descritos 166 animais (136 vacuns, 19
cavalares e 11 ovelhas que juntos foram avaliados por Rs. 1:200$000).171 Outro exemplo, fica
por conta do grande proprietário de escravos, o inventariado João Pereira do Nascimento
(1829), que possuía 91 animais vacuns e 52 animais cavalares.172 Vale dizer ainda, que os
proprietários que possuem entre 4 e 10 cativos (os médios proprietários) também
movimentavam as suas riquezas com a criação de animais. Um caso interessante, é do
inventariado Ignácio de Godoi de Vasconcelos (1803). Ele possuía 798 animais (750 cabeças
de gado a toda a sorte criados nas suas fazendas, Agreste e Mimoso avaliados por Rs. 4:500$000
e 48 animais cavalares avaliados em Rs. 463$000). Ele era o maior proprietário de gado

170
MARQUES, Alexandre Bittencourt Leite; OLIVEIRA, Ana Lúcia do Nascimento. Op cit., 2014, p. 81-82.
171
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de João Baptista dos Santos, sítio Canhoto, Garanhuns, 1807,
fls. 06-18, Caixa 1803/05.
172
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de João Pereira do Nascimento, sítio Santa Rita, Garanhuns,
1829, fls. 05-15, Caixa 1820.
69

inventariado. No mesmo inventário, também foram descritos 9 escravos que juntos somavam
Rs. 909$000. Sendo assim, a maior fonte de renda do inventário de Ignácio de Godoi de
Vasconcelos ficava por conta dos seus animais vacuns e cavalares avaliados em Rs. 4:963$000,
representando 60,69% do patrimônio estimado deste senhor.173 É interessante perceber, que na
nossa classificação, Ignácio de Godoi de Vasconcelos aparece com um “médio proprietário” de
escravos. Deixou apenas 9 escravos. Ao que tudo indica, para cuidar dos seus 798 animais,
empregava trabalhadores livres, familiares e mesmo agregados no trabalho.
O Capitão Manoel José Correa de Mello, possuía 173 animais (127 vacuns e 46
cavalares) espalhados nas suas propriedades. Esses animais juntos somavam Rs. 2:011$500,
ou seja 6,25% dos bens do inventariado. Vale ressaltar, que o Capitão também possuía outros
“animais em sociedade” (termo da fonte), com pessoas que compraram gado em conjunto. A
fonte não deixa claro o número de escravos que se dedicavam ao trato com os animais.
Os inventários de Garanhuns, quando se prestam a comparações, podem nos servir de
base para o entendimento, ainda que parcial, da sociedade a que se referem. O valor das
propriedades rurais, bem como dos escravos, das casas, moradas e de outros bens móveis e
semoventes, nos ajudou a compor um perfil dos proprietários da região, estabelecendo
diferenças entre pequenos, médios e grandes proprietários de escravos. Não se pense, porém,
que os escravos estavam apenas concentrados entre os homens e mulheres de grandes cabedais.
Pequenos e médios proprietários também, constituíram as suas posses com a mão de obra
escrava. A relativa concentração fundiária e o número de escravos são dados que revelam
aspectos singulares dessa sociedade. Ana Maria Carvalho dos Santos de Oliveira, num estudo
sobre as propriedades rurais do recôncavo sul baiano no século XIX, destaca que: “cada sistema
ou subsistema agroprodutivo gera uma base fundiária própria e dotada de singularidade”. 174 A
vila e Comarca de Garanhuns também tinha as suas singularidades, constituída nas dimensões
da propriedade escrava, da posse de terras e dos tipos produção.

173
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Ignácio de Godoi de Vasconcelos, Garanhuns, 1803, fls. 10-
16, Caixa 1803/1805.
174
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recôncavo sul: terra, homens, economia e poder no século
XIX. Dissertação de Mestrado, Salvador, Bahia: UFBA, 2000. p. 45.
70

3 ESCRAVOS, SENHORES E A OPRESSÃO DO CATIVEIRO

Em janeiro de 1829, o crioulo João havia empreendido fuga da casa do seu senhor,
Cristovão Guilherme, na rua dos Tanoeiros, na cidade do Recife. Já era um reincidente nessa
empreitada, pois havia fugido com “um gancho de ferro no pescoço”, instrumento que atestava
a sua conduta de fujão. Ele aparentava ter 30 anos, era baixo e muito conhecido em Olinda,
“por ter sido escravo do Sr. Campos”, um funcionário público, “escrivão do crime”, morador
num sítio na mesma cidade. O que chama a atenção nesse anúncio, era o fato do seu novo
senhor, Cristovão Guilherme, desconfiar que João teria ido para Garanhuns.175 A brevidade do
anúncio impossibilita maiores especulações sobre a vida e o paradeiro desse escravizado, mas
permite levantar algumas questões: o que teria levado o seu senhor a supor que o seu escravo
tivesse fugido para Garanhuns? Que ligações teria esse escravo com a região? Será que na
gramática da resistência do crioulo João e de outros escravizados, a fuga para regiões
relativamente distantes do litoral e da zona da mata canavieira, dificultaria ainda mais a sua
captura? Será que eles acreditavam que os aparelhos repressivos ali seriam menores?
O presente capítulo é uma tentativa de melhor entender esse tipo de resistência, focando
nas fugas de escravizados para Garanhuns, ou dessa localidade, para outras regiões. É
importante lembrar, que pouco se escreveu sobre a fuga de escravos no interior de Pernambuco
e que estudos como esse, acabam por fornecer outros indícios da vida escrava no Agreste e
Sertão. Vale salientar ainda, que no interior, a força de linha policial não possuía um grande
contingente em comparação com a capital, isso pode ter facilitado a fuga de muitas pessoas
escravizadas. Ao que tudo indica, a imensidão do território e a falta de destacamento policial
na região possibilitou essas evasões. Wellington Barbosa da Silva, num estudo sobre a fuga de
escravos e a ação policial no Recife oitocentista, explica que, “aproveitando-se destes
momentos de relativa frouxidão na vigilância, inúmeros escravos botavam o pé na estrada,
quebrando as correntes de sujeição aos senhores”176. Fugir para o interior não era tarefa das
mais fáceis. Isso porque era necessário ter algum conhecimento da região, das estradas e
caminhos. Além do mais, por menor que seja, a vigilância também ocorria nessas vias de
circulação de gente, animais e produtos.
As fontes sobre a resistência escrava no interior são significativas. Ao todo, foram
levantados 30 anúncios de fuga de escravos da primeira metade do século XIX que fazem

175
HDBN, O cruzeiro, jornal político, literário e mercantil (Pe), 1829, n. 266. In. Escravos Fugidos.
176
SILVA, Wellington Barbosa da. Entre sobrados e mocambos: fuga de escravos e ação policial no Recife
oitocentista (1840-1850). In. CABRAL, Flávio José Gomes; COSTA, Robson (org.). História da escravidão em
Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012, p. 144.
71

referência à Garanhuns, dos jornais, Diário de Pernambuco e Diário Novo, dois inventários
post-mortem onde escravos foragidos “aparecem” descritos, e, três processos judiciais de “furto
de escravos”. Esses documentos são fundamentais para se pensar alguns aspectos de uma
sociedade escravista no interior da província de Pernambuco. Essa fonte, nos fornece
importantes indícios sobre o tratamento dado aos escravizados (castigos e maus tratos), os
vários riscos das fugas, os espaços de liberdade e autonomia conquistados, e mesmo, o risco da
reescravização, etc.
Os anúncios de fuga de escravos foram largamente utilizados pela historiografia. Pode-
se até dizer, que eles são a prova mais visível da resistência escrava no século XIX. Como
ressalta Kátia Mattoso, “crioulos ou ladinos, homens e mulheres, jovens e velhos, de todos os
ofícios e todas as origens, alimentavam a crônica diária dos escravos em fuga dos jornais
brasileiros”.177
É importante, se fazer algumas ressalvas quando se trabalha os poucos casos de fuga de
escravos na documentação para a primeira metade do século XIX. A primeira delas, diz respeito
a própria existência desses jornais. O Diário de Pernambuco, começou a circular em 1825 e o
Diário Novo em 1842, o que já restringe a pesquisa nessa fonte há algumas décadas. Além do
mais, tudo leva a crer, que a cultura de se anunciar fugas em jornais não fazia parte totalmente
das estratégias dos senhores no Agreste e Sertão pernambucano. Isso porque, esses poucos
anúncios que referir-se a Garanhuns e outras localidades no interior, quase sempre, foram
redigidos quando o anunciante sabia mais ou menos, o paradeiro desses escravizados,
normalmente descritos em fugas para os centros urbanos, subúrbios ou engenhos próximos da
capital, onde os jornais circulavam com maior abrangência. Não é à toa, que parte significativa
desses anúncios faz referência a alguma pessoa que vivia na cidade (Recife ou Olinda), alguém
a quem o fujão deveria ser entregue. Um exemplo disso, pode ser observado no anúncio da fuga
do moleque Custódio em 1839. Ele fugira da casa do seu senhor, no engenho Novo da
Conceição, em Moreno. Segundo o anunciante, havia noticiais que Custódio andava pelo
“distrito de Garanhuns, [no] sítio Retiro”. Quem o prendesse poderia levar na casa de Luís José
Marques, na rua do Rangel, Recife, que seria “generosamente recompensado”.178
Os poucos casos aqui relatados não são evidências de que a escravidão no Agreste
pernambucano fora “benévola”, “ordeira”, sem tensões entre senhores e escravizados. Pelo
contrário, elas são a ponta de um iceberg, algo mais visível de um grande sistema escravista.

177
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Op cit., 2003, p. 153.
178
HDBN, Diário de Pernambuco, 24.09.1839, n. 2078. In. Escravo fugido.
72

3.1 OS ANÚNCIOS DE FUGA ESCRAVA REFERENTES AO AGRESTE


PERNAMBUCANO

Nessas últimas décadas, a historiografia da escravidão tem ampliado a dimensão dos


temas pesquisados. Para além dos aspectos da resistência escrava, assuntos como família,
alforrias, demografia, tráfico escravo no espaço rural, criminalidade, furto e roubo de escravos,
mortalidade, dentre outros, têm sido explorados. A diversidade de abordagens renova
paulatinamente as pesquisas sobre as ditas áreas “periféricas” da escravidão no Brasil
oitocentista, espaços onde a mão de obra cativa foi usada de forma diversificada.
Citando a historiadora Sílvia Lara, Flávio dos Santos Gomes coloca que,
As fugas faziam parte da escravidão (eram inerentes a ela) não só porque os escravos
resistiam à dominação, mas também porque eram previstas e reconhecidas pelos
senhores e pela legislação metropolitana como algo permanente, um “dado de
realidade” que não era possível ignorar, algo inscrito na própria visão que tinham do
escravo e da escravidão. (LARA, 1988, p.295).

Os principais jornais pernambucanos publicados no século XIX, retratam muito bem as


fugas de cativos, inclusive de Garanhuns e outras localidades próximas. Esse tipo de resistência,
deve ser analisado de forma cuidadosa, para não cair na velha ideia de “fuga para a formação
de quilombos”. Fugir para um quilombo não era tarefa fácil. Como destaca Carvalho, no século
XIX, “a sociedade tornara-se mais fechada, a repressão aos escravos mais eficiente, a fuga para
o mato mais difícil à medida que a agricultura comercial ocupava os nichos ecológicos mais
apropriados para esconderijo”.179 As fugas para lugares de difícil acesso fizeram parte do
repertório de resistência desses escravizados, mas não eram as únicas opções.
Para Marcus Carvalho, fugir para o mato era deixar uma “situação de extrema penúria
para outra ainda muito difícil”.180 Por isso, muitos escravos acabavam apenas trocando de
núcleo urbano ou até mesmo de senhores. Isso poderia significar mais autonomia na vida dessas
pessoas. Como bem sabemos, escravizados elaboraram uma série de estratégias de
sobrevivência e muitos se utilizaram da fuga.
Um dos pioneiros a trabalhar com os anúncios de fuga escrava, nos jornais brasileiros
do século XIX, foi Gilberto Freyre. Ele realizou um estudo sobre as características dos cativos
que são identificadas a partir dos anúncios de venda, troca e fuga. Para o autor, “os anúncios
constituem a melhor matéria ainda virgem para o estudo e a interpretação de certos aspectos do
nosso século XIX”.181 Ele também explica que “a linguagem dos anúncios de negros fugidos,

179
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel. O quilombo do Catucá em Pernambuco. Caderno CRH, n. 15, p.
5-28, jul./dez, 1991, p. 05.
180
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel. Op cit., 1998, p. 216.
181
FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. 2º ed. São Paulo/Recife:
73

esta é franca, exata e às vezes crua”. Ou seja, os anúncios trazem uma linguagem de gabinete
policial minuciosa. “Sem retoques nem panos mornos”.182 Além do mais, para os senhores de
escravos, as hipóteses de encontrar os seus cativos eram mínimas e a descrição era fundamental.
Talyta Marjorie Lira Sousa, em estudo sobre a fuga de escravos nos periódicos da cidade
de Teresina no Piauí, fala que “os jornais brasileiros do século XIX são fontes ricas na
investigação sobre a sociedade daquele momento, pois, através de seus registros, é possível
perceber o cotidiano, as atividades comerciais, a concepção de comportamento e moralidade da
sociedade”.183 Para a autora, “os recursos linguísticos foram bastante utilizados para descrever
e exaltar as características dos escravizados nos anúncios tanto de fuga quanto de venda”.184
Marcus Carvalho, fala que os anúncios de fuga não foram escritos “para defender ou
acusar a escravidão e muito menos para servirem de objeto de estudo dos historiadores”. O
objetivo deste tipo de fonte “era tornar uma determinada pessoa facilmente reconhecível”.185
Porém, o simples fato desses anúncios tentarem tornar um indivíduo “facilmente reconhecível”
os tornam, em importantes registros sobre a sociedade que os cerca.
Sobre a estrutura dos anúncios, Heloisa Sousa Ferreira explica que, esse tipo de
documento possuía “uma composição simples, na qual havia uma descrição física e muitas
vezes comportamental do escravo, e geralmente ofereciam uma gratificação a quem encontrasse
o “fujão”.186 Um exemplo, pode-se perceber no anúncio de 6 de junho de 1835, quando o cativo
José, descrito como “bem falante”, fugiu provavelmente para a região de Garanhuns. Ele tinha
30 anos, era aleijado de um dos dedos da mão e possuía uma estatura regular. Por fim, quem o
pegasse seria “generosamente gratificado”.187
Para o enfoque da nossa pesquisa, foram selecionados 30 anúncios de fuga que fazem
referência, direta ou indiretamente para Garanhuns. Dessas 30 ocorrências, fica claro que elas
eram predominantemente individuais (25 delas), sendo as cinco restantes, realizadas em dupla.
A maioria dos cativos que empreenderam fuga, eram homens que ficavam entre a faixa etária
dos 20 a 40 anos. A idade dos escravos que empreendiam fuga parece ser, uma constante, em
outros espaços de escravidão no Brasil. Em um estudo sobre a resistência escrava no contexto

Ed. Nacional/ Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1979, p. 45.


182
Ibid., p. 63.
183
SOUSA, Talyta Marjorie Lira. História e memória da população negra: os escravos nos anúncios de
jornais teresinenses no século XIX. In. EUGÊNIO, João Kennedy. Escravidão Negra no Piauí e temas conexos.
Teresina: EDUFPI, 2014, p. 238.
184
Ibid., p. 245.
185
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel. Op cit., 1998, p. 257.
186
FERREIRA, Heloisa Souza. Dando voz aos anúncios: os escravos nos registros de jornais capixabas
(1849-1888). Temporalidades – Revista discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, vol. 2,
nº 2, agosto/dezembro de 2010,
187
HDBN, Diário de Pernambuco, 06.06.1835, n. 99. In. Escravo fugido.
74

de pequenas posses da Comarca do Rio das Mortes, Minas Gerais, Carlos Malaquias e Ana
Caroline Rezende, explicam que a maior parte dos escravos fugidos “eram homens (92%) e
jovens (sendo 42% com idade entre 21 e 30 anos)”.188
A respeito das profissões e ofícios, os números são mínimos. Apenas foram constatados
4 anúncios que ressaltavam as atividades laborais dos cativos, no caso, três alfaiates e uma
vendedeira. Para Carlos Malaquias e Ana Caroline Rezende, “poucos tiveram ocupação
registrada nos anúncios e um número ainda menor fugiu acompanhado”.189 Ao que parece, isso
também ocorreu no município de Garanhuns.
Outro dado interessante, é o número de fugas para Garanhuns. Metade das fugas eram
para o município. Ou seja, muitos cativos acabam por empreender fuga para o interior. Em
muitos casos, desconfiava-se que estes cativos retornassem para lá por serem comprados na
região. É provável, que esses cativos tentassem retornar para os seus parentes ou até mesmo
para antigos senhores. Um exemplo disso, pode ser percebido no anúncio de fuga do preto Luiz
Paulo, “que foi do falecido Antonio Machado [Dias], com fazenda em Garanhuns”, para onde
se julgava ter ido.190 Outro exemplo, é o da fuga do crioulo André, pois “o dito escravo veio da
povoação do Bebedor da Comarca de Garanhuns” para onde se julgava também ter fugido.191
Um caso interessante é o da fuga do crioulo Antonio, de 24 anos. Ele aparece num anúncio de
1843, no Diário de Pernambuco, com uma “estatura regular, seco do corpo, pernas finas e pés
pequenos”. Ele fugiu a levar consigo um cavalo e um Santo Antonio de madeira e o seu dono
suspeitava que o cativo teria ido para Garanhuns, pois foi comprado recentemente naquela
Comarca.192
As fugas do interior para o Recife também eram relatadas. Um caso interessante é a
descrição da fuga do escravo Raimundo, publicado em fins de fevereiro de 1840, no Diário de
Pernambuco. Segundo o anunciante, Jeronimo Ferreira de Veras, morador no sítio várzea
Grande, nas matas da freguesia e termo de Santo Antonio de Garanhuns, esse cativo tinha
empreendido fuga no dia 1 de dezembro de 1839. Raimundo era africano, de nação
Moçambique, tinha “pouco mais de 35 anos”, era ladino, falante, ao que tudo indica desenvolvia
bem o português, mas como o seu senhor relatava, “de maxavel (sic.) se faz boçal de língua”.
Era alto, tinha “boa estatura”, pés grandes e largos, era “fulo de cor, grosso, e barrigudo, olhos

188
MALAQUIAS, Carlos de Oliveira. REZENDE, Ana Caroline de. Resistência escrava em um contexto de
pequenas posses: fuga e propriedade escrava na Comarca do Rio das Mortes em Minas Gerais, C.1830.
História, histórias. Brasília, vol. 4, n. 8, 2016, p. 30.
189
Ibid., p. 30.
190
HDBN, Diário de Pernambuco, 10.10.1843, n.218. In. Escravos Fugidos.
191
HDBN, Diário de Pernambuco, 29.11.1841, n. 261. In. Escravos Fugidos.
192
HDBN, Diário de Pernambuco, 05.06.1846, n. 125. In. Escravo fugido.
75

a proporção”. No corpo, possuía marcas na “testa e fontes da nação”, as orelhas furadas, nariz
pequeno. Na boca, faltava-lhe “um ou dois dentes na frente do queixo interior”. Na barriga,
Raimundo carregava a “marca de dois SS”.193
É importante destacar, que o anúncio se fez quase dois meses depois da fuga, tempo
suficiente para que o seu senhor obtivesse mais informações sobre o paradeiro do fujão. O seu
dono tinha “física certeza” de que seu escravo tinha ido para o Recife, pois chegara aos seus
ouvidos que tinha ido até a capital da província, “introduzido em comboio de Garanhuns”.
Ainda segundo o anúncio, quem tivesse notícia do escravo ou mesmo o capturasse, deveria
entregá-lo ao Chantre Joio da Silva da Fonseca, em Olinda, ou o Caetano Pinto Veras, no
Recife, que seria recompensado.
Nas fontes, a história de Raimundo encerra nesse anúncio. Não se sabe, se foi ou não
recapturado. Um ponto interessante a se pensar, diz respeito ao fato desse escravizado ter se
agregado a “um comboio”, ao que tudo indica, formado por gente que viajava para a capital
para negociar gado, algodão ou mesmo suas lavouras de subsistência. Viajar em comboio era
um expediente muito comum, evitava incursão de ladrões e salteadores, roubos e etc. No
inverno, nas estradas lamacentas, até os atolamentos dos carros de boi e mulas poderiam ser
resolvidos de forma colaborativa. Ao que parece, Raimundo foi aceito pelo grupo sem ressalvas,
viajando clandestinamente para a capital da província.
Escravos usaram muitos caminhos conhecidos (e até desconhecidos) do Agreste como
rota de fuga. Um exemplo disso é o caso do cativo reincidente em fugas, Joaquim crioulo. Ele
era escravo de Francisco Xavier Pereira de Brito, proprietário da fazenda Macambira, do termo
da vila de Pesqueira, comarca do Brejo da Madre de Deus. Joaquim, como ressalta o anúncio,
era “filho do mesmo sertão”, tinha sido escravo do sogro de Francisco Xavier, que recebeu o
dito Joaquim de herança. É interessante perceber, que o crioulo era um profundo conhecedor
dos caminhos, pois, como atesta o anúncio, era “bastante prático nas estradas do sertão”, afinal
já havia fugido outras vezes, “pois em outras fugidas tem se dirigido para os sertões da Paraíba”.
O seu senhor conhecia o itinerário dessas fugas e até já tinha colhido algumas informações
sobre o paradeiro do dito escravo, pois anunciava que Joaquim tinha sido visto em povoações
próximas a Garanhuns, como São Bento e Cacimbão. O seu senhor desconfiava que ele, nessa
fuga, teria tomado o caminho da povoação de Panelas de Miranda. De fato, Joaquim circulou
bastante na região. Longas caminhadas a pé pelas estradas que ligavam essas povoações a
província vizinha da Paraíba. Não é à toa, que era descrito como alto, cheio do corpo e “pernas

193
HDBN, Diário de Pernambuco, 27.02.1840, n. 47. In. Escravo Fugido.
76

bastantemente (sic.) grossas”, afinal, fez bom uso delas para empreender fugas para longas
distâncias.194 Conhecedor de estradas do sertão, Joaquim teria um repertório maior de opções
para a sua liberdade.
Caso semelhante é o que relata a fuga dos escravos Pedro e José, descritos como irmãos.
Tudo leva a crer que eles teriam fugido de Vitória de Santo Antão, ou mesmo da cidade do
Recife. Afinal, se fossem capturados, o anunciante os mandava levar para Santo Antão ou para
as Cinco Pontas, no Recife. Eles não empreenderam uma fuga solitária, pois levaram consigo
uma mulher de nome Maria. É provável que todos os três fossem africanos, pois tinham os
dentes limados, típico sinal de algumas nações africanas. Pedro, além dos dentes limados, tinha
“um [dente] partido na frente da boca”. O anunciante acreditava que eles teriam empregado
fuga para o sertão, por que eram “bastante práticos nos caminhos”.195 O anúncio não dá outros
detalhes, mas é provável que os dois irmãos foragidos deveriam exercer alguma atividade que
os levassem a viajar com certa constância para o interior da província.
Desconhecemos o que esses anunciantes entendiam por “sertão”, termo da fonte. Porém,
fica claro que não se tratava de fugas para a Zona da Mata e sim, que ultrapassavam os limites
do que era comumente a área de atuações desses senhores escravistas. Um exemplo disso pode
ser percebido no anúncio de fuga do escravo crioulo Fidelis. Ele era “natural do sertão de
Garanhuns”, tinha entre 30 e 34 anos, era bastante alto, corpulento, de “feições grossas”, com
“uma cicatriz ou costura no lagarto do braço direito”. Quando empreendeu fuga, estava vestido
com uma camisa e uma ceroula de algodão grosso. Segundo o anunciante, o crioulo Fidelis
tinha sido “comprado a muito tempo aos Machados”196, ao que tudo indica, ao Capitão Antonio
Machado Dias. Quem o prendesse na capital ou nas proximidades, deveria levar o fujão para a
casa D. 05, nas Cinco Pontas.
Ambos os anúncios retratam bem as fugas de cativos para o interior. Esses cativos
circulavam bastante, saiam da órbita das propriedades dos seus senhores, eram conhecedores
de caminhos que levavam ao “sertão”, caminhos que um dia tinham sido feitos no exercício de
alguma atividade, e que agora virava rotas de fuga.
Não restam dúvidas, que havia escravos que tinham um conhecimento profundo desses
caminhos. No Diário de Pernambuco, de 7 de novembro de 1849, um anúncio de fuga
demonstra muito bem isso. No dia 28 de outubro do mesmo ano, fugiram da fazenda Brejinho,
termo de Garanhuns, dois escravos, o africano João Camundongo, de 40 anos, e o crioulo

194
HDBN, Diário Novo, 28.01.1841. In. Escravos Fugidos.
195
HDBN, Diário de Pernambuco, 06.02.1841, n. 29. Escravos fugidos.
196
HDBN, Diário de Pernambuco, 20.03.1830, n. 1638. In. Escravos Fugidos.
77

Samuel, de idade não definida. Um detalhe chama a atenção. Conforme o anúncio, João era
“muito ladino” e conhecia muito bem “todas as estradas do centro até Pajeú, Maceió, etc.”.
Ambos os escravos eram bem valorizados, afinal, o seu senhor anunciava que quem os
prendesse seria “muito generosamente recompensado”.197
Para Marcus Carvalho, muitos escravos começam com pequenas “escapadelas” e com
o ganho de experiência nesse tipo de empreitada, acabavam por fugir por longos anos. Por
exemplo: na Comarca de Garanhuns, fazenda Riachão, na casa de José Francisco Callado,
apareceu um escravo que disse que estava foragido há 6 anos. Segundo relatou, pertencia “a um
dos moradores das fazendas de Cariris Novos”198, nas fronteiras da região sul da província do
Ceará, com a província da Paraíba. Não sabemos ao certo qual o motivo da fuga desse escravo.
Porém, é interessante perceber que esse escravo passou muitos anos longe do domínio
senhorial, vagando, quem sabe, pelas estradas do sertão das três províncias.
As fugas dos escravos também poderiam ser motivadas por um castigo severo ou mesmo
uma surra violenta. Um exemplo disso pode ser observado num anúncio de 15 de março de
1837, que relata a fuga do crioulo Manoel, de 19 anos. Ele ausentara-se da vila de Garanhuns,
da propriedade do seu senhor, Jeronimo Ferreira de Veras. Segundo o anúncio, Manoel era bem
ladino, de estatura ordinária, seco do corpo, com a cor “não muito negra”, dentes limados,
orelha esquerda com “um grande número de costuras de cão que o mordeu em pequeno”,
“zaimbro” (sic.) das pernas e pés tortos para dentro. Um detalhe nessa descrição chama a
atenção: Manoel tinha “as nádegas foveiras de uma surra”.199 Provavelmente, esse foi mais um
dos fatores que levou o cativo Manoel a se ausentar da propriedade do seu referido dono.
As fugas eram punidas com violência que muitas vezes ultrapassavam os limites
permitidos pelo costume senhorial. Um caso interessante, é o da surra sofrida pela escrava
Luíza, que resultou num extenso processo judicial, iniciado em 1868. Luiza, como destaca a
fonte, tinha “o hábito inveterado de fugir” e “havendo chegado de uma fugida em ocasião”, no
dia 12 de fevereiro de 1868, levou uma surra de “chicote de arreio” nas nadegas. Ao que parece,
o instrumento de suplício agravou ainda mais o castigo, provocando cortes nas suas nádegas.
Agravou a tal ponto, que chamou a atenção do subdelegado de Correntes, termo de Garanhuns,
que prendeu o agressor Eugênio de Melo. A escrava Luiza era propriedade de três senhores,
mas só um deles, Eugênio de Mello, foi preso na cadeia da vila de Garanhuns e processado.200

197
HDBN, Diário de Pernambuco, 07.11.1849, n. 247. In. Escravos Fugidos.
198
HDBN, Diário Novo, 10.11.1842, n. 243. In. Escravos Fugidos.
199
HDBN, Diário Novo, 15.03.1837, n. 60. In. Escravos fugidos.
200
TJPE, Memorial da Justiça, 1842, Garanhuns, CX 2610. Fórum Criminal, Réu Eugenio de Mello, Cr:
ferimentos em escrava.
78

O interessante é perceber que Luiza tinha uma rotina de fugas, isso porque, como destaca a
fonte, voltava para a casa dos seus proprietários por vontade própria. Ao que tudo indica, cada
escapadela era punida com um castigo mais intenso e prolongado.
Um dado importante, diz respeito ao número de escravos africanos descritos nos
anúncios de Garanhuns. Foram constatados 14 africanos (12 homens e 2 mulheres). O que se
sabe, é que esses africanos representavam 40% das fugas realizadas. Ainda que imprecisa, a
descrição destes cativos, nos permitiu identificar 1 Benguela, 1 Camundongo, 3 Angolas, 2
Cassanges, 1 Congo, 1 cativo da Costa, 2 Moçambique e 2 cativos do gentio do Gabão. Ao que
parece, o expediente da fuga não era um privilégio apenas dos nascidos no Brasil. Esses
números mostram que, mesmo os estrangeiros, rapidamente dominavam as estratégias das fugas
e mesmo os caminhos, as rotas de evasão.
Um bom exemplo é o anúncio de 30 de setembro de 1829, publicado no Diário de
Pernambuco, que relatava a fuga de dois “escravos novos do gentio do gabão”, ainda sem serem
batizados, da fazenda do Corrente, termo da vila de Garanhuns. Segundo o anunciante, a fuga
teria se dado um ano antes, em 1828. Um deles tinha cerca de 40 anos, possuía um dedo do pé
cortado e fugiu com um “ferro no pescoço”. O outro tinha 20 anos, era mais baixo (em
comparação ao mais velho), cor fula e com o dedo mendinho do pé “comido para dentro”. O
seu senhor, o Sargento Mor da Vila de Garanhuns, Antonio Machado Dias, supunha que esses
escravos estivessem em “algum Engenho do Sul”.201 Como veremos mais adiante nessa
dissertação, havia uma rota que ligava Garanhuns até a mata e o litoral sul da província de
Pernambuco (rota essa que foi utilizado durante o tráfico ilegal). Por essa rota, também
passavam os escravos recém-desembarcados que iam para o interior. Mesmo fazendo esses
caminhos pela primeira vez, ficou na memória desses escravos essas rotas.
Outro dado importante, é que existem poucos fragmentos da experiência feminina nos
anúncios de fugas referentes a Garanhuns (ao todo foram três escravizadas encontradas nos
anúncios). Como observamos no primeiro capítulo, esses números representavam uma
tendência do próprio comércio internacional de africanos para Garanhuns. Esse baixo número
também pode estar relacionado a própria constituição de famílias escravas. Manolo Florentino
e Marcia Amantino, num estudo sobre fugas e formação de quilombos nas Américas (séculos
XVI-XIX), explicam que “a família escrava operava como um forte mecanismo de estabilização
social, criando vínculos de adesão dos seus principais componentes – mães e filhos – ao status
quo escravista”.202 Para os autores, pouquíssimas são as mulheres registradas que fugiram na

201
HDBN, Diário de Pernambuco, 30.09.1829, n. 208. In. Escravos Fugidos.
202
FLORENTINO, Manolo; AMANTINO, Marcia. Fugas, quilombos e fujões nas Américas (séculos XVI-
79

Carolina, nos Estados Unidos, em 1738. Ao que parece, a maternidade dificultava a participação
das mães nas fugas. Para Marcus Carvalho “a maternidade prendia essas pessoas aos seus entes
mais amados”.203
As fugas não eram uma primazia apenas dos homens, mas eles aparecem mais
representados. Do total de 35 escravos levantados, apenas 3 eram mulheres (8,57%). Os casos
de Garanhuns têm semelhanças com os padrões mais gerais, onde as fugas são
predominantemente masculinas. No entanto, esses números por si só, não explicam a questão.
Vejamos então alguns exemplos. Em 1843, a escrava Thereza, identificada como sendo de
nação Costa, empreendeu fuga da cidade do Recife. Ela foi descrita como sendo alta, seca do
corpo, carrancuda e com cabelos brancos. Thereza aparentava ter 50 anos, vendia frutas e fugiu
a levar consigo um tabuleiro. Ela era reincidente em fugas e a sua dona desconfiava que a cativa
tivesse ido para Garanhuns, por já ter sido capturada naquela região. Além do mais, a cativa
“costuma trocar o nome de Thereza para Mariana”, se passando também por liberta.204
Provavelmente o ofício de vendedeira, proporcionou a Thereza autonomia e circulação
suficiente para fugir. Ela costumava mudar de nome para evitar a apreensão e era mais uma
conhecedora dos caminhos do Sertão.
Outro exemplo, fica por conta da preta Maria de nação Cassange. Ela fugiu com o
escravo crioulo de nome Domingos, em 18 de março de 1847. O anunciante informou que
“ambos vieram de Garanhuns, e por isso talvez tomasse esse caminho”.205 Esse caso é
interessante, porque se trata de uma fuga realizada por dois indivíduos, que provavelmente,
retornaram para Garanhuns. Esses cativos deveriam ter certos laços de parentesco na região de
onde foram comprados.
O terceiro caso descrito nos anúncios, é o da escrava Margarida. O seu senhor
desconfiava que a cativa fugiu ou foi furtada. Ela foi descrita com os seguintes sinais: “é baixa,
o corpo um tanto reforçado, e bem pretinha, o rosto grosseiro, e meia beiçuda, tem um oito de
conta em um dos peitos, e nas costas dois ou mais calombinhos, tem falta de um dente de cima
na frente da boca”. O anunciante informou que o primeiro dono de Margarida foi o Capitão
Antonio Machado Dias, um dos maiores proprietários de escravos da região de Garanhuns, já
referenciado no primeiro capítulo dessa dissertação. Ele deu em dote essa cativa para o seu
genro Raimundo José Pereira Belo, de quem o anunciante comprou. O atual dono da escrava,

XIX). Análise Social, 203, XLVII (2.º), 2012, p. 245.


203
CARVALHO, Marcus J. M. de. Op cit.,1998, p. 227.
204
HDBN, Diário de Pernambuco, 11.10.1843, n. 172. In. Escravos Fugidos.
205
HDBN, Diário de Pernambuco, 22.03.1847, n. 66. In. Escravos Fugidos.
80

suspeita que a cativa anda pela região de Garanhuns, próximo à fazenda do Corrente do referido
Capitão.206
O primeiro caso descrito, evidência a autonomia de uma escrava que tinha o ofício de
vendedeira. Ela deu alguns passos na construção da sua liberdade e conseguiu viver sobre si,
passando-se por liberta. Os dois últimos anúncios, retratam os laços de solidariedade, já que os
senhores suspeitavam que os seus cativos retornariam ao município de Garanhuns, por terem
vindo de lá. Flávio do Santos Gomes explica que muitos escravos fugiam para “reencontrar
parentes e/ou ir atrás de antigos senhores”.207 Ou seja, muitas fugas estavam ligadas
supostamente por esses motivos de parentesco, identidade local e patronato. Um exemplo disso
é o caso do pardo Manoel, alfaiate de 40 anos. O seu proprietário suspeitava que ele fugiu para
Garanhuns, já que foi “escravo muitos anos do falecido Antonio Machado Dias, e consta estar
acoitado nesse lugar onde foi visto por pessoas que o conhecem nesta praça”. 208 Se passando
inclusive por liberto, pois disse que tinha sido alforriado com o seu dinheiro. Manoel era
reincidente em fuga. Havia escapado em 1829 da casa do Sargento-Mor Antonio Machado Dias,
quando tinha apenas 20 anos. O seu senhor desconfiava que ele estava acoitado em Garanhuns
e oferecia uma gratificação para quem o capturasse, prometendo inclusive, perdoar o castigo ao
dito escravo.209 Manoel possuía certo valor para o seu dono, afinal, era alfaiate.

3.2 A FUGA ESCRAVA NOS INVENTÁRIOS POST-MORTEM

As fugas de escravos não ficaram documentadas apenas nos anúncios de jornais. Elas
aparecem também nos inventários, porém, em menor incidência. Apesar disso, podem revelar
certos aspectos da sociedade escravista em foco. Para Carlos Jarenkow, num estudo sobre a
fuga escrava no Rio Grande de São Pedro, no século XIX, “nem todos senhores de escravos
arrolaram, dentre os seus escravos, os que estavam foragidos”.210 O autor explica que em alguns
casos, os “cativos eram arrolados por herdeiros que ansiavam com a esperança de uma possível
captura, para que também pudessem ser partilhados assim como os outros bens do

206
HDBN, Diário de Pernambuco, 06.07.1841, n. 142. In. Escravos Fugidos.
207
GOMES, Flávio dos Santos. Jogando as redes revendo as malhas: fugas e fugitivos no Brasil escravista.
Tempo, Rio de Janeiro, vol. 1, 1996, p. 70.
208
HDBN, Diário de Pernambuco, 19.07.1844, n. 161. In. Escravos fugidos.
209
HDBN, Diário de Pernambuco, 06.05.1829, n. 918. In. Escravos fugidos.
210
JARENKOW, Carlos. Fugindo para o Orientais: As Fugas de Escravos pela Fronteira Meridional
Brasileira (Brasil Uruguai, 1846-1870). Rio de Janeiro, 2018, p. 29.
81

inventariado”.211 Isso pode ter ocorrido também em Garanhuns, marcando assim a pouca
incidência desses casos nessa fonte.
Em pelo menos dois inventários, é possível encontrar referências a esse tipo de
resistência escrava. No inventário de Manoel Dias da Silva Queiros (1835), morador da
povoação de Águas Bellas, termo de Garanhuns, foi registrado que o seu único escravo deixado
de herança se encontrava foragido. O cativo João, de nação Angola, era já muito velho e coxo,
e andava “fugido a (sic.) mais de 4 anos”. Sem ser proprietário de terras, Manoel Dias da Silva
Queiro, constituiu o patrimônio de uma vida inteira quase apenas com animais, 47 vacas e 2
cavalos. Ali consta apenas um único escravo.212 Ele não era alguém de muitos cabedais, um
homem de poucos bens. Daí porque a lembrança do escravo João, fugido há mais de 4 anos,
constou no seu inventário. Chama a atenção o fato do escravo João, um homem velho e coxo,
ao que tudo indica, puxando de uma perna, que provavelmente tinha pouco valor monetário, ter
sido lembrado no processo de inventário. Mesmo com a sua ausência, afinal, empreendera fuga
há mais de 4 anos, João ainda representava um bem para os herdeiros do finado Queiros, um
patrimônio a ser partilhado por aquela família.
Carlos de Oliveira Malaquias e Ana Caroline de Rezende, estudando a resistência
escrava num contexto de pequenas posses na Comarca do Rio das Mortes na década de 1830,
explicam “que todos os senhores estavam sujeitos à fuga, mesmo os donos de pequenas
escravarias, fato que sugere que a evasão do cativeiro relacionava-se a tensões no exercício
senhorial de mando, mais do que com condições materiais previamente postas”.213 Foi o que
provavelmente também aconteceu com os senhores de poucas posses do município de
Garanhuns.
Outro exemplo, aparece no inventário de Fidelis da Costa e Andrade (1829). Ele era
dono de dois escravos, um de nação Angola, chamado José, de apenas 10 anos, avaliado por
Rs. 160$000, e Andreza, crioula de 22 anos, avaliada em Rs.170$000, além de alguns animais
e uma pequena propriedade de terras, tudo de pouco valor (em comparação aos preços dos dois
cativos). Mesmo com poucos bens, o seu inventário se estendeu por uma década. Dez anos
depois, em 1839, o cativo José, agora com 20 anos, empreendeu fuga por não querer servir mais
aos herdeiros. Nos autos do inventário, o tutor da menina Cipriana, filha mais nova do falecido
Fidelis da Costa e Andrade, alegou que José fugira da casa da herdeira, “com o pretexto de

211
Ibid., p. 40.
212
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de Manoel Dias da Silva Queiros, Povoação de Águas Bellas,
vila de Garanhuns, 1835, fl. 04, Caixa 1830.
213
MALAQUIAS, Carlos de Oliveira. REZENDE, Ana Caroline de. Op cit., 2016, p. 23.
82

troca”.214 Ao que parece, buscava um novo senhor. Katia Mattoso explica que muitos cativos
esperam “encontrar um senhor melhor e com frequência passam do ruim para o pior”.215 É
importante destacar, que José de nação Angola, chegou ao Brasil muito novo, com 10 anos ou
ainda até mais novo. Ele fazia parte de um comércio de escravos novos que abastecia o interior.
Ao que tudo indica, teve pouco contato com outros escravizados, pelo menos na propriedade
de Fidelis da Costa Andrade.
Ao analisar o documento acima, pode-se compreender mais sobre o cotidiano dos
escravos foragidos. A história desse escravizado evidencia as pequenas lutas contra a
dominação senhorial. Para Flávio dos Santos Gomes, “enquanto durou a escravidão no Brasil,
temos notícias das variadas formas de resistência dos cativos”.216 Para o autor, as fugas
destacam “algumas das formas explícitas da luta dos escravos contra a dominação”. 217 O
escravo José conhecia os limites da liberdade, pois como ressalta o documento, fugira com a
intensão de ser trocado. Um novo senhor representava, mesmo que hipoteticamente, melhores
condições de vida e mesmo, possíveis espaços de liberdade, sendo o seu próprio envolvimento
na negociação, um indício de luta por maior autonomia. Como ressalta Flávio dos Santos
Gomes, “homens e mulheres escravizados agenciavam suas vidas não como objetos passivos
do processo histórico que vivenciavam, mas como sujeitos com lógicas próprias, forjadas em
experiências sociais concretas”.218
Para Marcus Carvalho, “trocar de senhor poderia representar uma significativa transição
nas condições de vida do indivíduo. Para melhor ou para pior”.219 O autor explica que “a
transferência onerosa de um cativo era uma operação mercantil corriqueira, que exigia os
mesmos cuidados dispensados na compra e venda de um animal de algum valor, com as
garantias de praxe”.220 No entanto, as pessoas escravizadas tinham experiências próprias do
cativeiro, que as ajudavam, a negociar em alguns casos mais autonomia em determinadas
situações.
Segundo Carlos de Oliveira Malaquias e Ana Caroline Rezende, “no jogo de tensões e
compromissos entre escravos e senhores, na cotidiana disputa entre autonomia e exploração, a
fuga é um momento de resistência escrava ao poder senhorial, quando a política de domínio

214
APEJE, Cartório De Garanhuns – Inventário de José Fidelis da Costa de Andrade, Sítio Canhoto, vila de
Garanhuns, 1829, fls. 03v.- 05v. – Caixa 1820.
215
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Op cit., 2003, p. 153.
216
GOMES, Flávio dos Santos. História de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de
Janeiro – século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995, p. 16.
217
Ibid., p. 16.
218
Ibid., p. 17.
219
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel. Op cit., 1998, p. 272.
220
Ibid., p. 217.
83

costumeira falha em atender legitimamente aos anseios do cativo”.221 A fuga e a troca de senhor
poderia significar uma ruptura na dominação senhorial.
Esses indícios de autonomia podem ser vistos em outros documentos. Um caso
semelhante ao relatado acima aparece em um anúncio do Diário de Pernambuco, em 21 de abril
de 1827, quando o senhor Manoel Dionizio Gomes do Rego, Comandante da Povoação de
Afogados, no Recife, descreveu que “o preto Antonio de nação Benguela, procurou a sua casa
para ele o comprar”.222 Segundo o anunciante, o comandante se prontificou a comprar o escravo
do senhor Antonio José Bernardo, morador da povoação de Aguas Belas, termo de Garanhuns.
Chama a atenção, o fato do preto Antonio está longe de casa agenciando a sua possível compra.
A história do preto Antonio, registrada em poucas linhas nesse anúncio, nos dá a possibilidade
de ampliar essa discussão. De fato, a fuga do interior para o subúrbio do Recife aconteceu, o
que demonstra a iniciativa do preto Antonio. Porém, ao que tudo indica, Manoel Dionísio teria
acoitado esse escravo e até mesmo, utilizando-se dos seus trabalhos de forma ilegal. Como
autoridade policial (ele era comandante na povoação de Afogados), Manoel Dionísio sabia que
cometia um crime contra a propriedade. A ideia de “comprar” um escravo era desejada. Era
importante destacar que foi o escravo que o procurou para esse fim, demonstrando certa isenção
no processo. Não sabemos o final desse caso, que pontua também o limite da autonomia
escrava, da ação de escravos que, dentro da lógica do cativeiro, procuraram mudar de donos, e
quem sabe mudar de vida.
Não é nada incomum na historiografia da escravidão, os casos de escravos que buscam
um novo senhor. Para José Maia Bezerra Neto, “fugir, não significava o abandono das
atividades de trabalho, mas representava a possibilidade de os trabalhadores exercerem efetivo
controle sobre o processo de trabalho, desconstruindo a escravidão”.223 Neste caso em especial,
o preto Antonio fugiu em busca de práticas de trabalho que o favorecessem. Ainda sobre o
assunto José Maia Bezerra Neto explica que:
Os escravos fugidos, em sua luta contra o domínio senhorial, não se destituíam da sua
condição de trabalhadores, embora expressassem sua recusa em continuar sendo
explorados por seus proprietários. Na verdade, eram enquanto trabalhadores que
lutavam pelo efetivo exercício do controle do ritmo e do tempo de trabalho,
desconstruindo as relações sociais de trabalho calcadas na escravidão, conforme as
suas próprias experiências e visões de liberdade. (BEZERRA, 2000, p.264).

221
MALAQUIAS, Carlos de Oliveira. REZENDE, Ana Caroline de. Op cit., 2016, p. 32.
222
HDBN, Diário de Pernambuco, 21.04.1827, n. 85. In. Escravo Fugido.
223
BEZERRA NETO, José Neto. Fugindo, sempre fugindo: escravidão, fugas escravas e fugitivos no Grão
Pará (1840-1888). Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Campinas, São Paulo, 2000, p. 267.
84

Esses documentos revelam indícios de que a liberdade não era um ato consumado e sim
um processo cheio de idas e vindas.

3.3 FURTO DE ESCRAVOS: OUTRA FACETA DA RESISTÊNCIA ESCRAVA

Não bastassem as fugas, os proprietários de escravos da região ainda enfrentariam outro


problema: o furto de escravo por grupos especializados nesse tipo de crime. Um exemplo disso,
é o grupo denominado de “espoletas” que colocou em alerta proprietários e autoridades policiais
no início da década de 1840. No periódico, esse grupo de “salteadores” (termo da fonte) foi
caraterizado como sendo responsável pelo roubo e furto de cavalos e escravos. Eles atuavam
entre as províncias de Pernambuco e Alagoas, “nos municípios de Garanhuns e Palmeira”,
chegando mesmo a atuar na província de Sergipe. Como destaca a fonte, eles eram “conhecidos
naqueles lugares e em Sergipe pelo nome de “espoletas” e que ordinariamente se empregam em
roubar escravos na província de Pernambuco e Alagoas, para vende-los em Sergipe, e vice-
versa”.224 Ao que parece, alguns senhores também acabavam por publicar os seus anúncios,
referenciando, que os seus cativos poderiam ter sido furtados. Para Peter Eisenberg, “roubar
escravos consistia em outro método ilegal dos fazendeiros manterem-se supridos de mão-de-
obra”.225 Esse crime também aconteceu na Comarca de Garanhuns.
Segundo Marcus Carvalho, depois da repressão ao tráfico internacional,
Como nem todo mundo podia pagar o preço, surgiu uma complexa competição pela
posse de escravos. Competição que nem sempre se resolvia pelos meios legais, pois
havia quem tentasse conseguir a mão de obra cativa – ou a riqueza “escravo” – não
pela compra de uma pessoa já treinada, mas de outras formas, acoitando um escravo
fugitivo ou mesmo roubando. (CARVALHO, 1998, p.276).

Marcus Carvalho explica que com frequência, é possível observar o furto ou roubo de
escravos nas correspondências policiais e nos jornais. Em Garanhuns, por exemplo,
encontramos três casos de acoitamento e furto de escravos. O primeiro caso de furto, é do
escravo Joaquim de nação Congo que aparentava ter 30 anos e pertencia a Francisco Rodrigues
dos Santos. Ele fugiu em princípios de 1849 da Comarca de Bonito para a casa do pardo Mathias
Cordeiro em Papacaça, termo de Garanhuns. Lá o cativo que procurara adquirir a sua liberdade
através da fuga teve os seus planos frustrados. Isso porque, Mathias Cordeiro o conduziu pelo
“Rio São Francisco, até a Vila de Pajeú, província da Bahia, onde o vendera a Manoel
Correia”.226

224
HDBN, O Brasil: Vestra res agitur (RJ), 28.01.1843, n. 363. In. Avisos diversos.
225
EISENBERG, Peter L. Op cit., 1977, p. 184.
226
TJPE, Memorial da Justiça, 1850, Garanhuns, CX:2597. Fórum Criminal, Réus: Antônio José de Azevedo e
85

O segundo caso, é o dos réus Antonio Venâncio e Manoel Gambêo. Eles foram presos
conduzindo dois escravos na beira do Rio São Francisco em janeiro de 1851. O delegado de
Papacaça Luiz Carlos da Costa Vilella, responsável pela apreensão, informou que o casal de
escravos vieram fugidos e foram entocados em casa de Manoel Gambêo em Papacaça, termo
de Garanhuns.227 Os cativos também se negaram a dizer os seus nomes. Sobre o assunto, Katia
Mattoso fala que “os escravos recapturados se recusam frequentemente a declinar o nome de
seus senhores”.228 O retorno ao antigo senhor e o temor do castigo eram fortes concorrentes.
Além do mais, muitos cativos “mofam numa cela e, além disso, certos proprietários não
procuram recuperara-los, pois, as despesas com a captura e o pagamento da manutenção do
escravo são menos vantajosas do que simplesmente esquecer aquele cabeça quente fugitivo”.229
Os dois processos mencionados podem ilustrar muito bem, os riscos que os escravos
fujões tinham. Por outro lado, esses casos mostram réus que supostamente tinham certa
experiência nesse tipo de empreitada. Eles acoitavam cativos foragidos (os seduziam
provavelmente com a promessa da liberdade) e depois os conduziam pelo Rio São Francisco
para os vender na Bahia. É provável, que as rotas terrestres e fluviais do Rio São Francisco
tivessem importante papel nesse tipo de empreitada.
O terceiro caso ilustra não só outros elementos de uma sociedade escravista, mas pontua
também as rotas de circulação entre Garanhuns, o Agreste e a Mata Sul da província. Em 1849,
um ofício de justiça notificava João Antonio Vigão e Joaquim Batista, como possíveis autores
do crime de furto do escravo Vicente. O responsável por tocar o caso era João Francisco Duarte,
subdelegado da povoação de Correntes, termo da vila de Garanhuns. Em um detalhado auto de
perguntas, realizado em 9 de fevereiro de 1849, o preto crioulo Vicente, de 40 anos, contou a
sua versão da história. Tinha sido escravo de João Felix, morador do engenho Itabaiana,
comarca de Rio Formoso. Inquerido pelo subdelegado há quanto tempo o cativo estava foragido
e “se fugiu ou se foi seduzido por alguém para deixar a companhia do seu senhor”, Vicente
respondeu que estava foragido havia dois a três meses (provavelmente em novembro de 1848)
e que a sua ausência da casa do seu antigo senhor começou quando, perto do engenho, foi
abordado por um “tal de José” com um certo Mathias, esse último “morador da Gameleira perto
da morada de Vicente de Paula”. Eles disseram que o tinham comprado a seu senhor. Vicente
relata que chegou a questionar José e Mathias sobre a negociata. Ambos explicaram que o cativo

Mathias Cordeiro, Cr: Furto de escravo.


227
TJPE, Memorial da Justiça, 1851, Garanhuns CX: 2597. Réus: Antonio Venâncio e Manoel Gambêo,
Acusação: Furto de escravos.
228
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Op cit., 2003, p. 155.
229
Ibid., p. 155.
86

não precisaria nem mesmo retornar para a sua casa. Isso porque, eles teriam mantimentos e
roupas suficientes para a viagem. Vicente teria apenas que os acompanhar imediatamente até a
povoação de Correntes. Chegando ali, Vicente foi imediatamente vendido para Joaquim Batista.
A transferência para um novo senhor, segundo o próprio Vicente, envolvia um cavalo “foveiro”
(termo da fonte), um bacamarte, um chicote e alguma quantia em dinheiro que ele não sabia
dizer ao certo.230
A história de Vicente não encerra aqui. Isso porque, Joaquim Batista pretendia revender
Vicente para outra província. Para isso, procurou José Vigão, também pronunciado no processo
de furto. Segundo Vicente, em “dias de festa de natal” de 1848, Joaquim Batista conduziu
Vicente para a casa de José Vigão. De lá, “Batista fora esperar por ele [Vigão] no Riaxo da
Cabaceira”, para dali seguir caminho para Maceió. Lá, os planos de venda foram frustrados,
pois, não conseguiram comprador.
A venda para outra província é um bom indício da ilicitude do negócio. A própria
viagem era realizada às escondidas. Vicente relatou que, na viagem de volta para Pernambuco,
quando precisaram parar para pernoitar na estrada, teriam montado acampamento “perto do
engenho de João Maia”. Quando “puseram ao fogo sua panela a cozinhar de comer”, Joaquim
Batista teria percebido que perto dali, numa casa, “se achava gente do Corrente”, gente que os
conhecia. Por isso mandou tirar “imediatamente a panela do fogo” para não chamar a atenção
e seguiu “viagem para a casa de João Alberto Maia”, aonde “se arrancharam”. Ali, tentaram
vender o escravo. João Alberto Maia teria se recusado a comprar Vicente, pois sabia que ele
era furtado. Joaquim Batista teria pedido para que João Alberto Maia ficasse com Vicente, só
por algum tempo, enquanto Batista arrumasse outro comprador.
Vicente ficou por alguns dias na casa de Maia. Mas, segundo relatou, não gostava da
vida que levava ali e “se ausentou”, fugindo para a casa de Joaquim Batista. Antes de chegar à
casa, Vicente foi “apreendido” e levado para a casa de um “tal de Lulu”, morador em Limoeiro.
No interrogatório de Vicente, há, algumas passagens que não ficaram tão claras. Segundo
consta, Vicente foi entregue ao Capitão Caetano e em seguida, levado para Joaquim Batista. No
documento, aparece outro personagem, Francisco Peixoto da Silva, que teria ficado responsável
por guardar o dito escravo e entregá-lo ao seu senhor. Temendo que Vicente fugisse, Francisco,
o amarrou.
Ao cair da noite, Vicente teria encontrado um facão e com ele cortou as cordas que o
prendiam. Livre, empreendeu fuga para a povoação de Correntes. No meio da viagem, precisou

230
TJPE, Memorial da Justiça, 1849, Garanhuns, CX:2615. Fórum Criminal, Réus: Joaquim Batista e João
Antonio Vigão, Cr: Furto de escravo.
87

descansar. Passou o resto da madrugada abrigado perto de uma cacimba em Pau Ferro. Para
azar dele, uma mulher que ia pegar água na cacimba com os seus cachorros, acabou a descobrir
Vicente, que foi logo cercado pelos ditos animais. Chamado pela mulher, algumas pessoas
apareceram e Vicente foi novamente amarrado. A mulher conduziu Vicente para a sua casa. O
marido dela, José Roberto de Albuquerque, procurou o subdelegado de Correntes, João
Francisco Duarte. Novamente, essa passagem do interrogatório não ficou bem clara. Isso
porque Vicente relata o aparecimento de um “capitão de campo”, que o teria conduzido da casa
de José Roberto de Albuquerque para a subdelegacia, em troca de recompensa. Em posse do
subdelegado de Correntes, começa então o processo criminal, implicando Joaquim Batista e
João Antonio Vigão por furto de escravo.
O processo foi construído com base no interrogatório de Vicente, que se coloca como
vítima, assim como o seu proprietário, dos dois implicados no crime. Ele teria sido enganado
desde o início ou tinha intensão de trocar de dono, de melhorar a sua condição de vida? Fica
difícil concluir. Porém, é importante fazer algumas considerações sobre esse caso. Vicente
provinha do Engenho Itabaiana, na comarca do Rio Formoso, Mata Sul de Pernambuco. A
região era conhecida não só pela fertilidade do solo para a produção da cana-de-açúcar, mas
também, pelos inúmeros conflitos envolvendo os chamados povos das matas, índios e
quilombolas. É bom lembrar, que um dos sedutores de Vicente, um tal de Mathias, era morador
na Gameleira, perto da “morada de Vicente de Paula”, como consta no interrogatório. Vicente
de Paula era bastante conhecido na região. Não era para menos. Entre 1832 e 1835, ele
comandou uma das maiores resistências armadas do Período Regencial, a chamada Guerra dos
Cabanos. Segundo Marcus Carvalho, com o fim do conflito em 1835, Vicente de Paula teria se
refugiado nas matas e levado consigo um batalhão de escravos fugidos, os “papa-méis”, gente
que faria a sua guarda pessoal nos anos seguintes.231 Na época da Insurreição Praieira, Vicente
de Paula e os seus “papa-méis” reaparecem. O deputado praieiro, Urbano Sabino de Mello,
chega a relatar que Vicente de Paula teria contribuído com uma “pequena força de papa-meis
(escravos fugidos)” para perseguir os seus partidários. Esse grupo teria ido para Garanhuns e
Pajeú, onde teriam cometido os “maiores horrores”.232
Não sabemos ao certo se o escravo Vicente conhecia pessoalmente o “Capitão de todas
as matas”, mas provavelmente conhecia alguns dos seus seguidores, os “papa-méis”, e conhecia

231
CARVALHO, Marcus J. M. de. Um exército de índios, quilombolas e senhores de engenho contra os
“jacobinos”: a Cabanada, 1832-1835. In. DANTAS, Monica Duarte (org.). Revoltas, motins, revoluções:
homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011, p. 169.
232
MELLO, Urbano Sabino Pessoa de. Apreciação da Revolta da Praieira em Pernambuco. Rio de Janeiro:
Typ. do Correio Mercantil de Rodrigues, 1849, p.19.
88

a fama de Vicente de Paula. O escravo Vicente tinha cerca de 26 anos quando a Cabanada
findou. Em 1848, época em que o escravo Vicente foi seduzido, a Insurreição Praieira estava
no seu auge. Vicente de Paula ainda era uma ameaça à ordem vigente, um incômodo para a
classe senhorial e para a elite dirigente da província. O presidente da Província Honório
Hermeto Carneiro Leão, futuro Marquês de Paraná, teria atraído o líder cabano com uma
promessa de aliança para combater os rebeldes liberais da Praieira. Aos 59 anos, Vicente de
Paula acabou traído. Preso, foi conduzido para o presídio de Fernando de Noronha.233 O escravo
Vicente viveu esses acontecimentos e dele deve ter tirado alguma lição. Talvez, a comarca de
Rio Formoso, nesse ambiente de insurreições da classe dirigente, não fosse um dos melhores
lugares para se viver.
É importante lembrar que durante a Cabanada, escravos fugidos circulavam entre Rio
Formoso e Garanhuns. Um anúncio no Diário de Pernambuco atesta bem isso. No início de
maio de 1835, dois “cativos do gentio da Angola” apareceram na fazenda Caracol, termo da
vila de Garanhuns, propriedade de Francisco de Medeiros Cabral. Ao que tudo indica, temendo
ser processado por acoitamento de escravo fugido, Francisco de Medeiros anuncia no jornal e
dar detalhes do caso. Esses cativos teriam fugido “do poder dos cabanos” e diziam que o seu
senhor, José Joaquim, se achava morto.234 Ao que parece, havia uma rota que era usada para
conduzir pessoas e produtos de Rio Formoso até Garanhuns e vice-versa. Essa mesma rota foi
utilizada tanto pelos dois “cativos do gentio da Angola”, em 1835, quanto pelos sedutores do
escravo Vicente, em 1848. Essa rota, era também utilizada no transporte da farinha de
mandioca. No inventário do Capitão Manoel José Correa de Mello, um grande proprietário de
escravos de Garanhuns, consta que parte das suas plantações de mandioca foi utilizada para o
abastecimento das tropas que lutavam contra os cabanos de Panelas e Jacuípe, reforçando ainda
mais o vínculo de Garanhuns com a região de Rio Formoso, melhor dizendo, com a mata sul
da província.
O que foi pontuado até aqui, destaca algumas estratégias de resistência, as possíveis
rotas de fugas, e mesmo, o uso desse tipo de artifício para encontrar um novo senhor na
esperança de melhorar as condições do cativeiro. Algumas dessas escapadelas acabavam em
regiões distantes, como na própria capital da província ou nas matas do litoral sul de
Pernambuco.

233
Para um melhor entendimento, ver: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil imperial. Rio de
Janeiro, 2002, p. 713.
234
HDBN, Diário de Pernambuco, 05.05.1835, n. 72. In. Escravo Fugido.
89

A resistência escrava é um dos temas mais trabalhados na historiografia sobre a


escravidão. Apesar disso, ainda não foi completamente esgotado, sobretudo quando se trabalha
com regiões periféricas. Compreender como se processavam as fugas de escravizados para
Garanhuns ou dessa localidade para outras regiões, é uma tentativa de redimensionar a recusa
dos escravos ao trabalho coercitivo e o enfrentamento das diversas formas de opressão. Nos
anúncios de jornais, nos processos criminais ou até mesmo nos inventários, os escravos
aparecem agenciando as suas vidas e confrontando o sistema, nas suas “liberdades” mesmo que
momentâneas.
90

4 TRÁFICO ILEGAL E ROTAS DE DISTRIBUIÇÃO DE ESCRAVOS PARA O


AGRESTE PERNAMBUCANO

No dia 24 de julho de 1851, chamava a atenção das autoridades provinciais, a entrada


de 70 africanos escravizados recém-chegados da África em Garanhuns. Segundo a denúncia,
esses africanos eram provenientes de um desembarque ilegal ocorrido em Alagoas.235 Por terra,
a caravana seguiu até aquela povoação do Agreste pernambucano. Lá, foram distribuídos pelas
fazendas da região. A negociata envolvia gente de peso: parentes de um juiz de paz da freguesia
de Águas Belas, eram responsáveis tanto pelo desembarque como pela distribuição dos
cativos.236 Esses africanos faziam parte de um carregamento bem maior: cerca de 640 cativos
que tinham sido pegos na Costa do Benin e trazidos pelo iate Sílfide. A denúncia partiu dos
índios de Águas Belas, que foram testemunhas da entrada desses africanos na região. Eles
também ajudaram o delegado de Garanhuns a fazer a diligência e apreender os implicados. Nos
dias que se seguiram, foram realizadas buscas em propriedades particulares: na fazenda Retiro,
de propriedade de João José d’Araújo Cavalcanti, parente do referido juiz de paz, foram achados
27 cativos de nação nagô. Esses africanos foram remetidos ao Recife, escoltados por 50 praças
de 1ª Linha.237
Não sabemos ao certo, quais são as motivações dos indígenas que fizeram a denúncia
do comércio ilegal de escravos em Garanhuns. No entanto, Mariana Dantas, num estudo sobre
as dimensões da participação indígena em Pernambuco e Alagoas, na primeira metade do XIX,
explica que:
Diante das mudanças no plano político desencadeadas ao longo do Oitocentos,
indígenas habitantes da província de Pernambuco se envolveram nas revoltas
iniciadas pelas elites tanto de maneira forçada, quanto como uma escolha política,
sendo esta última motivada, na maioria das vezes, pela defesa do território das
aldeias”. (DANTAS, 2018, p.77).

Ao denunciarem a entrada de 70 africanos escravizados recém-chegados da África em


Garanhuns, os índios de Águas Belas se colocavam contra uma autoridade policial e o seu
grupo, provavelmente gente que de alguma forma os prejudicava na questão da manutenção do
território.

235
A Lei Feijó promulgada em 1831, visava proibir o tráfico de negros escravos para o Brasil.
236
O município de Garanhuns compreendia as freguesias de Águas Belas e Papacaça. Ver: “Ensaio sobre a
estatística civil e política da província de Pernambuco” de “Jerônimo Martiniano de Figueira de Mello” de 1852.
237
TSTD, # 4784, APEJE, Coleção de Polícia Civil, v. 40, p. 114-116, APEJE, Coleção de Polícia Civil, v. 38,
Pág. 235-243. Esses documentos foram utilizados pela primeira vez pela pesquisadora Aline Emanuelle de Biase
Albuquerque em seu relatório final de atividades do aluno de iniciação científica (IC) PIBIC/UFPE/CNPq.
91

Mariana Dantas explica que na Revolução de 1817 parte dos índios da região de
Garanhuns se envolveram na defesa do território do governo provisório. Cerca de 600 homens
“entre índios, ordenanças e tropa paga”. Por outro lado, “os partidários do governo português
em Garanhuns também arregimentaram índios para sua causa”. Para autora, os indígenas de
Águas Bellas “estavam vulneráveis as pressões para o recrutamento forçado”.238
Outro dado interessante, diz respeito ao envolvimento dos parentes do juiz de paz da
freguesia de Águas Belas na compra de escravos ilegais. Jaime Rodrigues, num estudo sobre o
comércio de escravos, explica que a figura do juiz de paz foi importante para o fracasso da
repressão ao tráfico depois de 1831.239 Isso porque, muitas autoridades eram suscetíveis as
pressões dos senhores locais.
O documento que abre esse capítulo permite um olhar mais detalhado sobre esses
caminhos e rotas do comércio de cativos africanos, comércio esse, que ocorria entre as
províncias de Alagoas, Pernambuco, com ramificações até na Bahia. Isso porque, parte dos
escravos do Iate Sílfide foram enviados pelo mar para a Bahia. Pelo que já foi pesquisado, o
agreste dessas províncias recebeu um número significativo de escravos africanos, indivíduos
que representavam o comércio e a força de trabalho para a manutenção da economia local.
O município de Garanhuns possuía estreitas relações com Maceió e Penedo, talvez pelo
fato dessas duas cidades de Alagoas serem importantes na compra e venda de escravos.
Segundo Luana Teixeira, “no contexto do comércio interprovincial operado desde os portos do
Penedo e Maceió, vender um escravo nas duas principais cidades de Alagoas não era tarefa
difícil”.240
De modo geral, percebe-se que os senhores de escravos de Garanhuns compravam
escravos africanos que desembarcavam nas praias de Pernambuco e Alagoas. Como ressalta
Valéria Costa, “Pernambuco negociou escravos com outras províncias ao mesmo tempo em que
importava africanos da costa”.241 Segundo Luana Teixeira:
Maceió servia de escoadouro para a produção de parte da Zona da Mata e do Agreste,
principalmente municípios como Atalaia, Santa Luzia do Norte, Pilar, Assembléia
(Viçosa), Alagoas e São Miguel. Penedo recebia a produção do Baixo São Francisco,
bem como de parte do Agreste, além de ser entreposto de produtos do Sertão
pernambucano. Ali destacavam-se as relações com Traipu, Pão de Açúcar e Piranhas
em Alagoas, Vila Nova e Propriá em Sergipe, Tacaratu, Floresta e Flores em
Pernambuco. Os municípios da Zona da Mata Norte, como Passo do Camaragibe,
Porto de Pedras e Barra Grande (Barra de Santo Antônio) recorriam por vezes ao Porto

238
DANTAS, Mariana A. Dimensões da participação política indígena: Estado nacional e revoltas em
Pernambuco e Alagoas, 1817-1848. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2018, p. 86.
239
JAIME, Rodrigues. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o
Brasil (1800-1850). Campinas, São Paulo, 2000, p. 130.
240
TEIXEIRA, Luana. Op cit., 2016, p. 211.
241
COSTA, Valéria Gomes. Op cit., 2013, p. 203.
92

de Maceió, mas também utilizavam seus próprios portos para ter contato direto com
Pernambuco. Imperatriz (União dos Palmares) por vezes ligava-se a esse circuito, por
vezes à Maceió. A região do Agreste, destacando-se Palmeira dos Índios, acessava
tanto ao porto de Maceió como do Penedo, e também mantinha relações estreitas com
Garanhuns, em Pernambuco (grifo nosso). (TEIXEIRA, 2016, p.138).

As relações com a então vizinha província das Alagoas, é um dos fatores, que podem
explicar, o desenvolvimento econômico do município de Garanhuns e a sua participação no
mercado escravista. Por ser um importante entreposto comercial entre as duas províncias, os
moradores de Garanhuns beneficiaram-se do que os dois mercados consumidores tinham de
melhor. Como, por exemplo: rotas de distribuição e abastecimento do mercado interno, por
onde se escoava o algodão, gêneros de primeira necessidade, mão de obra escrava e o gado.
Mas, essa não é a única explicação.
A chegada de cativos africanos em Garanhuns, nos possibilita compreender, a
interiorização e o enraizamento da propriedade escrava para além dos grandes centros urbanos
e da região agroexportadora da cana-de-açúcar. Esse capítulo ajuda a identificar o tipo de
escravo remetido para a região do Agreste de Pernambuco, a estrutura desse comércio local e
os agentes nele envolvidos. Já que sabemos muito pouco sobre os escravos que chegaram a
locais longínquos da província.
Inicialmente, partimos do documento já citado sobre a embarcação Sílfide e o tráfico de
escravos ilegal. Em seguida, procuramos outras evidências deste comércio para Garanhuns em
outros documentos, como, por exemplo, as ações de liberdade, que nos ajudam a investigar a
redistribuição dos escravos que entraram na vila e comarca de Garanhuns, após o ano de 1831.
Portanto, esse capítulo ajuda a entender melhor a questão do tráfico de escravos, colocando o
Agreste de Pernambuco, mais especificamente Garanhuns, no mapa da história da escravidão e
do tráfico de escravos internacional.

4.1 O CASO DO SÍLFIDE: TRÁFICO, ILEGALIDADE E INTRODUÇÃO DE ESCRAVOS


NO INTERIOR DE PERNAMBUCO

O tráfico e o comércio de escravos transformaram a economia e a política local de


comarcas, vilas, freguesias e povoações do Agreste de Pernambuco. Empregou as mais variadas
pessoas e lugares da Zona da Mata ao Sertão de Pernambuco. Contudo, sabemos muito pouco
sobre a distribuição destes escravos depois do desembarque ilegal nas praias pernambucanas e
alagoanas.
93

A viagem do Iate Sílfide ao continente africano e a distribuição da “carga humana” na


comarca de Garanhuns, são uma evidência da necessidade de mão de obra escrava dentro do
Agreste pernambucano e as tentativas de adaptação do tráfico ilegal para os traficantes. Não
somente nas capitais, aonde o processo de abolição desse comércio se mostrou mais forte
durante a lei Eusébio de Queiroz, devido à pressão inglesa vigente em todas as suas colônias e
aliados. O caso do Sílfide nos traz uma participação das comarcas do interior no mercado
escravo internacional.
No ano de 1852, a Assembleia Legislativa Provincial de Pernambuco, apresentou um
relatório sobre os esforços das autoridades no combate ao tráfico ilícito de escravos africanos.
No presente documento, foi possível identificar uma das últimas embarcações que distribuiu
escravos nas províncias de Alagoas e Pernambuco. Essa embarcação era o já citado iate
Sylphide. Segundo relatos, o desembarque aconteceu em alguma praia da província das Alagoas
e logo em seguida, parte dos cativos africanos foram encaminhados numa caravana em direção
a comarca de Garanhuns em Pernambuco. Lá o delegado Hemeterio José Velloso da Silveira,
por seus esforços, conseguiu capturar 29 cativos. O relatório da Assembleia Legislativa
Provincial também ressaltou que os criminosos foram presos e a repressão ao tráfico continuava
condenando a continuação daquele desumano comércio, que, segundo as palavras do relator,
foi “abolido por lei, e perseguido vigorosamente em todo o Império pelos agentes do governo,
que com a maior lealdade tem satisfeito seus empenhos nesta matéria de honra nacional, não
menos de que política e de civilização”.242
No site de pesquisa “The Transatlantic Slave Trade Database” (TSTD), identificamos o
proprietário do iate Sílfide, Marcos Borges Nobre Ferraz, além de outras informações do trajeto
e do resultado da viagem. É interessante perceber, que três embarcações deste proprietário em
especial, realizaram viagens documentadas no data-base (banco de dados esse que é atualizado
regularmente). O brig Vencitore, a escuna Relâmpago e o já citado iate Sílfide (todos
apreendidos em 1851). Ele também foi citado por Alberto da Costa e Silva, no seu livro sobre
o mercador de escravos Francisco Felix de Souza. Para o autor, o traficante baiano de escravos
Francisco Felix de Souza “em Lagos deve ter topado entre numerosos mercadores brasileiros e
portugueses que lá operavam, como Joaquim de Brito Lima, Marcos Borges Ferras (ou
Ferraz) e Manuel Joaquim d’Almeida” (grifo nosso).243 O proprietário do Sílfide já havia

242
Relatório que a Assembleia Legislativa Provincial de Pernambuco [sic] apresentou na sessão ordinária do 1.
de março de 1852 o excelentíssimo presidente da mesma província, o dr. Victor de Oliveira. Pernambuco, Typ.
de M.F. de Faria, 1852, p. 41 e 42. Sobre o levantamento de fontes sobre a escravidão no Agreste de
Pernambuco, ver: CINTRA, Ivete de Morais. Gado brabo de senhores e senzalas.
243
SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Felix de Souza, mercador de escravos. 4º ed. – Rio de Janeiro: Nova
94

participado deste comércio, afinal, os lucros eram grandes e era necessário know-how nesse tipo
de empreitada que envolvia uma série de agentes.
É interessante perceber que em 1850, como destaca Thiago Campos Pessoa, “o tráfico
continuava motivado, especialmente, pelo enriquecimento atrelado ao sucesso do
empreendimento negreiro”.244 No entanto, o mercador de escravos Marcos Borges Nobre Ferraz
não teve sucesso nas suas empreitadas, pelo menos naquelas descritas no data-base. No ano de
1851, na província da Bahia, parte da carga humana da escuna Relâmpago, por exemplo,
também foi capturada. Depois de ser perseguida na manhã do dia 29 de outubro pelo iate
Itapagipe. A embarcação foi encontrada encalhada na praia da fazenda pontinha, “propriedade
do político liberal Higino Pires Gomes”.245 Jaime Rodrigues também descreve esse
desembarque ilegal,
Aproximando-se do litoral baiano, o navio teria avistado a barca de guerra brasileira
Itapagipe e, com a maior rapidez, navegou até a praia. A maneira como o desembarque
se deu, somados as difíceis condições da viagem desde Lagos, na África, provocaram
a morte de 14 deles no ato do desembarque. A tripulação do Itapagipe foi a terra para
buscar os africanos e chegou à casa de Higino Pires Gomes, que encontraram em
completo abandono e com as portas abertas, repleta de viveres consistentes de carne,
farinha, arroz e bolacha sendo considerados como destinados para o sustento dos
africanos desembarcados apreendidos. (RODRIGUES, 2000, p.156).

Em um estudo sobre o desembarque ilegal de escravo na fazenda da pontinha, Luís


Henrique Dias Tavares também descreve com perfeição o caso da escuna Relâmpago.246 O
autor destaca, que na fazenda pontinha existia todo um aparato para apoiar os traficantes de
escravos. Após a captura da embarcação, as autoridades encontraram na fazenda uma casa de
engorda com correntes de ferro e uma barrica de carne. Possivelmente, utilizada para tratar e
abrigar os africanos recém-chegados. Nessa mesma casa, também foram achados alguns
documentos, inclusive mapas. “Um da costa da África; outro, destacando os litorais do Brasil e
da África, com diversos pontos marcados a lápis; outro, das Antilhas; outro, do Golfo do
México; outro, da América, parte da Europa e da África; e ainda outro do litoral do Brasil”.247
Ou seja, esses traficantes estavam muito bem preparados para a navegação e a distribuição de
escravos, em qualquer região mencionada nos mapas. Para Jaime Rodrigues, “a simples
existência desses mapas fala muito pouco por si, mas ajuda a reforçar a ideia de que o tráfico

Fronteira, 2012, p. 402.


244
CAMPOS PESSOA, Thiago. O comércio negreiro na clandestinidade: as fazendas de recepção de
africanos Souza Breves e seus cativos. Afro-Ásia, 2013, p. 45.
245
TAVARES, Luís Henrique Dias. O desembarque da Pontinha. Centro de Estudos Baianos. Salvador, Bahia,
1971, p. 03.
246
TAVARES, Luís Henrique Dias. Op cit., 1971, p. 04.
247
Ibid., p. 05.
95

se fazia como atividade transnacional e, uma vez dificultado no Brasil, voltava-se” para outras
regiões.248
Retornando ao caso do iate Sílfide, percebemos que essa embarcação fazia parte dos
desembarques que tiveram que se reorganizar para fugir da repressão ao tráfico. Segundo
Thiago Campos Pessoa, “as praias litorâneas, mais afastadas do controle do Estado, passaram
a acoitar os indivíduos traficados”. O autor destaque que, nessas praias, “novas estruturas foram
edificadas para receber os africanos que continuavam chegando em números crescentes na
década de 1840”.249
Em estudo sobre o desembarque ilegal e o funcionamento do tráfico de escravos nas
praias do litoral brasileiro depois de 1831, Marcus Carvalho, fala sobre a adaptação do comércio
ilegal de escravos perante as novas condições desse ilícito comércio. Para o autor, embarcações
menores começaram a ser utilizadas, isso porque “eram velozes e de fácil manobrabilidade e
mais difíceis de serem espreitados à distância”. Além disso, custavam menos. “Em caso de
captura, o prejuízo era menor, tanto que não raro, eram abandonados após o desembarque”.250
Marcus Carvalho, citando uma correspondência do cônsul inglês em Pernambuco em 1845
explica que:
Ao invés de navios de 150 a 60 toneladas, agora apareciam barcos de apenas 45 a 60
toneladas. Esses iates saiam do Brasil com a carga já empacotada para poder ser
descarregada rapidamente na África na cabeça de um único homem. Deixavam o
Brasil com o passaporte para navegação de cabotagem, mas, uma vez em alto mar,
mudavam o rumo em direção a África. Transportavam 100 a 150 africanos, por vezes
até 300 pessoas. Nesse caso, não havia espaço sequer para se deitar. Barcos assim
entravam mais facilmente nas barras dos pequenos portos naturais. (CARVALHO,
2012, p.233).

O que chama a atenção, é que o Iate Sílfide identificado no The Transatlantic Slave
Trade Database, tem uma tonelagem de 233 e uma carga humana de 640 escravos. Enquanto
que, o relatório do cônsul inglês citado por Marcus Carvalho fala que os iates depois de 1831
reduziram as suas toneladas e a sua carga humana. O iate Sílfide saiu da costa africana de Lagos
(Onim) Costa do Benin com 640 africanos, mas que só chegaram 500 em Maceió (a mortalidade
foi alta, 22%). Em um estudo sobre as rotinas médicas no desembarque de cativos africanos no
Porto do Recife, antes de 1831, Marcus Carvalho e Aline de Biase colocam que, “pelas regras
do tráfico”, era considerado “adequado carregar cinco cativos por cada duas toneladas”.251 Com

248
JAIME, Rodrigues. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o
Brasil (1800-1850). Campinas, São Paulo, 2000, p. 157.
249
CAMPOS PESSOA, Thiago. Op cit., 2013, p. 46.
250
CARVALHO, Marcus J. M. de. O desembarque nas praias: o funcionamento do tráfico de escravos
depois de 1831. Revista de História, São Paulo, nº 167, julho/dezembro de 2012, p. 232.
251
CARVALHO, Marcus J. M. de and ALBUQUERQUE, Aline Emanuelle De Biase. Os desembarques de
cativos africanos e as rotinas médicas no Porto do Recife antes de 1831. Almanack, n.12, 2016, p. 56.
96

base nestes parâmetros, o iate Sílfide saiu da costa africana com a sua lotação um pouco acima
do ideal que era de 582,5 indivíduos. Isso, pode ter acarretado o número elevado de pessoas
mortas. Vale salientar, que como destaca Thiago Campos Pessoa, “os avanços tecnológicos dos
negreiros nem sempre garantiam uma redução significativa da taxa de mortalidade”, já que, “a
própria lógica de maximização dos lucros africanos, aumentava significativamente esses
índices”.252
A embarcação foi preparada na Bahia, iniciando a viagem para a costa africana em 21
de fevereiro de 1851. Em 1 de junho do mesmo ano, ela aporta em alguma praia de Maceió
pouco habitada, província das Alagoas. O Sílfide levou exatos 100 dias de viagem, entre a
armação em Salvador, Bahia, até o desembarque em Maceió. Segundo o data-base, essa
embarcação teria sido destruída ou naufragada após o desembarque.
Vale destacar, que a historiografia já havia pontuado o caso do Sílfide. Ao retratar uma
aparente retomada da atividade do comércio de escravos em 1851, diante da Lei Euzébio de
Queiros que proibia o tráfico de escravos internacional. Leslie Bethell informa, que o Iate
Sylphide conseguiu com êxito desembarcar cerca de 400 escravos na província de Alagoas,
porém ao norte da Bahia “duzentos se sufocaram ou foram afogados no curso de um
desembarque aterrador”.253 Para Beatriz Mamigonian, o caso do Iate Sílfide era mais complexo
ainda, isso porque depois do desembarque em Alagoas os traficantes pretendiam despachar
parte dos escravos para o Sul.254 A autora pontuou ainda que depois de Alagoas, o destino de
parte dos cativos era a Bahia. Lá, os cativos receberam passaporte e a liberação da polícia e 102
cativos foram encaminhados para São Paulo. Porém, foram apreendidos por um cruzeiro
britânico. Sobre o assunto, Mamigonian nos alerta também que nem todos os 102 cativos eram
africanos recém-chegados, “27 eram crioulos”.255 O que poderia ser uma estratégia, para que
os cativos desembarcados semanas antes em Alagoas, passassem por despercebidos. Já para
Luana Teixeira, o caso do Iate Sílfide “foi um duro golpe no comércio ilegal em seus anos
derradeiros e contribuiu para seu fim definitivo”.256

252
CAMPOS PESSOA, Thiago. Op cit., 2013, p. 59.
253
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico escravo no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do
tráfico de escravos, 1807-1869. Rio de Janeiro: Ed. Expressão e Cultura, 1976. p. 400.
254
MAMIGONIAM, Beatriz G. Em nome da liberdade: abolição do tráfico de escravos, o direito e o ramo
brasileiro do recrutamento de africanos (Brasil – Caribe britânico, 1830-1850). Revista Mundos do
Trabalho, vol. 3, n. 6, julho-dezembro de 2011, p. 83.
255
MAMIGONIAM, Beatriz G.P. O litoral de Santa Catarina na rota do abolicionismo britânico, décadas
de 1840 e 1850. Comunicação apresentada no II Encontro de “Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional”,
2005, p. 08.
256
TEIXEIRA, Luana. Op cit., 2016, p. 32.
97

Para Ubiratan Castro de Araújo, a navegação do porto da Bahia para a Costa d’África
era uma tradição. Para o autor, “desde o século XVII, uma parte importante da burguesia
traficante portuguesa havia se transferido para a Bahia para, daqui melhor controlar o tráfico
no Golfo do Benin e a distribuição de escravos para o interior do Brasil”.257 Essas relações
antigas permearam até o tráfico ilegal de escravos. A Costa do Benin é provavelmente uma das
regiões mais conhecidas no tráfico de escravos e, mesmo depois de 1840, muitas embarcações
envolvidas no comércio ilegal de africanos continuaram a partir dessa região.
Outras quatro embarcações também são citadas no TSTD, com o mesmo nome (Sílfide)
e proprietários diferentes, três delas, com o proprietário Justino José Fernandes (uma em 1846
e duas 1847) e uma, com o proprietário Francisco Tavares de Oliveira (1847). O primeiro
proprietário teve êxito nas suas três viagens e embarcou um total de 2.150 indivíduos. Chama
a atenção, o fato dessas embarcações terem como porto de origem algum lugar desconhecido
da Bahia (a mesma referência feita para o iate Sílfide do proprietário Marcos Borges Nobre
Ferraz). A quarta e última viagem documentada, com uma embarcação do mesmo nome, era a
do proprietário Francisco Tavares de Oliveira. Ele e o seu capitão M. J. Domingos Palácio e os
20 tripulantes foram condenados no tribunal do Vice-Almirantado (Santa Helena), após a
embarcação Sílfide ser capturada pela marinha britânica em 17 de outubro de 1847.258 No
entanto, não podemos afirmar se essas embarcações são as mesmas. O fato, é que todas as
embarcações estão envolvidas na atividade clandestina do tráfico transatlântico de escravos
entre a Bahia e a África. Tudo leva a crer que, no caso da Sílfide, que abre esse capítulo,
desembarcar escravos em Alagoas era também uma das muitas estratégias de enganar as
autoridades baianas envolvidas na repressão desse comércio.
Ubiratan Castro de Araújo também faz menção a embarcação chamada Sylphide. Porém,
não sabemos ao certo, se esse navio é o Iate Sylphide que deixou parte da sua carga na província
das Alagoas em 1851. No entanto, as semelhanças com o mesmo local de saída (Bahia) e o
mesmo local de carregamento (Onim- Lagoas) pode ser um forte indício. Para Ubiratan Castro
de Araújo, o Sylphide era um navio velho, sardo, comprado na Costa da África que foi adaptado
para o tráfico negreiro em estaleiros locais.259 Aliás, o uso de navios mais baratos foi um dos
atrativos para diminuir ainda mais os custos do tráfico ilegal. Esse Iate fazia parte de um

257
ARAÚJO, Ubiratan Castro de. 1846: Um ano na rota Bahia-Lagos negócios, negociantes e outros
parceiros. Afro-Ásia, 1998-1999, p. 88.
258
TSTD - The Transatlantic Slave Trade Database.
259
ARAÚJO, Ubiratan Castro de. Op cit., 1998-1999, p. 92.
98

conjunto de navios que foram identificados pela marinha britânica, capturados e condenados
pelo “Brazilian Slave Trade Act of 1845” (Bill Aberden).
Na região do Agreste, entraram números significativos de escravos africanos,
representantes do mundo do trabalho e de uma cultura transatlântica, como podemos destacar
nos dados compilados dos inventários, discutidos no primeiro capítulo dessa dissertação. Ao
que tudo indica, esses africanos tiveram vida breve. No censo de 1872, a Paróquia de Garanhuns
aparece com 949 escravos nascidos no Brasil e nenhum africano, ou melhor, “estrangeiro”
como ressalta o censo. Será que eles simplesmente desapareceram dos dados censitários? Se
nesse tipo de fonte, eles simplesmente não aparecem, isso decorre da tentativa de alguns
senhores de encobrir a própria entrada ilegal desses africanos. As ações de liberdade
demonstram muito bem a tentativa de se burlar a lei. Quatro ações identificadas e transcritas
por Ivete Cintra, trabalhadas mais adiante neste capítulo, datadas de fins da década de 1870 e
meados de 1880, são provas disso. Nessas quatro ações de liberdade, é possível identificar uma
escrava de nação Rebolo (1877), dois cativos (um casal) de nação Congo (1879), um africano
de Luanda (1882) e um africano sem identificação (1884).260
O fato de Garanhuns ter recebido alguns cativos que foram da embarcação Sílfide,
mostra que, na verdade o tráfico de gente não mudou apenas a vida de pessoas do litoral
brasileiro. O tráfico se adaptou as mudanças e conseguiu distribuir esse dito “comércio” em
regiões como Garanhuns, que ficava cerca de 50 legoas (aproximadamente 241 quilômetros)
de distância do Recife e 100 legoas (aproximadamente 482 quilômetros) da vila de Penedo.

4.2 RECEPÇÃO E REDISTRIBUIÇÃO: O COMÉRCIO ESCRAVO DESCRITO NAS


AÇÕES DE LIBERDADE

As ações de liberdade trabalhadas neste capítulo foram catalogadas, transcritas e


publicadas por Ivete de Morais Cintra, no seu livro “Gado brabo de senhores e senzalas” (1988).
Atualmente essas e outras ações encontram-se no arquivo do Memorial da Justiça de
Pernambuco. A autora, realizou um levantamento de diversas fontes da escravidão em São
Bento do Una, termo que pertencia à comarca de Garanhuns até 1860. Esses registros nos
ajudam a entender como se configurou o processo de manutenção do tráfico ilegal e a resistência
por parte dos senhores proprietários a fazer cumprir a lei de 7 de novembro de 1831, numa
comarca do interior pernambucano. Os casos narrados revelam a expansão e a disseminação da
propriedade escrava além da plantation, bem como uma memória do tráfico ilegal de escravos

260
CINTRA, Ivete de Morais. Op cit., 1988, p. 45-50.
99

produzida na época da escravidão na segunda metade do século XIX. As ações, também


permitem analisar como alguns indivíduos foram desembarcados e revendidos para o interior
de Pernambuco e que, mesmo em época de ilegalidade, o tráfico não afastou o comércio de
escravos africanos do Agreste pernambucano, em especial Garanhuns.
Iniciaremos a nossa análise, evidenciando a chegada da escrava Florência Maria de
Jesus, de nação Rebolo, no Porto de Galinhas, em Pernambuco, até a sua redistribuição na
comarca de Garanhuns, com base na sua ação de liberdade de 1877. O curador de Florência
explicou que a sua cliente chegou em Pernambuco com 12 anos, em 1833, no citado porto.261
Em seguida, foi marcada no braço direito com ferro quente (geralmente com alguma letra de
identificação do seu possível proprietário) e transportada ainda de noite, para dificultar a
apreensão, para o Sertão. Vale salientar, que o Porto de Galinhas “tornou-se um dos principais
portos do contrabando de cativos para Pernambuco depois de 1831”.262 Isso porque, era um
ótimo ancoradouro, podendo receber navios de porte maior com 100 ou 150 toneladas. Para
Marcus Carvalho, Pernambuco contava com uma linha interminável de arrecifes e inúmeras
praias com portos: “é por causa desse presente da natureza, que nunca faltou contrabando em
Pernambuco”.263 O interessante, é que o relato de Florência demonstra uma possível estrutura
de recepção, controle e a organização dos traficantes depois de 1831.
Segundo o curador, Florência continuava retida na escravidão por José Pacheco de
Sousa Lima, filho do seu ex-senhor, de forma ilegal a anos. Isso porque, o curador da cativa
afirmou que o pai de José Pacheco de Sousa Lima, já teria libertado a cativa por carta passada
antes de falecer. No processo, o curador pediu também ao juiz que os cinco filhos e dois netos
da dita Florência fossem impedidos de ser negociados/vendidos. Isso porque, provavelmente o
“suposto dono” de Florência deve ter ameaçado a escrava com a venda dos seus parentes. Ela
corria risco de ser separada da sua família.
No mesmo documento, foi anexado o interrogatório do senhor José Pacheco de Sousa
Lima, que afirmou ser natural de Portugal e ter como profissão a agricultura há mais de trinta e
cinco anos, naquela comarca de Garanhuns. Ele declarou que a sua escrava Florência foi
ensinada por alguém sobre a discussão de liberdade, já que ela ignorava a data da sua chegada
ao Brasil. Pode-se afirmar, que essa postura do senhor de Florência era uma prática rotineira de
boa parte das autoridades, que subestimavam a capacidade dos cativos de tomar as suas próprias

261
Ibid., p. 45 a 46.
262
CARVALHO, Marcus J. M. de and ALBUQUERQUE, Aline Emanuelle De Biase. Op cit., 2016, p. 57.
263
CARVALHO, Marcus J. M. de. Op cit., 1998, p. 102.
100

decisões. Sempre destacando a influência de pessoas de fora. Por outro lado, isso não reflete a
realidade.
O argumento do senhor de Florência, era baseado na data da primeira menstruação da
moça, ocorrida, três ou quatros anos depois da sua chegada ao Brasil, e na idade que a sua
primeira filha, chamada Carolina, teria se estivesse viva na data deste processo, a saber: 39 anos.
Ora, se o processo é de 1877 e Carolina, caso estivesse viva, teria 39 anos, isso quer dizer que
a sua filha havia nascido em 1838, o que torna esse argumento inconsistente, mesmo se
reduzirmos três ou quatros anos. O fato é, que a testemunha de defesa do suposto proprietário
da escrava, Joaquim José Pacheco do Amaral Rego, natural da Ilha de São Miguel, em Portugal,
proprietário residente naquela vila de São Bento do Una desde 1832, explicou que não sabia
informar a data da chegada da cativa, não podendo afirmar se ela veio para o Brasil depois da
extinção do tráfico. Ao fim do processo, o juiz sentenciou que a africana Florência não tinha
indícios suficientes para provar a sua liberdade e que deveria continuar sobre o poder do senhor
José Pacheco de Sousa Lima.
Muitos aspectos podem ser discutidos nesse caso. Um deles é o que Keila Grinberg
pontua sobre as ações de liberdade, que diz o seguinte: “no caso do Brasil, o direito pode ser
caracterizado, ao mesmo tempo, como elemento fundamental para garantir a manutenção da
escravidão e como veículo para garantia da cidadania”. No processo de Florência podemos
observar que o seu senhor obteve a manutenção da escravidão. Outro aspecto importante, é o
que diz respeito a própria memória do tráfico e da recepção de escravos no Porto de Galinhas.
Essa ação de liberdade evidência a complexidade da demanda e da logística dos escravos recém-
desembarcados e enviados ou negociados para Garanhuns (no Agreste de Pernambuco).264 Isso
porque, segundo as fontes, Florência foi enviada rapidamente para o Sertão, o que deixa bem
evidente a questão das rotas desse comércio para o interior da província.
O segundo caso analisado é do cativo Lourenço e da sua mulher Joaquina, ambos
naturais do Congo.265 O curador da ação, em 1879, alegou que Lourenço, com
aproximadamente 10 ou 11, desembarcou de noite num porto da Província de Alagoas, sendo
levado com outros cativos para a casa de José Joaquim, onde passaram dois dias. De lá,
seguiram viajem para outra casa, a de José Inácio na Cruz de São Miguel, em Alagoas, onde
também passaram mais dois dias, local que possivelmente serviu para a recuperação dos

264
GRINBERG, Keila. Senhores sem escravos: a propósito das ações de escravidão no Brasil imperial, p.
417. In: CARVALHO, José Murilo/ NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das (Organização). Repensando o
Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
265
Ibid., p. 46-48.
101

africanos. Por outro lado, isso revela toda uma rota por terra, muito bem planejada, onde os
cativos pernoitavam em fazendas de gente envolvida no tráfico. Esses traficantes “terrestres”
mantinham uma rede de aliados, de gente que de alguma forma se beneficiava desse comércio,
disponibilizando locais para descanso, alimentação e segurança contra os agentes de repressão
ao tráfico. Esse relato pode evidenciar os locais de quarentena dos cativos e possíveis locais de
engorda até as suas respectivas vendas. O fato destes escravos mudarem de local
constantemente, evidência, as tentativas de se burlar a Lei de 1831. Segundo Marcus Carvalho,
no período de comércio ilegal de escravos africanos “era preciso abrigo” e “vigilância máxima”
para os recém-desembarcados.266
Os escravos Lourenço e Joaquina foram vendidos a João Barbosa Maciel e transportados
por homens especializados na compra e venda de negros novos. É interessante perceber, que
outros dois cativos do mesmo desembarque ilegal de 1833, também foram vendidos e
transportados com o casal para aquela região. Eram dois africanos, pertencentes a Paulo
Caetano, que também residia no termo de São Bento do Una, comarca de Garanhuns.
No processo, podemos observar as duas primeiras testemunhas de João Barbosa Maciel.
Eram eles os seus primos. Eles alegaram que chegaram no termo de São Bento do Una depois
da revolução civil de Panelas, em 1833, porém, ignoravam a data que os cativos vieram de
Alagoas. Sabiam apenas que esses escravos foram batizados pelo padre Nemésio de São João
Gualberto. Outra testemunha apresentada por João Barbosa Maciel foi Antonio da Silva Junior,
que, com 14 ou 15 anos, ouviu a mãe de João Barbosa Maciel falar que o seu filho iria comprar
um casal de escravos, em 1827, nas Alagoas. Ele afirmou também, que quando se casou, em
1833, João Babosa Maciel já tinha nos seus domínios os escravos Lourenço e Joaquina. Esse
relato de Antonio da Silva Junior pode evidenciar possíveis compradores e estradas que
interligavam Garanhuns aos portos naturais de Pernambuco e Alagoas antes mesmo antes do
tráfico ilegal, bem como, a existência de pessoas especializadas na compra e venda de cativos
africanos e no seu respectivo transporte. Uma rede de pequenos comerciantes que percorria as
estradas do interior até o litoral para comprar e vender escravos sob encomenda (como, por
exemplo: um casal de escravos).
Essa rota entre o desembarque ilegal no litoral alagoano e pernambucano, e a receptação
de cativos em Garanhuns, no interior da Província de Pernambuco, mostra não só a capilaridade
dos negócios do tráfico, mas também a extensão, a interiorização e o enraizamento da
propriedade escrava no que hoje se conhece como o Agreste Meridional. Segundo Gwendolyn

266
CARVALHO, Marcus J. M. de. Op cit., 2012, p. 246.
102

Mido Hall, “logo após o desembarque, os escravos eram revendidos e, consequentemente


transferidos para outras localidades, para outras regiões”.267 Essa situação descrita por Hall, ao
que parece, é muito próxima da que encontramos nos documentos já citados aqui. Pois, nos
casos citados identificamos indícios de uma estrutura de recepção de escravos e redistribuição
para comarca de Garanhuns.
Entender esse circuito é uma questão fundamental para se compreender o negócio da
escravidão na província, e as redes, que interligavam o comércio de gente para o interior. O
deslocamento do tráfico Atlântico de escravos africanos para os portos naturais do litoral
pernambucano e alagoano atingiu também a economia e a política local de Garanhuns e região.
Segundo Marcus Carvalho, “o tráfico interno andava pelas estradas normais, cortando a Zona
da Mata, o Agreste e o Sertão”.268 Porém, tudo leva a crer que existiam outras rotas, estradas
dentro de propriedades privadas que evitavam passar por determinados caminhos mais vigiados
ou mesmo de inimigos políticos. Sendo assim, o tráfico ilegal não foi algo apenas dos engenhos
do litoral pernambucano. As ações evidenciam os locais de desembarque desses cativos, como
a praia de Porto de Galinhas e a Barra de São Miguel, bem como seu destino a vila e comarca
de Garanhuns na primeira metade do século XIX.
A terceira ação aqui analisada tem início 1882, por João Valeriano Pessoa de Lacerda,
curador do escravo Wenceslau. O curador impetrou em juízo uma ação de liberdade contra o
pretenso senhor Domingos Ribeiro de Andrade.269 No entanto, no dia designado para o
interrogatório, o curador do escravo apresentou uma petição desistindo da ação de liberdade por
virtude de uma carta de alforria passada pelo senhor Domingos Ribeiro de Andrade. Na missiva,
o senhor do africano Wenceslau disse que não queria se sujeitar as despesas da lei de 1831, por
isso, concedeu a liberdade ao escravo Wenceslau.
De fato, o senhor Domingos Ribeiro de Andrade comprou o cativo Wenceslau de forma
ilegal e não compensava a disputa num processo judicial, concedendo assim, a liberdade a
Wenceslau. Ao que tudo indica, o prolongamento daquela situação através de vários
requerimentos não agradava a Domingos Ribeiro de Andrade. Por fim, o juiz em sentença
decretou que o senhor do escravo pagasse ao réu as custas ex-causas (os custos pagos pelo
processo).

267
HALL, Gwendolyn Mido. Cruzando o Atlântico: etnias africanas nas Américas. Topoi, v.6, n.10,
janeiro/junho, 2005, p. 31.
268
CARVALHO, Marcus J. M. de. Op cit., 1998, p. 151.
269
CINTRA, Ivete de Morais. Op cit,.1988, p. 48-49
103

A última ação de liberdade é do escravo Joaquim que tinha mais ou menos 70 anos e era
natural de Luanda.270 Em 1884, Joaquim alegou que o seu avô o teria negociado na Costa da
África quando pequeno ao português Tintiliano, que teria sido morto em Garanhuns “há muito
tempo”. Relatou que foi desembarcado de noite na praia de Porto de Galinhas e que percorreu
várias estradas para o sertão, amarrado com outros cativos, inclusive, irmãos seus. Nessas
condições, foi vendido para o português Antônio José Pinheiro que morava no lugar do Basílio.
O curador apresentou o atestado de batismo de 1842 como prova da liberdade do seu cliente.
Joaquim pedia a sua liberdade por meio do decreto de 12 de abril de 1832, que visava
regulamentar a execução da lei de 7 de novembro de 1831. O que chama atenção nesse caso, é
que a sua ação não teve prosseguimento contra o senhor Antônio José Pinheiro e que se a sua
entrada foi realmente ilegal, o padre que o batizou infringiu a lei de 7 de novembro de 1831.
Segundo Thiago Campos Pessoa, “seja em águas brasileiras ou nas praias da costa da África,
novos agentes despontaram no trato ilegal da carne humana, e para tanto se utilizavam da
conivência das autoridades e da própria sociedade local”.271
É importante frisar que “nas sociedades escravistas mercantilizadas, a exemplo do Brasil
e da própria África, sempre houve traficantes de pequeno e médio porte que alimentavam o
comércio miúdo de cativos”.272 É o que podemos observar com o português Tintiliano que
negociou alguns cativos na Costa da África. Aqui, é necessário abrir parênteses para discutir
um ponto importante: a rede de comércio de pequenos comerciantes no Agreste. Os casos
analisados permitiram identificar a participação sistemática de pequenos agentes comerciais de
uma comarca do Agreste de Pernambuco, em especial, os de origem lusitana que também
alimentavam o comércio de escravos no período de ilegalidade e que eram responsáveis pela
venda ou comercialização de escravos em pequenas quantidades. Na última ação de liberdade,
encontramos portugueses envolvidos nos dois lados do atlântico no comércio transatlântico de
escravos.273
No mapa abaixo, de 1880, é possível identificar com detalhes, várias estradas bem
conhecidas que levavam para o interior da Província, partindo de três pontos, um em
Pernambuco e dois em Alagoas. É provável que outros portos (e mesmo praias) também

270
Ibid., p. 49-50.
271
CAMPOS PESSOA, Thiago. Op cit., 2013, p. 74.
272
COSTA, Valéria Gomes. Op cit., 2013, p. 197.
273
Atualmente o historiador Bruno Augusto Dornelas Câmara está pesquisando o envolvimento dos
comerciantes portugueses no tráfico de escravos no período de ilegalidade. Para uma melhor compreensão do
assunto, ver: CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. “O tráfico de escravos e a comunidade portuguesa do
Recife”. Caderno de Resumos do Congresso Internacional de Estudos sobre África e Brasil (CONEAB).
Publicação do Núcleo de Estudos sobre África e Brasil, da Universidade de Pernambuco, n. 2, 2017.
104

estivessem no roteiro do tráfico ilegal. Para melhor visualizar marcamos essas rotas, porém é
provável que em muitos momentos a caravana dos escravos pegassem estradas desconhecidas,
por dentro de propriedades de gente aliada e conivente com o tráfico.
Mapa 4 – Possíveis rotas do comércio escravo

Fonte: Esboço da carta corográfica da Província de Pernambuco / organizado pela Repartição das Obras Públicas Provinciais sob a administração do Exmo. Sr. Presidente da
Província Dr. Franklin Américo de Menezes Dória. Pernambuco: Lit. de F. H. Carls, 1880. É importante informar ao leitor que as possíveis rotas do comércio ilegal de
105

escravos foram acrescentadas pelo autor para melhor entendimento.


106

Além das fontes já citadas que nos ajudam a entender a escravidão na região, outros
documentos iluminam questões importantes para a compreensão da ilegalidade e da
redistribuição dos escravos numa comarca do interior pernambucano. Por exemplo: nos
inventários de Garanhuns e região, também foi possível identificar, a presença de escravos
africanos com pouca idade depois de 1831.
Um forte indício da ilegalidade desse comércio para o Agreste de Pernambuco é notável
no inventário de Thereza Maria dos Prazeres, feito na Povoação de Panelas, termo da vila e
comarca de Bonito, em 22 de março de 1843. Entre os escravos descritos no espólio, estava
Domingos, de 3 anos, de nação Angola, que se encontrava achacado (doente). Portanto,
Domingos teria entrado de forma ilegal. Ao que tudo indica, a pouca idade com que foi
submetido a viagem, e mesmo o processo de escravização dos seus pais, deixaram marcas na
sua saúde, que já se mostrava tão frágil. O que é interessante perceber nesse caso, é o total
descaso do responsável pelo levantamento dos bens do inventário. Ele não se deu nem mesmo
ao trabalho de tentar ocultar a ilegalidade dessa propriedade. Na ótica dessas pessoas, mesmo
infringindo a lei, era totalmente aceito esse tipo de procedimento.
Para Marcus Carvalho, muitas crianças também foram trazidas da África para
Pernambuco. O autor explica que “comprar crianças barateava as operações do tráfico, pois
custavam menos na África. Eram boas mercadorias para os traficantes, mesmo não sendo a mais
valiosa”.274 É possível até pensar na dureza que deveria ser para essas crianças essas viagens
para o interior da província.
Outro exemplo analisado é o do inventário de Josefa Paulina do Espírito Divino, mulher
solteira que faleceu na povoação do Bebedor da Freguesia de Nossa Senhora do Ó do Altinho,
termo da Comarca de Garanhuns, em 1840. Entre os seus bens, ela possuía dois escravos de
nação Angola, João e Maria, ambos com oito anos.275 É interessante destacar, que na ocasião
do registro desse documento, o escrivão, por falta de atenção ou até mesmo de descaso com a
lei, não percebeu um singelo detalhe: se esses africanos tinham mesmo essa idade (8 anos), eles
teriam entrado no país de forma ilegal, isto é, depois de 1831. Outro caso, que também pode
ser observado na documentação é do inventariado Francisco Ferreira da Silva (1839). Ele
residia no sítio Palmeira (Garanhuns), e deixou para os herdeiros o escravo José, de nação
Angola com mais ou menos 9 anos.276

274
CAR VALHO, Marcus J. M. de. O tráfico atlântico e o protagonismo senhorial depois de 1831. Revista do
Programa Avançado de Cultura Contemporânea, 2019, p. 07.
275
APEJE. Cartório de Garanhuns – Inventário de Josefa Paulina do Espírito Divino, povoação do Bebedor da
Freguesia de Nossa Senhora do Ó do Altinho, termo da Comarca de Garanhuns, em 1840, Caixa 1840.
276
APEJE. Cartório de Garanhuns – Inventário de Francisco Ferreira da Silva, sítio da Palmeira, termo de
107

O comércio atlântico de escravos, tem ramificações que vão muito além da grande
propriedade canavieira, e mesmo dos limites da zona da mata. O caso dos escravizados do
Sílfide e de outros tantos indivíduos relatados aqui, dão uma boa dimensão desse comércio para
o Agreste de Pernambuco. É possível perceber, que a classe proprietária de escravos de
Garanhuns e região, mesmo com as proibições de 1831 e 1850, não renunciou ao contingente
de escravos que chegavam da costa africana. Escravos africanos, com pouca idade que
comprovam a ilegalidade desse comércio, são encontrados nos inventários. As poucas ações de
liberdade produzidas na segunda metade do século XIX, contêm o testemunho de africanos que
confirmam tanto a ilegalidade da posse, bem como, as rotas que os conduziram do litoral até as
propriedades escravistas do Agreste. O que foi possível trazer à tona, é apenas a ponta de um
iceberg, o que está visível nos arquivos, mas, que dá a dimensão das rotas de introdução dos
africanos nessa região e até mesmo, o comportamento da classe proprietária diante dos
processos de escravização ilegal.

Garanhuns, 1839, Caixa 1830.


108

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Alberto Frederico Lins, no artigo intitulado “A rota dos escravos: contribuição ao estudo
da escravidão no agreste de Pernambuco”, publicado na Revista de Pesquisa Clio, em 1989, um
ano depois das comemorações do primeiro centenário da abolição, teceu algumas considerações
a respeito do sistema escravista na região. Para ele, no Agreste de Pernambuco, a escravidão
“não medrou nem criou raízes”, o próprio ambiente social “não favoreceu o tráfico”. Mesmo as
cidades que surgiram ali, foram erguidas por homens livres, não possuindo “o ranço do suor
escravo e a inhaca das senzalas”.277 O exagero das afirmações chega ao ponto de dizer que: “os
capitães do mato, se chegaram a procura de trabalho, aposentavam os chicotes, os relhos, as
virolas, as tabicas, cordas de nós, rebenques, correias, algemas, cadeados e correntes”.278 Sem
uma base de pesquisa ampla, o autor, além diminuir a população cativa na região, tornou o
sistema brando, onde capitães do mato não tinham serventia.
Segundo Lins:
No decorrer do século XIX, até a libertação oficial em maio de 1888, na região
agrestense, somente os proprietários mais ricos, comerciantes abastados e vigários de
freguesias mantiveram reduzíssimo número de escravos, sempre como serviçais
domésticos ordinários, e, ainda assim, no âmbito das vilas e paróquias, não raro
merecendo reprovação da maioria das pessoas. (LINS, 1989, p.67).

Passados trinta e um anos, as pesquisas sobre escravidão no Brasil, de modo geral, se


desenvolveram, pontuando não só o peso do sistema, como também outras formas de
manutenção do cativeiro. No correr dessa dissertação, constatamos justamente o contrário do
que Alberto Frederico Lins pontuou. A Vila e Comarca de Garanhuns detinha uma grande
concentração de escravos, algo facilmente perceptível nos inventários post-mortem da primeira
metade do século XIX. Ali, o tráfico de escravos permitiu a muitos homens e mulheres livres
aumentar a força de trabalho e a produção agrícola. A escravidão não era privilégio apenas dos
homens ricos do lugar. Pequenos e médios proprietários faziam uso da mão de obra escrava.
Mais da metade dos escravos estavam distribuídos entre os 168 pequenos e médios
proprietários. Esses cativos representavam uma força de trabalho muito importante e, em muitos
casos, significavam mais da metade do valor total do patrimônio bruto desses proprietários. É
possível dizer, pelo menos a título de especulação, que o caso da escravidão encontrada em
Garanhuns pode ser também visto em outros espaços do Agreste e Sertão de Pernambuco.

277
LINS, Alberto Frederico. A rota dos escravos: contribuição ao estudo da escravidão no agreste de
Pernambuco. Universidade Federal de Pernambuco, Revista de pesquisa CLIO, v. 12, n.1, 1989, pp. 65-66.
278
Ibid., p. 67.
109

Na primeira metade do século XIX, as importações de escravos tiveram um fluxo


significativo para Garanhuns. Isso fica bem evidente no grande contingente de escravos de
origem africana nas propriedades da região. Na escravaria dos grandes proprietários, os
africanos representavam 38,36% do total; para os médios proprietários, 27,86%; já para os
pequenos, 38,29%. Parte da entrada desses africanos se fez também na ilegalidade, depois de
1831. Desembarques em praias do sul da província de Pernambuco e mesmo, na vizinha
província das Alagoas ocorreram. Dali, caravanas de africanos recém-chegados percorreram
possíveis caminhos e rotas clandestinas, ultrapassando em muito o planalto da Borborema. O
caso do iate Sílfide, de 1851, demonstra com clareza as ramificações deste comércio ilegal, que
foi muito além dos grandes centros urbanos e da zona da mata canavieira.
No agreste de Pernambuco, os escravizados não foram sujeitos passivos. A resistência
se fez presente nas fugas. Não custa lembrar, que identificamos a presença de escravos fugindo,
cometendo crimes, procurando novos senhores e negociando a sua própria liberdade. Outro
dado interessante, é a violência na qual os escravos eram submetidos. No processo de Luiza,
cativa reincidente em fugas, de 1868, podemos perceber esse tratamento. Ela recebeu várias
chicotadas nas nadegas, com um chicote de arreio (uma espécie de ferramenta com uma tira de
couro para a condução de animais) e ficou durante dias, impossibilitada de trabalhar. A
resistência também se fez através dos meios legais. Nas ações de liberdade de fins da década
de 1870 e meados da década de 1880, o relato dos escravos, através dos seus advogados,
mostrou-se também como uma forma de luta contra a escravidão ilegal.
Após a finalização das pesquisas dessa dissertação, percebemos que muitos dos
problemas encontrados na primeira metade do XIX, acentuaram-se ao longo da segunda metade
dos oitocentos. Tendo em vista essa percepção, outros questionamentos começam a surgir. Tais
como: de que forma se configurou a escravidão no município de Garanhuns na segunda metade
do século XIX? Quais os impactos dessa escravidão? Tais perguntas possibilitam novas
perspectivas de pesquisas e estudos, permitindo um maior aprofundamento da temática.
Como destaca Lilia Moritz Schwarcz, a escravidão foi muito além de um sistema
econômico: “ela moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez de raça e cor marcadores
de diferenças fundamentais, ordenou etiquetas de mando e obediência, e criou uma sociedade
condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia muito restrita”.279 No que diz respeito ao
atual município de Garanhuns, vale lembrar que os “resíduos” da escravidão ainda permanecem
bem vivos na região. O preconceito racial, travestido em clivagem de classe, é uma marca

279
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras,
2009, pp. 27-28.
110

facilmente encontrada nessa sociedade. Assim como no passado, a população afrodescendente


agenciou novas formas de resistência em busca de espaços e igualdade nessa sociedade. Uma
delas, é a do reconhecimento e certificação das comunidades rurais formada pelo campesinato
negro da região. Atualmente, no município de Garanhuns, existem oito comunidades
quilombolas. São elas: Cabeleiras, Caluête, Castainho, Estivas, Estrela, Sapo, Tigre e Timbó.280
A certificação da posse das terras e políticas públicas compensatórias, hoje, fazem parte do
repertório de luta dessas comunidades. Por fim, esperamos que o nosso trabalho possa servir,
mesmo que timidamente, a esse e a outros propósitos de mudança e igualdade social, sobretudo,
nesse momento de crise política, social, cultural e econômica que estamos a vivenciar. Que o
nosso trabalho possa ser utilizado como mais um instrumento de luta contra as agendas
reacionárias e não compromissadas com a equidade.

280
GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos e Quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. 1ª
ed., São Paulo: Claro Enigma, 2015.
111

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APÊNDICE A – FONTES COMPLEMENTARES DA PESQUISA

FONTES MANUSCRITAS:
Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE)
Coleção de inventários post-mortem.
José Felix Francisco. Ano de 1800, caixa 1800/03.
Thomas de Figueiredo da Silva. Ano de 1800, caixa 1800/03.
Ana Maria de Araujo. Ano de 1800, caixa 1800/03.
Anna Theodora de Albuquerque. Ano de 1800, caixa 1800/03.
Theodora de Campos Bitencourt Ano de 1801, caixa 1800/03.
Eugênia Maria de Jesus Ano de 1801, caixa 1800/03.
Euzébia Maria. Ano de 1801, caixa 1800/03.
Ana Hortência. Ano de 1802, caixa 1800/03.
Antonio Gonçalves Souza. Ano de 1802, caixa 1800/03.
Maria da Assunção. Ano de 1802, caixa 1800/03.
Gonçalo Barbosa de Lira. Ano de 1802, caixa 1800/03.
Manuel Nunes Barreto. Ano de 1803, caixa 1800/03.
Antonia Maria. Ano de 1803, caixa 1800/03.
Antonio Rodrigues. Ano de 1803, caixa 1800/03.
Felix Gomes da Silva. Ano de 1803, caixa 1800/03.
Joana Maria de Santana. Ano de 1803, caixa 1800/03.
José Maria da Costa. Ano de 1803, caixa 1800/03.
Joana da Rocha Amorim. Ano de 1803, caixa 1800/03.
Ignácio de Godoi de Vasconcellos. Ano de 1803, caixa 1800/03.
Thomé de Souza. Ano de 1803, caixa 1800/03.
Maria José. Ano de 1804, caixa 1803/05.
João da Rocha Peres. Ano de 1804, caixa 1803/05.
Alexandre Munis de Mello. Ano de 1804, caixa 1803/05.
Pedro Paulo. Ano de 1804, caixa 1803/05.
Josefa Maria. Ano de 1804, caixa 1803/05.
Manoel Francisco Tavares. Ano de 1804, caixa 1803/05.
Maria Quitéria. Ano de 1804, caixa 1803/05.
Padre Francisco Alvares Barbosa. Ano de 1805, caixa 1803/05.
Antonia Thereza. Ano de 1805, caixa 1803/05.
José Gomes Botelho. Ano de 1805, caixa 1803/05.
João da Rocha Peres. Ano de 1805, caixa 1803/05.
João Baptista do Santos. Ano de 1807, caixa 1810.
Helena Ferreira de Mello. Ano de 1809, caixa 1810.
Rosa Benta Joaquina. Ano de 1813, caixa 1810.
Bonifácio Francisco. Ano de 1820, caixa 1820.
Antonia Guerra. Ano de 1821, caixa 1820.
Capitão José Gomes Botelho. Ano de 1822, caixa 1820.
Gonçalo José. Ano de 1825, caixa 1820.
João Paes Sarmento. Ano de 1826, caixa 1820.
Francisco da Cunha Feirão. Ano de 1826, caixa 1820.
117

Maria Gomes. Ano de 1826, caixa 1820.


Onofre Ferreira. Ano de 1826, caixa 1820.
João Gomes da Silva. Ano de 1826, caixa 1820.
Francisca do Rosário. Ano de 1827, caixa 1820.
José Gomes da Silva. Ano de 1827, caixa 1820.
Severina Maria de Jesus. Ano de 1827, caixa 1820.
João Francisco Xavier de Araujo. Ano de 1827, caixa 1820.
Ana Maria de Almeida. Ano de 1827, caixa 1820.
Brazida Maria. Ano de 1827, caixa 1820.
João Rodrigues Cardoso. Ano de 1827, caixa 1820.
Matias Bezerra da Silva. Ano de 1828, caixa 1820.
Josefa Maria. Ano de 1829, caixa 1820.
Izabel Maria. Ano de 1829, caixa 1820.
Mateus José de Vasconcellos. Ano de 1829, caixa 1820.
Maria do Nascimento. Ano de 1829, caixa 1820.
José da Cunha. Ano de 1829, caixa 1820.
Antonio Pereira. Ano de 1829, caixa 1820.
João Pereira1 Ano de 1829, caixa 1820.
Tereza Maria. Ano de 1829, caixa 1820.
Fidelis da Costa de Andrade. Ano de 1829, caixa 1820.
Capitão José de Barros. Ano de 1829, caixa 1820.
Teotônio Alves da Cunha. Ano de 1829, caixa 1820.
Mathias da Costa Vilella. Ano de 1829, caixa 1820.
João Pereira do Nascimento. Ano de 1829, caixa 1820.
Luiza Maria de Jesus. Ano de 1829, caixa 1820.
Anna Victoriana da Costa. Ano de 1830, caixa 1830.
Maria Gonçalves do Espírito Santo. Ano de 1831, caixa 1830.
Vicente Ferreira. Ano de 1831, caixa 1830.
Francisco Antonio Quintiliano. Ano de 1831, caixa 1830.
Francisco Teles Botelho. Ano de 1831, caixa 1830.
Joana Maria de Jesus. Ano de 1831, caixa 1830.
Maria José das Virgens. Ano de 1831, caixa 1830.
Ana Catharina. Ano de 1831, caixa 1830.
Alferes Bernardo Lúcio Vilella. Ano de 1831, caixa 1830.
Francisca Xavier da Conceição. Ano de 1831, caixa 1830.
Luiza Maria da Conceição. Ano de 1831, caixa 1830.
Anna Ferreira Vilella. Ano de 1831, caixa 1830.
Luiz Veiga Araujo Pessoa. Ano de 1831, caixa 1830.
José Soares Pereira. Ano de 1831, caixa 1830.
Maria dos Anjos. Ano de 1831, caixa 1830.
Manoel José da Silva Rego. Ano de 1831, caixa 1830.
Nazário Gomes. Ano de 1831, caixa 1830.
Rita Maria. Ano de 1831, caixa 1830.
Manoel José Correa de Mello. Ano de 1832, caixa 1830.
Joaquim Ferreira de Souza. Ano de 1832, caixa 1830.
Rosana Maria Pinheiro. Ano de 1832, caixa 1830.
Florência Maria. Ano de 1832, caixa 1830.
Domingas Ferreira de Paschoal. Ano de 1832, caixa 1830.
João Machado de Campos Coelho. Ano de 1832, caixa 1830.
Capitão Francisco Oliveira das Chagas. Ano de 1833, caixa 1830.
118

José Joaquim de Mello. Ano de 1833, caixa 1830.


Ana Joaquina. Ano de 1833, caixa 1830.
Ana Severina. Ano de 1833, caixa 1830.
José de Araujo Velho. Ano de 1833, caixa 1830.
José Velho de Sobral. Ano de 1833, caixa 1830.
Marcos da Costa Vilella. Ano de 1833, caixa 1830.
Francisca Xavier da Cruz. Ano de 1834, caixa 1830.
Maria de Jesus. Ano de 1834, caixa 1830.
José Francisco da Cruz. Ano de 1834, caixa 1830.
Anna Francisca Vasconcellos. Ano de 1834, caixa 1830.
Vicência Francisca de Vasconcellos. Ano de 1835, caixa 1830.
Anna Thereza. Ano de 1835, caixa 1830.
Ana Maria. Ano de 1835, caixa 1830.
Danificado. Ano de 1835, caixa 1830.
Ignacio Joaquim Braga. Ano de 1835, caixa 1830.
Joaquina Cleofa de Andrade. Ano de 1835, caixa 1830.
Cosme Alves da Silveira. Ano de 1835, caixa 1830.
Manoel Ignácio Bezerra. Ano de 1835, caixa 1830.
Francisco Xavier de Araujo. Ano de 1835, caixa 1830.
Manoel Dias da Silva Queiros. Ano de 1835, caixa 1830.
Manoel da Silva Queiros Ano de 1835, caixa 1830.
Francisco José de Paula. Ano de 1835, caixa 1830.
Antonio Joaquim. Ano de 1835, caixa 1830.
Micaela Francisca de Sobral Ano de 1835, caixa 1830.
Belchior Fernandes da Costa. Ano de 1836, caixa 1830.
Joana Francisca de Noronha. Ano de 1836, caixa 1830.
Alexandre de Farias. Ano de 1836, caixa 1830.
Ignacia Francisca de Barros. Ano de 1836, caixa 1830.
Laura da Penha. Ano de 1836, caixa 1830.
Manoela Maria. Ano de 1836, caixa 1830.
Ana Rosa. Ano de 1836, caixa 1830.
Thereza Maria da Rocha. Ano de 1836, caixa 1830.
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Maria das Neves. Ano de 1836, caixa 1830.
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Francisco Lopes Lima. Ano de 1836, caixa 1830.
Severina Sebastiana da Silva. Ano de 1836, caixa 1830.
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Manoel da Assunção. Ano de 1840, caixa 1840.
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Maria Lourença das Neves. Ano de 1840, caixa 1840.


Josefa Paulina do Espírito Divino. Ano de 1840, caixa 1840.
José Caetano da Fonseca. Ano de 1840, caixa 1840.
Ana Antonia do Levantamento. Ano de 1840, caixa 1840.
José Batista do Bomfim. Ano de 1840, caixa 1840.
Bernardo Luís da Silva. Ano de 1840, caixa 1840.
Joana Maria. Ano de 1840, caixa 1840.
Tereza Francisca. Ano de 1840, caixa 1840.
João de Sousa de Negreiro. Ano de 1840, caixa 1840.
Bernardo José da Cunha. Ano de 1840, caixa 1840.
Alexandra Maria da Silva. Ano de 1841, caixa 1840.
Izidoria Maria da Conceição. Ano de 1841, caixa 1840.
Joana Francisca. Ano de 1841, caixa 1840.
Joaquina Maria do Rosário. Ano de 1841, caixa 1840.
Antonio Manoel da Silva. Ano de 1841, caixa 1840.
Josefa Maria da Conceição. Ano de 1841, caixa 1840.
Josefa da Conceição Padilha. Ano de 1841, caixa 1840.
José Ribeiro Siabra. Ano de 1842, caixa 1840.
Anna Maria de Jesus. Ano de 1842, caixa 1840.
Francisco de Souza Silva. Ano de 1843, caixa 1840.
Rosa Maria Quintiliana. Ano de 1843, caixa 1840.
Thereza Maria de Jesus. Ano de 1843, caixa 1840.
Francisco Gomes de Mello. Ano de 1843, caixa 1840.
Manoel das Neves Camello. Ano de 1844, caixa 1840.
João de Barros Correia. Ano de 1844, caixa 1840.
Antonio Gonçalves de Sousa. Ano de 1844, caixa 1840.
Francisca Maria de Jesus. Ano de 1844, caixa 1840.
Manoel Cordeiro. Ano de 1844, caixa 1840.
José Paes de Lira. Ano de 1844, caixa 1840.
Bernardo José da Costa. Ano de 1845, caixa 1840.
Antonio Vieira da Silva. Ano de 1845, caixa 1840.
Úrsula Maria das Virgens. Ano de 1845, caixa 1840.
João Gui Justino da Silva. Ano de 1845, caixa 1840.
José Victorino da Conceição Anchieta. Ano de 1845, caixa 1840.
Isadora Maria. Ano de 1845, caixa 1840.
Josefa Maria de Melo. Ano de 1845, caixa 1840.
Joaquim Baia de Mello. Ano de 1845, caixa 1840.
Antonio Francisco dos Santos. Ano de 1846, caixa 1840.
Dona Joana Maria de Oliveira. Ano de 1846, caixa 1840.
Marianna Maria de Jesus. Ano de 1846, caixa 1840.
Bernarda Tereza de Jesus. Ano de 1846, caixa 1840.
Manoel Theotonio da Silva. Ano de 1846, caixa 1840.
Úrsula Maria. Ano de 1846, caixa 1840.
Dona Manoelina Paula de Jesus. Ano de 1846, caixa 1840.
Manoel José. Ano de 1846, caixa 1840.
José Joaquim. Ano de 1846, caixa 1840.
Alferes João de Sousa Melo. Ano de 1847, caixa 1840.
Francisca Angélica. Ano de 1847, caixa 1840.
Josefa Maria. Ano de 1849, caixa 1840.
Maria Francisca de Jesus. Ano de 1849, caixa 1840.
120

Francisca Duarte de Melo. Ano de 1849, caixa 1840.


João José de Barros. Ano de 1849, caixa 1840.
Manoela Luzia de Mello 1849 Ano de 1849, caixa 1840.
Francisco José de Matos. Ano de 1850, caixa 1850.
Josefa Maria de Sousa 1850 Ano de 1850, caixa 1850.
Antonio Muniz Barreto. Ano de 1850, caixa 1850.
José Francisco de Sousa. Ano de 1850, caixa 1850.
Maria da Conceição. Ano de 1850, caixa 1850.
Maria Luiza do Espírito Santo. Ano de 1850, caixa 1850.
Josefa Caroline. Ano de 1850, caixa 1850.
Maria Brígida. Ano de 1850, caixa 1850.
Francisco Teixeira Rosas. Ano de 1850, caixa 1850.
Maria Brígida. Ano de 1850, caixa 1850.
Ignacia Maria da Conceição. Ano de 1850, caixa 1850.
Joaquim Felix de Oliveira. Ano de 1850, caixa 1850.
Francisco Teixeira Rosas. Ano de 1850, caixa 1850.
Josefa Teresa da Fonseca. Ano de 1850, caixa 1850.
Francisca de Salles Silva. Ano de 1850, caixa 1850.
Francisco José de Mattos Junior. Ano de 1850, caixa 1850.
Josefa Carolina de Azevedo. Ano de 1850, caixa 1850.

Registro de testamento do Capitão Manoel José Correa de Mello. Esse documento faz parte do
acervo do APEJE e pode ser encontrado no inventário do referido Capitão.

APEJE, Ofícios do Governo


Livro 30, 1827 - 1829, [Fl. 43/43 v.] e [Fl. 46.]1827, outubro, 18 e 24 – Recife e 1827.

APEJE, Coleção de Polícia Civil


TSTD, # 4784, APEJE, Coleção de Polícia Civil, v. 40, p. 114-116, APEJE, Coleção de Polícia
Civil, v. 38, Pág. 235-243.

APEJE, Cartório de Garanhuns


Petição de liberdade da Parda Maria. Vila de Garanhuns – 1848 [Fls. 1-48v.], CAIXA 1840.

BND – Biblioteca Nacional Digital


Manuscrito da Idea da população da capitania de Pernambuco, e das suas anexas,
extensão de suas costas, rios e povoações notáveis. Agricultura, número dos engenhos,
contratos e rendimentos reais, aumento que estes tem tido, etc., desde o ano de 1774
em que tornou posso do governo das mesmas capitanias o governador e capitam
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http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.asp?codigo_sophia=26429. Acesso 14 Jun.
2019.

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testamenteiro (1830-31) - Recife.
Orlando Cavalcante, 2º Cartório de Garanhuns (Livro de notas – 1828-1831). Papel de
Arrendamento de um pedaço de terras que arrendou Leandro Ferreira de Mello a
Antonio Ferreira de Lima no sítio do Caranguejo termo desta Vila.
121

IHGCG – Instituto Histórico, Geográfico e Cultural de Garanhuns


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Projeto Resgate Barão do Rio Branco


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s=159492. Acesso em: 22 Fev. 2019.
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Memorial da Justiça, 1851, Garanhuns CX: 2597. Réus: Antonio Venâncio e Manoel
Gambêo, Acusação: Furto (de escravos).
Memorial da Justiça, 1849, Garanhuns, CX:2615. Autor: Fórum Criminal, Réus:
Joaquim Batista e João Antonio Vigão, Cr: Furto de escravo.
Memorial da Justiça, 1842, Garanhuns, CX 2610. Autor: Fórum Criminal, Réu
Eugenio de Mello, Cr: ferimentos em escrava.

Arquivo da Diocese de Garanhuns


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Guia de Assuntos de Estatística nos Relatórios Presidenciais das Províncias Brasileiras,
1830-1889 compilado por Ann Hartness
Relatorio que á Assembléa Legislativa Provincial de Pernaambuco [sic] apresentou na
123

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Boilleau. Tradução, introdução e notas por Denis Bernardes. In. Revista do Instituto
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HDBN, O Brasil: Vestra res agitur (RJ), 28.01.1843. In. Avisos diversos.
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