As Origens Da Arqueologia Classica
As Origens Da Arqueologia Classica
As Origens Da Arqueologia Classica
J o h n n iL a n g e r*
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L A N G E R , J . As o rigens da A rqueologia Clássica. Rev. do M useu d e A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 9 :9 5 -1 1 0 , 1999.
A utilização d a p alav ra pelos gregos era ap li m anistas ,' o colecionar de peças artísticas antigas,
ca d a a q u alq u er evento distante de sua época, e convivia com o estudo detalhado de certos vestí
m esm o a instituições políticas e sociais m ais re g io s re la c io n a d o s co m e s se s o b je to s , c o m o a
m otas ( E n c ic lo p é d ia U n ive rsa l 1920). epigrafía e a num ism ática (M ousse 1978: 294).
A antigüidade sem pre m anifestou interesse por E ruditos interessados no restab elecim en to da
seu p a ssa d o m o n u m e n ta l. H isto ria d o re s co m o g ló ria clássica, os hum anistas to rn aram -se co le
D ionisio (A n tig ü id a d es R o m a n a s 29 a.C .), F lávio cionadores e escavadores, tendo com o guia a lite
Jo sefo ( A n tig u id a d es Ju d a ica s) e P ausânias (Iti ratura e a história. M oedas e lápides com inscri
n erá rio da G récia séc. II d.C .) criaram obras que ções tiv e ram um in teresse esp ec ial, origin and o
p ro curaram resg atar os períodos longos de sua his estudos com parativos com textos antigos. D ante
tória clássica. M as a palavra arqueologia não tinha A lighieri (1265-1321) estudou caracteres de m a
um sentido sistem ático, m as genérico: designava nuscritos antigos, pergam inhos e palim psestos; Pe
um p eríodo m aterial de um a nação ou país. D io n i trarca (1304-1374) analisou com grande interesse
sio de A licam ássio , p or exem plo, em sua obra A r m oedas greco-rom anas; M ichelangelo e Rafael exa
queologia R om ana (20 - 5 a.C .) abrangia um vasto m inaram a arquitetura e a epigrafía das ruínas clás
panoram a m onum ental d a história de R om a (D aux sicas. D esconheciam -se, no R enascim ento, m inú
1948: 5). Q ualquer tratado acerca de monumentos cias lingüísticas e paleográficas. A língua grega era
e ruínas, desta m aneira, p ossuía o caráter de arq u e confundida com o rom ano e ignorava-se a etrusca:
ologia. V iajantes, historiadores e cronistas de R o “para ellos A rqueología era el conocim iento de la
m a realizaram obras que registravam a cultura m a antigüedad , no de las a n tigüedades ” (Dic. H ispano
terial de u m a fo rm a curiosa e im itativa (principal A m eric a n o 1887: 674). A cerám ica pintada grega
m ente nos tem plos gregos): “A vant de devenir une era tom ada com o etrusca até o séc. X V m (Levi 1996:
Science, 1’archéologie est une attitude” (Daux 1948: 22). T am bém essa falta de conhecim ento e crítica,
18). im possibilitava a autenticidade de m uitos objetos ar
D urante a Idade M édia, ocorreram da m esm a queológicos, principalm ente estátuas greco-romanas.
m an eira alguns fo rtu ito s estudos e registros ar Era com um o com plem ento físico de esculturas m u
queológicos, geralm ente relacionados com assun tiladas, com o fim de usá-las com o objeto de adorno.
tos eclesiásticos. P or exem plo, o cardeal G iordano As fronteiras entre o apócrifo e o autêntico ainda eram
O rsini (1159-1181) iniciou um a coleção de objetos desconhecidas (Dic. H ispano A m ericano 1887:347).
rom anos e F ederico II di S vevia (1184-1250), o r Q uando os príncipes italianos com eçaram a
g anizou o púlpito do B atistério de P isa com o b financiar as coleções da antigüidade, iniciaram -se
je to s clássico s ( E n ciclo p é d ia Ita lia n a 1949: 30). grande quantidade de escavações p o r toda a pe
M as a falta de in teresse p or tem as da antigüidade nínsula. A esca va çã o 2 h um anista estav a m uito dis
clássica, acabou d esfavo recen d o m aiores p reo c u tante do que se realizaria no séc. X IX . P reocupava-
p aç õ es co m v estíg io s arq u e o ló g ico s, que eram se basicam ente em resgatar objetos antigos de urna
co n sid erad o s d esp erd ício s - não tin h am u tilid a m aneira aleatoria, sem grandes cuidados com re
de nem significado entre os hom ens (Pom ian 1983: gistros ou qualquer vinculação do achado com um
76). contexto histórico. O objeto só p ossuía valor por
A arqueologia com o processo erudito de in sua própria e intrínseca im portância m aterial. M as
v estig ação com preende três períodos distintos: a
fase hum anista, dos antiquários e dos escavadores
m odernos. (1) N om e d ad o aos e ru d ito s e litera to s qu e, n os sé cu lo s
X V e X V I, re stab elec eram o p restíg io das ob ras d a A n ti
gü id ad e clássica, trad u zin d o -as, e d ita n d o -a s e c o m e n ta n
1. O s h u m a n ista s (1300-1600) do -as ( G ra n d e L a ro u sse 1998: 3038).
(2) A té o séc. X V III, as esc a v a ç õ e s eram a leató rias; após
A m aioria dos especialistas considera o Renas esse p erio d o in iciaram -se d iv erso s m éto d o s: o d e se n te rra -
cim ento com o o período em que foram criadas as m ento d e estru tu ras am p las, a esca v a ç ã o e sta tig rá fic a (p o r
n íveis artificiais ou natu rais), p o r q u a d ríc u la s, trin c h e ira s
raízes m odernas do m étodo arqueológico. Isso se ex
etc. (S o u z a 1997: 49). A e sc a v a ç ã o e s ta tig r á fic a im p lica
plica pelo interesse despertado pelos novos estudos qu e os estrato s d o sítio sejam retirad o s, se g u n d o su a c o lo
clássicos, principalm ente na Itália, o berço da civili cação e c o n fig u ra ç ã o o rig in a l, no se n tid o in v erso ao que
zação m editerrânea. U m a das características dos hu foram d ep o sita d o s (F u n a ri 1988: 80).
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gos, e um elaborado catálogo do m esm o (B itten ao q ual ele pertenceu. D este m odo, M o ntfaucon
court 1997: 4-6). Iniciava-se a relação da A rq u e rom peu com a tradição de sim ples curiosidade dos
o lo g ia co m o esp aç o m u seo ló g ic o , este ú ltim o m onum entos, realizando um a te ntativ a de rec o n s
com m etodologia e sistem ática próprias, m as d e titu ir gen ericam ente o passado.
pendente m uitas vezes do acervo de escavações. D uran te o século X V III, as ruínas to m am -se
U m dos pioneiros franceses d a exploração ar o tem a fav o rito da sensibilidade artística, co in ci
queológica, N icolas Peiresc, visitou grande q u an dindo com o im enso interesse pela A rqueologia.
tidade de m onum entos d a Á sia M enor e Á frica. A Os próprios em ditos e arqueólogos realizavam ilus
grande divulgação das antigüidades clássicas pela trações em seus estudos, integrando tam bém as ten
F rança, no entanto, d ar-se-ia p ela obra de M ont- dências culturais de sua época. U m a das m ais fam o
faucon e Caylus, dois dos m ais célebres arq u eó lo sas m in as européias, o com plexo de S to n eh en g e
gos do séc. X V III. (Inglaterra), fo m eee um panoram a ím par das trans
O estudo dos objetos j á é realizad o no seis- form ações que as im agens de rum as sofreram desde
centos por um referencial de seriação e classifica o hum anism o até o séc. XIX.
ção, o que leva o estudioso A lain S chnapp a co n
siderar a A rqueologia deste período com o: “une 3. A s ruínas de Ston eh en g e
science du disparate, de l ’accum ulation” (Schnapp
1982: 760). N ão se consid erav a suficiente apenas A s m ais an tig as rep rese n ta ç õ es d este sítio
observar e publicar, era n ecessário tam bém classi m egalítico surgiram durante o quatrocentos. A l
ficar os vestígios encontrados dentro de d eterm i guns m anuscritos ingleses de C am bridge rep resen
nadas corpos de doutrinas e interpretações. A apro taram o local de m aneira errônea, com os m egálitos
xim ação com a A rqueologia m oderna já se efetua dispostos em um retângulo, sem os trilitos in te
va em m uitos eruditos. U m deles é especialm ente riores. B aseada em u m a origem m ágica do sítio, a
apontado pelos especialistas com o um antecipador uniform idade do desenho garante características
dos princípios m odernos desta ciência: B ernard de divinas a S tonehenge. E m 1574, em um desenho
M o n tfa u c o n .7 S u a p rin c ip a l o b ra, L ’A n tiq u ité anônim o constante no m anuscrito Su m m a rize o f
expliquée et représentée en fig u r e s (1719) foi com the events o f E n gland, o conjunto to m a-se m ais
posta de extensos 15 volumes. Procurava um a cor próxim o do real, com sua form a circular. U m ca
respondência in trínseca en tre o texto e os objetos valeiro adentra o espaço interno em um cavalo, en
de investigação: “C es m onum ents se divisen en quanto um a p essoa toca um dos m egálitos. A aura
deux classes; celle des livres et celle des statues, bas- divina desaparece do local, abrindo espaço p ara a
reliefs, inscriptions et m édailles, deux classes, dis- hum anização dos vestígios d a antigüidade. A fa l
je, qui se prêtent des secours m utuels” (a p u d Sch ta de detalhes e a inexatidão do volum e e altura
napp 1982: 761). S egundo A lain Schnapp, a obra das pedras é um a característica renascentista, va-
de M ontfaucon é em inentem ente reflexiva, sendo lorizando-se o resgate d a época do valor intrínseco
os objetos arqueológicos um m eio de ilustrar a his do objeto. E m outro desenho anônim o, de 1575, a
tória. A divisão estrutural da obra L ’a n tiq u ité ex busca pela antigüidade é ainda m ais acentuada. D i
p liq u é e , b asea d a em d escriçõ es m on u m en tais e versos indivíduos escavam e m ovim entam -se ao
explicações de aspectos coletivos, conduz a um a red o r do local. U m castelo (im aginário) surge ao
definição de arqueologia desen vo lvid a p o r apro fundo do sítio, em um a elevação, sugerindo talvez
xim ações sucessivas (Schnapp 1982: 761), ou se um a continuidade do período histórico com o res
ja, a relação que um objeto possui com o contexto gate prom ovido pelos escavadores. E m 1600, na
quinta edição da B ritanniae descriptio, de Cam den,
o local volta a ser retratado de m aneira m isteriosa.
(7) (B en ed itin o da c o n g re g a ç ã o de S ão M a u ro (C astelo de As pedras p arecem se contorcer, dando ao conjunto
S oulag e, D iocese de N arb o n n e, 1655 - P aris 1741). Foi um aspecto sim bólico de cham as, ao m esm o te m
um dos prim eiros eruditos que apoiou o estudo da h istó ria po que parecem retratar silhuetas hum anas. A p lan
não ap en as no s tex to s, m as tam b ém no estu d o dos e d ifíc i
ta possui m uitas in co erên cias estruturais, e a o r
os e m o n u m e n to s re la c io n a d o s c o m a é p o c a fo c a liz a d a .
C om sua P a le o g ra p h ie g re c q u e (1 7 0 8 ) - foi q u em crio u a
dem g eral parece ser influ enciad a p o r antigas le n
p alav ra - , é c o n sid e ra d o o fu n d a d o r d e ssa c iê n c ia ( G r a n das fo lcló ricas. N o m esm o lo cal on de a n te rio r
d e L a ro u sse 1998: 4 0 7 0 ). m ente era retratad a u m a fo rtaleza (segundo p la
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no), surge um a g rande cidade. O frontispicio do gem oriental, com o a A stro log ia e A lquim ia. A
texto, abaixo d a ilustração de S tonehenge, é en com plexidade deste ritual pagão revela toda a uni
cim ado p o r um nobre, que aponta n a d ireção da dade dos antigos bárbaros, que deve ser refletida
cidade. U m a alego ria das ruínas in spirando o p re - para o artista - na conjuntura política da época
se n te, c ria n d o n o v as p e rsp e c tiv a s. p re se n te .
O prim eiro antiquário a ilu strar S tonehenge C om a A rq u eo lo g ia oitocentista, os m egáli
foi Iñigo Jones, em 1621 (publicado em The m o st tos europeus são atribuídos a culturas m uito mais
n o ta b le a n tiq u ity o f G rea t B rita in vu lg a ry ca lled antigas que a dos bárbaros, as do neolítico pré-
Stone-H eng, 1655). Trata-se da m ais pura evocação histórico. A representação das ruínas sofre influ
renascentista. O s m o n um entos são ilustrados to ência do neoclassicism o e do rom antism o. Assim ,
talm ente restaurados, com regularidade no corte e p o r ex em p lo , a S to n e h e n g e d e Jo h n C o n stab le
com o plan o geral disposto sim etricam ente em or (1832) possui ao m esm o tem po conotações glori
dem . Jones evoca claram ente um a origem rom ana osas e sinistras. O s dois visitantes retratados já não
ao local, sendo a principal inspiração as co nstru contêm a vivacidade e curiosidade das antigas re
ções clássica s d a Itália. O utro an tiq u ário , John p resentações, m as, antes, conservam -se um para
A u b rey , re a liz o u a p rim e ira p la n ta do sítio, A do frente ao m egálito e outro sentado. M elancolia
iconografia de Stonehenge (1666). P ercebe-se um a e m editação, traços característicos d a ruín a rom ân
m aior valorização da ordem exata do conjunto, pela tica, unidas a um a rein terp retação clássica: as ro
u nidade geral das ruínas. M as na questão da o ri chas britânicas parecem ev o car as construções la
g em de S tonehenge, A ubrey creditou aos druidas tinas, m as a solidão nórdica triunfa. O todo parece
a sua autoria, popularizando um m ito que sobrevi am eaçador e soturno, com u m a tem pestade ao fun
ve até nossos dias. do. A s pedras são ainda m ais instigantes com for
E m 1740, ou tro antiquário, W illiam Stukeley, tes detalhes de escuridão, parecendo em ergirem do
reforçou essa teoria em seu Stonehenge, a tem ple solo, num ám plo contraste do sentido religioso da
restored to the Bristish Druids. O arquiteto John W ood n atureza e da história.
realizou outra plan ta ( C h o ir G aur, 1747), ainda
m ais precisa, atribuindo Stonehenge a um tem plo 4. A s ruínas de P o m péia e H erculano
lunar dos antigos celtas. P or toda a E uropa sete-
centista, as ru ín as m egalíticas são con sid erad as A d esco b erta d e m aior im pacto cultural no
obras dos antigos bárbaros celtas, vinculadas ob século X V m , sem som bra de dúvida, foram as m i
jetivam ente a m itos nacionalistas ingleses e fran nas de H erculanum e P om péia. Influenciaram as
ceses (Demoulle 1982: 744). E m um a pintura de D. artes plásticas, a escultura, a Arquitetura, a Filosofia
Logan deste período, Stonehenge, o lugar é retratado e a sensibilidade. R ev ig orand o a m an eira de se
de m aneira exótica, sendo observado p or inúm e p ensar a antigüidade, instituíram o neo-classicism o
ros visitantes, cavaleiros, curiosos e até anim ais. e renovaram a A rqueologia.
C o m dois planos, face norte e sul do sítio, a im po A epopéia arqueológica das duas cidades ro
nência é destacada pelo contraste de claro-escuro m anas in ic io u -se co m seus so te rra m en to s pelo
das pedras. E m am bos os desenhos, grossas e n e V esúvio em 79 d.C. M otivo d e algum auxílio logo
gras nuvens pairam acim a dos m egálitos, dando após o ocorrido, foram abandonadas sob o dom í
um aspecto obviam ente glorioso e grandioso ao nio de T rajano e A driano. E m 196 d.C. o im pera
p a ssa d o fra n c ê s, ta m b ém h e rd e iro dos an tig o s d or A lexandre S evero interessou-se pelo resgate
celtas. O auge do m ito celta pode ser vislum brado d a região, o que não ocorreu. O local de H ercu
com a p intu ra de M eyrick e Sm ith, O fe s tiv a l dos lano, enterrado a 15m de profundidade, com eçou
b retõ es em Sto n eh en g e (1815). C entenas de p es lentam ente a ser repovoado p or um a aldeia acim a
soas reunem -se em frente ao im enso reduto pétreo, das m inas, denom inada de Resina. E m Pom péia,
n um am plo festival de cores e entusiasm o. N um a nunca houve repovoam ento efetivo. O nom e d es
S tonehenge reco n stitu ída, su po stam en te em sua sas localidades tam bém foi perdido, sobrevivendo
é p o c a de uso, sacerd o tes dru id as reú nem -se no apenas em algum as cartas geográficas rom anas e
centro p ara celebrações rituais. E m volta, indiví m edievais (C orti 1958: 118-127).
duos assistem ao espetáculo sentados. S ím bolos ti D urante o R enascim ento, ocorreram algum as
picam ente celtas m isturam -se a tradições de ori r e fe rê n c ia s d isp e rs a s. N ic o lo P e ro tto (1 4 8 8 ),
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e s c a v a ç ã o 10 e ao fato de não ex istirem so b rep o si m entos ruin ístico s ro m ano s, d em o n stran d o agora
ções de o u tra épocas, tudo ficou co m o estav a d e s in flu ê n c ia s do ro m an tism o . N o q u a d ro C o m e si
de 24 de agosto de 79 d.C.: “a m agia do quotidiano sc a v a v a a P o m p e i, p e rc e b e m -se as n o v as d ire
interrom pido no auge da felicidade” (C arena 1983: triz e s d as esc a v a çõ e s. A o c o n trá rio d a referid a
122 ). p in tu ra se tecen tista de H ercu lan o , oco rre um a o r
A região de N ápoles tom ou-se concorrente da g an iz a ç ã o p la n e ja d a do resg ate, sem esp aço para
m etrópole cultural de Rom a, totalm ente absoluta no o ex o tism o e c u rio sid a d e d o s fra g m en to s. S ob o
classicism o desde a Renascença. E m Nápoles, o côn aten to o lh a r de um supervisor, a retirad a dos entu
sul britânico Sir William Hamilton formou um a grande lhos pelos trab alh ad o res é feita sistem aticam ente,
coleção de vasos, que se tom ou referência para os ao final de um a grande av en id a calçada. C om o em
colecionadores (Jones 1985: 33). N o frontispício de grande p arte d a A rq u eo lo g ia C lássica efetuada du
seu C atalogue o fth e collection (1790), percebem os ran te o o ito c en to s, o p ro ce d im e n to d a escav açã o
um a interessante alegoria arqueológica. N a base de se g u e a té c n ic a do d e s e n te r r a m e n to ,12 a sim ples
um penhasco, um a escavação revela um túmulo antigo, re tira d a dos e n tu lh o s ac im a d as e stru tu ra s so te r
com posto por um esqueleto e diversos vasos cerâm i rad as. E m te rm o s d e o rg a n iz a ç ã o , o d e se n te rra
cos. U m casal de nobres visita a descoberta, fascina m ento atu a com um re sp o n sá v e l, o arq u eólo g o, e
do pelo exam e do vasilhame. N a base do túmulo, em a m ã o -d e -o b ra b ra ç a l (F u n a ri 1988: 4 9). E m p ri
prim eiro plano ao lado da escavação, repousam um a m eiro plano, na extrem idade inferior direita, o qua
picareta e um a pá, sím bolos da ciência material. P er dro de M azois osten ta u m a p á e u m a picareta, cru
cebem os a total inclusão da A rqueologia na cultura za d as e ap o iad a s em um m uro. P rin c ip a is fe rra
erudita do período. H om ens de bom gosto, de boa m entas d a técn ica de d esenterram ento, as suas po
tradição, visitavam e evocavam a antigüidade. Fazer sições na ilustração, assim com o no frontispício do
um a viagem de estudos a R om a tom a-se parte indis c a tá lo g o de H am ilto n (17 9 0 ), p e rm ite m su p o r o
pensável para a educação das pessoas bem nascidas. seu uso com o aleg o ria da A rq ueo lo gia, neste perí
M ais que um a sim ples curiosidade turística, projeta a odo. T am bém u tiliza d a s fre q ü en te m e n te n a arte
idealização de um a sociedade, de um mundo onde os m a ç ô n ic a s e te c e n tista ,13 a p á e a en x a d a associ-
v alores clássico s são refletid o s com o reg ras de am -se a sím bolos de m o d ificação d a natureza. No
convivência moral. A corte européia, com isso, toma- q u ad ro d e M a zo is, p o ssu e m um se n tid o de p e s
se a projeção das sociedades míticas grega e romana, q u isa , d a e n tra d a p a ra os m isté rio s do passado ,
através da pintura, dos detalhes arquitetônicos expos p erd id o nas p ro fu n d eza s d a terra.
tos em palácios, centros culturais (bibliotecas e m u E m outras ilustrações de Pom péia, M azois res
seus), m oda e no com portam ento. É o auge do neo- sa lta u m fu n d am e n to da ru ín a ro m â n tic a , a m e
classicismo europeu. lanco lia d a decadência. N a Villa d i D iom ede, For-
Se p o r um lad o, as c id ad e s so te rra d as pelo
V esúvio co n tin u a m d e sp erta n d o in te re sse e p e s
q u isa s, ao n asce r do o ito c en to s o co rrem alg um as (12) “A s estra té g ia s téc n ic a s b ásicas d e desen terram en to
m u d a n ça s n a p e rc e p çã o d e sta s. O a rq u e ó lo g o são as trin c h eiras e as son d a g en s. A q u elas se destin a m a
F ra n ç o is M a z o is,11 em seu liv ro R u in e s d e P om - d e sc o b rir a o rien tação geral d as e stru tu ras fix as a serem
d e sen terrad as, facilita n d o , d ev id o à sim etria das plan tas, a
p é i (1813), realizo u d iversas ilu straçõ es dos frá g
sup o sição d a lo calizaçã o dos m uros e p rin cip ais estru tu
ras. E m caso de d ese n te rra m e n to lim ita d o , p o d em -se lo
c a liz a r os lug ares m ais in teressan tes (teso uro s, dep ósito s)
i l 0) A á re a de P o m p é ia foi so te rrad a p o r u m a g ran d e q u a n a serem escav ad o s. A s so n d a g en s p erm ite m sab er a p ro
tid a d e d e la p illi (p ed ra s vulcân icas) que, m istu rad as a c in fu n d id ad e do sítio ” (F u n a ri 1988: 50).
zas, fo rm aram u m a c am ad a m uito m acia e facilm en te re (13) Isso p o d e ser co n sta ta d o no in trig a n te fro n tisp íc io da
m o v ív e l, n u m a p ro fu n d id a d e b e m m e n o r q u e a de F la u ta M á g ic a (1 7 9 1 ), d e M o z a rt. N o in te rio r d e um a
H ercu lan u m (C eram 1956: 20). ca ta c u m b a re p le ta de sím b o lo s eg íp cio s e o cu ltistas, o pri
(11) A rq u eó lo g o e arq u iteto fran c ês (17 8 3 -1 8 2 6 ). O btev e m eiro plano, na extrem idade in ferior direita, é o cu pado por
o p riv ilé g io d e d e se n h a r os m o n u m en to s de P o m p éia, re um a p á e u m a picareta - na m esm a posição q u e o fro n tisp íc io
se rv ad o a p en as aos a c ad ê m ico s de N áp o les, en tre 1809 e d e H am ilto n (1 7 9 0 ) e o d esen h o d e M a zo is (1 8 1 3 ). Ao
1811. O s re su lta d o s d os seus trab alh o s fo ram p u b licad o s lad o d os in stru m en to s, rep o u sam frag m en to s d e cap itéis,
em 1813, sob o títu lo de R u ín e s d e P o m p éi. O u tro s livros: u m a está tu a e u m a ánfora. M o z art ex p resso u suas id éias
P a la is d e S c a u ru s (1819); R u in e s d e P a estu m e T héàtre com - d a fra n c o -m a ç o n a ria , in flu e n c ia d o p e lo lib re tis ta
p le t d e s L a tin s (L a ro u sse 1871: 1392). S ch ik an ed er (B ain es & M álek 1996: 223).
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L A N G E R , J. A s origens d a A rqueologia Clássica. Rev. d o M u seu d e A rq u eo lo g ia e E tnologia, São P aulo, 9: 9 5 -1 1 0 ,1 9 9 9 .
no e M u lin o e C a sa C h a m p io n n e t, su rg em p e s b r a s to r n a m - s e m a is a c ir r a d a s , a la r g a d a s e
soas sen tad a s, em p o siç õ e s re fle x iv a s. N e ste ú l escu recid as. A s fig u ras hu m an as são p eq u e n in a s
tim o, em e sp e c ia l, o p o n to d e fu g a e x a to do q u a frente à im p o nên cia dos restos d esm oronados. Em
dro, no p lano inferior, é ocup ad o p or um ca b isb a i su a o b ra m a is im p o rta n te , A n tic h ità R o m a n e
xo e oprim ido soldado, ju n to a colunas derruidas e (1756), v islu m b ram o s to d a a co n cep ção da fo rça
cobertas de m usgos. O s fragm entos ruinísticos são da antigüidade ressurgida nos tem pos modernos. Em
locais p ro p ício s p ara o cu lto do d esam p aro : “ Sua esp ecial, u m a g rav u ra d essa p u b licação , S tra d a
m elancolia reside no fato de ter-se ela to rnad o um F elice, conseguiu cap tar toda a estética e im ag iná
m onum ento da significação perdida. S onhar nas ru rio setecentista acerca da A rqueologia. D uas estra
ínas é sentir que n o ssa existên cia cessa de nos p er das são ladeadas por um a im ensa quantidade de m o
te n c e r e j á se u n e ao im e n so e s q u e c im e n to ” num entos, em pilhados num a grande extravagância.
(S tarobinski 1994: 202). O s v estíg io s ad q u ire m o M ais que um m odism o, o resgate do rem o to arcai
sentido d a m orte e d a vid a, m arcas d a tra g é d ia da co to rn o u -se o b se ssiv o , indo além dos lim ites do
n atu re za p e ra n te o cu rso d a h istó ria , re sg a sta d o s bom senso. M esm o a idéia do m ostruário de cu rio
pela ciência. sidades ao ar livre, tran sfo rm a-se em um d elírio
Em o u tra inq u ie tan te rep rese n tação artística, m onum ental ao extrem o, pelo q ual o o lh a r dos d i
M azois retrata o c a ráte r m isterio so das ruínas. II m inutos transeuntes tom a-se totalm ente perdido na
p o zzo a p erto su lla ca v ea d e i teatro rep rese n ta o esm agadora q uantidade de objetos. O m onum ento
d esen terram en to parcial de um teatro rom ano em transm uta-se, na obra de P iranesi, em sig n o de um
Pom péia. Em um am b iente escu ro e ten eb ro so - d estin o (S taro bin sk i 1994: 201), a su b m issão do
lem bra-nos as pin tu ras de catacum b as, cav ernas e presente (sim bolizado pelas figuras hum anas) pelo
cem itérios - os escav ad o res são dim in u íd o s p ela passado (as ruínas).
im ensidão do local. O gosto rom ântico pelo horror, A segunda m etade do séc. X V III foi caracte
m anifestado pela literatura, tam bém é percebido na rizada pela grande quantidade de publicações ar
Arqueologia. queológicas, sistem atizadoras e catalogadoras de
vestígios do m undo m ed iterrân eo ,15 todas dep en
5. A s ruínas de P ira n esi dentes da fórm ula erudita m áxim a da época: o b
servar, registrar e publicar. Influenciadas d ireta
G iovanni B a ttista P iran esi foi o g rande c a m ente pelas pesquisas em P om péia e H erculano,
talisador do n eo c la ssic ism o e d a A rq u eo lo g ia se- essas pu b licaçõ es já corresp o nd em a um a no v a
tecentista, no p lano artístico . A p esar de ser a rq u i m aneira de realizar interpretações d a antigüidade,
teto e engenheiro, a principal produção de P iranesi m as certam ente dois nom es canalizaram em suas
foi a criação de ved u te (vistas), g ravuras de p aisa obras este momento da Arqueologia: Conde de Caylus
gens urbanas clássicas. O estilo de Piranesi era muito e Winckelmann.
forte e denso, p o r vezes inseg u ro e p aran ó ico. O
fro n tis p ic io d e P r im a p a r te d i A r c h ite tu r e e
P ro sp e ctive (1 7 4 3 ), ro m p e com a trad ição das (15) E n tre as princip ais obras publicadas na seg und a m eta
de do setecentos tem os: T ra ité d es p ie rre s g ra v ées, M ariette
vedute e pinturas de ruínas. A o con trário dos frag
(1750); The ru in s o f P a lm yra , R. W oo d (1753); L 'a n tic h ità
mentos ruinísticos de P annini,14com cores fortes em ro m a n a , P ira n ese (1 7 5 6 ); R e c u e il d e p e in tu r e s a n tiq u e s,
meio a cortejos e festas - um a visão hum anística da B artoli (1757); The ru in s o f B a a lb e k, S tuart e R evett (1757);
A rqueologia - , esse fronstispício já nos revela a sua D escrip tio n d e s p ie r re s g ra v é e s d u b a ro n d e S to ch , W in
interpretação de um p assad o com atm osfera fa n ck elm an n (1760); L a sc ien ce d e s m éd a illes, Jo b e rt (1760);
A n tiq u ité s d ’A th è n e s, S tu a rt (1 7 6 1 ); R e c u e il d ’a n tiq u ité ,
tástica. N as T erm as d e C a ra co la (1748), as so m
C ond e de C aylu s (1767); The A n tiq u itie s o flo n ia , C h a ndler
(1769); A n tiq u itie s o f H e rcu la n u m , T . M artin e J. L ettice
(1773); D e sty lo in sc rip tio n u m la tin a ru m , M orelli (1780);
(1 4 ) U m d o s p in to re s d e ru ín a s p r e fe rid o s n a E u ro p a B a s-reliefs a n tiq u es d e R o m e, Z o ega (1783); L ex ic o n univer-
setecentista. Giovanni P aolo Pannini (P iacen zac. 1691 - R om a sa e rei n u m a ria e veteru m , T asch e (1785); C h o ix d e p ie r re s
1765), foi aluno dos B ibiena, tom ou-se, antes de Canalleto, g ra v ées du ca b in et im p éria l, E ckehl ( 1788); V oyage d u je u n e
o prim eiro dos grandes vedutisti, indo bem além da m inúcia A n a c h a r s is en G rè c e , B a rth é lé m y (1 7 8 8 ); A r c h a e o lo g ia
topográfica em suas vistas de R om a, suas com posições com littera ria , E m e sti (1790); V ases a n tiq u e s p e in ts d e la c o lle c
m inas im aginárias e suas representações de cortejos e festas tion d e W. H a m ilto n , T ischbein (1791); D o ctrin a n u m m o ru m
0G rande L arousse 1998: 4416). veteru m , E ckehl (1792).
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LA N G E R , J . As o rigens da A rqueologia C lássica. Rev. d o M u seu d e A rqueologia e E tnologia, São Paulo, 9: 95-110, 1999.
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L A N G E R , J. A s o rigens d a A rqueologia Clássica. Rev. d o M u seu d e A rq u eo lo g ia e E tnologia, São Paulo, 9: 95-110, 1999.
do do a c o m p a n h a m e n to de to d a s as d e s c o b e r 7. A A rq u eo lo g ia clá ssica
tas. A sim p le s b u sc a d e p re c io s id a d e s , os o b je o ito cen tista (1 8 0 0 - 1835)
tos v isto s apen as p o r seu v alo r m a teria l, estav a m
com os d ia s c o n ta d o s. O c o n tro le d as in fo rm a N o início do oitocentos, a quantidade de expe
çõ es o b tid as na p e sq u isa de ca m p o , to rn a -se im dições e escavações arqueológicas foi extrem am ente
p e ra tiv o , se ja a tra v é s d e d e s c riç õ e s te x tu a is ou numerosa. Se por um lado, essas pesquisas já perten
com a u x ílio de ilu s tra ç õ e s. N a m a io ria d o s c a cem a um a nova concepção metodológica, dita cientí
sos, o co rreu u m a fu sã o d o s d o is p ro ce d im en to s, fica e moderna, estavam totalmente vinculadas aos prin
sendo m u itas vezes o a rq u e ó lo g o ta m b ém um a r cípios expansionistas das grandes potências mundiais. E
tista. muito difícil separar a Arqueologia clássica deste período
A s obras de W incklem ann to rnaram -se m uito do colonialismo europeu: “as ruínas e as obras-primas
p opulares n a E uropa. F oi o p rim eiro a p u b lic ar as do passado constituem-se, paralelamente, em importan
descobertas de H erculano de um a form a crítica, Von tes elementos ideológicos na manutenção das estruturas
d e n h e r c u la n is c h e n E n td e c k u n g e n (D re s d e n , de poder, legitimando regimes políticos dos mais varia
1762). E ra tam bém a prim eira obra livre de nom en dos matizes” (Funari 1988:51).
claturas e term inologias totalm ente eruditas, escrita E m 1804, o oficial inglês W illiam L eake reali
em linguagem popular, facilitan d o a com preensão zou um levantam ento com pleto das ruínas e sítios
das pesq u isas de cam po. E m 1764, v o lta à região gregos. Porém , o interesse central de suas incursões
d e N á p o le s e p u b lic a N a c h r ic h te n v o n d e n era o estudo geográfico grego, com finalidades m i
neu esten h e rcu la n isch e n E n td e cku n g e n , basead o litares (Levi 1996: 25).
em suas visitas às cid ad es soterradas. O C on d e de Se nos séculos anteriores, a retirada por estran
C a y lu s tra d u z iu e im p rim iu em fra n c ê s e s se geiros de objetos arqueológicos de sítios gregos e
memorial, popularizando ainda mais as pesquisas nas rom anos foi com um, agora incluía tam bém fragm en
cortes européias. tos colossais. Entre 1803 e 1812, Lorde Elgin, m inis
Em R o m a su rg iu o m ais in flu e n te e p o p u la r tro britânico na T urquia, retirou im ensa q u an tid a
liv ro do e ru d ito g e rm â n ic o , M o n u m e n ti a n tic h i de de relíquias g reg as19 do P artenon para o M useu
in e d iti (1 7 6 7 , co m 2 6 8 p r a n c h a s de c o b re e B ritânico. N a próp ria Inglaterra E lgin foi sev era
g rav u ras), b a lu a rte do n e o c la ssic ism o e p ro tó ti m ente criticado. D urante o m esm o período, outro
po da A rqueologia m oderna: “W inckelm ann trans britânico, E dw ard Clarke, transportou a gigantesca
cen d e l ’a rc h é o lo g ie n on s e u le m e n t p a r la p er- estátua de E lêusis para C am bridge. N os dois casos,
tinence de ses analy ses, m ais p ar la q u alité de son a população grega m ostrou-se severam ente co n trá
style et l ’a m b itio n d e son e s th é tiq u e ” (S c h n a p p ria às remoções dessas antigüidades (Levi 1996:210).
1982: 7 6 2 ). Outros exem plos da retirada de preciosidades arque
C o in c id in d o c o m a g r a n d e q u a n tid a d e de ológicas durante o oitocentos, foram o transporte da
p u b lic a ç õ e s d e a r q u e o lo g ia e c o m a su a s is te - cabeça de Ram sés II por Belzoni (do Egito para Lon
m a tiz aç ã o , te m o s d u ra n te a se g u n d a m e ta d e do dres) e o tesouro descoberto por Schliem ann (da Tur
s e te c e n to s a c r ia ç ã o d o s m u se u s m o d e rn o s : quia para Berlim).
M useu B ritâ n ic o (1 7 53 ), M u seu P io -C lem en tin o N o aspecto operativo, as escavações tom am -
(R o m a , 178 2 ) e M u se u N a c io n a l d a F ra n ç a se m ais coletivas, financiadas diretam ente por ó r
(1 7 9 3 ). H e rd e iro s d o s g a b in e te s d e c u r io s id a gão culturais ligados a instituições políticas. C ri
de, co m o o b je tiv o de d iv u lg a r a c iê n c ia , e s ta s am -se organizações especializadas, com o o In sti
in s titu iç õ e s a g o ra “ v o lta m -s e p a ra a g lo r if ic a tuto do E gito (1798); M useu N acional de A n tig u i
ção do E sta d o e d a H is tó ria ” (B itte n c o u rt 1997: dades de C openhage (1818); Instituto di C orrispon-
3 6). Im p o rta n te s e s p a ç o s d a c o n te m p la ç ã o f í denza A rcheologica (1829); Instituto A rqueológico
s ic a d a n a ç ã o , o n d e o s te s o u ro s , r e líq u ia s e
m o n u m e n to s a r q u e o ló g ic o s s e rã o e x p o s to s ,
a u x ilia n d o n a in te r p re ta ç ã o p a ra o p ú b lic o do
( 1 9 ) 0 inven tário consistia de escu lturas o riginais atenienses,
p a s s a d o h is tó ric o d a c iv iliz a ç ã o o c id e n ta l. A
estátu as, altos e b aix os-relevo s, capitéis, co rn ijas, frisos e
p e rc e p ç ã o e s p a c ia l d a s f r o n te ir a s n a c io n a is , colunas. D o P artenon fo ram retirados um cap itel, b a se s da
m u it a s v e z e s ta m b é m s e r á e f e t u a d a c o m c o lu n a e acanaladuras, tríglifos, m útulo s d a co rn ija e telh as
re fe re n c ia is a rq u e o ló g ic o s . de m árm ore do am bu lató rio (M em o ránd um 1811: 46).
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L A N G E R , J. A s o rigens da A rqueologia C lássica. Rev. do M u seu de Arqueologia e Etnologia, São P aulo, 9: 95-110, 1999.
de Berlim ; Sociedade de A rqueologia G rega (1835); q uadro C olonne de C leo p a tre , de G em elli Careri
E cole F rançaise D ’A rchéologie (1846). Surge outro (Voyage du to u r du m o n d e , 1729) é um exem plo.
m om ento da arqueologia, com método ainda mais or R e p re se n ta n d o o o b e lisc o d e S e só stris I, seus
denado e a estética da arte unida à expedições coleti hieróglifos são estilizados e caricaturados, semelhan
vas, investigando as diversas partes do M editerrâneo tes aos desenhos alquim istas e m edievais. A paisa
e do m undo. O s periódicos publicados pelos intitutos gem de fundo p arece ev ocar as antigas ruínas de
tom am -se comuns, atendendo aos mais diversos tipos Rom a. D a m esm a maneira, G. Z oega no O belisco de
de especialidades e temáticas da antiguidade material. P sa m é tic o II (D e o rig in e e t usu o b elisc o ru m ,
Em um a outra perspectiva, saindo dos dom ínios 1797), apresenta figuras mitológicas realizadas em um
turcos a partir de 1833, a G récia financia escavações estilo distante do egípcio. D esde a Idade M édia, os
procurando um resgate próprio, sem interferências escritos clássicos foram o grande referencial cultural
da Inglaterra ou Alem anha. M as ainda com o auxílio sobre o E gito. A té m esm o a confecção de m apas e
de especialistas estrangeiros. A ssim com o o M éxico plantas, até 1800, era realizada a partir de fontes gre
na m esm a época, os nacionalistas gregos recorrem gas (B aines & M álek 1996: 22).
às pesquisas arqueológicas para reforçar a noção de O século X V m conheceu duas importantes obras
um a consciência nacional, resgatando as antigas gló sobre antigüidades egípcias, escritas por B em ard de
rias esquecidas. D esta m aneira, o m étodo científico M ontfaucon e pelo barão de C aylus. A m bos conce
de investigar o passado tanto serve p ara legitim ar a beram um im portante espaço para a descrição dos
dom inação colonialista quanto para propagar a liber objetos e vestígios do Egito, abrindo cam inho para a
dade nacional. form ação de diversas coleções na Europa.
M as os estud o s m o dern os da eg ip to lo g ía, fo
ram co n cebid os após a ex p edição de N apoleão ao
P irâ m id es, h ieróglifos e m istério: C airo, em 1798. A s m o d ificaçõ es que se prod u zi
A E g ip to lo g ía (séc. X V II - 1822) ram no clim a intelectual da Europa, com seus resul
tados em p íricos, afetaram o p ró p rio transcurso da
Se durante o setecentos, a erudição foi dom i A rqueologia. A cam panha francesa era, ao m esm o
nada pelo m undo clássico, advindo das descobertas tem po, um p ro jeto de co n q u ista m ilitar, som ada a
de Pom péia e H erculano, durante o séc. X IX as via intentos naturalistas: levantaram -se dados geológi
gens de exploração e colonização do mundo am plia cos, astronôm icos, quím icos, botânicos, geográfi
ram as fronteiras do conhecimento arqueológico. Ru cos, arqueológicos, entre outros. Sendo a com issão
ínas, cidades perdidas, vestígios de antigas civiliza co m p osta p o r 165 erud itos, tran sp o rtan d o inúm e
ções são encontrados na Á sia, Á frica, P olinésia e ros aparelhos e instrum entos científicos. As investi
América. M as certam ente um a das regiões onde hou gações arqueológicas praticam ente excluíram esca
ve m aior interesse popular e erudito, acerca de te v a ç õ e s , c o n c e n tr a n d o - s e ep i r e p r o d u ç õ e s e
m as antigos, foi o Egito. Terra do m istério, suas ca m oldagens de estátuas, notas e desenhos de inscri
racterísticas peculiares a transformaram num dos gran ções d e sarcófagos. U m a das peças recuperadas,
des marcos do im aginário oitocentista, influenciando um bloco de basalto com inscrição em três línguas,
a cultura, a ciência e a arte m oderna. foi c h am ad a P edra de R oseta, e co nstituiu a chave
O interesse pelo país dos faraós vinha já de m ui para solucionar a deciffação dos hieróglifos. O acha
tos séculos. D urante o seiscentos, organizaram -se as do c a u so u g ra n d e im p a c to , n o tic ia d o p e lo Le
prim eiras expedições ao E gito, que levaram para a C o u rrie r de V E g yp te (1799). O s resu ltad o s das
E uropa preciosos m anuscritos em língua copta, pas pesquisas francesas no E gito foram publicados en
síveis de serem traduzidos. O prim eiro grande estu tre 1809-1822, na o b ra D e sc rip tio n de V E gypte
dioso do E gito, A thanasius K ircher (1602-1680), (10 volum es textuais e 12 de ilustrações), com d e
u tilizou-se desses docum entos. K ircher, a exem plo senhos de D om inique V ivant D enon.20
de diversos outros hum anistas e antiquários, criou
m uitas fantasias interpretativas a respeito do passado
eg íp cio , devid o ao seu fra ca sso em trad u zir os
(20) G rav ad o r e arq u eó lo g o fran c ês (G iv ry 1747 Paris
hieróglifos. N a im possibilidade de com preenderem a 1825). N om ead o d ireto r-g eral d os M useus em 1802, foi o
cu ltu ra do E gito, tam bém os exploradores criaram p rim e iro o rg an izad o r do L o u vre ( G ra n d e L a ro u s se 1998:
reproduções carregadas de referenciais europeus. O 1818).
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m ãos em posição de grande pavor. M ais um a vez, a referen cial civ ilizató rio , in dicad oras do sintom a
continuidade do caráter m isterioso da A rqueologia d a ev olu ção de um a so cied ad e no tem po.
prossegue no imaginário ocidental, característica pre
sente desde o R enascim ento até a descoberta de ruí
nas exóticas no oitocentos, cujo passado insiste em R efle x õ es fin a is
mostrar-se de m aneira oculta.
M as esse véu em parte seria desfeito, com a E m co n c lu sã o , ob serv am o s no artigo algu
genialidade de F rançois C ham pollion.21 D om inan m as etap as p o r que o m étodo arq u eoló gico p as
do um a vasta quantidade de línguas arcaicas aos sou d esd e a Id ad e M édia. A s in flu ências cu ltu
17 anos, o jov em sábio instalou-se em Paris no ano ra is d e c a d a p a ís e so c ie d a d e ,, a c re sc e n ta n d o
de 1821. T endo com o base a idéia de que os hieró n o v a s fo rm a s d e c o n c e p ç ã o do p a ssa d o . A s
glifos seriam ao m esm o tem po ideogram áticos e sim com o a in te rferê n cia de elem en to s sim bóli
fonéticos e, ainda, analisando a pedra de R oseta, co s e m ític o s no im a g in á rio , cu lm in a n d o com
as in scrições do obelisco de Philae, decifrou os c o n c e p ç õ e s n a c io n a lis ta s n o p e río d o m o d e r
nom es de alguns soberanos. C onhecendo os carac no. A A rq u e o lo g ia fo i um im p o rta n te in stru
teres básicos do alfabeto, conseguiu chegar a d o m e n to na c o n stru ç ã o id e a liz a d a d a H istó ria, e
m inar todo o idiom a. E m 1822, escreveu a fam osa até h o je é o p e ra c io n a liz a d a co m e ssas in te n
L ettre à M. D acier, revelando os segredos de sua ções: “a a rq u e o lo g ia não é um estu do p assivo
descoberta. O trabalho ganhou aos poucos o reco d as c u ltu ra s do p a s sa d o . A ssim , d ific ilm e n te
nhecim ento acadêm ico, sendo ele nom eado cu ra se rá n e u tra e au tô n o m a, p o is o p e ra d en tro de
d or das coleções egípcias do Louvre. um co ntex to só cio -cu ltu ral m ais am plo e desem
U m a das conseqüências im ediatas do sucesso p e n h a um p a p e l a tiv o n o s p ro c e s s o s de m u
de C ham pollion, além de reforçar a m oda da egip- d an ças so c ia is” (R o d rig u es 1991: 193). A brin
tom ania, foi aum entar o interesse dos grandes m u do c lareira s no ig n o to h u m an o , a A rq u eolo gia
seus pelos objetos egípcios. Todos queriam conhe ta m b ém in stitu iu re p re s e n ta ç õ e s n as so c ie d a
cer as m aravilhas do m undo faraônico. D ezenas des, q ue a in d a se fa z e m p re se n te s até nossos
de expedições turísticas e de pesquisas foram rea dias, com o a im ag em do arqu eó log o no cinem a
lizadas p or esse período, assim com o viagens de e n a lite ra tu ra . O p ró p rio p ap e l do s cien tistas
aventureiros em busca de riquezas perdidas e o au n e s te lo n g o p ro c e s s o , in ic ia d o c o m o s an ti-
m ento de falsificações. O utro im ediato efeito das q u á rio s re n a sc e n tista s, re m e te à in se rç ão des
descobertas do sábio francês, foi a im portância que tes em seu tem po. P o rtan to , os lim ites entre a
os estudos paleográficos receberam na A rqueolo ciên c ia da cu ltu ra m aterial e a represen tação do
gia oitocentista. Form aram o interesse para o estu p a s s a d o s ã o m u ito tê n u e s : r e m e te m aos
do da escrita arcaica de outras civilizações (com o m e ca n ism o s sim b ó lic o s de p o d er nas so c ied a
a dos b árb a ro s n ó rd ico s e os m e so p o tâ m ico s), des. A final, com o afirm ou L eo n ard W ooley, as
fornecendo elem entos p ara o im aginário: as in s fro nteiras en tre a A rq u eo lo g ia e a H istória não
c riç õ e s a n tig a s são u m a im p o rta n te m a rc a do são in d e fin id a s?
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L A N G ER , J. A s o rigens da A rqueologia C lássica. Rev. do M u seu d e A rq u eo lo g ia e E tnologia, S ão Paulo, 9 :9 5 -1 1 0 ,1 9 9 9 .
U N IT E R M S : H isto ry o f A rc h a e o lo g y - G ra e c o -ro m a n A rc h a e o lo g y -
E g iptology - A rchaeological m yths.
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