Estratégias Interventivas A Usuários de Álcool e Outras Drogas em Tempos de COVID-19

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41-51 – Julho/2021

Estratégias Interventivas a Usuários de Álcool e Outras Drogas em


Tempos de COVID-19
________________________________________
Karoline Giele Martins de Aguiar 1
Laylla Cabral de Sousa 2
Lívia Araújo Sousa 3
Rodrigo Santos Silva 4
Maria Vilma Amorim 5
Marco Antônio de Souza Wrzecionek 6
Francisco Edson da Conceição Silva 7

Resumo
A pandemia causada pelo COVID-19 ocasionou diversas mudanças no cotidiano das pessoas, provocando,
entre outros, o aumento no consumo de álcool e outras drogas, reforçando assim a importância do suporte para
o tratamento e recuperação de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas. Diante
dessas consequências, objetivou-se identificar as possibilidades de intervenções realizadas pelos serviços de
CAPS AD em tempos de COVID- 19, afim de auxiliar profissionais em suas práticas com as limitações
impostas pela restrição social. Trata-se de uma revisão de literatura integrativa, realizada a partir da busca de
artigos científicos nas bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Google Scholar e Scientific
Electronic Library Online (SciELO); entre 2020 e maio de 2021; com os descritores: usuários de drogas;
COVID-19; pandemia. Os resultados demonstram estudos que abordam as intervenções a partir de dispositivos
tecnológicos que ressignificaram o termo tecnologia em saúde mental ao usar os instrumentos de comunicação
como ferramentas de serviços de cuidado terapêutico. A interação a partir dos dispositivos tecnológicos
contribuíram para o fortalecimento dos vínculos, das relações sociais e das possibilidades de tratamento,
porém, necessitam de evidências cientificas em relação aos resultados.

Palavras chaves: Usuários de Drogas; COVID-19; Saúde Mental; Intervenções.

Abstract
The COVID-19 pandemic caused several changes in people's daily lives, among them causing an increase in
the consumption of alcohol and other drugs, thus reinforcing the importance of support for the treatment and
recovery of people with problems related to the use of alcohol and other drugs. Given these consequences, the
objective was to carry out a survey of the scientific literature, in order to identify the interventions proposed
in the CAPS AD mental health devices, through social restriction, taking into account the pandemic by
COVID-19. An integrative literature review was used in the BVS, Google Academic and Scielo databases and
with the descriptors: drug users; COVID-19; pandemic, between the years 2020 to may 2021. The results show
a small sample of interventions in CAPS AD. The studies approach interventions based on technological
devices, which have redefined the term technology in mental health by making them not only a communication
tool, but also a therapeutic care service tool. The interaction from technological devices contributed to the
strengthening of bonds, of social relations and possibility of treatment, however needing scientific evidence in
relation to the results.
Keywords: Drug users; COVID-19; Mental health; Interventions.

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Doutoranda e Mestra em Psicologia Clínica (UNISINOS). Especialista em Avaliação Psicológica, Psicologia do Trânsito e Saúde
Mental e Atenção Psicossocial. Psicóloga no Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas (CAPS-AD III) e Docente do curso
de Psicologia Universidade Ceuma (UNICEUMA), Imperatriz- Maranhão. E-mail: [email protected]
2
Graduanda em Psicologia na Universidade Ceuma (UNICEUMA), Imperatriz - Maranhão. E-mail: [email protected]
3
Graduanda em Psicologia na Universidade Ceuma (UNICEUMA), Imperatriz - Maranhão. E-mail: [email protected]
4
Graduando em Psicologia na Universidade Ceuma (UNICEUMA), Imperatriz - Maranhão. E-mail: [email protected]
5
Graduanda em Psicologia na Universidade Ceuma (UNICEUMA), Imperatriz - Maranhão. E-mail: [email protected]
6
Graduando em Psicologia na Universidade Ceuma (UNICEUMA), Imperatriz - Maranhão. E-mail: [email protected]
7
Graduando em Psicologia na Universidade Ceuma (UNICEUMA), Imperatriz - Maranhão. E-mail: [email protected]

A Reforma Psiquiátrica no Brasil foi drogas (CAPS AD), também se apresenta


gerada a partir do Movimento Sanitário na como um importante dispositivo ao ofertar
década de 70, que preconizou e lutou contra as tratamento ininterrupto para pessoas com
violências ocorridas dentro dos manicômios, sofrimento psíquico, ocasionado pelo uso
os quais eram institucionalizados, problemático de drogas (Duarte et al., 2021).
desumanizados, e conhecidos popularmente Considerando a definição de drogas
como espaço reservado aos “loucos”; este como qualquer substância não natural que
movimento, em conjunto com a Constituição cause alterações no organismo de ordem
de 1988 e criação do SUS, fomentaram, no física, emocional, comportamental e
decorrer das décadas, mecanismos capazes de psicológica (OMS, 2004), nota-se que
propor concepções e intervenções historicamente, o uso de algumas substâncias
diferenciadas e humanizadas de tratamento, a não são bem vistas pela sociedade, enquanto
partir da concepção de suporte psicossocial outras são (Faria et al., 2020). Drogas ilícitas
(Brasil, 2005). Na ocasião, a III Conferência como maconha, cocaína e craque, geralmente
Nacional de Saúde Mental em 2001, assumem o caráter de consumo por pessoas
apresentou discussões e debates sobre os criminosas, enquanto drogas lícitas como o
serviços de atenção e cuidado aos usuários de álcool e o cigarro, são consideradas
álcool e outras drogas (Duarte, Barros, & substâncias de uso recreativo e um meio de
Cabral, 2021). socialização na cultura brasileira (Costa,
Na mesma época consolidou-se a 2020; Ronzani, 2014).
lei no 10.216, de 6 de abril de 2001, que Em situações estressoras é comum que
reestabeleceu a conduta dos serviços de saúde algumas pessoas compensem o mal-estar com
no cuidado de pessoas com transtornos recursos que estimulem o prazer, como a
mentais, seguindo a ampliação de cuidados comida, bebida ou drogas, sendo estas as mais
preconizados na Portaria n.º 3.088, de 23 de utilizadas entre recursos de compensação
dezembro, do Ministério da Saúde, que versa (Queiroz, 2020). De acordo com Tiburtino
sobre a implantação da Rede de Atenção (2020), a nova realidade motivada pelo
Psicossocial (RAPS), reorganizando a COVID-19, tem causado estresse, e isso vem
assistência e instrumentação a âmbito público acarretando um consumo de álcool como
com o propósito de promover e estabelecer válvula de escape para lidar com tais
atendimento comunitário voltado para situações.
ressocialização de pessoas com transtornos Um estudo internacional aponta o
mentais, entre esses os usuários de álcool e acréscimo no consumo de álcool e outras
outras drogas (Faria, Ferigado, & Lussi, drogas neste período, com aumentos
2020). Além deste, o Centro de Atenção alarmantes para o Brasil, sendo estes: 17.2%
Psicossocial na modalidade álcool e outras de maconha, 7.4% de cocaína e 12.7% de

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benzodiazepínicos como diazepam, cuidados em saúde mental, sendo


clonazepam e alprazolam (Davies et al., preconizados a partir das medidas de
2021). segurança sanitária. Dessa forma, objetivou-
Desse modo, a atenção em saúde se identificar as possibilidades de
mental apresenta grandes desafios diante do intervenções realizadas pelos serviços de
enfrentamento do COVID-19, sendo o CAPS AD em tempos de COVID-19, afim de
cuidado direcionado, preferencialmente, às auxiliar profissionais em suas práticas com as
questões que envolvem o desenvolvimento da limitações impostas pela restrição social.
estabilização e/ou da recuperação de pessoais
Método
com transtornos mentais (Pavani et al., 2021).
O estudo de Benzano et al. (2021) apontou o Trata-se de uma revisão de literatura
consumo de álcool e outras drogas como fator integrativa, realizada a partir da busca de
de risco para o agravamento e artigos científicos nas bases de
comprometimento do prognóstico de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS),
infectados por COVID-19, portanto, além Google Scholar e Scientific Electronic Library
desse grupo ter maior risco de infecção, são Online (SciELO). Optou-se pelas bases, por
mais suscetíveis a desenvolver formas mais estarem entre as principais indexadoras de
graves da doença. Com isso, fica clara a artigos científicos nacionais.
necessidade de medidas para redução das A pesquisa foi realizada no mês de maio de
implicações psicológicas, físicas e sociais 2021, utilizando os Descritores de Ciências da
resultantes do contágio. Saúde – DeSC: usuários de drogas; COVID-
O aumento do consumo de drogas 19; pandemia. Os critérios de inclusão e
gerado pelo isolamento social (McKnight- exclusão do estudo segue descritos na tabela
Eily et al., 2021) provoca uma maior oferta de 1.

Tabela 1 - Critérios de seleção dos estudos


Inclusão Exclusão

Publicados entre os anos de 2020 a maio de 2021; Publicações anteriores ao ano de


2020;
Estudos empíricos
Artigos com inconsistência
Relatos de experiência científica;

Escritos no idioma português; Artigos que não abordam e


contenham nenhuma das categorias
Disponíveis na íntegra; de análise pesquisadas;

Temática sobre as intervenções propostas a


usuários de álcool e outras drogas nos CAPS
diante do isolamento social ocasionado pela
pandemia;

Procedimentos de coleta e análise de dados


Os procedimentos utilizados e a análise dos dados seguem o fluxograma abaixo:

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3-Verificação na
1-Seleção das bases de 2-Escolha dos plataforma,
dados descritores para busca Descritores em
Ciência da Saúde

4-Pesquisa dos 6- Análise dos estudos,


5- Exclusão e inclusão
materiais nas bases de de acordo com as
dos estudos
dados categorias de análise

Os dados extraídos dos materiais principais recursos utilizados pelas equipes?


foram: ano de publicação; nome dos autores; Quais são as estratégias mais utilizadas? Há
título dos artigos; objetivo de cada pesquisa; prevalência das estratégias utilizadas?
estar escrito no idioma português; análise dos
Resultados e Discussões
trabalhos; categoria de análise. A pesquisa
realizada é classificada como qualitativa e O levantamento dos artigos a partir de
promove análises das informações conforme descritores localizou 18 artigos na base de
as seguintes categorias: 1. Estratégias de dados Google Acadêmico Scholar, 01 artigo
Intervenção; 2. Principais recursos utilizados na base SciELO, e 01 artigos na base da BVS.
pelas equipes. 3. As estratégias mais Após a aplicação dos critérios de inclusão e
utilizadas; 4. Prevalência das estratégias exclusão foram descartados 14, resultando em
utilizadas. 4 artigos relacionados ao tema para a análise
A análise foi feita a partir das seguintes final, considerando o objetivo da pesquisa. A
perguntas: Quais são as estratégias de tabela 2 contém o delineamento dos artigos
intervenção a usuários de álcool e outras (ano de publicação, autores, título, objetivo e
drogas em meio ao COVID-19? Quais são os principais resultados).

Tabela 2. Dados dos estudos analisados: ano de publicação, autores, título, objetivo e principais
resultados.
ANO AUTORES TÍTULO OBJETIVO RESULTADOS
2020 Formigari; Grupo Relatar as Apontou-se a utilização de
Wessling terapêutico AD alternativas do um grupo de WhatsApp
[Álcool e outras desenvolvimento (criação prévia) para se
Drogas] no de grupo realizarem transmissões de
CAPS durante o terapêutico em videochamadas com os
período CAPS AD, pacientes do CAPS, tendo-se
pandêmico. seguindo as em vista como recurso
normativas de substitutivo ao atendimento
restrições sociais. presencial. No entanto,
evidenciou-se as

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dificuldades de adequação
desses participantes às
videochamadas, usufruindo
do aplicativo somente para o
acompanhamento e suporte a
esses pacientes em
substituição às chamadas de
vídeo.

2020 Barbosa et al. Processo de Relatar a Os profissionais que ficaram


trabalho e reorganização dentro do CAPS realizaram
cuidado em dos processos de acompanhamentos via
saúde mental no trabalho do telefone, bem como
Centro de CAPS AD, diante atendimentos presenciais,
Atenção as restrições solucionando necessidades
Psicossocial da sociais. de atenção à crise e
UERJ na ofertando suporte aos
pandemia de profissionais que acolhiam
COVID-19 usuários na triagem.
2020 Cruz et al. Apoio Relatar a Descreve-se a criação de um
psicossocial em experiência de grupo de WhatsApp para
tempos de profissionais e usuários de um Centro de
COVID-19: usuários de Atenção Psicossocial
experiências de serviços da Rede (CAPS), com impactos na
novas estratégias de Atenção proximidade das interações
de gestão e ajuda Psicossocial entre eles, e entre eles e a
mútua no sul da (RAPS), em equipe e a comunidade.
Bahia, Brasil tempos de Além de descrever os
pandemia. movimentos de uma gestora
da RAPS para articular
usuários do CAPS e a
Atenção Primária à Saúde,
para apoio emocional e
respostas às demandas em
momentos de pandemia e
isolamento.
2020 Souza et al. Pandemia Relatar a Estratégias foram adotadas
instalada: a experiência de para que fosse
reinvenção do enfermeiros possível desenvolver o
cotidiano dos atuantes em cuidado onde parecia
dispositivos de CAPS AD III. ser impossível. Neste
atenção momento de
psicossocial. interrupções, de suspensões,
de isolamento,
têm sido preciso lançar mão
de recursos

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materiais, como celular,


WhatsApp, telefone,
reuniões on-line.
Fonte: Elaborada pelos autores.
recursos utilizados pelas equipes foram
A pandemia de COVID-19 que atinge atendimentos diários ou semanais aos usuários
todo o mundo suscitou a reorganização e via telefone e via WhatsApp. O estudo aponta
novas propostas de cuidado em saúde mental, as limitações encontradas no uso dos recursos
modelando a continuidade do cuidado às tecnológicos para as intervenções de saúde
pessoas em sofrimento psíquico, devido à mental com as pessoas em situação de rua,
contenção da aglomeração e circulação de pois muitos não possuem acesso às
pessoas, o que restringiu os encontros tecnologias digitais. Os autores ainda
presenciais sem, contudo, romper vínculos e a ressaltam o estreitamento do vínculo entre os
efetivação do cuidado (Barbosa et al. 2020; familiares dos usuários atendidos e o CAPS,
Cruz et al., 2020; Formigari & Wessling, visto que muitas vezes o número de telefone
2020; Souza et al., 2020). Dessa forma, a cadastrado é dos pais, cônjuge ou filho. Desse
proposta da dimensão do cuidado presencial modo, há a possibilidade desses familiares
foi redimensionada, não se consolidando dialogarem com o serviço de saúde de modo a
apenas aos encontros presenciais, mas sim, na relatar os eventos e as rotinas dos usuários em
esfera relacional, mediada pelas novas casa, possibilitando ainda o esclarecimento de
tecnologias (Caetano et al., 2020; Wen, 2008). dúvidas em relação ao tratamento. Aos
Os estudos evidenciam a usuários com estabilidade no quadro clínico
predominância de tecnologias que a priori de abstinência foi disponibilizado o
eram utilizados como recurso pessoal pelos atendimento online, enquanto os usuários em
profissionais, eventualmente como situação de crise eram atendidos
instrumento de trabalho, e que se tornaram presencialmente. Diante de situações de crise
ferramenta essencial diante das restrições psiquiátrica foram organizados fluxos de
geradas pelo COVID-19. Nesse contexto, as atendimentos, sendo ainda a condução
tecnologias digitais se tornaram os principais presencial a forma de controle da situação de
meios utilizados para comunicação e crise (Melo et al., 2020). Para a realização dos
intervenção, como o aplicativo WhatsApp, atendimentos presenciais foram estabelecidos
que permite troca de mensagens instantâneas, protocolos de segurança para assegurar o risco
videochamadas e contato telefônico (Barbosa de contagio dos usuários e profissionais da
et al. 2020; Cruz et al., 2020; Formigari & saúde (Melo et al., 2020; Souza et al.,2020).
Wessling, 2020; Souza et al., 2020). As O relato apresentado por Cruz et al.,
intervenções no cuidado a saúde a partir de (2020) trata de uma experiência entre os
recursos tecnológicos tornaram-se usuários e a equipe de serviços da Rede de
ferramentas de aproximação entre os Atenção Psicossocial (RAPS) no município de
profissionais e a população, sendo utilizadas Ilhéus, e uma gestora da RAPS que articulou
em diversas áreas de promoção e prevenção à a Rede de Atenção Psicossocial com a
saúde (Carvalho & Teixeira, 2020; Junior, Atenção Primária à Saúde (APS) e o Sistema
Queiroz, & Caldas, 2020; Stringhini, Sousa, Único de Assistência Social (SUAS) no
Reis, Brito, & Souza, 2020). município de Itabuna; ambas cidades
O estudo de Souza et al. (2020) relata a localizadas no estado da Bahia. Na cidade de
experiência de enfermeiros que atuavam em Ilhéus-RJ, as consultas médicas
duas unidades CAPS AD, na cidade de São permaneceram em modo presencial, já os
Paulo e do Rio de Janeiro. Nessas unidades, os atendimentos da equipe multiprofissional

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eram realizados online, via WhatsApp. disponíveis, porém, o psicólogo deve estar
Ademais, ressalta-se o grupo criado na atento para normalizações que possibilitam
plataforma digital como promotor do esse tipo de atendimento. O estudo de
fortalecimento das relações sociais e de apoio, Siegmund & Lisboa (2015) aponta a
reduzindo sentimentos de solidão, e motivação pessoal para o processo de
aumentando o senso de pertencimento dos atendimento online como fator potencial na
sujeitos a uma comunidade. configuração da vinculação e do
Inicialmente, o WhatsApp era utilizado envolvimento dos usuários durante o
como ferramenta de interação por meio de atendimento online. Em complemento, as
chamada de vídeo, contudo, devido às dificuldades de adesão mencionadas por
dificuldades enfrentadas para a adesão dos Faria, Ferigato, & Lussi (2020), podem refletir
pacientes, passou-se a usar o grupo criado na qualidade dos resultados esperados.
somente para envio de mensagens de texto e Na pesquisa de Formigari e Wessling
áudios dos seus integrantes, permitindo a (2020) a estratégia de intervenção grupal foi
participação dos usuários (Cruz et al., 2020). realizada por meio do aplicativo WhatsApp.
A literatura aponta as dificuldades de adesão Inicialmente, a proposta era a de transmissões
ao tratamento de usuários de drogas, sendo os via chamada de vídeo, contudo, verificaram-
usuários de crack os que possuem maior se dificuldades no uso das novas tecnologias
dificuldade de adesão, e os de álcool a melhor para efetuar a chamada, como a ausência de
adesão ao processo de tratamento em CAPS celular ou computador, relutância em
AD (Faria, Ferigato, & Lussi, 2020). participar de grupos em disposição não
Ainda, houve a articulação com a APS presencial, e prejuízos na privacidade dos
para que os médicos das unidades de atenção pacientes considerando o compartilhamento
básica renovassem as receitas médicas de de espaços com os familiares, em
pacientes com transtornos mentais, determinados contextos os membros
viabilizando a não interrupção desconheciam o padrão de uso atual de drogas.
medicamentosa. Essa articulação permitiu que Dessa forma, passou-se a utilizar esse grupo
os usuários da rede de saúde mental apenas para o compartilhamento
adentrassem outros territórios, ajudando na de mensagens de texto e/ou áudios,
sua emancipação enquanto sujeitos sociais e, possibilitando-os de
também, contribuindo para a inserção social participarem conforme apresentassem tempo
dessas pessoas (Cruz et al., 2020). Observa-se e/ou interesse.
nessa dinâmica o desenvolvimento de práticas Considerando que essa ferramenta
comunitárias, que foram realizadas por pode ser usufruída para o acompanhamento
profissionais dos dispositivos de saúde mental da rotina de seus integrantes e fornecimento
no território, objetivando a aproximação entre de suporte perante as necessidades, e diante
os serviços de saúde mental e usuários de da não viabilidade de realização presencial do
drogas no território (Aguiar, Sousa, Silva, grupo terapêutico Álcool e outras Drogas
Santos, & Margalho, 2020). (AD) no CAPS devido à pandemia, foi feita a
Desde a resolução n.º 012/2005, do substituição desse grupo da modalidade
Conselho Federal de Psicologia, que presencial para a modalidade online, através
regulamenta o atendimento psicoterapêutico e do uso de um grupo de WhatsApp (com
outros serviços psicológicos mediados por criação prévia), com o objetivo de se
computador e revoga a Resolução CFP n.º realizarem vídeo chamadas pré-definidas. No
003/2000 (CFP, 2005), psicólogos tem entanto, não houve adesão dos pacientes nas
aproximado as possibilidades de intervenções transmissões de vídeo, então o grupo de
psicológicas a partir das tecnologias WhatsApp somente foi utilizado para a

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comunicação através de mensagens de texto cuido em saúde mental, sendo o usuário


e/ou áudios compartilhados. A prática de protagonista do seu cuidado, fortalecendo as
desenvolvimento com grupos de suporte de relações na produção de cuidado em saúde
forma remota não é novidade para outras áreas mental.
de cuidado em saúde, sendo já utilizado com Desse modo, os resultados indicaram a
pacientes cardiovasculares (Medina, Filho, & importância do uso dos recursos tecnológicos,
Mesquita, 2013)
como o WhatsApp, na atenção e suporte
O estudo apresentado por Barbosa et
complementar aos pacientes, mesmo após o
al., (2020) relata que a equipe do CAPS
apostou, de forma inventiva e responsável, em período pandêmico, tanto na atenção
um acompanhamento intensivo, por meio especializada, como também na atenção
telefônico, garantindo assim a continuidade da primária. Verifica-se, ainda, que os usuários
prestação de cuidados àqueles que deixaram aderiram a essa forma de tratamento, através
de ir presencialmente ao CAPS, mas que ainda das plataformas digitais, porém houve
demandam cuidados e provocam o resistência na adesão as videochamadas, no
pensamento e a discussão caso a caso. grupo de WhatsApp.
Pondera-se que estas intervenções não têm a Dessa forma, o fator positivo foi a
intenção de substituir o espaço físico do interação que contribuiu no fortalecimento
CAPS, mas garantir a presença do serviço por dos vínculos sociais dos usuários, nas relações
meio de instrumentos pouco convencionais na entre equipes e familiares e o estreitamento
produção de cuidados em saúde mental. Os
entre a atenção especializada e primária. Com
contatos sustentaram o vínculo e, diante da
identificação de alguma gravidade, seja o isso, diante do contexto ocasionado pelo
agravamento das questões psíquicas, sejam COVID-19 as tecnologias tornaram-se
questões clínicas associadas ou não a sintomas ferramentas de trabalho na atenção à
do COVID-19, acionou-se a equipe do dia do saúde. Sugere-se a observação da
CAPS para pensar e articular o cuidado resolutividade de forma empírica das eficácias
presencial no dispositivo ou com a rede dos atendimentos remotos na estabilização do
territorial. quadro clínico e/ou manutenção da
Neste sentido, os estudos demonstram abstinência.
que as intervenções dos dispositivos de saúde
mental ressignificaram o termo tecnologia ao
ir além do simples aparelho para a tecnologia Referências
de cuidado relacional, dado que o contato
telefônico via internet e/ou via aplicativos, Aguiar, K. G. M., Sousa, L. A., Silva, R. S.,
como o WhatsApp, passaram a marcar a força Santos, J. J., & Margalho, M. D. N. L.
do vínculo, do papel protagonista do usuário (2020). Psicologia comunitária: relato de
no seu cuidado e do poder que as relações têm experiência de intervenção com usuários
para a produção de cuidado em saúde mental. de álcool na atenção primária à
Considerações Finais saúde. Revista Eletrônica Acervo Saúde,
(55), e3735-e3735.
A ressignificação do termo tecnologia https://doi.org/10.25248/reas.e3735.2020
esteve presente em todos os estudos, indo
além do simples instrumento tecnológico de Barbosa, A. D. S., Nascimento, C. V., Dias, L.
comunicação, visto que o contato efetuado B., do Espírito Santo, T. B., da CS
através das novas tecnologias marcou a força Chaves, R., & Fernandes, T. C. (2020).
do vínculo, e as possibilidades de continuar o Processo de trabalho e cuidado em saúde

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mental no Centro de Atenção Psicossocial psicoterapêutico e outros serviços


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