Cozinhas Comunitárias Enquanto Estratégia Política de Segurança Alimentar, Nutricional e Combate À Fome

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Seminários, Simpósios e Mesas Redondas | Resumo expandido

Anais do 3o. Seminário Internacional de Economia Política da Saúde

Cozinhas comunitárias enquanto estratégia


política de segurança alimentar, nutricional e
combate à fome: uma revisão da literatura
Renan ANTÔNIO: Universidade de São Paulo – USP, Faculdade de Saúde Pública – FSP. São Paulo,
SP, Brasil. ORCID: 0000-0001-9419-2741

Lúcia Dias da Silva GUERRA: Universidade de São Paulo – USP, Faculdade de Saúde Pública – FSP.
São Paulo, SP, Brasil. ORCID: 0000-0003-0093-2687

Resumo
Um marco internacional no combate à doença da fome, na promoção da saúde e no direito
humano à alimentação adequada, foi a saída do Brasil, em setembro de 2014, do Mapa da
Fome elaborado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura –
ONU/FAO. Segundo levantamento da FAO, o país reduziu em 82% a população de
brasileiros em estado de subalimentação entre os anos de 2002 e 2013 e, naquele ano,
menos de 5% da população brasileira estava em situação de insegurança alimentar grave,
resultado este creditado, principalmente, ao Programa Fome Zero. Hoje, dados do projeto
VigiSAN (Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da
Covid-19 no Brasil), cerca de 9% da população brasileira passa fome, e outros 46% se
encontram em insegurança alimentar moderada e leve. Esta situação alimentar afeta, ao
todo, mais de 116 milhões de brasileiros, um fenômeno social total, como afirmou Josué
de Castro: para além das questões nutricionais, [a fome] envolve a política, a história, a
economia, o social. A experiência do Programa Fome Zero apontou a necessidade de que
aspectos do abastecimento, da alimentação, da saúde, da educação e da nutrição devem
trabalhar juntos enquanto estratégia de combate à insegurança alimentar e à fome. Muitas
das políticas e diretrizes vinculadas ao programa foram descontinuadas ao longo dos
últimos seis anos, entre elas as políticas de cozinhas comunitárias. Essas cozinhas
representam uma estratégia de política em saúde, de soberania alimentar e de combate à
Recebido: 04 maio 2022
Aceito: 21 maio 2022
fome a partir da construção coletiva e participação da comunidade, visando garantir
benefícios nutricionais e sociais, tais como melhora da coesão social, promoção à saúde e
Autor de correspondência: empoderamento. Desse modo, o presente estudo visa investigar tais modelos de
Renan Antônio intervenção, tão distintos na literatura internacional, com enfoque nas iniciativas de
[email protected] organização popular. Analisar na literatura científica iniciativas de organização popular na
implantação de cozinhas comunitárias enquanto política de saúde, segurança alimentar e
nutricional (SAN) e combate à fome. Como objetivos específicos, este estudo visa: a)
distinguir as iniciativas comunitárias das políticas públicas de SAN; b) debater sobre a
Conflito de interesses:
Os autores declaram não haver implementação e ampliação de cozinhas comunitárias enquanto política pública; c) levantar
nenhum interesse profissional ou e comparar os modelos de cozinhas comunitárias encontrados na literatura internacional.
pessoal que possa gerar conflito Este estudo é uma revisão integrativa sistematizada da literatura, incluindo buscas em seis
de interesses em relação a este bases de dados sem limite de data, em língua inglesa e espanhola, sobre o tema cozinhas
manuscrito. comunitárias. As bases de dados utilizadas para busca bibliográfica foram: Web of Science;
CiNAHL; Embase; Scopus; PubMed; e BVS. A partir da pergunta de pesquisa “O que a
literatura científica apresenta sobre cozinhas comunitárias enquanto política pública de
saúde, segurança alimentar e nutricional e combate à fome?”, foram escolhidas categorias
de análise, destas foram derivados descritores devidamente catalogados em língua
portuguesa, partindo dos polos: objeto (cozinhas comunitárias) e fenômeno (política

1 https://doi.org/10.14295/jmphc.v14.1264 J Manag Prim Health Care, 2022;14(spec):e036


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pública de saúde, SAN e fome). Neste estudo optou-se por não incluir o polo contexto
devido à limitação e restrição dos resultados encontrados em buscas preliminares. Para a
construção da sintaxe, após testes preliminares englobando os descritores previamente
selecionados, observou-se a necessidade de inclusão de termos-livres no objeto que
delimitavam a busca, aumentado a especificidade relacionada à categoria “Cozinhas-
Comunitárias”. Dessa forma, encontramos palavras que, na literatura, se relacionavam ao
objeto. A sintaxe final em inglês foi: (“Community kitchen” OR “Community kitchens” OR
“collective kitchen” OR “collective kitchens” OR “communal kitchen” OR “popular cuisine”
OR “solidary kitchen” OR “solidary kitchens”) AND (“Food insecurity” OR “Food security” OR
“food aid” OR hunger OR “collective feeding” OR “health policy” OR “public health practice”
OR “public policy” OR “nutrition policy” OR “community health services” OR “food and
nutrition unit” OR “food services” OR “nutrition programs and policies” OR “community
organisation” OR “community participation” OR “community networks” OR “public health”
OR “social health” OR Community OR social). Com a finalização da sintaxe e dos critérios
de inclusão e exclusão, procedeu-se a busca nas bases de dados em fevereiro de 2022 e
elaboração do fluxograma PRISMA. Nesta etapa, foram utilizados os softwares gratuitos
Zotero, Rayyan e Lucid-Chart. Na primeira etapa do fluxograma, foram identificados 1.408
títulos, destes foram excluídos as duplicatas e os títulos que não correspondiam a artigos,
restando 1.202 artigos que foram exportados para o processo de síntese e análise no
Rayyan. O próximo passo foi a seleção dos estudos, pela leitura de títulos e resumos,
classificando-os em Include, Maybe e Exclude. Nesta etapa, com dupla checagem, foram
excluídos 1.168 artigos, restando 34 artigos para revisão integrativa. A análise dos artigos
constatou a existência de modelos de cozinhas comunitárias em, ao menos, quinze países:
Argentina, Australia, Bolívia, Brasil, Canada, China, Colômbia, Espanha, EUA, Índia,
Inglaterra, Líbano, México, Nicarágua e Peru. Os estudos sobre cozinhas diferem quanto ao
design, características populacionais, tipo de intervenção, metodologia de coleta de dados
e análise de impactos. Dentre estes, são abordados os seguintes temas: impactos
econômicos, sociais, nutricionais, culturais e educacionais; saúde mental; redes de apoio
social; empoderamento feminino e de comunidades; desenvolvimento e desnutrição
infantil; coesão social; combate à violência e à fome; habilidades culinárias; promoção à
saúde; entre outros. A análise preliminar sugere que não há consenso na literatura acerca
do conceito, da nomenclatura e das definições sobre cozinhas comunitárias. Os estudos
encontrados incorporam nomes, tais como “soup kitchens”, “community kitchens”, “healthy
kitchens”, “collective kitchens” e “communal kitchen”, para designar intervenções que
guardam muitas semelhanças entre si. De modo geral, é possível perceber um
denominador comum no que tange à participação da comunidade e ao impacto social. Tais
características ajudam a distinguir as cozinhas comunitárias de outros programas de SAN
e combate à fome, como bancos de alimentos, programas de distribuição direta de renda,
os cupons e tickets alimentação e os programas de alimentação escolar. Espera-se que esta
revisão possa contribuir para elucidar a importância deste objeto de pesquisa, a relevância
que as cozinhas comunitárias apresentam enquanto política social, e o seu papel para a
garantia da SAN e combate à fome, contribuindo para efetivação do direito humano à
alimentação adequada.
Descritores: Fome; Segurança Alimentar; Participação da Comunidade; Programas e
Políticas de Nutrição e Alimentação; Política de Saúde.

Palabras-claves: Hambre; Seguridad Alimentaria; Participación de la Comunidad; Programas y


Políticas de Nutrición y Alimentación; Política de Salud.
Keywords: Hunger; Food Security; Community Participation; Nutrition Programs and Policies; Health
Policy.

2 https://doi.org/10.1242/jmphc.v14.1264 J Manag Prim Health Care, 2022;14(spec):e036

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