Desenvolvimento Economico Social No Brasil - Guimaraes (2016)

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http://dx.doi.org/10.15448/1984-7289.2016.2.

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Dossiê: Desigualdades, estratificação e justiça social

Desenvolvimento econômico-social e
instituições no Brasil
Economic development and institutions in Brazil
Sônia Karam Guimarães*

Resumo: O artigo discute argumentos que embasam a ideia da “boa sociedade”, a


partir dos conceitos de “ordem de acesso limitado” e de “ordem de acesso aberto”
formulados por Douglass North. Argumenta-se que os impasses políticos, econômicos
e sociais vividos pela sociedade brasileira se originam, em grande parte, de uma lógica
institucional perversa, que necessita ser transformada. O debate é fundamentado pelo
exame de duas políticas industriais em vigência na última década – a que sustenta a
importância dos bancos de desenvolvimento e a denominada “política do século 21”,
baseada em incentivos ao desenvolvimento da educação, ciência, tecnologia e inovação.
Conclui-se que a arquitetura institucional no Brasil, padece de graves distorções
institucionais que impactam negativamente a construção de uma ordem de acesso aberto,
assim como, a consolidação de um desenvolvimento econômico-social sustentável.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável. Instituições. Brasil.

Abstract: The article aims at discussing the idea of “good society”, based on Douglass
North’s concepts of “limited access order” and “open access order”. It is argued that
the political, economic and social difficulties experienced by the Brazilian society
result, in great part, from a dysfunctional institutional matrix. The debate is based on
the examining of two industrial policies: a) the credit policy carried on by the Brazilian
Development Bank (BNDES), in effect since 2008, and b) the so-called “industrial
policy of the 21th century”, based on incentives for the development of education,
science, technology and innovation. We conclude that the Brazilian institutional
architecture suffers from serious institutional distortions that impact negatively the
transition for an “open access order”, as well as, the consolidation of a sustainable
social economic development.
Keywords: Sustainable development. Institutions. Brazil.

* Doutora em Sociologia pela London School of Economics and Political Science da Universidade
de Londres (LSE, Londres, Grã-Bretanha), professora convidada do PPG em Sociologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre, RS, Brasil, pesquisadora 1B do
CNPq; fez estágio pós-doutoral na Sloan School of Management, MIT, em Cambridge (MA),
Estados Unidos <[email protected]>. A autora agradece aos bolsistas Thiago Oliveira (AT/CNPq)
e Thiago E. Madeira (IC/CNPq) pelo auxílio na coleta de dados. Agradece também aos dois
pareceristas anônimos que contribuíram com sugestões relevantes para a versão final do artigo.

Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 259-284, abr.-jun. 2016


Exceto onde especificado diferentemente, a matéria publicada neste periódico é
licenciada sob forma de uma licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
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260 Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 259-284, abr.-jun. 2016

Introdução

O tema sobre redução da pobreza e da desigualdade social tem sido


objeto nos debates atuais, mesmo nos países de altas rendas (Stiglitz, 2012;
Piketty, 2014; Acemoglu e Robinson, 2016; Hausmann e Rodrik, 2003). O
argumento baseia-se não apenas em princípios de ordem moral, mas também,
pelo pressuposto de que o aumento da desigualdade social tende a afetar a
legitimidade dos valores democráticos. A proposta baseada na redistribuição
da riqueza por meio de severa política de tributação tem sido uma das soluções
políticas de maior apelo.
Há divergências sobre esse tipo de solução. A política tributária não seria
uma forma eficiente para a redução das desigualdades, em razão, entre outros
argumentos, porque ignora recursos como os de mobilidade que a globalização
oferece (Maciel, 2015; Guimarães, 2015). A simples redistribuição de renda
é também considerado mecanismo insatisfatório para reduzir a desigualdade
social, de forma sustentável.
A efetiva redução da desigualdade dependeria de transformações
institucionais e organizacionais que favorecessem a criação de riqueza e
garantissem o desenvolvimento econômico-social sustentável e inclusivo.
Esta perspectiva parece mais consistente para o caso brasileiro, em que o
crescimento econômico tem ocorrido em ciclos que se esgotam – ou seja,
o país vive “a armadilha do lento crescimento” (Bonelli, 2014, p. 7). A via
do desenvolvimento sustentável opõe-se à alternativa ilusória da simples
distribuição e/ou de políticas baseadas em aumento de crédito e de consumo,
sem que estejam amparadas em efetivo crescimento econômico, o que depende
de “...crescimento representativo da produtividade do trabalho ao longo dos
próximos ano.” (De Negri et al., 2014, p. 19).
É preciso considerar que a concepção de desenvolvimento econômico,
hoje, é distinta da concepção que vigorou no século 20, em que o estado
era concebido como agente central para a condução do processo que
requeria acumulação de capital, criação de infraestrutura e industriali-
zação.
A formulação atual do conceito de desenvolvimento prioriza as noções
de estabilidade/permanência, liberdade e sustentabilidade econômica, política
e social. Na expressão de North et al. (2007), mais do que crescimento
econômico, desenvolvimento supõe a transição de uma ordem de acesso
fechado – dominada por uma elite que se beneficia de privilégios políticos,
econômicos e sociais – a uma ordem de acesso aberto – em que o acesso aos
bens sociais se faz por meio de instrumentos de competição (econômica e
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 261

política), regido pelo império da lei, regulado por mecanismos institucionais


e organizacionais democráticos.
Uma das características do novo paradigma de desenvolvimento é que
conhecimento tornou-se insumo mais relevante para o crescimento econômico
de longo prazo do que a existência de matérias primas. Crescimento econômico
baseia-se, hoje, em setores intensivos em conhecimento e/ou de alta tecnologia
que operam em sistemas de inovação.1 A moderna economia pressupõe
que a consolidação do desenvolvimento econômico depende de a) matriz
institucional baseada em instituições dinâmicas, competitivas e independentes;
e b) uma nova economia, baseada em produtividade elevada, conhecimento
e inovação.
Neste artigo, argumenta-se que a redução da pobreza e da desigualdade
social, visando ao desenvolvimento de uma ordem social de acesso aberto,
supõe a criação de riqueza. Para desenvolver a discussão, o artigo divide-se
em duas partes principais, além dessa Introdução: na primeira, – Instituições
e desenvolvimento econômico-social sustentável – apresentam-se aspectos
das teses centrais da perspectiva institucionalista do desenvolvimento, na
concepção de Douglass North. A segunda parte – Ordem de acesso aberto
no Brasil. Sinal fechado? – aborda o papel de políticas públicas para o
desenvolvimento, considerando-se a) o desempenho do BNDES, banco
público de desenvolvimento, e b) as políticas públicas de educação, ciência,
tecnologia e inovação. Os dados apresentados pretendem subsidiar a tese de
que os impasses que mantém o país preso à ordem de acesso fechado devem-
se, em grande parte, ao caráter disfuncional de suas instituições. Conclui-se
com algumas considerações finais.

Desenvolvimento econômico-social sustentável e


a perspectiva institucionalista
Douglass C. North, economista, historiador do desenvolvimento,
ganhador do premio Nobel de Economia, em 1993, tornou-se um dos principais
economistas a destacar o papel fundamental das instituições, concebidas como
agentes de indução que potencializam ou, ao contrário, limitam as condições
ao desenvolvimento sustentável. Para North, o desenvolvimento de uma
sociedade não decorre de forma automática a partir do crescimento econômico;
para chegar-se ao desenvolvimento sustentável é necessário que os ganhos da
economia possam ser transferidos à esfera pública. A garantia desse processo

1 Setores relacionados às tecnologias de informação e comunicação, à biotecnologia,


nanotecnologia; energias renováveis, dentre outros.
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encontra-se na existência de um arcabouço institucional eficiente e que esteja


acessível à maior parte da população.
As instituições são concebidas por North como normas e regras que
influenciam o comportamento dos agentes/jogadores, por meio de estruturas
de incentivos/recompensas, na expectativa de que se criem ambientes de
cooperação que reduzam os custos de transação (complexidade social,
racionalidade limitada, incerteza, oportunismo). Podem ser regras formais
como, constituições e leis ou, restrições informais, como normas de
comportamento, crenças, percepções e expectativas. O grau de eficácia
dos mecanismos formais e informais que definem as regras como as de
um jogo depende da capacidade de constrangimento/coação garantido pelo
desempenho de instituições. Segundo North (2003), a natureza da matriz
institucional em termos de incentivos e recompensas determina (esse é o
termo usado por North) o desempenho dos domínios econômico e político.
Uma matriz institucional e complementaridades institucionais (a presença de
uma instituição tem implicações no desempenho de outra) que recompense a
eficiência, a produtividade, a inovação, tendem a favorecer a emergência de
organizações econômicas em consonância com o desenvolvimento econômico
sustentável. Ao contrário, ineficiências, como o excesso de burocracia, tornam-
se graves obstáculos ao desenvolvimento econômico, político e social.
North et al. (2007) distinguem, através da história, três tipos de ordem
social: ordem primitiva (sociedades de caçadores e coletores); ordem de
acesso limitado (que, por sua vez, apresenta diferenciações) e ordem de acesso
aberto.2 A diferença entre os dois últimos tipos de ordem está, entre outros
aspectos, em que na ordem de acesso aberto as organizações civis mantêm
independência em relação ao estado, resultado da predominância de relações
impessoais que garantem liberdade e exercício de competição em relação aos
poderes político (inclusive competição por privilégios)3 e sistemas econômico
e social; o acesso a atividades econômicas, políticas, educacionais e à justiça
é garantido à maioria dos cidadãos. A ordem de acesso limitado,4 ao contrário,

2 North et al. (2007) distinguem os significados de “ordem” e de “ordem social”: o primeiro


significa o oposto de desordem, ou seja, estabelecimento da paz e segurança social; a segunda
expressão, significa a organização da sociedade e seus sistemas políticos, econômicos e sociais.
3 “The competition for privilege is part of the process that limits privilege.” (North et al., 2007,

p. 27).
4 North et al. (2007) distinguem três diferentes níveis de “ordem de acesso limitado” (frágeis,

básicas e maduras) que se caracterizam por graus distintos de abertura de acesso e de sofisticação
institucional e organizacional. A diferenciação por níveis de evolução não se traduz em uma
visão teleológica de desenvolvimento, visto que os autores consideram que regressões de níveis
podem ocorrer. As sociedades latino-americanas, África do Sul e Índia foram incluídas pelos
autores como pertencendo à “ordem de acesso limitado”, de nível maduro.
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 263

obedece a uma lógica baseada em relações pessoais que torna as organizações


privadas dependentes do estado e sujeitas à manipulação sistemática deste em
favor de interesses particulares. Na ordem de acesso aberto, o estado perde
o controle à distribuição de recursos, visto que os diferentes interesses se
organizam pelo livre processo de competição, o que tende a impedir o estado
de utilizar o mecanismo de manipulação de concessões em favor de grupos de
interesses privilegiados.
Na concepção de North et al. (2007) economia e política se influenciam
mutuamente, sem que haja relação causal entre as mesmas: o acesso aberto na
política sustenta o acesso aberto em economia e vice-versa, ou seja, um sistema
político competitivo e aberto não se manterá se a economia permanecer um
sistema de acesso fechado. Da mesma forma, uma economia aberta não se
sustentará em um sistema político de acesso fechado. A mútua influência entre
economia e política é um aspecto teórico fundamental para compreender o
papel de agentes sociais como o estado e demais instituições nos processos de
crescimento e de desenvolvimento econômicos.
Em qualquer dos tipos de ordem social (fechado e aberto), os sistemas
econômico, político, jurídico, religioso, educacional, se influenciam, se
reforçam mutuamente e regem as dinâmicas de cada ordem. Por essa razão, o
simples transplante de formas e mecanismos institucionais próprios da ordem
de acesso aberto tende a não obter os mesmos resultados quando transpostos
à ordem de acesso fechado.
O conceito de path dependence explica a razão das dificuldades
para passar de um tipo de ordem a outro, visto que as possibilidades que
se apresentam no presente resultam de processos históricos complexos que
envolvem valores, normas e regras incorporados, próprios de instituições
herdadas; por outro lado, a situação presente condiciona os desenvolvimentos
institucionais futuros (Fiani, 2002). A lógica que define a dinâmica de cada
ordem condiciona a forma de funcionamento de suas organizações, de
comportamentos e expectativas dos indivíduos e se expressa em resultados
como capacidade de exercício da liberdade (política e econômica), natureza
da ordem social (dinâmica dos sistemas econômicos, políticos e sociais) e das
condições de crescimento econômico e desenvolvimento (cíclico e excludente
ou de longo prazo e inclusivo). Por essa razão, a transição de uma ordem social
a outra é processo complexo e pode não se concretizar.
Ainda segundo North (2003), as regras do jogo podem ser estruturadas de
diferentes maneiras; o importante é estabelecer uma arquitetura institucional
capaz de promover uma estrutura de incentivos que, no campo econômico,
maximize o crescimento de investimentos, produtividade e taxas de
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crescimento, ao mesmo tempo em que, no campo social, permita um adequado


equilíbrio entre ganhos privados e retornos sociais. As regras do jogo devem
garantir a confiança dos agentes no sentido de que o esforço entre eles se faça
de maneira justa, por meio de competição por preço e qualidade e não por
meio de mecanismos oportunistas, como na ordem social de acesso fechado.
As teses de North não são consenso entre os economistas; as divergências
vão desde a metodologia utilizada (história econômica cujos dados se baseiam
em retórica) até aspectos teóricos (a complexidade do mundo atual não permite
atribuir a um único fator capacidade de realizar mudanças que implicam em
nível mais elevado de complexidade). Dentre essas críticas, destacaria as de:
a) Daron Acemoglu e James A. Robinson (2016) que, embora fiéis à perspectiva
institucionalista, criticam as teses de North, visto que atribuem primazia ao
que chamam “instituições políticas inclusivas”; b) Ricardo Hausmann e Dani
Rodrik (2003) argumentam que a crescente diversidade e complexidade
econômica vigentes nas sociedades consideradas desenvolvidas supõe a
existência de inúmeros fatores complementares para que desenvolvimento
sustentável se efetive e não poderia ser concebido como dependente de um
único fator determinante como “instituições”.
Ao privilegiar as instituições políticas ou reivindicar primazia à
complexidade econômica, as críticas a North, acima referidas, deixam de
considerar um elemento teórico central em sua argumentação. North utiliza-
se do conceito de “ordem social”, que envolve o conjunto de instituições e
estruturas integradas de uma sociedade, ou seja, o sistema de relações sociais,
econômicas e políticas (incluídas a estrutura e a política do estado), assim
como, concepções correspondentes de justiça e equidade. A dinâmica desse
conjunto decorre da natureza da matriz institucional e de complementaridades
institucionais que definem a estrutura de incentivos e recompensas, que pautará
o comportamento dos agentes políticos, econômicos e sociais individuais e
coletivos.
O conceito de “ordem social”, de forma concisa e elegante, como
devem ser os conceitos, incorpora diferentes esferas do social e, desta forma,
contemplaria a ideia de complexidade econômica, reivindicada por Hausmann
e Rodrik (2003).
Por outro lado, há que considerar que na concepção de North os
diferentes domínios encontram-se em relação de mútua dependência, o que
se opõe à ideia de primazia ou ordem de causalidade entre os mesmos, como
proposto por Acemoglu e Robinson. Ao contrário, na perspectiva de North,
tende a haver coerência na dinâmica de funcionamento entre instituições,
organizações e valores sociais, que se influenciam e se reforçam mutuamente
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 265

e, desta forma, regem as dinâmicas de cada ordem. Desta perspectiva, a crítica


de Acemoglu e Robinson parece menos consistente.
O Brasil tem passado por mudanças econômicas significativas desde
meados do século 20, entretanto, em relação ao crescimento econômico
brasileiro, dois aspectos chamam a atenção: a) o crescimento tem sido cíclico
e intermitente, e b) apesar do enriquecimento econômico, o país mantém nível
inaceitável de desigualdade social.
As teses de North sobre o papel das instituições contribuem para melhor
compreender as razões dos impasses que marcam os ciclos de crescimento
econômico no Brasil. Segundo o autor, em uma ordem de acesso fechado, a
legitimidade de poder coercitivo do estado permite que o mesmo seja utilizado
não em favor da eficiência econômica e da inclusão social mas, ao contrário,
como mecanismo de barganha política, em benefício de grupos de interesse
com acesso privilegiado ao poder (North, 1988 apud Fiani, 2002).
A tese de North traduz de alguma maneira a realidade no Brasil:
a presença de um estado centralizador, com baixo grau de transparência e
de eficiência e cuja estrutura guarda do passado fortes traços de relações
patrimonialistas (path dependence), considerando-se a natureza da relação
entre estado e grupos econômicos, em prejuízo dos valores democrá-
ticos.
Na seção a seguir examinam-se, com base nas proposições acima
apresentadas, aspectos que caracterizam a matriz institucional brasileira,
com foco no funcionamento recente de duas políticas de desenvolvimento ou
políticas industriais, que revelam fragilidades institucionais vis-à-vis o poder
da intervenção do estado.

Ordem de acesso aberto no Brasil. Sinal fechado?


O debate sobre desenvolvimento é marcado por divergências teóricas, mas
também por perspectivas políticas, o que tende à simplificação das questões:
opõe-se estado e mercados, protecionismo e livre comércio; industrialização/
modernização e atraso (Lundvall et al., 2013). No Brasil, esse debate tende a
ser ainda mais polêmico, em razão de intensa politização da questão que, no
mais das vezes, afasta-se de argumentos racionais e tende a assumir o caráter
de uma disputa política.
Um dos tópicos principais desse debate diz respeito à adoção de políticas
de desenvolvimento ou políticas industriais. A justificativa para a adoção
de políticas industriais seria, segundo seus defensores, promover mudanças
na estrutura produtiva de um país, por meio de estímulos ao crescimento
econômico, valendo-se de um conjunto de medidas como concessão de
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incentivos, proteção de mercado, créditos subsidiados e desoneração fiscal,


beneficiando setores econômicos selecionados.
Críticos desta perspectiva afirmam que a adoção de políticas industriais se
justificariam apenas diante de evidente incapacidade do mercado em promover
os incentivos necessários – caso de políticas voltadas à educação e à inovação
e à adaptação local de novas tecnologias. Neste caso, o estado faria o papel de
“parteiro”, auxiliando no nascimento de novos setores ou como coordenador
de novas iniciativas com potencial de beneficiar a sociedade como um todo
(Hausmann e Rodrik, 2003; Pinheiro et al., 2007; Almeida, 2009).5
Segundo os analistas, uma boa política industrial seria aquela cujos bene-
fícios à sociedade em geral são maiores do que os custos da intervenção governa-
mental. Para tanto, considera-se como fundamental a definição de metas claras
e transparentes que garantam acesso a informações, assim como mecanismos de
monitoramento regulares e efetivos que permitam medir o alcance de objetivos
propostos. A vigência da política deve ser limitada a um determinado período
para que os custos de financiamento sejam eficientes (Pinheiro et al., 2007).
A presença de políticas industriais é comumente indicada como
responsável pelo êxito econômico de países do leste asiáticos (Japão, Coreia
do Sul e Taiwan). Esta tese é rejeitada por estudos baseados em dados robustos
que demonstram que a) “o impacto da política industrial (proteção comercial e
subsídios, principalmente) no crescimento dos países do Leste Asiático [... foi]
um impacto negativo (ou pouco significativo) […] na produtividade do trabalho
ou na produtividade total dos fatores”; b) o peso de outros fatores como políticas
macroeconômicas bem conduzidas, a saber, política fiscal austera, ajuste fiscal
de qualidade, controle da inflação, incentivo à poupança, investimento em
capital humano e infraestrutura, foi mais significativo. Pinheiro et al. (2007,
p. 8 e 10) afirmam que políticas macroeconômicas como “ajustes fiscais
tendem a favorecer o crescimento da renda per capita tanto em países ricos
[...] quanto em países pobres [...]” no caso destes últimos, sobretudo, em razão
do aumento da produtividade. Os autores destacam ainda que a qualidade do
ajuste (corte de despesas no lugar de cortes em investimentos ou de aumento
de impostos), a eficiência da burocracia estatal, o controle da corrupção, são
fatores considerados mais relevantes para a obtenção de resultados econômicos
positivos do que a intervenção governamental na economia.6

5 O tópico sobre políticas de inovação será abordado adiante.


6 Diferenças entre países do Leste Asiático e o Brasil: a) a ênfase dada pelos primeiros à promoção
de exportações, enquanto no Brasil privilegiou-se o modelo de substituição de importações;
b) o déficit brasileiro de infraestrutura, que explicaria cerca de 35% da diferença da taxa de
crescimento com relação à Coreia do Sul (Pinheiro et al., 2007).
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 267

No contexto deste debate, destaca-se a discussão acerca dos bancos


de desenvolvimento. Na sub seção a seguir será abordada a atuação recente
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
por ser um caso ilustrativo de intervenção do estado que, segundo análises
especializadas, tem contribuído menos para o bem-estar social e mais para
agravar distorções econômicas, políticas e sociais no país.

Bancos de desenvolvimento e a ordem de acesso aberto7


Bancos de desenvolvimento são preconizados sob o argumento de que os
mesmos teriam como objetivo solucionar falhas do mercado como: a) restrição
de capital e de crédito para financiar projetos de longo prazo; b) necessidade da
ação governamental para integrar investimentos complementares coordenados
(por exemplo, extremos de uma cadeia industrial); c) necessidade de apoio
governamental para absorver custos de pesquisa para o desenvolvimento de
setores inovadores com alto grau de incerteza8 (Musacchio e Lazzarini, 2015).
Os opositores dessa visão apontam elementos negativos da gestão
governamental, cujas consequências tendem a afetar a economia como um
todo como, a forma de recrutamento de gestores baseada, em geral, em filiação
política e não em mérito; ausência de monitoramento de resultados; absorção
pelos governos de resultados financeiros negativos de empresas estatais; maus
investimentos recuperados por fundos públicos, com prejuízo da sociedade.
Ademais, argumentam que a centralização de decisões, característica de
organizações estatais, tem pouca sensibilidade para captar sinais de rápidas
mudanças do mercado, como as atuais, considerando-se empresas como Apple,
Facebook, Google e outras similares e, portanto, se constituiria em obstáculo
à nova via de desenvolvimento (Guimarães, 2015).
Outros críticos chamam a atenção sobre o risco de desvios de objetivos
de bancos estatais que, ao invés de servir de maneira eficiente a interesses
sociais, contribuem para maximizar interesses políticos particulares ou para
envolver-se em um jogo de barganha política com agentes econômicos
(Musacchio e Lazzarini, 2015).9

7 Esta seção, dedicada ao exame do BNDES, apoiou-se no livro de Musacchio e Lazzarini (2015),
em especial, nos capítulos 9 e 10. O livro apresenta um excelente estudo sobre o capitalismo de
estado no Brasil.
8 Exemplos de política industrial desse tipo seria o caso da Internet, cujo desenvolvimento

ocorreu em laboratório de pesquisa do governo norte-americano. O programa Pró-Álcool, no


Brasil, financiou com recursos governamentais o desenvolvimento de produtos como o etanol
(Musacchio e Lazzarini, 2015).
9
Há uma vasta literatura especializada que discute diferentes aspectos da relação entre concessões
de empréstimos por bancos de desenvolvimento e bancos públicos e períodos de campanhas
eleitorais, com evidências de que há correlação positiva entre financiamento de certas empresas
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O BNDES10 foi fundado em 1952, com o objetivo de financiar projetos


de infraestrutura que teriam efeito transversal na economia, beneficiando
diferentes setores de atividades e, secundariamente, supririam falhas de
capitais no mercado de crédito, concedendo empréstimos subsidiados de longo
prazo para financiamento da indústria nascente. Entre os anos 1950 e 1960, o
BNDES cumpriu os objetivos propugnados a um banco de desenvolvimento:
buscou suprir demandas em mercado face à elevada restrição de crédito de
longo prazo e desempenhou papel relevante financiando investimentos para a
criação da infra estrutura que propiciou as bases da industrialização brasileira
(construção de hidroelétricas, de empresas siderúrgicas, da indústria do aço
e de produtos químicos). Neste período, a quase totalidade dos empréstimos
destinaram-se a projetos públicos relacionados a empresas estatais (Musacchio
e Lazzarini, 2015).
Na década de 1970, sob o regime militar, os objetivos do BNDES
pautaram-se pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento, que se voltava
para nova fase de substituição de importações visando ao desenvolvimento
da indústria de bens de capital. Nesta fase, a maior parte dos empréstimos
destinaram-se a empresas privadas (Musacchio e Lazzarini, 2015). Ao longo
da década de 1980, o BNDES enfrentou graves problemas em decorrência
da crise econômica pela qual passava o país, em especial, a alta inflação
vigente no período; com isso, os empréstimos deixaram de ser lucrativos
(Musacchio e Lazzarini, 2015). Na década de 1990, apesar de ser caracterizada
equivocadamente como período de política “neoliberal”, o BNDES não
deixou de atuar ativamente ocupando-se do planejamento e execução das
privatizações, por meio de financiamento de grupos compradores e de compra
de ações minoritárias de empresas estatais privatizadas (Almeida, 2009).
O BNDES, hoje, encontra-se entre os maiores bancos de desenvolvimento
do mundo (seria superado apenas pelo banco de desenvolvimento chinês
(Ellery, 2015). Seus desembolsos tiveram significativo incremento – de
R$ 33,5 bilhões em 2003, para R$ 188 bilhões, em 2014 – e chegou a 4,5%
do PIB, em 2010, mais de três vezes superior aos desembolsos do Banco
Mundial, no mesmo período (Musacchio e Lazzarini, 2015).
Apesar da vultosa capacidade financeira do BNDES – cujo objetivo
central seria realizar investimentos visando a acelerar o desenvolvimento

e retribuição na forma de doações a campanhas políticas. Dentre outros, ver Dinç (2005),
Claessens et al. 2008), Harber (2002), Ades e Di Tella (1997); todas as referências apud
Musacchio e Lazzarini (2015).
10 O termo “social” foi acrescentado em 1982, inicialmente chamava-se Banco de Desenvolvimento

Econômico (BNDE).
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 269

do país – observa-se que a taxa de investimento do país não corresponde à


capacidade de seu banco de desenvolvimento, como ocorre na China.11 A taxa
média de investimento do Brasil, no período de 2011 a 2014, foi de 20,1%,
abaixo da taxa de média de investimento de 170 países que foi de 24,03%
e da taxa de investimento mediana, de 22,76%, no mesmo período (dados
disponibilizados pelo FMI, apud Ellery, 2015).
Durante os últimos anos, o BNDES expandiu-se significativamente: o
valor de seus desembolsos (liberação de recursos) cresceu cerca de cinco vezes
de 2003 a 2014, passando de R$ 33,534 bilhões a R$ 187,837 bilhões; o mesmo
ocorreu com o valor de seus ativos, que passou de R$ 202,7 bilhões, em 2007,
chegando no primeiro semestre de 2015, a R$ 911,5 bilhões (BNDES).

Gráfico 1. BNDES: Evolução dos desembolsos (2003-2015)

Fonte: BNDES – Apresentação Institucional – Área Financeira, junho 2015.

A partir de 2008-2009, foi definido pelo governo, o apoio do BNDES


para a criação dos chamados “campeões nacionais” – denominação dada a
empresas selecionadas que recebem benefícios especiais do governo, com o
objetivo de impulsioná-las aos mercados internacionais e promovê-las como
empresas globais (Musacchio e Lazzarini, 2015). Esta tem sido uma estratégia
de países emergentes.
Estudos têm mostrado (ver nota de rodapé 9) que a seleção de empresas a
serem promovidas a “campeões nacionais”, beneficiadas por órgãos públicos,
11 A China com o maior banco de desenvolvimento do mundo apresenta também a maior taxa
média de investimento no período 2011-2014: 46,7% (Ellery, 2015).
270 Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 259-284, abr.-jun. 2016

nem sempre se baseia em critérios econômicos transparentes; ao contrário,


a seleção é, muitas vezes, ditada por troca de favores, o que pode produzir
sérios desequilíbrios, tanto na área política – relações entre público e
privado correm o risco de se transformar em relações de compadrio – quanto
para a competição nos mercados – criam-se entre empresas do mesmo ramo,
diferenças competitivas insuperáveis geradas pela distribuição desigual
de benefícios pelo estado (Falk et al., 2011 apud Musacchio e Lazzarini,
2015).
A boa prática de atuação em bancos públicos e de desenvolvimento
supõe condicionar os empréstimos ao setor privado a metas de desempenho:
a empresa receptora de empréstimos públicos deve realizar investimentos
que contribuam para a elevação dos níveis de emprego, de produtividade e
de competitividade, assim como atividades de pesquisa e desenvolvimento
visando à produção inovadora (Lazzarini et al., 2011). Quando os princípios
acima referidos não são respeitados, as consequências podem ser bastante
danosas para a economia e para a sociedade. Exemplo desse tipo de atuação
ocorre em casos de financiamentos subsidiados destinados a empresas que,
por suas condições econômicas financeiras, poderiam obter recursos no setor
privado local ou internacional. Esse foi o caso dos empréstimos subsidiados
pelo BNDES para a formação de “campeões nacionais”.
Estudos realizados sobre empresas receptoras de empréstimos do
BNDES (Musacchio e Lazzarini, 2015; Almeida, 2009; Almeida e Schneider,
2012), constataram que: a) as empresas beneficiadas com empréstimos a juros
subsidiados eram empresas lucrativas, de grande porte, sem necessidade de
empréstimos a juros subsidiados e que, se desejassem captar recursos, tinham
condições de obtê-los junto ao setor privado;12 b) grande parte das empresas
beneficiadas com empréstimos subsidiados do BNDES não investiram em
projetos intensivos em conhecimento, nem em projetos visando ao aumento
da produtividade, ou em estratégias de modernização – estratégias obrigatórias
para que o país enfrente os desafios do novo padrão de desenvolvimento;
c) boa parte das empresas financiadas incluem-se em setores de baixo e médio
baixo nível tecnológico, contrariando o preceito de política industrial do
século 21, que tem no desenvolvimento de empresas inovadoras a justificativa
para empréstimos públicos subsidiados; d) as empresas beneficiadas são
em sua maioria empresas produtoras de commodities (alimentos, minérios,

12 A intermediação financeira, no Brasil, realizada por bancos públicos, cria obstáculos ao


desenvolvimento do mercado de capitais no país, visto que as taxas de juros dos primeiros são
inferiores às taxas Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), índice que baliza as
taxas de juros cobradas pelos bancos, no Brasil (Ellery, 2015).
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 271

petróleo), quando a norma para esse tipo de empréstimo seria a de estimular


a diversificação setorial, ou de promover empresas inovadoras; ao contrário,
o foco manteve-se em empresas tradicionais; e) os instrumentos de
monitoramento de desempenho das empresas beneficiadas eram restritos, de
baixa eficiência e careciam de mecanismos formais para avaliar o desempenho
da empresa.
Exemplo ilustrativo de empréstimo subsidiado pelo BNDES à empresa
que não deveria ser beneficiada é o da grande cadeia de varejo nacional, Lojas
Americanas. Esta empresa que tem como um dos sócios Jorge Paulo Lemann,
o empresário mais rico do Brasil, recebeu empréstimo do BNDES, em 2014,
no valor de R$ 2,7 bilhões, com juros muito abaixo da taxa Selic (BNDES,
2015). Outra empresa que segundo os requisitos seria pouco credenciada a
receber empréstimos com juros subsidiados é a JBS (iniciais de seu fundador,
José Batista Sobrinho), líder na produção de carnes e maior exportadora
mundial de proteína animal, após adquirir as empresas norte-americana Swift
e Co., em 2007, e Pilgrim’s Pride, em 2009, com apoio do BNDES. A JBS
conta com mais de 216.000 empregados distribuídos em 340 unidades de
produção, em vários países do mundo (apresentação da empresa, na internet).
Entretanto, uma empresa de baixo médio nível tecnológico, como a JBS, tende
a ter poucas possibilidades de se manter no mercado internacional, a longo
prazo.
Em relatório divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN),
consta o valor dos aportes do Tesouro ao BNDES, desde 2008, e que atingiram,
em dezembro de 2015, a quantia de R$ 523,8 bilhões, sendo que deste total, R$
323,2 bilhões constituem subsídios, quantia equivalente a 5% do PIB anual,
segundo notícia publicada no jornal O Estado de São Paulo.13 Outra fonte
de recursos do BNDES foi a contribuição compulsória do Fundo de Amparo
ao Trabalhador, do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de
Formação de Patrimônio do Servidor Público (Pasep).
Os recursos transferidos pelo governo a empresas privadas a juros
subsidiados teriam sido melhor aplicados para abater a dívida pública, o
que implicaria em consequente baixa dos juros, possibilitando ampliação do
crédito à população carente desse recurso. A redução da dívida do governo
possibilitaria investir mais em setores altamente deficitários como, educação,
saúde e segurança.

13 Ver A bilionária conta de subsídios ao BNDES <http://economia.estadao.com.br/noticias/


geral,a-bilionaria-conta-de-subsidios-ao-bndes,10000016245> (14 fev. 16).
272 Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 259-284, abr.-jun. 2016

Gráfico 2. BNDES: Estrutura de capital

Fonte: BNDES - Apresentação Institucional – Área Financeira, junho 2015.

A atuação do BNDES ilustra de forma inequívoca que a intervenção


governamental, no Brasil, no que se refere à política de banco de desen-
volvimento, beneficiou interesses privados em detrimento de interesses da
sociedade. Empréstimos públicos vultosos a longo prazo e a juros subsidiados,
a utilização de recursos provenientes do Tesouro Nacional e do FAT, PIS/
Pasep, sem que fosse constatado retorno econômico e social à sociedade, leva
à conclusão que este tipo de intervenção contribui para aprofundar a injustiça
e a desigualdade social. Esse tipo de política mantém privilégios que ferem
princípios econômicos (condições de livre competição) e sociais (favorece a
concentração de renda) e, portanto, está associada, em termos institucionais, à
ordem de acesso fechado.
Na seção a seguir são abordadas questões relativas à chamada política
industrial do século 21 – políticas públicas de educação, ciência, tecnologia e
inovação – consideradas como relevantes por contribuírem para a elevação de
níveis desenvolvimento econômico e social no país.

Políticas de educação, ciência, tecnologia e inovação e os


impasses institucionais
Está em curso uma revolução estimulada pelas novas tecnologias da
informação e comunicação, pela biotecnologia, nanotecnologia, fenômeno que
tem sido exaustivamente debatido por vasta literatura nacional e internacional
(Castells, 1997) e que não cabe aqui detalhar. Concomitante às mudanças
tecnológicas, observam-se mudanças econômicas (globalização, destruição
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 273

e criação de ocupações), mudanças sociais (dentre outras, transformações


na esfera do trabalho), mudanças culturais (novas formas de comunicação
e de sociabilidade), cujas implicações resultam na emergência do que tem
sido denominado “nova economia” ou “economia do conhecimento”14 e, em
consequência, a emergência de um novo paradigma de desenvolvimento.
A nova concepção supõe um arcabouço institucional que corresponda às
exigências do novo paradigma de desenvolvimento, em que conhecimento e
inovação constituem o motor que impulsiona a criação de riqueza.
A crescente relevância econômica da produção de bens e serviços
intensivos em conhecimento exige um novo marco institucional compatível com
o novo padrão de desenvolvimento: prioridade a investimentos em educação,
ciência, tecnologia e inovação, por meio de ações que busquem elevar os
níveis gerais de educação; desenvolvimento de competências em matemática
e ciências; formação superior em áreas das chamadas ciências duras, como
Engenharia; desenvolvimento de atividades de pesquisa e desenvolvimento
(P&D), acompanhados do suporte jurídico-legal em consonância com os
novos modos de produção de ciência, tecnologia e inovação (leis sobre
propriedade intelectual; sobre interação universidade e empresa, dentre
outras). Esses requisitos são fundamentais e merecem prioridade para que
se verifique a transição real (e não apenas incremental) de uma ordem de
acesso limitado à ordem de acesso aberto. Impõe-se, portanto, uma “revolução
institucional” no sentido de priorizar a criação de um conjunto de incentivos
que visem a transformações de valores e comportamentos sociais em relação
aos subsistemas em questão.15
Nestas condições, o estado assume relevância institucional, como ocorre
sempre que transformações institucionais são requeridas, seja por meio de
ordenação legal ou por organização de sistemas públicos e sempre que o
mercado não for capaz de assumi-las. Como afirma North “[…] institutional
innovation will come from rulers rather than constituents since the latter would
always face the free rider problem” (North, 1981, p. 28 apud Fiani, 2002, p. 51).
No Brasil, a ausência de um sistema universal de educação de qualidade é
responsável, em grande parte, pelas desigualdades econômica e social vigentes
na sociedade. Estudos empiricamente testados demonstram que mais de 90%
do valor dos salários deve-se ao aumento da produtividade que decorre, sobre-
14 A expressão “economia do conhecimento” foi utilizada no relatório da OECD (1996).
15 Lembremos que instituições – instrumentos formais (leis e regras), mas também, o conjunto
de mecanismos informais (valores, crenças, costumes, mentalidades) – constituem referências
que orientam as ações e interações dos indivíduos, em uma sociedade. Caberia ao estado e
instituições complementares criar incentivos para que a educação se caracterizasse pela
qualidade e se constituísse em valor universal para a sociedade.
274 Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 259-284, abr.-jun. 2016

tudo, do nível de escolaridade dos trabalhadores. No Brasil, o retorno de ren-


da proveniente da educação é elevado: a cada ano de escolaridade formal, o acrés-
cimo médio de renda é superior a 10%16 (Barbosa Filho e Pessôa, 2008 e 2009).
Constata-se que houve aumento do gasto público e expansão de
matrículas no Brasil: o gasto público direto, em proporção do PIB, passou de
4%, em 2000, para 5,2%, em 2013.17 A expansão de matrículas para jovens de
15 anos e mais passou de 65%, em 2003, para 78%, em 2012 (OCDE, 2014);
no entanto, a evasão de alunos, principalmente, no ensino médio, mantém-se
muito elevada. Apesar do aumento dos investimentos, em especial, nos níveis
médio e superior de ensino, estes estão bem abaixo da média de dispêndios
de países da OCDE. O mesmo ocorre com a matrícula de crianças de 3 anos e
mais, dado considerado relevante para o desempenho escolar posterior e que,
no Brasil, chega apenas a 37%, enquanto em países da OCDE alcança 70%
(OCDE, 2015).
Os resultados do Programme for International Student Assessment
(Pisa), desenvolvido e coordenado pela OCDE, escancara a baixa qualidade
da educação brasileira,18 ainda que comparações desse tipo estejam sujeitas a
inconsistências estatísticas. A pesquisa realizada pelo Pisa, em 2012, avaliou
uma amostra de 15,1 milhões de estudantes, de 65 países. O desempenho dos
estudantes brasileiros esteve bem abaixo da média, sendo que apenas 1% dos
estudantes brasileiros foram incluídos entre os de melhor desempenho em
matemática, enquanto 67% foram classificados como de fraco aproveitamento;
apenas 0,3% incluíam-se entre os de melhor desempenho em ciências e
61% apresentaram fraco aproveitamento (OCDE, 2014). Esses resultados
inviabilizam a possibilidade do país de integrar uma ordem de acesso aberto.
A simples expansão do sistema de ensino não é suficiente para gerar
impacto positivo que leve à “transição” para a ordem social de acesso aberto.
O país carece de incentivos institucionais capazes de promover educação
de qualidade. Alguns desses incentivos seriam: valorização das atividades
docentes; desenvolvimento de capacidades gerenciais voltadas ao sistema
educacional; aumento de tempo de permanência de alunos, na escola, em
particular, no nível elementar; mudanças curriculares adaptadas ao tempo

16
O percentual de acréscimo de renda varia de acordo com o nível de escolaridade da população
analisada, das condições do mercado de trabalho, da qualidade da educação e de outras variáveis
sociais.
17 Investimento direto considera apenas dispêndios com educação pública e com gastos na
atividade fim, educação. <http://portal.inep.gov.br/estatisticas-gastoseducacao-indicadores_
financeirosp.i.p._natureza_despesa.htm> (10 fev. 2016).
18 O Pisa busca realizar uma avaliação internacional comparada acerca de conhecimentos em

matemática, leitura e ciências, de estudantes na faixa dos 15 anos de idade.


S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 275

atual: “There are lots of different ways to structure the game, to provide the
correct incentives (that is what institutions are, incentive structures) to do the
right thing [...]” (North et al., 2007, p. 19).
O número de diplomados em cursos das áreas de Ciências e Engenharia,
áreas cruciais para enfrentar os desafios do desenvolvimento atual, tem
aumentado significativamente no mundo: em 2012, o total foi de 6.400.000.
China e Índia foram responsáveis por quase metade do total dos concluintes;
os Estados Unidos e a União Europeia diplomaram, na área, 21%; enquanto o
Brasil diplomou menos de 2%19 (National Science Board, 2016).

Gráfico 3. Diplomados de Cursos de Ensino Superior,


em países/regiões selecionados (1º diploma), 2012 (%)
S&E fields (6.4 million)

United States 9,2%


All others 17,9%

EU 11,50%

Brazil 1,9%

India 23,0%
China 23,4%

Russian Federation Japan, South


5,1% Korea, Taiwan 8,1%

Non-S&E fields (13.6 million)

United States 9,0%


All others 18,9%

EU 13,7%

Brazil 5,4%

China 11,3%

Japan, South
Korea, Taiwan 4,4%
India 29,3%
Russian Federation
7,9%

Fontes: Organisation for Economic Co-operation and Development, Education Online database,
<http://www.oecd.org/education>; national statistical offices. Science and Engineering Indicators 2016
(over view).
19

19 O percentual de concluintes de cursos de graduação nas engenharias, em relação ao total, no


Brasil, em 2013, foi de 9,5% (MCTI, 2015).
276 Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 259-284, abr.-jun. 2016

O novo paradigma econômico requer aumento de dispêndios em P&D.


Em 2013, os dispêndios mundiais foram estimados em US$ 1,67 trilhões (valor
ajustados pela paridade do poder de compra em US$). Estados Unidos e China
foram responsáveis pela metade desse valor; Japão e Alemanha participaram
com 10% e 6%, respectivamente, do referido dispêndio (National Science
Board, 2016).
No Brasil, após um período de mais de uma década, a taxa média de
crescimento anual de recursos despendidos (públicos e privados) em P&D foi
muito modesta: passou de 1,04, em 2000, para 1,24, em 2013, bem abaixo da
média anual de gastos dos países que se encontram na fronteira tecnológica
(National Science Board, 2016). Considere-se que durante período, a média
de crescimento do PIB, no Brasil, foi de 3,2.
Destaque-se que o maior percentual de financiamento da P&D, no Brasil,
ao contrário do que ocorre em outros países, é realizado pelo setor público (em
2013, setor público, 0,71% do PIB; setor privado, 0,52%) e desse percentual a
maior parte dos gastos públicos em P&D, dirige-se ao ensino superior, 62%, em
especial, aos cursos de pós-graduação; à inovação restam recursos limitados.
O alto percentual de fomento voltado à pós-graduação é uma decisão que
merece melhor avaliação, visto que o investimento público envolvido não está
retornando na forma de benefícios à sociedade, considerando-se o baixo nível
de inovação no país. Até que ponto o maior volume de recursos concedidos à
educação pós-graduada constitui um privilégio obtido a partir de pressão de
grupos de interesse com força capaz de sensibilizar o estado?
Em uma ordem institucional de acesso aberto, a avaliação contínua de
políticas públicas é fundamental e quando o investimento público não se reflete
em benefícios sociais é necessário rever objetivos. No Brasil, a avaliação
objetiva de políticas públicas é ainda pouco utilizada; estas são mantidas
independentemente de sua eficiência.
Outra característica peculiar ao Brasil é a predominância de emprego de
profissionais pós-graduados em atividades acadêmicas (68%, em 2010) e não
na empresa, como ocorre em países que lideram o processo de inovação (em
2013, Alemanha: 56%; Coreia do Sul: 79%; China: 62%, dentre outros.20 O
baixo percentual de pós-graduados atuando em empresas, no Brasil, indica a
baixa contribuição dos mesmos para qualificar o nível da produção do país, em
termos de produtividade, inovação e internacionalização, fatores primordiais
para o crescimento econômico.
20
MCTI, Indicadores. <www.mct.gov.br/index.php/content/view/339042/Distribuicao_percentual
_de_pesquisadores_em_equivalencia_de_tempo_integral_por_setores_institucionais_SUP_1_
SUP__de_paises_selecionados_2000_2013.html>.
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 277

Esse fenômeno decorre, em grande parte, de regras institucionais


informais que fundamentam as ações dos agentes sociais, resultando em um
círculo vicioso: a empresa prefere produzir prescindindo de atividades de
pesquisa e, em consequência, dispensa o pesquisador; este, por sua vez, vê
justificado o valor que propugna a separação entre mundo do conhecimento e
mundo da empresa. Ao dispensar a pesquisa, a empresa contribui para reforçar
no pesquisador a crença sobre a natureza isolada e descompromissada da
produção do conhecimento, em detrimento de benefícios que poderiam ser
compartilhados pela sociedade. O estado, por sua vez, reluta em reorientar suas
estratégias visando criar incentivos que corrijam essas distorções.
A escassa participação do setor privado, no Brasil, em atividades de
P&D e de inovação, contrasta com países como Coreia do Sul, Japão e China,
onde o setor privado contribui com 75%; Alemanha, 66% e Estados Unidos,
61% (National Science Board, 2016). No Brasil, evidencia-se a dependência
de trajetória (path dependence) marcada por um padrão de valores sociais
e econômicos pouco ou nada desafiados pela competição externa. A baixa
participação do setor privado em atividades cruciais ao desenvolvimento
econômico atual tende a reforçar a tese de que empresários que desfrutam
de longo protecionismo não se sentem incentivados a desenvolver atividades
de P&D e de inovação; falta-lhes o desafio da competição para motivá-los a
sair de uma situação de conforto e torná-los capazes de enfrentar a carga de
incertezas presentes em um processo de inovação. O fechamento do mercado,
por sua vez, limita as escolhas dos consumidores, tornando-os pouco exigentes
quanto aos bens e serviços consumidos.
Estatísticas sobre produção científica e inovação, no Brasil, ilustram o
descompasso existente entre ciência e inovação, reflexo de crenças e valores
distintos em relação às duas áreas. A produção científica do Brasil, em 2013,
encontrava-se na 13ª posição no ranking mundial;21 enquanto a inovação foi
classificado, em 2015, na 47ª posição, dentre 50 países; apenas Argentina,
África do Sul e Marrocos encontravam-se em posição inferior a do Brasil
(Coy, 2015).
Também em relação à ciência, tecnologia e inovação, a ação do estado
se caracteriza por ineficiência institucional, como o demonstra a utilização
dos recursos destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência
e Tecnologia (FNDCT) – fundo que provê recursos não reembolsáveis à

21 Apesar da boa classificação geral, o impacto internacional da produção brasileira (0,67) está
bem abaixo de índices de países como o Reino Unido (1,88), Canadá (1,81), Estados Unidos
(1,80), China (1,36), Coreia do Sul (1,31), Argentina (1,40) e México (1,39) (National Science
Board, 2016).
278 Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 259-284, abr.-jun. 2016

pesquisa científica e tecnológica voltada a setores estratégicos. A partir de


2011, os recursos do FNDCT começaram a ser transferidos para o programa
Ciência sem Fronteiras.22 A redução dos recursos do FNDCT tornou-se grave,
como mostra o gráfico abaixo, o que levou lideranças científicas a descrever
a decisão como “canibalização” do sistema nacional de ciência, tecnologia e
inovação.

Gráfico 4. CNPq: orçamento executado em atividades-fim


(2002-2013, estimado para 2014; sem contingenciamento; 2015, projeto orçamentário)

Data: 09-09-2014 em R$ milhões/CRH

Fonte: Relatório de Gestão do CNPq, 2014.

Em audiência pública, realizada pela Comissão de Ciência, Tecnologia,


Inovação, Comunicação e Informática (CCT), do Senado Federal, em 26 de abril
de 2016, especialista do Tribunal de Contas da União (TCU) e pesquisadora
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), declararam ausência de
ações estratégicas na aplicação dos recursos para o desenvolvimento nacional,
em especial, ausência de foco em relação aos recursos dos Fundos Setoriais.
Segundo a pesquisadora do Ipea “os recursos do FDNCT têm sido utilizados
para [...] ‘tapa buraco’ do orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e

22 O programa Ciência sem fronteiras foi criado em 2011 visando à “consolidação, expansão e
internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por
meio do intercâmbio e da mobilidade internacional” (MCTI. Ciência sem Fronteiras <www.
cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/o-programa> (10 abr. 16).
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 279

Inovação (MCTI) [...]”.23 Em 2016, os recursos para educação, e em especial,


para ciência, tecnologia e inovação foram drasticamente reduzidos. Pesquisas
relevantes em andamento foram abruptamente interrompidas, o que levou
cientistas importantes a migrar para o exterior. Esses resultados evidenciam
a fragilidade institucional do sistema: o que deveria ser uma política de
estado, planejada para o longo prazo, ao contrário, carece de planejamento
e é submetida a flutuações intermitentes, o que impede a consolidação do
sistema.
Nesta seção, examinaram-se duas políticas públicas: a) a primeira,
abordou o desempenho do BNDES nos últimos anos; b) a segunda, as políticas
de educação, ciência, tecnologia e inovação. Observou-se que ambas as políticas
constituíram arranjos institucionais incapazes de estimular comportamentos
economicamente positivos, no sentido atribuído por North, ou seja, os
investimentos públicos não foram suficientemente eficientes para produzir
retornos sociais superiores a concessões realizadas aos setores privados.
As fragilidades institucionais evidenciadas em ambos os casos examinados
constituem obstáculos à transição para a ordem social de acesso aberto: no
caso do banco de desenvolvimento, sobressai a ausência de transparência na
seleção de beneficiados, o que configura a existência evidente de privilégios
inaceitáveis; no caso das políticas de educação, ciência, tecnologia e inovação,
observa-se ausência de incentivos institucionais adequados, com base em
prioridades e em planejamento de longo prazo, o que impede a universalização
da educação qualificada, assim como, o avanço efetivo da ciência e tecnologia
e a transferência de seus resultados à sociedade na forma de inovações –
elemento fundamental para o desenvolvimento sustentável.
Em ambos os casos, observa-se a clara dependência de trajetória (path
dependence): de um lado, resquícios próximos a um capitalismo de compadrio
que ainda não foram totalmente superados; de outro, ausência de iniciativas
estratégicas para potencializar capacidades e talentos, de forma a garantir
sustentabilidade ao processo de catching up. Em ambos os casos, constata-se
graves falhas do arcabouço institucional que comprometem a transformação
social.
No Brasil, o baixo desempenho das políticas examinadas evidencia
impasses que se originam, em grande parte, na dependência de trajetória (path
dependence), da qual a sociedade ainda não se livrou, talvez, porque seja

23 TCU e Ipea apontam desvio de foco dos recursos de fundos para ciência, tecnologia e inovação.
(Jornal da Ciência, n. 5404, 27 abr. 2016 <www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://
jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/1-tcu-e-ipea-apontam-desvio-de-foco-dos-recursos-de-
fundos-para-ciencia-tecnologia-e-inovacao/>.
280 Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 259-284, abr.-jun. 2016

mais difícil transformar a natureza das instituições sociais do que maquiá-las


de forma incremental. A universalidade da educação pública de qualidade,
em especial, no que se refere aos ciclos fundamental e técnico, não tem sido
prioridade nem para o estado, nem para a sociedade; quanto à ciência, tecnologia
e inovação, o modelo de industrialização adotado não criou incentivos para o
desenvolvimento dessas áreas: “rejeitadas” pelo mundo empresarial, integram-
se de modo particular às instituições de produção do conhecimento, que se
concebem descompromissadas com a natureza e com o destino da ciência que
produzem, mantendo-se distantes da tecnologia e inovação.

Considerações finais
A questão inicialmente proposta neste artigo foi de que a boa sociedade,
no mundo atual, tem como objetivo tornar acessível à maior parte da
população, níveis econômicos, sociais, políticos e culturais mais elevados e
menos desiguais. Partiu-se do pressuposto de que para tanto impõe-se a criação
de riqueza, voltada à promoção do desenvolvimento social e econômico de
longo prazo. Para o sucesso desse projeto é indispensável a consolidação de
uma arquitetura institucional capaz de sustentar uma “ordem social de acesso
aberto”. Argumentou-se que, no caso do Brasil, o arcabouço institucional em
vigência está ainda distante de cumprir de forma efetiva, os requisitos da
ordem de acesso aberto, nos moldes apregoados por North. Há, no Brasil,
a crença de que a boa sociedade se cria com a maior intervenção do estado.
Diferente do que foi no passado, a apregoada solução intervencionista deve
ser, hoje, melhor discutida e compreendida, em suas consequências.
Os dados apresentados neste artigo sobre a política industrial que
fundamentou a atuação do Banco de Desenvolvimento (BNDES), no Brasil,
em anos recentes, evidencia os resultados nefastos trazidos à economia do
país em decorrência de decisões não transparentes e que infringiram normas
previstas. A ineficiência de outras áreas ligadas à intervenção estatal, no
Brasil, tende a reforçar a tese de que a construção de uma ordem social de
acesso aberto exigiria que o estado perdesse o monopólio da distribuição de
recursos. Esta deve organizar-se, em torno do processo de livre competição,
baseado em regras pautadas pelo mérito e pela capacidade de produzir retornos
sociais eficientes. É fundamental limitar a possibilidade de utilização, pelo
estado, de mecanismos de manipulação de recursos em favor de interesses
políticos particulares. Não se trata de retornar ao dilema simplificador de opor
estado em relação ao mercado. Estado e mercado não são instituições que se
excluam; ao contrário, são complementaridades institucionais. A concepção de
complementaridades institucionais é relevante visto que supõe que a presença
S. K. Guimarães – Desenvolvimento econômico-social e instituições no Brasil 281

de uma instituição tem implicações no desempenho de outra. Segundo North,


não haverá uma ordem política verdadeiramente democrática, sem que a
liberdade e a competição conduzam também à lógica da ordem econômica e
vice versa.
As dificuldades enfrentadas pelo Brasil, acima analisadas, sugerem que
suas instituições não conseguiram ainda ultrapassar os limites impostos pela
path dependence, cujos traços culturais patrimonialistas, parecem, às vezes,
ter sido superados mas, de repente, emergem com vigor. O desenvolvimento
econômico do país, sustentado por elevado grau de protecionismo, estimula
o isolamento econômico e afasta o mundo empresarial dos desafios da
competição. O sistema opera em um círculo vicioso em que se sucedem baixa
produtividade, baixa competitividade, baixo nível tecnológico, crescente
desigualdade; a curtos períodos de crescimento econômico, sucedem-se
longos períodos de depressão econômica, seguidos de mais protecionismo,
mais distorções e, assim, gira o círculo.
Conforme se procurou mostrar, o baixo desempenho do sistema nacional
de educação, ciência, tecnologia e inovação decorre de uma estrutura de incen-
tivos ineficiente, que carece de iniciativas estratégicas; ao contrário, as ações
são pautadas pelo acaso, em que se sucedem “dias de muito; véspera de nada”.
A transformação de uma sociedade em direção a uma ordem social
mais justa exige, antes de tudo, compreender de forma objetiva, os fatores
que a mantém. Sem essa compreensão, a solução baseada na distribuição
será inócua, visto que a redução dos “males sociais” requer um conjunto de
normas, leis, crenças, percepções, enfim um arcabouço institucional, que seja
incorporado como valor pela sociedade e garantidos pelo estado, por meio de
um sistema jurídico ágil e imparcial, visando à construção da ordem social de
acesso aberto.

Referências
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Autora correspondente:
Sônia K. Guimarães
Rua Eng. Teixeira Soares, 66 ap. 802
90440-140 Porto Alegre, RS, Brasil

Recebido em: 16 fev. 2016


Aprovado em: 20 maio 2016

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