Material Suplementar MAT 2453 Fatos Fundamentais Sobre: Apresentação

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Material Suplementar MAT 2453

Fatos Fundamentais sobre R


Prof. Jean Cerqueira Berni∗

Apresentação
O objetivo deste material é apresentar as principais propriedades dos números reais. Não
nos preocuparemos aqui com a definição de número real, e assumiremos apenas familiari-
dade do leitor com as propriedades dos números naturais, inteiros e racionais.

Os fatos aqui apresentados serão usados no decorrer do nosso curso de MAT2453, e nos
referiremos a estes resultados frequentemente. Desta forma, é recomendável que o aluno faça
uma leitura deste material.

1 O Conjunto dos Números Naturais


O conjunto dos números naturais é apresentado como:

N = {1, 2, 3, · · · }.
A existência de um tal conjunto é simplesmente postulada, e demonstra-se que é equiva-
lente ao Axioma do Infinito da Teoria dos Conjuntos.

Este conjunto pode ser descrito de um modo mais rigoroso utilizando-se os chamados
Axiomas de Dedekind-Peano. Os axiomas a seguir caracterizam completamente o sistema
de números naturais que conhecemos:
[email protected]

1
Axiomas de Dedekind-Peano: O conjunto dos números naturais, N, é o único tal que:

(DP1) Existe uma funão s : N → N, que associa a cada n ∈ N um elemento s(n) ∈ N,


chamado o sucessor de n;

(DP2) A função s : N → N é injetora;

(DP3) Existe um único elemento em N, denotado por 1, tal que (∀n ∈ N)(s(n) 6= 1);

(DP4) Seja X ⊆ N. Se 1 ∈ X e se, para qualquer n ∈ X tivermos s(n) ∈ X, então X = N.

A função s : N → N mencionada nos axiomas acima é chamada de “função sucessor”, e


é dada por s(n) = n + 1 para qualquer n ∈ N.

O axioma (DP4) é tão importante que merece algum destaque. Ele também é conhecido
como “o Princípio da Indução Finita”, que é muito utilizado para se demonstrar proposições
acerca de números naturais.

Seja P uma “propriedade” de algum número natural; escreveremos P (n) para denotar a
fórmula que expressa “n satisfaz à propriedade P ”.

Por exemplo, se P é a propriedade “ser múltiplo de 3”, então P (n) significa “n é múltiplo
de 3”, e P (9) é válida, enquanto que P (10) não é. Se P é a propriedade “ser quadrado per-
feito”, então P (n) significa “n é um quadrado perfeito”, e P (4) é válida, enquanto que P (5)
não é, e assim por diante.

Considere X0 = {n ∈ N | P (n)} (ou seja, X0 é o conjunto de todos os números naturais


que satisfazem a propriedade P ). Reescrevendo o terceiro axioma de Peano para X0 obtemos
o:
Princípio da Indução Finita: Se 1 satisfaz a propriedade P e se a validade de P para
um número natural n qualquer implicar a validade de P para o sucessor de k, ou seja,
para k + 1, então todo número natural satisfaz a propriedade P . Simbolicamente:

(P (1))&(∀k ∈ N)(P (k) ⇒ P (k + 1)) ⇒ (∀n ∈ N)(P (n))

Costuma-se denominar o passo de assumir a veracidade de P (k ) por hipótese indutiva


ou hipótese de indução.

O Princípio da Indução Finita é muito utilizado para demonstrar resultados que dizem
respeito a números naturais. Abaixo apresentamos um exemplo de demonstração feita por
indução.

2
Exemplo 1. Para todo n ∈ N tem-se:

2n ≤ ( n + 1 ) !

Demonstração. Seja k um número natural qualquer e seja P a propriedade dada por:

P (k) ≡ “k é tal que 2k ≤ (k + 1)!”


Pelo Prinípio da Indução Finita, a tese de que para todo n ∈ N tem-se 2n ≤ (n + 1)! segue
se mostrarmos que:

P (1) ≡ “1 é tal que 21 ≤ 2!”


e que se k ∈ N é tal que P (k), ou seja:

Hipótese Indutiva: P (k) ≡ “k é tal que 2k ≤ (k + 1)!”.


então vale P (k + 1) ≡ “k + 1 é tal que 2k+1 ≤ ((k + 1) + 1)!”.

Verificamos diretamente P (1), pois 21 = 2 ≤ 2! = 2 · 1 = 2, de modo que vale P (1).

Supomos que valha P (k ), ou seja, que 2k ≤ (k + 1)! seja verdade (esta é a nossa Hi-
pótese de Indução) e mostramos, usando esta presunção nos permite concluir que 2k+1 ≤
((k + 1) + 1)!.

De fato, tem-se 2k+1 = 2 · 2k , de modo que pela Hipótese de Indução pode-se concluir
que:

2 · 2k ≤ 2 · ( k + 1 ) !
Como para qualquer número natural k vale 2 ≤ k + 2, segue que

2k+1 = 2 · 2k ≤ 2 · (k + 1)! ≤ (k + 2) · (k + 1)! = (k + 2)! = ((k + 1) + 1)!


ou seja, vale:

P (k + 1) ≡ “k + 1 é tal que 2k+1 ≤ ((k + 1) + 1)!”


Pelo Princípio da Indução Finita segue que:

(∀n ∈ N)(2n ≤ (n + 1)!).

3
Observação 2. Em muitos casos queremos mostrar que uma determinada propriedade P (n) é verda-
deira para todo n ≥ n0 , para algum n0 ∈ N. O Princípio da Indução Finita é facilmente adaptado
neste caso.

Seja P (n) uma proposição tal que, para algum n0 ∈ N:

(i) P (n0 );

(ii) (∀n ≥ n0 )(P (n) ⇒ P (n + 1))

Então, para todo n ≥ n0 , tem-se P (n). De fato, seja m = n − n0 + 1, e definamos o predicado


Q(m) = P (m + n0 − 1), de modo a formar o conjunto:

S = {m ∈ N | Q(m)} = {m ∈ N | P (m + n0 − 1)}
Note que Q(1) ≡ P (1 + n0 − 1) = P (n0 ), ou seja, como vale P (n0 ) e P (n0 ) ≡ Q(1), assegura-
se a validade de Q(1). Note também que:

(∀n ∈ N)(Q(n) ⇒ Q(n + 1)) ≡ (∀n ≥ n0 )(P (n) ⇒ P (n + 1))


Conclui-se, pelo Terceiro Axioma de Peano, que para todo número natural n vale Q(n), ou,
equivalentemente, que:

(∀n ≥ n0 )(P (n)).


Exemplo 3. Mostremos que:

(∀n ≥ 4)(2n < n!)


Demonstração. Verificamos diretamente o resultado para n = 4, pois 24 = 16 < 24 = 4!.

Hipótese de Indução: 2k < k!.

Mostremos, agora, que 2k+1 < (k + 1)!. De fato,

2k+1 = 2 · 2k < 2 · k!,


e como para qualquer natural k ≥ 4 vale 2 < k + 1, temos:

2k+1 = 2 · 2k < 2 · k! < (k + 1) · k! = (k + 1)!


Concluímos que:

(∀n ∈ N)(4 ≤ n ⇒ 2n < n!).

4
O princípio a seguir nos permite derivar importantes resultados sobre os números natu-
rais:

Princípio da Boa-Ordem: Todo subconjunto não vazio dos números naturais possui um
menor elemento.

Demonstração. Seja A ⊂ N um subconjunto não-vazio. Sem perda de generalidade, podemos


admitir que 1 ∈ / A, pois caso contrário 1 seria evidentemente o menor elemento de A. O
menor elemento de A, cuja existência queremos provar, deverá, pelo axioma (DP3), ser da
forma s(n) = n + 1. Devemos, pois, encontrar um número natural n tal que n + 1 ∈ A e,
além disso, todos os elementos de A sejam maiores do que n, logo maiores do que 1, 2, · · · , n.
Noutras palavras, procuramos um número natural n tal que n ∈ N \ A e n + 1 ∈ A. Com esse
objetivo, consideramos o conjunto

X = {n ∈ N | {1, 2, · · · , n − 1, n} ⊂ N \ A}.
Portanto, X é o conjunto dos números naturais n tais que todos os elementos de A são
maiores do que n. Como estamos supondo que 1 ∈ / A, sabemos que 1 ∈ X. Por outro lado,
como A 6= ∅, nem todos os números naturais pertencem a X, ou seja, temos X 6= N. Pelo
axioma (DP4), vemos que deve existir algum n ∈ X tal que n + 1 ∈ X (ou então teríamos,
obrigatoriamente, X = N). Isto significa que todos os elementos de A são maiores do que n,
mas nem todos são maiores do que n + 1. Como não há números naturais entre n e n + 1,
concluímos que n + 1 ∈ A e n + 1 é o menor elemento de A.

2 O Axioma do Supremo e suas Consequências


Nesta seção apresentaremos algumas propriedades fundamentais dos números reais que
serão utilizadas ao longo do curso. Enunciaremos o Axioma do Supremo, que é uma proprie-
dade que distingue R de Q, efetivamente, e em seguida veremos algumas de suas consequên-
cias, como a Propriedade Arquimediana de R e a Propriedade dos Intervalos Encaixantes.
Definição 4 (conjunto limitado superiormente/ inferiormente). Um conjunto X ⊆ R é limi-
tado superiormente se, e somente se existir M ∈ R tal que:

(∀ x ∈ X )( x ≤ M).
Neste caso dizemos que M é uma cota superior de X.
Analogamente, dizemos que é limitado inferiormente se, e somente se existir N ∈ R tal que:

(∀ x ∈ X )( N ≤ x ).
Neste caso dizemos que N é uma cota inferior de X. Se X for limitado superior e inferiormente,
diremos simplesmente que X é limitado.

5
Exemplo 5. O conjunto sem elementos, ∅, é limitado, por vacuidade.

Exemplo 6. Para quaisquer a, b ∈ R, qualquer intervalo da forma ] − ∞, a[ ou ] − ∞, a] é limitado su-


periormente, mas não inferiormente. Todo intervalo da forma [b, ∞[ ou ]b, ∞[ é limitado inferiormente,
mas não superiormente. Finalmente, se a < b, então os intervalos [ a, b], ] a, b], ] a, b[, [ a, b[ são todos
limitados (superior e inferiormente).

Exemplo 7. O conjunto:

x2
 
X= 2 |x∈R
x +1
é limitado superiormente e inferiormente. De fato, para qualquer x ∈ R tem-se:

x2 ≤ x2 + 1

de modo que:
x2
≤ 1,
x2 + 1
e X é limitado superiormente.

Para ver que A é limitado inferiormente, basta observarmos que 0 ≤ x2 < x2 + 1, ou seja,

x2
0≤ .
x2 + 1
Assim,

x2
 
(∀ x ∈ R) 0 ≤ 2 ≤1
x +1
donde segue que X é limitado.

Exemplo 8. Qualquer conjunto finito de números reais é limitado. De fato, considere F = { x0 , x1 , · · · , xn } ⊂


R. Como R está totalmente ordenado, existe em F um elemento mínimo, que denotaremos por min( F )
e um elemento máximo, que denotaremos por max( F ). Tem-se, assim:

(∀ x ∈ F )(min F ≤ x ≤ max F ).

Definição 9 (supremo). Seja X ⊂ R um conjunto limitado superiormente. O supremo de X, que


denotamos por sup X é a menor das cotas superiores de X. Assim, α = sup X se, e somente se:

(S1) (∀ x ∈ X )( x ≤ α);

(S2) (∀ε > 0)(∃ xε ∈ X )(α − ε < xε ≤ α);

6
X
α = sup X
α−ε xε α

Exemplo 10. O conjunto X = { x ∈ R | 0 ≤ x < 1} = [0, 1[ é não-vazio (por exemplo, 0 ∈ X) e


limitado superiormente (por exemplo, pelo número 1, uma vez que (∀ x ∈ [0, 1[)( x < 1 ≤ 1)). Para
determinarmos o supremo deste conjunto, devemos encontrar a menor de todas as cotas superiores.
Vemos que todo número maior ou igual a 1 é cota superior de [0, 1[, o que nos sugere que a menor
dessas cotas seja exatamente 1. Temos o seguinte “Ansatz”:

sup[0, 1[= 1.
Vamos ver que este é mesmo o caso.

(S1) está satisfeita, pois conforme observamos acima, 1 é cota superior;

(S2) Vamos ter que demonstrar, agora, que se tirarmos qualquer quantia positiva ε > 0 de 1, por
menor que seja essa quantia, 1 − ε não é cota superior de X = [0, 1[ (ou seja, nenhum número menor
que 1 é cota superior de X). De fato, dado qualquer ε > 0, há (pelo menos) um elemento xε ∈ [0, 1[ que
“testemunha” que 1 − ε não é cota superior: basta tomarmos o ponto médio entre 1 − ε e 1, ou seja,
basta tomarmos:
ε
xε = 1 − .
2
Temos, assim,
ε
1−ε < 1− = xε < 1.
2
Como este argumento pode ser replicado para qualquer ε > 0, tem-se:

(∀ε > 0)(∃ xε ∈ [0, 1[)(1 − ε < xε < 1), e vale (S2).

X
0 1−ε 1− ε 1
2

Exemplo 11. Um exemplo menos trivial é o seguinte: considere o conjunto: X = { x ∈


√ R | x 3 < 7}.
3
Vemos que X é não-vazio (por exemplo, 0 ∈ X) e X é limitado superiormente, pois 7 é uma cota
superior para X. Temos o seguinte “Ansatz”:

3
sup X = 2.

Para demonstrar isto, basta observarmos que 3 7 é cota superior √ para X e que, para qualquer
quantidade positiva ε > 0, não importa quão pequena seja, tem-se que 3 7 − ε não é cota superior de
X. Como fizemos no exemplo anterior, basta tomarmos:

7

3 ε
xε = 7−
2
e teremos:

3

3 ε √
3
7 < xε = 7− < 7
2
Definição 12 (máximo). Se X ⊂ R é um conjunto não vazio e limitado superiormente e α = sup X ∈
X, dizemos que α é o máximo de X, e escrevemos α = max X.

Definição 13 (ínfimo). Seja X ⊂ R um conjunto limitado inferiormente. O ínfimo de X, que


denotamos por inf X é a maior das cotas inferiores de X. Assim, β = inf X se, e somente se:

(I1) (∀ x ∈ X )( β ≤ x );

(I2) (∀ε > 0)(∃ xε ∈ X )( β < xε ≤ β + ε);

X
β = inf X
β xε β+ε

Definição 14 (mínimo). Se X ⊂ R é um conjunto não vazio e limitado inferiormente e β = inf X ∈


X, dizemos que β é o mínimo de X, e escrevemos β = min X.

O seguinte axioma é o que caracteriza a noção de continuidade dos números reais:

Axioma 15 (Axioma do Supremo). Se X ⊂ R é um conjunto não vazio limitado superior-


mente, então X admite supremo em R.

Segue diretamente do axioma acima o seguinte:

Teorema 16. Se X ⊂ R é não-vazio e limitado inferiormente, então X admite ínfimo em R.

Demonstração. Considere o conjunto:

− X = {− x | x ∈ X }.
Uma vez que X é limitado inferiormente, existe N ∈ R tal que:

(∀ x ∈ X )( N ≤ x )

e portanto:

(∀ x ∈ X )(− x ≤ − N ),
de modo que − X é limitado superiormente. Como X 6= ∅, segue que − X 6= ∅, e pelo Axioma
do Supremo existe α ∈ R tal que α = sup(− X ).

8
Afirmamos que inf X = −α.
De fato, como α é cota superior para − X tem-se, para todo x ∈ X:
−x ≤ α
donde:
−α ≤ x,
e portanto −α é cota inferior para X (i.e., vale (I1)).
Para qualquer ε > 0, como α = sup(− X ), existe xε ∈ X tal que α − ε < − xε ≤ α, ou,
equivalentemente:

−α ≤ xε < −α + ε
e vale (I2). Logo −α = inf X.

Propriedade Arquimediana de R: Se x > 0 e y são dois números reais quaisquer, então


existe pelo menos um n0 ∈ N tal que:

n0 · x > y

Demonstração. Suponhamos, por absurdo, que para todo n ∈ N tenhamos nx ≤ y; considere-


mos então o conjunto:

A = { n · x | n ∈ N}.
A certamente não é vazio, uma vez que 1 ∈ A (pois 1 · x = x ∈ A), e é limitado supe-
riormente por y. Pelo Axioma do Supremo, existe α ∈ R tal que α = sup A. Como x > 0,
α − x < α; assim, α − x não é cota superior de A. Logo, existe m ∈ N tal que:

α−x < m·x


e daí segue que:

α < (m + 1) · x,
o que é um absurdo, pois α é o supremo de A e (m + 1) · x ∈ A. Deste modo, supor que
(∀n ∈ N)(n · x ≤ y) nos leva a um absurdo. Logo deve existir n0 ∈ N tal que n0 · x > y.
Da propriedade arquimediana deduz-se o seguinte:

Teorema 17. Para qualquer ε > 0 existe n0 ∈ N tal que:

1
< ε.
n0

9
Demonstração. Consideremos, na Propriedade Arquimediana, x como sendo ε e y como sendo
1. Assim, existe n0 ∈ N tal que:
n0 · ε > 1,
ou seja,
1
ε> .
n0

A seguir veremos algumas consequências da Propriedade Arquimediana:

Teorema 18. N é ilimitado superiormente.

Demonstração. Suponha que exista b ∈ R que seja cota superior de N, Como b > 0, 1
b > 0.
Pelo Teorema 17, existe n0 ∈ N tal que:
1 1
0< <
n0 b
ou equivalentemente,

b < n0 ,
ou seja, b não é uma cota superior para N.

Teorema 19. Entre quaisquer dois números reais, existe um número racional.

Demonstração. Sejam a, b ∈ R com a < b. Vamos mostrar que existe r ∈ Q tal que a < r < b.

Como a < b, tem-se b − a > 0, de modo que pelo Teorema 17 existe n0 ∈ N tal que:
1
0< < b − a.
n0
Seja A = { p ∈ N | p > n0 · a} e note que A 6= ∅. Com efeito, se A = ∅, então n0 · a seria
uma cota superior para N, o que implicaria que N é limitado superiormente, contrariando
o Teorema 18. Consequentemente, tem-se A ⊂ N com A 6= ∅. Pelo Princípio da Boa
Ordenação, segue que A tem um menor elemento. Seja m0 = min A.
Como m0 ∈ A, segue que:
m0
r= > a,
n0
e m0 ≤ p para todo p ∈ A. Ainda, tem-se que m0 − 1 ∈
/ A, ou seja,

10
m0 − 1 ≤ n0 · a.
Desta forma, segue que:
m0 m −1+1 m −1 1
r= = 0 = 0 + < a + (b − a) = b,
n0 n0 n0 n0
de onde segue a tese.

Teorema 20. Entre quaisquer dois números reais existe um número irracional.

Demonstração. Sejam a, b ∈ R com a < b.

a é racional ou irracional; suponhamos inicialmente que a é irracional. Temos:

a < b ⇐⇒ b − a > 0.
Pelo Teorema 17, existe um número natural n tal que:
1 1
< b − a, e portanto a + < b.
n n
Como n > 0, a < a + n . Tomando-se t = a + n tem-se t ∈ R \ Q (pois é soma de um
1 1 1

número racional com um número irracional) e a < t < b.

Se a for um número √ racional, como b − a > 0, segue pela Propriedade Arquimediana



(com x = b − a e y = 2) que √
existe um número natural n tal que n · ( b − a ) > 2. Neste
2
caso, basta tomarmos t = a + n , que é um número irracional tal que a < t < b.

Lema 21. Sejam α, β ∈ R tais que para qualquer ε > 0, tem-se:

α−ε < β < α+ε


então α = β.
Demonstração. Suponha que para todo ε > 0 tenhamos
α−ε < β < α+ε
mas que (por absurdo) α 6= β. Sem perda de generalidade, suponhamos α < β. Em particular,
tomando ε = β − α, concluímos que:

α − ( β − α) < β < α + ( β − α)
2α − β < β < β,
logo β < β, o que é um absurdo.

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Teorema dos Intervalos Encaixados: Seja [ a0 , b0 ], [ a1 , b1 ], · · · , [ an , bn ], · · · uma sequência
de intervalos satisfazendo as condições:

(i) [ a0 , b0 ] ⊃ [ a1 , b1 ] ⊃ [ a2 , b2 ] ⊃ · · · ⊃ [ an , bn ] ⊃ · · · ;

(ii) Para todo ε > 0 existe n ∈ N tal que bn − an < ε, ou seja, à medida que n cresce, o
comprimento do intervalo [ an , bn ] vai se aproximando de zero.

Nestas condições existe um único número real α que pertence a todos os intervalos da
sequência, isto é, existe um único número real α tal que:

(∀n ∈ N)( an ≤ α ≤ bn ).

a0 a1 a2 an bn b2 b1 b0

Demonstração. Existência: O conjunto A = { a0 , · · · , an , · · · } certamente é não vazio e limitado


superiormente (por qualquer um dos bi s, i ∈ N). Pelo Axioma do Supremo, existe α ∈ R tal
que α = sup A. Ademais, como α é, por definição, a menor das cotas superiores de A e para
todo n ∈ N, bn é cota superior de A, segue que:

(∀n ∈ N)( an ≤ α ≤ bn ).

Unicidade: Suponha que β ∈ R seja tal que:

(∀n ∈ N)( an ≤ β ≤ bn ).

Como (∀n ∈ N)( an ≤ α), segue que (∀n ∈ N)(−α ≤ − an ). Assim,como para qualquer
n ∈ N tem-se β ≤ bn , segue que :

β − α ≤ bn − α ≤ bn − a n .
Como (∀n ∈ N)(α ≤ bn ), segue que (∀n ∈ N)(−bn ≤ −α). Também, como (∀n ∈
N)( an ≤ β) , segue que:

a n − bn ≤ β − bn ≤ β − α
Logo,
(∀n ∈ N)( an − bn ≤ β − α ≤ bn − an )
(∀n ∈ N)(−(bn − an ) ≤ β − α ≤ bn − an )
(∀n ∈ N)(| β − α| < bn − an )

12
Por (ii) segue que para qualquer ε > 0 existe n ∈ N tal que |α − β| < bn − an < ε.
Desta forma, para todo ε > 0 tem-se:

α−ε < β < α+ε


de onde se conclui, pelo Lema 21, que α = β.
Note que o fato de considerarmos X como subconjunto de R é essencial para garantir a
existência do supremo (que é um elemento do conjunto do qual X é subconjunto). A propri-
edade dada pelo Axioma do Supremo não é válida, em geral, se não estivermos trabalhando
em R. Consideremos o seguinte exemplo que nos ilustra que em Q, nem todo conjunto não
vazio e limitado superiormente admite supremo em Q.

Exemplo 22. Considere:

X = { x ∈ Q | x2 < 2} ⊂ Q.
Note que X é limitado superiormente, pois o número 2 é uma cota superior para X. Com efeito, se
x2 < 2 então, em particular, x < 2.

Observe, também, que X 6= ∅, pois 1 ∈ X.

Vamos demonstrar que embora este conjunto seja não vazio e limitado em Q, X não admite supremo
em Q.

Faremos isto decompondo Q como reunião de dois subconjuntos, a saber, X e Q \ X.

Afirmação (1): Nenhum elemento de X é supremo de X;

Com efeito, para todo d ∈ X, mostraremos que existe h > 0 tal que d + h ∈ X - de modo que
nenhum elemento de X é cota superior de X e, muito menos o supremo de X.

Dado qualquer número racional d ∈ X, ou seja, tal que d2 < 2, é sempre possível obter um número
racional d + h, com h número racional positivo, tal que (d + h)2 < 2. Esta desigualdade se verifica se,
e somente se:

d2 + 2dh + h2 < 2,
ou seja, se, e somente se:

2dh + h2 < 2 − d2 .
Note que como d ∈ X, 2 − d2 > 0. Assim, a desigualdade anterior fica:

h · (2d + h) < 2 − d2 ,

13
ou seja:

2 − d2
h< .
2d + h
Como h < 1, segue que 2d + h < 2d + 1 e que:

2 − d2 2 − d2
< ,
2d + 1 2d + h
de modo que se exigirmos que:

2 − d2
0<h<
2d + 1
teremos, consequentemente, h < (2 − d2 )/(2d + h) e, portanto (d + h)2 < 2.

Afirmação (2): Nenhum elemento de Q \ X é a menor das cotas superiores de X;

Seja α ∈ Q \ X, de modo que α é uma cota superior para X. Mostraremos que existe ε > 0 tal que
α − ε ainda é cota superior para X.

Um tal ε > 0 deverá ser tal que 2 < (α − ε)2 , ou seja, tal que:

2 < α2 − 2αε + ε2 ,
e como α2 > 2, segue que:

2αε − ε2 < α2 − 2

(2α − ε) · ε < α2 − 2
e portanto bastaria tomarmos ε satisfazendo:

α2 − 2
ε< .
2α − ε
Como ε > 0, tem-se 2α − ε < 2α e, assim:
1 1
<
2α 2α − ε

α2 − 2 α2 − 2
<
2α 2α − ε

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α2 − 2
Basta, portanto, tomarmos ε = , e teremos que (α − ε) ainda é cota superior de X - de modo

que α não é a menor das cotas superiores de X e, muito menos o supremo de X.

Das afirmações (1) e (2) segue que nenhum elemento de X ∪ (Q \ X ) = Q pode ser supremo de X.
Logo, embora X ⊆ Q seja não vazio e limitado superiormente, X não admite supremo em Q.

De fato, o Axioma do Supremo é uma das propriedades que diferenciam R de Q (o


Teorema dos Intervalos Encaixados também distingue R de Q). De fato:

Tabela 1: Comparação entre Q e R


Propriedade R Q
Fechado por somas X X
Fechado por produtos X X
Todo elemento não-nulo tem inverso X X
Satisfaz a Propriedade Arquimediana X X
Satisfaz o Axioma do Supremo X ×

Referências
[1] Guidorizzi, H. L., Um Curso de Cálculo, Volume I, 5a edição. Editora LTC. Rio de
Janeiro, 2015.

[2] Lima, E. L., O Princípio da Indução, disponível em http://www.mat.uc.pt/~mat0829/A.


Peano.htm, acessado em 27 de agosto de 2020.

[3] Maurer, W. A., Curso de Cálculo Diferencial e Integral: Fundamentos Aritméticos e


Topológicos, Editora Edgard Blücher LTDA, 1977.

[4] Neves, W., Uma Introdução à Análise Real, Editora UFRJ, 2014.

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