Teoria e Crítica Pós-Colonialistas - Bonnici - Fichamento
Teoria e Crítica Pós-Colonialistas - Bonnici - Fichamento
Teoria e Crítica Pós-Colonialistas - Bonnici - Fichamento
Os indivíduos adotam certo tipo de filosofia ou teoria científica quando está de acordo com
a “verdade” proposta pelas autoridades intelectuais ou políticas contemporâneas, pela elite
ou pelos ideólogos. (p.223)
● Comentário: A ideia de que os homens e mulheres pobres são mais grosseiros,
"sujos" e afins relaciona-se à uma noção tomada como verdade que, não
necessariamente, representa a realidade concreta, mas está de acordo com uma
análise parcial empreendida pelas autoridades do período colonial.
Reconhece que o discurso, escrito ou oral, jamais poderia estar livre das amarras do período
histórico em que foi produzido. Ou seja, o discurso está inerente a todas as práticas e
instituições culturais e necessita da agência dos indivíduos para ser efetivo. (p.223)
● Comentário: A maneira como um determinado discurso é reproduzido no romance
estudado não pode ser dissociada da historicidade.
Nenhum acontecimento nasce de uma causa única, mas é o produto de uma vasta rede de
significantes e de poder. Ademais, a história e a história das ideias são intimamente ligadas
à leitura e a produção de textos literários. Esses textos são a expressão de práticas
discursivas determinadas histórica e materialmente. Esses discursos são produzidos dentro
de um contexto de luta pelo poder. De fato, na política, nas artes e na ciência o poder se
constrói através do discurso e, portanto, a pretensão de que haja objetividade nos discursos
é falsa, havendo, então, apenas discursos mais poderosos e menos poderosos. (p. 224)
● Comentário: Pode-se usar esse trecho a fim de explicar a relação entre a lógica
metrópole e colônia e a representação disso no romance estudado. A estrutura da
cidade de São Paulo, dividida entre centro e periferia, é produto de uma vasta rede
de relações, significantes e luta pelo poder. O texto literário explicita essa relação e
os discursos foram produzidos acerca dos sujeitos da periferia e do centro
metropolitano.
Na concepção de Foucault, o discurso é internalizado por nós, organizando nosso ponto de
vista do mundo e colocando-nos como um elo (inconsciente) na cadeia do poder. Foucault,
portanto, coloca a linguagem no centro do poder social e das práticas sociais. (p.225)
● Comentário: O discurso depreciativo acerca dos moradores da favela do Canindé é
internalizado pelos próprios moradores e, sobretudo, por Carolina que, segundo
Foucault, é colocada como um elo inconsciente na cadeia do poder, reproduzindo o
discurso “legitimado” pelo grupo responsável pela organização da estrutura social a
qual todos estão inseridos.
Embora o discurso seja repleto de poder, não é imune aos desafios ou às mudanças: é o
lugar de conflito e luta, encarregado de criar e suprimir a resistência. Para Foucault, o
discurso reforça o poder e, ao mesmo tempo, o subverte. Ao ser exposto, o discurso torna-
se frágil e fica mais propenso a ser contrariado. (p. 225)
Para Said (1990), as representações do Oriente (ou Orientalismo) feitas pelo Ocidente levam
consciente e deterministicamente à subordinação. Percebe-se, de fato, um discurso
etnocêntrico repressivo que legitima o controle europeu sobre o Oriente através do
estabelecimento de um construto negativo. A esperteza, o ócio, a irracionalidade, a rudeza,
a sensualidade, a crueldade, entre outros, formam esse construto, em oposição a outro
construto, positivo e superior (racional, democrático, progressivo, civilizado, etc.),
defendido e difundido pela cultura ocidental. (p. 225)
História do pós-colonialismo
Nessas últimas três décadas surgiu o problema de como ler as obras de escritores que,
escrevendo nas línguas europeias, são etnicamente não-europeus. É justo ler essas obras,
profundamente inseridas numa cultura não-ocidental, através de parâmetros de uma
abordagem ocidental? [...] Se a literatura da metrópole foi usada para enfatizar a
superioridade européia através da degradação ou do aniquilamento da cultura não-
européia, qual é o papel dessas literaturas pós-coloniais? (p. 227)
● Dúvida: Pode ser usado para justificar o uso da teoria pós-colonial na análise de
Quarto de Despejo?
Colonialismo
A expansão colonial européia nos séculos XV e XVI coincidiu, portanto, com o início de um
sistema capitalista moderno de trocas econômicas. As colônias foram imediatamente
percebidas como fonte de matérias-primas que sustentariam por muito tempo o poder
central da metrópole. [...] Entre o colonizador e o colonizado estabeleceu-se um sistema de
diferença hierárquica fadada a nunca mais admitir um equilíbrio no relacionamento
econômico, social e cultural. (p. 228)
● Dúvida: Podemos utilizar na síntese da história do colonialismo durante o
desenvolvimento da pesquisa?
Os termos raça, racismo e preconceito racial são oriundos da posição hegemônica européia.
Esse tópico transformou-se numa justificativa para introduzir o regime escravocrata a partir
de meados do século XVI, quando se formou a idéia de um mundo colonial habitado por
gente “naturalmente” inferior, programada pela natureza para trabalhar braçalmente e
servir ao homem europeu branco. (p. 228)
● Comentário: A relação entre a historicidade e o romance trabalhado é perceptível,
tanto pelas descrições das personagens, quanto pelas situações vivenciadas por elas.
Sujeito e objeto
Os críticos tentam expor os processos que transformaram o colonizado numa pessoa muda
e as estratégias dele para sair dessa posição. [...] O colonizado fala quando se transforma
num ser politicamente consciente que enfrenta o opressor. Embora escritos por europeus,
muitos relatos de viagens e romances pré- e pós-independência revelam
inconscientemente a voz e os atos dos oprimidos. Materializa-se, portanto, o processo de
agência, ou seja, a capacidade de alguém executar uma ação livre e independente,
vencendo os impedimentos processados na construção de sua identidade. [...] Nos estudos
pós-coloniais, a agência é um elemento fundamental, porque revela a autonomia do sujeito
em revidar e contrapor-se ao poder colonial. (p. 231)
● Dúvida: Mesmo reproduzindo o discurso que inferioriza os moradores das periferias
em relação aos moradores dos centros urbanos, podemos classificar Carolina como
um sujeito politicamente consciente que, por meio da escrita e do domínio da
linguagem, utiliza estratégias para resgatar sua própria voz?
Colonialismo e feminismo
A segunda etapa envolve textos literários escritos sob supervisão imperial por nativos que
receberam sua educação na metrópole e que se sentiam gratificados em poder escrever na
língua do europeu (nessa época não havia nenhuma consciência de ela ser também do
colonizador). (p. 233)
● Dúvida: Poderíamos utilizar esse trecho, citando, como exemplo, os textos
produzidos pelos românticos da primeira geração?
A terceira etapa envolve uma gama de textos, a partir de certo grau de diferenciação, até
uma total ruptura com os padrões da metrópole. Evidentemente, essas literaturas
dependiam do cancelamento do poder restritivo, ou seja, começaram a ser escritas ou umas
décadas antes ou a partir da independência política. (p. 233)
Sabe-se, contudo, que a formação do cânone literário deu-se porque certas obras em
determinados períodos históricos cultuavam interesses e propósitos culturais particulares,
como se fossem o único padrão de investigação literária. [...] Por outro lado, numa
sociedade patriarcal e machista, os textos e as biografias das escritoras brasileiras do século
XIX e início do século XX foram quase todos suprimidos. Suas obras foram literalmente
relegadas ao esquecimento. (p. 234)
A releitura
A releitura é uma estratégia para ler textos literários ou não-literários e, dessa maneira,
garimpar suas implicações imperialistas e trazer à tona o processo colonial. A releitura do
texto faz emergir as nuanças coloniais que ele mesmo esconde. Quando se lê um romance
da literatura brasileira do século XIX, por exemplo, nada se depara, à primeira vista, sobre os
contrapontos da riqueza pessoal dos personagens, da suntuosidade de seus solares e de sua
vida folgada. A reinterpretação ou a leitura contrapontual revela que a origem dessa riqueza
está enraizada na escravidão de índios e negros, no comércio da carne humana, na invasão
e violação de terras alheias, nos castigos horrendos, na manutenção do estado racista. (p.
234)
● Dúvida: Esse processo se assemelha ao que será feito no decorrer do
desenvolvimento da pesquisa?
A reinterpretação faz parte da inevitável tendência do acadêmico que trabalha com o pós-
colonialismo para subverter o texto metropolitano. As estratégias subversivas revelam (1) a
forma da dominação e (2) a resposta criativa a esse fato. Isso acontece quando (1) se
denuncia o título de “centro” que as literaturas europeias deram a si mesmas, e (2) se
questiona o ponto de vista europeu que “natural e constantemente” polariza o centro e a
periferia. É importante desafiar este último item, ou seja, frisar que não é legítimo ordenar a
realidade dessa maneira. (p. 235)
A reescrita
A reescrita é um fenômeno literário, muito utilizado pela língua inglesa (porém não
exclusivo desta), que consiste em selecionar um texto canônico da metrópole e, através de
recursos da paródia, produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-colônia. A
reescrita faz parte do contradiscurso, originalmente usado por Terdiman (1985) para
demonstrar os métodos usados pelo discurso da periferia contra o discurso dominante do
centro imperial. A seleção gira em torno de certos textos particularmente preeminentes e
simbólicos que o discurso dominante irradiava para impor sua ideologia. A reescrita tem por
finalidade a quebra da ocultação da hegemonia canônica e o questionamento dos vários
temas, enfoques, pontos de vista da obra literária em questão, os quais reforçavam a
mentalidade colonial. Logicamente a reescrita desemboca na subversão dos textos
canônicos e na reinscrição dentro do processo subversivo. (p. 236)
A descolonização
A estratégia do poder colonial é deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus
paradigmas. [...] Pode-se dizer que a globalização da economia mundial baseia-se (1) no
fato de que as mudanças no controle econômico e cultural não ocorreram e (2) na
convicção de que a formação da elite comprometida com as nações hegemônicas era
premeditada e realizara-se através de discriminações, lutas classicistas e práticas
educacionais. Ademais, o eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das nações
politicamente independentes com seus modelos culturais, especialmente pelo binarismo
(literatura e oratura; línguas européias e línguas indígenas; inscrições culturais européias e
cultura popular etc.) (p.237)
Tendo como princípio que descolonizar não é simplesmente livrar-se das amarras do poder
imperial, mas procurar também alternativas não repressivas ao discurso imperialista, a
descolonização da literatura e da crítica literária darão um novo e mais aprofundado
entendimento ao acadêmico. (p. 238)