Monografia Pronta
Monografia Pronta
Monografia Pronta
Açailândia
2021
Luzilene Alcindo Sousa
Açailândia
2021
RESUMO
Violence against women is considered a public health problem within the care
institutions. It happens all over the world, reaching all social classes. The
present study aimed to know the social representations about violence against
women, from the analysis of the literature produced in Brazil in the last 10 years
on the subject, carrying out a documentary research. The results point out that
the social representations of violence against women are very much related to
the universe to which they are produced, that is, the informal everyday, violence
against women has not been understood as a health problem for the majority of
the population, being even normalized in some contexts. It is then perceived as
of fundamental importance the training of the various professionals working on
this theme, as the primary social service professionals with their technical
competence to demystify situations of violence against women and contribute to
reducing the revictimization of these women.
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contra a mulher”, com o intuito de analisá-los buscando compreender esse viés
do relacionamento conjugal.
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2. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
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grupo recriam o objeto com base em representações já existentes,
substituindo-o (MOSCOVICI, 1961).
Moscovici (1961), identifica dois processos principais em seu
estudo, aos quais atribui o funcionamento das representações sociais:
objetivação e ancoragem.
A objetivação é o processo por meio do qual um conceito ou
noção abstrata ganha forma e torna-se concreta por meio de imagens ou
ideias (VALA, 1996), resultando numa organização estrutural dos conteúdos
semelhante a um mapa conceitual (DOISE, CLEMENCE, & LORENZI-
CIOLDI, 1992).
A ancoragem é o processo de classificar informações sobre um
objeto social em relação a estruturas de conhecimento anteriormente
existentes; assim as representações sociais dependem de uma memória
coletiva (MOSCOVICI, 2003).
É impossível compreender o processo de construção de uma
representação social, já que ela depende das experiências e olhares do
sujeito para o fato ou comportamento a ser representado (FREITAS,1998).
É impossível negar o peso da comunicação, da troca, do
confronto de ideias para produzir uma representação social. O ambiente
pensante em que vivemos, nas sociedades contemporâneas, em plena era
digital, em que informação vão de um lado a outro do mundo em segundos,
estimula a produção dessas representações, porque é preciso falar do que
todos falam, mostrar que se “está por dentro” (LEME, 1995).
Farr (2004), completa dizendo que o ser humano, não pensa
isolado, desligado do social. Ele pensa atravessado por este. Ele carrega no
seu pensar a marca dos grupos que incidem sobre a sua experiência, sobre
a sua identidade, bem como a marca da história, da política, das divisões
sociais e tantas outras, e isso não se configura como uma simples
retradução na linguagem daquele grupo.
Sinteticamente, as representações sociais objetivam sintetizar e
simplificar, uma forma de manejo do macro (entre outras coisas) no nível
micro. Do ponto de vista psicossocial, elas trazem para o registro do
cotidiano: relações, concepções, crenças, imagens e afetos que a sociedade
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abriga e veicula por períodos longos – e outros não tão longos – vertendo-os
na construção deste cotidiano (MOSCOVICI, 2003).
As representações sociais trabalham não apenas o que provoca o
conhecimento, o objeto que instiga a (re)construção, mas os diversos fios
que tecem a organização social, a união das culturas, os andaimes do
simbólico, para acolher na rede pré-existente de significados o objeto ou a
situação que se apresenta (CRUZ, 2006).
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3. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
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públicos e privados foi realizada novamente e com uma maior amplitude após
10 anos. Os resultados dela se revelaram muito próximos à anterior quanto: ao
número de mulheres que já haviam sofrido violências cometidas por homens
(em 2001, 43% das entrevistadas e em 2010, 35%) e ao fato de o principal
perpetrador de tais violências ser o parceiro conjugal (atual ou ex), totalizando
80% dos casos, se excetuadas as situações de assédio e violência sexual
(Fundação Perseu Abramo, 2001, 2010).
Quando o assunto é número de homicídios femininos, o país ocupa
a 7º posição, em uma lista de 84 países. Entre 1980 e 2010 foram
assassinadas mais de 92 mil mulheres, sendo que 47,5% apenas na última
década. A pesquisa indica que 68,8% desses homicídios ocorreram nas
residências das vítimas, e para as mulheres da faixa etária entre 20 e 49 anos,
65% deles foram cometidos por homens com os quais elas mantinham ou
mantiveram um relacionamento amoroso.
O relatório alerta ainda que altos níveis de feminicídio, com
frequência, são acompanhados por uma grande tolerância quanto à violência
contra as mulheres e, em muitos casos, são resultado dessa própria tolerância
(Waiselfisz, 2012).
Os estudos associam ainda os valores culturais machistas e
patriarcais estruturantes em nossa sociedade à grave recorrência das
violências cometidas contra as mulheres e às sérias desigualdades de poder e
de direitos ainda enfrentados por elas em nossa sociedade.
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compreensões das dinâmicas relacionais entre eles (Conceição, 2009; Scott,
1990 ;Torrão, 2005).
Segundo Machado (1998), a análise de gênero instaurou um novo
paradigma metodológico a partir de três pilares fundamentais: a ruptura com o
essencialismo biológico; o privilégio metodológico às relações de gênero em
contraposição às categorias substancializadas de homem e mulher; e a
afirmação da transversalidade de gênero nas demais áreas do social.
O conceito de gênero passa então a ser compreendido como uma
categoria de análise com estatuto teórico e epistêmico e caráter estruturante da
sociedade (Segato, 2011). Atualmente os estudos das relações de gênero são
realizados em diferentes partes do mundo, a partir de uma diversidade de
construtos teóricos, debates políticos e implicações éticas (Conceição, 2009).
Ainda segundo Segato (2011), pode-se identificar três principais
posições dentro do pensamento feminista principalmente ao que se refere às
compreensões históricas do patriarcado e do colonialismo: uma que considera
a dominação de gênero e do patriarcado como universal, sem maiores
diferenciações históricas ou culturais e com certa superioridade moral das
organizações sociais europeias e norte-americanas; uma segunda posição que
defende a inexistência de relações de gênero no mundo pré colonial; e uma
terceira que demonstra a dimensão histórica das nomenclaturas de gênero,
presentes mesmo em sociedades tribais, ainda que constatem que as práticas
do patriarcado foram se aperfeiçoando e se intensificando com o colonialismo e
os discursos igualitários e hierárquicos da modernidade.
O objetivo desse estudo não é estender a discussão entre relações
de gênero e patriarcado. Entende-se que gênero e patriarcado não são
sinônimos, mas são dimensões presentes nos processos dialéticos de
construção de subjetividades e de relações sociais entre homens e mulheres.
Considerando a diversidade presente nos estudos sobre gênero,
considera-se fundamental destacar a evolução paradigmática percebida em
suas temáticas ao partirem do estudo da mulher como um conceito universal e
abstrato, para o olhar sobre as mulheres, em seus diferentes contextos,
classes e etnias e deste para o foco sobre as relações entre homens, entre
mulheres e entre eles, possibilitando o estudo de feminilidades e de
masculinidades (Torrão, 2005).
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Na pós modernidade dos estudos de gênero, percebe-se uma nova
problemática: repensar as categorias de identidade de gênero e as
associações entre determinismo biológico e diferenciação sexual. Judith Butler
é considerada uma das principais teóricas a radicalizar a crítica ao próprio
conceito de gênero e a indicar possibilidades originais e plurais à
transformação social das relações de gênero (Silva, 2008).
Butler (2012) critica a dissociação feita pelos movimentos feministas
entre cultura e sexo, como se a primeira fosse simplesmente uma inscrição
cultural e o segundo, biológica. A autora defende que tanto o sexo não pode
ser reduzido a uma característica anatômica, por ser também um meio
discursivo/ cultural de construção simbólica, assim como o gênero não pode
ser reduzido a formulações fixas da cultura. Além do mais, por esta perspectiva
uma nova dimensão é inserida na compreensão das relações de gênero: o
desejo. E assim, podemos trabalhar com diferentes dimensões relacionais, mas
não determinantes entre si, como a biologia/anatomia, a subjetividade de
gênero, os papéis e práticas sexuais e o desejo (Rodrigues, 2005).
Butler (2012) ainda questiona, desse modo, conceitos que estagnam
as noções de identidade de gênero, referindo-se a expressões de gênero e
identidades perfomativamente constituídas, contextuais e dinâmicas.
Entendemos esse dinamismo dos debates teóricos sobre tal conceito como
emblemático da importância do referido campo de estudo e da urgência por
mudanças e ressignificações das dimensões de gênero presentes em nossa
sociedade. A categoria de gênero deve agregar às análises uma dimensão
explicativa que nos permita problematizar novas possibilidades de ser, agir e
empreender mudanças (Saffioti, 1999).
É de suma importância compreender como as dimensões de gênero
são estruturantes na constituição subjetiva de homens e mulheres e na
organização das relações sociais estabelecidas a partir de desigualdades de
poder entre eles. Estas desigualdades se conectam, por sua vez, ao fenômeno
das violências cometidas contra as mulheres. Logo, a abordagem do conceito
de gênero é essencial para compreendermos acerca dessas violências, ainda
que não limite em si toda a complexidade do fenômeno.
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A percepção da urgência e da necessidade em se romper com esta
tradição legitimadora e banalizadora da violência contra as mulheres trouxe
diversos debates a respeito do fenômeno da violência, de suas definições e
tipificações jurídicas.
Entre as normatizações que foram sendo elaboradas, destacam-se
duas convenções internacionais sobre os direitos das mulheres, das quais o
Brasil é signatário: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher CEDAW (ONU, 1979) e a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,
conhecida como Convenção de Belém do Pará (OEA, 1994).
A CEDAW foi o primeiro tratado internacional específico sobre os
direitos das mulheres que se fundamentou nas Convenções Internacionais de
Direitos Humanos para reafirmar a obrigação dos Estados em garantir a
homens e mulheres igualdade de gozo de todos os direitos econômicos,
sociais, culturais, civis e políticos. A Convenção trata da eliminação de toda
forma de discriminação contra as mulheres nos campos político, econômico,
social, cultural e civil (ONU, 1979).
A Convenção de Belém do Pará, por sua vez, trata
especificadamente da questão da violência cometida contra as mulheres
trazendo pela primeira vez um conceito desta como: “Qualquer ato ou conduta
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”, OEA,
1994, Art. 1º.
A referida Convenção se destaca ainda por afirmar que tais
violências constituem violações dos direitos humanos e liberdades
fundamentais e fortes obstáculos ao implemento da isonomia, ao exercício
pleno da cidadania, ao desenvolvimento socioeconômico e à paz social. Apesar
de signatário dessas convenções e da própria Constituição Federal
(Constituição, 1988) afirmar que todos, homens e mulheres, são iguais perante
a lei (Art. 5º) e que a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental
ao país (Art. 1º), o que se identificava no Brasil eram legislações ineficientes
para responder à complexidade da violência doméstica contra a mulher.
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Diante disso, aliado à gravidade das situações de violência, os
movimentos feministas e de mulheres intensificaram as pressões e cobranças
por respostas mais coerentes e eficientes do Estado (Bandeira & Melo, 2010).
Um dos principais resultados de tais mobilizações foi a promulgação,
em 2006, da Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. A proposta
dessa Lei é de criar mecanismos jurídicos para coibir e punir a violência
doméstica e familiar contra a mulher (Lei 11.340, 2006).
Sua estruturação pode ser entendida a partir de três eixos principais
de medidas de intervenção: criminal; de proteção dos direitos e da integridade
física da mulher; e de prevenção e educação. A Lei não pretende atuar apenas
no âmbito jurídico, mas integrá-lo na formulação de políticas públicas de
gênero, que envolvam ainda a segurança pública, a saúde, a assistência social
e a educação (Pasinato, 2010).
A Lei Maria da Penha traz, assim, grandes inovações jurídicas e
processuais para tratar da complexidade da violência doméstica. Ela pretende
promover mudanças jurídicas, políticas e culturais que afirmam os direitos
humanos das mulheres e superam uma longa tradição social e jurídica
negadora de tais direitos (Campos, 2009).
Entre as especificidades e inovações trazidas pela Lei, pretendemos
refletir neste artigo sobre a definição e as tipificações de violência. A definição
apresentada é muito similar à da Convenção de Belém do Pará (OEA, 1994),
incluindo apenas a dimensão do dano moral ou patrimonial que um ato de
violência pode acarretar.
Nas especificações acerca dos tipos de violência, porém, que
identificamos um grande diferencial trazido pela Lei. Apesar de não ter criado
nenhum novo tipo penal, consideramos que, ao descrever detalhadamente as
modalidades de violência, a Lei contribui para uma compreensão mais ampla e
aprofundada da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Pesquisas revelam que a Lei Maria da Penha é bastante conhecida
pela população brasileira (Data Senado, 2013; Instituto Avon/IPSOS, 2011),
apesar de que poucos conhecem de fato os conteúdos da Lei. Conforme o
Instituto Avon/IPSUS (2011), apenas 13% dos/as entrevistados/as conhecem
bem a Lei, principalmente ao mencionar os tipos de violência citados por ela:
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apenas 6% dos/as participantes se referem à violência moral e à sexual e
nenhuma referência houve à violência patrimonial.
Na Lei, as violências física e moral são definidas suscintamente: a
primeira como condutas que ofendam a integridade ou saúde corporal (art. 7º,
I) e a segunda como atos de calúnia, injúria ou difamação (art. 7º, V). As
demais formas de violência, porém, são apresentadas com descrições
minuciosas, oferecendo, dessa forma, mais esclarecimento e visibilidade a
tipos menos (re)conhecidos de violência no espaço doméstico e familiar.
A definição de violência psicológica se remete aos impactos à saúde
emocional, à autoestima e ao pleno desenvolvimento humano, a partir de
condutas como de controle, ameaça, constrangimento, perseguição contumaz
e humilhação (art. 7º, II).
A definição de violência sexual vai além de condutas que
constranjam, mediante força ou ameaça, a mulher a participar de relação
sexual não desejada, incluindo também a limitação ou anulação do exercício de
seus direitos sexuais e reprodutivos, como forçar o aborto ou o uso de método
contraceptivo.
Por fim, a violência patrimonial se configura a partir de condutas de
retenção, subtração ou destruição de objetos, documentos, bens e valores (Lei
11.340, 2006).
Esta definição clara dos tipos de violência tem sido importante para
destacar as diferentes maneiras que a violência pode se expressar nas
relações conjugais e familiares e que por muito tempo não foram reconhecidas
como tal ou não receberam a devida atenção e cuidado.
Podemos destacar, por exemplo, um novo status atribuído a
comportamentos de humilhação, de isolamento, de controle ou de destruição
de documentos pessoais que não eram claramente definidos ou entendidos
como violência (Pereira; Loreto; Teixeira; Sousa, 2013).
Uma compreensão histórica e cultural de tais questões revela o
quanto mulheres se viam (e ainda se veem) como obrigadas a manter relações
sexuais com seus maridos sem desejar por acreditarem que esta é uma
responsabilidade da esposa no matrimônio. Muitas acreditam que precisam
manter o casamento, a qualquer custo, mesmo que o custo seja ser agredida
constantemente. Muitas não se sentem nem no direito de se queixar ou de
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opinar, pois o espaço delas é o micro, o privado e o silêncio (Diniz & Pondaag,
2004).
Assim, categorizar as violências significam novos desafios
conceituais e práticos. Uma situação de violência doméstica contra a mulher,
dificilmente, se limita a um episódio isolado. Em geral, são processos violentos
imbuídos nas dinâmicas relacionais (Machado, 2010). Além do mais, raramente
uma forma de violência ocorre isoladamente das demais.
Independente da forma assumida pela agressão, a violência
emocional e moral estará sempre presente, bem como suas consequências à
saúde mental e à subjetividade dos envolvidos (Fonseca, Ribeiro, & Leal,
2012).
A violência psicológica, assim definida pela Lei Maria da Penha,
pode ser entendida como a mais recorrente, com consequências devastadoras,
todavia, a mais difícil de ser identificada na prática. Em termos jurídicos, esta é
uma forma de violência difícil de ser denunciada, analisada e julgada (Oliveira,
2008).
Outro complicador da percepção da violência a partir dessas
categorizações pode ser compreendido a partir de análises de Saffioti (1999),
ainda que estas sejam anteriores à promulgação da Lei Maria da Penha. A
autora argumenta que utilizar o conceito de violência como ruptura dos
diferentes tipos de integridade (física, sexual, emocional, moral) é problemático,
especialmente em relação à violência de gênero.
Para Saffioti (1999), o destino de gênero imposto atualmente às
mulheres traz a sujeição aos homens (maridos ou pais) como regra, e assim se
mostra tênue o limite entre ter sua integridade rompida e suportar seu destino
como mulher. Dessa forma, é como se existisse um continum entre a violência
e os direitos dos homens-deveres das mulheres e cada pessoa coloca seu
próprio limite. Sem perceber, inclusive, que a existência desse tênue limiar já
representa em si uma violência.
Com isso, torna-se fundamental tratar a violência a partir do
conceito de direitos humanos, que entendendo por violência todo
agenciamento capaz de violá-los. Desse modo Saffioti (1999) alerta sobre a
necessidade de ampliarmos nossa compreensão acerca da violência em sua
relação com os direitos humanos.
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Apesar da importância das definições legais sobre violência, para
melhor compreendermos e intervirmos na questão, é essencial mantermos a
perspectiva da violência contra a mulher como uma violação de direitos
humanos. Direitos que são resultantes de importantes conquistas políticas e
históricas da sociedade e, mais especificamente, das mulheres.
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que a situação das violências domésticas contra as mulheres deixe de ser vista
de modo naturalizado, individualizado e segmentado. Tais violências passam a
ser tratadas, então, como um problema social, complexo e multifacetado,
configurado tanto como uma questão de saúde pública como de garantia e
respeito aos direitos humanos.
Afirmar que tais violências violam direitos humanos tem sua
importância prática, jurídica e simbólica. Prática, por toda essa questão
histórica já desiguais e violentas que norteiam as relações de gênero em nossa
sociedade. Jurídica em relação à necessidade de respostas eficazes e
consistentes dos ordenamentos jurídicos à grave situação de violências
vivenciadas por muitas mulheres em seus ambientes domésticos e familiares.
Simbólica, no sentido de a lei ter uma importância pedagógica “capaz de
inaugurar novos estilos de moralidade e desenvolver sensibilidades éticas
desconhecidas” (SEGATO, 2006) que podem gerar mudanças nessa estrutura
binária e hierárquica de gênero.
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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Relatos da Organização Pan-Americana de Saúse (OPAS)
referentes
a uma pesquisa realizada em 2003 informam que as pessoas que vivem em
contexto violento, que tende à violência, também se encontram em maior risco
de sofrer desordens alimentares, alcoolismo e abuso de outras drogas,
estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, fobias, pânico e baixa
autoestima.
Muitas são as implicações envolvendo o fenômeno da violência
doméstica contra a mulher, com a repercussão de casos nos meios de
comunicação e atingindo a sociedade de uma maneira geral, a ponto de ter
sido criada e sancionada uma lei visando a coibir a violência contra as
mulheres, caso da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).
As mulheres descrevem a violência sofrida como inexplicável,
destruindo a harmonia do casal e a convivência familiar, além da frequência
com que ocorre, estando associada a sentimentos como tristeza, medo,
preocupação e sentimentos de impotência.
Ao representar a ação violenta, as vítimas apontam que não há
justificativa, é inexplicável, “Não tem justificativa para violência”, afirmando que
depois de começarem os maus-tratos, qualquer atitude ou palavra dispensada
inicia o evento de agressão. Muitas vezes quando percebem já estão sendo
agredidas sem saber o porquê, citam ainda que os companheiros apenas
adquiriram o hábito de bater ou humilhar. A violência arrasa o relacionamento
“Ela vem para acabar com tudo/ Qualquer tipo de harmonia acaba”.
Os sentimentos ligados à representação da violência são negativos
e depreciativos. Com a harmonia destruída, o casal passa a não ter mais
qualidade na relação, que começa a ser desgastante e perigosa. Uma vez
iniciada, tornam-se constante as brigas e discussões. Muitas pesquisas relatam
que a violência ocorre quase que diariamente.
De acordo com Soares (2004), muitas vezes uma mulher em
situação de violência se sente especialmente amedrontada e envergonhada
por não conseguir se fazer ouvir e respeitar por seu agressor, gerando
sentimentos de impotência. A maneira como suas reações são manifestas
advém da própria relação com o companheiro.
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Neste estudo, as principais manifestações apresentadas foram de
passividade, vergonha, decepção, culpa e sofrimento. E, dentre essas, notou-
se a decepção como mais frequente. Muitas mulheres simbolizam a imagem do
casamento perfeito e feliz em seus sonhos, com a esperança constantemente
renovada de que o agressor vai mudar, que as coisas vão melhorar e que “tudo
um dia vai passar como num passe de mágica”, sentimento esse que também
é, segundo elas, frequentemente desfeito pelas decepções em contato com a
realidade do comportamento do companheiro. Perdura no relacionamento o
misto de esperança e decepção, fazendo com que o desgaste se acentue.
A vergonha é outro um sentimento amplamente descrito, em
diversas pesquisas. As vítimas relataram que muitas vezes negam a situação,
encobrem, escondem, não demonstram em público, ficam reclusas, não saem
de casa, limitam-se socialmente restringindo as amizades, vivendo
praticamente em condições de confinamento.
Segundo Monteiro e Souza (2007), a indiferença com que são
tratadas contribui para que elas permaneçam na inautenticidade. O sentimento
de culpa é constantemente descrito, há um misto conflituoso de sentimentos
entre a consciência de que algo está errado, e a percepção de não possuir
forças suficientes para atuar sobre ela.
Outra vertente importante a ser avaliada é a representação social
que se tem acerca dos agressores, as formas como esses homens são
percebidos envolvem um misto de sentimentos e contradições. O termo
“doente” aparece em quase todas as falas, definindo seus companheiros como
psicopatas, esquizofrênicos e com dupla personalidade. Para Goleman (2003),
a racionalização é uma das estratégias mais comuns da negação dos
verdadeiros motivos do sujeito, cobrindo e bloqueando o verdadeiro impulso
que provocou o ato agressivo, substituindo-o por outro, inventado.
Já para Dantas- -Berger e Giffin (2005), uma ordem social de
tradição patriarcal por muito tempo “consentiu” um certo padrão de violência
contra as mulheres, designando ao homem o papel “ativo” na relação social e
sexual entre os sexos, ao mesmo tempo em que restringiu a mulher à
passividade e reprodução.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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relacionamento, tempo de exposição da vítima à violência psicológica ou
emocional.
Percebeu-se com essa pesquisa documental, a ausência de
pesquisas domiciliadas nas delegacias especializadas em atendimento á
mulher. Destaca-se a abertura e modelo de tratamento diferenciado nessas
instituições, o que facilita aspectos metodológicos.
Mais estudos nacionais com a perspectiva aqui abordada poderiam
contribuir com a comunidade científica e acadêmica no sentido de produzir
melhores e maiores conhecimentos da subjetivação do fenômeno da violência
doméstica contra a mulher. Sendo assim, esses novos achados poderiam
fornecer novas possibilidades de intervenções. Assim, estudar essa
perspectiva a partir desta ótica é importante não somente no nível de
conhecimento e exploração do fenômeno, mas também no que seus resultados
e intervenções possam contribuir para minimizar o sofrimento psíquico da
mulher.
Para fazer realmente frente à violência doméstica é necessário dar
continuidade à integração das unidades de proteção à mulher, maior
divulgação nos meios de comunicação com o intuito de prevenir a violência e
promover a saúde da mulher, para que ela se sinta apoiada e encontre equipe
multiprofissional competente e integrada que lhe ajude a sair do ciclo de
violência.
Conforme traz Gadoni-Costa e Dell’Aglio (2010), uma rede
capacitada, que realmente funcione como uma engrenagem, tende a fortalecer
as instituições envolvidas no processo e possibilita que as conquistas recentes
no enfrentamento da violência se consolidem.
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REFERÊNCIAS
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CONCEIÇÃO, A. C. L. Teorias feministas: da “questão da mulher” ao enfoque
de gênero. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção - RBSE, 8(24), 738-
757. 2009. Disponível em <www.scielo.br> Acesso em 22 de março de 2020.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Recife: SOS
Corpo e Cidadania. 1990. Disponível em <www.scielo.br> Acesso em 08 de
janeiro, 2020.
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