Geografia Da População

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 130

GEOGRAFIA DA POPULAÇÃO

João Mendes

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6306-2

9 788538 763062
Geografia da População

João Mendes

IESDE BRASIL S/A


2017
© 2017 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos
autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M491g Mendes, João
Geografia da população / João Mendes. - 1. ed. - Curitiba, PR :
IESDE Brasil, 2017.
126 p. il.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-387-6306-2

1. Geografia urbana. 2. Geografia humana. I. Título.


CDD: 304.2
17-41718
CDU: 911.3

Capa: IESDE BRASIL S/A.


Imagem da capa: Route55/iStockPhoto

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Apresentação

Esta obra tem como propósito instigar você, leitor, a refletir sobre
os fenômenos populacionais e as múltiplas relações que se estabelecem
entre os habitantes e a produção e transformação do espaço geográfico.
Tais fenômenos constituem a base da Geografia da População, que tem
como objeto de estudo, com base em diferentes teorias e dinâmicas com-
plexas e contraditórias, os conceitos sobre população. Assim, a temática
aqui apresentada é reflexo desse dinamismo, pois envolve a análise dos
fatores políticos, econômicos, sociais e culturais que interferem na reali-
dade das populações.

Considera-se que a evolução do pensamento geográfico ocorreu


a partir de diferentes cenários políticos e econômicos, sendo influen-
ciada por interesses diversos. Nesse sentido, várias linhas de pensa-
mento se voltaram aos estudos sobre as dinâmicas populacionais com
previsões, formulações e contestações sobre a relação entre habitantes
e espaço geográfico.

Desse modo, é fundamental que as análises dos fenômenos popu-


lacionais sob o ponto de vista geográfico tenham como ponto de partida
o cenário atual, marcado pela globalização e por avanços tecnológicos.
Nessa perspectiva, questões como o modo de vida, as condições econômi-
cas e sociais, a distribuição e a estrutura da população dos diversos paí-
ses do mundo são imprescindíveis para a abordagem geográfica. A essas
questões somam-se ainda outras problemáticas, como a relação entre po-
pulação, disponibilidade de recursos naturais e distribuição das riquezas
entre os habitantes de determinado território.

Neste livro convido você a um processo reflexivo de apropriação


dos conceitos relacionados aos fenômenos populacionais, de modo a po-
der aplicá-los a situações reais, a fim de compreender a forma como se
estabelecem as dinâmicas entre os habitantes e o espaço geográfico.

Boas reflexões!
Sobre o autor

João Mendes

Doutor em Geografia, mestre em Tecnologia, bacharel e licenciado


em Geografia. É professor de Geografia nos ensinos Básico e Superior,
além de autor de livros didáticos de Geografia para o Ensino Fundamental
e de materiais para educação a distância.
Sumário

1 Conceitos fundamentais sobre população 9


1.1 Os indicadores da população 10
1.2 Distribuição da população 13
1.3 População e desenvolvimento 16

2 Concepções sobre população na geografia clássica 25


2.1 Evolução do pensamento geográfico sobre população 26
2.2 A demografia na análise da população 28
2.3 População e produção do espaço 31

3 As teorias sobre população 39


3.1 As ideias de Malthus 40
3.2 O neomalthusianismo 43
3.3 As teorias críticas sobre população 45

4 Os movimentos da população 53
4.1 A mobilidade da população 54
4.2 As migrações internacionais 58
4.3 As causas e consequências da mobilidade da população 61

6 Geografia da População
Sumário

5 Os efeitos da globalização sobre a população 69


5.1 Globalização e população 70
5.2 Impactos da globalização sobre os indicadores da população 73
5.3 População, produção e consumo 76

6 Raças, etnias e povos do mundo 83


6.1 Conceitos fundamentais sobre raça e etnias 84
6.2 Os conflitos étnicos 87
6.3 A xenofobia e suas causas 89

7 População e meio ambiente 97


7.1 Os conceitos de meio ambiente e população 98
7.2 O consumismo e os recursos naturais 101
7.3 Aspectos culturais e interação com o ambiente 104

8 A estrutura da população brasileira 111


8.1 As pirâmides etárias 112
8.2 A transição demográfica da população brasileira 115
8.3 Os movimentos da população brasileira 118

Geografia da População 7
1
Conceitos fundamentais
sobre população

Introdução

A Geografia estuda o espaço geográfico, que é resultado de múltiplos fenômenos


que nele ocorrem. Entre estes, estão as diversas relações que se estabelecem entre os
habitantes de um determinado espaço geográfico os motivos de nele se estabelecerem
e as características que apresentam, pois “a população constituiu a base e o sujeito de
toda a atividade humana” (DAMIANI, 2004, p. 8).

Assim, os estudos dessas características constituem a base da Geografia da


População, que tem como propósito abordar os fenômenos relacionados às popula-
ções a partir de diferentes teorias e dinâmicas complexas e contraditórias, as quais
serão abordadas no decorrer dos capítulos deste livro.

Geografia da População 9
1 Conceitos fundamentais sobre população

1.1 Os indicadores da população


Vídeo
Para conhecer as características de determinada população, alguns con-
ceitos são imprescindíveis: trata-se de seus indicadores. Tendo como referên-
cia o Dicionário Online de Português, o termo indicador significa “Que indica;
que dá a conhecer” (DICIO, 2017). Neste capítulo, explicita-se a importância
dos indicadores e de seus significados para o entendimento das especificida-
des dos fenômenos que envolvem a população que habita uma localidade – considerando o
espaço e o tempo em que se situam e o nível de criticidade que se pretende adotar na análise.

1.1.1 População absoluta


O número total de habitantes de determinado país, região, estado ou munícipio refere-
-se à população absoluta. De acordo com Andrade (1998), é comum as pessoas se impres-
sionarem com o grande número de habitantes de países como a Rússia (143.456.918 hab.1),
o Brasil (204.450.649 hab.) e os Estados Unidos (321.773.631 hab.). Porém, considerando a
extensão de territórios como esses, detectam-se nessas localidades vastas áreas subocupa-
das. No mapa da Figura 1, evidencia-se como exemplo a distribuição da população pelo
território brasileiro.

Figura 1 – Distribuição da população absoluta sobre o território brasileiro em 2010.

Fonte: IBGE, 2010.

1 Dados atualizados de acordo com IBGE Países (2016). Disponível em: <http://paises.ibge.gov.br/>. Acesso
em: 2 jun. 2017.

10 Geografia da População
Conceitos fundamentais sobre população 1
Observando-se esse mapa, é possível constatar que a maior parte da população brasi-
leira se concentra na porção leste do país. Segundo Andrade (1998), países como a Bélgica,
Alemanha e os Países Baixos (Holanda), apesar de possuírem números populacionais infe-
riores aos de população elevada, são superpovoados, devido à sua relativa pequena exten-
são territorial.

1.1.2 Densidade demográfica


A análise da distribuição da população sobre a área de determinado território requer
considerar o conceito de densidade demográfica. Segundo Andrade (1998), obtém-se esse
indicador a partir da divisão do número total de habitantes pela área do território em aná-
lise. Desse modo, é possível identificar o número de habitantes por quilômetro quadrado.
Considere as informações da tabela a seguir:

Tabela 1 – Dados sobre a extensão territorial e a população brasileira em 2010.

Área total 8.515.767,049 km2


População total 190.755.799 habitantes
Fonte: IBGE, 2017b.

Dividindo-se o número total de habitantes do território brasileiro (dados de 2010) pela sua
área total, obtém-se a densidade demográfica de 22,4 habitantes/km². Esse conceito precisa ser
usado com cautela, já que, na maioria das vezes, de acordo com Andrade (1998, p. 47), “países
que possuem baixa densidade demográfica estão superpovoados, pois há em seu território áreas
anecumênicas, isto é, desfavoráveis à ocupação humana”. O autor cita como exemplo o Brasil,
cuja distribuição da população pelo território ocorre de forma irregular, como é possível consta-
tar no mapa da Figura 1, apresentado anteriormente.

1.1.3 Crescimento natural ou vegetativo


O conceito de crescimento natural ou vegetativo é resultante da diferença entre o número
de nascimentos e de óbitos na população de um país, região, estado ou município. Portanto,
a análise desse indicador requer comparar as taxas de natalidade e mortalidade locais.
A taxa de natalidade é obtida pela divisão do número de nascidos no período de um
ano pelo número de habitantes do país, região, estado ou município. Com o fim de evitar o
excesso de decimais, esse número é multiplicado por 1.000. Esse indicador é expresso pelo
símbolo: ‰ (lê-se “por mil”). Assim, tendo-se como referência, por exemplo, a taxa de nata-
lidade do ano de 2013, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
foi de 15 ‰, isso significa que para cada grupo de mil habitantes, houve 15 nascimentos
(IBGE, 2017c).
Por sua vez, para a obtenção da taxa de mortalidade, divide-se o número de óbitos
ocorridos no período de um ano, em determinado país, região, estado ou município, pelo
número de habitantes, multiplicando-se, depois, o resultado por 1.000 (ANDRADE, 1998).

Geografia da População 11
1 Conceitos fundamentais sobre população

Essas taxas são obtidas por meio de levantamentos de dados realizados em cartórios de
registro civil, que são obrigatórios na maioria dos países do mundo. Esses dados também
são obtidos por meio de recenseamentos, que, no caso do Brasil, são realizados pelo IBGE.

1.1.4 Taxa de fecundidade


O número médio de filhos nascidos vivos tidos por uma mulher ao final do seu perío-
do reprodutivo é denominado taxa de fecundidade. De forma geral, há uma associação entre a
redução das taxas de fecundidade e a modernização das sociedades advindas da Revolução
Industrial. Entretanto, Alves (1994) adverte que nos países subdesenvolvidos há um proces-
so de modernização excludente. Portanto, essa associação não corresponde à realidade total
desses países.
Para Vasconcelos e Gomes (2012, p. 546), no Brasil “a escolarização das mulheres e a
inserção no mercado de trabalho, especialmente na área urbana, são fatores associados à rá-
pida redução” nas taxas de fecundidade. Esse processo, segundo Alves (1994), acentuou-se
no país a partir da segunda metade da década de 1960, período que foi o “divisor de águas”
entre a economia de subsistência, de base familiar, e a expansão da economia industrial.
Nessa perspectiva, a queda das taxas de fecundidade começou nas zonas urbanas da
região Sudeste, a mais industrializada, e se expandiu para as demais regiões do país, atin-
gindo também as zonas rurais. Conforme Alves (1994, p. 265), antes do início do “declínio,
as mulheres brasileiras tinham em média 6,3 filhos, passando para 5,8 filhos em 1970, 4,3
filhos em 1980 e já apresentavam uma média de 3,6 filhos em 1984”. No gráfico a seguir, é
possível identificar a tendência das taxas de fecundidade no Brasil.

Figura 2 – Brasil: taxa de fecundidade total – 2000 a 2015.

Fonte: IBGE, 2017c.

A análise do gráfico evidencia a tendência de redução das taxas de fecundidade na


população brasileira. De acordo com Alves (1994), com a redução do tamanho das famílias,
modificações significativas podem ocorrer também na estrutura etária da população.

12 Geografia da População
Conceitos fundamentais sobre população 1
1.1.5 Expectativa de vida
O número médio de anos que uma pessoa pode viver em determinado país, região, es-
tado ou município é definido como expectativa de vida. Consiste, portanto, numa estimativa
do número de anos que se espera que uma pessoa possa viver.
Esse indicador está associado às condições médico-sanitárias e de bem-estar dos indi-
víduos na sociedade em que estão inseridos. Dessa forma, a expectativa de vida tende a ser
menor entre os indivíduos submetidos a aspectos como poluição ambiental, elevadas taxas
de criminalidade e violência, acidentes, condições econômicas insuficientes e precariedade
de serviços como saúde e educação. Assim, melhorias nas condições médico-sanitárias au-
mentam a expectativa de vida.
Segundo Camarano, Kanso e Mello (2004), no Brasil, sobretudo a partir da década de 1980,
as melhorias das condições médico-sanitárias permitiram a redução das taxas de mortalidade
infantil e óbitos provocados por doenças infectocontagiosas e parasitárias. Tal redução, ainda
segundo os autores, foi acompanhada por uma queda significativa da mortalidade de pessoas
na idade adulta, atingindo mais intensamente, a partir dos anos 1990, a população idosa. Esses
fatores resultaram em um aumento significativo da expectativa de vida.

1.2 Distribuição da população


Vídeo
Tendo por base os conceitos básicos sobre a população, pode-se passar a
uma análise de fenômenos como o crescimento, a distribuição geográfica e con-
dições em que se inserem as populações em escala local, regional ou mundial.

1.2.1 O crescimento da população mundial


Uma das inquietações ao se estudar o tema população, segundo Andrade (1998), é a pro-
blemática do atual crescimento acelerado do número de habitantes no planeta. Segundo o
autor, esse crescimento ocorreu de forma relativamente lenta até 1850, quando a população
mundial atingiu 1 bilhão de pessoas.
Em 1950, de acordo com dados das Organização das Nações Unidas (ONU, 2016), a
população mundial chegou a 2,6 bilhões de habitantes. Alves (2014, p. 224) afirma que “o
século XX apresentou o maior crescimento demográfico de toda a história da humanidade”.
A estimativa para 2050, ainda segundo a ONU (2016), é de 9,6 bilhões de habitantes.
Para Andrade (1998, p. 49), esse crescimento “não se processa da mesma forma em
toda a superfície da Terra; ao contrário, ele é mais lento nos países ricos, desenvolvidos, do
que nos países pobres, subdesenvolvidos”. Desse modo, a tendência é de que nos países
ricos predomine a população de pessoas mais velhas, enquanto nos países pobres a maioria
dos habitantes seja de jovens.

Geografia da População 13
1 Conceitos fundamentais sobre população

Como exemplo do crescimento populacional, Andrade (1998, p. 49), cita países como
Brasil e México, onde “observa-se uma elevada taxa de natalidade e uma baixa taxa de mor-
talidade, o que explica o grande crescimento destes dois importantes países”. Assim, em-
bora a medicina preventiva tenha provocado queda considerável da taxa de mortalidade,
como ocorre nos países desenvolvidos, a taxa de natalidade mundial continua elevada.
Nessa perspectiva, mesmo admitindo uma tendência ao envelhecimento da popu-
lação de países como Brasil e México, há um grande contingente de população jovem.
Conforme Damiani (2004, p. 72), “essa população crescente tende a diminuir o ritmo do
crescimento econômico, pois parte dos investimentos é desviada para manter a população
jovem dependente”.
Ao se referir ao acelerado crescimento da população e à elevada porcentagem de jovens,
Andrade (1998, p. 51) afirma que “provocam uma série de problemas a vários países, pois
torna indispensável a ampliação constante da infraestrutura de assistência médica e escolar,
além de outros serviços”.
Desse modo, a problemática que envolve o crescimento da população mundial é com-
plexa e permeada por diferentes abordagens e teorias.

1.2.2 A distribuição da população mundial


Outra problemática que causa inquietações ao se estudar o tema população, segundo
Andrade (1998), é a distribuição dos habitantes sobre a superfície terrestre. A tabela a seguir
apresenta algumas informações referentes à população mundial (dados de 2016).

Tabela 2 – Distribuição geográfica da população mundial – 2016.

Superfície
Continente População
(km2)
Europa 10.000.000 738.849.000
Ásia 42.000.000 4.436.224.000
América
23.000.000 489.093.000
do Norte

África 29.900.000 1.216.129.000

América do Sul 18.000.000 422.534.000


Oceania 11.000.000 39.901.000
Antártida 8.000.000 0
Fonte: PIRÂMIDES..., 2016.

A análise da distribuição dos habitantes pela área territorial requer considerar que, com
exceção da Antártida, embora a população seja numerosa, a densidade demográfica é desi-
gual. Nessa perspectiva, Andrade (1998) adverte que não se pode generalizar tal análise, já
que existem áreas com elevada concentração populacional e áreas que se caracterizam como

14 Geografia da População
Conceitos fundamentais sobre população 1
verdadeiros vazios demográficos. Como exemplo, pode-se destacar a distribuição da popu-
lação na Ásia, que apresenta cerca de 50% dos habitantes concentrados na porção oriental
do continente, compreendendo países como a China, cuja população passa de um bilhão.
No mapa a seguir, é possível identificar as áreas de elevada concentração populacional:

Figura 3 – Distribuição da população mundial – 2010.

Fonte: IBGE, 2010.

Em relação à desigual distribuição da população mundial sobre a superfície terrestre,


pode-se destacar três porções de elevada concentração: a) Ásia, cuja população chega a cerca
de 4,6 bilhões de habitantes, com áreas cujas densidades demográficas chegam a mais de
7.100 hab./km2, como em Pequim, na China; b) Europa, cujos países como Inglaterra, França,
Bélgica, Países Baixos (Holanda), Alemanha e Polônia apresentam densidade demográfica
superior a 210 hab./km2; c) o Nordeste dos Estados Unidos, estendendo-se para a região dos
Grandes Lagos, onde se situam cidades americanas em que a densidade chega a cerca de
250 hab./km2.
Ainda sobre a distribuição da população mundial, Andrade (1998) destaca as já citadas
áreas anecumênicas (desfavoráveis à ocupação humana). São elas:
• As regiões polares ártica e antártica, onde, na primeira, a população é inci-
piente e remanescente dos povos nômades e, na segunda, ela é formada so-
mente por cientistas.
• As regiões desérticas, que ocupam cerca de 20% da superfície terrestre, onde, de-
vido à falta de umidade, a cobertura vegetal é praticamente inexistente. Mesmo
com o desenvolvimento das técnicas modernas e o recuo dos limites dos desertos
com a irrigação, essas áreas apresentam baixas densidades demográficas se com-
paradas às áreas ecúmenas (favoráveis à ocupação humana).

Geografia da População 15
1 Conceitos fundamentais sobre população

• As altas montanhas, como o Himalaia, que ultrapassa os oito mil metros de altitu-
de. Devido à altitude, as temperaturas permanecem baixas na maior parte do ano
e há baixa concentração de oxigênio, dificultando a ação humana sobre a natureza.
Por esse motivo, as mais elevadas habitações humanas estão abaixo de 4.500 me-
tros de altitude.
• As florestas equatoriais, cujo clima quente e úmido favorece o desenvolvimento
da vegetação, mas cujos solos são rapidamente desgastados, o que também desfa-
vorece a ação humana. Por esse motivo, as densidades demográficas são baixas,
como ocorre nas bacias do Amazonas e do Congo. Somente em Java, onde os solos,
por terem origem vulcânica, são férteis, as densidades demográficas são elevadas.
A distribuição da população brasileira sobre o território, conforme mencionado ante-
riormente, também ocorre de forma desigual. Evidencia-se tal desigualdade ao se comparar
a densidade demográfica da cidade de São Paulo (SP), por exemplo, que era de 7.387,69 hab./
km² em 2016, segundo o IBGE, com a densidade demográfica do município de Canutama,
no Estado do Amazonas, com 0,43 hab./km² (IBGE, 2017b).
Referindo à distribuição da população mundial como um todo, Andrade (1998) des-
taca que as populações são mais ou menos densas, segundo uma série de fatores, como a
maior ou menor quantidade de recursos naturais disponíveis e o maior ou menor nível de
desenvolvimento econômico. Na concepção do autor, esses fatores não determinam as den-
sidades demográficas, mas influenciam o povoamento, principalmente quando se trata da
capacidade de acesso aos mercados consumidores.

1.3 População e desenvolvimento


Vídeo
Na análise do grau de desenvolvimento de um país, região, estado ou
município, de acordo com Andrade (1998), não se pode afirmar que esse
processo ocorre devido ao elevado ou baixo número de habitantes. Porém,
é possível relacionar as características da população aos condicionantes eco-
nômicos, tecnológicos e sociais.

1.3.1 Densidade demográfica e desenvolvimento


Na concepção de Andrade (1998), ao relacionar densidade demográfica e desenvolvi-
mento, existem países com elevada população absoluta (ou populosos) que são desenvolvi-
dos e subdesenvolvidos, da mesma forma que há países com baixas densidades demográ-
ficas ou pouco populosos, que também apresentam distintos níveis de desenvolvimento.
Essa relação entre densidade demográfica e desenvolvimento se insere numa temática
mais ampla, ou seja, no debate sobre população e desenvolvimento, que, segundo Alves
(2014), teve início antes dos escritos de Thomas Malthus (1766-1834), um dos teóricos mais
otimistas sobre a tese do progresso – ou, nos termos atuais, do desenvolvimento.

16 Geografia da População
Conceitos fundamentais sobre população 1
Segundo Malthus, na relação entre população e desenvolvimento, a primeira seria uma
variável independente, pois tendia a crescer sempre acima da disponibilidade de recursos
de subsistência. Isso tornaria inviável historicamente o desenvolvimento de qualquer socie-
dade e, logo, de qualquer tipo de progresso social (ALVES, 2014).
Contrapondo-se às ideias de Malthus, ainda de acordo com Alves (2014), o pensamento
de Karl Marx (1818-1883), ao relacionar população e desenvolvimento, considera que o capi-
talismo sempre é capaz de produzir bens e serviços de acordo com as demandas requeridas.
Logo, o aumento da população não representaria prejuízos ao desenvolvimento de um país.
Ao pensar as relações em questão, Andrade (1998) esclarece que o desenvolvimento
e o subdesenvolvimento não dependem exclusivamente da maior ou menor população
absoluta ou densidade demográfica, mas das características de cada população. Assim,
conforme o autor, “os países que possuem grande porcentagem de jovens criam uma so-
brecarga para a população adulta, que tem de prover as suas necessidades e manter e
educar esses jovens” (ANDRADE, 1998, p. 62).
Ainda se referindo às populações com alta porcentagem de jovens, Andrade (1998) afir-
ma que, no futuro, quando esses jovens se integrarem ao mercado de trabalho, constituirão
uma força que participará da produção, contribuindo, consequentemente, para a elevação do
Produto Interno Bruto (PIB)2 e para o desenvolvimento do país. Por outro lado, “uma popu-
lação de velhos terá um ônus a corrigir, de vez que grande número de aposentados e pensio-
nistas se constituirá numa séria carga para a população ativa”, ou seja, a população que está
inserida no mercado de trabalho (ANDRADE, 1998, p. 63).
O autor destaca que a restrição de natalidade, ou planejamento familiar, recomendada
por muitos cientistas sociais como estratégia de desenvolvimento para os países subdesen-
volvidos, precisa ser vista com cautela. Isso porque a elevada densidade demográfica ou a
superpopulação não é empecilho ao desenvolvimento, devido à futura integração dos jo-
vens ao mercado de trabalho.

1.3.2 As conferências sobre população e desenvolvimento


Após os acertos políticos ocorridos no final da Segunda Guerra Mundial, segundo Alves
(2014), houve uma reconfiguração do arcabouço da governança mundial, com a criação de
instituições nas áreas: política, como a Organização das Nações Unidas (ONU); financeira,
como o Fundo Monetário Internacional (FMI); econômica, como o Banco Mundial; e comer-
cial, como o General Agreement on Tariffs and Trade – GATT (em português, Acordo Geral
de Tarifas e Comércio).
Nesse contexto de novas instituições e de crescimento econômico, tomaram impulso as
inquietações sobre a população e o desenvolvimento, e, assim, ocorreram conferências para
debater essa problemática, incluindo também questões sobre população e meio ambiente.

2 Produto Interno Bruto (PIB) é o total, em valores monetários, de todos os bens e serviços produzidos
em uma região durante um período de tempo específico.

Geografia da População 17
1 Conceitos fundamentais sobre população

As duas primeiras conferências internacionais sobre o tema população aconteceram


em Roma, no ano de 1954, e em Belgrado, em 1965, em caráter acadêmico e extraoficial
(ALVES, 2014). A primeira conferência oficial sobre o tema foi organizada pela ONU em
1974, em Bucareste, Romênia, e contou com a presença de delegações de vários países. Os
embates e as concepções já debatidos nos encontros anteriores fizeram parte dessa con-
ferência oficial. A Conferência de 1974, segundo Alves (2014, p. 222), ficou dividida entre
os “controlistas” e os “desenvolvimentistas”, porque ela ocorreu em plena Guerra Fria.
Assim, os países mais ricos, tendo como líder os Estados Unidos, defenderam a concepção
de Malthus, segundo a qual é necessário reduzir a fecundidade para promover o desen-
volvimento e a erradicação da pobreza (controlistas). Já os países então subdesenvolvidos,
como a China e a Índia, defendiam a “prioridade do fortalecimento das políticas de apoio
ao desenvolvimento em contraposição ao controle da natalidade e ao planejamento fami-
liar” (desenvolvimentistas). No embate dessa conferência, teve-se como ponto de vista
predominante o dos “controlistas”, com o bordão símbolo de Bucareste: “O desenvolvi-
mento é o melhor contraceptivo” (ALVES, 2014, p. 222).
Uma nova Conferência Internacional sobre População ocorreu em 1984, no México, na
qual se enfatizou a necessidade de estabilização da população mundial, ou seja, o “cresci-
mento zero” no mais curto período de tempo possível (BERQUÓ, 1999). Tal estabilização,
segundo a autora, tornaria menos difícil aos países em desenvolvimento melhorar seus pa-
drões de vida. Essas conferências, segundo Alves (2014, p. 223), mostram “que a questão
demográfica foi objeto de disputa e as posições ideológicas variaram bastante no espaço de
dez anos, com alternância de visões: se a população seria uma variável dependente, inde-
pendente ou neutra”.
Em 1994, ocorreu a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do
Cairo (1994), que, segundo Berquó (1999, p. 74), “beneficiando-se da Conferência de Direitos
Humanos de Viena (1993), reafirmou a aplicação dos direitos humanos a todos os aspectos
das questões populacionais”. A conferência do Cairo, conforme Alves (2014, p. 223), apon-
tou “a necessidade da estabilização do crescimento da população mundial”, já que não é
possível “haver crescimento infinito em um mundo finito”. No entanto, a conferência não
criou nenhum projeto, nem criou meios para evitar o supercrescimento da população.
Após essas conferências, os debates sobre população e desenvolvimento sustentável
continuaram sendo feitos em outros eventos. Tais temas são amplos, contraditórios e envol-
vem interesses diversos, como será visto nos próximos capítulos.

Ampliando seus conhecimentos

A evolução do índice de envelhecimento


no Brasil, nas suas regiões e unidades
federativas no período de 1970 a 2010
(CLOSS; SCHWANKE, 2012, p. 444-457)

18 Geografia da População
Conceitos fundamentais sobre população 1
A população mundial encontra-se em um processo de reestruturação
demográfica que se caracteriza pela redução das taxas de fecundidade,
diminuição da mortalidade e consequente aumento da expectativa de
vida. A transição demográfica vem acontecendo de forma heterogênea na
população mundial e encontra-se em diferentes fases ao redor do mundo.
Iniciou-se na Europa, e o primeiro fenômeno observado foi a diminuição
da fecundidade na Revolução Industrial, fato este anterior ao apareci-
mento da pílula anticoncepcional. Por outro lado, o aumento na expecta-
tiva de vida ocorreu de forma lenta, devido a melhores condições sociais e
de saneamento, com o advento do uso de antibióticos e de vacinas.

Muitos países, entre eles o Brasil, vêm passando por uma mudança em suas
estruturas etárias, que se reflete em uma diminuição relativa na proporção
de crianças e jovens e um aumento na proporção de adultos e idosos no
conjunto da população.

A população brasileira, até os anos 60, revelava-se quase estável e sua


distribuição etária caracterizava-se por uma quase constância. Tratava-se
de uma população jovem, sendo que, no censo de 1970, 42% da população
tinham menos de 15 anos e 5% tinham mais de 60 anos. Entre os anos 1940
e 1960, o Brasil experimentou um significativo declínio da mortalidade,
mantendo a fecundidade em níveis bastante altos, o que gerou uma popu-
lação jovem quase estável e com rápido crescimento. A esperança de vida
ao nascer passou de aproximadamente 41 anos, na década de 30, para 55,7
anos, na década de 60, e a taxa de fecundidade total teria passado de 6,2
filhos por mulher, nos anos 40, para 5,8, em 1970.

Ao final da década de 60, os níveis de fecundidade passaram a apresentar


trajetória descendente, inicialmente nos grupos populacionais mais privilegia-
dos e nos polos mais desenvolvidos, estendendo-se rapidamente às demais
regiões. A participação relativa do grupo etário jovem declinou de 41,8%, em
1950, para 28,6% em 2000, tendendo depois a estabilizar-se numericamente.
Em contraposição, a população idosa (acima de 65 anos) mais do que duplicou
sua importância relativa, passando de 2,4%, em 1950, para 5,4%, em 2000.

Assim, o grupo de idosos é, hoje, um contingente populacional expressivo em


termos absolutos e de crescente importância relativa no conjunto da sociedade
brasileira, daí decorrendo uma série de novas exigências e demandas em ter-
mos de políticas públicas de saúde e inserção ativa dos idosos na vida social.
Este processo, denominado de envelhecimento populacional, vem sendo
informado à sociedade, com base em pesquisas e estudos populacionais do

Geografia da População 19
1 Conceitos fundamentais sobre população

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio de indicadores


sociais e demográficos, ferramentas necessárias para entender a dinâmica da
sociedade em um determinado período de tempo.

Dentre as várias alternativas para a observação do envelhecimento de uma


determinada população, o Índice de Envelhecimento (IE) apresenta vantagens
por ser analiticamente simples, apresentar alta sensibilidade às variações na
distribuição etária, contabilizar os dois grupos etários que definem o processo
de envelhecimento populacional e ser de fácil interpretação.

O IE é definido como o número de pessoas de 60 e mais anos de idade,


para cada 100 pessoas menores de 15 anos de idade, na população resi-
dente em determinado espaço geográfico, no ano considerado, e avalia o
processo de ampliação do segmento idoso na população total em relação
à variação relativa no grupo etário jovem. Quando há um aumento do
grupo jovem maior do que o aumento dos idosos, o índice acusa o reju-
venescimento da população, a despeito de a ampliada participação dos
idosos sugerir o envelhecimento da população. Por outro lado, se os dois
grupos etários observarem variações de mesmo sentido e intensidade, o
IE não varia, apresentando estabilidade no envelhecimento, apesar de
a proporção de idosos indicar aumento ou redução do envelhecimento,
conforme a direção da mudança.

[...]

As condições de saúde de determinada população podem ser estimadas por


meio de indicadores demográficos. O conhecimento de aspectos demográ-
ficos permite avaliar, além das necessidades, as demandas presentes e futu-
ras de recursos de toda natureza. O conjunto de informações e indicadores
gerado pelos estudos demográficos tem especial relevância para a análise
das condições de vida da população, acompanhamento e apoio à decisão
com relação às políticas públicas, investimentos em saúde e intervenções
específicas em áreas críticas. A escolha dos indicadores depende dos obje-
tivos da avaliação, dos aspectos metodológicos, éticos e operacionais da
questão em estudo. O Índice de Envelhecimento (IE) permite observar a
evolução do ritmo de envelhecimento da população, comparativamente
entre áreas geográficas e grupos sociais.

O processo de envelhecimento populacional é uma realidade no Brasil


e no mundo, representando um importante fenômeno demográfico da
atualidade e que modificou a perspectiva de vida dos indivíduos. Uma
vez que o século XXI testemunhará um envelhecimento mais rápido do

20 Geografia da População
Conceitos fundamentais sobre população 1
que o ocorrido no século passado, o desafio para o futuro é garantir que os
indivíduos possam envelhecer com segurança e dignidade, mantendo sua
participação ativa na sociedade, como cidadãos e com todos seus direitos
assegurados, sempre compatíveis com aqueles de outras faixas etárias e
que as relações entre as gerações sejam constantemente estimuladas.

Atividades
1. No site <http://www.cidades.ibge.gov.br>, é possível ter acesso a diversas informa-
ções sobre cada município brasileiro. Acesse e busque os seguintes dados sobre o
seu município:

• área total;
• população absoluta;
• densidade demográfica.

Com base nas informações obtidas, elabore um texto abordando os fatores que ex-
plicam as características desses dados e como é a distribuição da população pelo
território do município. Se necessário, faça pesquisas adicionais.

2. Analise o gráfico a seguir:

Distribuição percentual da população por grandes grupos de idade: Brasil – 1980 a 2010

Fonte: IBGE, 2017b.

Com base no que analisou, responda:

a. Quais as principais diferenças da distribuição da porcentagem da população entre


1980 e 2010?
b. Indique duas causas das mudanças representadas no gráfico.

Geografia da População 21
1 Conceitos fundamentais sobre população

3. No site <http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/>, pode-se visualizar,


por meio de gráficos, as projeções para a população de cada estado brasileiro. Aces-
se-o e analise os seguintes gráficos sobre o estado onde você mora:

• Taxas Brutas de Natalidade (TBN) e Mortalidade (TBM) 2000-2030.


• Expectativa de Vida ao Nascer 2000-2030.

Elabore um texto explicando as informações representadas nesses gráficos e as cau-


sas das projeções para a população do seu estado.

Referências
ALVES, J. E. D. População, desenvolvimento e sustentabilidade: perspectivas para a CIPD pós-
2014. Revista brasileira Estudos da População, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 219-230, jan./jun. 2014.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v31n1/13.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.
______. Transição da fecundidade e relações de gênero no Brasil. 1994. Tese (Doutorado) – Faculdade
de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1994. Disponível
em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/MCCR-7UWH66/jos__eus-
taquio_diniz_alves_tese_demografia_1994.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 jan. 2017.
ANDRADE, M. C. Geografia econômica. 12. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
BERQUÓ, E. Refletindo sobre as questões populacionais neste final de século. Revista Novos Estudos,
São Paulo, n. 55, 1999. Disponível em: <http://xa.yimg.com/kq/groups/25854876/733581996/name/re-
fletindo_sobre_as_questoes+populacionais+de+Elza+Berqu%C3%B3.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.
CAMARANO, A. A.; KANSO, S.; MELLO, J. L. Como vive o idoso brasileiro. In: CAMARANO, A. A.
(Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/Arq_29_Livro_Completo.pdf>. Acesso
em: 10 jan. 2017.
CERQUEIRA, C. A.; GIVISIEZ, H. N. Conceitos básicos em demografia e dinâmica demográfica bra-
sileira. In: RIOS-NETO, E.; RIANI, J. Introdução à demografia da educação. Disponível em: <http://
www.ess.inpe.br/courses/lib/exe/fetch.php?media=cst-310-popea:refs:cerqueira_givizies_conceitos-
basicosdemografia.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.
CLOSS, V. E.; SCHWANKE, C. H. A. A evolução do índice de envelhecimento no Brasil, nas suas re-
giões e unidades federativas no período de 1970 a 2010. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia,
Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v15n3/v15n3a06.pdf>.
Acesso em: 12 jan. 2017.
DAMIANI, A. L. População e geografia. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
DICIO – Dicionário Online de Português. Indicador. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/indi-
cador/>. Acesso em: 25 jan. 2017.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas escolar. Rio de Janeiro, 2010.
______. Brasil em Síntese. 2017a. Disponível em: <http://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao>.
Acesso em: 15 jan. 2017a.
______. Censo Demográfico de 1980, 1991, 2000 e 2010 e contagem da População 1996. 2017b.
Disponível em: <http://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/distribuicao-da-populacao-por-gran-
des-grupos-de-idade.html>. Acesso em: 12 jan. 2017b.

22 Geografia da População
Conceitos fundamentais sobre população 1
______. IBGE Países. 2016. Disponível em Disponível em: <http://paises.ibge.gov.br/>. Acesso em: 30
jan. 2017.
______. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. 2017c. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/>. Acesso em: 15 jan. 2017c.
ONU-BR – Organização das Nações Unidas do Brasil. A ONU e a população mundial. 2016. Disponível
em <https://nacoesunidas.org/acao/populacao-mundial/>. Acesso em: 15 jan. 2017.
PIRÂMIDES populacionais do mundo desde 1950 até 2100. 2016. Disponível em: <https://popula-
tionpyramid.net/pt/mundo/2016/>. Acesso em: 10 jan. 2017.
VASCONCELOS, A. M. N.; GOMES, M. M. F. Transição demográfica: a experiência brasileira.
Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 21, n. 4, 2012. Disponível em: <http://scielo.iec.pa.gov.
br/pdf/ess/v21n4/v21n4a03.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.

Resolução
1. Você pode citar os motivos pelos quais o município onde mora se caracteriza como
de baixa ou elevada população absoluta e, ainda, a forma como ocorre a distribuição
da população pelo território, destacando, por exemplo, os fatores que fazem com que
ocorram maiores densidades demográficas num determinado ponto do município.

2. Observe que, entre 1980 e 2010, a população entre 0-14 anos diminuiu e que as por-
centagens da população entre 15-64 anos e da população com mais de 65 anos au-
mentaram. Além disso, explique que as mudanças representadas nos gráficos se re-
lacionam às melhorias nas condições médico-sanitárias, o que permite diminuir as
taxas de natalidade, mas, também, diminuir as taxas de mortalidade, traduzindo-se
num aumento da população e no seu “envelhecimento”.

3. Identifique que as taxas de natalidade e mortalidade diminuirão no período proje-


tado. A explicação deve relacionar a baixa taxa de natalidade à baixa taxa de fecun-
didade e às melhorias nas condições médico-sanitárias. Esses fatores permitem a
prevenção de doenças e a diminuição das taxas de mortalidade, fatores que explicam
a projeção da população absoluta para o estado ou para o país.

Geografia da População 23
2
Concepções sobre
população na
geografia clássica

Introdução

O conhecimento científico se caracteriza pela dinamicidade advinda da influência


das transformações econômicas, sociais e tecnológicas da sociedade e suas repercus-
sões nas reflexões e formulações de pensamentos. A abordagem da população na geo-
grafia é reflexo dos movimentos da ciência, pois envolve a análise dos fatores políticos,
econômicos e sociais que interferem nos fenômenos populacionais.

Assim, os estudos sobre população no contexto da geografia são marcados pela


evolução do pensamento geográfico sobre os fenômenos populacionais. Nessa pers-
pectiva, são apresentados a seguir os diferentes momentos da evolução da Geografia
da População e as reflexões que os acompanham.

Geografia da População 25
2 Concepções sobre população na geografia clássica

2.1 Evolução do pensamento geográfico sobre


população
Vídeo
A análise da evolução do pensamento geográfico sobre população re-
quer considerar as diferentes abordagens teóricas sobre o assunto. Desse
modo, serão abordados, na sequência, autores clássicos da geografia, desta-
cando suas concepções e abordagens teórico-metodológicas sobre os concei-
tos populacionais, bem como os autores contemporâneos e seus pressupos-
tos sobre a temática em questão.

2.1.1 Os estudos sobre população na geografia clássica


Os estudos sobre população, tendo como referência as bases teóricas da geografia, são
marcados por momentos de permanências, transformações, rupturas, limites e contradições
(MORMUL, 2013). Para entender esse processo, faz-se necessário analisar aspectos da pró-
pria evolução do pensamento geográfico e do estabelecimento da geografia como ciência,
que traz em sua gênese a busca pela superação da fragmentação de seus estudos entre fenô-
menos físicos e humanos. Os estudos populacionais, se forem realizados de forma fragmen-
tada, podem se limitar a explicações generalistas (MORMUL, 2013).
Além disso, ainda conforme Mormul (2013), é necessária a abordagem da relação en-
tre a geografia e o capitalismo, como forma de situá-la no contexto histórico da produção
humana. Nessa perspectiva, os estudos populacionais são intrínsecos à geografia, pois não
há como analisar o espaço geográfico sem a população que a ele dá dinamismo, da mesma
forma que não há como entender a população sem seu respectivo espaço.
Tendo como referência a evolução do pensamento geográfico e suas relações com a
abordagem da população, Rodrigues (2008) destaca a sistematização, no século XIX, de sa-
beres acumulados, atribuindo a eles métodos próprios de construção de conhecimento. Esse
fato deu origem a várias ciências, entre elas, a geografia, inicialmente considerada uma ciên-
cia social que trabalha com fenômenos naturais (clima, vegetação, relevo, hidrografia etc.).
Conforme Rodrigues (2008, p. 13), o “estudo do conjunto desses fenômenos causou muita
discussão na história do pensamento geográfico, gerando uma divisão em Geografia Física
e Geografia Humana”. Essa divisão, na concepção de Mormul (2013, p. 29), “colaborou para
que as pesquisas na Geografia ocorressem de modo independente, retirando o homem da
natureza”. Os estudos sobre população trabalhados nessa perspectiva dicotômica, segundo
Mormul (2013, p. 33), caracterizaram-se “ora dando maior ênfase aos dados empíricos1, ora
se reportando aos estudos mais técnicos e científicos”.

1 Dado empírico – Que se baseia na observação da realidade ou na experiência, sem considerar os


métodos científicos; conhecimento adquirido na prática.

26 Geografia da População
Concepções sobre população na geografia clássica 2
Como a característica marcante dos estudos da geografia clássica é a descrição exausti-
va dos fenômenos, os trabalhos sobre população eram marcados pelas descrições, sobretudo
quantitativas, desse tema. Essa perspectiva de trabalho, na qual, segundo Mormul (2013), os
dados sobre população e suas variáveis são interpretados numa visão empirista, tornam os
estudos isolados e distantes da realidade. Desse modo, a população era tomada como um
elemento do âmbito geográfico sistematizado e estudado isoladamente. Segundo Andrade
(1998), essa abordagem da geografia encontra-se:
[...] ultrapassada, de vez que, em relação à produção do espaço geográfico, temos
de estudar a ação do homem apropriando-se dos recursos existentes, de acordo
com as estruturas econômicas, sociais e políticas como estão organizadas. Daí a
influência do modo de produção e das formações econômicas e sociais dominan-
tes no espaço e no tempo e concluirmos que existe apenas uma Geografia que é
chamada de uma ou outra maneira, conforme o enfoque que se dá à mesma nos
estudos em realização. (ANDRADE, 1998, p. 23)
Assim, os estudos sobre a população em nossos dias consideram que não se trata de
um conceito meramente numérico, pois requer análises que envolvam aspectos econômicos,
sociais e ambientais.

2.1.2 Os estudos sobre população numa perspectiva crítica


Considera-se que os métodos, técnicas e fundamentos da geografia clássica e das abor-
dagens quantitativas da geografia teórico-quantitativa, segundo Rodrigues (2008), são insu-
ficientes para apreender a complexidade do espaço geográfico e os fenômenos a ele ineren-
tes. Entre esses métodos, estão aqueles referentes à dinâmica populacional, pois a simples
descrição e elaboração de explicações por meio de modelos, utilizando-se de elementos da
matemática e da estatística, que marcaram os estudos geográficos na perspectiva da geogra-
fia teórico-quantitativa, não são suficientes para a análise desses fenômenos.
Tendo em vista a superação dessas abordagens, surge, na década de 1970, a geografia
crítica. Segundo Robaina (2015), os estudiosos dessa corrente, baseando-se no referencial
marxista, destacam as contradições entre o capital de trabalho e as desigualdades socioes-
paciais. Destaca-se, também, a geografia humanista, que contribuiu “sensivelmente para
a valorização das experiências, sentimentos e das percepções de determinados grupos e
segmentos sociais frente a diferentes configurações socioespaciais” (ROBAINA, 2015, p. 53).
Numa busca por abordagens mais críticas relacionadas aos fenômenos populacio-
nais, surgem trabalhos sobre população envolvendo, como cita Robaina (2015), as po-
pulações em situação de risco e os moradores de rua, como, por exemplo, na situação
retratada na Figura 1.

Geografia da População 27
2 Concepções sobre população na geografia clássica

Figura 1 – Na Bulgária, o país mais pobre da União Europeia, uma mulher coberta por pombos
mendiga em uma rua de Sofia.

Fonte: Cylonphoto/iStockphoto.

No entanto, conforme Mormul (2013), ainda é possível encontrar trabalhos descriti-


vos sobre a temática população de forma geral. Desse modo, faz-se necessária a superação
de abordagens dos conceitos populacionais baseados no senso comum, as quais “acabam
explicitando os fenômenos por eles mesmos, isto é, não explicam a realidade do fenômeno.
Na maior parte das vezes descreve-os, e descrever a realidade apenas não significa produzir
conhecimento científico” (MORMUL, 2013, p. 33). Assim, até hoje há resquícios das aborda-
gens clássicas nos estudos geográficos.
Ao se referir às contribuições da geografia para os estudos populacionais na atualida-
de, Mormul (2013, p. 32) destaca que essa ciência pode “contribuir para que as informações
sobre população na Geografia avancem para além dos dados quantitativos” e que isso pode
melhorar a compreensão sobre a dinâmica populacional.
Tem-se como desafio contemporâneo em relação aos estudos sobre população, confor-
me apresenta a autora, fazer uso de diferentes metodologias ou, até, reescrever uma história
diferente sobre a abordagem da população na perspectiva da geografia. Além disso, Mormul
(2013) destaca a necessidade de se mergulhar na essência dos fenômenos populacionais, em
suas contradições, seus determinantes, suas implicações. Assim, pode-se, a partir da com-
preensão de tais fenômenos, buscar a superação das suas contradições e a sua transformação.

2.2 A demografia na análise da população


Vídeo
Considera-se que os estudos geográficos sobre a população vão além
de números, estatísticas e conceitos, pois há a necessidade de interpretar e
analisar os fenômenos populacionais em sua complexidade. Nesse sentido,
os estudos populacionais recebem a contribuição da demografia.

28 Geografia da População
Concepções sobre população na geografia clássica 2
2.2.1 O conceito de demografia
Em 1855, Achille Guillard empregou pela primeira vez o termo demografia (dêmos = po-
pulação, graphein = estudo). Segundo Carvalho, Sawyer e Rodrigues (1998, p. 6), demografia
“refere-se ao estudo das populações humanas e sua evolução temporal no tocante a seu ta-
manho, sua distribuição espacial, sua composição e suas características gerais”. Já Mormul
(2013, p. 33) conceitua a demografia como “a ciência que estuda a dinâmica populacional, por
meio de estatísticas que utilizam como critérios a religiosidade, educação, etnia, entre outros,
influenciados por fatores como taxa de natalidade, mortalidade, fecundidade, entre outros”.
Carvalho, Sawyer e Rodrigues (2013, p. 7) afirmam que a demografia “trata dos aspec-
tos estáticos de uma população num determinado momento – tamanho e composição –, as-
sim como também da sua evolução no tempo e da inter-relação dinâmica entre as variáveis
demográficas”.
Considerada um ramo das ciências sociais, sua importância se evidencia “no fato de
a população ser um elemento político que caracteriza uma sociedade e, logo, tornar-se-ia
necessário compreendê-la a fim de tornar possível o planejamento econômico, social ou po-
lítico” (MORMUL, 2013, p. 33).
Referindo-se às especificidades da demografia, Carvalho, Sawyer e Rodrigues (1998) di-
ferenciam a concepção do termo população para a estatística e para os propósitos de estudos
dos habitantes de determinado espaço geográfico. Assim, na estatística, população se refere
a um conjunto de elementos, por exemplo, um conjunto de parafusos. Já para a demografia,
o termo se trata de um conjunto de seres humanos com características específicas inseridos
num contexto dinâmico.
Ainda segundo Carvalho, Sawyer e Rodrigues (1998), na caracterização da população
em demografia, questiona-se: Qual o seu tamanho? Quantas pessoas existem numa localida-
de, num determinado momento? Também se pensa sobre sua composição: quantas pessoas
são do sexo feminino? Quantas são do sexo masculino? Quantas pessoas são maiores de 50
anos? Quantos indivíduos são economicamente ativos?
Sobretudo, além dessas informações, os autores destacam a importância de compreen-
der as dinâmicas que se estabelecem com base nesses fenômenos populacionais. Assim, afir-
mam que “uma questão importante que surge seria: como é que as mudanças em um ou mais
destes componentes poderiam afetar os demais?” (CARVALHO; SAWYER; RODRIGUES
1998, p. 7). Como possíveis respostas para evidenciar a amplitude da demografia, os autores
listam algumas variáveis demográficas, como: a distribuição da população por sexo, idade,
estado civil; a distribuição da população pelo território; e a residência de nascimento atual
ou anterior.
Evidencia-se, assim, que a demografia vai além do levantamento de informações esta-
tísticas e descritivas sobre a população de determinado espaço geográfico, pois busca expli-
car as dinâmicas que influenciam seus indicadores. Além disso, faz estimativas que são úteis
ao planejamento econômico e social e que alertam para dinâmicas populacionais que podem
interferir na qualidade de vida e bem-estar dos seus habitantes.

Geografia da População 29
2 Concepções sobre população na geografia clássica

2.2.2 Geografia e demografia


Considera-se haver uma aproximação significativa entre geografia e demografia, pois
ambas demonstram abordagens semelhantes que podem mutuamente se enriquecer.
De acordo com Marandola Jr. e Hogan (2005), os geógrafos entendem de modo mais
simbiótico a relação entre sociedade e natureza. Os demógrafos, por sua vez, conferem a essa
relação um forte componente socioeconômico. Conforme Mormul (2013), os economistas,
diante do progresso tecnológico, da produtividade crescente e da elevação do nível de vida
nos países desenvolvidos no início do século XX, passaram a ter menos preocupações com os
problemas populacionais. Nesse contexto, a demografia, embora ganhe maior destaque como
ciência, teve como foco os recenseamentos, incluindo técnicas matemáticas e estatísticas mais
consistentes. Outros especialistas, como sociólogos e antropólogos, também se envolveram
nos debates de questões mais teóricas sobre os fenômenos populacionais (MORMUL, 2013).
Nos dias de hoje, o diálogo entre geógrafos e demógrafos têm convergido, segundo
Marandola Jr. e Hogan (2005), para preocupações envolvendo fatores sociais e ambientais, como,
por exemplo, as situações em que o ambiente, conjugado a fatores socioeconômicos, expõe as
populações a riscos. Desse modo, conforme Mormul (2013), as análises detalhadas, consideran-
do os dados estatísticos com a estrutura teórica da geografia, são benquistas pela demografia.
Nessa perspectiva, os estudos populacionais com base no aporte da geografia e de ou-
tras ciências como a economia política e a sociologia, segundo Silva (2004, p. 30), podem “ex-
plicar o porquê do lugar de pessoas nas classes sociais, a perda dos indivíduos na coisidade2
da força de trabalho do homem genérico, ao mesmo tempo submetido na sociedade, não por
obra do acaso, mas das leis sociais dominantes”. Ou, ainda, sob o ponto de vista geográfico,
como afirma Mormul (2013, p. 68), “entender as forças políticas, econômicas e culturais que
influenciaram o modo como as pessoas se organizam e vivem socialmente”.
Referindo-se à contribuição da demografia para as análises populacionais sob o enfoque
da geografia, Marandola Jr. e Hogan (2005, p. 31) destacam os “estudos empíricos e preocu-
pações confluentes em um universo teórico distinto dos geógrafos e ainda por ser [melhor]
desenhado”. Como uma tendência dos trabalhos relacionados a essa perspectiva, os autores
chamam atenção para estudos que vêm contribuindo com a ampliação de abordagens mais
integradas dos aspectos físicos e humanos e suas correlações com a dinâmica demográfica.
Esses trabalhos estão relacionados à “discussão das desigualdades sociodemográficas, vin-
culadas à pobreza e à problemática da exclusão social” (2005, p. 41).
Conforme destaca Mormul (2013, p. 35), “na constituição da ciência geográfica a questão
da população sempre esteve presente, contudo, não de modo explícito, muitas vezes subjuga-
do nos discursos dominantes”. Tendo em vista a aproximação entre geografia e demografia, é
imprescindível considerar a forma como os seres humanos se relacionam com a natureza para
assegurar sua sobrevivência, considerando as dimensões social e ambiental. Nesse sentido, a

2 O termo coisidade é usado nesse contexto para sugerir que a força de trabalho coisifica o homem,
ou seja, transforma-o em uma coisa, na medida em que não o individualiza e não faz com que ele se
reconheça como indivíduo, mas como um mecanismo dentro de uma máquina social sobre a qual ele
não pode interferir.

30 Geografia da População
Concepções sobre população na geografia clássica 2
aproximação entre esses campos do conhecimento passa também pela temática do desenvol-
vimento econômico desigual entre os países, que, segundo Mormul (2013, p. 100), envolvem
“questionamentos a respeito de como as ações humanas sobre o meio podem ser mitigadas. Para
que possamos manter a vida e a sustentabilidade do planeta Terra”.
Segundo Sathler (2012), a demografia demorou a considerar a dimensão ambiental na
análise dos fenômenos populacionais. Isso porque somente na década de 1990 surgiram
alguns trabalhos que buscavam explicar as dificuldades dessa ciência em estabelecer uma
linha sólida para debater as relações entre meio ambiente e população.
De acordo com Marandola Jr. e Hogan (2005), a geografia caracteriza-se por um históri-
co em abordagens da dimensão ambiental, com larga experiência em focar simultaneamente
as dinâmicas naturais e sociais. Já a demografia, ainda segundo esses autores (2005, p. 29),
“enfrenta maiores dificuldades, por ter incorporado a dimensão ambiental a seu escopo
científico bem mais recentemente”.
Em relação ao diálogo entre essas duas ciências, aos geógrafos interessa o próprio es-
paço que, numa perspectiva integrada dos aspectos físicos e humanos, inclui a população.
Para os demógrafos, o foco parte da importância do ambiente na delimitação das condições
de vida da população (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2005).
Nesse contexto, tem se destacado a abordagem das questões ambientais, buscando, con-
forme Sathler (2012), reflexões sobre envelhecimento populacional, estrutura etária e distri-
buição espacial dos habitantes, levando em consideração a relação existente entre homem e
meio ambiente. Esse debate inclui também a relação entre população e disponibilidade de
recursos naturais, como a qualidade da água, o consumo, os habitantes em situação de risco
ambiental e os problemas sociais em diferentes escalas.

2.3 População e produção do espaço


Vídeo
Considera-se que as características de determinado espaço habitado são
influenciadas, em boa parte, pelos dinamismos populacionais que nele se
estabelecem. Como resultado, ocorre a produção do espaço, que é marcada
pela apropriação desigual dos recursos envolvidos nesse processo.

2.3.1 O espaço na geografia


Ao estabelecer relações entre produção do espaço e população, faz-se necessário ter
como referência o debate sobre o conceito de espaço na geografia. Admite-se que a palavra
espaço adquire diversos significados, de acordo com o contexto em que é empregada. Na
geografia, o conceito de espaço tem uma especificidade, sendo concebido, segundo Carlos
e Rossini (1983, p. 7), como aquele que é “fruto das relações que se estabelecem entre a so-
ciedade e o meio circundante, num determinado momento do desenvolvimento das forças
produtivas”. Nessa perspectiva, a sociedade ao mesmo tempo em que produz sua existên-
cia, produz o espaço geográfico.

Geografia da População 31
2 Concepções sobre população na geografia clássica

Na concepção de Andrade (1998, p. 32), “o homem transforma sempre o espaço em


que vive e, ao transformá-lo, transforma a própria natureza, fazendo com que os desafios
naturais à sua ação sejam diversos dos desafios da própria natureza não modificada”. Dessa
forma, a gênese do espaço geográfico é o trabalho, que, conforme Carlos e Rossini (1983, p.
7), “nada mais é do que a resposta do homem a uma série de necessidade a que ele deve sa-
tisfazer para sobreviver”. Nesse processo, por meio de ações conscientes os seres humanos
transformam o meio natural em espaço geográfico.
Andrade (1998, p. 33) afirma que “a ação do homem não ocorre de forma uniforme no espa-
ço e no tempo. Ele faz de forma mais intensa em determinados momentos históricos e nas áreas
onde pode empregar uma tecnologia mais avançada”. O entendimento da dinâmica originária
desse processo, de acordo Carlos e Rossini (1983), requer a inclusão do papel da população, que
é seu elemento produtor. A população “não é uma simples abstração, mas é sinônimo de so-
ciedade, de uma sociedade histórica, da qual os elementos participam de maneira diferenciada
pelo lugar que ocupam dentro do sistema de produção” (1983, p. 9).
Nessa relação entre espaço e população, as autoras destacam que se trata de um espaço
humanizado, devido ao fato de a sociedade produzi-lo e dele se apropriar de acordo com
as diferenças de acesso aos meios de existência, e não pelo fato de habitá-lo. Para Carlos e
Rossini (1983), pode-se separar a população entre a parcela que constrói objetivamente o
espaço, que é a força do trabalho social, e a parcela que não o produz diretamente.
Sendo a produção do espaço determinada pela formação econômica da sociedade capi-
talista, o acesso dos membros da população aos meios de existência é desigual. Esse fato se
manifesta no próprio espaço geográfico, por exemplo, nos contrastes no acesso à moradia
no Brasil, como demonstra a Figura 2.

Figura 2 – O Morro do Papagaio, em Belo Horizonte (MG), revela os contrastes sociais da cidade.

Fonte: fredcardoso/iStockphoto.

32 Geografia da População
Concepções sobre população na geografia clássica 2
2.3.2 População e espaço geográfico
Conforme mencionado, ao produzir o espaço, a sociedade produz também as desigual-
dades sociais, uma vez que há diferenças no acesso aos recursos existentes. Isso porque, do
ponto de vista da população, o processo de produção capitalista exige a expropriação dos
meios de produção da maioria das pessoas. Assim, como destacam Carlos e Rossini (1983, p.
14), “essa parcela majoritária constitui uma classe que tem como condição única de sobrevi-
vência a venda de sua força de trabalho”.
Nesse sentido, a forma de apropriação do espaço será, segundo Carlos e Rossini (1983, p.
14), estabelecida “pelo lugar que o indivíduo terá na classe social e, consequentemente, pelo
lugar que esta ocupa na sociedade”. Conforme Maricato (2002), a produção do espaço pela
população não somente materializa as desigualdades sociais, como também as reproduz.
Ao se referir à relação entre população e espaço geográfico, Andrade (1998) enfatiza
que, no atual estágio de desenvolvimento da sociedade, o território vem sendo organizado
de forma diversificada e com uma especialização de porções do espaço em ramos de ativi-
dades cada vez mais dinâmicos. Essa especialização “provoca a concentração populacional
nas áreas mais favoráveis e, naturalmente, desenvolve a implantação de uma infraestrutu-
ra dos serviços necessários ao atendimento das necessidades da população” (ANDRADE,
1998, p. 42). O acesso a esses serviços e essa infraestrutura é diferenciado de acordo com as
condições sociais e financeiras de seus habitantes. Tais diferenças se manifestam no espaço
geográfico na forma de contrastes entre pobreza e riqueza: a população, portanto, materia-
liza no espaço as desigualdades sociais.

Ampliando seus conhecimentos

População, espaço e ambiente: rumo à


consolidação de uma Demografia ambiental
(MELLO; SATHLER, 2015, p. 359-361)

Atualmente, um novo campo dentro da Demografia e dos estudos de


população, que Daniel Hogan denominou, no Brasil, de demografia
ambiental, está dedicando mais atenção às relações entre população e
ambiente. Paralelamente ao aumento significativo do consumo no pla-
neta, os componentes da dinâmica demográfica se comportaram com bas-
tante dinamismo durante o último século em diversas partes do globo.
Estas transformações demográficas foram acompanhadas de mudanças
ambientais gravíssimas e ainda existe muito para entender sobre as rela-
ções entre as variáveis populacionais e o ambiente. A partir dos anos
1980, a difusão global de casos de contaminação ambiental e suas conse-
quências para a saúde e a vida humana motivaram o desenvolvimento de

Geografia da População 33
2 Concepções sobre população na geografia clássica

estudos sobre população e ambiente (HOGAN et al., 2010). Já na década


de 1990, os estudos passaram a incorporar, sobretudo, as preocupações
ambientais com o crescente aumento da emissão de gases de efeito estufa
e a poluição do ar (BONGAARTS, 1992; BIRDSALL, 1992; O’NEILL et
al., 2001), as mudanças na cobertura e no uso do solo e o desmatamento
(BILSBORROW; DELARGY, 1991; BILSBORROW; STUPP, 1997) e as rela-
ções entre desastres ambientais e a migração (ANDERTON et al. 1994;
HUNTER, 1998). No entanto, a Demografia demorou a incorporar as
questões ambientais e apenas recentemente este campo de pesquisa tem
se tornado mais abrangente. Na década de 1990, alguns estudos oferece-
ram evidências que buscaram explicar as dificuldades da Demografia no
estabelecimento de uma linha de pesquisa sólida para tratar as questões
ambientais (DAVIS, 1991; KEYFITZ, 1992; PEBLEY, 1998).

Davis (1991) argumenta que muitos pesquisadores investiram elevado


tempo em pesquisas voltadas para a criação de mecanismos para frear
o crescimento populacional, visto como fator que exerce grande pressão
sobre os recursos naturais. Paradoxalmente, também existe o argumento
de que as causas centrais dos problemas ambientais não são demográfi-
cas, ressaltando a importância das instituições sociais, da eficiência dos
mercados, do nível tecnológico e da distribuição de renda. Por outro lado,
Keyfitz (1992) ressalta que o excesso de peso dado a estes temas pode levar
muitos cientistas sociais à interpretação errônea de que as questões popu-
lacionais têm pouco ou nenhum impacto nas transformações ambientais.
Outro elemento que distancia a Demografia dos estudos ambientais é a
dificuldade de diálogo dos estudiosos da população com outras áreas, a
exemplo da Biologia, Bioquímica, Agronomia e Climatologia. Como res-
salta Pebley (1998), na década de 1990, a carência de dados longitudinais
locais para o estudo dos impactos ambientais também agravou esta situa-
ção. As abordagens mais recentes sobre população e ambiente têm incor-
porado novos aspectos, buscando refletir sobre as relações entre as trans-
formações demográficas (envelhecimento populacional, estrutura etária
e distribuição espacial) e questões como qualidade e disponibilidade de
água, geração de lixo, biodiversidade, paisagem, desastres naturais, entre
outras (RCEP, 2011). [...]

A comunidade científica não pode cessar os esforços em busca do forta-


lecimento dos estudos sobre população, espaço e ambiente, já que ainda
existe muito espaço a conquistar. Diante disso, cabe o seguinte questio-
namento: quais são os caminhos ainda não percorridos para a consoli-
dação da demografia ambiental? Existem várias possíveis respostas para
esta pergunta, embora a maior parte delas aponte para a necessidade de

34 Geografia da População
Concepções sobre população na geografia clássica 2
aprofundamento e consolidação de iniciativas já percebidas na comu-
nidade científica, mesmo que de maneira tímida, por demógrafos e não
demógrafos.

Para que a demografia ambiental se torne mais influente e robusta,


deve-se, em primeiro lugar, garantir o seu crescimento dentro da pró-
pria Demografia, com a ampliação de abordagens interdisciplinares que
envolvam, cada vez mais, a participação de profissionais também de
outras áreas do conhecimento. Além disso, espera-se que a demografia
ambiental se valorizará quando mais e mais pesquisadores não demógra-
fos identificarem na Demografia ferramentas importantes para a comple-
mentação de suas abordagens, devendo, portanto, ser estimulada dentro e
fora do campo tradicional da Demografia. Este não é um caminho fácil de
ser percorrido, embora existam algumas estratégias que mereçam ser dis-
cutidas. Cabe aos demógrafos e às associações (Iussp, Alap, Abep, PAA,
entre outras) trabalhar em prol de uma maior incorporação de análises
demográficas nos grandes relatórios sobre mudanças ambientais, sobre-
tudo aqueles realizados pelo IPCC, ONU e Banco Mundial. Isso traria
maiores possibilidades de crescimento da demografia ambiental, tendo
em vista que estes estudos, de certa forma, servem de referência para toda
a comunidade científica internacional, balizando abordagens e indicando
campos de pesquisa promissores. Outra possibilidade é a ampliação do
levantamento de dados e informações com base em recortes geográficos
mais favoráveis aos estudos sobre população e ambiente, a exemplo de
bacias hidrográficas, biomas, domínio morfoclimáticos e áreas de vulne-
rabilidade socioambiental. [...]

Se os problemas ambientais contemporâneos passam por um entendi-


mento multiescalar, a demografia ambiental também deverá criar novas
possibilidades analíticas em sintonia com a natureza destes problemas.
Estas iniciativas devem ser multiplicadas em prol de uma demografia
ambiental mais influente e participativa, que ofereça alternativas mais
acuradas para a mitigação e adaptação aos principais problemas ambien-
tais nas suas diversas escalas. Segundo Hogan et al. (2010, p. 96), “já está
na hora de assumirmos uma demografia ambiental, que contribua de
forma sistemática para a compreensão e construção de um mundo susten-
tável”. Segundo os autores, “esse é um esforço coletivo para o futuro que
agrega à reflexão ambiental um olhar propriamente demográfico”. Nesse
sentido, as repercussões negativas do consumo estarão presentes nesse
esforço constante em busca da consolidação de uma demografia ambien-
tal. [...]

Geografia da População 35
2 Concepções sobre população na geografia clássica

Atividades
1. Considerando a abordagem dos estudos populacionais numa perspectiva clássica,
na qual predominam a apresentação descritiva de informações sobre a população de
determinado espaço geográfico, e os estudos numa abordagem crítica, busque três
reportagens de jornais ou revistas que abordem o tema envelhecimento da população
brasileira. De posse das reportagens, verifique se o enfoque dos textos se alinha a uma
perspectiva clássica ou crítica. Depois, elabore um texto de oito a dez linhas sobre as
conclusões a que chegou.

2. Analise a afirmação a seguir:

Segundo Mormul (2013), a demografia pode trazer contribuições significativas aos estudos
geográficos sobre população, permitindo que se vá além dos dados quantitativos e a uma me-
lhor compreensão sobre as dinâmicas populacionais.

Aponte três contribuições da demografia para os estudos geográficos sobre população.

3. Considere a citação a seguir:


A pobreza resulta das desigualdades sociais, agravando mais a situação desta,
que por consequência ocasiona a exclusão social, e que para uma equidade desse
sistema são necessárias as políticas públicas sociais. Já se foi o tempo em que a
pobreza era justificada como uma incapacidade da classe inferior em sair desse
estado. O mito da “cultura da pobreza”, segundo a qual os pobres não melhoram
suas condições de vida porque não querem, desfaz-se, sempre na dura frieza das
evidências, empíricas e históricas. (ABRANCHES, 1998, p. 16)

Tendo como referência o que estudou sobre população e produção do espaço geo-
gráfico, elabore uma síntese explicando as causas da pobreza na produção do espaço
geográfico.

Referências
ABRANCHES, S. H. Política social e combate à pobreza: a teoria da prática, In: ABRANCHES, S. H.;
SANTOS, W. G. dos; COIMBRA, M. A. Política social e combate à pobreza. 4. ed. Rio de Janeiro: J.
Zahar, 1998.
ANDRADE, M. C. Geografia econômica. 12. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
CARLOS, A. F. A.; ROSSINI, R. E. População e o processo de estruturação do espaço geográfico. Revista
do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, São Paulo v. 2, 1983. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdg/article/view/47074>. Acesso em: 13 jan. 2017.

36 Geografia da População
Concepções sobre população na geografia clássica 2
CARVALHO, J. A. M.; SAWYER, D. O.; RODRIGUES, R. N. Introdução a alguns conceitos básicos em
medidas em demografia. 2. ed. São Paulo, ABEP, 1998. Disponível em: <http://www.ess.inpe.br/cou-
rses/lib/exe/fetch.php?media=cst-310-popea:refs:zealberto_et_al_introducaodemografia_1998.pdf>.
Acesso em: 15 jan. 2017.
MARANDOLA JR.; E.; HOGAN, D. J. Vulnerabilidade e riscos: entre Geografia e Demografia. Revista
Brasileira de Estudos sobre População, São Paulo, n. 1, p. 29-53, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://
www.abep.nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol22_n1_2005/vol22_n1_2005_4artigo_p29a54.pdf>.
Acesso em: 16 jan. 2017.
MELLO, L. F. de; SATHLER, D. A demografia ambiental e a emergência dos estudos sobre população
e consumo. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, p. 357-380, maio/
ago. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v32n2/0102-3098-rbepop-32-2-0357.pdf>.
Acesso em: 13 jan. 2017.
MORMUL, N. M. As abordagens sobre população na Geografia brasileira (1934-2010): permanên-
cias, transformações e rupturas. 2013. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual de
Maringá, Maringá, 2013. Disponível em: <http://sites.uem.br/pge/documentos-para-publicacao/teses/
teses-2013-pdfs/Najla%20MehhannaMormul.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2017.
ROBAINA, I. M. Entre mobilidade e permanências: uma análise das espacialidades cotidianas da
população em situação de rua na área central da cidade do Rio de Janeiro. 2015. Tese (Doutorado em
Geografia) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: < http://obj-
dig.ufrj.br/16/teses/830370.pdf f>. Acesso em: 15 jan. 2017.
RODRIGUES, A. de J. Introdução à ciência geográfica. São Paulo: Avercamp, 2008.
SATHLER, D. População, consumo e ambiente: contribuições da Demografia para a questão am-
biental. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 18, 2012, Águas de Lindóia. Anais...
Águas de Lindóia: ABEP, 2012. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/xviii/anais/files/
ST36%5B810%5DABEP2012.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2017.
SILVA, Lenyra Rique da. Do senso comum à geografia científica. São Paulo: Contexto, 2004.

Resolução
1. A abordagem sobre população apenas descreve os dados sobre o tema “envelheci-
mento dos habitantes” (abordagem clássica) ou se apresenta, além da descrição, as
explicações sobre os fenômenos populacionais retratados (abordagem crítica). Nessa
perspectiva crítica, deve verificar se aborda, por exemplo, fatores relacionados às
desigualdades de acesso às condições médico-sanitárias, a bens de consumo e a as-
pectos que garantem a qualidade de vida.

2. Aponte, como contribuições da demografia para os trabalhos de cunho geográfico


sobre a população, os indicadores sociais e econômicos dos habitantes em questão,
especificando as condições em que se encontram, bem como os fatores que influen-
ciam tais indicadores. A partir desses indicadores, o arcabouço teórico da geografia
pode contribuir para análises críticas dos fenômenos apresentados, como, exemplo,
sobre as questões referentes à população e meio ambiente.

Geografia da População 37
2 Concepções sobre população na geografia clássica

3. Faça referência à forma como ocorre a produção do espaço geográfico associando


esse processo ao capitalismo. Nesse sentido, essa produção ocorre de forma desigual
devido à divisão, de forma geral, em duas classes sociais: os proprietários dos meios
de produção e aqueles que vendem sua força de trabalho. Como o capitalismo exige
a expropriação, da maioria da população, dos meios de produção, resta a essa maio-
ria vender sua força de trabalho. Ocorre, nesse processo, que nem todos conseguem
se inserir produtivamente na sociedade, logo não conseguem garantir as condições
básicas de sobrevivência. Desse processo resultam as grandes desigualdades sociais
que se manifestam nas paisagens, como contraste entre pobreza e riqueza.

38 Geografia da População
3
As teorias
sobre população

Introdução

A relação entre as características da população, o espaço geográfico no qual ela se


insere e os fatores que nela interferem já era motivo de debate antes mesmo das publi-
cações das obras de Thomas Malthus no fim do século XIX.

Esses debates começaram de forma otimista pelas promessas de progresso e desen-


volvimento que atingiram a população do início da era moderna (ALVES, 2014). No
entanto, diferentes interesses marcaram o cenário político e econômico do desenvolvi-
mento do capitalismo. Assim, no mundo acadêmico, diferentes linhas de pensamento
se voltaram para os estudos sobre as dinâmicas populacionais, com previsões, formu-
lações, inquietações e contestações sobre o assunto.

Geografia da População 39
3 As teorias sobre população

3.1 As ideias de Malthus


Vídeo

3.1.1 Breve biografia


O economista inglês Thomas Robert Malthus nasceu no dia 14 de fe-
vereiro de 1766, nas proximidades de Guildford, no condado de Surrey, e
morreu no dia 23 de dezembro de 1834, em Bath (Inglaterra). De família próspera, seu pai,
um culto proprietário de terras, era amigo de importantes personagens da época, como o
filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o filósofo escocês David Hume (1711-
1776) e o filósofo político Willian Godwin (1756-1836). Malthus terminou seus estudos em
Cambridge e formou-se pastor anglicano em 1797. Passados dois anos, viajou por longa data
aperfeiçoando seus estudos pela Europa. Aos 39 anos de idade, em 1804, Malthus casou-se
com sua prima Harriet Eckersall e com ela teve três filhos. Em 1805, foi nomeado como o
primeiro professor de Economia Política no East India College (Colégio Oriental da Índia)
(GALVÊAS, 1996).
Malthus ficou famoso como o demógrafo e economista que marcou o pensamento eco-
nômico a partir dos lançamentos de dois livros essencialmente polêmicos, conhecidos como
Primeiro Ensaio – “O princípio da população na medida em que afeta o melhoramento do
futuro da sociedade” –, em 1798, e Segundo Ensaio – “O princípio da população ou uma visão
de seus efeitos passados e presentes na felicidade humana, com uma investigação das nos-
sas expectativas quanto à remoção ou mitigação futura dos males que ocasiona”, em 1803
(GALVÊAS, 1996). Esses ensaios, segundo Deters e Gullo (2013), apresentam perspectivas
pessimistas sobre o crescimento da população.
Os ensaios estão permeados de conceitos cristãos, como o bem e o mal, castidade, sal-
vação e condenação (GALVÊAS, 1996). Além deles, Malthus escreveu as obras Princípios de
Economia Política, em 1820, e Definições de Economia Política, em 1827.
Ainda de acordo com Galvêas (1996), as obras de Malthus forneceram a chave para o
evolucionismo de Charles Darwin e Alfred Russel Wallace e influenciaram vários campos
do pensamento. Na economia clássica, sobretudo mediante os trabalhos de David Ricardo
(século XIX), os princípios da população foram incorporados às teorias econômicas, defen-
dendo que a oferta e mão de obra eram inexauríveis e que poderiam ser limitadas apenas
pelos fundos de salários.
As ideias de Malthus sobre população, segundo Deters e Gullo (2013), tornaram-se um
dos pilares mais importantes da economia clássica. Fundamentando-se em Malthus, vários
economistas posteriores esclareceram uma das regras fundamentais para a melhoria da con-
dição humana: o crescimento da produção em ritmo superior ao da população.

3.1.2 A polêmica de suas obras


Dois postulados podem ser elaborados adequadamente sobre a relação entre população
e alimentos, segundo Malthus (1996, p. 246): “Primeiro: Que o alimento é necessário para a

40 Geografia da População
As teorias sobre população 3
existência do homem. Segundo: Que a paixão entre os sexos é necessária e que permanecerá
aproximadamente em seu atual estágio.” A partir desses dois postulados, Malthus afirma que:
[...] o poder de crescimento da população é indefinidamente maior do que o
poder que tem a terra de produzir meios de subsistência para o homem. A po-
pulação, quando não controlada, cresce numa progressão geométrica. Os meios
de subsistência crescem apenas numa progressão aritmética. Um pequeno co-
nhecimento de números demonstrará a enormidade do primeiro poder em com-
paração com o segundo. Por aquela lei da nossa natureza que torna o alimento
necessário para a vida humana, os efeitos desses dois poderes desiguais devem
ser mantidos iguais. Isso implica um obstáculo que atua de modo firme e cons-
tante sobre a população, a partir da dificuldade da subsistência. Esta dificuldade
deve diminuir em algum lugar e deve, necessariamente, ser duramente sentida
por uma grande parcela da humanidade. (MALTHUS, 1996, p. 246)
Nessa perspectiva, a resposta mais evidente e imediata, conforme Deters e Gullo (2013),
foi a de que a população de qualquer território era limitada pela quantidade de alimentos,
sendo estes a condição necessária para a existência dos seres humanos. Apesar de Malthus
considerar que com maior quantidade de trabalho e melhores métodos de produção os seres
humanos poderiam aumentar o volume de alimentos produzidos, chegaria um momento
que, em determinados territórios, essa produção seria cada vez menor.
Para Malthus (1996 p. 251), “tomando a população do mundo como qualquer número,
1 bilhão, por exemplo, a espécie humana cresceria na progressão de 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128,
256, 512 etc. e os meios de subsistência na progressão de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 etc.”. Nessas
progressões, em pouco mais de dois séculos a população estaria, considerando os meios de
subsistência, em uma proporção de 512 para 10, e, em três séculos, de 4.096 para 13. Desse
modo, para Malthus, em seu Ensaio sobre a população, de 1798 (MALTHUS, 1996), ainda que
o poder da população fosse de ordem superior, o aumento do número de habitantes do
planeta só poderia ser mantido proporcionalmente à ampliação da produção de alimentos.
Considerando que a produção de alimentos pudesse aumentar em progressão aritmé-
tica, Malthus quer dizer que cada geração só pode aumentar essa produção em quantida-
de aproximadamente equivalente ao aumento conseguido pela geração anterior (DETERS;
GULLO, 2013). Nesse contexto, Malthus aponta dois tipos de obstáculos ao crescimento da
população:
[...] [a] previsão das dificuldades em atender ao sustento de uma família atua
como um obstáculo preventivo; e a miséria efetiva de algumas das classes mais
pobres, em razão da qual estas não são capazes de dar o alimento e os cuida-
dos adequados para seus filhos, atua como um obstáculo positivo, impedindo o
crescimento natural da população. (MALTHUS, 1996, p. 263-264, grifos nossos)
Malthus admitia que a fome e a miséria que atingiria as classes mais pobres acabaria
sendo um fator de controle de natalidade. Porém, esse seria o destino da maioria das pes-
soas, pois os futuros insucessos nas condições de sobrevivência atingiriam uma parte signi-
ficativa da população. Na visão de Malthus (1996, p. 247), haveria uma lei natural que “se

Geografia da População 41
3 As teorias sobre população

mostra decisiva contra a possível existência de uma sociedade em que todos os membros
viveriam em tranquilidade, prosperidade e num relativo ócio, e não sentiriam nenhuma
angústia para providenciar os meios de subsistência para si e para os filhos”. Desse modo,
considera inevitável e natural a diferença entre classes sociais. Para ele, “a pobreza depen-
dente deve continuar sendo uma ignomínia [desonra], por mais duro que isso possa parecer
em termos individuais” (p. 271).
A esses dois grandes obstáculos ao crescimento da população, ou seja, ao preventivo e
ao positivo, Malthus (1996, p. 275) afirma que “podem ser acrescidos os costumes corruptos
em relação às mulheres, as grandes cidades, as manufaturas insalubres, a intemperança, a
peste e a guerra”. Assim, juntamente com a fome, as epidemias, as catástrofes naturais e as
guerras possibilitariam o crescimento da taxa de mortalidade.
Como forma de reduzir as altas taxas de natalidade, o economista pregava suas ideias
morais defendendo, sobretudo, o casamento. Segundo ele, “o amor à variedade é uma in-
clinação viciosa, corrupta e antinatural e não predomina, em grau maior, num estágio puro
e perfeito da sociedade.” (MALTHUS, 1996, p. 304). Evidencia-se a defesa do controle de
natalidade pelo casamento na seguinte afirmação:
O caráter irreversível do casamento, como ele se constitui hoje, sem dúvida im-
pede muitos de chegar àquele estágio. Relações sexuais livres, ao contrário, se-
riam um poderoso incentivo a uniões prematuras, e como estamos admitindo
não existir nenhuma angústia acerca do sustento futuro dos filhos, não conce-
bo que houvesse uma única mulher entre cem, de 23 anos, sem uma família”.
(MALTHUS, 1996, p. 304)
Assim, se as dificuldades de prover famílias fossem totalmente eliminadas, poucos(as)
jovens permaneceriam solteiros(as). Então, a manutenção das dificuldades de sustentar uma
família constituía-se numa forma de reduzir os casamentos e as taxas de fecundidade por
meio de práticas anticoncepcionais que partissem dos próprios casais. Desse modo, se os
homens se casam, de acordo com Malthus (1996, p. 271), “com pouca ou nenhuma possi-
bilidade de manter com independência suas famílias, eles não somente são injustamente
induzidos a trazer infelicidade e dependência a si próprios e a seus filhos, mas são levados
sem o saber a prejudicar a todos da mesma classe que eles”.
Malthus (1996) se posicionou contra a chamada Leis dos Pobres, uma lei aprovada pelo
Parlamento inglês que consistia em enviar um pobre a uma “casa de trabalho”, onde desen-
volveria atividades e receberia o indispensável para não morrer de fome. Também apregoa-
va essa lei que nenhuma pessoa pobre poderia ser enviada a um posto de trabalho fora da
localidade onde vivia.
Em linhas gerais, os propósitos da teoria de Malthus sobre população visavam subs-
tituir os obstáculos positivos pelos preventivos ligados à redução das taxas de natalidade
pelo viés moral. Isso ocorreria sobretudo por meio da abstinência sexual, pois os casamentos
deveriam ser mais tardios, o que seria garantido pelo tempo que os jovens levariam para
alcançar as condições econômicas para o sustento de uma família.

42 Geografia da População
As teorias sobre população 3
Dessa forma, estaria garantida a riqueza da classe dominante da Inglaterra. Afinal,
Malthus, como pastor da Igreja Anglicana, “representava os interesses dos proprietários de
terra contra os interesses dos trabalhadores e da burguesia nascente” (ALVES, 2014, p. 220).
Converge para essa afirmação a citação de Abramovay (2010, p. 38), segundo o qual Malthus
“defendia os interesses dos latifundiários britânicos de sua época e elaborou uma lei cientí-
fica cujo resultado apocalíptico mostrou-se felizmente errado”. Isso porque em nossos dias,
ainda conforme Abramovay (2010), a fome é provocada muito mais pela falta de recursos
financeiros para adquirir alimento do que pela escassez absoluta na oferta.
No entanto, como afirma Abramovay (2010),
Malthus errou menos do que se supunha e, sobretudo, acertou em cheio num
problema central que a ciência econômica posterior a ele insiste em ignorar: a
elevação da produção material e da oferta de serviços encontra um claro limite
no esgotamento da capacidade de os ecossistemas continuarem prestando os ser-
viços de que depende a sobrevivência das sociedades humanas. (ABRAMOVAY,
2010, p. 38)
Embora controversas, as ideias de Malthus sobre população, conforme Galvêas (1996),
são da mesma natureza daquelas que hoje impulsionam debates sobre as relações entre po-
pulação, política, ambiente e bem-estar.

3.2 O neomalthusianismo
Vídeo
No período Pós-Segunda Guerra Mundial, a preocupação com o cresci-
mento populacional acelerado nos países subdesenvolvidos levou os estu-
diosos a retomar as ideias de Malthus. Esses pesquisadores, conforme Deters
e Gullo (2013), passaram a ser chamados de neomalthusianos.

3.2.1 Crescimento populacional como gerador de pobreza


Os neomalthusianos defendem que a pobreza e o subdesenvolvimento são gerados
pelo elevado crescimento populacional. Nessa perspectiva, segundo Alves (2014, p. 221),
“os países de baixa renda ainda estavam atrasados no processo de desenvolvimento e na
mudança da estrutura social, tendendo a prevalecer as ‘escoras culturais pró-natalistas’, que
sustentam um maior tamanho de família”. Assim, os países pobres estariam no círculo vicio-
so chamado armadilha da pobreza e suas altas taxas de crescimento populacional explicariam
o nível de atraso econômico.
Esse cenário, de acordo com Deters e Gullo (2013), justificaria a adoção de drásticas
políticas de controle de natalidade, sobretudo por meio do planejamento familiar. Os adep-
tos do neomalthusianismo, segundo Alves (2014, p. 221), ao “contrário de Malthus, defen-
diam a estabilidade populacional não pelo aumento das taxas de mortalidade, mas sim pela

Geografia da População 43
3 As teorias sobre população

redução das taxas de fecundidade”. Se para Malthus o controle de natalidade se dava por
meio das “Leis Naturais”, para os neomalthusianos esse controle exige políticas de conscien-
tização sobre a necessidade de redução da população. Pautados nessas bases teóricas, vários
países adotaram políticas antinatalistas (DETERS; GULLO, 2013).
Para os neomalthusianos, a redução do ritmo de crescimento populacional representa
uma decolagem do desenvolvimento, pois, de acordo com Alves (2014, p. 221), “não poderia
haver incremento da renda per capita sem a redução do ritmo de crescimento do denomina-
dor da equação e sem a diminuição do ônus da razão de dependência dos jovens”.
Na Conferência Internacional sobre População, realizada na cidade de Bucareste, em
agosto de 1974, durante o período da Guerra Fria, os países ricos, liderados pelos Estados
Unidos, defendiam, segundo Alves (2014, p. 222), a “concepção neomalthusiana de reduzir
a fecundidade para promover o desenvolvimento e a erradicação da pobreza”. A China e
a Índia defendiam o fortalecimento das políticas de apoio ao desenvolvimento com o bor-
dão: “o desenvolvimento é o melhor contraceptivo”. No entanto, houve uma surpreendente
reconfiguração de forças políticas, e a China, em 1979, passou a adotar a política do filho
único1, que, conforme Alves (2014), é uma política neomalthusiana. Essa política trouxe con-
sequências sociais e demográficas que vêm sendo observadas com pessimismo.
A politização excessiva da problemática do crescimento demográfico, segundo Carvalho
e Brito (2005), levou os neomalthusianos a supervalorizar a eficiência das políticas de con-
trole de natalidade e os efeitos positivos da desaceleração do aumento da população. Ainda
conforme os autores, essas abordagens neomalthusianas, assim como as ideias do próprio
Malthus, são marcadas por questões ideológicas, que já foram superadas pela história. Isso
porque as abordagens críticas e os direitos sociais possibilitam pensar estratégias de distri-
buição de renda e de desenvolvimento dos países pobres.
Ao se referir às teorias neomalthusianas, Singer (1976) destaca que elas correspondem
às ideologias dominantes no mundo capitalista e aos interesses dos países ricos. Segundo
Deters e Gullo (2013), a própria denominação neomalthusiano se deve, principalmente, ao
apoio recebido pelo Clube de Roma, um grupo de personalidades ilustres advindos de co-
munidades científicas, acadêmicas, políticas, empresariais e financeiras que debatem sobre
temas políticos, econômicos e de meio ambiente. Essas comunidades estão ligadas a interes-
ses, sobretudo, capitalistas.

3.2.2 Crescimento populacional e recursos naturais


Além de os neomalthusianos defenderem que a pobreza e o subdesenvolvimento são
gerados pelo elevado crescimento populacional, também sustentam, segundo Deters e Gullo
(2013), a ideia de que o crescimento acelerado da população pressiona a demanda de recur-
sos naturais, o que geraria uma escassez sem precedentes.

1 Em 2015, depois de mais de 30 anos da política do filho único, o Partido Comunista anuncia o fim
dessa política, permitindo aos casais ter até dois filhos.

44 Geografia da População
As teorias sobre população 3
Essa escassez, ainda conforme Deters e Gullo (2013), estaria sendo provocada pelas
mudanças climáticas e pela degradação ambiental, o que, por consequência, representaria
riscos futuros para o ambiente. Nessa perspectiva, os neomalthusianos defendem que o am-
biente é produto das dimensões do aumento da população, determinando uma relação di-
reta com a demanda de recursos naturais, evidenciando-se, assim, a necessidade de controle
desse crescimento populacional.
Conforme Deters e Gullo (2013), é praticamente impossível negar que o crescimento
populacional seja um problema; a questão central está na escolha do modelo de desenvolvi-
mento e dos tipos de tecnologias adotadas para atender às demandas por recursos naturais.
Entretanto, o debate envolvendo o tema população e ambiente, de acordo com Lima (2013,
p. 576), “abriga diversos entendimentos e éticas, [e] o seu amplo espectro de ação ajuda a
proposição de múltiplos enfoques, muitas vezes harmônicos e complementares, conquanto
existam abordagens conservadoras e dissidentes”. Ainda conforme o autor, o principal alvo
das críticas às abordagens neomalthusianas seria a simplificação da questão ambiental no
contexto do desenvolvimento capitalista.
Nessa perspectiva, Deters e Gullo (2013), apontam que a solução dada pelos neomal-
thusianos para o dilema ambiental se apresenta de forma simples e aparentemente eficaz,
tendo como base a ideia de que, reduzindo-se o crescimento da população, automaticamen-
te os impactos ambientais e sociais reduziriam.
Damiani (2004) afirma que Malthus não só ainda vive por meio dessas abordagens
neomalthusianas, em pleno século XXI, mas que recuperou seus ensinamentos, os quais se
tornaram comuns, orientando a elaboração da demografia e conferindo importância socioe-
conômica aos problemas populacionais. Na concepção da autora, a demografia formal acaba
por superestimar as técnicas quantitativas em suas abordagens.

3.3 As teorias críticas sobre população


Vídeo
Considerando as polêmicas presentes nas teorias populacionais basea-
das nas ideias de Malthus, outras abordagens procuram analisar aspectos
relevantes para a análise das relações entre capitalismo e população. Nesse
sentido, destaca-se o pensamento de Karl Marx sobre as relações entre capi-
tal, trabalho, população e acesso aos meios de subsistência.

3.3.1 As críticas de Marx a Malthus


Karl Marx nasceu em 1818, em Trier, no sul da Alemanha, e morreu no ano de 1849,
em Londres, onde estava exilado. Marx pertencia a uma família de classe média judaica.
Formou-se em Direito em Berlim, num ambiente de elevada vivacidade cultural e política.
Casou-se em 1843, com Jenny Von Westphalen, cujo ambiente confortável da casa dos pais
foi substituído pelas vicissitudes na companhia de um líder revolucionário.

Geografia da População 45
3 As teorias sobre população

Marx se posicionou contra os postulados de Malthus (1996) de que a pobreza resultaria


do elevado crescimento da população. Para o filósofo alemão, em seu O processo de produção
do capital (1867) (MARX, 1996a), a pobreza é decorrente da exploração do trabalhador e da
divisão da sociedade em classes: a dos proprietários dos meios de produção (a terra, as má-
quinas, o capital) e a dos não proprietários, que, por não possuírem esses meios, vendem
sua força de trabalho. Nessa perspectiva, ao se produzir mercadorias e buscar o lucro máxi-
mo, ocorre a exploração da classe trabalhadora e o aumento da pobreza.
Seus escritos tiveram como base de análise, segundo Gorender (1996, p. 42), a “Revolução
Industrial recém-concluída na Inglaterra e em curso nos demais países da Europa ociden-
tal, quando, com efeito, os salários reais foram rebaixados”. Marx analisa os impactos da
mecanização do trabalho, a exploração e as péssimas condições de trabalho às quais os tra-
balhadores, incluindo muitas crianças, submetiam-se. Marx faz a seguinte afirmação sobre
essa situação:
Onde a máquina se apodera paulatinamente de um setor da produção, produz
miséria crônica nas camadas de trabalhadores que concorrem com ela. Onde a
transição é rápida, seus efeitos são maciços e agudos. A história mundial não
oferece nenhum espetáculo mais horrendo do que a progressiva extinção dos
tecelões manuais de algodão ingleses, arrastando-se por décadas e consumando-
-se finalmente em 1838. Muitos deles morreram de fome, muitos vegetaram com
suas famílias a 2 1/2 pence por dia. (MARX, 1996b, p. 62)
Nessa perspectiva, a pobreza é consequência da busca incessante pela acumulação capi-
talista a partir da exploração intensa do trabalhador ou, ainda, da expropriação de sua força
laboral, com a mecanização da produção. Contrapondo-se às ideias de Malthus, segundo o
qual a pobreza seria um obstáculo ao crescimento econômico, Marx busca, nas contradições
entre capital e trabalho, as explicações para os motivos da pobreza e das desigualdades no
acesso aos meios de subsistência.

3.3.2 As ideias de Marx sobre população


Marx (1996b) destaca a necessidade de se analisar os fenômenos em sua totalidade his-
tórica e concreta. Assim, para a análise da dinâmica populacional, é preciso considerar as
relações sociais e produtivas na qual se insere.
Relacionando o exposto ao crescimento populacional, segundo Alves (2014, p. 220),
Marx considera que “o excesso de população não seria nada mais do que uma estratégia
criada (pela mudança da composição orgânica do capital) para produzir uma ‘superpopu-
lação relativa’ ou um ‘exército industrial de reserva’”. Ainda de acordo com o autor, esse
exército de mão de obra consiste em manter um “estoque” de trabalhadores destituídos de
seus meios de produção à disposição dos interesses capitalistas, o que se converte em dimi-
nuição de salários e no consequente aumento da pobreza.

46 Geografia da População
As teorias sobre população 3
Para Marx (1996b, p. 262), há “uma lei populacional peculiar ao modo de produção
capitalista”. Tal lei se impõe pela acumulação do capital produzido, em volume crescente,
pela população trabalhadora, a favor dos proprietários dos meios de produção. Assim, o
acúmulo de capital permite novos investimentos e novas demandas de trabalho podem sur-
gir. Desse modo, como afirma Marx,
Uma lei populacional abstrata só existe para planta e animal, à medida que o ser
humano não interfere historicamente. Mas, se uma população trabalhadora ex-
cedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza
com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca
da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção
capitalista. (MARX, 1996b, p. 262)
O aumento populacional, além de prover o exército de mão de obra, se constitui na con-
dição de existência do capitalismo, pelo consumo das mercadorias produzidas, e também
passíveis de serem consumidas, pela classe trabalhadora. Segundo Marx (1996b, p. 246), “as
circunstâncias mais ou menos favoráveis em que os assalariados se mantêm e se multipli-
cam em nada modificam, no entanto, o caráter básico da produção capitalista”. Esse caráter
é o consumo de mercadorias produzidas e que precisam, para garantir a acumulação de
capital, serem vendidas. Isso evidencia, conforme Marx (1996b, p. 246), que a “acumulação
do capital é, portanto, multiplicação do proletariado”.
Nessa perspectiva, à produção capitalista, em específico, segundo Damiani (2004, p. 17),
“não basta a quantidade de força de trabalho disponível, fornecida pelo incremento natural
da população. Para poder se desenvolver livremente, a produção capitalista ultrapassa esses
limites”. Evidencia-se, assim, a importância da superpopulação, ou seja, do exército de mão
de obra, que tem a seguinte utilidade para a produção capitalista:
O trabalhador desocupado, ou semi ocupado, isto é, ocupado em atividades
intermitentes, irregulares, de baixíssimos salários, transforma-se numa pressão
viva para rebaixar ou manter baixos os salários daqueles efetivamente ocupados;
já que, estes últimos, podem ser substituídos pelo primeiro. (DAMIANI, 2004,
p. 18)
Nesse contexto, o trabalhador, diante da concorrência, é pressionado a se submeter a
formas de exploração do seu trabalho intensamente mais lesivas e sob remuneração cada vez
mais irrisória e a jornadas de trabalhos mais extensas. Com base em Marx (1996b), Damiani
(2004, p. 19) afirma que “a acumulação de riqueza, nos termos em que se dá, é ao mesmo
tempo acumulação da miséria”.
Considerando o pensamento de Marx, não se pode desprezar a problemática do cresci-
mento da população e as dinâmicas dele decorrentes. Entretanto, é preciso evitar os limites
da compreensão das dinâmicas populacionais com base em teorias e leis abstratas. Nessa
perspectiva, faz-se necessário valorizar os condicionantes históricos e sociais e os interesses
econômicos que interferem no acesso da população aos meios de subsistência.

Geografia da População 47
3 As teorias sobre população

Ampliando seus conhecimentos

Contexto: as políticas populacionais


(PEDRO, 2003, p. 241-243)

[...]

No Brasil – assim como nos países do terceiro mundo –, a divulgação dos


métodos contraceptivos modernos, entre estes o das pílulas anticoncep-
cionais, fez parte de políticas internacionais voltadas para a redução da
população. Isto foi muito diferente do que ocorreu com mulheres de paí-
ses europeus, cujas políticas natalistas tinham adquirido muita força após
as guerras mundiais. Assim, enquanto em lugares como a França a pílula
somente foi liberada para consumo em 1967, no Brasil a pílula anticon-
cepcional e o DIU foram comercializados sem entraves desde o início da
década de 60.

As notícias sobre o novo contraceptivo – considerado mais eficaz que os


anteriores – vieram acompanhadas, no Brasil, de dados alarmantes sobre
o perigo de superpopulação no mundo. Assim, em abril de 1960, a revista
Seleções, num artigo intitulado “Gente Demais! Que Fazer?”, informava
que dali a 40 anos, ou seja, no ano 2000, o mundo teria 8 bilhões de pes-
soas e, dessas, 70% seriam afro-asiáticas. A razão disso, informavam, era
a redução da mortalidade infantil, bem como o aumento da longevidade.
No mesmo artigo eram anunciadas as experiências dos doutores Gregory
Pincus e John Rock, os quais desde 1956 estavam experimentando os con-
traceptivos hormonais em mulheres do Haiti e de Porto Rico, chamados
no artigo da revista de “campos de prova”. Dizia também que o medi-
camento era muito recente para se poder assegurar qualquer promessa
de eficácia; que ainda era muito caro e que se registraram, nas mulheres
que o experimentaram, queixas de “efeitos secundários desagradáveis
como náusea, dor de cabeça e tonturas”. Entretanto – afirmava o autor
–, diante do perigo do crescimento demográfico, “até mesmo um recurso
anticoncepcional que não seja infalível poderá ter virtualmente importân-
cia nos países que mais crescem demograficamente”. O Brasil foi, nesse
contexto, classificado entre os que estavam ameaçando a superpopulação
do mundo. Como explicar este tipo de argumento demográfico no Brasil?

O investimento no controle da natalidade no Brasil, e em outros países


da América Latina, teve relação direta com a Revolução Cubana de 1959.

48 Geografia da População
As teorias sobre população 3
A partir daí, a política norte-americana passou a considerar a América
Latina como um “continente explosivo”, um campo fértil para a agitação
comunista. Começaram a ser criadas, então, organizações de ajuda aos
latino-americanos. Estas ajudas traziam como exigência a adoção de pro-
gramas e estratégias de redução do crescimento populacional. Em 1961,
por exemplo, a Conferência da OEA, que criou a Aliança para o Progresso,
foi a mesma que expulsou Cuba daquele organismo. O entendimento era
de que o crescimento rápido da população latino-americana, e sua con-
sequente pobreza, seriam fortes aliados da revolução comunista. Deste
modo, o perigo representado por uma questão política foi transformado
no da “bomba demográfica”.

Nas décadas de sessenta e setenta, em vez de revoluções comunistas, o


Brasil e diversos países da América Latina tiveram a implantação de várias
ditaduras militares. Estas impediram manifestações, definiram um per-
curso histórico na direção da sociedade capitalista, e receberam pressões
de organismos internacionais para a adoção de políticas antinatalistas.

Entretanto a política internacional, voltada para a redução da população


– principalmente dos países pobres –, encontrou no governo brasileiro
durante a vigência do regime militar, além de ambiguidade, um debate que
não conheceu consenso. De um lado havia os “antinatalistas”; de outro,
os “anticontrolistas”. Os primeiros reivindicavam um projeto de desen-
volvimento para o País, dentre cujas exigências encontrava-se a redução
da natalidade como parâmetro de país desenvolvido. Além disso, havia
o argumento de que, com o crescimento demográfico então observado, a
economia teria dificuldades em manter altas taxas de crescimento capazes
de darem conta da demanda exigida. Por outro lado, os anticontrolistas,
com a teoria geopolítica de “ocupação de espaços vazios”, encontravam
entre os militares nacionalistas fortes aliados. Estes argumentavam que
a soberania nacional dependia da presença de brasileiros em todas as
regiões do País. Aos anticontrolistas no Brasil, muitas vezes aliaram-se
vários setores da Igreja Católica, e até mesmo grupos feministas. [...]

O comércio da pílula anticoncepcional teve início no Brasil em 1962, dois


anos após ter sido aprovada nos Estados Unidos pelo FDA – Food and
Drug Administration – a pílula chamada ENOVID, produzida pelo labo-
ratório Searle. Convém destacar que foi em instituições estrangeiras que
os médicos buscaram, já na década de 50, conhecimentos sobre a contra-
cepção, a qual até a década de 60 não era ensinada nas faculdades de
medicina brasileiras. Foi, entretanto, a partir de 1966, que as revistas

Geografia da População 49
3 As teorias sobre população

médicas brasileiras começaram a difundir, para os ginecologistas e obs-


tetras, as pesquisas e estudos já realizados por médicos tanto brasileiros
quanto estrangeiros. [...]

As mulheres de camadas médias brasileiras aderiram ao consumo da


pílula, representando um mercado em crescimento acelerado. Em 1970,
6,8 milhões de cartelas de pílulas anticoncepcionais foram vendidas e, em
1980, este número subiu para 40,9 milhões. Muito deste consumo foi cer-
tamente de mulheres das camadas médias, já que as das camadas popu-
lares poderiam obtê-las, de forma gratuita, através de organismos como a
BEMFAM – Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil.

Convém lembrar que os argumentos que acompanharam a entrada das


pílulas anticoncepcionais no mercado francês não foram os mesmos
usados no Brasil. No Brasil, este momento foi vivido como expansão de
“campo de prova”, como preocupação com a expansão da população
pobre, e também com o perigo subversivo que esta pobreza poderia tra-
zer. [...]

Atividades
1. As reflexões de Malthus sobre população tiveram como referência a situação dos
pobres na Inglaterra na passagem do século XVIII para o XIX. Malthus (1996)
afirma que:

As leis dos pobres foram instituídas na Inglaterra para remediar a frequente mi-
séria do povo, mas é para se recear que, embora elas possam ter aliviado um
pouco a intensidade da miséria individual, provocaram um dano geral numa
parcela muito maior. É um assunto frequentemente suscitado em conversas e
mencionado sempre como causa de grande admiração que, não obstante a enor-
me quantia que é anualmente arrecadada para os pobres na Inglaterra, ainda
exista tanta miséria no meio deles. (MALTHUS, 1996, p. 268)

Analisando a citação, destaque a concepção de Malthus sobre pobreza e suas rela-


ções com o crescimento da população.

2. Crie dois mapas conceituais, um sobre as ideias de Malthus e outro sobre as ideais
de Marx, referentes ao tema população. Depois, elabore um texto de oito a dez linhas
sobre as principais diferenças de pensamento entre os dois autores.

50 Geografia da População
As teorias sobre população 3
3. Com base no que estudou sobre neomalthusianismo, cite as principais ideias dessa
abordagem sobre população e explique os motivos das críticas lançadas a essa linha
de pensamento.

Referências
ABRAMOVAY, R. Alimentos versus população: está ressurgindo o fantasma malthusiano? 2010.
Disponível em: <http://www.abramovay.pro.br/artigos_cientificos/2010/Fantasma.pdf>. Acesso em:
10 jan. 2017.
ALVES, J. E. D. População, desenvolvimento e sustentabilidade: perspectivas para a CIPD pós-2014.
Revista Brasileira de Estudos da População, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 219-230, jan./jun. 2014.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v31n1/13.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.
CARVALHO, J. A. M.; BRITO, F. A demografia brasileira e o declínio da fecundidade no Brasil: con-
tribuições, equívocos e silêncios. Revista Brasileira de Estudos da População, São Paulo, v. 22, n.
2, p. 351-369, jul./dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v22n2/v22n2a10.pdf>.
Acesso em: 15 jan. 2017.
DAMIANI, A. L. População e geografia. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
DETERS, O.; GULLO, M. C. Impactos ambientais decorrentes da produção de alimentos e o dile-
ma malthusiano. In: Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, 10., 2013, Vitória.
Publicações... Vitória, ES, 2013. Disponível em: <http://www.ecoeco.org.br/conteudo/publicacoes/en-
contros/x_en/GT7-2194-1575-20130620103405.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.
GALVÊAS, E. Prefácio de Ensaios sobre a população. In: MALTHUS, T. R. Ensaio sobre a população.
Traduções de Regis de Castro Andrade, Dinah de Abreu Azevedo e Antônio Alves Cury. São Paulo:
Nova Cultural, 1996.
GORENDER, J. Prefácio de O processo de produção do capital. In: MARX, K. O processo de produção
do capital. v. 1. Traduções de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
HENRIQUES, A. Thomas Robert Malthus: a teoria malthusiana. Instituto Politécnico de Coimbra,
2007. Disponível em: <http://www.miniweb.com.br/Ciencias/Artigos/Thomas_Robert_Malthus.pdf>.
Acesso em: 10 jan. 2017.
LIMA, D. M. D. F. Reforma neomalthusiana e movimento ambientalista: população e meio ambiente.
Revista Geonorte, ed. Especial 3, v. 7, n. 1, p. 575-589, 2013. Disponível em: <http://www.periodicos.
ufam.edu.br/revista-geonorte/article/download/1191/1074>. Acesso em: 15 jan. 2017.
MALTHUS, T. R. Ensaio sobre a população. Traduções de Regis de Castro Andrade, Dinah de Abreu
Azevedo e Antônio Alves Cury. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
MARX, K. O processo de produção do capital. v. 1. Traduções de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São
Paulo: Nova Cultural, 1996a.
______. O processo de produção do capital. v. 2. Traduções de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São
Paulo: Nova Cultural, 1996b.
PEDRO, J. M. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 239-260, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/
v23n45/16527.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2017.
SINGER, P. I. Dinâmica populacional e desenvolvimento: o papel do crescimento populacional no
desenvolvimento econômico. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1976.

Geografia da População 51
3 As teorias sobre população

Resolução
1. Para Malthus, a pobreza é proveniente de uma lei natural, que seria decisiva contra a
existência de uma sociedade que assegurasse tranquilidade e bem-estar, ócio e pros-
peridade e ausência de angústia para garantir os meios de subsistência a todos os
seus membros. Nesse contexto, as diferenças entre classes sociais seria algo natural e
a pobreza deveria ser encarada como uma estratégia para garantir a apropriação de
riqueza pela elite. Somam-se a essa estratégia as epidemias e as guerras como forma
de se evitar o crescimento populacional.

2. No mapa conceitual é importante destacar os seguintes conceitos de Malthus: cresci-


mento da população na proporção aritmética; produção de alimentos na proporção
geométrica; pobreza como alvo de controle de natalidade; obstáculos preventivos;
obstáculos positivos; lei natural da população; concentração de riquezas. Quanto aos
conceitos de Marx não podem faltar: modo de produção capitalista; sociedade divi-
dida em classes; proprietários dos meios de produção; venda da força de trabalho;
desigualdades sociais; exército de mão de obra. Quanto às principais diferenças, é
preciso abordar que, enquanto Malthus via as desigualdades socais como naturais,
Marx defendia que a divisão da sociedade em classes é produto da produção capita-
lista, que gera as desigualdades, sendo esse mecanismo mantido em favor das elites.
Desse modo, com o aumento da produção, pode-se prover a classe trabalhadora de
meios de subsistência e elevar as demandas do próprio capitalismo por meio do con-
sumo de mercadorias. Para Malthus, a pobreza seria algo a ser mantido como forma
de conter o crescimento populacional.

3. É preciso citar, como temas principais na abordagem neomalthusiana, a pobreza e o


subdesenvolvimento e, como decorrência, o aumento da população e o esgotamento
dos recursos naturais. Como crítica, pode-se citar que a pobreza e o subdesenvolvi-
mento são resultados das grandes desigualdades sociais na distribuição das rique-
zas, e que o esgotamento dos recursos naturais não é causado pela produção de ali-
mentos, mas sim pela exploração desenfreada que atende aos interesses capitalistas
de grandes corporações.

52 Geografia da População
4
Os movimentos
da população

Introdução

Desde os primórdios da civilização, os movimentos populacionais marcam a


humanidade. Incialmente, eles ocorriam devido à necessidade de se encontrar alimen-
tos e lugares seguros para habitar. Ao longo do tempo outros fatores, como a fome, as
guerras e as epidemias, foram se somando às razões que estimulam a população a se
movimentar de um lugar para outro.

Com o advento do capitalismo, os movimentos da população passaram a sofrer


influência também de fatores econômicos, políticos, sociais e culturais, o que trouxe
um dinamismo ainda maior a esse fenômeno. Tendo isso em vista, no presente capí-
tulo serão abordadas as maneiras como esses diferentes fatores interferem nos deslo-
camentos realizados pelas populações.

Geografia da População 53
4 Os movimentos da população

4.1 A mobilidade da população


Vídeo

4.1.1 Fenômeno migratório: conceitos básicos


Uma das características que marcam a espécie humana é sua capaci-
dade e disposição para se deslocar pela superfície do planeta, ou seja, sua
significativa mobilidade. Esse fenômeno vem apresentando transformações significati-
vas na forma em que ocorre, em todo o mundo, principalmente desde as últimas décadas
do século XX (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2011).
A análise da mobilidade da população, segundo Resstel (2015, p. 38), é complexa, “em
razão do aumento vertiginoso das diferentes formas de mobilidade e de trânsito entre uma
localidade e outra, entre regiões geograficamente distantes, entre países, continentes e en-
tre povos e culturas marcadamente diferentes”. A compreensão dessa complexidade tem
demandando um esforço de busca de explicações teóricas para esse processo, que envolve
a dimensão interna, os deslocamentos de curta duração e distâncias menores, o redireciona-
mento dos fluxos migratórios, os movimentos pendulares e as estratégias de sobrevivência
(OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2011). No contexto das migrações internacionais, ela envolve, ain-
da, as manifestações de xenofobia, isto é, aversão ou rejeição a pessoas ou coisas estrangeiras.
No estudo do fenômeno da mobilidade da população, é necessário o domínio de alguns
conceitos, como migração, emigração e imigração. De acordo com Resstel (2015, p. 37), “o
conceito de migração não é simples e tampouco existe consenso em torno dele”. Conforme a
autora, de modo geral, migração se refere aos deslocamentos da população de um lugar para
o outro, imbuídos do objetivo de se fixar ou residir em outro território.
Esses deslocamentos, ainda segundo Resstel (2015), dão origem a fluxos de trânsito de
pessoas de uma região a outra. Quando esses fluxos ocorrem dentro do próprio país, são
denominados de migrações internas, cujas características serão abordadas mais adiante. Ao
ter como objetivo o deslocamento entre diferentes países ou continentes, esses movimentos
são chamados de migrações internacionais, e quem os realiza são designados de imigrantes.
Segundo Resstel (2015, p. 38), “os fluxos de partida foram nomeados ‘emigração’ e os de
chegada ao destino, ‘imigração’. Paralelamente, surgiram os conceitos de ‘emissão’ e ‘recep-
ção’ para caracterizar regiões ou países de onde partiam ou aonde chegavam os migrantes”.
Para ilustrar esses fluxos, Andrade (1998, p. 56) afirma que “se um italiano se transfere para
o Brasil, ele é emigrante em relação à Itália e imigrante em relação ao Brasil”.
A forma como esses processos vêm ocorrendo, sobretudo a partir da década de 1980, se-
gundo Oliveira (2011), sofreu transformações importantes, tanto nos países desenvolvidos,
como nos países em desenvolvimento. Conforme o autor, em relação às migrações internas,
os movimentos que tinham como característica básica a direção do fluxo para os grandes

54 Geografia da População
Os movimentos da população 4
centros passaram a ter como tendência de destino as cidades médias, o que dá importância
aos deslocamentos pendulares. Esses deslocamentos, conforme Moura, Branco e Firkowski
(2005, p. 124), “caracterizam-se por deslocamentos entre o município de residência e ou-
tros municípios, com finalidade específica”, o que deixa de ser um fenômeno meramente
metropolitano. Assim, cenas de “multidões” esperando o transporte público, por exemplo,
são comuns nas grandes metrópoles em que populações residentes em cidades próximas
deslocam-se para trabalhar nestes centros urbanos.
Em relação às migrações internacionais, Oliveira (2011) destaca que mudanças re-
levantes também são observadas. É o caso, por exemplo, de países europeus como Itália,
Espanha e Alemanha, nos quais, considerando-se o início e meados do século XX, predo-
minavam as emigrações e que, atualmente, tornaram-se nações que atraem imigrantes.
Ainda, países que, tradicionalmente, recebiam imigrantes, agora criam sérias restrições
quanto à entrada de novos habitantes, como os Estados Unidos da América e alguns paí-
ses da Europa Ocidental.
Resstel (2015) destaca como fatores que envolvem a mobilidade da população no mun-
do atual: o aumento vertiginoso das diferentes formas de trânsito, que diminuem o tempo
do deslocamento entre uma localidade e outra; e a maior comunicação entre regiões, países,
continentes e povos com culturas notadamente diferentes. A autora aponta, ainda, que hoje,
diferentemente de outras épocas, os intercâmbios culturais e científicos e as viagens turísti-
cas com durações variáveis são comuns.
Desse modo, é possível “permanecer em um lugar longínquo por alguns dias ou por
uma longa temporada ou, ainda, ter domicílios em diferentes países” (RESSTEL, 2015, p.
38). Na concepção da autora, é frequente o imigrante “carregar consigo” uma imagem que
o retrata como intruso, perigoso e como um ser inferior, mas ele pode também ser visto de
forma positiva.
Considerando ainda a complexidade que envolve a problemática, vários pesquisadores
buscam bases teóricas para analisar as causas e consequências da mobilidade da população.

4.1.2 Fenômeno migratório: conceitos e


abordagens teóricas
O debate sobre o tema migração, segundo Sasaki e Assis (2000), não era relevante para
os estudos populacionais na virada do século XIX para o XX. Conforme os autores, teóricos
clássicos como Malthus e Marx analisaram o tema como consequência do capitalismo e do
processo de industrialização e urbanização.
Nessa perspectiva de análise, o declínio das comunidades rurais e a migração dos imi-
grantes em busca de emprego e sobrevivência nas cidades deu origem a culturas heterogê-
neas (SASAKI; ASSIS, 2000). Como evidência, os autores citam que, para Malthus, nesse

Geografia da População 55
4 Os movimentos da população

contexto a migração seria uma consequência inevitável, devido à superpopulação. Dessa


forma, o Novo Mundo seria o destino dos imigrantes temporários que fugiam do ciclo de
pobreza e miséria. Esse pensamento de Malthus (1996) deriva da ideia de que a população
cresceria em ordem geométrica, enquanto a produção de alimentos, em ordem aritmética.
Marx (1996a) se posiciona contra as ideias de Malthus, defendendo que os problemas
populacionais, sobretudo a fome e a miséria, são decorrentes do modo de produção capi-
talista que forma verdadeiros exércitos de mão de obra e causa baixas nos salários. Marx,
ao examinar as mudanças trazidas pelo capitalismo na França, Irlanda e Escócia, ressaltou
a cumplicidade dos governos e militares com os movimentos de cerceamentos (enclosures),
que, segundo Gorender (1996, p. 36), “expulsaram os camponeses de suas terras e as con-
verteram em campos de pastagem de ovelhas, enquanto dos camponeses expropriados e
despossuídos emergiria o moderno proletariado”. Marx (1996b) destaca, também, o confisco
das terras da Igreja Católica e sua distribuição aos burgueses, o crescimento da dívida pú-
blica, que concentrou as riquezas nas mãos de poucos privilegiados, e o protecionismo, que
garantiu à nascente burguesia industrial a exclusividade de produção, resultando na ruína
dos artesãos, os quais foram obrigados a se tornar trabalhadores assalariados. Todos esses
foram fatores causadores de migrações.
Já no início do século XX, os debates sobre o tema migração passaram a ocorrer de forma
mais acentuada, pois, de acordo com Sasaki e Assis (2000, p. 3), “os sociólogos americanos
foram levados a colocar a migração como um problema, dada a crescente mobilidade po-
pulacional da Europa para os países do Novo Mundo, particularmente os Estados Unidos”.
Segundo os autores, tal mobilidade foi devida ao crescimento populacional e às crises eco-
nômicas nesses países, o que gerou um intenso debate político nos Estados Unidos, por cau-
sa da preocupação com a constituição da sociedade e a presença de imigrantes, problemática
essa que ainda em nossos dias é polêmica.
A obra pioneira sobre essa abordagem foi publicada por Florian Znaniecki e William
I. Thomas, em 1918, com o título O camponês polonês na Europa e na América. Essa obra,
conforme Sasaki e Assis (2000), teve forte influência sobre os estudos posteriores a res-
peito da migração. Embora tratasse de um tema específico – a chegada de cerca dois mi-
lhões de poloneses à América entre 1880 e 1910 –, demonstrou, também, a maneira como
o processo de migração quebra os laços de solidariedade e as relações familiares. Nessa
perspectiva, as análises enfatizavam o processo de adaptação, assimilação e aculturação
dos imigrantes na sociedade americana. Esses teóricos defendiam que, embora esse pro-
cesso fosse observado, não implicava em total abandono, por parte do imigrante, de seus
valores e de seu modo de vida.
No entanto, críticas foram lançadas a essa abordagem, pois, segundo Sasaki e Assis
(2000, p. 4), “não reconhecia as diferenças resultantes dos processos de colonialismo e impe-
rialismo, que configuravam os vários fluxos migratórios”. Uma das evidências da limitação
da abordagem de adaptação está no fato de esses imigrantes se constituírem em grupos
étnicos nos países para onde se dirigiram. A Figura 1 retrata aspectos da cultura polonesa
em Curitiba, no Estado do Paraná, fruto da imigração e formação do grupo étnico polonês
na região.

56 Geografia da População
Os movimentos da população 4
Figura 1 – Representação do grupo étnico polonês em Curitiba, PR.

Fonte: Marcus Bezerra/Wikimedia Commons.

Com as mudanças no cenário político e econômico no Pós-Segunda Guerra Mundial,


houve uma reconfiguração dos fluxos migratórios internacionais, trazendo novos fatores
a serem considerados no debate sobre a problemática. Oliveira (2011) afirma que as abor-
dagens teóricas sobre o fenômeno estiveram durante tempo significativo divididas entre o
aporte neoclássico – por exemplo, a abordagem de Everett Lee (1980), em seu clássico artigo
“Uma teoria sobre a migração” – e o aporte estruturalista – como no clássico artigo de Paul
Singer (1980), “Migrações internas: considerações teóricas sobre seu estudo”.
A abordagem neoclássica tem como pressuposto básico o exame dos motivos que levam os
indivíduos a migrarem. De acordo com Santos et al. (2010), a explicação para os fenômenos mi-
gratórios seria dada com base nas diferenças geográficas de oferta de trabalho, ou seja, o mercado
de trabalho induz os movimentos migratórios. Na perspectiva de Lee (1980), há o indivíduo que,
analisando de forma racional o custo-benefício de migrar, decide se realiza ou não a migração
(OLIVEIRA, 2011). Ainda conforme Oliveira, Lee defende que a base dos deslocamentos popula-
cionais seria o desenvolvimento econômico, não se considerando, por exemplo, a natureza volun-
tária ou involuntária do ato. Assim, Lee (1980) “propõe um esquema analítico que ele denominou
de ‘fatores do ato migratório’, onde aparecem os fatores associados aos locais de origem e de
destino, os obstáculos intervenientes e, por último, fatores pessoais” (OLIVEIRA, 2011).
Ainda segundo o autor, os fatores locais de origem e de destino seriam aqueles associa-
dos à decisão de emigrar, os quais podem ser positivos, negativos ou nulos. O saldo desses
fatores, mediados pelos obstáculos entre a origem e o destino, determinariam o ato de mi-
grar e o sentido do fluxo. Oliveira (2011) ratifica “que na raiz da questão central, norteadora
da proposição de Lee, encontra-se o binômio modernização-desenvolvimento econômico.
Para o autor, esta seria uma construção de fácil compreensão e aceitação”. Conforme destaca
Oliveira (2011), embora funcionalista, a abordagem de Lee (1980) não é restrita temporal-
mente, ou seja, poderia acontecer em qualquer tempo.

Geografia da População 57
4 Os movimentos da população

Para Singer (1980), o fenômeno migratório se caracteriza como social e assume a di-
mensão de classe social. Dessa forma, a migração seria consequência de processos sociais,
econômicos e políticos, já que, na perspectiva de Singer, a migrações internas são condicio-
nadas historicamente e resultam de um processo global de mudanças, da qual não podem
ser separadas (OLIVEIRA, 2011).
Na visão de Singer (1980), a problemática principal estaria relacionada às desigualda-
des regionais de território, que seriam as causadoras das migrações internas (OLIVEIRA,
2011). Segundo Oliveira (2011), Singer defende que no lugar de origem surgiriam fatores
que causariam expulsão de população, os quais se manifestam basicamente de duas for-
mas: a introdução de técnicas inovadoras de produção, a qual aumenta a produtividade do
trabalho, mas gera uma redução do nível do emprego, e, com isso, camponeses e pequenos
proprietários, por exemplo, seriam expulsos do campo; e fatores de estagnação, associados
à incapacidade dos agricultores, em economia de subsistência, de aumentar a produtividade
da terra, resultando daí a migração da população.
Referindo-se às abordagens neoclássica e estruturalista, Vainer (1998, p. 828) diz que
“neoclássicos e estruturalistas mostram-se incapazes de identificar o lugar e o papel da coer-
ção na produção e reprodução dos deslocamentos e localizações do trabalho no movimento
normal do desenvolvimento capitalista”. Essas análises acabariam omitindo, portanto, a di-
mensão da dinâmica que determina os fluxos e localizações de população. De acordo com
Oliveira (2011), “as teorias produzidas sobre migração estiveram influenciadas pelo mundo
industrial e pelo desenvolvimento econômico, tanto aquelas ancoradas na teoria da moder-
nização quanto as baseadas no enfoque estruturalista”.
Nessa perspectiva, aponta-se, com base em Oliveira (2011), que, quanto às abordagens
teóricas sobre os fenômenos migratórios, há a necessidade do aprimoramento de teorias que
deem conta de explicar os fatores econômicos, sociais, tecnológicos e políticos que envolvem
a mobilidade da população.

4.2 As migrações internacionais


Vídeo
Os estudos das migrações internacionais recentes exigem que se repense
as categorias de análise dos fenômenos migratórios. Nesse contexto, faz-se
necessário considerar os aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos
que os envolvem.

4.2.1 As migrações no cenário mundial


A crescente importância das migrações internacionais envolve uma diversidade de sig-
nificados e implicações. Tal importância, segundo Patarra (2010), requer considerar, em sua
análise, as transformações sociais, econômicas, políticas, culturais e demográficas em anda-
mento no âmbito internacional, sobretudo a partir dos anos de 1980.

58 Geografia da População
Os movimentos da população 4
Nessa perspectiva, essas mudanças são advindas do processo de reestruturação da pro-
dução capitalista, que traz novas modalidades de mobilidade do capital e da população em
diferentes países do mundo (PATARRA, 2010). Segundo a autora, isso evidencia visões de
mundo e posturas ideológicas que entram em confronto na tentativa de enfrentar a crise e
as contradições de ordem capitalista na atual fase da ordem política e econômica global, que
traz consigo grandes desigualdades sociais e exclusão, o que acaba por estimular a transpo-
sição de fronteiras.
Para a compreensão desse processo, Martine (2005) destaca que é preciso entender
como esses condicionantes políticos, econômicos e culturais afetam o deslocamento espacial
da população. Nas palavras do autor, “nos dias de hoje, o horizonte do migrante não se res-
tringe à cidade mais próxima, nem à capital do estado ou do país. Seu horizonte é o mundo –
vislumbrado no cinema, na televisão, na comunicação entre parentes e amigos” (MARTINE,
2005, p. 3). Ainda conforme o autor, muitos países crescem pouco ou praticamente nada, e,
enquanto isso, as desigualdades aumentam e contribuem para o desejo, ou mesmo a neces-
sidade, de migrar para outros países.
As migrações internacionais atuais, de acordo com Patarra (2010), vêm exibindo um
crescimento contínuo desde a década de 1960. A maior parte dos fluxos ocorre em direção
aos países classificados como desenvolvidos. Referindo-se a esse crescimento das migrações,
Martine (2005) destaca a necessidade de formulação de políticas migratórias que consistam
na revalorização dos aspectos positivos da migração e na busca de redução progressiva dos
seus efeitos negativos. No entanto, para serem eficazes, essas políticas precisam considerar o
“deslocamento espacial como parte das estratégias de sobrevivência e de mobilidade social
da população” (MARTINE, 2005, p. 4). A Figura 2 retrata vários refugiados sírios vagando
em direção à Alemanha para pedido de asilo.

Figura 2 – Refugiados sírios.

Fonte: iStockphoto/djenkaphoto.

Geografia da População 59
4 Os movimentos da população

Nesse contexto, destaca-se a importância de se considerar a conjuntura de lutas e com-


promissos internacionais assumidos em favor da ampliação e da efetivação dos direitos
humanos dos migrantes (PATARRA, 2010). Patarra destaca como necessário, ainda, o debate
sobre quais grupos sociais são contemplados nas políticas oficiais, tendo como base os direi-
tos humanos, pois é preciso reconhecer que os movimentos migratórios internacionais são
marcados por contradições e conflitos de classes sociais.
Assim, é preciso “considerar que os movimentos migratórios internacionais constituem
a contrapartida da reestruturação territorial planetária intrinsecamente relacionada à rees-
truturação econômico-produtiva em escala global” (PATARRA, 2006, p. 8). De acordo com
a autora, as migrações internacionais refletem a desigualdade internacional entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento e evidenciam os interesses em conflito envolvendo a
necessidade de mão de obra dos países desenvolvidos, com crescimento populacional zero
ou negativo, e as políticas migratórias restritivas. Tais restrições se referem ao temor do ter-
rorismo internacional, o que acaba por envolver xenofobia, desigualdade e racismo.
Em contrapartida, Martine (2005, p. 5) destaca que a migração internacional “tem o po-
tencial de ser bastante positiva para o desenvolvimento e a redução da pobreza”. Partindo
desse princípio, as políticas oficiais de controle da migração, segundo o autor, terão mais êxi-
to do que aquelas que tentam se opor intransigentemente ao deslocamento populacional no
espaço internacional. No entanto, dependendo da ótica, do momento e da situação, a maio-
ria das consequências sociais e econômicas das migrações internacionais é contraditória.

4.2.2 O Brasil no contexto das migrações internacionais


contemporâneas
Ao se referir às migrações internacionais e à forma como ela ocorre no Brasil, sobretudo
a partir de 1980, Campos (2011) destaca que, embora esse seja um tema de relevância sig-
nificativa, ainda existem desafios consideráveis quanto a seus estudos, como, por exemplo,
obter o número exato de migrantes que deixam e que ingressam no país a cada ano.
Segundo Carvalho e Campos (2006, p. 55), “parte significativa dos fluxos migratórios
internacionais do Brasil, tanto de imigrantes quanto de emigrantes, é constituída pelo que se
convencionou chamar de ‘ilegais’ ou ‘clandestinos’”. Esse fato impede registros administra-
tivos com a apuração exata da informação sobre o fluxo de imigrantes e emigrantes, sendo
necessário ter como referência os dados censitários e a realização de estimativas (CAMPOS,
2011). Ainda segundo os autores, por esse motivo os censos vêm buscando aprimorar a
obtenção de informações e a precisão das estimativas de migração internacional. Novos
quesitos sobre o tema foram inclusos no Censo de 2010, realizado por Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), que é a principal fonte dos dados censitários no país.
Referindo-se aos brasileiros que emigram, Patarra (2010) destaca que, principalmente a
partir de 1980, a imagem do Brasil como um país tradicionalmente receptor de imigrantes
passa a ser modificada para a de uma sociedade expulsória de habitantes. Segundo a autora,

60 Geografia da População
Os movimentos da população 4
em meados da década de 1990, cerca de 1,5 milhão de brasileiros estava vivendo em outros
países, o que evidenciou uma importante questão demográfica a ser debatida nos estudos
sobre a população brasileira. Entre 1950 e 1980, a população brasileira havia sido conside-
rada como fechada, ou seja, seria resultado apenas do crescimento natural ou vegetativo.
Nessa perspectiva, do ponto de vista quantitativo, seria irrelevante o reduzido número de
estrangeiros que adentraram no Brasil no Pós-Segunda Guerra Mundial, bem como o núme-
ro de brasileiros que se dirigiram a outros países (PATARRA, 2010).
A partir da década de 1980, os fluxos dos movimentos internacionais, tendo como
destino o Brasil, passaram a ter características distintas daqueles que ocorriam anterior-
mente, quanto aos países de origem. De acordo com Patarra (2010), cresceu o número
absoluto de imigrantes chineses, angolanos, bolivianos, paraguaios, coreanos, entre ou-
tras nacionalidades, sobretudo os haitianos. Soma-se também a esses fluxos o retorno de
brasileiros que emigraram.
Destaca-se, nesse contexto, a importância de se compreender a política migratória, se-
gundo Siciliano (2013, p. 9), como “o conjunto de ações de governo para regular a entrada,
a permanência e a saída de estrangeiros de território nacional, bem como as ações desti-
nadas a regular a manutenção dos laços entre o Estado e os seus nacionais que residam
no exterior”. Em 1980, foi promulgada a Lei n. 6.815, que criou o Conselho Nacional de
Imigração, com o fim de orientar as políticas migratórias. Esse conselho é presidido pelo
Ministério do Trabalho, com representantes de outros ministérios. Segundo Patarra (2010),
desde o início de sua vigência essa lei é alvo de críticas, principalmente por privilegiar a
imigração sob o ponto de vista da assimilação de tecnologias e investimentos de capital
estrangeiro. A autora destaca, ainda, a criação do Comitê Nacional para os Refugiados
(Conare), também vinculado ao Ministério do Trabalho, o qual estabelece diretrizes no
que concerne à autorização de trabalho ao estrangeiro e define juridicamente sua situação.
O Brasil se caracteriza como um dos países mais restritivos quanto à imigração.
Em 2015, foi lançado o Projeto de Lei n. 2.516, para a criação de uma nova Lei de
Migração, tendo como propósito garantir ao imigrante a condição de igualdade com os na-
cionais, com direito à liberdade, à segurança, à inviolabilidade do direito à vida, à proprie-
dade e ao acesso aos serviços públicos e ao exercício de funções públicas (BRASIL, 2015).

4.3 As causas e consequências da mobilidade da


população
Vídeo
Fenômeno comum nas sociedades, a mobilidade da população pode ser
influenciada por vários fatores. A análise desses fatores precisa considerar
aqueles que são internos à determinada sociedade e também os externos, que
influenciam as dinâmicas da população, como por exemplo os movimen-
tos populacionais. Andrade (1998), ao se referir à mobilidade da população,
destaca dois enfoques diferentes quanto ao tempo e ao espaço: as migrações externas e as
internas.

Geografia da População 61
4 Os movimentos da população

4.3.1 Migrações externas e internas


Praticamente toda sociedade é marcada por movimentos migratórios, ainda que
de forma diferente, dada a intensidade e a quantidade de fluxos que ocorrem. Segundo
Andrade (1998, p. 56), “desde a mais remota antiguidade, os homens transferem-se de
um lugar para outro, ora para fixar residência, ora em caráter temporário, procurando
voltar ao lugar de origem”.
Nesse sentido, as migrações externas são aquelas que estimulam fluxos populacionais
entre países. Andrade (1998) cita como exemplo desse tipo de migração a oferta permanente
de oportunidade de emprego aos habitantes e às pessoas vindas de países subdesenvolvi-
dos, com excesso de mão de obra. Essas oportunidades eram oferecidas pelos países de-
senvolvidos e industrializados da Europa Ocidental e Central (França, Alemanha, Bélgica,
Países Baixos, Luxemburgo e outros), no Pós-Segunda Guerra Mundial.
Evidencia-se assim, conforme Martins (2001), que os fatores econômicos são os que ge-
ram maior número de migrações em todo o mundo, pois o ser humano, devido às dificul-
dades encontradas em determinado lugar, busca em outra localidade uma possível solução
para garantir seu sustento e melhoria de vida. Na mesma perspectiva, ressalta Andrade
(1998), esses fluxos estão sujeitos a oscilações da economia mundial, que podem levar ao
desaceleramento da produção e à consequente diminuição dos postos de trabalho, o que,
por sua vez, influencia novos fluxos migratórios externos.
As migrações internas, por sua vez, são aquelas realizadas dentro de um mesmo país.
Andrade (1998) destaca que no Brasil, por exemplo, existem áreas superpovoadas, as quais
se caracterizam por atrair migrantes, e áreas subpovoadas, com tendência a expulsar cada
vez mais habitantes, embora novos fluxos migratórios sejam observados em sentidos opos-
tos a essas situações. Conforme Andrade (1998), no século XVII o Nordeste passou a ser uma
área de dispersão de população, naquele momento, em direção ao Estado de Minas Gerais,
buscando encontrar a “riqueza” na extração de ouro.
Depois, a partir do século XX, essa região vem fornecendo migrantes que se fixam em
outras áreas do país. Ainda conforme o autor, as causas desse tipo de migração se devem a
profundas modificações na economia brasileira. Segundo Portela e Vesentini (1998), quando
se acelerou o desenvolvimento do capitalismo nos países, esse processo foi acompanhado
de intensa industrialização e urbanização. Essa dinâmica também pode ser constatada em
outras regiões brasileiras, sempre motivada pelo mesmo fator, ou seja, “sempre que em uma
área qualquer do país surgia uma fase economicamente atrativa”, um fluxo migratório para
ela era direcionado (ANDRADE, 1998, p. 57).
Como consequência desse processo, nas grandes cidades, por exemplo, houve cresci-
mento acelerado e falta de infraestrutura, o que ocasionou desigualdades de acesso aos bens
necessários para a subsistência de parte significativa da população.

62 Geografia da População
Os movimentos da população 4
4.3.2 Tipos de migração: êxodo rural e
migrações temporárias
Para uma análise mais efetiva das causas e consequência da mobilidade da população,
faz-se necessário conhecer as características de dois tipos específicos de migração: êxodo
rural e migrações temporárias.
O êxodo rural se caracteriza, segundo Andrade (1998, p. 57), pela “transferência do
habitante do campo para a cidade – é uma das formas de migração interna mais importante
nos dias atuais”. Esse tipo de migração ocorre em quase todo o mundo, pois, conforme o
autor, com a industrialização, a facilidade de transportes e de comunicações, as cidades
estão crescendo de forma extraordinária. Com isso, indivíduos de todas as classes sociais se
deslocam, atraídos pelo desejo de melhores salários, pela necessidade, por exemplo, de com-
pletar sua educação. Outro fator de expulsão do homem do campo é a intensa mecanização,
ou seja, os postos de trabalho passam a ser extintos devido ao uso de máquinas agrícolas.
Nos países desenvolvidos, o êxodo rural não se constitui num problema, dadas as es-
truturas capazes de absorver mão de obra e produzir no campo com intenso uso de tecno-
logia. Já nos países subdesenvolvidos, como afirma Andrade (1998, p. 57), “ocorrem proble-
mas sérios: as cidades não têm condições de oferecer empregos estáveis”, o que leva parte
significativa dos migrantes a viver de serviços eventuais ou, até mesmo, pedir esmolas e
vasculhar restos de comida no lixo. Ainda segundo o autor, a dificuldade de acesso à mora-
dia dá origem a grandes favelas.
As migrações temporárias se caracterizam por ocorrerem num dado período de tempo,
relativamente curto. Andrade (1998) classifica esse tipo de migração em três grandes grupos:
migrações por tempo indeterminado; migrações sazonais; e migrações diárias.
Migrações por tempo indeterminado “são aquelas feitas por pessoas que se transferem
para um outro país ou região, com intenção de regressar após atingir determinados objeti-
vos” (ANDRADE, 1998, p. 57). Ainda segundo o autor, as migrações sazonais se caracte-
rizam quando as pessoas se deslocam de uma área para a outra quando há oportunidade
de trabalho. Estão ligadas ao período das várias culturas agrícolas, que, influenciadas pelo
regime de chuvas, não têm a mesma época de plantio e colheita. Um exemplo é o constante
movimento de trabalhadores do Agreste brasileiro, região de transição entre a Zona da Mata
e o Sertão no Nordeste do país. Nessa região, durante a estação das chuvas, ocorre o cultivo
de milho, feijão e algodão, o que garante o trabalho de março a setembro. No período entre
outubro a abril, entretanto, os trabalhadores migram para a Zona da Mata, para o trabalho
nas lavouras de cana de açúcar (ANDRADE, 1998).
Nas grandes cidades, são observadas as migrações diárias ou pendulares, caracteriza-
das pelo deslocamento de trabalhadores que, de acordo com Andrade (1998), recebem bai-
xos salários e conseguem acesso a moradias apenas em subúrbios distantes do seu trabalho.

Geografia da População 63
4 Os movimentos da população

Ampliando seus conhecimentos

Políticas públicas e imigração


(ROSO; BERVIAN, 2013, p. 232-234)

A definição do que sejam políticas públicas ainda está em discussão. De


modo geral, política pública pode ser definida como tudo aquilo que o
governo (municipal, estadual ou federal) faz no que diz respeito às leis,
medidas reguladoras, decisões e ações (HEILBORN; ARAUJO; BARRETO,
2010). Por isso, Souza (2006, p. 26) afirma que as políticas públicas podem
ser pensadas como:

[...] o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar


o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente)
e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas
ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas
constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem
seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que
produzirão resultados ou mudanças no mundo real.

Nesse sentido, salientam Heilborn, Araújo e Barreto (2010, p. 20) que “é


fundamental, em uma política pública, pensarmos em quem ganha o quê,
por que e que diferença faz. Isso nos remete diretamente ao coração da
formulação das políticas públicas e às relações entre sociedade e governo
para a definição das ações que serão tomadas”.

Nos últimos anos, após a entrada oficial do Brasil na rota dos grandes
deslocamentos internacionais, as leis, os programas, os dispositivos,
os decretos e outras medidas relativas à entrada de imigrantes no país
têm sido repensados e revisados. Isso implica, segundo a Organização
Internacional para as Migrações (OIM, 2009), tanto uma reorganização
institucional, para atender às novas funções do governo frente às novas
tendências e características do movimento migratório, quanto uma
ampliação do papel de instituições oficiais já existentes para corroborar
essa situação.

Percebe-se, especialmente nas últimas décadas, uma série de tentativas de


posicionar o Brasil como um país aberto aos imigrantes. Na Constituição
de 1988, encontram-se, entre os princípios que regem as relações interna-
cionais do Brasil, a prevalência dos direitos humanos, a autodetermina-
ção dos povos, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução
pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a cooperação

64 Geografia da População
Os movimentos da população 4
entre os povos para o progresso da humanidade e a concessão do asilo
político. Entende-se que o respeito a esses princípios pode promover rela-
ções pacíficas e integradoras entre os países e, ainda, contribuir para a
inserção de um imigrante no país (BRASIL, 1988).

Relativamente a direitos fundamentais, no art. 5º, a Constituição prevê


que todos são iguais perante a lei, sem distinção alguma. Assim, sendo
um estrangeiro igual a um brasileiro perante a lei, aquele tem o direito à
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade. Já no tocante aos direitos políticos, os imigrantes não são
tão livres assim, pois não podem se alistar como eleitores, por exemplo,
cabendo ao Estado legislar sobre emigração e imigração, entrada, extradi-
ção e expulsão de estrangeiros, conforme o art. 22º.

A Lei de Estrangeiros em vigor no Brasil é a 6.815/80, de 19 de agosto de


1980, produzida no contexto da ditadura militar e marcada pela preocu-
pação com a defesa nacional e com a regulamentação jurídica do estran-
geiro (BRASIL, 1980). Essa lei criou o Conselho Nacional de Imigração
(CNIg), que funciona junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, o qual
coordena as políticas imigratórias no campo do trabalho.

A Lei n. 6.815/80 constitui o principal instrumento regulador da situação


jurídica do estrangeiro no Brasil, inclusive das situações motivadas por
razões de trabalho. Conforme Sant’Ana,

[...] o ato lista os aspectos determinantes à concessão de vistos tem-


porários ou permanentes, dispondo no art. 2º: “Na aplicação desta
Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organiza-
ção institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e cul-
turais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional”. E
complementa, no artigo subsequente: “A concessão do visto, a sua
prorrogação ou transformação ficarão sempre condicionadas aos
interesses nacionais” (2001, p. 76).

Nesse contexto, acredita-se que, uma vez que essa lei diz mais da preo-
cupação com a segurança nacional, característica típica do período
ditatorial, e que a mesma continua sendo aplicada nos dias de hoje, é
urgente ampliar os efeitos dessa lei a fim de redemocratizar o processo
de circulação de pessoas, atentando especialmente para o processo de
integração. Se a globalização é inevitável, também deve ser inevitável
a mudança da legislação, de modo que esta contemple as demandas
contemporâneas.

Geografia da População 65
4 Os movimentos da população

Dessa maneira, a desatualização da Lei n. 6.815/80 levou o governo brasi-


leiro a preparar uma nova proposta de lei de migrações, totalmente vin-
culada à questão dos direitos humanos. Enviada ao Congresso Nacional
(Projeto de Lei 5655/2009), a nova lei dispõe sobre ingresso, permanên-
cia e saída de estrangeiros no território nacional e transforma o Conselho
Nacional de Imigração em Conselho Nacional de Migração – que passará
a tratar tanto das imigrações quanto das emigrações –, apresentando um
caráter muito mais flexível e expansivo (OIM, 2009).

Esse Projeto de Lei traz mecanismos que simplificam o procedimento


migratório para investidores, pesquisadores, professores, artistas e des-
portistas, o que atrai capital externo de investimento, permitindo, por
exemplo, que qualquer pessoa que esteja como turista no Brasil também
realize negócios. Ao mesmo tempo, sinaliza que os imigrantes tenham os
mesmos Direitos Humanos e Sociais protegidos no país. Assim, essa nova
lei poderá aliar aspectos que fomentem o crescimento econômico do país
à garantia dos direitos humanos dos imigrantes.

O imigrante ainda tem a possibilidade de nacionalizar-se brasileiro e,


assim, obter os direitos decorrentes da qualidade de nacional, com exce-
ção do direito reservado aos brasileiros natos, disposto no art. 12, § 3º,
da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), que é o de assumir
determinados cargos públicos. O Brasil adota somente a naturalização
como forma de aquisição da nacionalidade, sendo que esta é definida por
Dolinger (2000) como o vínculo de ordem jurídico-político que conecta o
indivíduo ao Estado, ou seja, o meio de fazer nacional o estrangeiro. [...]

O Brasil tem assinado, ainda, tratados muito importantes na área migrató-


ria, que buscam promover, além de condições de trabalho justas e huma-
nizadoras, o direito à saúde e à educação e a proteção dos direitos huma-
nos. [...]

Atividades
1. Considerando os conceitos estudados sobre as migrações, entreviste uma pessoa
adulta, com o fim de identificar os tipos de movimentos migratórios por ela reali-
zados atualmente ou em anos anteriores. Com base na entrevista, escreva uma his-
tória da pessoa e destaque as denominações e as características dos movimentos
realizados. Aborde também, no seu texto, os fatores políticos, econômicos, sociais e
culturais que estimularam os movimentos migratórios realizados pelo entrevistado.

66 Geografia da População
Os movimentos da população 4
2. Conforme abordou-se, em 2015 foi lançado o projeto de Lei n. 2.516, que cria uma
nova Lei das Migrações, com o propósito de garantir direitos ao imigrante (BRASIL,
2015). Busque informações sobre o projeto, tendo como referência as seguintes ques-
tões: Foi aprovado no Senado? Quais direitos essa nova lei garante ao imigrante? Em
que aspectos essa lei se diferencia da Lei n. 6.815, de 1980?

3. Considere os tipos de migrações internas abordados por Andrade (1998): êxodo ru-
ral, migrações temporárias, sazonais, definitivas e diárias. Que fatores motivaram (e
continuando motivando) essas migrações no Brasil?

Referências
ABRAMOVAY, R. Alimentos versus população: está ressurgindo o fantasma malthusiano? 2010.
Disponível em: <http://www.abramovay.pro.br/artigos_cientificos/2010/Fantasma.pdf>. Acesso em:
10 jan. 2017.
ALVES, J. E. D. População, desenvolvimento e sustentabilidade: perspectivas para a CIPD pós-2014.
Revista Brasileira de Estudos da População, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 219-230, jan./jun. 2014.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v31n1/13.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.
CARVALHO, J. A. M.; BRITO, F. A demografia brasileira e o declínio da fecundidade no Brasil: con-
tribuições, equívocos e silêncios. Revista Brasileira de Estudos da População, São Paulo, v. 22, n.
2, p. 351-369, jul./dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v22n2/v22n2a10.pdf>.
Acesso em: 15 jan. 2017.
DAMIANI, A. L. População e geografia. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
DETERS, O.; GULLO, M. C. Impactos ambientais decorrentes da produção de alimentos e o dile-
ma malthusiano. In: Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, 10., 2013, Vitória.
Publicações... Vitória, ES, 2013. Disponível em: <http://www.ecoeco.org.br/conteudo/publicacoes/en-
contros/x_en/GT7-2194-1575-20130620103405.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.
GALVÊAS, E. Prefácio de Ensaios sobre a população. In: MALTHUS, T. R. Ensaio sobre a população.
Traduções de Regis de Castro Andrade, Dinah de Abreu Azevedo e Antônio Alves Cury. São Paulo:
Nova Cultural, 1996.
GORENDER, J. Prefácio de O processo de produção do capital. In: MARX, K. O processo de produção
do capital. v. 1. Traduções de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
HENRIQUES, A. Thomas Robert Malthus: a teoria malthusiana. Instituto Politécnico de Coimbra,
2007. Disponível em: <http://www.miniweb.com.br/Ciencias/Artigos/Thomas_Robert_Malthus.pdf>.
Acesso em: 10 jan. 2017.
LIMA, D. M. D. F. Reforma neomalthusiana e movimento ambientalista: população e meio ambiente.
Revista Geonorte, ed. Especial 3, v. 7, n. 1, p. 575-589, 2013. Disponível em: <http://www.periodicos.
ufam.edu.br/revista-geonorte/article/download/1191/1074>. Acesso em: 15 jan. 2017.
MALTHUS, T. R. Ensaio sobre a população. Traduções de Regis de Castro Andrade, Dinah de Abreu
Azevedo e Antônio Alves Cury. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
MARX, K. O processo de produção do capital. v. 1. Traduções de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São
Paulo: Nova Cultural, 1996a.
______. O processo de produção do capital. v. 2. Traduções de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São
Paulo: Nova Cultural, 1996b.

Geografia da População 67
4 Os movimentos da população

PEDRO, J. M. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 239-260, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/
v23n45/16527.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2017.
SINGER, P. I. Dinâmica populacional e desenvolvimento: o papel do crescimento populacional no
desenvolvimento econômico. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1976.

Resolução
1. Identifique alguns dos tipos de migrações abordados por Andrade (1998), como
mudanças de um lugar para outro dentro do próprio país. Quanto aos fatores
que as estimularam, aborde os motivos econômicos que envolvem esses movi-
mentos. Caso o entrevistado seja estrangeiro, identifique as circunstâncias em
que o imigrante chegou ao país, o que estimulou o movimento e os desafios aqui
encontrados para se estabelecer.

2. Busque informações sobre os debates que envolvem essa lei. Quanto à compara-
ção entre as leis, conclua que a Lei n. 6.815, de 1980, embora traga diretrizes para o
estabelecimento dos imigrantes no país, é limitada quanto aos direitos humanos e
bem-estar destes.

3. A análise dos movimentos realizados poderá ampliar o reconhecimento dos fatores


que os motivaram, envolvendo questões econômicas como a busca de melhores sa-
lários e condições de vida, bem como os impactos sociais que esses movimentos po-
dem gerar. Especificamente no Brasil, podemos citar a exploração do ouro no século
XVII, em Minas Gerais, que atraiu pessoas de todo o país, e os problemas da seca no
sertão que fizeram com que milhares de nordestinos seguissem em direção ao Sul do
país, situação que se mantém até os dias de hoje.

68 Geografia da População
5
Os efeitos da globalização
sobre a população

Introdução

Como resultado de um processo que passou por várias fases, os especialistas


divergem se a globalização representa ou não um novo fenômeno. Fato é que, na atua-
lidade, esse processo apresenta características distintas das fases anteriores, devido ao
grau de desenvolvimento técnico e científico.

De forma geral, não se pode negar que a globalização traz mudanças políticas,
econômicas, sociais e culturais significativas para as sociedades capitalistas, as quais
acabam influenciando também os fenômenos populacionais e suas relações com a pro-
dução e o consumo.

Nessa perspectiva, as vertentes de análise sobre o processo de globalização tam-


bém são diversas em relação a suas consequências. No entanto, a maioria dos estudio-
sos sobre esse assunto destaca pontos de vista não otimistas sobre esses efeitos, como
as contradições capitalistas e o acirramento das desigualdades sociais, aspectos que
interferem nas dinâmicas da população.

Geografia da População 69
5 Os efeitos da globalização sobre a população

5.1 Globalização e população


Vídeo
Nas últimas décadas, mudanças significativas têm ocorrido no cenário
político e econômico internacional. Essas transformações são estimuladas
por um processo complexo, denominado globalização, que também influencia
as dinâmicas populacionais.

5.1.1 O conceito de globalização


A análise da relação entre dinâmica populacional e globalização requer uma reflexão
sobre a complexidade que envolve esses dois conceitos. Segundo Martine (2005, p. 13), a
“globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capi-
talista”. Nesse sentido, é importante diferenciar internacionalização e globalização. Ao se refe-
rir à internacionalização, Santos (2012) afirma que:
Decerto, o que estamos vivendo agora foi longamente preparado, e o processo
de internacionalização não data de hoje. O projeto de mundializar as relações
econômicas, sociais e políticas começa com a extensão das fronteiras do comércio
no princípio do século XVI, avança por saltos através dos séculos de expansão
capitalista para finalmente ganhar corpo no momento em que uma nova relação
científica e técnica se impõe e em que as formas de vida no planeta sofrem repen-
tina transformação. (SANTOS, 2012, p. 16)
Evidencia-se, assim, que a internacionalização se refere ao processo que teve início com
as Grandes Navegações e que se diferencia do momento presente devido aos significativos
avanços técnicos e científicos, os quais provocam transformações em diversos campos da
sociedade. Uma sistematização das fases anteriores que culminaram com o processo hoje
denominado globalização é apresentada no Quadro 1:

Quadro 1 – Períodos da internacionalização do capital.

Período Fases Características


1450-1850 Primeira Expansionismo mercantilista
1850-1950 Segunda Industrial – imperialista – colonialista
Descolonização – Guerra Fria –
1950-1989 Terceira
Reestruturação produtiva
Declínio do Estado-Nação – Reestruturação
Pós-1989 Globalização
do sistema interestatal
Fonte: ALCOFORADO, 2006, p. 19. Adaptado.

Ao se referir à época atual, Milton Santos (2001a, p. 34) destaca que, “como período
e como crise, a época atual mostra-se, aliás, como coisa nova. Como período, as suas
variáveis características instalam-se em toda parte e a tudo influenciam, direta ou indi-
retamente. Daí a denominação de globalização”. Sobre a crise, Santos (2001a) diz que as
variáveis que constroem o sistema capitalista chocam-se continuamente, exigindo novos

70 Geografia da População
Os efeitos da globalização sobre a população 5
arranjos e definições, e isso se constitui numa situação persistente, mas que mantém
resquícios das características anteriores.
Sobre o processo de globalização, segundo Martine (2005, p. 22), há “muitas interpre-
tações da história a partir das técnicas”. Nessa perspectiva, as técnicas são oferecidas como
um sistema e realizadas combinadamente [por meio] do trabalho e das formas de escolha
dos momentos e dos lugares de seu uso. Ainda se referindo à relação entre globalização e
técnicas, Martine afirma que
no fim do século XX e graças aos avanços da ciência, produziu-se um sistema
de técnicas presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um
papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema técnico
uma presença planetária. (MARTINE, 2005, p. 22)
Também destacando essa mesma relação, Santos (2001a, p. 24) diz que “a globalização
não é apenas a existência desse novo sistema de técnicas. Ela é também o resultado das ações
que asseguram a emergência de um mercado dito global, responsável pelo essencial dos
processos políticos atualmente eficazes”. Ao se referir ao fator mercado no mundo global,
Martine (2005, p. 4) assinala que a “globalização caracteriza-se por aumentos significativos
no intercâmbio comercial e financeiro, dentro de uma economia internacional crescente-
mente aberta, integrada e sem fronteiras”.
Nesse sentido, Santos (2001a, p. 24) enfatiza que “os fatores que contribuem para ex-
plicar a arquitetura da globalização atual são: a unicidade da técnica, a convergência dos
momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existência de um motor único na história, re-
presentado pela mais-valia globalizada”. Nesse contexto, surge um mercado global que, por
meio de um sistema de técnicas avançadas, resulta numa globalização que, nas palavras de
Santos (2001a, p. 24), é “perversa”. O autor destaca que esse processo poderia ser diferente
se tivesse outro uso político, ou seja, o debate central, o qual traz a possibilidade de utilizar
o sistema técnico contemporâneo a partir de outras formas de ação.
Conforme afirma Martine (2005, p. 4), “a globalização é uma força poderosa no novo
sistema mundial, e continuará sendo determinante no curso da história futura da humani-
dade. Sem dúvida, ela nos coloca tanto desafios como oportunidades”. Entretanto, segundo
Santos (2001a, p. 17), “globalização mata a noção de solidariedade, devolve o homem à
condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser animais da selva, reduz
as noções de moralidade pública e particular a um quase nada”. Desse modo, a globalização
que se estabelece, na visão deste autor, não estaria a serviço da humanidade.
Ainda destacando os aspectos sociais da globalização, Santos (2005, p. 19) afirma que
o “mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta
quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas”. Outros aspectos da globaliza-
ção destacados pelo autor são: o culto ao estímulo do consumo; uma busca de uniformidade
ao serviço dos atores hegemônicos; e o mundo tornando-se menos unido, distanciando-se
do sonho de uma cidadania verdadeiramente universal (SANTOS, 2001a).
Nessa perspectiva, Martine (2005, p. 4) explica que “praticamente todos os países foram ins-
tados a adotar as mesmas regras do jogo e a submeter-se aos fiscais internacionais, propiciando

Geografia da População 71
5 Os efeitos da globalização sobre a população

a expansão do mercado global”. Desse modo, ainda conforme o autor, a globalização continua
sendo uma realidade inacabada, pois enquanto os países ricos levarem vantagens sobre os paí-
ses pobres, haverá dificuldades a esses últimos para trilharem o desenvolvimento econômico.
Numa análise crítica do processo de globalização, Santos (2001a, p. 173-174) afirma que
Diante do que é o mundo atual, como disponibilidade e como possibilidade,
acreditamos que as condições materiais já estão dadas para que se imponha a de-
sejada grande mutação, mas seu destino vai depender de como disponibilidades
e possibilidades serão aproveitadas pela política.
Para o autor, o processo de globalização não é irreversível, pois pode alcançar outra
significação, diferente da atual que aprofunda as desigualdades entre países e, consequen-
temente, as desigualdades sociais, resultando em fluxos migratórios. Um exemplo é o êxodo
rural, causado pela expansão das áreas monocultoras por grandes empresas multinacionais
do ramo do agronegócio.
Santos (2001a) também considera a globalização como um processo que pode ser re-
versível e destaca que a mudança histórica em perspectiva deriva de um movimento de
baixo para cima, tendo como atores principais os habitantes de países subdesenvolvidos: os
deserdados, os pobres, os excluídos. Sobre essa temática, Kaizeler e Faustino (2012, p. 22)
ressaltam que
[...] não se deve generalizar a análise dos efeitos de globalização na repartição
do rendimento, uma vez que cada país tem características próprias, e existem
outros fatores que influenciam a desigualdade e que devem ser analisados, e são
realidades diferentes em cada nação.
Nessa perspectiva, evidencia-se a complexidade que envolve o debate sobre a globali-
zação e suas relações com as dinâmicas populacionais.

5.1.2 A relação entre globalização e população


O processo de globalização para a maior parte da humanidade, segundo Santos (2001a,
p. 142), “acaba tendo, direta ou indiretamente, influência sobre todos os aspectos da existên-
cia: a vida econômica, a vida cultural, as relações interpessoais e a própria subjetividade”.
Os efeitos da globalização não são homogêneos, principalmente pelo fato de esse processo
ser o criador da escassez de recursos financeiros e ampliar as desigualdades sociais, fatores
que se relacionam diretamente com os fenômenos populacionais.
Um exemplo dessa relação se evidencia na afirmação de Martine (2005, p. 3), quando
destaca que “o migrante vive num mundo onde a globalização dispensa fronteiras, muda
parâmetros diariamente, ostenta luxos, esbanja informações, estimula consumos, gera so-
nhos e, finalmente, cria expectativas de uma vida melhor”.
Também se referindo aos efeitos da globalização e suas relações com os fenômenos
populacionais, Tânia dos Santos (2001b) destaca o aprofundamento da crise internacional
em relação às diferenças entre países ricos e pobres, o que, nas últimas décadas, teve como
consequência o aumento das desigualdades e a marginalização crescente para a maioria da

72 Geografia da População
Os efeitos da globalização sobre a população 5
população. Segundo a autora, “milhares de pessoas lutam para sobreviver sob condições
extremamente precárias, não só nos confins do mundo e entre as legiões de perseguidos e de
refugiados, mas também onde o capitalismo se apresenta como mais próspero” (SANTOS,
2001b, p. 177).
Nesse contexto, o capitalismo destaca-se como um sistema polarizador e contraditório,
o que se configura no aumento constante de riquezas em poder de uma minoria, mas tam-
bém expande a pobreza da maior parte da população mundial (SANTOS, 2001b). Considera-
se nessa análise que o termo pobreza é bastante amplo e carece de algumas reflexões sobre a
complexidade que o envolve.
Ao abordar o conceito de pobreza, Buss (2007, p. 1.578) o aponta como “um conceito
multidimensional e uma situação real de vida”. Ainda segundo a autor, antes dos trabalhos
críticos de Amartya Sen (Prêmio Nobel de Economia de 1988), eram considerados pobres os
indivíduos que viviam com menos de 1 dólar por dia, ajustado pelo poder aquisitivo do país
ou região. Após os debates de Amartya Sen, esclareceu-se que não é possível estabelecer uma
linha de pobreza e generalizá-la sem levar em conta as características e circunstâncias pessoais.
Nessa perspectiva, para Buss (2007, p. 1.578), “a análise da pobreza também deve concentrar-
-se na capacidade da pessoa para aproveitar oportunidades, assim como de fatores como saú-
de, nutrição e educação, que refletem a capacidade básica para funcionar na sociedade”. Esses
fatores se relacionam diretamente com a qualidade de vida de uma população.
A satisfação das necessidades básicas da população, de acordo com Santos (2001b, p.
195), requer a “construção de um modelo alternativo de sociedade, no qual formas igualitá-
rias e solidárias possam sobrepor-se aos interesses particulares do capital”. Assim, é impres-
cindível reconhecer, ainda segundo a autora, que a exclusão social só poderá ser superada
por meio de mecanismos políticos, tendo como objetivo a construção de uma sociedade
mais justa e que atenda às necessidades básicas de toda a população.
Destaca-se, nessa análise, outro conceito fundamental, a desigualdade internacional,
que, segundo Kaizeler e Faustino (2012, p. 16), “refere-se à desigualdade entre países devido
a diferenças do rendimento per capita entre eles”. Evidencia-se também a necessidade de se
considerar a dimensão política na análise da relação entre globalização e população. Desse
modo, a principal contradição do capitalismo no contexto da globalização e que precisa ser
encarada é a crescente concentração de riquezas nas mãos de poucos e o empobrecimento
cada vez mais intenso da maior parte da população mundial.

5.2 Impactos da globalização sobre os indicadores


da população
Vídeo
Dadas as relações entre globalização e suas influências em vários cam-
pos da sociedade, como na economia, na política, no trabalho, na cultura e
na educação, seus impactos atingem também os indicadores da população,
como, por exemplo, o número de imigrantes, os índices de desemprego e os
níveis de desigualdade na distribuição de rendas.

Geografia da População 73
5 Os efeitos da globalização sobre a população

5.2.1 Acesso da população aos meios de subsistência


O impacto da globalização na população, segundo Kaizeler e Faustino (2012, p. 13),
precisa “ser analisado em todas as suas vertentes, quer econômicas, sociais e políticas, uti-
lizando indicadores que permitam abranger todos os componentes que consideram essen-
ciais para medir a dimensão da globalização”. Essas vertentes mantêm significativas rela-
ções com os fenômenos populacionais, pois influenciam o acesso dos habitantes ao trabalho,
bem-estar, saúde e educação.
As mudanças advindas do processo de globalização no campo do trabalho, para
Kaizeler e Faustino (2012), afetam a oferta e procura de emprego, os regimes de trabalho, a
imigração de mão de obra, os subsídios para o trabalho, os valores dos salários e as próprias
leis trabalhistas. Esses fatores podem se constituir em dificuldades para encontrar e manter
o trabalho, que é imprescindível para a subsistência dos cidadãos.
Como consequência da vertente econômica no contexto da globalização, Kaizeler e
Faustino (2012) citam a inflação, o desenvolvimento financeiro, o grau de urbanização, o
crescimento da população, a quantidade de população ativa, o grau de industrialização e
a taxa de desemprego como fatores que interferem na distribuição de renda e determinam
as diferenças no acesso aos meios de subsistência, o que resulta em desigualdades sociais.
Também destacando a vertente econômica da globalização, Buss (2007, p. 1.576), afirma:
“o que se tem observado é que as medidas de abertura dos mercados e as considerações de
ordem financeira e econômica prevalecem sobre as considerações sociais”. Desse modo, por
privilegiar os interesses econômicos de acumulação capitalista em detrimento dos fatores
sociais que envolvem, sobretudo, o acesso da população aos meios de subsistência e aos ser-
viços sociais, o processo de globalização influencia de maneira significativa os indicadores
da população.
Considerando ainda as desigualdades internacionais, Buss (2007, p. 1.578), assinala que
“são exatamente os pobres que vivem em piores condições sociais, ambientais e sanitárias,
assim como têm maior dificuldade no acesso aos serviços públicos em geral e de saúde em
particular”. Ainda de acordo com o autor, os países que têm as piores rendas oferecem as
piores condições de acesso a políticas públicas, habitações adequadas, saneamento básico,
água potável, alimentação, educação, transporte, lazer, empregos fixos e condições de segu-
rança no trabalho. Esses fatores são denominados iniquidades sociais e de saúde.

5.2.2 Influência nos indicadores da população


A vertente social da globalização causa inquietações, no cenário mundial, desde a déca-
da de 1980, o que se expressou no debate sobre políticas públicas para atender as demandas
advindas desse processo. Segundo Cordeiro (2001, p. 320), “os gastos públicos deveriam ter
como meta atingir a um determinado conjunto de efeitos demonstráveis por melhoria de in-
dicadores sociais dos segmentos pobres das populações (mortalidade infantil, desnutrição,
evasão escolar, qualidade da habitação, entre outros)”.

74 Geografia da População
Os efeitos da globalização sobre a população 5
Entretanto, as análises desses indicadores na atualidade revelam que tais políticas não
se concretizaram. Sobre essas discrepâncias nos indicadores, afirma Buss (2007, p. 1.578) que
elas “existem entre países e regiões do mundo e entre ricos e pobres no interior dos países”.
O autor destaca os significativos diferenciais que se verificam entre grupos de países reuni-
dos por nível de desenvolvimento, evidenciando os prejuízos nos indicadores da população
para as nações mais pobres e menos desenvolvidas, como apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 – Expectativa de vida e taxas de mortalidade, por categoria de desenvolvimento do país.

Mortalidade
Mortalidade
População Renda anual Expectativa abaixo de
Categoria de infantil
(em média (em de vida cinco (mortes
desenvol- (mortes antes
milhões/ dólares ao nascer antes de
vimento de 1 ano de
2015) americanos) (anos) 5 anos de
idade ‰)
idade ‰)
Países menos
745 302 55 98 155
desenvolvidos
Países de renda
2.095 1295 72 32 36
média-baixa
Países de renda
582 4.905 73 24 32
média-alta
Países de
905 25.766 80 4 4
renda alta
África
683 550 53 95 148
subsaariana
Fonte: BUSS, 2007, p. 1579; PNUD, 2015. Adaptado.

A análise da tabela releva que a diferença na expectativa de vida ao nascer chega a 25


anos entre os países de renda alta e os menos desenvolvidos. A taxa de mortalidade infantil
por nascidos vivos antes de um ano de idade é de apenas 4‰ em países de renda alta e che-
ga a 98‰ nos países menos desenvolvidos.
Quanto à diferença no índice de mortalidade de menores de 5 anos, ela é ainda maior
entre os países de alta renda, cujo percentual é de apenas 4‰, e os países menos desenvol-
vidos, cujas taxas atingiram 155‰, como apresentado na Tabela 1. Segundo Buss (2007), as
desigualdades de condições médico-sanitárias e de acesso aos serviços sociais entre pessoas
pobres e ricas, considerando-se os países pobres, também são acentuadas.
No Brasil, como em várias outras partes do mundo, a “taxa de mortalidade infantil está
relacionada com a renda das famílias, o nível de educação da mãe, as condições do domicí-
lio, o local em que vive e a situação social da família da criança” (BUSS, 2007, p. 1.579).
Mesmo considerando todos os avanços tecnológicos que possibilitaram melhorias dos
recursos de saúde, Santana e Krom (2006) destacam que há parte significativa da população,
sobretudo nos países menos desenvolvidos, sem acesso a esses serviços. Desse modo, os

Geografia da População 75
5 Os efeitos da globalização sobre a população

investimentos menores e/ou restritos nos setores de saúde e educação se expressam como
um decréscimo na qualidade de vida dos cidadãos.
Outro fator destacado por Santana e Krom (2006) é a vulnerabilidade dos indivíduos
oriunda das formas de se trabalhar e se viver num contexto de constantes pressões do mun-
do globalizado, que traz também o aumento do desemprego, salários reduzidos, piores
condições de moradia, desinformação, elevação das distâncias entre a casa e o trabalho e
permanência de precariedade ou inexistência de saneamento básico. Nessa perspectiva, evi-
denciam-se as relações entre o processo de globalização e suas influências nos indicadores
da população.

5.3 População, produção e consumo


Vídeo
Na análise das relações entre população, produção e consumo, conside-
ra-se uma diversidade de conexões que podem ser estabelecidas entre esses
conceitos. Sob o ponto de vista geográfico, aborda-se tais relações com base
nas influências que exercem sobre os fenômenos populacionais.

5.3.1 Relações entre população e produção


A análise das relações entre produção e população pode ser realizada a partir de di-
ferentes enfoques, visto que se trata de uma abordagem que envolve diferentes áreas do
conhecimento. Dessa forma, pode tratar, por exemplo, da produção de bens de consumo
destinados a uma determinada faixa etária. Sob o ponto de vista geográfico, considera-se,
sobretudo, a relação entre produção e atendimento das necessidades básicas e a produção
do espaço geográfico.
Tendo como referência o exposto, destaca-se, segundo Muteia (2014), o fato de que a
população mundial quase duplicou nos últimos 50 anos. Tal aumento ocorreu como conse-
quência do advento da geração baby boom (explosão de bebês), expressão que denomina os
que nasceram entre os anos de 1946 e 1964, imediatamente após a Segunda Guerra Mundial.
Desde então a população não parou de crescer, chegando a cerca de 7,5 bilhões de pessoas
em todo o planeta (dados de 2017).
Segundo Kinkartz (2012), para continuar alimentando toda essa população serão neces-
sários investimentos e desenvolvimento de tecnologias que permitam aumentar a produção
de alimentos, como, por exemplo, com a melhoria dos solos e da eficiência de cultivo em
terras agricultáveis.
Conforme o Documento Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+20, realizada em 2012, no Rio de Janeiro, não existe deficit de alimentos
no mundo (ONU, 2012). Porém, os modelos sociais e econômicos são precários e ineficien-
tes. Dessa forma, a fome de milhões de habitantes ainda permanece como resultado das
desigualdades na distribuição de recursos, tendo como fonte a pobreza e a falta de poder

76 Geografia da População
Os efeitos da globalização sobre a população 5
aquisitivo, o que impede o acesso a alimentos nutritivos. De acordo com o Documento da
Rio+20 (ONU, 2012), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO) estima que as perdas globais de alimentos e desperdícios alcancem 1,3 bilhão de
toneladas por ano.
Como solução a esse cenário, o Documento da Rio+20 aponta a necessidade de uma
reforma significativa do sistema de alimentação e de agricultura para garantir a seguran-
ça alimentar das pessoas que sofrem com a fome. Além de garantir a disponibilidade de
alimentos, o mesmo documento (ONU, 2012) destaca também a importância de garantir o
acesso a condições de subsistência, como o aumento de postos de trabalho e de rendimentos.

5.3.2 População e consumo


Os bens de consumo, segundo Cortez (2009), funcionam como manifestação concreta
dos valores e da posição social de quem os possui. Na atividade de consumo desenvolvem-
-se identidades sociais e o sentimento de pertencer a determinados grupos. Nessa perspec-
tiva, o consumo demanda produção e reprodução de valores e se constitui como atividade
com dimensões políticas, ambientais, urbanas e populacionais. Ao se referir à dimensão
política do consumo e destacar sua relação com a cidadania, Santos (2007) afirma que:
Quando se confundem cidadão e consumidor, a educação, a moradia, a saúde, o
lazer aparecem como conquistas pessoais e não como direitos sociais. Até mesmo
a política passa a ser uma função do consumo. Essa segunda natureza vai toman-
do lugar sempre maior em cada indivíduo, o lugar do cidadão vai ficando me-
nor, e até mesmo a vontade de se tornar cidadão por inteiro se reduz. (SANTOS,
2007, p. 155)
Sem a dimensão política, há o risco de associar cidadão a consumidor, ou seja, destituí-
do do seu caráter político. Pode-se esvaziar o sentido de cidadão e reduzi-lo ao de consu-
midor que busca cada vez mais suas conquistas e satisfações individuais. Considerando as
significativas desigualdades sociais que marcam as sociedades capitalistas, essas conquistas
também são desiguais ou até inexistentes.
Nessa perspectiva, ao lado de uma parcela de consumidores com um padrão de con-
sumo dispendioso, segundo Cortez (2009), há outra parcela da população que anseia por
garantir a sobrevivência. Desse modo, ao relacionar população e consumo, fazem-se neces-
sárias políticas que permitam
elevar o piso mínimo de consumo daqueles que vivem abaixo de um padrão de
consumo que garanta uma vida digna. Ao mesmo tempo, é necessário mudar os
padrões e níveis de consumo, evitando a concentração de renda, e promover um
novo estilo de vida mais sustentável. (CORTEZ, 2009, p. 46)
Evidencia-se, assim, a relação entre consumo e sustentabilidade, pois, de acordo com
Silva, Barbieri e Monte-Mór (2012, p. 422), “alterando-se a quantidade e qualidade dos bens
consumidos, altera-se também o padrão de geração de resíduos pela população em geral e por
cada domicílio em particular”. Sobre essa problemática, Martine (2007, p. 182) destaca que a

Geografia da População 77
5 Os efeitos da globalização sobre a população

“maioria dos problemas ambientais mais críticos enfrentados pela civilização moderna tem
suas origens nos padrões de produção e consumo; estes estão claramente centrados nas áreas
urbanas”. Esse autor aponta ainda uma dimensão importante na relação entre consumo e po-
pulação: a urbanização. Assim, “paradoxalmente, as cidades também apresentam vantagens
significativas em termos do seu potencial para conciliar as realidades econômicas e demográ-
ficas do século 21 com as exigências da sustentabilidade” (MARTINE, 2007, p. 182).
Considerando a dimensão populacional, quando ocorrem mudanças demográficas, há
tendência de alterações também na quantidade e qualidade dos bens produzidos, como
afirmam Silva, Barbieri e Monte-Mór (2012). Ainda de acordo com os autores, as dinâmicas
demográficas podem afetar diversas características de uma sociedade por meio das formas
pelas quais uma população se altera em relação à estrutura etária, distribuição espacial,
estrutura familiar e tamanho absoluto. Desse modo, “a maior ou menor participação percen-
tual de pessoas em tal ou qual grupo etário de uma população terá impacto sobre a curva de
consumo agregado por idade” (SILVA; BARBIERI; MONTE--MÓR, 2012, p. 425). Destaca-se,
assim, que o consumo é influenciado também pela renda pessoal ou domiciliar, mantendo
relações com a estrutura etária e as variáveis demográficas.

Ampliando seus conhecimentos

Globalização: as
consequências brasileiras
(SILVA; MOURA, 2014, p. 2-5)

A sociedade brasileira vem enfrentando grandes e irreversíveis trans-


formações a partir do fenômeno da globalização. Este processo, para
alguns, representa felicidade, mas, para a maioria, vem sendo motivo
de infelicidade, na medida em que produz efeitos desiguais em diversas
esferas da vida.

Um efeito imediato pode ser percebido na ruptura da comunicação corpo


a corpo entre os globais e os locais fazendo com que a comunicação passe
a ser basicamente realizada através de hardware. Outro efeito da globa-
lização é a extinção dos limites geográficos, em tempos de globalização
as distancias não importam (BAUMAN, 1999). Por si, as mudanças no
padrão da comunicação associadas à extinção das distâncias geográficas
parecem representar um avanço social na medida em que permite a supe-
ração de limites até pouco intransponíveis.

Com efeito, para as elites, que se movimentam na velocidade da men-


sagem eletrônica, os espaços e suas delimitações deixam de importar, a
distinção entre aqui e lá não significa mais nada. De acordo com Bauman

78 Geografia da População
Os efeitos da globalização sobre a população 5
“o espaço tornou-se [...] emancipado das restrições naturais do corpo
humano” (1999, p. 24). As informações que antes respeitavam e acompa-
nhavam a velocidade do corpo, hoje estão instantaneamente disponíveis
em todo planeta. [...]

A desintegração da vida comunitária também é um fenômeno decorrente


da globalização. Bauman assevera que, “as elites escolheram o isolamento
e pagam por ele prodigamente e de boa vontade. O resto da população
se vê afastado e forçado a pagar o pesado preço cultural, psicológico e
político do seu novo isolamento” (1999, p. 29). Tal isolamento passa a exi-
gir a constante prática de vigilância que se expressa no aumento sensível
de câmeras nos grandes condomínios de luxo, que objetivam afastar os
“vagabundos” de espaços a eles proibidos.

No caso brasileiro, fica evidente esta separação de classes sociais inclusive


nos espaços públicos, como por exemplo, os horários de frequentar sho-
pping center. Percebe-se uma movimentação durante o dia, em especial
nos dias de semana, por parte da elite, já nos finais de semana fica mais
restrito ao “resto” da população, dificilmente ambas as classes frequen-
tam os mesmos horários nos espaços públicos.

Outro exemplo são os espaços de lazer para crianças e jovens; a popula-


ção menos favorecida financeiramente utiliza e explora os espaços públi-
cos (praças e parques da comunidade), já a elite, prefere utilizar clubes
e áreas de lazer que os próprios shoppings centers disponibilizam. Esta
prática, muito além de dividir as classes concede certo ar de segurança
pelos muros e grades que separam os de dentro e os de fora. Ou seja,
as crianças e os jovens brasileiros já vêm enfrentando, ou melhor, sendo
moldados/formados para um modelo de sociedade que exclui e separa as
classes sociais.

Percebe-se a precarização das relações sociais. Para Bauman (2009) um


espaço é público na medida em que ali se aprendem e, sobretudo, se prati-
cam os costumes de uma vida urbana satisfatória, um espaço que permita
o livre acesso de homens e mulheres sem restrições. Somente os espaços
públicos que reconhecem o valor criativo da diversidade e sua capacidade
de tornar a vida mais intensa conseguem encorajar as pessoas a empe-
nhar-se num diálogo significativo. [...]

O individualismo que a modernidade instaurou traz consigo a insegu-


rança e a ideia de que o medo está em toda parte. Com a supervalorização
do indivíduo, estes acabam se sentindo frágeis e vulneráveis, o que antes

Geografia da População 79
5 Os efeitos da globalização sobre a população

não ocorria, ou ocorria em proporções menores, pois eram/se sentiam


mais protegidos pelos vínculos sociais existentes. Hoje, o que se percebe
no Brasil, tomando conta da mente da maioria dos cidadãos, é o medo de
ser inadequado.

Percebe-se que este medo está batendo na porta das casas dos cidadãos
brasileiros das mais diferentes classes sociais, principalmente, pelo prisma
de sentir-se inadequado. Em uma sociedade que valoriza mais o ter do
que o ser, como é o caso da sociedade brasileira, observa-se um comércio
fortemente relacionado à vinculação social, ao pertencimento à determi-
nados grupos. Sobretudo, um comércio reforçado pela mídia, que faz com
que muitos jovens brasileiros “exijam” de seus pais a aquisição de deter-
minado produto (de marca é claro) porque seus colegas têm, esperando
que, com a posse deste bem se sentirão incluídos no grupo. [...]

Atividades
1. Considerando-se os efeitos da globalização, analise a maneira como esse processo
pode ter se manifestado no município em que você reside. Para isso, busque infor-
mações tendo em mente as seguintes questões:

• Há indústrias ou grandes empresas nesse espaço? São nacionais ou multinacio-


nais? Qual a proporção do número de empregados dessas empresas no número
total de trabalhadores no município?
• Há desigualdades sociais no seu município? Como elas se manifestam nas
paisagens?
• Quais serviços sociais são disponibilizados no município? Eles são suficientes?
Todos têm acesso a eles de forma satisfatória?

De posse desses dados, elabore um texto expressando suas reflexões sobre o assunto,
relacionando-as às questões populacionais presentes no seu município.

2. É comum haver uma associação entre a globalização dos dias de hoje e os processos
similares de globalização de séculos passados. No entanto, na fase atual esse pro-
cesso se caracteriza de forma diferente das fases anteriores. Cite as características da
globalização na atualidade e destaque o motivo de ela se diferenciar dos processos
de globalização de períodos passados.

3. Ao se referir à dimensão política do consumo e destacar sua relação com a cidadania,


Santos (2007) afirma que, quando se confundem os termos cidadão e consumidor, a
moradia, a saúde e o lazer aparecem como conquistas pessoais e não como direitos
sociais. Destaque a importância da cidadania no contexto da sociedade de consumo.

80 Geografia da População
Os efeitos da globalização sobre a população 5
Referências
ALCOFORADO, Fernando. Globalização e desenvolvimento. São Paulo: Nobel, 2006.
BUSS, Paulo Marchiori. Globalização, pobreza e saúde. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12,
n. 6, nov./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n6/v12n6a17.pdf>. Acesso em:
10 jan. 2017.
CORDEIRO, Hésio. Descentralização, universalidade e equidade nas reformas da saúde. Ciênc. Saúde
Coletiva, São Paulo v. 6  n. 2, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v6n2/7005.pdf>.
Acesso em: 13 jan. 2017.
CORTEZ, Ana Tereza Caceres. Consumo e desperdício. In: CORTEZ, Ana Tereza Caceres; ORTIGOZA,
Sag. (Org.). Da produção ao consumo: impactos socioambientais no espaço urbano. São Paulo: Ed. da
Unesp; Cultura Acadêmica, 2009. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/n9brm/03>. Acesso em:
15 jan. 2017.
KAIZELER, Ana Catarina; FAUSTINO, Horácio. Efeitos da globalização nos países em desenvol-
vimento em termos de repartição do rendimento. Instituto Superior de Economia e Gestão, Lisboa,
2012. Disponível em: <https://www.iseg.ulisboa.pt/aquila/cursos/pded/research-papers/efeitos-da-
-globalizacao-nos-paises-em-desenvolvimento-em-termos-de-reparticao-de-rendimento>. Acesso em:
15 jan. 2017.
KINKARTZ, Sabine. Crescimento populacional e o desafio da alimentação. Laboratório de
Demografia e Estudos Populacionais do Departamento de Geociências da Universidade Federal de
Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012. Disponível em: <http://www.ufjf.br/ladem/2012/02/28/crescimento-
-populacional-e-o-desafio-da-alimentacao-por-sabine-kinkartz/>. Acesso em: 10 jan. 2017.
MARTINE, George. A globalização inacabada: migrações internacionais e pobreza no século 21. São
Paulo em Perspectiva, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/
v19n3/v19n3a01.pdf> Acesso em: 15 jan. 2017.
______. O lugar do espaço na equação população/meio ambiente. Revista Brasileira sobre Estudos.
Populacionais, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 181-190, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://www.abep.
nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol24_n2_2007/vol24_n2_2007_3artigo_p181a190.pdf>. Acesso em: 15
jan. 2017.
MUTEIA, Helder. O crescimento populacional e a questão alimentar. Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Portugal, 2014. Disponível em: <http://www.fao.
org/fileadmin/user_upload/faoweb/lisbon/docs/O_Pa%C3%ADs_25_7_2014.pdf>. Acesso em: 12 jan.
2017.
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Human Development Report 2015.
2015. Disponível em: <http://hdr.undp.org/sites/default/files/2015_human_development_report.pdf>.
Acesso em: 25 jan. 2017.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável Rio+20 – O futuro que queremos. Fatos sobre Alimentação: Documento
Final. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/alimentacao.pdf>. Acesso
em 15 jan. 2017.
SANTANA, Milena Lopes; KROM, Valdivino. A inserção do Brasil no processo de globalização
e sua contribuição na saúde da população brasileira. In: ENCONTRO LATINO AMERICANO DE
INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 10., e ENCONTRO LATINO-AMERICANO DE PÓS-GRADUAÇÃO, 6.,
2006, São José dos Campos. Anais... Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2006.
Disponível em: <http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2006/epg/06/EPG00000641_ok.pdf>. Acesso
em: 15 jan. 2017.

Geografia da População 81
5 Os efeitos da globalização sobre a população

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da


Geografia. 6. ed. São Paulo: Edusp, 2012.
______. O espaço do cidadão. 7. ed. São Paulo: Edusp, 2007.
______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2001a.
SANTOS, Tania Steren dos. Globalização e exclusão: a dialética da mundialização do capital.
Sociologias, Porto Alegre, ano 3, n. 6, p. 170-198, jul./dez. 2001b. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/soc/n6/a08n6.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2017.
SILVA, Harley; BARBIERI, Alisson Flávio; MONTE-MÓR, Roberto L. Demografia do consumo ur-
bano: um estudo sobre a geração de resíduos sólidos domiciliares no município de Belo Horizonte.
Revista Brasileira sobre Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 421-449, jul./dez. 2012.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v29n2/a12v29n2.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2017.
SILVA, Diziane Reis; MOURA, Eliana Perez Gonçalves. Globalização e sociedade do consumo: conse-
quências e desafios para a educação brasileira. In: CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE POLÍTICA
E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, 4., e CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE POLÍTICA E
ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, 7., 2014, Porto, Portugal. Anais... Porto, 2014. Disponível em:
<http://www.anpae.org.br/IBERO_AMERICANO_IV/GT6/GT6_Comunicacao/DizianeReisdaSilva_
GT6_integral.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2017.

Resolução
1. Nessa atividade você deve verificar a presença ou não de empresas multinacionais
no município onde vive e a forma como essas organizações influenciam a constru-
ção do espaço e a distribuição da renda. Nesse sentido, pode evidenciar os fatores
políticos e econômicos que influem nos indicadores sociais e na qualidade de vida
da população.

2. Destacam-se como características da atual fase da expansão capitalista a rapidez com


que ocorrem os fluxos de capitais, mercadorias e pessoas e a crescente influência do
processo de globalização nos aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais.

3. A cidadania é fundamental para a reflexão crítica sobre produção e consumo. Desse


modo, é possível colocar em questão os efeitos do consumismo e as dimensões a eles
relacionados, como o desafio da sustentabilidade, a distribuição de renda e o acesso
da população aos bens de consumo e à qualidade de vida.

82 Geografia da População
6
Raças, etnias e
povos do mundo

Introdução

Com a globalização ocorrem diversos contatos entre povos do mundo, seja por
intermédio dos meios de comunicação, seja por viagens, pelo mercado de trabalho
ou pela imigração. Nesse contexto, há sociedades ou grupos que apresentam pecu-
liaridades quanto à identidade cultural, pontos de vista, crenças e forma de interação
com a natureza.

O contato de um indivíduo com aspectos culturais e organizações sociais diferen-


tes pode ser marcado por resistências e conflitos. Por conta disso, diferentes teorias
sobre as relações internacionais foram sendo lançadas. Algumas já foram superadas,
outras suscitam intensos debates sobre raça, etnias e suas relações com os movimentos
da população pelo mundo.

Geografia da População 83
6 Raças, etnias e povos do mundo

6.1 Conceitos fundamentais sobre raça e etnias


Vídeo
É comum as pessoas pronunciarem o termo raça em diferentes contextos
no cotidiano, principalmente relacionando-o aos seres humanos. Mas, afinal,
o que é raça? Será que esse termo é apropriado para ser referir aos seres hu-
manos? Destaca-se, com esse questionamento, a importância das reflexões
sobre raça e etnia.

6.1.1 Raça
O conceito de raça, segundo Santos et al. (2010), engloba as características fenotípicas1,
como a cor da pele, por exemplo. No entanto, devido à sua ampla utilização, o debate sobre
o assunto tende a ser mais de cunho social do que científico.
A polêmica que envolve o tema se deve ao fato de que as primeiras teorias que tratavam
do conceito de raça estavam baseadas no paradigma de raça superior e raça inferior. Nesse
sentido, o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) pode ser considerado o fundador do
racismo científico, pois, a partir de suas elaborações, denominadas de evolucionismo social,
as tipologias e os sistemas classificatórios foram transplantados do mundo biológico para
o mundo cultural (CHAVES, 2003). As ideias desse cientista reforçavam o pensamento de
que determinadas características físicas e biológicas poderiam tornar povos e sociedades
superiores, se comparadas a outras.
Essa perspectiva de Spencer categorizou os povos como superiores, constituídos sobre-
tudo por europeus; e inferiores, cuja maior representatividade seriam os índios. Além disso,
Spencer classificou as sociedades com base no domínio técnico, considerando as industriais
como mais civilizadas e evoluídas. Dessa forma, as demais sociedades, como as agrícolas,
por exemplo, eram tidas como primitivas e atrasadas, devido à incapacidade de seus mem-
bros em melhorar as condições de existência e alcançar um promissor desenvolvimento eco-
nômico (CHAVES, 2003). Para Spencer, no processo de evolução social ocorria uma luta pela
supremacia, na qual naturalmente os povos superiores, por serem mais fortes e inteligentes,
pela sua persistência dominavam os povos mais fracos.
Influenciado pelas ideias de Spencer, Charles Darwin (1809-1874) também elaborou
preceitos evolucionistas baseados na noção de superioridade cultural e racial, reforçando o
paradigma de raças superiores e raças inferiores (CHAVES, 2003). Em seus preceitos, tam-
bém defendia que as raças superiores naturalmente dominavam as raças inferiores, conside-
rando-se as características biológicas e de seleção natural.
Relacionando o pensamento desses estudiosos à geografia, destaca-se que essa ciência
se desenvolveu num contexto ideológico e político, em que a ideia de raças superiores e
inferiores se manifestou nas teorias de produção do espaço pelas sociedades. Nasce, nes-
se contexto, a ideia de determinismo geográfico, tendo como seu principal representante
Friedrich Ratzel (1844-1904). Nessa perspectiva, o homem é determinado pelo meio no qual

1 Características morfológicas, fisiológicas e comportamentais de uma espécie ou indivíduo.

84 Geografia da População
Raças, etnias e povos do mundo 6
está inserido e, na luta pela sobrevivência, vencem os mais capazes de se adaptar ao meio
natural. Sendo assim, o clima europeu, por exemplo, por ser mais ameno, daria origem
a populações mais valentes e dominadoras, enquanto nas zonas quentes e equatoriais as
populações seriam mais preguiçosas e pouco dispostas – e, logo, deveriam ser dominadas
pelas mais fortes (RODRIGUES, 2008).
Ainda sobre as teorias de supremacia das “raças superiores”, destaca-se o trabalho
do médico e antropólogo brasileiro Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), no fim do
século XIX e início do século XX, o qual defendia o “branqueamento” da população, que
se daria devido à mistura de raças oriundas da imigração, a partir do pressuposto de
que a raça branca era superior às demais. “A ideia de formar um povo mais branco fazia
parte do pensamento da elite brasileira que acreditava, entre outras coisas, na ‘extinção’
dos elementos ‘inferiores’ por meio da mescla progressiva com imigrantes selecionados”
(NEVES, 2008, p. 243).
Hoje essas ideias são fortemente refutadas, visto que não são as condições naturais do
meio ou as características biológicas dos povos que determinam superioridade ou inferio-
ridade, e sim o domínio técnico e os interesses na interação entre sociedade e natureza. A
ciência contemporânea se contrapõe às classificações entre raças ou povos superiores ou
inferiores e considera que as bases teóricas para a análise das relações sociais no contexto
do debate sobre a questão racial precisam ser buscadas no contexto social e histórico, que,
como já citado, passou por transformações significativas ao longo do desenvolvimento
das sociedades.
Referindo-se especificamente ao termo raça, Santos et al. (2010) enfatizam que ele apre-
senta uma variedade de definições e que geralmente é utilizado para descrever um grupo
de pessoas que apresentam certas características morfológicas em comum. Os autores des-
tacam, ainda, que a maioria dos estudiosos sobre o assunto admite que o termo raça não é
científico e só pode ter significado biológico quando o ser se apresenta de forma homogênea
e estritamente pura, como em algumas espécies de animais domésticos – condições essas
que não são encontradas em seres humanos (SANTOS et al., 2010).
Sendo o genoma humano composto de cerca de 25 mil genes2, as diferenças mais apa-
rentes, como cor da pele, textura dos cabelos, formato dos olhos e do nariz são determinadas
por um grupo insignificante de genes. Desse modo, “as diferenças entre um negro africano
e um branco nórdico compreendem apenas 0,005% do genoma humano” (SANTOS et al.,
2010, p. 122). Assim, há um amplo consenso entre geneticistas e antropólogos de que, sob o
ponto de vista biológico, raças humanas não existem.
Evidencia-se, portanto, que o conceito de raça envolve uma dimensão social, já que,
ao longo da evolução das ciências, tentou-se desenvolver bases teóricas para comprovar
“cientificamente” a superioridade de uma “raça” sobre outras. No entanto, considerando o
contexto social e histórico que marca as sociedades, não há bases para outro debate que não
seja pelo viés social e pela busca da superação de preconceitos, sobretudo o racial.

2 Sequência de nucleotídeos no DNA que contém informação genética.

Geografia da População 85
6 Raças, etnias e povos do mundo

6.1.2 Etnia
Buscando uma conceituação de etnia a partir do significado dessa palavra, tem-se a
acepção de “gentio”, que é proveniente do adjetivo grego ­ethnikos, relacionado à “gente es-
trangeira”. O termo etnia foi concebido pelo antropólogo francês Georges Vacher de Lapouge
(1854-1936), com base no paradigma de raças superiores e raças inferiores, e apontava a mis-
cigenação como um fator negativo para o desenvolvimento dos povos.
O emprego do termo etnia ganhou força no início do século XIX, para distinguir as ca-
racterísticas culturais próprias de um grupo, como os costumes e as línguas. Considerando
que o conceito de raça vem sendo cada vez mais refutado, a concepção de etnia vem ga-
nhando espaço nas ciências sociais, apesar de ser apontado como um conceito que deve ser
melhor compreendido (SILVA; SILVA, 2006).
Etnia se refere, portanto, ao âmbito cultural de um grupo ou comunidade humana liga-
da por afinidades linguísticas e semelhanças genéticas. Independentemente dos laços con-
sanguíneos, a etnia envolve o sentimento de pertencer a um grupo e compartilhar aspectos
culturais. Trata-se de um conceito “polivalente, que constrói a identidade de um indivíduo
resumida em: parentesco, religião, língua, território compartilhado e nacionalidade, além da
aparência física” (SANTOS et al., 2010, p. 122).
Referindo-se ao debate atual sobre o conceito de etnia, Silva e Soares (2011) destacam
que este envolve a noção de universo cultural que cerca o indivíduo. O fazer parte de um
grupo étnico não significa necessariamente possuir características físicas semelhantes, mas,
mais do que isso, avança no sentido de compreender a dimensão sociocultural e as experiên-
cias incomuns que ligam indivíduos ou comunidades num mesmo grupo.
Essa mudança de abordagem do conceito de etnia que valoriza os elementos sociocultu-
rais de um grupo ou comunidade é imprescindível para a análise das trocas, aculturações e
processos de resistências e transformações que podem ocorrer na interação de determinado
grupo étnico com aspectos das demais culturas. Com os movimentos migratórios caracterís-
ticos das populações ao longo do tempo, os intercâmbios e o advento da globalização, um
determinado grupo étnico, ainda que de forma incipiente, pode ter e conhecer aspectos de
diferentes culturas, origens e identidades.
Destaca-se, ainda, a diferença entre etnia e grupo étnico. A etnia, segundo Silva e Silva
(2006), caracteriza-se por abranger um número significativamente extenso de pessoas, o que
não permitiria uma interação direta entre todas elas. Já o grupo étnico se constitui num
conjunto de pessoas que mantêm interação entre todos os seus membros, além das caracte-
rísticas que distinguem uma etnia.
A análise da evolução histórica sobre etnia revela que esse conceito não teve caráter es-
tático ao longo do tempo, e diversas ideias, inclusive limitadas e ideológicas, como a questão
da superioridade de um grupo, por exemplo, foram a ele atribuídas. Desse modo, a ressig-
nificação do conceito de etnia considera as dimensões socioculturais, os debates científicos e
os embates políticos e sociais entre os diversos grupos humanos.

86 Geografia da População
Raças, etnias e povos do mundo 6
6.2 Os conflitos étnicos
Vídeo
As características culturais e a identidade dão origem a diversos grupos
étnicos. No entanto, alguns grupos encontram desafios significativos para
mantê-las. Assim, destaca-se o papel do Estado (como organização política
e territorial) em garantir direitos e buscar soluções para eventuais conflitos.

6.2.1 Relações entre etnia e Estado


Na análise dos conflitos étnicos, destaca-se o papel do Estado em garantir as condições
básicas de vida dos seus habitantes. No entanto, diversas são as ações e os interesses do
Estado em relação aos conflitos étnicos.
Ao se referir às relações entre etnia e Estado, Vigevani, Lima e Oliveira (2008) destacam
que o tráfico de escravos dos séculos XVI, XVII e XVIII, as correntes migratórias dos séculos
XIX e XX, entre outros fatores, deram origem ao um mundo no qual já não existem Estados
que não sejam constituídos por uma mistura de povos, etnias e culturas. Em diversos desses
Estados, embora ocorram problemas eventuais, pode-se observar uma convivência pacífica
entre seus habitantes, como, por exemplo, no Brasil.
Há ainda os Estados nos quais a diversidade étnica é valorizada devido às políticas
públicas que lhes dão suporte. No entanto, em outros Estados os conflitos étnicos estão esta-
belecidos há longa data com vários focos de tensão. Ao abordar os fatores que desencadeiam
os focos de conflitos étnicos, Vigevani, Lima e Oliveira (2008) revelam que a afirmação de
que os conflitos ocorrem apenas em função do ódio determinado pela diversidade ou pela
disputa de poder pode deixar de considerar a complexidade que envolve essa problemática.
Nessa perspectiva, aspectos como a ideologia, a coesão de um grupo e o apego às iden-
tidades podem ser direcionados para diferentes interesses. Em relação aos interesses do
Estado, esses aspectos podem ser usados para o estabelecimento de poder. Como exemplo,
Vigevani, Lima e Oliveira (2008) citam que nos Estados Unidos os partidos políticos buscam
apoio em comunidades étnicas, constituindo, portanto, a princípio, uma coalizão multiétnica.
Desse modo, os candidatos fazem promessas nas campanhas eleitorais e governantes e le-
gisladores tomam certas medidas, visando angariar votos de determinados grupos étnicos.
Destaca-se, ainda, a relação entre Estado e a segregação ou discriminação de grupos
étnicos. Barata (2009, p. 65) afirma que alguns desses grupos “sofrem vários tipos de des-
vantagens, acumulando-se os efeitos da discriminação econômica, segregação espacial, ex-
clusão social, destituição do poder político e desvalorização cultural”. A autora também
salienta a restrição de possibilidades de acesso a oportunidades de educação e emprego e a
ausência de mobilidade social.
No Brasil, apesar de não ter se consolidado um sistema de segregação étnica, segundo
Barata (2009), a população negra sofre sistematicamente maior desvantagem social e se con-
centra nas regiões mais pobres do país. Além disso, seu nível de desenvolvimento humano

Geografia da População 87
6 Raças, etnias e povos do mundo

(IDH) é menor que o da população geral, assim como seu acesso ao saneamento básico,
mercado de trabalho e à educação.
Também se referindo à relação entre Estado e etnia, Chiriboga (2006) afirma que
os Estados têm obrigação de proteger e promover a diversidade cultural e adotar
políticas que favoreçam a inclusão e a participação de todos os cidadãos, para
que se garanta, assim, a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz.
(CHIRIBOGA, 2006, p. 44)
Evidencia-se, dessa forma, que a resolução dos conflitos e a garantia dos cidadãos à
vida digna e ao bem-estar passa pelas ações do Estado na promoção de políticas voltadas ao
respeito às diferenças e ao convívio na diversidade.

6.2.2 Etnias e direitos humanos


No contexto dos conflitos étnicos, perseguições, disputa por territórios, lutas armadas,
preconceitos religiosos, entre outros fatores, afetam a dignidade e o direito à vida e à liber-
dade. Nesse sentido, destaca-se a importância dos direitos humanos. Para uma melhor com-
preensão dessa temática, faz-se necessária uma reflexão sobre esse conceito e sua evolução.
Abordando o conceito de direitos humanos numa perspectiva histórica, Rabenhorst
(2008) destaca que os primeiros direitos foram estabelecidos no século XVIII, com a deno-
minação de direitos civis e políticos, tendo como sujeitos de direito os indivíduos sobre os
quais versam a liberdade de ir e vir, de se expressar, de pensar, de manifestar suas crenças
religiosas, entre outros.
No século XIX, surgiram os direitos econômicos, sociais e culturais, cujos sujeitos tam-
bém são os indivíduos, mas considerados sob o ponto de vista da coletividade e no plano da
distribuição dos recursos sociais. De acordo com Rabenhorst (2008, p. 18), “são chamados
‘direitos-prestação’, posto que exigem uma intervenção por parte do Estado de maneira
a suprir as necessidades mais básicas dos indivíduos e a propiciar o próprio exercício das
liberdades individuais” (grifo nosso).
O século XX foi o mais significativo em termos de expansão dos direitos humanos.
Segundo Rabenhorst (2008), foram estabelececidos os “direitos difusos”, os quais não têm
um sujeito específico de direito, mas sim a humanidade como um todo, e envolvem o di-
reito à paz, ao desenvolvimento, às condições ambientais adequadas, à realização por meio
do trabalho e ao acesso a meios dignos de subsistência. Ainda no século XX, surgem o que
Rabenhorst (2008, p. 18) chama de “direitos mais exóticos”, “que tratam dos animais, da
natureza e dos embriões, por exemplo”. Evidencia-se, desse modo, que os direitos humanos,
ao longo do tempo, passaram por um processo de expansão e também de especialização.
Assim, o que hoje se convencionou chamar de direitos humanos, segundo Rabenhorst
(2008), são aqueles correspondentes à dignidade dos seres humanos, não porque o Estado os
definiu por meio de suas leis ou por acordos da sociedade. São direitos que o sujeito possui
pelo simples fato de ser humano.

88 Geografia da População
Raças, etnias e povos do mundo 6
Relacionando etnias e direitos humanos, Vigevani, Lima e Oliveira (2008) distinguem
dois cenários. No primeiro destacam-se as sociedades multiétnicas, onde as relações entre
indivíduos e grupos ocorrem sem maiores embates. Quando ocorrem, o Estado tem capa-
cidade para equacioná-los e solucioná-los de maneira compatível com a perspectiva dos
direitos humanos. Em relação à capacidade do Estado nesse contexto, “não significa que
não ocorram violações desses direitos, já que é improvável que exista um Estado no qual os
direitos humanos não sejam infringidos de algum modo” (VIGEVANI; LIMA; OLIVEIRA,
2008, p. 186). Entretanto, a sociedade, nesse cenário, tem certa confiança de que o Estado
poderá dirimir os conflitos sem, necessariamente, recorrer à violação dos direitos humanos.
No segundo cenário, conforme Vigevani, Lima e Oliveira (2008), o Estado perde ou ne-
gligencia sua capacidade em dirimir e buscar soluções para os conflitos ou, simplesmente,
não quer solucioná-los, o que constitui uma ausência de resposta às demandas de direitos
humanos da sociedade ou de parte dela. Assim, “indivíduos e grupos começam a ver uns
nos outros uma ameaça à sua existência e aos seus interesses; nesse contexto, a eliminação
dessa ameaça passa a ter caráter prioritário” (VIGEVANI; LIMA; OLIVEIRA, 2008, p. 188).
Essa ausência de resposta do Estado se constituiria em um retorno de indivíduos ou
grupos sociais às formas primitivas de vida, ou seja, o “fazer justiça com as próprias mãos”.
Nesse contexto, quanto mais a sociedade recorre à violência para atingir seus propósitos
políticos, maior é o desgaste da figura do Estado e sua falência na capacidade de solucionar
conflitos (VIGEVANI; LIMA; OLIVEIRA, 2008). Desse modo, ainda segundo os autores, há
um rompimento dos valores e normas essenciais sobre os quais se fundamentam o regime
internacional de direitos humanos que vem se consolidando desde 1948, com a Declaração
Universal do Direitos Humanos (ONU, 1998), e complementado pela Declaração de Viena e
o Programa de Ação de 1993 (ONU, 1993).
Diante da “falência” do Estado, surgem atores não estatais transnacionais que intervêm
nesses conflitos para a busca de soluções e garantias dos direitos humanos. Vigevani, Lima
e Oliveira (2008) citam como exemplos dessa intervenção internacional os episódios ocorri-
dos na última década do século XX e na primeira década do século XXI, na Iugoslávia, no
Afeganistão, no Iraque, em Ruanda, Sudão e Israel-Palestina, nos quais ocorreram ações
internacionais de caráter humanitário como forma de garantir o bem-estar da população.
Essas intervenções, no entanto, não estiveram isentas de interesses políticos e econômicos
por parte das nações que as realizaram.

6.3 A xenofobia e suas causas


Vídeo
As migrações possibilitam o encontro de povos com culturas, pontos de
vista, crenças e modos de se relacionar diferentes. Nesse contexto, podem
surgir resistências ao estabelecimento de imigrantes em determinados terri-
tórios, com a manifestação de preconceitos e exclusão social.

Geografia da População 89
6 Raças, etnias e povos do mundo

6.3.1 Xenofobia e preconceito


Para o entendimento da xenofobia é fundamental analisar o significado desse conceito.
De acordo com o Dicionário Houaiss (2008), xenofobia refere-se à repulsa ou aversão ao que é
estrangeiro. Conforme Koltai (2008, p. 67), “xenofobia é um termo que vem do grego e que
quer dizer ‘medo do estrangeiro’ – a palavra xenos remetendo, em grego, tanto ao estrangei-
ro como ao hóspede, aquele que se acolhe e honra”. Também na definição de Amaral (2016),
de forma literal a xenofobia pode ser traduzida como o medo de estrangeiros. Num sentido
mais amplo, trata-se da discriminação contra pessoas estrangeiras, que geralmente se mani-
festa em expressões de ódio.
Nesse sentido, o xenófobo assume comportamento de intolerância em relação a pessoas
que vêm de outros países e culturas, o que desencadeia diversas reações. Entre elas, o pre-
conceito, definido por Dine (1997) como “pré + conceito”, o seja, um julgamento antecipado
sem conhecer ou ouvir o outro. Trata-se, portanto, de uma posição baseada no senso co-
mum, sem uma reflexão ou busca de conhecimento, uma ideia pré-concebida. Ao se referir
ao preconceito, Silva (2010, p. 562) o destaca como um “sentimento de desconsideração e
desmerecimento do outro ou da concepção de que esse outro, por algum motivo, possa ser
alguém de menor valor e possuir menos direitos [...]”.
Entretanto, nem todas as formas de preconceito contra estrangeiros, minorias étnicas,
diferenças culturais ou crenças podem ser consideradas xenofobia, pois, segundo Vaitsman
(1998), em vários casos elas são atitudes associadas a ideologias, motivações políticas ou
choque de culturas. Conforme destaca Amaral (2016), pertencer a uma nação geralmente é
sinônimo de trazer consigo uma herança étnica com uma cultura distinta das demais nações.
Nessa perspectiva, o estrangeiro é visto com herdeiro de uma cultura diferente e com
potencial de ameaçar a integridade da própria nação, o que pode gerar sentimento de re-
pulsa em alguns habitantes do país para o qual o migrou. Assim, atitudes discriminatórias
podem ser enfrentadas pelo estrangeiro no seu cotidiano, como dificuldade de acesso a ser-
viços públicos, emprego e condições de subsistência digna. De acordo com Amaral (2016),
isso ocorre devido à valorização exaltada da própria nação, ou seja, de um nacionalismo
excessivo, que acaba por fomentar a xenofobia.
Advindo da xenofobia, o preconceito se expressa em comportamentos que beiram o
fascismo, com discursos de ódio e repulsa ao estrangeiro. Conforme Santos (2016), esse pre-
conceito dificulta a inserção e permanência de estrangeiros nos países e desvaloriza as ações
voltadas às demandas sociais dessa população. Dessa forma, “obstaculizam ações que de
fato reconheçam a liberdade associada à ampliação e consolidação da cidadania” do habi-
tante estrangeiro (SANTOS, 2016, p. 8).

90 Geografia da População
Raças, etnias e povos do mundo 6
Desse modo, evidencia-se a importância do debate e estabelecimento de políticas que
visem à consolidação da cidadania do estrangeiro e ao combate a preconceitos e todas as
formas de discriminação. Nesse processo, destaca-se a importância das reflexões sobre os
motivos que geram o preconceito e da busca de sua superação.

6.3.2 Consequências da xenofobia


Um dos fatores essenciais para garantir aos imigrantes seu estabelecimento e suas con-
dições de subsistência nos países de destino é sua inserção no mercado de trabalho. Mas esse
mesmo fator pode também se constituir num mecanismo de xenofobia. Conforme Santos
(2016), o mercado de trabalho para estrangeiros é seletivo e discriminatório, principalmen-
te para as pessoas provenientes dos países pobres e periféricos. Ainda segundo a autora,
a atual fase do capitalismo, estruturado na circulação de moedas, mercadorias e pessoas,
inibe a livre circulação da força de trabalho, pois os movimentos sociolaborais são definidos
a cada momento, conforme as necessidades do mercado “de avançar ou retrair a produção
nesta ou naquela região, em função de estratégias de dominação” (SANTOS, 2016, p. 13).
Embora a entrada de imigrantes num país apresente uma vantagem sob o ponto de
vista do mercado, já que amplia o exército de mão de obra à disposição para a exploração,
os direitos trabalhistas estão sendo cerceados. Nessa perspectiva, “novos limites impostos
à liberdade de circulação da força de trabalho no mundo desencadeiam, em escala global, a
volta das concepções do pensamento conservador de que a imigração leva à ‘superpopula-
ção’, causando problemas econômicos e sociais” (SANTOS, 2016, p. 11-12).
Ao se referir à relação entre mercado de trabalho e xenofobia, Vaitsman (1998) desta-
ca o padrão fragmentário na forma como os imigrantes se inserem no mundo produtivo.
Segundo a autora, há “uma segmentação do mercado em pelo menos dois setores: um pro-
tegido e outro não regulado. E a informalidade tem se ampliado com a implementação de
políticas de ajuste recessivas que reduzem o nível de emprego formal” (VAITSMAN, 1998,
p. 564). Tal informalidade reduz as possibilidades do estabelecimento do imigrante de for-
ma a garantir a ele condições financeiras mais promissoras e com qualidade de vida, o que
pode se converter em situações de exclusão social e discriminação.
A visão do imigrante como um concorrente na busca de inserção no mundo do trabalho
pode, conforme Santos (2016), inibir os laços de solidariedade. Por esse motivo, em diversos
casos não “é de estranhar que ‘estrangeiros’ sejam abertamente hostilizados como concor-
rentes na disputa pelos minguados recursos da sociedade” (VAITSMAN, 1998, p. 567).
Evidencia-se, assim, a necessidade de amplos debates e do estabelecimento de políticas
que possam garantir a subsistência e a integração do imigrante como sujeito de direitos, com
pleno exercício da cidadania.

Geografia da População 91
6 Raças, etnias e povos do mundo

Ampliando seus conhecimentos

Etnicidade
(VIGEVANI; LIMA; OLIVEIRA, 2008, p. 189-191)

[...]

Existe entre os estudiosos da etnicidade um grande debate a respeito de


como defini-la e caracterizá-la. Examinando alguns autores, Szayna (2000)
entende que há três grandes perspectivas sobre o tema: a primordialista, a
epifenomenalista e a construtivista.

A perspectiva primordialista baseia-se no argumento de que os grupos


étnicos são, a priori, “unidades naturais que têm sua coesão derivada de
inerentes traços biológicos, culturais ou raciais”, que se tornam elementos
de diferenciação social especificamente pela dicotomia “nós” e “eles” (ibi-
dem:18). De acordo com essa perspectiva, “os grupos étnicos funcionam
como universos insulares”.

O pertencimento a esses grupos é definido pelo acidente do nascimento e,


a partir dele, a percepção de que somos distintos uns dos “outros” se con-
solida ao longo da vida. À medida que os indivíduos aprendem e exerci-
tam sua cultura particular e passam a se relacionar socialmente, seja com
os membros de seu próprio grupo, seja com outros grupos, essa distinção
vai se afirmando através da comparação das diferenças que existem entre
uns e outros.

A perspectiva epifenomenalista, de inclinação marxista, “nega que a etni-


cidade, como fenômeno social, tenha qualquer base biológica inerente”.
Para os epifenomenalista, “são as estruturas de classe e os padrões ins-
titucionalizados de poder na sociedade que são fundamentais para
explicar eventos políticos, em detrimento de qualquer outra formação
social baseada na biologia ou na cultura como a ‘etnicidade’” (ibidem).
Contrariamente à perspectiva primordialista, os epifenomenalistas enten-
dem que as questões étnicas funcionam como uma neblina que encobre
as lutas políticas e econômicas. A etnicidade sozinha é, “portanto, mera-
mente uma aparência incidental, não é verdadeiramente causa geradora
de nenhum fenômeno social”.

A terceira perspectiva, denominada construtivista, deriva do pensamento


weberiano e baseia-se no argumento de que a etnicidade é real, mas cons-
truída. Os grupos étnicos são

92 Geografia da População
Raças, etnias e povos do mundo 6
[...] aqueles grupos humanos que desfrutam de uma crença sub-
jetiva de descendência comum por causa de similaridades físicas,
culturais ou ambas, ou por causa de memórias da colonização e
migração. Essa crença deve ser importante para a propagação da
formação do grupo; não importa se efetivamente há ou não um
relacionamento de sangue (tradução dos autores).

Combinada com outros fenômenos sociais, a etnicidade pode ser direcio-


nada à ação social. De acordo com Horowitz (1998), na prática raramente
se trabalha com essas perspectivas de forma rígida, aplicando-se a O con-
ceito [de etnicidade] vincula três componentes cruciais: características
diferenciadoras (qualquer e/ou todas das seguintes: fé, língua, fenótipos,
origem ou concentração populacional em uma dada região), um senti-
mento de solidariedade grupal e contato com outro grupo para que se
estabeleça a ideia de “outro”.

A etnicidade pode ser definida como o sentimento de afinidade que é com-


partilhado pelos membros de um grupo. O pertencimento a esse grupo,
por sua vez, parte do “mito” da ascendência comum e, ao mesmo tempo,
da noção de distinção. O grupo étnico deve ser maior do que o familiar,
embora o sentimento de afinidade compartilhada, que deriva do mito da
ascendência, possa ser bastante semelhante àquele que caracteriza os laços
de família – ainda que a ascendência não seja o único fator capaz de gerar
sentimentos coletivos. Para Moore, o que caracteriza os grupos étnicos são
as fronteiras linguísticas, culturais, raciais e/ou religiosas. Um indivíduo
pode ser membro de um grupo étnico “[...] via autoidentificação, por ser
tratado como tal por não-membros do seu grupo ou em ambos os casos”

Na visão de Hobsbawm, a etnicidade está ligada à origem e à descendên-


cia comuns, de forma que “[...] a base crucial de um grupo étnico, como
forma de organização social, é cultural e não biológica”.

As várias definições e caracterizações atribuídas à etnicidade mostram a


complexidade dos temas a ela relacionados. Para nossos objetivos, o que
importa é captar a realidade das consequências políticas que deles decor-
rem, seja no plano interno dos países, seja pelos efeitos desestabilizadores
que acarretam nos âmbitos regionais e mundiais. A falta de consenso em
torno das definições do termo não diminui sua importância no debate
sobre os grandes problemas vividos pela humanidade ao longo do século
XXI. Dessa forma, conhecer a estrutura do conflito étnico pode ser útil
na medida em que ajuda a pensar sobre a perda – ou a negligência – da
capacidade dos Estados de dirimir os conflitos internos ou sobre sua

Geografia da População 93
6 Raças, etnias e povos do mundo

disposição de promover os direitos humanos. Constatada sua incapaci-


dade, esses Estados poderiam ser definidos como Estados falidos e, nessa
condição, possivelmente estaria legitimada a ingerência internacional. [...]

Atividades
1. De acordo com os conceitos de raça, há uma certa polêmica que envolve o assun-
to e diferentes interpretações sobre essa conceitualização. No entanto, existe amplo
consenso entre geneticistas e antropólogos de que, sob o ponto de vista biológico,
raças humanas não existem. Entreviste pelo menos três pessoas para saber o que
elas definem como raça e se aplicam esse conceito aos seres humanos (por questões
de ética na pesquisa, garanta o sigilo dos entrevistados; para isso, use somente as
terminologias entrevistado a; entrevistado b; entrevistado c).

De posse das informações e tendo como base as reflexões sobre o conceito de raça,
registre por escrito as conclusões a que chegou.

2. Conforme Barata (2009), é comum a segregação e discriminação de determinados


grupos étnicos, tendo como consequência a exclusão social e a desvalorização cul-
tural. Busque e apresente informações sobre grupos étnicos excluídos e discrimina-
dos no Brasil. Para isso, tenha como referência questões como: a) características dos
grupos; b) tipo de exclusão a que são submetidos; c) fatores que geram a exclusão e
discriminação; d) o papel do poder público em transpor a exclusão/discriminação.

3. Busque reportagens sobre os temas imigração e xenofobia. Analise as situações noticia-


das tendo como referência as questões: a) De quais grupos partiram as ações xenofó-
bicas?; b) Houve intervenção de entidades nacionais ou internacionais?; c) Quais as
consequências da xenofobia para os alvos dessa prática?

Elabore um texto expressando as conclusões a que chegou.

Referências
AMARAL, Rodrigo Augusto Duarte. Violência cultural: xenofobia, terrorismo e o adven-
to da intolerância nas relações transnacionais. Disponível em: <http://unesp.academia.edu/
RodrigoAugustoDuarteAmaral> Acesso em: 20 jan. 2017.
BARATA, Rita Barradas. As desigualdades étnicas necessariamente significam racismo? In: ______.
Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009. Disponível
em: <http://static.scielo.org/scielobooks/48z26/pdf/barata-9788575413913.pdf>. Acesso em: 20 jan.
2017.

94 Geografia da População
Raças, etnias e povos do mundo 6
CHAVES, Evenice Santos. Nina Rodrigues: sua interpretação do evolucionismo social e da psico-
logia das massas nos primórdios da psicologia social brasileira. Psicologia em Estudo, Maringá,
v. 8, n. 2, p. 29-37, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1413-73722003000200004>. Acesso em: 20 jan. 2017.
CHIRIBOGA, Oswaldo Ruiz. O direito à identidade cultural dos povos indígenas e das minorias
nacionais: um olhar a partir do sistema interamericano. SUR – Revista Internacional de Direitos
Humanos, n. 5, ano 3, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sur/v3n5/v3n5a03.pdf>. Acesso
em: 20 jan. 2017.
DINES, Alberto. Mídia, civilidade, civismo. In: LERNER, Julio (Ed.). O preconceito. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 1997.
HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
KOLTAI, Caterina. Racismo: uma questão cada vez mais delicada. Revista IDE – Psicanálise e Cultura,
São Paulo, v. 31, n. 46, 2008. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ide/v31n46/v31n46a24.
pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.
NEVES, Márcia. A concepção de raça humana em Raimundo Nina Rodrigues. Filosofia e História
da Biologia, v. 3, p. 241-261, 2008. Disponível em: <http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03-13-
Marcia-Neves.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.
ONU. Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração de Viena e Programa de Ação de 1993.
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena.html>. Acesso em: 20 jan. 2017.
______. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.
org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.
RABENHORST, Eduardo R. O que são direitos humanos? In: ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares;
FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; NÁDER, Alexandre Antonio Gili (Org.). Direitos humanos: ca-
pacitação de educadores. João Pessoa: Ed. da UFPB, 2008. Disponível: <http://www.ufal.edu.br/ae-
dhesp/bibliteca-virtual/downloads/modulo-1-capacitacao-de-educacao-dos-em-direitos-humanos-re-
dhbrasil>. Acesso em: 20 jan. 2017.
RODRIGUES, José de Jesus Auro. Geografia: introdução aos estudos geográficos. São Paulo: Avercamp,
2008.
SANTOS, Cleusa. Xenofobia. Brasília: Conselho Federa de Serviço Social, 2016. (Série Assistente Social
no Combate ao Preconceito, Caderno 5). Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS-
Caderno05-Xenofobia-Site.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.
SANTOS, Diego Junior da Silva et al. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar. Dental Press
J. Orthod., v. 15, n. 3, maio/jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/dpjo/v15n3/15.pdf>.
Acesso em: 20 jan. 2017.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto, 2006.
SILVA, Maria Aparecida Lima; SOARES, Rafael Lima Silva. Reflexões sobre o conceito de raça e et-
nia. Entrelaçando – Revista Eletrônica de Culturas e Educação, Caderno Temático: Educação e
Africanidades, ano 2, n. 4, p. 99-115, nov. 2011. Disponível em: <http://www2.ufrb.edu.br/revistaen-
trelacando/component/phocadownload/category/133?download=144>. Acesso em: 20 jan. 2017.
SILVA, Sérgio Gomes. Preconceito e discriminação: as bases da violência contra a mulher. Revista
Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, v. 30, n. 3, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
pcp/v30n3/v30n3a09.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.

Geografia da População 95
6 Raças, etnias e povos do mundo

Resolução
1. Nessa questão, espera-se que você detecte nas entrevistas a relação que muitos fa-
zem do conceito de raça com diversos povos, como, por exemplo, “raça de gente tal”.
No entanto, relacionando as falas dos entrevistados aos conceitos trabalhados no
texto, você concluirá que, socialmente, não faz sentido falar em raças para se referir
ao contexto social dos grupos humanos.

2. Nessa atividade, você deve encontrar e relatar informações relacionadas aos grupos
minoritários, por exemplo, alguns grupos indígenas brasileiros que encontram difi-
culdades em manter suas terras, seus direitos e seus aspectos culturais.

3. Nessa questão você deve encontrar notícias sobre diferentes grupos étnicos que so-
frem perseguições relacionadas à xenofobia ou sobre as dificuldades que imigrantes
encontram para se estabelecer, sobretudo, nos países europeus. Espera-se que você
detecte as ações do Estado ou de instituições internacionais na busca de soluções
para os conflitos ou a garantia dos direitos humanos.

96 Geografia da População
7
População e meio ambiente

Introdução

Desde os primórdios da humanidade, os avanços de domínio técnico vêm permi-


tindo ampliar as formas de interação entre sociedade e natureza. Para atender diferen-
tes necessidades e interesses, sobretudo após a Revolução Industrial, formas preda-
tórias de exploração dos recursos naturais criadas pelo homem têm causado diversos
impactos ambientais.

Considerando o aumento populacional e a crescente demanda por recursos natu-


rais, vários desafios se colocam na busca de formas de interação com a natureza que
amenizem tais impactos e promovam a conservação do meio ambiente. Além da
dimensão ambiental desses impactos, sua análise exige considerar também a forma
como essa problemática se relaciona com os fenômenos populacionais.

Geografia da População 97
7 População e meio ambiente

7.1 Os conceitos de meio ambiente e população


Vídeo
Ao pensar sobre meio ambiente, é comum vir à mente florestas, rios,
plantas, animais. Porém, quando se reflete sobre a relação entre o ser huma-
no e o meio ambiente, este termo ganha uma conotação mais específica, o que
envolve considerar também seus aspectos sociais.

7.1.1 O conceito de natureza


Diversos movimentos sociais ganharam impulso significativo na década de 1960, entre
eles o movimento ecológico, que trouxe ao debate reflexões e ampliação dos conceitos re-
ferentes às questões ambientais. Nessa perspectiva, segundo Gonçalves (2006), abordagens
críticas envolvendo o modo de produção capitalista, o modo de vida consumista e as ações
do cotidiano passaram a ser uma importante categoria de análise.
Assim, questões como desmatamento, extinção de espécies, uso de agrotóxicos, explo-
são demográfica, poluição da água e do ar, urbanização desenfreada, diminuição das áreas
cultiváveis devido à construção de grandes barragens, ameaça nuclear, guerra bacteriológi-
ca, corrida armamentista e tecnologias que possibilitam concentração de poder ganharam
destaque nos debates ambientais.
No que diz respeito aos conceitos associados aos problemas ambientais, destacam-se
os debates e a ressignificação de meio ambiente e os paradigmas1 que o sustentaram ao longo
da sua evolução. Assim, meio ambiente, que numa concepção mais tradicional era relacio-
nado apenas aos aspectos físicos e naturais, passou a ter uma conotação mais abrangente,
envolvendo também uma dimensão social. Mas o entendimento dessa evolução conceitual
do termo meio ambiente requer reflexões também sobre a evolução de outro conceito, qual
seja, o de natureza.
A análise dos contextos de aplicação do termo natureza revela que, na maioria das vezes,
refere-se apenas aos aspectos de flora e fauna, como as florestas, os pássaros, os animais.
Trata-se, portanto, de ideias preestabelecidas, que retiram do debate e análise a dimensão
social que envolve esse conceito. É como se o ser humano, como ser social, também não
fizesse parte da natureza. Nesse sentido, faz-se necessário refletir e (des)construir esse con-
ceito a partir de discussões e reflexões que possibilitem ampliar as perspectivas de modo a
incorporar a ele os aspectos sociais (LIMA; OLIVEIRA, 2011).
Referindo ao mesmo conceito, Gonçalves (2006, p. 23) afirma que “toda sociedade, toda
cultura, cria, inventa uma determinada ideia do que seja natureza. Nesse sentido, o con-
ceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens”. Para

1 De acordo com Kuhn (2011, p. 13), um paradigma pode ser definido, de modo simplificado, como “as
realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modulares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.

98 Geografia da População
População e meio ambiente 7
evidenciar sua premissa, o autor destaca que as sociedades indígenas tradicionais são evoca-
das como modelos de uma relação harmônica entre ser humano e natureza, já que os indíge-
nas retiram dela apenas o que é necessário para o seu sustento. Essa forma de se relacionar
com o meio ambiente não provoca modificações significativas como os impactos gerados
pelas sociedades industriais.
Nessa perspectiva, explicita-se claramente os paradigmas de interação entre ser huma-
no e natureza. Desse modo, na concepção indígena tradicional, o ser humano está para a
natureza, que é vista como uma “progenitora”, aquela que provê os meios de subsistência
humana, e, como tal, é respeitada ou reverenciada. Por outro lado, nas sociedades indus-
triais, o conceito de natureza é visto a partir da concepção de que a natureza está para o
homem. Assim, ela “é um objeto a ser dominado por um sujeito, o homem, muito embora
saibamos que nem todos os homens são proprietários da natureza (GONÇALVES, 2006, p.
26). Gonçalves destaca que a maioria dos seres humanos é considerada também como obje-
tos (no sentido de força de trabalho para a exploração) que podem ser descartados.
Essa separação entre ser humano e natureza, ainda de acordo com o autor, é uma carac-
terística marcante do pensamento do chamado mundo ocidental, cujas origens vêm da Grécia
e Roma clássicas. Tal distinção, segundo Gonçalves (2006, p. 23), “constitui um dos pilares
[por meio] do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espi-
ritual, enfim, a sua cultura”. Essa perspectiva de dominação da natureza como se o homem
dela não fizesse parte cristalizou-se a partir da Revolução Industrial, evidenciando uma
concepção que desconsidera a dimensão social do meio.
Esse paradigma se manifestou de forma significativa na elaboração das bases científicas
e do advento das ciências, sendo que as ciências da natureza tiveram sua gênese separadas
das ciências do homem. Analisando essa separação em nossos dias, Dulley (2004) destaca
que não se pode dissociar o natural do social, pois, além da degradação do meio ambiente,
outros temas, como a exploração intensa da força de trabalho com precárias remunerações,
as desigualdades sociais, o trabalho infantil e o tratamento cruel aos animais, são considera-
dos parte da interação com a natureza.
Deve-se admitir, portanto, que o conceito de natureza é uma construção social, ou seja,
pensada pelo ser humano, que é capaz de acumular os conhecimentos e refletir sobre eles.
Dulley (2004) ilustra essa concepção por meio do seguinte esquema (Figura 1):

Figura 1 – Relações entre natureza e ambiente.

Natureza Ambiente

(conjunto de meios ambientes das diversas


espécies conhecidas pelo homem)
(100% natural) (modificado)

Fonte: DULLEY, 2004, p. 20.

Geografia da População 99
7 População e meio ambiente

Conforme o autor, a natureza existe independentemente da existência e/ou conheci-


mento dos seres humanos. Desse modo, “engloba não só o que o homem não conhece, mas
também o que conhece, pode perceber/conhecer, inclusive quanto a sua própria espécie e
às inter-relações dinâmicas que nela ocorrem” (DULLEY, 2004, p. 20). Nesse contexto, o en-
tendimento sobre a forma como os humanos se relacionam com a natureza requer reflexões
sobre o conceito de meio ambiente.

7.1.2 O conceito de meio ambiente


Assim como o conceito de natureza, o debate sobre o significado de meio ambiente suscita
reflexões baseadas em sua conotação mais tradicional. Em linhas gerais, esse termo é entendido
como a descrição do quadro natural do planeta, compreendendo relevo, clima, vegetação, fauna
e flora dissociados do ser humano ou de qualquer sociedade humana (MENDONÇA, 2008).
Destaca-se, assim, uma concepção fortemente naturalista, apresentando os seres humanos
como simples elementos do ambiente. Tal compreensão, segundo Mendonça (2001), é observada
tanto no senso comum como em alguns debates intra e extra-acadêmicos, como se o quadro na-
tural fosse mais importante que as ações humanas que nele se estabelecem. Desse modo, deixa-se
de considerar “os sistemas sociais produtivos humanos, quer trabalhem no sentido favorável,
quer desfavorável ao ambiente e natureza” (DULLEY, 2004, p. 20).
Os debates buscando a evolução conceitual de meio ambiente tiveram início na
Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente, também cha-
mada de Eco-92 ou Rio-92. Numa perspectiva de ressignificação do conceito e superação de
uma abordagem parcial, ou seja, considerando apenas a dimensão natural, o termo meio tem
causado certo desconforto entre os estudiosos sobre o tema. Mendonça (2001), baseando-se
em Carlos Walter Porto Gonçalves, propõe o abandono desse termo, justamente por signi-
ficar “metade” ou “parte”, o que denota a abordagem limitada dos problemas ambientais,
sem considerar sua dimensão social.
Um exemplo dessa concepção pode ser identificado na definição de meio ambiente ex-
pressa na Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio
Ambiente no Brasil (PNMA) no seu Art. 3º: “Para os fins previstos nesta Lei, entende-se
por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas [...]”
(BRASIL, 1981). Isto é, o conceito definido na PNMA não aborda o aspecto social das intera-
ções entre o homem e as demais espécies no planeta.
Na atualidade, o debate sobre o conceito de meio ambiente vem apresentando uma forte
tendência à utilização do termo socioambiental, já que se tornou insuficiente abordar o tema
somente com base no quadro natural. Desse modo, segundo Mendonça (2001, p. 117), “o ter-
mo ‘sócio’ aparece, então, atrelado ao termo ‘ambiental’ para enfatizar o necessário envolvi-
mento da sociedade enquanto sujeito, elemento, parte fundamental dos processos relativos
à problemática ambiental contemporânea”.

100 Geografia da População


População e meio ambiente 7
O termo socioambiental se aplica sobretudo aos países pobres e em desenvolvimento,
pois neles “as condições de vida da população humana, bem como sua qualidade de vida2,
encontram-se completamente degradadas” (MENDONÇA, 2008, p. 71). Para saber sobre
questões ambientais desse grupo de países, o autor destaca que, primeiramente, é preciso no
mínimo garantir as condições de sobrevivência e de cidadania das populações, que, em sua
maioria, ficam à margem de uma minoria hereditariamente no poder. A concepção social
de meio ambiente apresentada por Mendonça (2008), é de importância fundamental para a
análise de como esse meio vem sendo tratado pelas populações dos diversos países do mun-
do, considerando seus estágios de desenvolvimento econômico e político.
Outro exemplo do reflexo da evolução conceitual de meio ambiente numa perspecti-
va mais ampla pode ser identificado na Resolução n. 306 do Conselho Nacional de Meio
Ambiente – Conama, de 5 de julho de 2002, que traz a seguinte definição: “conjunto de
condições, leis, influência e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural
e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 2002).
Evidencia-se, assim, que no Brasil, embora com significativas diferenças entre as con-
cepções teóricas e legislativas, o conceito de meio ambiente vem se ampliando, uma vez
que a Lei n. 6.938/81 se referia apenas aos aspectos naturais e, em 2002, o Conama destacou,
em sua definição, os componentes social, cultural e urbanístico em interação com os fatores
físicos, químicos e biológicos.
Nessa perspectiva, segundo Gonçalves (2006, p. 140), “a complexidade da questão am-
biental decorre do fato de ela se inscrever na interface da sociedade com [...] a natureza”.
No que se refere à análise das relações entre os temas população e meio ambiente, essa con-
cepção mais abrangente, ou seja, que envolve os aspectos físicos e os componentes sociais
em interação, é fundamental, uma vez que permite considerar a forma como determinada
população humana interage com a natureza. A partir dessa análise, é possível destacar os
diferentes processos decorrentes dessa interação, como a produção, o consumo, a distribui-
ção dos recursos naturais disponíveis, as condições de subsistência e a qualidade de vida.

7.2 O consumismo e os recursos naturais


Vídeo
Uma das características marcantes das sociedades capitalistas é o ele-
vado estímulo ao consumo, cuja condição básica de existência são os recur-
sos financeiros. No entanto, dadas as contradições e desigualdades dessas

2 Em relação ao conceito de qualidade de vida, Pereira, Teixeira e Santos (2012) esclarecem que ele pode
ser definido a partir de quatro abordagens gerais: econômica; psicológica; biomédica; e geral ou ho-
lística. “A abordagem socioeconômica tem os indicadores sociais, como instrução, renda e moradia,
como principal elemento [...]. A abordagem psicológica busca indicadores que tratam das reações sub-
jetivas de um indivíduo às suas vivências, dependendo assim, primeiramente, da experiência direta
da pessoa cuja qualidade de vida está sendo avaliada e indica como os povos percebem suas próprias
vidas, felicidade, satisfação [...]. As abordagens médicas tratam, principalmente, da questão de ofere-
cer melhorias nas condições de vida dos enfermos e condições de saúde [...]. As abordagens gerais ou
holísticas baseiam-se na premissa segundo a qual o conceito de qualidade de vida é multidimensional,
apresenta uma organização complexa e dinâmica dos seus componentes, difere de pessoa para pessoa
de acordo com seu ambiente/contexto e mesmo entre duas pessoas inseridas em um contexto similar
[...]” (PEREIRA, TEIXEIRA; SANTOS, 2012, p. 242-243).

Geografia da População 101


7 População e meio ambiente

sociedades, nem sempre seus habitantes encontram as condições básicas para alcançar uma
boa qualidade de vida.

7.2.1 Consumo e qualidade de vida


A produtividade de mercadorias e seu consumo, ao longo de cerca de duzentos anos
de industrialização do planeta, segundo Mendonça (2008), ocorreu de forma acelerada, po-
rém desigual, em função do desequilíbrio na distribuição de renda, decorrente da intensa
exploração da força de trabalho. Além disso, como “esse processo de industrialização des-
respeitou a dinâmica dos elementos componentes da natureza, ocorreu uma considerável
degradação do meio ambiente” (MENDONÇA, 2008, p. 10).
Esse contexto evidencia que o desenvolvimento é o principal responsável pela destrui-
ção da biodiversidade e das fontes naturais, pois o capitalismo, conforme Alves (1994, p.
226), “não consegue ser ao mesmo tempo socialmente inclusivo, justo e ambientalmente
sustentável”. Considera-se que esses fatores impactam de forma significativa nas condições
que garantiriam à população menos favorecida a qualidade de vida.
Essa degradação, segundo Mendonça (2008), vem comprometendo a qualidade de vida
da população por meio de impactos ambientais e sociais. O autor destaca que as consequên-
cias mais perceptíveis são as alterações na qualidade do ar e da água, os “acidentes” ecoló-
gicos ligados às queimadas, o desmatamento, a extinção de espécies e as poluições marinha,
fluvial e lacustre. Já no aspecto social, são exemplos de impactos a fome, a miséria, o desem-
prego, a falta de moradia, a falta de saneamento básico e a desigualdade na distribuição de
renda. Essa “queda da qualidade de vida se acentua onde o homem se aglomera: nos centros
urbano-industriais. Aqui, os rios, fundos de vale e bairros residenciais periféricos dividem o
espaço com o lixo e a miséria” (MENDONÇA, 2008, p. 10). Relacionando qualidade de vida
da população ao ambiente urbano, Martine (2007, p. 185) afirma que
Grande parte da população urbana atual é pobre e vive em condições que amea-
çam a saúde e a própria vida. As cidades congregam a maioria dos problemas
ambientais gerados pelos padrões de produção e consumo, gastando enormes
quantidades de energia para a indústria, transporte, calefação, iluminação e ele-
trodomésticos e gerando volumes prodigiosos de lixo e poluição.
Sendo esse cenário estabelecido pelo capitalismo, tendo o estímulo ao consumo, à pro-
dução e à venda de mercadorias como principal estratégia de acumulação de renda, a con-
dição básica para acesso aos bens de consumo é o próprio capital. Desse modo, dadas as
desigualdades sociais que marcam a sociedade industrial, devido à exploração da força de
trabalho ou às dificuldades de parte da população para acesso ao capital e às condições bá-
sicas de sobrevivência, acirra-se o comprometimento da qualidade de vida.
Nessa perspectiva, conforme Alves (1994, p. 227), o “modelo atual de desenvolvimento
é insustentável tanto em termos ambientais quanto sociais. O alto crescimento econômico
dos últimos 200 anos reduziu a pobreza absoluta, mas não foi capaz de garantir o mínimo
de justiça na distribuição da riqueza”. Assim, o modelo de desenvolvimento baseado no
consumo evidencia-se como insustentável por demandar elevada quantidade de recursos

102 Geografia da População


População e meio ambiente 7
naturais, o que causa impactos ambientais. Além disso, a industrialização e a mecanização
do campo são fatores que estimulam o elevado crescimento das cidades, os quais, conforme,
Martine (2007), potencializam-se pelo papel crucial que desenvolvem na atual estrutura de
desenvolvimento. No entanto, as cidades concentram também significativos problemas que
envolvem a degradação da vida humana, como a falta de moradia, alimentação, emprego
e miséria, questões essas que não podem deixar de ser consideradas ao se debater a relação
entre consumo e qualidade da população.

7.2.2 População, urbanização e meio ambiente


A explosão demográfica é uma contingência que, segundo Mendonça (2008), precisa ser
abordada ao se debater o caos da qualidade de vida da população. Porém, é preciso com-
preendê-la no contexto socioeconômico e político do fim do século XX e primeiras décadas
do século XXI.
No Pós-Segunda Guerra Mundial, a teoria neomalthusiana defendeu o controle de na-
talidade como forma de desacelerar o crescimento populacional, tendo em vista a dispo-
nibilidade de recursos. Nessa visão, a redução desse ritmo de crescimento representaria
uma decolagem para o desenvolvimento, já que o aumento da população levaria a uma
enorme pressão sobre os recursos naturais, gerando um estresse sobre os recursos da Terra
(DETERS; GULLO, 2013).
Numa perspectiva de críticas às ideias neomalthusianas, no entanto, o estresse referente
à demanda de recursos naturais para atender as necessidades da população não seria prove-
niente do crescimento desta, e sim da intensa exploração desses recursos visando aos inte-
resses capitalistas. Como consequência, tem-se um intenso estímulo ao consumo e, ao mes-
mo tempo, a intensa exploração ou expropriação da mão de obra, o que se manifesta numa
desigual distribuição de renda e no aumento da pobreza (DAMIANI, 2004). Ainda que a
relação entre população e demanda por recursos naturais possa ser abordada sob diferentes
pontos de vista, não se pode desprezar a problemática entre população e meio ambiente.
Na análise dessa relação, é preciso considerar o desenvolvimento como principal de-
terminante, tanto das atividades econômicas quanto dos padrões de produção e consumo.
Desse modo, conforme Martine (2007, p. 184), a “sustentabilidade exige, então, que os es-
forços de desenvolvimento em determinado território ou país atentem não somente para
padrões de produção e consumo, mas também para alocação espacial da atividade econô-
mica”. No que diz respeito a essa espacialização das atividades econômicas, o autor destaca
a conexão entre população e crescimento das cidades, ou seja, o processo de urbanização.
Nesse sentido, considera-se urbanização o aumento da população das cidades (todo
aglomerado permanente de atividades que não se caracterizam como agrícolas) em relação
à população do campo (SCARLATO, 2005). Em nível global, toda expansão populacional
ocorrerá a partir da urbanização e, segundo Martine (2007), o crescimento vegetativo se tor-
nará, cada vez mais, o fator dominante dessa ampliação. O autor ressalta que as cidades não
serão as vilãs do crescimento demográfico, mas, ao contrário, vão se constituir num fator
significativo de declínio da fecundidade.

Geografia da População 103


7 População e meio ambiente

Assim, conforme afirma Martine (2007, p. 186), a “fecundidade urbana é sempre mais
baixa do que a rural. Além disso, os migrantes nas cidades acabam tendo menos filhos do
que teriam se tivessem permanecido nas áreas rurais”. Esse fator pode ser considerado na
análise da relação entre crescimento populacional e demanda de recursos naturais, porém,
é imprescindível levar em conta também os padrões de desenvolvimento, como a produção
e o consumo insustentáveis, que influenciam o aumento da pobreza e a ameaça à qualidade
de vida.
Desse modo, as cidades apresentam impactos ambientais significativos, porque, con-
forme Martine (2007, p. 186), “concentram tanto a população quanto a atividade econômica
e a riqueza, mas tais efeitos estão associados a um determinado padrão de civilização e
poderiam ser abrandados”. Nesse sentido, na relação entre população, urbanização e meio
ambiente, faz-se necessário considerar a influência dos interesses capitalistas e dos modelos
de desenvolvimento econômico.

7.3 Aspectos culturais e interação com o


ambiente
Vídeo
Considerando o domínio técnico3, as sociedades apresentam diferentes
maneiras de interagir com o ambiente. Desse modo, quanto maior o domínio
técnico, maior a capacidade de interação e de impactos causados nesse processo.

7.3.1 Meio ambiente e cultura


Ao analisar os aspectos culturais e sua interação com o ambiente, faz-se necessária uma
reflexão sobre o conceito de cultura. Conforme Pfeiffer (2012), esse conceito, surgido entre o
fim do século XVIII e início do século XIX, sintetiza o vocábulo inglês culture e a expressão
germânica kultur, empregados para simbolizar os aspectos espirituais de uma comunidade,
e o termo francês civilization, que se refere às realizações materiais de um povo.
Nessa análise, Pfeiffer (2012) define a cultura como costumes, modos peculiares de
vida, sistemas de instituições que funcionam conjuntamente, teias de significados sociais e
o que de melhor foi pensado e produzido por uma sociedade. Admite-se que a palavra cul-
tura é polissêmica, ou seja, pode adquirir diferentes significados. Sachs (2000) a define como
todo conhecimento humano sobre o meio em que se vive. Ela seria, portanto, um mediador
entre sociedade e natureza, um conjunto de valores dos usos e tudo aquilo que diz respeito
à atividade estética no sentido amplo da palavra.
Nessa conceituação, Sachs (2000) destaca a evolução do pensamento sobre a forma de
conceber o meio ambiente, englobando as dimensões física e social. No entanto, na prática
ainda há muito a ser feito para garantir, à parte significativa da população dos diversos paí-
ses do mundo, uma boa qualidade de vida.

3 Capacidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento de ferramentas e técnicas que permitem poten-


cializar formas de interação do ser humano com a natureza.

104 Geografia da População


População e meio ambiente 7
Nesse sentido, analisando a mediação entre sociedade e natureza no contexto do ca-
pitalismo, entende-se que o crescimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento.
Pode haver um crescimento que comporta custos sociais e ambientais, entendidos por Sachs
(2000) como “mau desenvolvimento”. Portanto, é preciso distinguir o “crescimento selva-
gem”, no qual existe crescimento, mas maior custo ambiental e menor custo social, do “cres-
cimento socialmente benigno”, que tem um custo social maior (SACHS, 2000).
O foco das preocupações com os impactos do crescimento econômico nas últimas déca-
das, segundo Foladori e Taks (2004), deslocou-se do meio ambiente para as pessoas. Nessa
perspectiva, há um aumento da tendência de se pensar os incrementos positivos da dimen-
são ambiental e social da produção para promover o desenvolvimento humano. Assim, “a
relação entre sociedade e meio ambiente vem se afirmando como uma das principais preo-
cupações, tanto no campo das políticas públicas quanto no da produção de conhecimento”
(FOLADORI; TAKS, 2004, p. 323).
No que diz respeito à relação entre cultura e meio ambiente, Sachs (2000) destaca que é
preciso prestar atenção à diversidade cultural e à riqueza das formas de aproveitamento dos
recursos naturais que diversas culturas humanas criaram ao longo dos séculos.

7.3.2 População, meio ambiente e planejamento


A situação do meio ambiente vem se agravando cada vez mais, o que evidencia, se-
gundo Silva e Francischett (2012), a necessidade de se buscar alternativas para melhorar o
equilíbrio ambiental e social. Nesse sentido, destaca-se o planejamento ambiental, que se
caracteriza, segundo Santos (2004, p. 24), como
[...] um processo contínuo que envolve a coleta, organização e análise siste-
matizadas das informações, por meio de procedimentos e métodos, para che-
gar a decisões ou escolhas acerca das melhores alternativas para o aprovei-
tamento dos recursos disponíveis. Sua finalidade é atingir metas específicas
no futuro, levando à melhoria de uma determinada situação e ao desenvolvi-
mento das sociedades.
Ressalta-se que esse planejamento precisa ter um caráter integrador dos aspectos físicos e
sociais, atuais e potenciais, numa perspectiva que leve em conta o conjunto de elementos que
compõem o meio ambiente. De acordo com Silva e Francischett (2012, p. 3), “o planejamento
ambiental voltado ao interesse meramente econômico ainda precisa ser reavaliado”. Ressalta-
se a importância do planejamento como forma de garantir à população de determinado espa-
ço geográfico a manutenção das condições básicas de subsistência e qualidade de vida.
Nesse sentido, o planejamento ambiental é imprescindível para melhorar os fatores que
interferem nos indicadores da população, como, por exemplo, o acesso à assistência médi-
co-sanitária e ao saneamento básico e serviços de saúde que podem se refletir nas taxas de
mortalidade e expectativa de vida. No que diz respeito à qualidade de vida, o planejamento
se destaca por propiciar acesso a condições ambientais satisfatórias e formas de consumo
sustentáveis. Assim, o planejamento ambiental se torna um elemento fundamental na pro-
moção de estratégias de melhorias sociais e ambientais das sociedades.

Geografia da População 105


7 População e meio ambiente

Ampliando seus conhecimentos

O que é qualidade de vida? Rejeitando a


subjetividade, relatividade e obviedade da
questão
(HERCULANO, 1998, p. 2-5 )

[...]

O que é exatamente qualidade de vida e qual seria o grau de priori-


dade desta discussão em um país onde milhões de pessoas não têm suas
necessidades básicas atendidas? À primeira vista, parece uma discussão
secundária, a ser feita apenas depois de cumpridas certas etapas. Mais ou
menos como, por exemplo, discutir a qualidade do feijão apenas depois
de garantir que haja feijão, inda que duro ou queimado. Uma outra pos-
sível reticência com o tema estaria vinculada aos seus aspectos subjeti-
vos e suas variações culturais. Mas seria a qualidade de vida algo mesmo
por demais subjetivo para que pudesse se constituir em objeto de estudo?
Seria uma questão puramente adjetiva, de grau, um valor meramente sub-
jetivo, fora, portanto, do campo científico?

Seria um luxo (como o faz supor a publicidade em geral, sempre a vin-


cular qualidade de vida a requinte e sofisticação, ao “detalhe que faz a
diferença”), e, portanto, algo supérfluo diante de questões mais substan-
tivas, como garantir um “patamar mínimo de dignidade e de condição
humana”? Mas, qual é este patamar e como defini-lo? Como determi-
nar as “necessidades básicas”? E quem as determina? Pressupor que o
debate sobre qualidade de vida excede ao debate prioritário sobre o fim
da miséria não seria mais uma discriminação que perpetuaria a desigual-
dade e injustiça sociais? As carências habitacionais e alimentares da popu-
lação desvalida tendem a ser pontual e parcialmente assistidas através
de programas mais ou menos modestos e paliativos, a beneficiar apenas
pequena parcela de amplíssimo contingente populacional que permanece
desatendido. São intervenções tidas como realistas e viáveis, que projetam
casas populares de 16 m² para grupos familiares de cerca de 10 pessoas;
que visam a produção e distribuição de leite de soja de “vacas mecânicas”
que um presidente brasileiro considerou “intragável”; que produzem
sopas industriais para crianças pobres subnutridas, feitas com as “xepas”
(sobras) do mercado hortigranjeiro. São ainda decisões governamentais
que autorizam a instalação de complexos industriais altamente poluentes

106 Geografia da População


População e meio ambiente 7
em nome da abertura de um mercado de trabalho que transforma pesca-
dores em desempregados.

A crítica a estas iniciativas pode ser vista como preciosismo romântico:


como questionar a construção dessas “casas”, quando a alternativa é o
barraco de papelão sob os viadutos, ou simplesmente as ruas? Não será
superficialismo discutir o leite da vaca mecânica e a xepa para as crian-
ças pobres, quando a alternativa parece ser a de deixá-las à míngua? Não
será romantismo defender florestas e águas puras, quando a alternativa
é a de ter uma população desempregada e miserável? Críticas assim são,
todavia, importantes, pois abrem espaço para perguntas cabais: por que,
exatamente, os governos não podem trabalhar com a real possibilidade de
prover todas as crianças de leite natural, carnes e frutas frescas, prover os
sem-teto de habitações onde realmente todos caibam e a população, a um
só tempo, possa ter emprego racional e ambiente ameno e equilibrado?

Mencionamos até aqui a primeira relutância em discutir e examinar o que


é qualidade de vida, e que se baseia em entender que qualidade de vida
é algo adjetivo e relativo. Há outras críticas ao tema: a questão do enten-
dimento sobre o que é qualidade de vida também pode ser vista como
desnecessária, não por ser desimportante ou pouco palpável, mas pela
sua obviedade. Algo que ninguém saberia definir, mas que, parodiando a
referência da poeta Cecília Meirelles à liberdade, todos entendem o que é.
Talvez por isto a ênfase dos estudos sobre qualidade de vida enfoque pre-
dominantemente a sua mensuração, ficando embutido na escolha sobre
o que mensurar os pressupostos do que se entende venha a compor a
qualidade de vida.

A avaliação/mensuração sobre a qualidade de vida de uma população


vem sendo proposta de duas formas:

1) Em primeiro lugar, examinando-se os recursos disponíveis, a capaci-


dade efetiva de um grupo social para satisfazer suas necessidades. Por
exemplo, podemos analisar as condições de saúde pela quantidade de lei-
tos hospitalares e número de médicos disponíveis, ou o grau de instrução
pelo número de escolas, jornais publicados, níveis de escolaridade atingi-
dos, etc.; podemos avaliar as condições ambientais pela potabilidade da
água, coliformes e partículas de substâncias nocivas em suspensão, pela
emissão aérea de poluentes, pela quantidade de domicílios conectados às
redes de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, pela dimen-
são per capita de áreas verdes e espaços abertos urbanos disponíveis para
amenizar a paisagem cinza do concreto e asfalto urbanos.

Geografia da População 107


7 População e meio ambiente

2) Uma segunda forma de estimar a qualidade de vida é avaliar as neces-


sidades, através dos graus de satisfação e dos patamares desejados.
Podemos, assim, tentar mensurar a qualidade de vida pela distância entre
o que se deseja e o que se alcança, ou seja, pelos estágios de consciência
a respeito dos graus de prazer ou felicidade experimentados (Scanlon, in
Nusbaum & Sen, 1995: 185); ou a partir de um julgamento que se propõe
substantivo, feito pelo próprio pesquisador, sobre o que tornaria a vida
melhor.

No plano individual, a avaliação da qualidade de vida pela distância rela-


tiva entre o que se deseja e o que se alcança pode confundi-la, por um
lado, com resignação (no caso da pouca distância entre o que se tem e
o que se quer). No extremo oposto, a percepção queixosa sobre a baixa
qualidade da própria vida poderia estar relacionada a um consumismo
desenfreado (tal foi a hipótese de Marcuse nos anos 60, no contexto euro-
peu, para quem o consumismo explicaria porque nos sujeitamos a perma-
necer na infelicidade da exploração, submetendo-nos a esforços de traba-
lho dispensáveis em um mundo que já teria condições tecnológicas para
nos fazer viver com mais constância as alegrias do não-trabalho em uma
praia limpa, nos dias ensolarados de verão). Ou seja, escravos do con-
sumo, estaríamos condenados a querer mais, a amealhar mais e, portanto,
a não gozar a vida pela vida. Este enfoque tende a enxergar na publici-
dade aspectos simplesmente manipulatórios, levando-nos a querer o que
normalmente não quereríamos. [...]

Atividades
1. Crie um glossário com suas próprias palavras sobre os conceitos principais
abordados no capítulo: natureza, sociedade, meio ambiente, cultura e plane-
jamento ambiental.

2. Conforme Gonçalves (2006), toda sociedade, ou toda cultura, cria um conceito de


natureza. Como exemplo, o autor cita as sociedades indígenas tradicionais que são
evocadas como modelos de uma relação harmônica entre ser humano e natureza.
Busque informações sobre uma tribo indígena brasileira, com o propósito de analisar
a forma como esses indivíduos se relacionam com a natureza. Com os dados obti-
dos, elabore um texto analítico destacando a maneira como essa sociedade concebe
a natureza.

108 Geografia da População


População e meio ambiente 7
3. O planejamento ambiental se destaca na busca de alternativas para melhorar o equi-
líbrio entre ambiente e sociedade. Para isso, esse planejamento necessita abordar a
problemática ambiental em questão numa perspectiva do conjunto de elementos que
a compõem. Pesquise na internet um projeto ambiental, com o fim de analisar os pro-
pósitos dele e detectar se seu desenvolvimento busca uma perspectiva integradora
dos aspectos ambientais e sociais. Com base em sua análise, registre por escrito as
conclusões a que chegou.

Referências
ALVES, José Eustáquio Diniz. Transição da fecundidade e relações de gênero no Brasil. 1994. Tese
(Doutorado) – Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 1994. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/hand-
le/1843/MCCR-7UWH66/jos__eustaquio_diniz_alves_tese_demografia_1994.pdf?sequence=> Acesso
em: 10 jan. 2017.
BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente
no Brasil. Brasília, DF, 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm>.
Acesso em: 23 jan. 2017.
BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Resolução n. 306, de 5 de julho de 2002.
Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=306>.
Acesso em: 23 jan. 2017.
DAMIANI, Amélia Luísa. População e geografia. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
DETERS, Odair; GULLO, Maria Carolina. Impactos ambientais decorrentes da produção de ali-
mentos e o dilema malthusiano. In: ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA
ECOLÓGICA, 10., 2013, Vitória, ES. Anais... Vitória, 2013. Disponível em: <http://www.ecoeco.org.br/
conteudo/publicacoes/encontros/x_en/GT7-2194-1575-20130620103405.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.
DULLEY, Richard Domingues. Noção de natureza, ambiente, meio ambiente, recursos ambientais e
recursos naturais. Agricultura em São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 15-26, jul./dez. 2004. Disponível
em: <https://docs.google.com/file/d/0B5YyY_iQAfzRckx5ZW9jTnFvY3M/view>. Acesso em: 23 jan.
2017.
FOLADORI, Guillermo; TAKS, Javier. Um olhar antropológico sobre a questão ambiental. MANA,
v. 10, n. 2, p. 323-348, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/mana/v10n2/25163.pdf>. Aceso
em: 23 jan. 2017.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 14. ed. São Paulo: Contexto,
2006.
HERCULANO, Selene. A qualidade de vida e seus indicadores. Revista Ambiente e Sociedade,
Unicamp/Nepam, Campinas, ano 1, n. 2, p. 77-99, 1. sem. 1998. Disponível em: <http://www.profes-
sores.uff.br/seleneherculano/images/A_QUALIDADE_DE_VIDA_v2_E_SEUS_INDICADORES.pdf >.
Acesso em: 3 fev. 2017.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.
LIMA, Aguinel Messias de; OLIVEIRA, Haydée Torres de. (Re)Construção dos conceitos de na-
tureza, meio ambiente e educação ambiental por professores de duas escolas públicas. Ciência
& Educação, v. 17, n. 2, p. 321-337, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pi-
d=S1516-73132011000200005&script=sci_abstract&tlng=pt> Acesso em: 23 jan. 2017.

Geografia da População 109


7 População e meio ambiente

MARTINE, George. O lugar do espaço na equação população/meio ambiente. Revista Brasileira de


Estudos de População, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 181-190, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://www.
abep.nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol24_n2_2007/vol24_n2_2007_3artigo_p181a190.pdf>. Acesso
em: 23 jan. 2017.
MENDONÇA, Francisco. Geografia e meio ambiente. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
______. Geografia socioambiental. Terra Livre, São Paulo n. 16, p. 139-158, 2001. Disponível em: <http://
www.agb.org.br/publicacoes/index.php/terralivre/article/viewFile/352/334>. Acesso em 23 jan. 2017.
PEREIRA, Érico Felden; TEIXEIRA, Clarissa Stefani; SANTOS, Anderlei dos. Qualidade de vida: abor-
dagens, conceitos e avaliação. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 26, n. 2,
p. 241-50, abr./jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v26n2/07.pdf>. Acesso em:
23 jan. 2017.
PFEIFFER, Cláudia Ribeiro. Desenvolvimento e cultura: parâmetros para a reflexão dessa comple-
xa relação. In: BRASILEIRO, M. D. S.; MEDINA, J. C. C.; CORIOLANO, L. N. (Org.). Turismo, cul-
tura e desenvolvimento. Campina Grande: EDUEPB, 2012. Disponível em: <http://books.scielo.org/
id/7y7r5/08>. Acesso em: 15 jan. 2017.
SACHS, Ignacy. Sociedade, cultura e meio ambiente. Mundo & Vida, v. 2, 2000. Disponível em: <http://
ambiental.adv.br/ufvjm/ea2012-1sachs.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2017.
SANTOS, Rozely Ferreira. Planejamento ambiental: teoria e prática. São Paulo: Oficina de Textos,
2004.
SCARLATO, Francisco Capuano. População e urbanização brasileira. In: ROSS, Jurandir L. Sanches
(Org.). Geografia do Brasil. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2005.
SILVA, Ivanir Ortega Rodrigues da; FRANCISCHETT, Mafalda Nesi. A relação sociedade-natureza e
alguns aspectos sobre planejamento e gestão ambiental no Brasil. Revista Digital para Estudiantes
de Geografia y Ciências Sociales, 2012. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articu-
lo/3864706.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2017.

Resolução
1. Em seu glossário, você pode conceituar: a natureza incluindo, além da dimensão na-
tural, o ser humano que dela faz parte; o meio ambiente numa perspectiva de conjunto
dos aspectos físicos e humanos; a cultura como o conjunto de práticas, conhecimen-
tos, costumes e formas de interação com a natureza; a sociedade como um conjunto de
seres que mantêm entre si diversas relações sociais; e o planejamento ambiental como
estratégia para projetos integradores de aspectos físicos e humanos.

2. Para a elaboração do texto, você deve identificar a forma como a sociedade indíge-
na em questão se relaciona com a natureza. Nesse sentido, pode-se destacar uma
relação mais harmônica, em que os indivíduos retiram da natureza apenas o que é
preciso para manter a própria subsistência.

3. Na análise do projeto, destaque a forma como se pretende alcançar soluções para


melhorias dos aspectos sociais envolvidos e se há uma perspectiva que integra estes
aos aspectos ambientais.

110 Geografia da População


8
A estrutura da
população brasileira

Introdução

O território brasileiro foi se configurando ao longo do tempo, o que influenciou a


distribuição da população pelo país e conferiu aos brasileiros uma identidade cultural.
Assim, diversos fatores marcaram também as características da população brasileira,
dando origem a uma estrutura populacional diversificada.

A análise dessa estrutura da população do país permite conhecer suas especifi-


cidades, como a distribuição por sexo, as faixas etárias predominantes, as atividades
econômicas que concentram a população ativa, entre outras.

Essas informações são de importância significativa para o planejamento e o esta-


belecimento de políticas que envolvam investimentos em setores como, por exemplo,
saúde e educação. Dessa forma, o presente capítulo procura abordar os aspectos rela-
cionados à estruturação da população brasileira.

Geografia da População 111


8 A estrutura da população brasileira

8.1 As pirâmides etárias


Vídeo
As informações sobre a população são representadas por meio de gráfi-
cos de barras denominados pirâmides etárias, as quais facilitam a visualização
de cada estrutura populacional. Tais pirâmides se constituem num “impor-
tante instrumento de análise demográfica, pois permite afirmar se a popula-
ção observada possui uma estrutura jovem ou envelhecida” (CERQUEIRA;
GIVISIEZ, 2004, p. 32).

8.1.1 Representações da estrutura da população


O estudo da estrutura da população tem como propósito analisar como os habitantes de
determinada área estão distribuídos no território, considerando critérios como: idade, sexo,
atividades econômicas e condições socioeconômicas. A obtenção e o tratamento desses da-
dos trazem significativas contribuições para se planejar o atendimento das necessidades da
população em estudo, como, por exemplo, com a construção de creches, escolas, moradias e
hospitais, o aumento do número de empregos e de aposentadorias.
O conceito de estrutura etária refere-se à composição dos habitantes de determinado es-
paço geográfico por idade (jovens de 0 a 19 anos, adultos de 20 a 59 anos e idosos a partir de 60
anos) e a estrutura por sexo indica a quantidade de habitantes dos sexos masculino e feminino.
A Figura 1 demonstra a estrutura da população brasileira, representada por meio desse
tipo de gráfico.

Figura 1 – Pirâmide etária da população absoluta do Brasil – 2017.

Homem Mulher

Fonte: UNITED STATES CENSUS BUREAU, 2017.

Numa pirâmide etária, o total de mulheres que vivem no espaço geográfico represen-
tado é indicado numa coluna à direta, e o número de homens, numa coluna à esquerda. A

112 Geografia da População


A estrutura da população brasileira 8
análise da disposição desses dados numa pirâmide pode revelar aspectos das condições de
vida e importantes indicadores sobre a população nela representada.
A pirâmide a seguir representa a estrutura da população da Etiópia em 2017 (Figura 2).

Figura 2 – Pirâmide etária da Etiópia – 2017.


Homem Mulher

Fonte: UNITED STATES CENSUS BUREAU, 2017.

Tendo como referência as características dessa pirâmide etária, observa-se que ela apre-
senta a base larga, o meio afunilado e topo estreito, uma representação típica da situação
de países “pobres”. Assim, a base larga indica altas taxas de natalidade, o meio indica que
as taxas de mortalidade são também altas e o topo indica que a expectativa de vida é baixa
(CERQUEIRA; GIVISIEZ, 2004).
A pirâmide etária da Figura 3, por sua vez, representa a estrutura da população da
França em 2017.

Figura 3 – Pirâmide etária da França – 2017.


Homem Mulher

Fonte: UNITED STATES CENSUS BUREAU, 2017.

Geografia da População 113


8 A estrutura da população brasileira

A pirâmide da França apresenta a base relativamente estreita, o meio é pouco afunilado


e topo é largo, caracterizando uma situação típica de países “ricos”. Assim, a base estreita
indica baixas taxas de natalidade, o meio indica que as taxas de mortalidade são também
baixas e o topo indica que a expectativa de vida é alta (CASTRO, 2015).
A seguir, a pirâmide etária da Figura 4 representa a estrutura da população da Coreia
do Norte em 2017.

Figura 4 – Pirâmide etária da Coreia do Norte – 2017.

Homem Mulher

Fonte: UNITED STATES CENSUS BUREAU, 2017.

A pirâmide da Coreia do Sul apresenta algumas camadas inferiores mais estreitas do


que as superiores, o meio é pouco afunilado e o topo começa a se alargar, caracterizando
uma situação típica de países em fase de transição demográfica. Assim, essas camadas infe-
riores mais estreitas que as superiores indicam o início do declínio das taxas de natalidade,
enquanto as camadas superiores indicam a redução das taxas de mortalidade e o topo indica
que a expectativa de vida começa a aumentar (CERQUEIRA; GIVISIEZ, 2004, p. 32).
Se a base de uma pirâmide etária é estreita, a população idosa é mais significativa. À
medida que a população envelhece, o país muda; por exemplo, diminui-se a necessidade
de novas creches e escolas de ensino fundamental, mas aumenta a pressão por vagas nas
universidades e novos empregos. A diferença de sexo provoca desigualdades na expectativa
de vida média da população, nas doenças mais frequentes e nas causas de mortalidade. Isso
porque homens e mulheres apresentam diferentes respostas a certas doenças, em parte por
suas características biológicas e também por hábitos distintos.

8.1.2 Estrutura da população por atividade econômica


A análise da estrutura da população por atividade econômica tem como referência os
três setores da economia: primário, secundário e terciário. Para melhor entender a relação
entre distribuição da população e atividades econômicas, faz-se necessário refletir sobre o
conceito de setores da economia.

114 Geografia da População


A estrutura da população brasileira 8
Segundo Pereira (2012), para facilitar os estudos sobre as atividades econômicas de um
determinado espaço geográfico, convencionou-se que elas fossem divididas em setores. Tal
distinção, ainda conforme o autor, teve como base a crítica de economistas clássicos, das
décadas de 1930 e 1940, sobre a distância entre a produção industrial, da qual provinham
mercadorias mais sofisticadas, e as atividades mais primárias, como a retirada de produtos
diretamente da natureza. Por esse motivo, “as atividades como a agricultura recebem o
termo de atividades primárias, já que têm suas atividades diretamente relacionadas com a
natureza” (PEREIRA, 2012, p. 25).
Considerando uma maior distância entre a produção e a natureza, as atividades industriais
são definidas como secundárias. Como terciárias, são considerados os serviços, que “correspon-
dem à classe de trabalho mais distante da natureza, na qual seria uma forma muito especial da
produção social” (PEREIRA, 2012, p. 25). Sistematizando esses setores, tem-se:
a. Setor primário: abrange as atividades que provêm matéria-prima, como a pecuária,
a agricultura e o extrativismo (vegetal, animal e mineral).
b. Setor secundário: é composto pelas atividades de transformação de matérias-pri-
mas em bens e consumo (como as indústrias e a construção civil).
c. Setor terciário: composto pelas atividades de comércio e prestação de serviços; é
muito amplo, já que envolve, entre outros, o trabalho na educação, o transporte, os
serviços de saúde, os trabalhos com profissionais liberais etc.
Destaca-se, na análise da estrutura da população por atividades econômicas, o conceito
de População Economicamente Ativa (PEA), representado pela parcela da população que
realiza atividades remuneradas (CASTRO, 2015). Os desempregados, desde que estejam
procurando emprego, também fazem parte dela. Destaca-se, ainda, o conceito de População
Economicamente Inativa (PEI), que corresponde à parcela da população que não exerce ati-
vidades remuneradas, como, por exemplo, os aposentados, os estudantes e as donas de casa.

8.2 A transição demográfica da população


brasileira
Vídeo
Nas últimas décadas, a população brasileira vem passando por mudan-
ças importantes, não só no que diz respeito ao número de habitantes, que vem
aumentando, mas, principalmente em sua estrutura etária. As mudanças que
ocorrem num determinado espaço geográfico, relacionadas à redução nas taxas
de natalidade, caracterizam um processo denominado de transição demográfica
(CERQUEIRA; GIVISIEZ, 2004).

8.2.1 Fatores de transição demográfica


Para os estudos sobre esse tema, foi proposta, já nas primeiras décadas do século XX,
por Thompson W. S. (1929) e Landry A. (1934), a teoria da transição demográfica. Segundo
Vasconcelos e Gomes (2012), essa teoria foi formulada considerando-se a relação entre o
crescimento populacional e o desenvolvimento econômico.

Geografia da População 115


8 A estrutura da população brasileira

Desse modo, tendo como referência os países europeus, o processo de modernização das
sociedades e o desenvolvimento econômico estariam na origem das taxas de natalidade e
mortalidade, causando mudanças no ritmo de crescimento da população (VASCONCELOS;
GOMES, 2012). Assim, segundo as mesmas autoras, essa transformação constitui-se na pas-
sagem de uma sociedade rural e tradicional, com elevadas taxas de natalidade e mortalida-
de, para uma sociedade urbana e industrial, com baixas taxas de natalidade e mortalidade.
No decorrer dessa transição, primeiro as populações passariam por desequilíbrios de-
mográficos caracterizados por um descompasso entre as taxas de natalidade e mortalidade.
A redução precoce das taxas de mortalidade, acompanhada pela redução das taxas de nata-
lidade, promoveria ritmos acelerados de crescimento populacional. O alcance do equilíbrio
populacional viria com a redução, em momento posterior, das taxas de natalidade e, con-
sequentemente, do ritmo de crescimento da população (VASCONCELOS; GOMES, 2012).
Uma fase de crescimento acelerado da população mundial ocorreu do fim do século XIX
até a metade do século XX, pois descobertas de novos recursos na área médica e o desenvolvi-
mento da indústria farmacêutica influenciaram as taxas de natalidade e mortalidade em vários
países, inclusive no Brasil. A expectativa de vida também aumentou de forma considerável.
Na atualidade, os índices de natalidade vêm caindo em todo o mundo. Nos países eu-
ropeus, para evitar a diminuição da população e a contratação de mão de obra estrangeira,
são realizadas campanhas para as famílias terem mais filhos. As taxas de natalidade nos
países subdesenvolvidos também têm diminuído, embora de forma mais lenta. Os fatores
que provocam essa queda são a diminuição da mortalidade e a urbanização (CERQUEIRA;
GIVISIEZ, 2004). E provavelmente essas taxas continuarão caindo nas próximas décadas.

8.2.1.1 População brasileira e fatores de transição


Entre as décadas de 1940 e 1960, houve, no Brasil, um declínio expressivo nas taxas de
mortalidade, com as taxas de natalidade se mantendo em níveis altos. Assim, a população
apresentou rápido crescimento, com uma população majoritariamente jovem (CARVALHO;
RODRÍGUEZ-WONG, 2008).
O declínio nas taxas de mortalidade da população brasileira ocorreu devido aos avan-
ços da medicina a partir da década de 1940. Antes disso, o número de óbitos causados por
doenças como febre amarela, sarampo, tuberculose, peste bubônica e cólera era elevado. A
falta de esgoto e saneamento básico permitia que essas doenças se alastrassem, vitimando
um número elevado de habitantes, quadro esse que só foi alterado décadas depois, devido
ao uso de vacinas e antibióticos.
A transição demográfica da população, segundo Brito (2008), é um dos fenômenos po-
pulacionais mais importantes que tem marcado a economia e a sociedade brasileiras, desde
a metade do século XX. No país, essa transição apresenta uma originalidade, definida pelas
particularidades históricas e pelos fortes desequilíbrios regionais e sociais.
A partir da década de 1960, a redução das taxas de fecundidade, segundo Carvalho e
Rodríguez-Wong (2008), iniciou-se nas regiões brasileiras mais desenvolvidas e nos grupos
mais privilegiados, porém se generalizou de forma relativamente rápida, desencadeando

116 Geografia da População


A estrutura da população brasileira 8
um processo de transição etária que ainda está em curso. O resultado provável desse proces-
so para as próximas décadas, de acordo com os mesmos autores, será uma população “qua-
se-estável”, com perfil envelhecido e com ritmo de crescimento baixíssimo ou até negativo.
Para Brito (2008), no entanto, ainda se espera um expressivo crescimento da popu-
lação brasileira nas próximas décadas, devido aos efeitos das taxas de fecundidade no
passado sobre a estrutura etária da população, marcada por expressiva proporção de
mulheres em idade reprodutiva. Assim, ainda que baixas, as taxas de fecundidade fa-
vorecem o aumento da população do país. Como afirma Brito (2008, p. 7), “as projeções
indicam para 2050 que o tamanho da população brasileira será de 253 milhões de habi-
tantes, a quinta maior do planeta, inferior apenas às da Índia, China, EUA e Indonésia”.
O processo de transição demográfica da população do Brasil é evidenciado nas seguintes
pirâmides etárias (Figura 5):

Figura 5 – Estrutura da população brasileira em 1960, 2010 e projeções para 2020.

Fonte: IBGE, 2013.

Geografia da População 117


8 A estrutura da população brasileira

A análise da pirâmide etária da década de 1960 revela que o grupo etário de 5 a 9 anos
declinou consideravelmente nas pirâmides de 2010 e 2020. Observando essa pirâmide, nota-
-se que a proporção de idosos não chegava a 5% e que a população jovem era predominante.
Já na pirâmide de 2000, verifica-se uma diminuição do número de crianças e um aumento
da população adulta e idosa. De acordo com as estimativas, a pirâmide de 2020 apresenta
um número maior de idosos, caracterizando o envelhecimento da população. Esse fato tem
ocorrido no mundo todo, principalmente em países desenvolvidos e em desenvolvimento,
como é o caso do Brasil.
Considerando as três pirâmides etárias apresentadas, constata-se, conforme Carvalho e
Rodríguez-Wong (2008), que o formato extremamente piramidal da década de 1960 começa
a ter sua base diminuída, anunciando um processo de envelhecimento e uma distribuição
praticamente retangular da população brasileira no futuro. As autoras destacam que, por se
tratar de projeções, os pesquisadores mais céticos podem tratá-las como exercício de “futu-
rologia”. No entanto, é fato comprovado que a transição das taxas de mortalidade e fecun-
didade, que estimulam as mudanças demográficas, já avançaram significativamente, sendo
improvável a reversão dessa tendência.
Além disso, há evidências históricas representadas por países da Europa Ocidental,
como Itália, Portugal e Espanha, que já vivenciaram esse processo de transição demográfi-
ca, com o envelhecimento da população e um crescimento vegetativo ou natural próximo
a zero ou negativo. Nesse contexto, segundo Carvalho e Rodríguez-Wong (2008), há a
necessidade de se definir e implantar políticas que possam aproveitar as oportunidades
e os desafios impostos por esse processo, como investimentos na educação de crianças e
jovens e melhorias nas áreas de saúde e previdência social, para garantir a qualidade de
vida, sobretudo dos idosos.
Desse modo, a temática da transição demográfica precisa mobilizar não apenas os estu-
diosos sobre o assunto, mas também profissionais de diversas áreas relacionadas à educa-
ção, à saúde, ao trabalho e à qualidade de vida e todos os cidadãos que consideram impor-
tante o bem-estar coletivo e das futuras gerações.

8.3 Os movimentos da população brasileira


Vídeo
A configuração do espaço geográfico brasileiro é marcada por diversos
ciclos econômicos. Assim, determinadas atividades econômicas representa-
ram fatores de atração de população, o que deu origem a movimentos mi-
gratórios pelo território brasileiro.

8.3.1 Produção do espaço brasileiro e mobilidade da


população
Considerando as migrações sob os enfoques espacial e temporal, pode-se afirmar que
as migrações internas no território brasileiro sempre foram intensas. Conforme Scarlato

118 Geografia da População


A estrutura da população brasileira 8
(2005, p. 391), “a quase totalidade dos movimentos migratórios ocorridos em sua história
estiveram relacionados com condições socioeconômicas”. Assim, ao longo do tempo, áreas
economicamente ativas começaram a atrair mais indivíduos e localidades de expressiva di-
namicidade econômica entraram em declínio, passando a dispersar a população, enquanto
outras áreas sempre se constituíram em verdadeiros vazios demográficos. No Brasil, embo-
ra inúmeros fatores contribuam para a mobilidade da população, a Região Nordeste acaba
sendo o melhor exemplo, devido à quantidade de pessoas que migram dessa localidade
para outras regiões do país.
Andrade (1998) destaca o Nordeste brasileiro como exemplo de uma área típica de dis-
persão da população. Os motivos dessa dispersão estão associados, segundo Scarlato (2005),
à desigualdade na distribuição de renda. Numa perspectiva história dessa mobilidade no
Brasil, Andrade (1998) afirma que, no século XVII, a exploração do ouro em Minas Gerais
atraiu uma significativa quantidade de migrantes originários da região Nordeste à procura
de riqueza ou mesmo de melhores condições de vida e trabalho.
Nas últimas décadas do século XIX, o surto da borracha também levou à migração de
habitantes da Região Nordeste, que, subindo os afluentes do rio Amazonas, povoaram áreas
ricas em látex (ou caucho) em terras indígenas. A queda dos preços da borracha e a conse-
quente diminuição da produção ocorridas na primeira década do século XX, no entanto,
dispersaram parte dessa população, que voltou ao Nordeste ou foi para outras áreas econo-
micamente atrativas, enquanto outra parcela permaneceu na Amazônia, povoando extensos
trechos de florestas (ANDRADE, 1998).
A partir de 1930, a consolidação física e política do mercado nacional, segundo Oliven
(2010), estimulou a concentração de atividades industriais no Sudeste. Já São Paulo e Rio de
Janeiro, com crescimento acelerado, atraíram também muitos migrantes nordestinos, que
acabaram trabalhando em sua maioria na construção civil e em serviços domésticos. De
acordo com Andrade (1998), ainda na década de 1930, o norte do Paraná, o sul do Mato
Grosso (atual Mato Grosso do Sul) e Goiás receberam migrantes em busca das oportunida-
des que surgiram com a ampliação das fronteiras agrícolas, áreas nas quais havia a influên-
cia da economia paulista.
Já na segunda metade da década de 1950, com a edificação de Brasília, foi significativo
o número de migrantes do Nordeste que se transferiram para os campos de obras. Do mes-
mo modo ocorreu intensa migração durante a ampliação da estrada Transamazônica, que
passou a ligar o Leste e o Oeste do país. Nesse período, muitos desses indivíduos foram
trabalhar nessa obra e se fixaram às suas margens como colonos (ANDRADE, 1998).
Nos fluxos migratórios na produção do espaço geográfico brasileiro, também se des-
tacou o êxodo rural. Esse processo, segundo Scarlato (2005), foi decorrente das influências
capitalistas no campo, que desestruturaram as relações tradicionais de trabalho, como a
parceria e o arrendamento. Desse modo, com a falta de terras para plantar e os postos de
trabalho cada vez mais escassos, devido à mecanização da agricultura e a substituição das
lavouras por pastagens, além da especulação imobiliária, foram grandes as levas de traba-
lhadores rurais que migraram, sobretudo, para as grandes cidades.

Geografia da População 119


8 A estrutura da população brasileira

8.3.2 Tendências atuais de mobilidade da população


brasileira
A partir da década de 1980, as dinâmicas econômicas, sociais e demográficas brasileiras
passaram por transformações significativas, que envolveram também a redistribuição espacial
da população. Destaca-se como tendência “a interrupção da concentração populacional que,
durante décadas, caracterizou a dinâmica demográfica nacional” (CUNHA, 2003, p. 218).
Verifica-se nesse contexto uma maior interiorização da população no território brasilei-
ro, decorrente, conforme Menezes (2000), da construção de diferentes territorialidades na-
cionais, ou seja, espaços que passam a conter cada vez mais poder em função de fatores eco-
nômicos ou valores agregados, como tecnologia, mão de obra qualificada e infraestrutura.
Ainda na perspectiva das tendências atuais da mobilidade da população, Cunha (2003)
chama essas territorialidades nacionais de novos espaços regionais, que passam a interferir
nos padrões locacionais da população dentro e fora dos grandes centros urbanos, o que
se caracteriza com uma relativa desconcentração demográfica. Tal relatividade se deve ao
fato de que a desconcentração é circunscrita ao conjunto das regiões metropolitanas, princi-
palmente no Sudeste do país. Evidencia-se, assim, “a força que o fenômeno metropolitano
ainda tem sobre a dinâmica nacional e a forma como as características deste tipo de assenta-
mento humano se repetem no país” (CUNHA, 2003, p. 218).
Menezes (2000), por sua vez, destaca a tendência de “migrações de curta distância”,
predominantemente inter-regionais e intermunicipais e que podem ser sazonais, como em
áreas de modernização agrícola, e de “migrações de retorno”, que estão associadas a uma
gama de contextos variados, sendo o mais significativo o retorno ao Nordeste brasileiro.
Destacam-se, também, segundo Cunha (2005), as migrações: “entre-estaduais”, sobretu-
do entre as áreas metropolitas e o interior; “intrametropolitanas”, que ocorrem de forma se-
melhante em praticamente todas as áreas metropolitanas do país; e “urbano-rurais”, ligadas
em boa parte à expansão das áreas urbanas onde o habitante, embora more no espaço rural,
realize atividades, por exemplo, de trabalho. O autor distingue, ainda, como tendência os mo-
vimentos migratórios internacionais, que, devido à intensidade com que vêm ocorrendo, le-
varam os demógrafos a desconsiderar a tese de que o Brasil teria uma população “fechada”.

Ampliando seus conhecimentos

Movimentos migratórios: um novo olhar para


o século XXI
(BAENINGER, 2015, p. 13-14)

[...]

No início do século XXI, as migrações internas tornaram-se ainda mais


complexas, sem a definição – que anteriormente poderia se visualizar – dos

120 Geografia da População


A estrutura da população brasileira 8
rumos da migração no país, considerando o comportamento verificado
em décadas anteriores. As análises recentes acerca dos processos migra-
tórios permitem apontar a redefinição da relação migração-industrializa-
ção (Singer, 1973), migração-fronteira agrícola (Martine e Camargo, 1984),
migração-desconcentração industrial (Matos, 2000; Baeninger, 1999),
migração-emprego e migração-mobilidade social (Faria, 1991).

O contexto atual da economia e da reestruturação produtiva, em anos


recentes, induz um novo dinamismo às migrações no Brasil, onde os flu-
xos mais volumosos são compostos de idas-e-vindas, refluxos, reemigra-
ção, outras etapas – que pode ser mesmo o próprio local de origem antes
do próximo refluxo para o último destino. Assim, as migrações assumem
um caráter mais reversível (Domenach e Picouet, 1990) do que nas expli-
cações que nos pautávamos até o final do século XX. Essa reversibilidade
diz respeito, tanto às áreas de origem, com um crescente vai-e-vem como
às de destino, com o incremento da migração de retorno.

É nesse contexto, que a migração interestadual, para o conjunto do país,


continuou em patamares expressivos: 9.587.459 pessoas entre 1970-
1980, 10.614.223 pessoas entre 1980- 1991, 12.478.790 entre 1991-2000, e,
11.407.076 pessoas entre 2000-2010. Esse decréscimo da virada do século
XX para o XXI, não significa, contudo, uma tendência à estagnação das
migrações; ao contrário, denota outros arranjos da própria migração
interna, bem como seus atuais desdobramentos, com novas modalidades
de deslocamentos populacionais em âmbitos locais e regionais. São Paulo
passou, por exemplo, a ter saldo migratório negativo com diferentes esta-
dos do Nordeste e com demais regiões do país; o Nordeste apresenta
intensas migrações com o Centro-Oeste; e Santa Catarina concentra pro-
cessos migratórios regionais.

Nesse contexto de redefinição de áreas de retenção, perdas e rotatividade


migratórias (entram migrantes e saem migrantes), redesenha-se a mobi-
lidade espacial da população no Brasil, com processos migratórios que
resultam na expansão dos espaços de rotatividade migratória. A tendên-
cia de perda migratória do Sudeste revela a consolidação dos espaços da
migração no país, onde a complementaridade migratória – historicamente
existente entre Nordeste-Sudeste – se redefine num cenário de rotativi-
dade migratória.

Desse modo, o cenário migratório do século XXI apresenta dois grandes


vetores redistributivos nacionais. O primeiro é caracterizado pela “dis-
persão migratória metropolitana”, que em nível nacional é marcado pelos

Geografia da População 121


8 A estrutura da população brasileira

significativos volumes de migrantes de retorno interestaduais, em espe-


cial que partem das metrópoles brasileiras para outros estados. O segundo
vetor se verifica no âmbito intra-estadual que também sai das metrópoles,
com a conformação de importantes fluxos migratórios metrópole-interior.
Indica, portanto, a “interiorização migratória”, onde trajetórias migrató-
rias de mais curtas distâncias envolvem aglomerações urbanas e espaços
não-metropolitanos, expressos na maior retenção de população migrante
nos estados e nas regiões demográficas.

Pode-se caracterizar os espaços da migração no Brasil nos últimos anos


da seguinte maneira: i) área de retenção migratória nacional e regio-
nal, ou seja, o novo polo das migrações, o Estado de Goiás, situado na
região Centro-Oeste e área de expansão do complexo grãos-carne no
país; ii) áreas de retenção migratória regional, estados do Mato Grosso
(Região Centro-Oeste), Pará (Região Norte), Rio Grande do Norte (Região
Nordeste), Espírito Santo (Região Sudeste) e Santa Catarina (Região Sul);
iii) área de rotatividade migratória nacional: São Paulo e Rio de Janeiro,
em especial suas metrópoles – expressões territoriais do fordismo nos
anos 1970/1980 no Brasil.

Assim, observa-se nas migrações internas no Brasil da primeira década


do século XXI, três vertentes: 1) localizada na faixa que se estende do
Mato Grosso passando por Goiás, Tocantins, Maranhão e Piauí até o Pará,
caracterizada pelas maiores áreas de retenção migratória; 2) o outro cor-
redor da migração nacional é historicamente conformado pelos fluxos
Nordeste-Sudeste, e agora pelos seus refluxos Sudeste-Nordeste, onde
transitam os volumes mais elevados da migração do país, com intensas
áreas de rotatividade migratória; 3) reconfiguração de espacialidades
migratórias em âmbito sub-regional, como são os casos de Minas Gerais,
Bahia e São Paulo.

Essas espacialidades sub-regionais também são observadas na Região Sul,


com o estado de Santa Catarina como área de forte absorção migratória
regional. Já no extremo norte do país, antiga área de fronteira agrícola,
há baixa mobilidade populacional de longa distância, mas centralidade
migratória do Amazonas na recepção dos fluxos migratórios do Pará e da
atual retenção migratória de Roraima. [...]

122 Geografia da População


A estrutura da população brasileira 8
Atividades
1. Analise as pirâmides etárias a seguir:

Fonte: UNITED STATES CENSUS BUREAU, 2017.

Indique as principais diferenças entre as populações representadas nas pirâmides


quanto às taxas de natalidade e mortalidade.

2. De acordo com Brito (2008, p. 6), a “transição demográfica é um dos fenômenos


estruturais mais importantes que tem marcado a economia e a sociedade brasileiras
desde a segunda metade do século passado”. Explique os fatores que estimularam a
transição demográfica no Brasil.

Geografia da População 123


8 A estrutura da população brasileira

3. Busque informações sobre a história do município onde você vive, com a finalidade
de analisar os movimentos populacionais que nele ocorreram ou que ainda ocorrem.
Para isso, tenha como roteiro as seguintes questões:

• Quais os principais ciclos econômicos que ocorreram no município?


• De que forma esses ciclos atraíram ou dispersaram migrantes?

Com base nas informações encontradas, elabore um texto com as conclusões a que
chegou.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia econômica. 12. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
BAENINGER, Rosana. Migrações internas no Brasil: tendências para o século XXI. Revista Necat, ano
4, n. 7, jan./jun. 2015. Disponível em: < http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/necat/article/
download/3623/4272 >. Acesso em: 30 jan. 2017.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população por sexo e idade: Brasil
2000-2060. 2013. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/
00000014425608112013563329137649.pdf > Acesso em 20 jan. 2017.
BRITO, Fausto. Transição demográfica e desigualdades sociais no Brasil. Revista Brasileira de Estudos
da População, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 5-26, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
rbepop/v25n1/v25n1a02.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2017.
CARVALHO, José Alberto Magno de; WONG, RODRÍGUEZ-WONG, Laura L. A transição da estrutu-
ra etária da população brasileira na primeira metade do século XXI. Cadernos de Saúde Pública, Rio
de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 597-605, mar. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v24n3/13.
pdf>. Acesso em: 30 jan. 2017.
CASTRO, Guilherme Caldas. Demografia básica. Rio de Janeiro: Autografia, 2015.
CERQUEIRA, Cézar Augusto; GIVISIEZ, Henrique Naves. Conceitos básicos em demografia e di-
nâmica demográfica brasileira. In: RIOS-NETO, Eduardo; RIANI, Juliana. Introdução à demografia
da educação. Campinas: ABEP, 2004. Disponível em: <http://www.ess.inpe.br/courses/lib/exe/fetch.
php?media=cst-310-popea:refs:cerqueira_givizies_conceitosbasicosdemografia.pdf>. Acesso em: 20
jan. 2017.
CUNHA, José Marcos Pinto. Migração e urbanização no Brasil: alguns desafios metodológicos para
análise. São Paulo em Perspectiva, v. 19, n. 4, p. 3-20, out./dez. 2005. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/spp/v19n4/v19n4a01.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2017.
______. Redistribuição espacial da população: tendências e trajetória. São Paulo em Perspectiva, v. 17,
n. 3-4, p. 218-233, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v17n3-4/a22v1734.pdf>. Acesso
em: 25 jan. 2017.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população por sexto e idade: Brasil
2000-2060. Rio de Janeiro, 29 ago. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/
noticias/imprensa/ppts/00000014425608112013563329137649.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2017.
MENEZES, Maria Lúcia Pires. Tendências atuais das migrações internas no Brasil. Scripta Nova
– Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, n. 69, 2000.
Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn-69-45.htm>. Acesso em: 15 jan. 2017.

124 Geografia da População


A estrutura da população brasileira 8
OLIVEN, Ruben George. Urbanização e mudança social no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein,
2010. 146 p. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/z439n>. Acesso em: 25 jan. 2017.
PEREIRA, Marcílio Zanelli. Interação do setor de serviços com os demais setores da economia:
uma análise de insumo-produto (2000-2005). 2012. Dissertação (Mestrado em Economia Aplicada) –
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufjf.br/
jspui/handle/ufjf/1663>. Acesso em: 30 jan. 2017.
SCARLATO, Francisco Capuano. População e urbanização brasileira. In: ROSS, Jurandir L. Sanches
(Org.). Geografia do Brasil. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2005.
UNITED STATES CENSUS BUREAU. International Programs. International Data Base. Disponível
em: <https://www.census.gov/population/international/data/idb/informationGateway.php>. Acesso
em: 30 jan. 2017.
VASCONCELOS, Ana Maria Nogales; GOMES, Marília Miranda Forte. Transição demográfica: a ex-
periência brasileira. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 21, n. 4, p. 539-548, out./dez. 2012.
Disponível em: <http://scielo.iec.pa.gov.br/pdf/ess/v21n4/v21n4a03.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2017.

Resolução
1. Espera-se que você explique que a pirâmide da Finlândia apresenta o meio pouco
afunilado e o topo mais largo, evidenciando baixas taxas de natalidade e de morta-
lidade e uma expectativa de vida elevada. Em relação à pirâmide do Níger, a base
larga indica elevadas taxas de natalidade, o meio indica que as taxas de mortalidade
são também altas e o topo indica que a expectativa de vida é baixa.

2. Espera-se que você aponte fatores como as melhorias nas condições médico-sanitá-
rias que permitiram a queda nas taxas de mortalidade. Isso se deve principalmente
ao acesso da população a vacinas, saneamento básico e diagnósticos de doença e tra-
tamentos adequados. Esses fatores permitiram, também, a elevação da expectativa
de vida e a diminuição das taxas de fecundidade.

3. Considerando a especificidade da história do município do acadêmico, espera-se


que você identifique fatores que, em determinados momentos, atraíram indivíduos
para a localidade em questão ou os dispersaram, como os tipos de movimentos po-
pulacionais, como, por exemplo, o êxodo rural.

Geografia da População 125


GEOGRAFIA DA POPULAÇÃO
João Mendes

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6306-2

9 788538 763062

Você também pode gostar