Mensagem Ao Povo Brasileiro

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Mensagem 0126/23

Aparecida - SP, 28 de abril de 2023

MENSAGEM DA CNBB AO POVO BRASILEIRO

“Ele é a nossa paz: de dois povos fez um só,


em sua carne derrubando o muro da inimizade que os separava” (Ef. 2,14)

Animados pelo amor do Pai, pela luz do Senhor ressuscitado e com a força do Espírito
Santo, nós, bispos católicos, nos reunimos em Aparecida para a 60ª Assembleia Geral da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB. Fizemos isso como pastores em comunhão
com os presbíteros, diáconos, religiosos e religiosas, consagrados e consagradas, cristãos
leigos e leigas. Sentimo-nos acompanhados pela oração de nosso povo, representado
visivelmente pela multidão de peregrinos de todo o Brasil, que rezaram conosco nas
celebrações eucarísticas. Maria, Mãe de Jesus, a Senhora Aparecida, esteve perto de nós,
acolhendo-nos, cuidando de nossos trabalhos e intercedendo por nós.
Esses dias na casa da Mãe Aparecida foram uma oportunidade para experimentarmos
a comunhão a partir da riqueza de nossas diversidades. Quem nos une é Cristo e, por ele,
esperançosos e comprometidos, renovamos nossa opção radical e incondicional com a defesa
integral da vida que se manifesta em cada ser humano e em toda a criação.
A renovação desse compromisso com a vida dá-se num tempo marcado por grandes
desafios que, longe de nos desanimarem, estimulam a Igreja na promoção do Reino de Deus.
Nossas comunidades estão respondendo, com solidariedade fraterna, às consequências das
tragédias socioambientais; com compromisso cidadão na defesa da democracia e, com
responsabilidade social, ao drama da fome que nos assola. Com alegria, reconhecemos que
esse é o autêntico e eficaz testemunho de que o mundo necessita, à luz da Palavra de Deus,
pois não temos ouro nem prata, mas trazemos o que de mais precioso nos foi dado: Jesus
Cristo ressuscitado (cf. At. 3,6).
Essa alegria é consequente e, por isso, nos faz enxergar também os sofrimentos
presentes na sociedade. Nossa atenção se volta especialmente para o que estamos vivendo:
“uma terceira guerra mundial em pedaços” (Papa Francisco, em 13 de setembro de 2014, ao
lembrar o início da Primeira Guerra Mundial,), evidenciada no solo ucraniano, mas também
em outras regiões do planeta. Além do flagelo das guerras, muitas outras situações nos
preocupam, como os autoritarismos, as polarizações, as desinformações, as desigualdades
estruturais, o racismo, os preconceitos, a corrupção, a banalização do mal e das vidas, as
doenças, a drogadição, o tráfico de drogas e pessoas, o analfabetismo, as migrações forçadas,
as juventudes com poucas oportunidades, as violências em todas as suas dimensões, o
feminicídio, a precarização do trabalho e da renda, as agressões desmedidas à “casa comum”,
aos povos originários e comunidades tradicionais, a mineração predatória, entre tantas
outras, que fragilizam o tecido social e tencionam as relações humanas.

Certa cultura da insensibilidade nos conduz a essas situações extremas. A degradação


da criação e o descaso com os mais pobres e abandonados estão presentes, por exemplo, na
criminosa tragédia ocorrida com o povo Yanomami. O mesmo ocorre com muitos dos povos
das florestas, das águas e do campo, submetidos a graves e duras realidades que os expõem
à globalização da indiferença.

Reconhecemos a importância da resistência histórica do movimento indígena, cujo


fruto se traduz na chegada de suas lideranças a diversos postos de decisão no governo federal
e em alguns governos estaduais. Contudo, essa presença não pode ser apenas figurativa. Há
uma imensa necessidade de se adotarem providências e ações concretas em defesa desses
povos. Não podemos mais aceitar em nossa história o descaso com os povos originários.
Acreditamos que o julgamento da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal, no
próximo mês de junho, seja decisivo para que suas terras sejam reconhecidas como legítimas
e legais. Temos esperança que essa definição venha a ser um passo importante para a garantia
dos direitos constitucionais.
Esses problemas têm origem na opção por um modelo econômico cruel, injusto e
desigual. Por trás da palavra “mercado” existe um sistema financeiro e econômico autônomo,
que protagoniza ações inescrupulosas, destrói a vida, precariza as políticas públicas, em
especial a educação e a saúde, adota juros abusivos que ampliam o abismo social, afeta a
cadeia produtiva e reduz o consumo dos bens necessários à maioria do povo brasileiro.
Às vésperas do dia 1º de maio, saudamos os trabalhadores e as trabalhadoras de nosso
País, com as palavras do Papa Francisco: “O mundo do trabalho é prioridade humana, é
prioridade cristã, a partir de Jesus trabalhador. Onde há um trabalhador, ali há o olhar do
amor do Senhor e da Igreja. Lugares de trabalho são lugares do povo de Deus” (Encontro com
Trabalhadores em Gênova, Itália, 2017). Diante das mudanças do mundo do trabalho,
percebemos que promessas de crescimento econômico, geração de empregos, melhores
condições de trabalho, aumento de renda, redução da carga horária, mais tempo de descanso
e convivência social, enfim, condições mais saudáveis de vida, continuam sendo desafios sem
soluções. A crescente informalidade das relações trabalhistas reduz a segurança social e
impede o acesso ao mínimo para a sobrevivência. O trabalho análogo à escravidão, presente
em todo o território nacional, é uma chaga social que precisa ser energicamente combatida
pelos poderes constituídos e por toda a sociedade.
As constatações desses tempos difíceis não podem nos limitar, nem servir para que as
soluções sejam adiadas. As estruturas do Estado, os poderes da República, as autoridades
públicas, as lideranças sociais, as organizações religiosas, os meios de comunicação, as
plataformas e as redes sociais, cada um e cada uma, com sua competência, devem apoiar-se
reciprocamente para o bem do País. Precisamos criar um “espaço de corresponsabilidade
capaz de iniciar e gerar novos processos e transformações. Sejamos parte ativa na reabilitação
e apoio das sociedades feridas” (Fratelli Tutti, 77). Assumindo nosso dever social, não
podemos deixar de cobrar dos governos, legitimamente eleitos, o protagonismo que lhes foi
confiado, uma opção clara e radical pela vida, desde a concepção até à morte natural,
passando inevitavelmente pelos direitos sociais e humanos. Chamamos a atenção para a
importância da vacinação, especialmente para das crianças. No cuidado com a vida, nenhuma
seletividade pode ser tolerada e será sempre, por nós, denunciada.
Conclamamos toda a sociedade brasileira a construir um amplo projeto de
reconciliação e pacificação, a partir de um diálogo franco e aberto, que possibilite superar o
que nos afasta, com o objetivo de assegurar o que nos une: o país, o seu povo e a criação. O
ponto de partida dessa construção se dá nas famílias, comunidades, relações sociais,
profissionais, eclesiais e políticas, através da amizade social que promove a cultura do
encontro. Como comunidade de fé, cremos que sua concretização passa necessariamente
pelas nossas orações. Rezemos, pois, como nos pede o Papa Francisco, pelo fim das guerras,
dos conflitos e das violências. Somos “caminhantes da mesma carne humana, como filhos
desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas
convicções, cada qual com a própria voz” (Fratelli Tutti, 8).
Reafirmamos nossa profunda confiança no povo brasileiro. Não tenhamos medo. A
esperança é a nossa coragem! Sejamos semeadores de mudança, de solidariedade e de vida.
Pelo amor do Cristo vivo e ressuscitado, por intercessão de Nossa Senhora Aparecida,
Padroeira do Brasil, invocamos a bênção de Deus sobre o povo brasileiro, suas famílias e
comunidades.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo Dom Jaime Spengler


Arcebispo de Belo Horizonte - MG Arcebispo de Porto Alegre - RS
Presidente da CNBB 1º Vice-Presidente

Dom Mário Antônio da Silva Dom Joel Portella Amado


Arcebispo de Cuiabá - MT Bispo auxiliar do Rio de Janeiro - RJ
2º Vice-Presidente Secretário-Geral

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