4 - Isabelle Marques
4 - Isabelle Marques
4 - Isabelle Marques
MARINGÁ
2019
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
MARINGÁ
2019
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
_____________________________________
Professor: Dr.
___________________________________
Professor: Me.
O presente artigo tratará sobre o Inquérito Criminal 4.781, instaurado de ofício pelo Ministro
José Antônio Dias Toffoli e conduzido pelo Supremo Tribunal Federal. O ano de 2019 foi
marcado por inconstitucionalidades praticadas pelo Supremo Tribunal Federal, sendo as
investigações retro aludidas um exemplo delas. Diante de tal conjuntura, por ser a instituição
encarregada de fiscalizar e salvaguardar a lei máxima do país, que se sobrepuja sobre todas as
demais na hierarquia das normas, preocupar-se com os julgamentos e as determinações por
ela promulgados é vital para a permanência, a estabilidade e a segurança da Democracia e do
Estado Democrático de Direito. O presente artigo foi desenvolvido com base na pesquisa
bibliográfica em livros, artigos, revistas virtuais, matérias jornalísticas, leis, documentos
jurídicos e demais referências, procurando esclarecer os motivos pelas quais o “inquérito do
STF” é inconstitucional à luz dos princípios encartados na Constituição de 1988.
The present article will deal with the Criminal Inquiry 4.781, instituted by the Minister José
Antônio Dias Toffoli and conducted by the Federal Supreme Court. 2019 was marked by
unconstitucionalities comitted by the Federal Supreme Court, the above investigations being
an example of them. Given this conjuncture, because it is the institution in charge of
overseeing and safeguarding the country's highest law, which surpasses all others in the
hierarchy of norms, worrying about the judgments and determinations enacted by it is vital for
permanence, the stability and security of democracy and the rule of law. This article was
developed based on bibliographic research in books, articles, virtual magazines, journalistic
articles, laws, legal documents and other references, seeking to clarify the reasons why the
“STF inquiry” is unconstitutional in light of the principles embodied in the Brazilian
Constitution, established in 1988.
INTRODUÇÃO
O Ministro Edson Fachin, nos autos da ADPF, foi recentemente intimado para que
esclareça se ao Ministério Público já foi dada vistas ao inquérito e todos os demais processos
que por venturam existam, correlacionados à investigação de ofício da Corte máxima do
Poder Judiciário.
2 DOS SISTEMAS PENAIS INQUISITORIAL E ACUSATÓRIO
Antes de se adentrar nos motivos que tornam a investigação do Supremo Tribunal
Federal inconstitucional, é necessário entender qual é o processo penal adotado atualmente no
Brasil, para que se tenha em mente o porquê que ele é uma evolução histórica, imbuído de
garantias democráticas que não podem ser solapadas.
O sistema penal acusatório surgiu na antiguidade, sendo uma criação da primeira
democracia existente no mundo - que se tem conhecimento -, a grega. Posteriormente, foi
melhorado pela civilização romana. O Doutor José Reinaldo de Lima Lopes, livre docente
pela Universidade de São Paulo, além de fundador e primeiro presidente do Instituto
Brasileiro de História do Direito, em seu livro, “O Direito na História”, conta que, em Atenas,
para os casos de crimes públicos, os julgamentos eram feitos por grandes tribunais, com
dezenas ou centenas de membros, que eram cidadãos gregos. Os casos de menor
complexidade poderiam ser julgados por juízes singulares, no entanto, havia ao acusado o
direito de apelar às Assembleias judiciais, que funcionavam em grupos (LOPES, 2019).
Em complemento, narra o professor Aury Lopes Júnior, em seu livro intitulado
“Fundamentos do Processo Penal” (JÚNIOR, 2019), que a acusação, na Grécia antiga,
poderia ser feita por qualquer pessoa, em crimes graves, ou de forma privada, em casos de
crimes de menor gravidade.
Já no direito romano da Alta República, havia duas formas de processo penal: cognitio
e accusatio. O primeiro, era encomendado ao juiz, para que este esclarecesse os fatos e
submetesse o relatório à julgamento. No entanto, existia o recurso de apelação, em que a
decisão do juiz singular poderia ser anulada. Na segunda maneira, conforme ocorria na
Grécia, a acusação poderia ser feita por um cidadão qualquer ou por um representante da
coletividade, distinto do juiz, denominado de accusator.
Em linhas gerais, desde a antiguidade, o sistema penal acusatório é marcado pela
passividade do juiz, que se mantém distante do ônus probante dos autos, responsabilidade das
partes - acusador e acusado, havendo contraditório e ampla defesa, além de haver vedação
para processar réu ausente e penalidade por denunciação caluniosa.
12
Na época atual, clarifica o professor Aury Lopes Júnior, que o sistema penal
acusatório conserva as premissas nas quais foi fundado, contudo, acresceu em princípios e
garantias processuais. São eles: a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a
iniciativa probatória deve ser das partes; c) o juiz é o terceiro imparcial, alheio ao labor das
provas; d) tratamento paritário entre as partes; e) procedimento predominantemente oral; f)
publicidade de todo o processo; g) resistência plena (defesa); h) segurança jurídica e coisa
julgada; i) possibilidade de se impugnar as decisões judiciais e a existência de um duplo grau
de jurisdição (JÚNIOR, 2019, p. 181).
Retornando à antiguidade clássica, o sistema penal acusatório não evoluiu de forma
linear e progressiva, ao inverso, durante a idade média e a idade moderna, foi abandonado, até
ir sendo retomado aos poucos, posteriormente, na contemporaneidade. Em resumo, o sistema
penal inquisitorial teve gênese na igreja, instituição que tinha domínio econômico, político,
social e espiritual no medievo.
Mas, a inquisição ultrapassou os muros da igreja. Com o tempo, os magistrados foram
adentrando cada vez mais nas atribuições que, dantes, eram reservadas às lideranças da
coletividade, que faziam o papel do acusador privado nos processos judiciais das civilizações
greco-romanas.
Pode-se definir, superficialmente, que sistema penal inquisitorial é aquele em que o
juiz possui poder de produzir provas, sem envolvendo direta e ativamente na instrução
processual. O professor Aury Lopes faz a seguinte análise:
O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O
que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de
poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz-
inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro
imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também
como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e do acusador, e o
acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto
de investigação.
Frente a um fato típico, o julgador atua de ofício, sem necessidade de prévia
invocação, e recolhe (também de ofício) o material que vai constituir seu
convencimento. [...] O juiz é livre para intervir, recolher e selecionar o
material necessário para julgar, de modo que não existem mais defeitos pela
inatividade das partes e tampouco existe uma vinculação legal do juiz
(JÚNIOR, 2019, p. 185-186)
13
que irá sentenciar. Então, pode-se concluir que as principais características deste sistema são:
a) parcialidade do juiz; b) inexistência da figura do acusador; c) impossibilidade de ampla
defesa e contraditório; d) resultado final pré-delimitado desde a instauração do inquérito.
No Brasil, o sistema penal acusatório foi adotado há apenas trinta anos, com a
promulgação da Carta Magna de 1988, que atribuiu ao Ministério Público o caráter de
instituição permanente, essencial à administração da justiça, com titularidade exclusiva para
promover as ações penais públicas, exercer o controle externo da atividade policial e
requisitar investigações (artigo 129, CF/1988), consoante se verificará melhor no tópico
seguinte.
2.1 DO PAPEL DAS POLÍCIAS E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA INVESTIGAÇÃO E
NO PROCESSO PENAL BRASILEIROS.
Como já manifestado, o Ministério Público desempenha função essencial à
administração da Justiça. Atua como fiscal da lei, defensor do Estado Democrático de Direito,
da harmonia entre os poderes republicanos, e dos interesses sociais.
Por tamanha importância institucional, possui ampla autonomia, não se submetendo a
nenhum ao executivo, legislativo e judiciário (artigo 127, §2º, da Constituição Federal de
1988).
Todavia, explica o Professor Pedro Lenza, em seu livro Direito Constitucional
Esquematizado (LENZA, 2015, p. 1004), que as funções constitucionais pertencentes ao
parquet, elencadas no referido artigo 127, não são taxativas, uma vez que seu inciso IX
estabelece a possibilidade de lhe serem atribuídas novas funções.
Sua origem remonta aos Procuradores do Rei, do direito francês. No Brasil, o Alvará
de 07 de março de 1609, que criou o Tribunal de Relação da Bahia, foi a primeira legislação
nacional a abordar a função do Ministério Público (LENZA, 2015, p. 978).
Dentre as prerrogativas e competência do órgão, estão a titularidade e o monopólio da
ação penal pública, o zelo pelo efetivo respeito aos três poderes, o exercício do controle
externo da atividade policial, os requerimentos de diligências investigatórias e a instauração
de inquérito policial.
Para o Doutor Mendroni, já anteriormente referenciado, a função investigativa do
Ministério Pública tem raízes e explicações históricas. De acordo com ele, desde o século XII
e seguintes, já havia Promotores com a função de investigação tais quais a parquet. Afirma,
ademais, que a evolução dos antigos Procuradores do Rei para os atuais Promotores se
15
confunde com a própria evolução do sistema penal acusatório (já esmiuçado no capítulo
anterior). Leia-se:
O surgimento do Ministério Público como hoje se concebe confunde-se com
a evolução do próprio sistema acusatório, e, como dissemos anteriormente,
com uma dupla justificativa:
a) a pretensão de garantir a efetividade da Persecutio Criminis, ou seja,
para impor o dever de investigar e perseguir todos os fatos com aparência
delitiva (aplicação do Princípio da Legalidade);
b) buscar a imparcialidade do Juiz – inexistente no Sistema Inquisitivo.
Disso decorre que quando se analisa a evolução do Sistema Acusatório
percebe-se a intenção de outorgar a um órgão estatal com características
judiciais (um órgão público) o controle sobre a persecução penal [...].
(MENDRONI, 2013, p. 65-68).
Logo, a função do Ministério Público é, dentro do âmbito penal, garantir a
imparcialidade do Juiz, da persecução penal e da igualdade entre acusador e acusado, que, por
consequência, garante o devido processo legal e o julgamento justo.
O Promotor que investiga o caso deve preocupar-se não tanto com a pessoa, mas com
o fato ocorrido. Segundo o Doutor Mendroni, o Promotor, deve dar maior atenção às
evidências e à comprovação da prática criminosa, e não voltar a sua atenção exclusivamente
para a pessoa do investigado, adiantando-lhe uma punição (MENDRONI, 2013, p. 337).
De todo o exposto, pode-se concluir, com tranquilidade, que o Ministério Público é o
accusator da antiguidade clássica, e por força da Constituição nacional, titular natural da ação
penal, por ser o órgão independente chamado a atuar na ocorrência de crimes de natureza
pública. E, assim sendo, é de sua incumbência provar a autoria dos crimes, devendo, para
tanto, tomar as rédeas investigativas.
Em linhas sintéticas, a investigação criminal é uma fase pré-processual, que possui,
basicamente, duas finalidades: apurar a ocorrência de um crime e indiciar. É, neste diapasão,
um mecanismo de se evitar o processamento penal prematuro e temerário, contra pessoas
inocentes e/ou com supedâneo em fatos não tipificados no Código Penal.
Tratando-se da atuação das Polícias nas investigações criminais, são exemplos típicos
de suas funções: registrar boletins de ocorrência, coletar dados, documentos, materiais (fotos,
filmagens, armas, objetos, escutas telefônicas, etc.), fazer verificações, buscas e apreensões,
identificações, operações e cumprir mandados judiciais.
Clarividente, a função pública das polícias não se subsome apenas em investigar, é
também a manutenção da lei, da paz e da ordem social e manter sob sua guarda e
16
responsabilidade os apenados. Por isso, é ela que é a responsável por manter policiais nas ruas
e fazer rondas de vigilância, inibir a ocorrência de fatos criminosos (face repressiva). Quando
são cometidos ilícitos penais, já no seu espectro investigatório, a Polícia deve preservar o
local do crime intacto para as realizações das perícias, coletar evidências e produzir
inquéritos.
O professor Batlouni é enfático que:
Assim é que, tratando-se de atividade investigatória da Polícia, esta tem que
atuar com muita rapidez na sua tarefa de coleta de todo o material que possa
guardar relação com o crime – material este que, posteriormente será́
estudado em conjunto e inter-relacionado deverá servir para que se possa
chegar a alguma conclusão seriamente fundamentada.
Essa atividade realizada pela Polícia em seguida à prática do delito tem uma
importância fundamental para o posterior esclarecimento das referidas
circunstâncias que a envolvem. Quanto mais eficiente seja, tanto melhores
serão as possibilidades de um esclarecimento completo, e, por outro lado,
quanto menos material houver sido coletado, tanto menores serão as
possibilidades de esclarecimento e, por isso, tanto mais obscuros e menos
conclusivos se tornarão os fatos. (MENDRONI, 2013, p. 322).
Não obstante, para o bom encaminhamento da finalidade proposta a este artigo, é
apropriado ater-se ao papel da polícia apenas na investigação criminal.
A polícia é fundamental para a jurisdição penal, porque do inquérito por ela produzido
é que dependerá boa parte da instrução processual, principalmente nas ações penais públicas.
Isto é, a Polícia é o órgão que tem o primeiro contato com a notícia criminis.
Interligando o conhecimento adquirido, pode-se afirmar que o trabalho em conjunto da
Polícia e do Ministério Público serão fundantes para os esclarecimentos dos fatos e para o
bom funcionamento do sistema penal acusatório. A primeira coleta as evidências, o segundo
as analisa e propõe a denúncia, se for o caso.
É por isto que o Ministério Público deve orientar as investigações e exercer o controle
externo da Polícia. Se o crime tem natureza de interesse público, mas, ao mesmo tempo, é
necessário haver imparcialidade do Juiz e igualdade entre as partes, nada mais consentâneo
que aquele tenha poderes investigativos e oriente os trabalhos policiais:
Quando a Polícia tenta caminhar por sua própria conta na coleta do material
comprobatório (evidências) dos fatos, normalmente terá́ realizado atuações
em desconformidade com o que quer o destinatário das evidências, o
Ministério Público, e, por conseguinte, em muitos casos, terá “deixado de
17
fazer o que devia” – tendo feito “o que não era necessário”, e pior, com
perda de tempo irrecuperável para os esclarecimentos, tempo este que, como
salientado, joga contra a eficiência da investigação criminal. Correto,
portanto, é que a Polícia, tão pronto tenha concluído as atividades
preliminares, logo após a prática do crime, comunique a ocorrência de tal
fato criminoso e das circunstâncias observadas ao Ministério Público, para
em seguida receber do Promotor de Justiça as instruções devidas para o
encaminhamento da sequência das investigações. (MENDRONI, 2013, p.
324).
Pelo que foi até aqui sublinhado, pode-se definir que a árvore do sistema penal
acusatório é constituída de duas fases: pré-processual e processual. A polícia atua
preliminarmente, na fase extrajudicial, investigando e colhendo evidências. O parquet age
tanto na fase pré-processual quanto na fase processual; na primeira, se utilizando de suas
prerrogativas investigatórias – orientando os trabalhos policiais ou até mesmo requerendo a
abertura ou a complementação dos inquéritos -, analíticas e instrutórias; na segunda, como
parte processual ativa, fazendo a denúncia e acusando.
2.2 DO PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NO SISTEMA PENAL ACUSATÓRIO
BRASILEIRO
Sobre o papel do juiz no processo penal, é importante abordar o tema. O juiz é aquele
que, no exercício do poder jurisdicional, irá sentenciar o acusado, com base nas provas
produzidas pelas partes processuais, nas leis e no princípio do livre convencimento motivado.
Falar sobre sua imparcialidade, muitas das vezes, pode parecer utópico, afinal de
contas o juiz é um ser-humano, nunca será, portanto, integralmente isento. Suas sentenças,
quer queira quer não, espelharão seus valores, sua visão de mundo e suas opiniões,
indubitavelmente. Sem embargo, não é neste tocante que diz respeito o princípio da
imparcialidade do juiz no processo penal. Imparcialidade, no sistema acusatório, significa
alheamento.
O juiz deve estar livre de pré-juízos, para que possa analisar, sem qualquer
envolvimento psicológico, as provas que foram produzidas e estão constantes nos autos. O
professor Aury Lopes Júnior define que o juiz que participa da instrução, cria, nas suas
próprias palavras, quadros de paranoia mental:
Atribuir poderes instrutórios a um juiz – em qualquer fase –é um grave erro,
que acarreta a destruição completa do processo penal democrático. [...] Isso
significa que se opera um primado (prevalência) das hipóteses sobre os fatos,
18
porque o juiz que vai atrás da prova primeiro decide (definição da hipótese)
e depois vai atrás dos fatos (prova) que justificam a decisão (que na verdade
já foi tomada). O juiz nesse cenário passa a fazer quadros mentais
paranoicos.
É evidente que o recolhimento de prova por parte do juiz antecipa a
formação do juízo. (JÚNIOR, 2019, p. 206-207).
Ou seja, a imparcialidade do juiz está no fato de que ele deve estar livre de pré-
conceitos e hipóteses mentais sobre o caso sub judice, para que possa julgar e sentenciar com
base tão somente naquilo que foi acostado pelo Ministério Público e o Réu.
São essas as razões que fazem com que, inclusive, boa parte da doutrina critique a
possibilidade que o Código de Processo Penal trouxe de que os juízes possam requerer, de
oficio, a produção de certas provas. Mas, embora seja tal discussão seja de grande valia, neste
momento, a intenção é fixar que o princípio da imparcialidade tem pedra angular no
distanciamento do juiz da investigação e da produção das provas.
3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL 4.781
A assimilação dos papéis destes três personagens principais, Juiz, Ministério Público e
Polícia, dentro do ordenamento jurídico brasileiro e as noções também postas sobre os
sistemas penais acusatório e inquisitório dão a linha de raciocínio para se desenvolver o ponto
focal deste artigo: as razões pelas quais o “inquérito do STF” é inconstitucional.
Como explanado na introdução, não se trata de ignorar que o Supremo Tribunal
Federal e seus Ministros possam ter sido vítimas de “fake news” ou crimes contra a honra,
mas, sobretudo, trata-se da Corte Suprema ter se apropriado de poderes institucionais que são
constitucionalmente conferidos à outros órgãos, além de ter suprimido, já no âmbito das
investigações, direitos e prerrogativas individuais de pessoas e atividades jurídicas.
Pensar no papel que o STF vem desenvolvendo e que culminou na investigação
criminal ora em tela, é, como dito, salutar. A Democracia e o Estado Democrático de Direito
não são naturais, estáveis e perenes, são fruto do intelecto humano e de processos históricos,
portanto, deve-se vigília constante, pois faz parte da natureza humana o arbítrio e o domínio.
Àqueles que estão no poder, tentarão usurpá-lo, por isto mecanismos de mitigação e separação
dos poderes foi, e ainda é, capaz de civilizar o convívio social, o desenvolvimento e a
qualidade de vida. Nas palavras do Ministro Barroso:
A Constituição é um instrumento do processo civilizatório. Ela tem por
finalidade conservar as conquistas incorporadas ao patrimônio da
humanidade e avançar na direção de valores e bens jurídicos socialmente
19
penal inquisitivo, além de, como já amplamente repisado, arrogar para si funções legalmente
conferidas a outros órgãos da república.
Mais uma vez, cita-se passagem do livro do Doutor Mendroni;
Tendo em conta a evolução do Sistema Acusatório para a necessária
adaptação à defesa do interesse público de combate à criminalidade, entrega-
se a um órgão público, diverso do Poder Judiciário, para gerar a necessária
imparcialidade, o poder da persecução penal; e portanto, para que esta se
leve a cabo dentro do mesmo sistema, considera-se necessária a
determinação de uma primeira fase do processo, com todos os poderes
inerentes à necessária investigação e direcionada a determinar a existência
da ação penal (MEDRONI, 2013, p. 68)
Em conclusão, a conjuntura atual é que não se sabe como se encerrarão os trabalhos
iniciados dentro da investigação, porque, de acordo com o informado na introdução deste
artigo, o Ministério Público promoveu-lhe o arquivamento, além de deixar patente que não
iria considerar nenhum elemento de prova produzida.
Até então, a jurisprudência do Guardião da Constituição era pacificada no sentido de
que ele não poderia recusar o pedido de arquivamento de inquéritos feito pelo Ministério
Público. Mas, agora, recusou.
3.3 DA INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR
E JULGAR CRIMES COMUNS
Outro ponto relevante a ser enfrentado é sobre a competência do Supremo Tribunal
Federal para processar e julgar ilícitos penais. É conhecido que o ordenamento jurídico
brasileiro adotou o princípio do duplo grau de jurisdição. Desta maneira, as Cortes Superiores
existem para salvaguardar o cumprimento das leis infraconstitucionais (STJ) ou
constitucionais (STF), sendo competentes para julgamentos abstratos e pacificação de
jurisprudência.
Não existe terceiro e quarto graus de jurisdição no Brasil. Em prestígio à isso, ficou
pacificado que o as Cortes Superiores não podem revolver fatos e provas, e, somente em casos
de exceção, é que terão processos de sua competência originária. Em relação à processos
penais, o artigo 102, I, alíneas “b” e “c”, da CF, expressamente prevê que compete ao
Supremo Tribunal Federal processar e julgar penalmente e originalmente somente algumas
determinadas pessoas, por prerrogativa de função.
4 DO REGIMENTO INETRNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DOS
DIREITOS AFETADOS
22
O futuro do Inquérito 4.781 permanece nebuloso e incerto. Muitos dos que por ele já
foram atingidos, impetraram habeas corpus e mandados de segurança, estando com seus
direitos até agora conservados por meio de liminares.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ajuizada pelo partido
político Rede Sustentável, está em trâmite.
Quando tudo se chegar à termo, só fica a incógnita se os Ministros coatores, partícipes
dos atos arbitrários e das inconstitucionalidades, serão responsabilizados ou se continuarão
acima da lei e da ordem, se em solo nacional se terá verdadeiramente uma democracia madura
e solidificada, ou se perdurará um Estado de Cleptocracia, com um Supremo Tribunal sem
qualquer legitimidade perante a população, como bem analisou o Professor Modesto
Carvalhosa.
27
REFERÊNCIAS
BRASIL. Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Nota Pública sobre
o Inquérito do STF 4.781. Disponível em:
http://www.anpr.org.br/images/assets/uploads/files/noticias/2019/Julho/Nota%20inquerito%2
04781.pdf. Acesso em 19.11.2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Regimento Interno. Brasília: Sala das Sessões, 1980.
JÚNIOR. Aury Lopes. Fundamentos do Processo Penal – Introdução Crítica. 5. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2019.
KELSEN. Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2016.
LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19. ed. São Paulo: Editora Saraiva,
2015.
LOPES. José Reinaldo de Lima. O Direito na História – lições introdutórias. 6. ed., atual. e
ampl. São Paulo: Editora Atlas, 2019.
28
MENDRONI. Marcelo Batlouni. Curso de Investigação Criminal. 3. ed. São Paulo: Editora
Atlas, 2013.
PACELLI. Eugênio. Curso de Processo Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
RANGEL. Rodrigo; COUTINHO. Mateus. O amigo do amigo de meu pai. Crusoé. Brasil.
11 de abril de 2019. Edição 50. Publicada e Disponível em:
https://crusoe.com.br/edicoes/50/o-amigo-do-amigo-de-meu-pai/. Acesso em 17.10.2019.
REDACÃO. Vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?. O Antagonista. Brasil.
12 de abril de 2019. Publicada e Disponível em: https://www.oantagonista.com/brasil/voces-
fecharam-com-o-amigo-do-amigo-do-meu-pai/. Acesso em 17.10.2019