Retábulos Paulistas - Percival TIRAPELI PDF
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da segunda matriz de São Vicente (1599) - em que os seios das índias são transfor-
mados em capitel jônico apontando para os ventres proeminentes.
Na Freguesia da Escada (Guararema), de 1652, o retábulo em madeira toma
todo fundo da capela-mor. Austero, desprovido de ornamento, com peanhas sobres-
saindo-se ao imenso madeiramento aplicado em todo vão arquitetônico, sobre estrutu-
ra que distancia pouco da taipa, abre apenas um nicho para a imponente imagem
da Nossa Senhora da Escada. Sobre o altar, um sacrário de linhas maneiristas com
pintura de Cristo Ressuscitado, com traços como os da porta do sacrário da primi-
tiva igreja do Morro do Castelo dos jesuítas no Rio de Janeiro. No arco cruzeiro,
dois retábulos singelos completam a ornamentação com solução inusitada triangu-
lar dos lambrequins (guarda-pós), sendo que o do altar de São Benedito é ornado
com pintura de flores ao gosto rococó.
Nas capelas paulistas encontram-se retábulos de primeira fase denominados
jesuíticos ou maneiristas, como os das capelas de Voturuna ( Santana do Parnaiba)
e Santo Antônio (São Roque), considerados por Lúcio Costa como “jóias de famí-
lia”, inestimáveis, sendo os dois únicos exemplares do gênero existentes no país. E
descreve-os:
Aracy Amaral (1981, p. 88), associa a talha vazada encontrável nos retábulos
de capelas paulistas aos elementos presentes nos altares do Vice-Reino do Prata,
tendo recebido, portanto, forte influência hispânica. Fato este que se confirma
diante de parte de fragmentos de altares da antiga igreja jesuítica de Santa Fé, Ar-
gentina, hoje no museu residência dos antigos governadores.
Mas, em São Roque, na capela de Santo Antônio (1680), encontram-se o retá-
bulo mor de proporções alteradas no painel central. Dois tocheiros antropomorfos
completavam, como em Voturuna, ali próximo, a cenografia da capela mor, sendo
inusitadas essas soluções plásticas. Estas figura ímpares na arte colonial brasileira
podem ser vistas como esculturas evoluídas das cariátides das mesas de comunhão
de São Vicente e São Miguel.
Em São Roque, dois retábulos embutidos nas paredes, de procedência hispa-
no-americana com características platerescas, deixam transparecer a feitura indíge-
na imitando o trabalho de prateiros. Nesses retábulos, ainda segundo Lúcio Costa
neira jesuítica, conforme Lúcio Costa. O ilustre arquiteto não teria visto esta retá-
bulo que se encontrava em uma capela rural, parte dele encoberto pelo bairro da
taipa, segundo fotografia do pesquisador paulista Eduardo Etzel. De lá retirado no
final do século XX, restaurado sob a orientação de Margarina Davina Andreatta e
equipe da Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes e transposto para o Museu
de Arte Sacra Carmelita daquela cidade (TIRAPELI, 2002, p. 263).
A solução com a pintura no arremate superior só será encontrada no século
XVIII, na igreja da Ordem Terceira do Carmo em Santos, encimada por pináculos.
Na capela da antiga aldeia de Carapicuíba, o pequeno retábulo tem quatro nichos,
a abertura para imagem de Santa Catarina de Alexandria, sacrário e triângulo fron-
tão interrompido terminando com pequena cruz. Outro exemplar de talha seiscen-
tista é o sacrário da antiga matriz de Guarulhos, com minuciosa talha plateresca, a
exemplo das citadas talhas remanescentes da igreja do Colégio e da capela dos
Aflitos, ambas na capital.
O retábulo da terceira igreja jesuítica da cidade de São Vicente completaria
estas jóias não fosse seu estado lastimável após um incêndio em 2000, mas que
ressurge depois de um restauro promovido pelo IPHAN, o órgão nacional do patri-
mônio, em 2006. Já desvirtuado e transformado em um baldaquino, possui quatro
magníficas colunas maneiristas semelhantes àquelas de São Lourenço de Niterói
(RJ), mas as linhas levemente espiraladas são completas também na parte posterior.
A portinhola do sacrário, certamente pelo uso, recebeu novos ornamentos - pela
tradição teria uma pintura tal como nos retábulos da igreja jesuítica do Morro do
Castelo preservados na Santa Casa do Rio de Janeiro.
Estão certamente por pesquisar os retábulos portáteis que foram no final do
século XVII para Minas Gerais, ou mesmo pouco depois para Goiás. A caracterís-
tica destes altares é serem transportáveis em lombo de burro, como o foram desde
as misiones ou de São Paulo para as terras auríferas. Sabe-se que aos índios artí-
fices era reservado um período para o feitio de obras que pudessem comerciali-
zar. O costume de transportar um altar para outra capela é antigo no sertão e
ocorreu mesmo na residência jesuítica do Embu que possui altares laterais mais
antigos que a própria construção. Aqueles de Voturuna e os laterais do sítio de
Santo Antônio em São Roque não escapam à regra. Isso também ocorria com
forros pintados - a exemplo dos carmelitas em Mogi das Cruzes – e pode-se per-
ceber estes vestígios de transporte por meio das tábuas recortadas, pinturas que
ficam sob a parede ou ensambladuras diferenciadas. A estes altares pode-se de-
nominar carinhosamente de retábulos ou altares peregrinos, tão em moda foram
até o século XX na cidade de São Paulo. Em Cachoeira do Campo, distrito de
Ouro Preto (MG) na capela do Santíssimo, há um retábulo portátil de feitura se-
melhante aos dos paulistas. A espessa tinta encobre a beleza da talha que aguar-
da a luz das pesquisas para sua identificação.
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Barroco Colonial
lado preciso, formado pela prumada dos mainéis e colunas e pela molduração
horizontal das cornijas, das arquivoltas e dos plintos, permitiu que a talha cobrisse
a parede de um extremo a outro, como um tapete, sem prejuízo de uma boa “amar-
ração”, como se diz no jargão profissional (Costa, 1977, p.138).
O altar lateral proveniente da igreja do Colégio de São Paulo apresenta ele-
mentos característicos do estilo Nacional Português, como as colunas torsas, pseu-
do-salomônicas revestidas de parras de uva e coroamento em arcos concêntricos
ou arquivoltas, com a presença de chaves ornamentadas.No entanto, observando-
se uma foto tirada em 1896, antes da demolição (AMARAL, 1981, p. 69), pode-se
notar uma mescla com ornatos fitomórficos e zoomórficos executados em talha
vazada, bordada o que, segundo Aracy Amaral (1981, p. 88), demonstra clara in-
fluência espanhola. Nota-se também uma alteração das proporções do nicho reser-
vado à imagem do santo, aparentemente transformado em espaço destinado a abri-
gar painel pictórico.
Outros dois retábulos que cobrem grande parte da parede com elementos
horizontais e verticais com apliques delicados de pequena profundidade, alternan-
do com colunas torsas e motivos conchoides, são aqui analisados. Em Santos, na
igreja da Ordem Terceira de São Francisco certamente deslocado para a capela, o
retábulo de grande efeito cênico alargou-se e o coroamento resultou em um arco
abatido (...) criando uma ambiência propícia ao conjunto do Cristo Seráfico, enfa-
tizada pela concavidade do retábulo na altura do entalhamento.
O retábulo-mor da matriz de Santana do Parnaíba na cidade do mesmo nome
apresenta elementos ornamentais rococós como conchas esgarçadas de influência
francesa e ornatos auriculares desenvolvidos pelas escolas do norte da Europa,
aplicados sem excessos a certas áreas do conjunto, privilegiando o partido arquite-
tônico sobre o escultórico.Os painéis policromados simulam as colorações de már-
mores e os ornatos dourados - volutas, flores, rendas e concheados - buscam o
efeito do bronze. As colunas apresentam fustes retos, com reduzido número de
caneluras, ou lisos, com braceletes na divisão do terço inferior, entre elas nichos
embasados por peanhas, encimados por dosséis com formas derivadas de conche-
ados, abrigam imagens de santos. O coroamento termina em pináculo recortado e
entalhado com as formas da flor de lis, elemento que se repete na boca da tribuna.
O trono deu lugar a uma estrutura que no centro abriga um nicho reservado à ima-
gem de Santana, deixando vazado um espaço para possibilitar a visibilidade de
uma composição escultórica.
Em São Paulo, na Basílica neocolonial do Carmo, o altar sob o tema da Morte,
provindo da antiga igreja do Carmo, mantém suas proporções setecentistas; lá o
atual retábulo-mor é a combinação do antigo altar-mor a um lateral, unidos por um
grande dossel.
Ainda da terceira fase é o requintado retábulo da capela da Conceição, na
igreja da Ordem terceira de São Francisco em São Paulo, de Luis Rodrigues Lisboa,
de 1736-40. É um exemplar de talha erudita com anjos atlantes sustentando colu-
nas salomônicas, anjos assentes sobre volutas, ampla camarinha com trono escalo-
280 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
Retábulos Neoclássicos
As linhas severas e despojadas foram a opção que poucas igrejas tiveram nos
meados do século XIX para as reformas internas, apresentando-se até então um
conjunto harmonioso. Tanto a matriz de Bananal quanto, já no litoral sul, o san-
tuário de Bom Jesus de Iguape, mostram-se uniformes nas linhas retas das colu-
nas, ornamentação comedida, coroamento com triângulo frontão reto, cimalhas
sobrepostas de madeira com dentículos percorrendo a altura do forro, e presença
discreta de douramento.
Mas é nos altares do corpo da nave da catedral de Guaratinguetá que se expõe
uma linha do tempo evolutiva das diversas tendências, devido às sucessivas refor-
mas que culminaram com apliques de gesso - à moda do que então se fazia no Rio
de Janeiro, a capital imperial. Em Pindamonhangaba há altares de alvenaria pinta-
dos com madeira fingida e outros com apliques de madeira. Já as igrejas de caráter
mais popular como a matriz de Iporanga, no Vale do Ribeira, e a de Ilhabela, ga-
nham um aspecto de extrema simplicidade para o qual tanto contribui a aplicação
de singelas e comoventes cores.
O altar da basílica velha de Aparecida é raro exemplar em mármore de Carra-
ra, com as características neoclássicas aplicadas sobre uma estrutura de barroco
tardio a julgar pelo entablamento duplo entre os capitéis compósitos e as bases
para as alegorias das virtudes. Este altar se aproxima daquele de N. Sra. da Cande-
lária do Rio de Janeiro.
284 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
1702 com o retábulo mor do Embu que, segundo Lúcio Costa, pertence à segunda
fase do estilo joanino. Ou ainda, de 1736 - 1740, Luis Rodrigues Lisboa, que con-
cluiu o altar da N.S. da Conceição dos terceiros franciscanos paulistanos.
Precursores foram os retábulos reinventados de Elias do Monte Carmelo na Itu
de 18 e os de Vitoriano Figueiroa, em Campinas, de 1861, precedendo esse fluxo
de retábulos peregrinos que, no início do século XX, procuraram abrigo em novas
igrejas. Essa movimentação vai até por volta de 1940, quando o neocolonial dá
lugar às idéias de preservação do patrimônio artístico, histórico e cultural, difundi-
das por Mário de Andrade que finalmente tornam-se realidade com a criação do
Serviço do Patrimônio Histórico Nacional.
Considerações finais
Os retábulos paulistas, com exceção daqueles maneiristas, passaram desaper-
cebidos pela maioria dos pesquisadores. Germain Bazin, Lúcio Costa, Eduardo Et-
zel, Benedito Lima de Toledo e Aracy Amaral estão entre os pesquisadores que se
ocuparam em parte por aqueles mais visíveis e com características mais marcantes,
como no estudo da influência hispânica desenvolvido pela última. Eduardo Etzel se
ocupou de quase todos e Lúcio Costa dos jesuíticos. Benedito Lima de Toledo os
colocou dentro da morfologia dos retábulos gerais do país.
Não se pode dizer de uma escola de retábulos paulistas mas sim dos elemen-
tos plásticos combinatórios com características usuais dos ensinamentos reinóis.
Sem despertar admiração pelo conjunto que está disperso regiões tão distintas,
Mário de Andrade já prenunciava que a arte colonial paulista é testemunho de um
tempo que a fumaça do progresso não apagou. Neste sentido o estudo sistemático
revela verdadeiras jóias raras da arte colonial brasileira e inclusive o nascimento
deste termo sugerido por Lúcio Costa.
Estas características de testemunhos ímpares da arte nacional estaria nos arre-
dores da capital paulista, nas pequenas capelas, antigas reduções e mesmo residên-
cias jesuíticas. Caso do Embu, que guarda assim verdadeiro testemunho daquela
arte desenvolvida pelos inacianos.
Visto em conjunto, pode-se considerar que os retábulos das igrejas do Vale do
Paraíba articulam os elementos plásticos advindos do litoral fluminense com maior
ênfase no século XIX, ou seja um barroco tardio com elementos rococós e logo
modificados com aqueles neoclássicos.
Na região do baixo Tietê, em Mogi das Cruzes, encontram-se exemplares dos
séculos XVII e XVIII e no alto Tietê, em Itu, os exemplares do século XVIII são evo-
luídos até chegar ao neoclássico que contamina a região de Campinas.
Fato interessante ocorre em São Paulo que não teve tempo de substituir seus
retábulos por novos e quando as igrejas coloniais no início do século XX foram des-
truídas, parte desta arte ornamental foi transferida para outras localidades gerando o
que se denomina altares peregrinos. Na verdade, o deslocamento dos altares iniciou-
se ainda quando as reduções jesuíticas implantadas mudavam de local levando com
elas tudo que tinha sido produzido, inclusive a arte sacra colonial paulista.
Bibliografia
AMARAL, Aracy. A hispanidade em São Paulo: da casa rual à capela de santo An-
tônio. São Paulo, Livraria Nobel e Edusp, 1982.
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