F604 JAB 1s2011 8 GasClassicoCanonico PDF

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8 Gás Clássico no Formalismo Canônico

Essas notas estão baseadas no capítulo 6 do Salinas (ref. 1) e no capítulo 7 do Greiner (ref.

2) e capítulos 7 (seções 7.2 a 7.7) e 10 (seções 10. 3 10.5) do Reif (ref. 3), além de outras

que serão citadas ao longo das notas.

O objetivo desse capítulo é estudar um pouco mais em detalhe as propriedades dos gases

clássicos, detalhando alguns resultados para o caso do gás clássico ideal (partículas não-

interagentes), já discutido parcialmente no capítulo 6, e considerando correções devido a

interação entre as partículas (gás real). Aproveitaremos também para discutir o teorema do

virial e a equipartição de energia.

8.1 Gás clássico

Consideremos um gás clássico de N partículas monoatômicas de massa m, denido pelo

hamiltoniano

N
X p2i X
H= + V (|~ri − ~rj |) (1)
i=1 2m i<j

onde V (r) (r = |~ri − ~rj |) é um potencial entre pares. Essencialmente, ele é formado por

um termo de repulsão de curta distância, ou seja, V (r) → ∞ para r → 0, e uma parte

atrativa que se anula de maneira sucientemente rápida para r→∞ (necessariamente mais

rapidamente do que r−1 uma vez que a origem do potencial é eletrostática e blindada pelos

efeitos de interação entre as várias outras cargas presentes). Um exemplo típico, e que já

vimos discutindo no curso, é o potencial de Lennard-Jones (ver cap. 2),

"   6 #
σ 12 σ
VLJ (r) = 4 − (2)
r r

onde  é o valor mínimo do potencial e r = 21/6 σ é a separação entre as partículas para o

qual esse mínimo ocorre (ver g. 1).

1
Figura 1: Potencial de Lennard-Jones, uLJ (r) (VLJ (r) no texto) onde r é a distância entre as
partículas.

Um outro potencial mais simples mas mais fácil de trabalhar é o potencial

VS (r) = ∞, para r < r0


6
r0

= −u0 , para r > r0 (3)
r

que é conhecido como potencial de Sutherland e está representado na gura 2. Essencial-

mente, os sólidos são considerados como esferas rígidas com raio r0 /2. A distância mínima

r0 entre as duas esferas é justamente duas vezes o raio da esfera.

2
Figura 2: Potencial de Sutherland. Aqui R0 substitui r0 , respectivamente, no texto. (extraído
da ref. 3)

As N partículas estão connadas em um volume V (que, na prática, gera um potencial

innito - impenetrável - nas paredes mas que não está explícito na hamiltoniana 1.

Vamos examinar esse sistema clássico na descrição de ensemble canônico. Para isso,

assumimos que o volume V está em contato com um reservatório térmico a temperatura T,


separado por paredes diatérmicas. A função de partição canônica do sistema se escreve,

ˆ ˆ ˆ ˆ
1 3 3 3 3
Z= ... d r1 ...d rN ... d p1 ...d pN exp (−βH) (4)
N !h3N

onde a integral sobre as coordenadas espaciais está limitada ao volume V. A integração

sobre as coordenadas de momento é trivial, similar ao gás ideal (não há nenhuma difer-

ença para essas variáveis), e reduz-se a um produto de 3N integrais gaussianas já bastante

conhecidas:

ˆ ∞
!1/2
βp2
!
2πm
dp exp − = (5)
−∞ 2m β

e então,

3
!3N/2
1 2πm
Z= QN (6)
N! βh2

onde,

ˆ ˆ  
3 3
X
QN = ... d r1 ...d rN exp −β V (|~ri − ~rj |) (7)
V V i<j

A grande diculdade no tratamento dos gases reais está justamente no termo QN . Antes

de aprofundarmos nessa discussão, vamos explorar o caso mais simples, e que já tratamos em

outros exemplos, do gás ideal.

8.2 Gás clássico ideal no ensemble canônico

Para o caso do gás clássico ideal, onde não há interação entre as partículas e toda a energia

é cinética, a solução é simples e já foi discutida tanto no ensemble microcanônico como no

ensemble canônico. No capítulo 6 (anterior), discutimos esse caso. Dentro da nossa descrição

atual, a integral QN ca simplesmente

QN = V N (8)

e a função de partição é

!3N/2
VN 2πm
Zideal = (9)
N! βh2

A partir de Zideal podemos prosseguir da mesma forma que zemos no capítulo 6, que

reproduzimos a seguir apenas para termos uma descrição completa da nossa discussão.

A energia livre de Helmholtz é,

  !3/2 
V 2πmkT 
F (T, V, N ) = −kT ln Z(T, V, N ) = −N kT 1 + ln  (10)
N h2 

onde utilizamos a aproximação de Stirling. A partir da energia livre, temos,

4
!
∂F N kT
p=− = ⇒ pV = N kT (11)
∂V T,N
V

!   !3/2 
∂F 5 V 2πmkT 
S=− = N k  + ln  (12)
∂T V,N
2 N h2 

! ( !)
∂F V 2πmkT
µ=− = −kT ln (13)
∂N T,V
N h2

Finalmente, podemos utilizar a eq. 12 ea eq. 10 e escrever,

3
U = F + T S = N kT (14)
2

que é o resultado conhecido. Podemos escrever esses resultados em termos de grandezas

intensivas, como no Salinas (ref. 1), simplesmente fazendo

X
x = lim (15)
N →∞ N

Antes de prosseguirmos, vamos apenas examinar o valor da entropia. A g. 3 mostra

qualitativamente a dependência de S em função da temperatura T. Vemos que para T → 0,


a entropia tende a ser negativa, em contradição com a termodinâmica. Esse é um problema

recorrente na mecânica estatística clássica. No regime de baixas temperaturas, não pode-

mos mais utilizar a mecânica clássica e só conseguimos uma descrição correta utilizando a

mecânica quântica (e a mecânica estatística quântica).

5
Figura 3: Dependência da entropia com a temperatura para um gás ideal monoatômico
clássico. (extraído da ref. 1)

8.3 Distribuição de Maxwell-Boltzmann

Consideremos agora a probabilidade (canônica) de encontrarmos uma partícula do gás ideal

com velocidade entre ~v e ~v + d~v , independente de sua posição,

βp2
!
1
p(~v )d3 v = V exp − 3
d p (16)
Z1 2m

onde,

ˆ !3/2
βp2
!
3 2πm
Z1 = V d p exp − =V (17)
2m β

Temos então,

!−3/2
βp2
!
2πkT
p(~v )d3 v = exp − (18)
m 2m

6
Essa distribuição de probabilidade depende apenas do módulo da velocidade. Logo,

< vx >=< vy >=< vz >= 0 (19)

e, utilzando a isotropia do espaço das velocidades (momenta), podemos integrar nas

direções e ob10ter,

βp2
3/2 !
m

p(~v )d3 v 2
→ p(v)4πv dv = exp − 4πv 2 dv = p0 (v)dv (20)
2πkT 2m

A equação 20 é a distribuição de velocidades de Maxwell-Boltzmann para o gás ideal. A

velocidade (em módulo) mais provável, ṽ , pode ser encontrada maximizando p0 (v),

dp0
|ṽ = 0
dv
mv 2 3 mv 2
" ! ! #
m 3/2 m
 
⇒ 4π − exp − v + exp − 2v =0
2πkT kT 2kT 2kT ṽ
m 3
⇒ − ṽ + ṽ = 0
2kT
!1/2
2kT
⇒ ṽ = (21)
m

O valor médio do módulo da velocidade é,

ˆ ∞ 3/2 ˆ ∞
mv 2 3
!
m

< v >=< |~v | >= dvp0 (v)v = 4π dv exp − v (22)
0 2πkT 0 2kT

Fazendo a substituição y = mv 2 /2kT , temos,

3/2 !2 ˆ ∞
m 2kT 1

−y
hvi = 4π dye y
2πkT m 2 0
3/2 !2
m 2kT 1

= 4π Γ(2)
2πkT m 2

7
!1/2
8kT
= (23)

onde utilizamos Γ(2) = 1.


A velocidade quadrática média calcula-se da mesma forma:

ˆ ∞ 3/2 ˆ ∞ 2
!
m mv
D E 
v2 = 2
dvp0 (v)v = 4π dv exp − v4
0 2πkT 0 2kT
!2 ˆ ∞
m 3/2 2kT 1
 
−y 3/2
= 4π dye y
2πkT m 2 0
3/2 !2
m 2kT 1

= 4π Γ(5/2)
2πkT m 2
3kT
= (24)
m

3√
onde utilizamos Γ(5/2) = 23 Γ(3/2) = 31
22
Γ(1/2) = 4
π . Podemos escrever então,

s
q 3kT
hv 2 i = (25)
m

A gura 4 apresenta a distribuição de velocidades de Maxwell-Boltzmann com os valores

para as várias médias calculadas, normalizadas para a velocidade mais provável (igual a 1).
q
Vemos que ṽ < hvi < hvi.
A energia cinética média por partícula é,

1 D E 3
hεK i = m v 2 = kT (26)
2 2

e, da isotropia da distribuição de velocidades p(~v ), temos ainda,

D E D E D E 1 D 2 E kT
vx2 = vy2 = vz2 = v = (27)
3 m

Para uma temperatura de 300 K , utilizando os valores da massa molecular do nitrogênio

(e desprezando a complexidade da molécula de nitrogênio), o módulo típico da velocidade

8
molecular de um gás como o ar será de aproximadamente 500 m/s (próximo da velocidade

do som).

Figura 4: Distribuição de velocidades de Maxwell-Boltzmann (v∗ representa a velocidade


mais provável, ṽ no texto e F (v) representa a distribuição de probabilidade, p0 (v) no texto).
(extraído da ref. 2)

8.4 Teorema do virial e equipartição de energia

Nosso objetivo aqui é encontrarmos relações envolvendo a energia média hEi = U , mais

especicamente, deduzirmos de uma forma geral o conhecido Teorema do Virial e a Equipar-

tição de Energia para um sistem físico (como o gás clássico) a uma temperatura T. Consid-

eremos H(qν , pν ) como sendo a hamiltoniana do sistema. Chamaremos de xi qualquer coor-

denada do espaço de fase (i=1,...,6N ). Inicialmente, calcularemos o valor médio da grandeza

9
∂H
xi ∂x k
, onde xi e xk são duas variáveis arbitrárias de coordenadas ou momenta:

* + ˆ
∂H 1 6 ∂H
xi = 3N d xρ(~
x)xi (28)
∂xk h ∂xk

onde ρ(~x) é a densidade de probabilidade no espaço de fase. Essa média pode ser calcu-

lada em qualquer um dos ensembles. Para uma demonstração utilizando o ensemble micro-

canônico, ver a seção 7.13 da ref. 2. Vamos utilizar aqui o ensemble canônico (ver refs. 2 e

4):

* + ˆ
∂H 1 6 −βH ∂H
xi = d xe xi (29)
∂xk Zh3N ∂xk

Podemos escrever,

∂H 1 ∂ −βH
e−βH =− e (30)
∂xk β ∂xk

e então, integrando por partes,

* + ˆ " #xmax ˆ 
∂H 1  6N −1 1 k
δik 
xi = d xxi − e−βH + dx
6N −βH
e (31)
∂xk Zh3N  β xmin
β 
k

O primeiro termo é nulo. Caso xk seja um momento, então xmin


k → −∞ e xmax
k →
∞, e a energia cinética cresce de forma que e−βH → 0, mais rapidamente. Se xk é uma

coordenada, então xmax


k
max
e xk localiza-se nas paredes do recipiente. No entanto, os momenta

são invertidos (para os gases) e o potencial é innito de tal forma que e−βH → 0. Se

considerássemos, por exemplo, um sistema de osciladores clássicos, então não temos recipiente

e xmin
k → −∞ e xmax
k → ∞ é permitido mas nesse caso V (x) → ∞ e e−βH → 0 mais

rapidamente. A última integral, incluindo o fator h−3N (e N ! se tivéssemos incluído o fator

de Gibbs), é a função de partição. Como ∂xi /∂xk = δik , temos,

* +
∂H δik
xi = = δik kT (32)
∂xk β

10
D E
∂H
Esse é o resultado desejado. A expressão xi ∂x k
só tem valor não-nulo para i = k.
Vamos analisar agora cada caso. Consideremos primeiramente que xi é uma coordenada qν .
Das equações de movimento de Hamilton,

∂H ∂H
= = −ṗi (33)
∂xi ∂qi

e,

* +
∂H
xi = − hqi ṗi i = − hqi Fi i = kT (34)
∂xk

uma vez que ṗi é a i-ésima componente da força generalizada Fi . Para xi como coordenada
de momento, temos

∂H ∂H
= = q˙i (35)
∂xi ∂pi

e,

* +
∂H
xi = hpi q̇i i = kT (36)
∂xk

Mas a grandeza pi q̇i nada mais é do que duas vezes a energia cinética em uma certa

direção. Se a i-ésima partícula move-se em três direções, temos,

3
hTi i = kT (37)
2

onde Ti é a energia cinética da i-ésima partícula.

Da mesma forma, podemos escrever a equação 34 para uma partícula em três direções,

na forma vetorial,

D E
− ~ri · F~i = 3kT (38)

Para N partículas, temos

11
* + * + * +
X ∂H X X
xi =− qi ṗi = − qi Fi = 3N kT (39)
i ∂xk i i

e,

* + * +
X ∂H X
xi = pi q̇i = 3N kT (40)
i ∂xk i

Podemos escrever agora o Teorema do Virial para N partículas,

N
* +
1 X 3
hT i = − ~ri · F~i = N kT (41)
2 i=1 2

A equação 38é o virial de Clausius e mede a média da energia potencial, da mesma forma

que a equação 37 mede a média da energia cinética.

Consideremos o caso em que a força Fi pode ser escrita na forma do gradiente de um

potencial V (~ri ),

*N + *N +
~ri · F~i = − ~ i
X X
− ~ri · ∇V (42)
i=1 i=1

Vamos assumir que a hamiltoniana só possui termos quadráticos (embora seja um caso

especial, constitui-se um caso especial de grande importância). Nesse caso, podemos escrever

a hamiltoniana na forma

3N  
Aν p2ν + Bν qν2
X
H= (43)
ν=1

Pode-se mostrar que, nesse caso, podemos escrever,

3N
!
X ∂H ∂H
2H = pν + qν (44)
ν=1 ∂pν ∂qν

e o valor médio da energia total é,

12
3N 3N
( * + * +)
1 X ∂H X ∂H
hHi = pν + qν (45)
2 ν=1 ∂pν ν=1 ∂qν

Vamos chamar de f o número de termos quadráticos na hamiltoniana (no nosso caso,

f = 6N ), então temos,

1
hHi = f kT (46)
2

f é muitas vezes conhecido como o número de graus de liberdade do sistema. Estrita-

mente falando, f representa o número de termos quadráticos na hamiltoniana enquando que

o número de graus de liberdade é denido pelo número necessário de coordenadas do sistema.

Do ponto de vista físico, nem sempre os graus de liberdade podem ser livremente excitados.

A uma certa temperatura T , alguns graus de liberdade podem estar congelados, isto é, não há
energia térmica suciente para excitá-los. Esses graus de liberdade não contribuiriam para a

energia interna (e, consequentemente, para o calor especíco). Quanto maior a temperatura,

maior será a validade do teorema. Temos então que cada termo quadrático (ou harmônico)

1
na hamiltoniana tem uma contribuição de
2
kT para a energia interna do sistema e, conse-
1
quentemente, uma contribuição de
2
k para o calor especíco CV . Mantendo a nomenclatura

em termos de graus de liberdade, temos o teorema de equipartição de energia, que pode ser

sintetizado na forma  na média, cada grau de liberdade do sistema a uma temperatura T tem

1
uma energia térmica 2 kT . O teorema de equipartição de energia é um caso especial do

teorema do virial para potenciais quadráticos. Para a energia cinética apenas, o teorema de

equipartição foi enunciado pela primeira vez por Boltzmann em 1871.

O teorema do virial pode ser obtido da mecânica clássica. Para isso, calcula-se a média

temporal ao longo da trajetória no espaço de fase. O nosso resultado foi obtido fazendo

uma média sobre o ensemble canônico (poderia ter sido feito uma média no ensemble mi-

crocanônico, com o mesmo resultado). A comparação entre os dois resultados nos permite

validar a igualdade entre as médias temporais e sobre ensembles (teorema ergódico). Esse é

13
um dos poucos casos em que isso é possível. Para derivar o resultado da mecânica clássica,

começamos com a grandeza

X
G= p~i · ~ri (47)
i

A derivada total no tempo é,

dG X 
= p~˙ i · ~ri + p~i · ~r˙ i (48)
dt i

p~i · ~r˙ i = 2T p~˙ i = F~i ,


P
Escrevendo i e temos

dG
F~i · ~ri + 2T
X
= (49)
dt i

A média temporal é calculada na forma

ˆ t
dG 1 dG
= lim dt (50)
dt t→∞ t
0 dt

e,

1
~ri · F~i = lim {G(t) − G(0)}
X
2T + (51)
t→∞ t
i

Para uma certa energia dada, G(t) é uma função limitada em todos os tempos e o valor

limite do termo da direita é zero. Com isso, temos,

1X
T =− ~ri · F~i (52)
2 i

que é novamente o teorema do virial mas obtido por meio de uma média temporal na

trajetória do espaço de fase.

14
8.4.1 Teorema do virial no gás ideal

Vamos considerar agora o teorema do virial aplicado no caso do gás ideal. Da equação 41

temos

*N +
~ri · F~i = 3N kT
X
− (53)
i=1

A força F~i em uma partícula no gás ideal é exclusivamente fornecida pelas paredes do

recipiente, quando o momento é invertido. Ela pode ser expressa em termos da pressão do

~
gás. Vamos chamar de dF
0
a força média exercida por todas as partículas incidentes em um

~ , ou seja, dF~
elmento de superfície dS
0 ~
= pdS ~ é para o exterior). Então,
(a orientação de dS

~
dF = −dF~ 0 = −pdS
~ ~ das paredes do recipiente no
é a força média exercida pelo elemento dS

gás de partículas. Temos então,

*N + ˛
~ri · F~i = −p ~
X
~r · dS (54)
i=1

Utilizando o teorema de Gauss,

˛ ˆ ˆ
−p ~ = −p
~r · dS 3 ~
d r∇ · ~r = −3p 3
d r = −3pV (55)

e então,

pV = N kT (56)

h i qi ṗi i,
P
Devemos ainda mencionar o teorema virial de Clausius (1870), para a grandeza

que é o valor esperado da soma sobre o produto de todas as coordenadas das várias partículas

do sistema com as forças respectivas agindo sobre elas. Essa grandeza é conhecida como o

virial do sistema e identicada pelo símbolo V. O teorema do virial de Clausius estabelece

que

15
V = −3N kT (57)

e temos então,

V = −2K (58)

8.5 Gases Reais

Vamos retornar agora para o problema inicial, dos gases reais, quando a interação entre as

partículas não pode ser desprezada. Essencialmente, essa é a situação quando a densidade

do gás é alta ou a temperatura relativamente baixa. No caso geral, a função de partição

canônica escreve-se na forma,

!3N/2
1 2πmkT
Z(T, V, N ) = QN
N! h2

onde,

ˆ ˆ   ˆ
3 3 3N
X Y
QN = ... d r1 ...d rN exp −β V (|~ri − ~rj |) = d r exp {−βVik } (59)
V V i<j i,k,i<k

Para Vik = 0 temos o caso dos gases ideais já discutido. Queremos considerar agora o

caso em que Vik 6= 0. A melhor forma de iniciarmos essa análise, é considerarmos situações

que diferem pouco dos gases ideais, ou seja, com interações fracas entre as partículas (mas

não mais desprezíveis). Nesse caso, considerando que βVik  1, então, exp {−βVik } ≈ 1, e

podemos escrever

fik = (exp {−βVik } − 1) (60)

onde fik  1. A expansão apropriada será em torno de fik , na medida que fik → 0 para

16
hrik i → ∞ ou para T → ∞. Podemos agora calcular o produto

Y X X
(1 + fik ) = 1 + fik + fik flm + ... (61)
i<k i<k i<k,l<m

Vamos considerar apenas os dois primeiros termos. Os termos de ordem superior podem

ser calculados utilizando diversas técnicas que podem ser encontrados em diversas referências

(p.ex., refs. 2 e 4). Temos então,

ˆ  
3N 
X
QN (V, T ) ≈ d r 1 + fik 
i<k
ˆ ˆ
N N −2 3 3
X
= V +V d ri d rk (exp {−βVik − 1}) (62)
i<k

O primeiro termo, V N, nada mais é do que o termo dos gases ideais. O termo seguinte é

a primeira correção dos gases reais em relação aos gases ideais, ou seja, a primeira correção

devido a Vik . Vamos fazer uma substituição de coordenadas, em coordenadas do centro-de-

massa ~ = 1 (~ri + ~rk )


R e coordenadas relativas r = (~ri − ~rk ). A integral se escreve agora,
2

ˆ
N N −1 N (N − 1) 3
QN (V, T ) = V +V d r (exp {−βV (r)} − 1) (63)
2

uma vez que temos N (N − 1)/2 pares de partículas com i<k que dão a mesma con-

tribuição para Z. Vamos denir

ˆ ˆ
3
a(T ) = d r (exp {−βV (r)} − 1) = 4π dr (exp {−βV (r)} − 1) (64)

e, fazendo N (N − 1)/2 ≈ N 2 /2, para N  1, temos,

!3N/2 "
N2
#
1 2πmkT
Z(T, V, N ) ≈ VN + V N −1 a(T )
N! h2 2

A equação de estado pode ser calculada a partir da energia livre,

17
aN 2
∂F ∂ N kT 2
p(T, V, N ) = − |T,N = (kT ln Z) = − kT 2 Va N 2
∂V ∂V V 1+ 2 V
N kT aN a 2 1 a 1
     
≈ 1− = kT ρ − ρ = kT − (65)
V 2V 2 v 2 v2

onde utilizamos ρ = N/V = 1/v = densidade de partículas.

Caso tivéssemos guardado termos de ordem superior na equação 61, teríamos um resultado

do tipo

1 1 1
 
p = kT + B2 (T ) 2 + B3 (T ) 3 + ... (66)
v v v

onde B2 (T ) = a(T )/2, e os demais termos têm que ser calculados (essa expansão é

conhecida como expansão do virial ).

Vamos considerar agora um caso especíco, do potencial de Sutherland (mais simples de

aplicar). Nesse caso, temos,

ˆ r0 ˆ ∞
( 6 ) !
r0

2 2
a(T ) = 4π r dr(−1) + 4π r dr exp βu0 −1 (67)
0 r0 r

Assumindo que βu0  1, temos

( 6 ) 6
r0 r0
 
exp βu0 ≈ 1 + βu0
+ ...
r r
ˆ ∞  6
4π 3 r0
⇒ a(T ) ≈ − r0 + 4πβu0 r2 dr
3 r0 r

≈ − r03 (1 − βu0 ) (68)
3

Temos para a equação de estado,

2πr03
( )
kT u0

p= 1+ 1− (69)
v 3v kT

18
Podemos ainda escrever na forma,

!−1
2πr03 u0 2πr03 2πr03
! !
kT kT
p+ = 1+ ≈ 1− (70)
3v 2 v 3v v 3v

onde zemos a aproximação baseado no fato que o volume 4πr03 /3 dos átomos é pequeno

comparado com o volume por partícula, v. Isso é válido para baixas densidades. A equação

70 corresponde a equação de estado de van der Waals,

a
 
p+ (v − b) = kT (71)
v2

com os parâtros de van der Waals calculados microscopicamente,

2π 3
a= r u0 (72)
3 0

2π 3
b= r (73)
3 0

O parâmetro a depende do potencial atrativo u0 e mede a força de atração entre as

partículas enquanto que o parâmetro b é conhecido como co-volume.

A gura mostra a dependência do termo B2 = a(T )/2 com a temperatura T para o

potencial de Lennard-Jones e para o He e o H 2 com correções quânticas bem como resultados


experimentais.

19
Figura 5: Dependência de B2 com a temperatura T. A curva denomindada clássica refere-
se ao cálculo utilizando o potencial de Lennard-Jones. As outras curvas foram calculadas
para o He e o H2 incluindo correções quânticas. Resultados experimentais foram incluídos
(símbolos) para vários gases. (extraído da ref. 3)

20
Referências
[1] Sílvio R. A. Salinas, Introdução à Física Estatística, EdUSP, 1997.

[2] Walter Greiner, Ludwig Neise e Horst Stöcker, Thermodynamics and Statistical

Mechanics, Springer, 1994.

[3] Federik Reif, Fundamentals of Statistical and Thermal Physics, McGraw-Hill,

1965.

[4] R.K. Pathria, Statistical Mechanics, 2nd. ed., Butterworth-Heinemann, 1996.

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