Crime Revista Guarda Municipal Ilicitude PDF
Crime Revista Guarda Municipal Ilicitude PDF
Crime Revista Guarda Municipal Ilicitude PDF
6º Ofício
ALEGAÇÕES FINAIS
com fulcro no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, pelos fatos e fundamentos a
seguir dispostos:
I - BREVE RELATÓRIO
Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra ambos os
réus como incursos nas penas do art. 2°, caput e § 1°, da Lei n. 8.176/91 e art. 55 da Lei n.
9.605/98, em concurso formal (id. 254470985).
Narra a denúncia que, no dia 7 de setembro de 2020, na Estrada do Campo
Redondo, nas imediações da intersecção com a Rua 31, próximo à margem do Rio Capivari
em Campinas/SP, os réus teriam extraído, explorado e comercializado areia, pertencente
à União, sem autorização dos órgãos minerários e ambiental.
6º Ofício
6º Ofício
Conforme o auto de prisão em flagrante, no dia 7 de setembro de 2020, por volta
das 16h, os réus foram levados à Delegacia da Polícia Federal pela Guarda Municipal de
Campinas (pág. 2 do id. 38230045).
Contudo, pelos depoimentos dos guardas municipais prestados no dia do ocorrido,
eles patrulhavam o local por razões que não se enquadram nas suas atribuições legais e
acabaram se deparando com os fatos narrados na denúncia.
A discussão acerca dos limites da atuação das guardas municipais no âmbito da
repressão criminal é antiga. A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, diante da
preocupante constatação de que o escopo das guardas municipais vem sendo
significativamente desvirtuado na prática, reforçou o entendimento de que a guarda
municipal, por não estar entre os órgãos de segurança pública previstos pela
Constituição Federal, não pode exercer atribuições das polícias civis e militares,
devendo sua atuação se limitar à proteção de bens, serviços e instalações do município,
conforme estabelecido pela Constituição.
De fato, a Constituição Federal, em seu § 8º do art. 144, estabeleceu a possibilidade
de criação das guardas municipais, com os limites de sua atuação: “Os Municípios poderão
constituir guardas municipais, destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme dispuser a lei”.
Desta forma, o texto constitucional limita expressamente a atuação das guardas
municipais à proteção de seus bens, serviços e instalações, assim estabelecendo que não
possuem a mesma amplitude de atuação das polícias.
6º Ofício
1 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.
2 Gasparini, Diógenes. As guardas municipais na Constituição de 1988. Revista de Informação Legislativa,
6º Ofício
6º Ofício
9. Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência
para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e
revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar
denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não
atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações
municipais. Poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações absolutamente
excepcionais – e por isso interpretadas restritivamente – nas quais se demonstre
concretamente haver clara, direta e imediata relação de pertinência com a
finalidade da corporação, isto é, quando se tratar de instrumento imprescindível
para a tutela dos bens, serviços e instalações municipais. Vale dizer, só é possível
que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver,
além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de
delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a
integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos
serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem
atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para
combate da criminalidade urbana ordinária.
10. Na hipótese dos autos, os guardas municipais estavam em patrulhamento
quando depararam com o recorrente sentado na calçada, o qual, ao avistar a
viatura, levantou-se e colocou uma sacola plástica na cintura. Por desconfiar de
tal conduta, decidiram abordá-lo e, depois de revista pessoal, encontraram no
referido recipiente certa quantidade de drogas que ensejou a prisão em flagrante
delito.
11. Ainda que eventualmente se considerasse provável que a sacola ocultada
pelo réu contivesse objetos ilícitos, não estavam os guardas municipais
autorizados, naquela situação, a avaliar a presença da fundada suspeita e
efetuar a busca pessoal no acusado. Caberia aos agentes municipais,
apenas, naquele contexto totalmente alheio às suas atribuições, acionar os
órgãos policiais para que realizassem a abordagem e revista do suspeito, o
que, por não haver sido feito, macula a validade da diligência por violação
do art. 244 do CPP e, por conseguinte, das provas colhidas em decorrência
dela, nos termos do art. 157 do CPP, também contrariado na hipótese.
12. Recurso especial provido.
(REsp 1977119, 2021/0391446-0, MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta
Turma, STJ, 16 de agosto de 2022 – grifado)
O colegiado considerou que só em situações absolutamente excepcionais a guarda
pode realizar a abordagem de pessoas e a busca pessoal, ou seja, somente quando a ação
se mostrar diretamente relacionada à finalidade da corporação.
Na mesma linha, o art. 9º, da Lei n. 13.675/2018, que estabeleceu o Sistema Único
de Segurança Pública, trouxe também a ressalva de que as guardas municipais devem se
ater aos limites de suas competências:
Art. 9º É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como
órgão central o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e é integrado
pelos órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal, pelos agentes
penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais integrantes
estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de
forma cooperativa, sistêmica e harmônica. (grifado)
Defensoria Pública da União em Campinas/SP
6
Endereço: Rua Dona Ester Nogueira, n. 26 – Bairro Vila Nova
CEP: 13.073-040 - Campinas/SP
E-mail: [email protected]
Campinas/SP
6º Ofício
6º Ofício
As únicas provas coligidas da materialidade dos delitos consistem na Informação
Técnica n. 019/2020 e no Laudo n. 450/2020, os quais, contudo, não tratam
especificamente dos danos ambientais causados pelos réus.
Com efeito, a Informação Técnica n. 019/2020 - NUTEC/DPF/CAS/SP (págs. 25 a
28 do id. 38230045) se limitou a concluir que: “conforme exames realizados no local, este
apresenta todas as características e equipamentos necessários para extração de areia” (pág.
28 do id. 38230045).
Já o Laudo de Perícia Criminal (Laudo n. 450/2020 – NUTEC/DPF/CAS/SP) (págs.
6 a 14 do id. 48219415) realizou uma análise geral da área, mas não mensurou
especificamente os danos causados pelos réus, tendo apenas mensurado o dano
ambiental presente no local. Por fim, atribuiu valor para a restauração de todo o dano
ambiental causado na área, o qual não é responsabilidade exclusiva dos réus. Vejamos:
Foram constatados danos causados em APP em aproximadamente 570 m2, o
que leva ao custo de restauração de R$ 5.130,00 (cinco mil, cento e trinta
reais).
A tabela SINAPI da Caixa Econômica Federal, de Março de 2019, estabelece um
valor de R$ 59,00 por metro cúbico de areia e considerando o material
encontrado no local, obtém-se o montante de R$ 177,00 (cento e setenta e sete
reais).
Com isso o valor mínimo do dano ambiental causado pela atividade é de R$
5.307,00 (cinco mil e trezentos e sete reais).
Para recuperação da área degradada é necessário que seja elaborado um Plano
de Recuperação de Área Degradada (PRAD), custeado pelo causador do dano
ambiental, apresentado ao órgão ambiental competente para aprovação (pág. 14
do id. 48219415).
Ora, não há provas de que os réus foram responsáveis pela devastação
ambiental de 570 metros quadrados, até porque um dos guardas municipais que já
havia visitado o local antes afirmou que há um espaço queimado e um bairro de
invasão até a beira do rio, além de a água ser de esgoto, já contaminada:
Depoimento de MARCO CÉSAR VALÉRIO DE SOUZA: [Como era o local em
que localizado esse caminhão e essa draga?] Doutora, o local é horrível,
insalubre, uma água pobre, mau cheiro, fizemos um favor para a
6º Ofício
6º Ofício
Além de os laudos não terem detalhado os danos ambientais supostamente
causados pelos réus, não tendo havido a obtenção de imagens por satélite do local
logo antes do dia do delito, as próprias testemunhas da acusação não se lembravam
especificamente deles:
Depoimento de ALEXSANDER NUNES DE BARROS: não se recorda da
fisionomia deles (mídias de id. 278844356 e 278844354 – grifado)
Depoimento de MARCO CÉSAR VALÉRIO DE SOUZA: [sobre se recorda da
fisionomia deles] foi passado muito tempo, não me lembro bem deles
[...] (mídia de id. 278844364 – grifado).
Nesse ponto, interessante citar, com propriedade ímpar, as palavras de Aury Lopes
Jr.:
A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe
incumbe provar absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser
destruída pelo acusador, sem que o réu (e muito menos o juiz) tenha qualquer
dever de contribuir nessa desconstrução (...). O juiz, que deve ter por hábito
profissional a imparcialidade e a dúvida, tem a tarefa de analisar todas as
hipóteses, aceitando a acusatória somente se estiver provada e, não a aceitando,
se desmentida ou, ainda que não desmentida, não restar suficientemente
provada. É importante recordar que, no processo penal, não há distribuição de
cargas probatórias: a carga da prova está inteiramente nas mãos do
acusador (...). O processo penal define uma situação jurídica em que o problema
da carga probatória é, na realidade, uma regra para o juiz, proibindo-o de
condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente
provada. Ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de
solução da incerteza (dúvida) judicial, o princípio do in dúbio pro reo corrobora
a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento
(não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente
demonstrada).4
Na mesma esteira, compartilha a jurisprudência pátria, representada pelos
julgados abaixo:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. EXPOSIÇÃO A
PERIGO DE AERONAVE. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A justa causa para a ação penal está relacionada com
a existência de indícios de autoria e materialidade do delito. A máxima in dubio
pro societatis deve ser interpretada à luz do principio da presunção de inocência,
4 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, pag. 549 – 550.
6º Ofício
6º Ofício
5 Curso de direito penal: parte geral. Vol. 1. 9ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador, BA: Editora JusPodivm, 2013,
p. 275.
Defensoria Pública da União em Campinas/SP
12
Endereço: Rua Dona Ester Nogueira, n. 26 – Bairro Vila Nova
CEP: 13.073-040 - Campinas/SP
E-mail: [email protected]
Campinas/SP
6º Ofício
6º Ofício
Os acusados confessaram o delito no interrogatório policial (JOSÉ NOBRES na pág.
10 do id. 38230045 e MARCELO FERREIRA DA SILVA na pág. 16 do id. 38230045), e
durante a audiência também não negaram (mídias de id. 278844366 e 278844368).
Portanto, se proferido decreto condenatório, a confissão deve ser considerada,
para fins de fixação da pena provisória, como atenuante genérica, prevista no art. 65, III,
“d”, do Código Penal, fazendo jus à diminuição da reprimenda. Afinal, a confissão deve
ser considerada, de forma preponderante em relação à reincidência.
Neste sentido, traz-se à baila o entendimento consolidado no Supremo Tribunal
Federal, segundo o qual, em sendo a confissão espontânea uma circunstância
atenuante relacionada à personalidade do agente, esta será preponderante, nos
termos do art. 67, do CP. Vejamos:
6º Ofício
6º Ofício
6º Ofício
Ainda que não se aplica o erro de proibição inevitável, nos termos do art. 65, II do
Código Penal o desconhecimento da lei é uma circunstância atenuante que deve ser
considerada na fixação da pena.
No caso em tela, o réu MARCELO FERREIRA DA SILVA relatou que não sabia da
necessidade de autorização ambiental visto que a extração de areia no local era conduta
habitual de outras pessoas, conforme já exposto (mídia de id. 278844368).
Por conseguinte, requer que seja considerada a atenuante prevista pelo art. 65, II
do Código Penal, na aplicação da pena do réu MARCELO FERREIRA DA SILVA.
4.3. DA APLICAÇÃO DA ATENUANTE DE BAIXO GRAU DE INSTRUÇÃO OU ESCOLARIDADE DOS AGENTES
De acordo com a Lei n. 9.605/98 em seu art. 14, I, uma das circunstâncias que
atenuam a pena é o baixo grau de instrução ou escolaridade do agente.
6º Ofício
A defesa dos acusados não desconhece os efeitos perversos que a extração ilegal
de areia pode causar ao meio ambiente, mas a punição criminal dos acusados, caso Vossa
Excelência entenda que houve a prática dos delitos em questão pelos Réus, deve ser feita
sob os parâmetros constitucionais e legais abaixo delineados.
Ademais, é de se ter em vista, ante a acusação formulada, os tipos penais em
comento:
Lei 8.176/91 – art. 2º. Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de
usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem
autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título
autorizativo.
Pena – detenção, de um a cinco anos, e multa.
Lei 9.605/98 - Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais
sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em
desacordo com a obtida:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Veja-se que a redação dos tipos em comento é muito parecida, o que não é por
acaso.
De fato, a Lei 8.176 foi publicada em 08/02/1991 para tratar de crimes contra a
ordem econômica e o sistema de estoques de combustíveis fósseis, com o escopo de
defender o patrimônio nacional da exploração irregular das matérias-primas
pertencentes à União.
6º Ofício
6º Ofício
6º Ofício
8.176/91;
(iv) a fixação de regime inicial menos gravoso, com a substituição
da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos
termos do art. 44, § 3°, do Código Penal.
Nesses termos, pede deferimento.
Campinas, 10 de abril de 2023.
Amanda Ribeiro Costa
DEFENSORA PÚBLICA FEDERAL