Vila Estrutural

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Vila Estrutural: Experiência de Pesquisa Qualitativa no Direito

Vila Estrutural: An experience on qualitative research in Law

Ana Carolina Figueiró Longo

Mestranda em Direito e Sociedade na Escola de Direito do IDP, Analista


Processual no Ministério Público Federal

Sumário:Introdução - 2 Da pesquisa científica no campo do direito - 3 Da Pesquisa na


Vila Estrutural - Conclusão Referências

Resumo: O trabalho busca discutir o caráter científico da pesquisa realizada no campo do


Direito, em especial a pesquisa se se vale de instrumentos empíricos para a coleta de dados. A
demonstração de que se dever reconhecer a cientificidade se dá por meio de três critérios de
verificação: interno, externo e de confiabilidade e a demonstração clara e objetiva do método
utilizado para a coleta de dados. Ao final, o texto descreve uma pesquisa empírica realizada
no campo do Direito, na qual se discutiu se a abertura de ruas e a atribuição de endereços para
casas localizadas em invasão de área pública por população de baixa renda, melhora a
qualidade de vida dos moradores e lhes concede mais dignidade. Além disso, o texto testa as
características de cientificidade do método eleito.

Palavras Chaves: Metodologia – Empiria – Ciência do Direito

Abstract: The paper discusses the scientific character of researches in the field of law, in
particular the researches that make use of empirical tools for data collection. The
demonstration that the scientific must be learned through three verification criteria: internal,
external and reliable, objective and clear demonstration of the method used for data
collection. At the end, the text describes an empirical research in the field of law in which
discussed the opening of streets and assigning addresses to homes y poor people, located in
the public area, improves the quality of life for residents and gives them more dignity. In
addition, the text scientific tests the characteristics of the chosen method.

Key Words: Metodology – Empirical - Law Science

Introdução

Das discussões acerca da circunstância de que as ciências sociais não são aptas a
desenvolver conhecimento de forma científica, há que se posicionar de forma contrária. Desde
que fixados os critérios adequados para demonstrar a cientificidade dos métodos utilizados
para a observação de um objeto é plausível qualificar como científica a pesquisa no campo do
Direito.

Para este artigo, partimos dos critérios estabelecidos pela pesquisadora Anna
Laperriére, que elege três aspectos a serem considerados para a validação de uma pesquisa das
ciências sociais como científica: verificação interna, externa e de confiabilidade.

Da análise da metodologia elegida pelo pesquisador e sua conforntação com estes


critériso, há que se reconhecer a objetividade e o caráter científicio da pesquisa realizada.

Neste artigo, pretende-se, além de demonstar o conteúdo destes critérios de


verificação, também se procura aplicá-los à pesquisa realizada na Vila Estrutural, que analisou
a interferência da abertura de ruas e indicação de endereços nas casas para a dignidade dos
moradores, que se valeu de métodos empríricos para a coleta de dados.

2 Da pesquisa científica no campo do direito

A natureza científica do Direito é objeto de críticas tanto no campo científico como


no próprio campo jurídico, em especial porque a maior parte das pesquisas realizadas tem
enfoque dogmático, sem uma preocupação direta com as problemáticas surgidas da operação
do Direito, ou a sua interferência com as demais áreas do conhecimento (NOBRE 2005). Os
pesquisadores do Direito, em geral, buscam compreender o conteúdo da norma, mas não o seu
reflexo na sociedade onde é aplicada, ou eventuais anseios sociais por modificações do direito
estudado.
Todavia a realidade social não pode estar dissociada da pesquisa, porque esta nasce
justamente da percepção de um descompasso na harmonia entre as estruturas instituídas, na
esteira de Popper, para quem “nunca começamos por observações, mas sempre por
problemas: por problemas práticos ou por uma teoria que deparou com dificuldades – quer
dizer, uma teoria que criou, e frustrou, certas expectativas” (1996, p.124).

O campo do Direito começa a perceber que a dinâmica do estudo do Direito deve


estar intimamente ligada às demandas da sociedade no qual ele é aplicado e produzido. E,
neste contexto, as respostas prontas e codificadas da pesquisa tradicional não parecem atender
à intensa movimentação da sociedade pela busca do reconhecimento do que a norma posta lhe
assegura. Até porque, o Direito é o instrumento de preservação do Estado Social de Direito e
da legitimidade dos Poderes Públicos.

Qualquer pesquisador que se aventure pelo campo do Direito deve ter em mente que
sua pesquisa deve estar contextualizada na realidade que o circunda. São os fatos sociais que
justificam a aplicação ou não da norma, são os fatos que geram demandas – judiciais ou
executivas – e são os fatos que exigem das autoridades instituídas decisões passíveis de
acolher as necessidades públicas.

Todavia, ao pesquisador do Direito a pesquisa empírica nem sempre se revela


simples, “seja porque os seus operadores não estão socializados com essa metodologia, seja
porque estão acostumados a pensar o Direito a partir de ideais normativos (dever-ser) que
costumam obscurecer a visão do campo para práticas e rituais que os contrariam” (LIMA e
BAPTISTA 2010).

Por isso, a prática da pesquisa empírica como método de construção do


conhecimento é um instrumento que nos parece eficaz para a (re) construção
de um Judiciário mais democrático, entendendo-se a idéia de democracia,
nesse contexto, como o caminho ou o espaço necessário de interlocução e de
aproximação entre as partes, no caso o Tribunal e a sociedade, nas formas de
administração institucional de seus conflitos. Aliás, os Tribunais Superiores,
através de discursos de seus Presidentes5, têm demonstrado, de forma
recorrente, um interesse efetivo em promover esse contacto entre cidadãos e
Tribunais, a fim de minimizar os efeitos da falta de legitimação pela qual o
Judiciário está passando, objetivo que vai ao encontro da proposta ora
explicitada neste texto. (LIMA e BAPTISTA 2010, 06)

O momento é de mudança na estrutura da pesquisa na ciência do Direito, que vem se


adaptando à realidade pesquisada, sem reproduzir, mas produzindo conhecimento. Vem se
observando que o pesquisador do Direito compreende seu papel dentro da estrutura do
fenômeno social, histórico e econômico no qual está inserido (XIMENES, 2011).
Desta forma, parcela da estrutura da pesquisa no Direito tende a se aproximar da
empiria, como um instrumento capaz de colher os dados e informações na realidade
pesquisada, com a cientificidade necessária para a demonstração das hipóteses suscitadas da
observação desta própria realidade.

Se o problema de pesquisa levantado é objeto da realidade social, é nela que se


devem colher os dados para justificar o estudo, a metodologia e os resultados pretendidos. E é
por meio da observação das estruturas sociais, considerando o pesquisador como um ser que
se aproxima da realidade para bem poder compreendê-la, é que serão propostas intervenções
de sorte a melhorá-la.

A empiria auxilia o pesquisador do Direito a compreender a realidade e os problemas


dela advindos, dentro da qual a pesquisa qualitativa é um dos instrumentos.

Há aqui, que se considerar a pesquisa qualitativa como um recorte social da realidade


para que se possa estudar a interferência da ciência do Direito em fenômenos específicos. No
campo da ciência do Direito, e demais ciências de natureza social, o recorte da realidade, para
se estudar um fenômeno específico, dentro de um contexto determinado, não elimina a
natureza científica da pesquisa realizada. Ao contrário, o recorte social torna a pesquisa
objetiva e passível de se controlar a maior parte das variáveis envolvidas.

Todavia, a cientificidade das pesquisas qualitativas, especialmente no âmbito das


ciências humanas, exige do pesquisador um cuidado especial com os instrumentos necessários
para a verificação de validade da pesquisa, de modo a assegurar a integridade dos dados
obtidos.

O pesquisador que decide se valer da pesquisa científica tem o ônus de justificar suas
escolhas, descrevendo com cuidado o problema de pesquisa eleito, bem como a metodologia
utilizada para se obter os dados que justificarão seus resultados.

Nesta perspectiva e tomando por critério os estudos de Anne Laperriére é possível


sistematizar o valor dos resultados de uma pesquisa qualitativa em três categorias distintas:
critérios de validade interna, critérios de validade externa, e critérios de confiabilidade.

A validade interna se busca verificar quais são os exatos resultados da pesquisa. Com
efeito, verificar se as observações colhidas conduzem a uma interpretação lógica. E, aqui, a
presença do pesquisador no campo de estudo lhe confere a vantagem de poder imediatamente
testar as interpretações obtidas da observação.
Externamente, são analisados os critérios para a aplicação das conclusões de modo
generalizado para situações conexas àquela estudada. Feito um recorte epistemológico,
selecionando uma situação fática a ser estudada, ela será verificada externamente, não pela
obtenção de conclusões generalizadas, aplicáveis a todas as hipótese. Neste caso, privilegia-se
a peculiaridade da situação eleita e, se confrontam os resultados com outras situações
assemelhadas.

A verificação externa se procede analisando os pontos de contatos entre o problema


estudado e situações semelhantes, e a possibilidade de adequação das conclusões daquela
pesquisa ao novo objeto analisado. Entretanto é preciso reconhecer a especialidade do caso
analisado, que é fração da realidade, e que, ainda que não se repita em outras circunstâncias
podem servir de parâmetro para circunstâncias futuras.

A verificação da confiabilidade da pesquisa emprírica avalia os critérios acidentais


que permitem a aplicação dos resultados da pesquisa para hipóteses não incluídas no objeto
do estudo, mas com ele assemelhado.

Numa pesquisa convencional, o cuidado do pesquisador é para controlar todas as


variáveis envolvidas, de sorte a evitar que os resultados sejam fruto de circunstâncias
acidentais. Já a pesquisa qualitativa aproveita-se destas circunstâncias acidentais para
compreender melhor o fenômeno estudado. E constatar que há variáveis que não podem ser
controladas pelo pesquisador, mas a verificação delas pode gerar resultados inesperados e
importantes para a compreensão do problema eleito para estudo.

Este é um procedimento desenvolvido para assegurar o caráter científico às pesquisas


qualitativas no campo das ciências da humanidade, criando objetivações, mas, especialmente
pela análise de significações e do contexto da ação social. A preocupação é estabelecer
critérios que possam ser verificados de maneira mais objetiva possível, de sorte a autorizar a
afirmação de que, no campo do Direito e demais ciências sociais, a pesquisa tem caráter
científico, ainda que o observador se aproxime e interfira com o objeto estudado.

Há, aqui, uma mudança no paradigma da ciência, afastando-se a pretensão de


exatidão das ciências da natureza para assegurar existente um resultado, para valorizar os
valores e os processos de interpretação da ação humana, incluindo esta análise também no
mesmo nível de cientificidade. Observe-se, também, que a mudança de paradigma não se
descuida da complexidade das relações sociais e da constante interação entre as diversas
realidades sociais.
Neste momento, o cientista das ciências humanas deixa de buscar uma posição neutra
em relação ao objeto de seu estudo – até porque esta neutralidade é apenas utópica – para
“maximizar a validade de seus resultados, balizando ou explorando os recursos da
subjetividade, mas do que tentando excluí-la dos processos de pesquisa” (LAPERRIÉRE,
2008, p 412).

O paradigma do cientista das ciências das humanidades de alterar sua perspectiva em


relação ao objeto pesquisado é o elemento concretizador desta mudança:

No plano metodológico, essas considerações gerais se traduzirão pelo


reconhecimento do papel central da intencionalidade e dos valores, tanto do
lado dos sujeitos pesquisados quanto do lado do pesquisador. Assim, os
quadros interpretativos e o posicionamento psicológicos e social dos sujeitos
da pesquisa, tanto quanto os do pesquisador, deveriam ser cuidadosamente
anotados e analisados ao longo da pesquisa, visando nela obter uma correta
análise dos dados coletados (LAPERRIÉRE 2008, p. 413).

O objeto das ciências humanas é o comportamento humano, com todas as suas


peculiaridades, o que impõe ao pesquisador o uso de técnicas diferentes daquelas utilizadas
pelas ciências da natureza. Não se pode colher do comportamento humano uma relação de
causa e efeito como nas ciências naturais.

Daí a necessidade de se apreender os fenômenos humanos por meio de enfoques


diferentes para a coleta de dados, para que sejam corretamente enquadrados nas perspectivas
teóricas. Esse fenômeno, contudo, não decorre da mera observação do objeto, mas de escolhas
do próprio pesquisador. Dessa forma, ele possui um ônus maior de explicitar e pormenorizar
quais foram estas escolhas e por quais razões foram consideradas as mais adequadas para os
objetivos traçados inicialmente.

Estas escolhas, contudo, não são aleatórias. Ao pesquisador cabe a opção por uma ou
outra técnica de pesquisa, mas levando em conta todo o arcabouço teórico que envolve sua
pesquisa. Este é o instrumento que assegura a isenção de valores e intuições – não
neutralidade – do pesquisador, para conferir o caráter científico à ciência humana:

A validade de um conhecimento está na qualidade e detalhamento da


descrição do método, ou seja, com que instrumentos opera, em que fases se
exerce, quais mecanismos dispõe para controle das operações, por meio dos
quais se testa, se mede, se descreve, se explica, se justifica, se fundamenta,
se legitima, se constrói, se produz, se elimina, se aumenta, se diminui, se
multiplica, se divide, se participa, se exclui, se inclui. (MOLL 2007, p. 161)

O papel do pesquisador, neste campo de estudo não demonstra qualquer pretensão de


distanciamento do objeto, justamente porque conhece a circunstância de que sua presença
altera a condição da pesquisa e, portanto, se “certifica da justeza das interpretações que ele
colhe junto aos sujeitos pesquisados, verificando sistematicamente seu vigor no tempo e no
espaço.” (LAPERRIÉRE 2008, p. 416).

A neutralidade e isenção do pesquisador não são sequer esperadas nas ciências


humanas. Ao contrário, é a qualidade da interação entre o pesquisador e o objeto de sua
pesquisa que produzirá dados adequados, já considerando a circunstância de que a simples
presença do observador já modifica o objeto observado. O que se espera é que o pesquisador
tenha uma aproximação objetivada do objeto pesquisado, “num esforço de conhecer a
realidade naquilo que ela é e não naquilo que gostaríamos que ela fosse” (JAPIASSU 1975, p.
43)

Além disso, o pesquisador precisa estar preparado para explicar eventuais


divergências entre o que foi observado e as interpretações que tomou daquele fato, ou, ainda,
de interpretações de outros pesquisadores em relação ao mesmo fato.

As metodologias qualitativas modificam a posição epistemológica praticada na


medida em que passa a considerar o contexto no qual os fenômenos sociais estão inseridos. Já
não se pode mais analisar um fato de modo isolado, mas considerar todas as variáveis que o
circundam. A pesquisa na ciência humana deve ser compreendida de modo que “a
complexidade do mundo- natural ou social – torna impossível a construção indutiva de teorias
conclusivas, uma vez que estas demandariam uma quantidade infinita de fatos”
(LAPERRIÉRE 2008,p. 418).

Partindo-se desta premissa, de que as ações humanas a serem estudadas são sempre
contextualizadas, o pesquisador se posiciona de forma a levar em consideração estas
circunstâncias e, especialmente, a elaborar seu problema de pesquisa por meio de um recorte
particular da realidade. Há que se compreender que as observações serão sempre parciais.
Mas o pesquisador ainda deve tomar o cuidado de zelar para que este recorte seja
representativo da realidade da qual foi destacado, bem como “buscar formular uma
interpretação que dê conta de suas observações, da maneira mais exaustiva possível”
(LAPERRIÉRE 2008,p. 419-420).

Diante de toda esta narrativa, é necessário redefinir os critérios convencionais de


cientificidade, estabelecendo mecanismos de verificação da validade interna e externa da
pesquisa.

A validade interna de uma pesquisa na área de humanidades se dá pela verificação


das variáveis envolvidas na pesquisa, bem como a compatibilidade com o referencial teórico
elegido com os dados colhidos. Externamente, a pesquisa pode ser validada pela especificação
feita pelo pesquisador do contexto social, circunstâncias temporais e espaciais e eventuais
especificidades do contexto no qual o recorte estudado foi feito.

Neste ponto, a característica de generalização não é elemento obrigatório para a


validade de uma pesquisa nas ciências humanas. Com efeito, se se tem por premissa que se
faz um recorte da realidade, há que levar em consideração as circunstâncias peculiares
daquele caso específico para então testar a aplicação das conclusões à situações assemelhadas.
Para Glaser, inclusive, o critério de confiabilidade está na “própria adaptatibilidade dos
resultados; isto é, a sua capacidade de se adaptar a outras situações, por meio das
modificações menores que não interferem em suas dimensões centrais” (LAPERRIÉRE
2008,p. 428).

3 Da Pesquisa na Vila Estrutural

A pesquisa qualitativa, no âmbito do Direito, considerando elementos acidentais


pode resultar em conclusões muito interessantes. É o caso da pesquisa realizada na Vila
Estrutural, favela próxima ao centro de Brasília, que se formou ao redor de um aterro sanitário
e, na data da pesquisa, contava com certa de 30 mil famílias.

A pesquisa iniciou-se com o objetivo de compreender como de dava o processo de


regularização fundiária em áreas irregularmente ocupadas por pessoas abaixo da linha de
pobreza. Para compreender, também, de que modo uma área de natureza pública poderia ser
parcelada e dividida entre aqueles que ocuparam a área. Parte da pesquisa pretendia
compreender a motivação das pessoas em viver por longo período de tempo em situações
precárias, em barracos sem nenhuma infraestrutura, para buscar o direito de moradia e quão
importante seria viver naquele local escolhido.

Todavia, ao chegar no local da pesquisa, o momento histórico da favela pareceu mais


do que interessante, fazendo com que o objeto da pesquisa se modificasse por completo.

Isto porque, naquele momento, a associação de moradores estava coordenados os que


ocupavam a área para reorganizar as casas – inclusive com o deslocamento dos barracos para
locais não muito próximos– para estabelecer os endereços de cada casa. Esta era a primeira
etapa para a regularização da área. A proposta era organizar as ruas para facilitar o acesso de
instrumentos urbanísticos, como segurança pública, bombeiros e até serviço postal.

Com a presença do pesquisador no local e a percepção de que havia ali um problema


de pesquisa que correspondia à realidade iminente daquela sociedade, optou por alterar por
completo o objeto de seu estudo.

O problema de pesquisa passou a estudar em que medida a constituição de um


endereço podia influenciar a dignidade de uma pessoa que tem seu direito de moradia
ameaçado. A delimitação física do objeto foi restringida para as quadras 10, 11 e 12 da Vila
Estrutural, porque eram as áreas que estavam neste processo de abertura de ruas e definição
do endereço de cada casa.

A pesquisa dependia da investigação da participação individual e em grupo dos


fenômenos sociais, analisando a significação que cada informante dá ao seu ato. A função do
pesquisador é participativa, procura ele compreender e interpretar as situações investigadas
(CHIZZOTTI, 2000). Por essa razão optou-se pela técnica de pesquisa qualitativa denominada
observação participante.

A intensidade dos fenômenos estudados, de dimensão complexa e complementar


aponta para a multiplicidade de fatores envolvendo a realidade, em particular da realidade
humana, que encontra uma de suas qualidades mais visíveis na capacidade de criar, de
negociar, de refazer potencialidades e oportunidades (DEMO 2001).

Foi considerado, ainda, o ambiente onde da pesquisa, em especial a limitação do


pesquisador sua percepção (DEMO 2001). De fato, a realidade é aquela construída por
impressões, já que o pesquisador ocupa espaço dentro do ambiente e analisa o objeto de
pesquisa sob seu próprio ponto de vista. (DEMO 2001) E não há como captar a realidade
exatamente como ela é. “Somos seres interpretativos, captamos a realidade
reconstrutivamente, inviabilizando qualquer pretensão de representação direta”. (DEMO
2001. p.26) A observação de um grupo social é como a brincadeira de telefone sem fio,
passamos a mensagem conforme a ouvimos, independentemente do conteúdo da mensagem
inicial. Pedro Demo explica que a análise de uma sociedade, também implica em uma análise
de nós mesmos, “podemos fazer um esforço de distanciamento – não por alienação, mas para
deixar o objeto visível – mas é inútil esconder que somos também como analistas, parte da
análise.” (2001, p. 28)

Na pesquisa realizada, para evitar a maculação do levantamento histórico, buscou-se


indagar dos próprios personagens daqueles fatos suas impressões, para que existisse
"fidelidade das experiências e interpretação do autor sobre o mundo" (HAGUETTE, 1992 p.
80), .Até porque, é a dignidade daqueles personagens que estava sendo objeto de estudo.
Qualifica este instrumento de pesquisa como focalizado nas experiências e interpretações do
investigado sobre o mundo ou sobre determinado fenômeno:

(...)privilegia a coleta de informações contidas na vida pessoal de um ou


vários informantes. Pode ter a forma literária biográfica tradicional como
memórias, crônicas ou retratos de homens ilustres que, por si mesmos ou por
encomenda própria ou de terceiros relatam os feitos vividos pela pessoa. As
formas novas valorizam a oralidade, as vidas ocultas, o testemunho vivo de
épocas ou períodos históricos (CHIZZOTTI, 2000, p. 80).

Os dados foram recolhidos, sob a indagação de qual é a correta interpretação do


sentido dado pelos moradores ao lote que pleiteiam junto ao Poder Público, e se tal lote
precisa necessariamente estar situado na Vila Estrutural, ou em qualquer outro local do
Distrito Federal. Compreender, também, a legitimidade da associação de moradores para
modificar a localização de seus barracos, sem qualquer objeção de todos os moradores. E por
fim, verificar que tipo de mudança na vida pessoal dos moradores o arruamento provocou.

Daí a expectativa de que os resultados do trabalho deixariam de ser apenas releituras


de documentos, mas verificação em loco da realidade estudada para que o pesquisador
pudesse compreender, na amplitude deste termo, o que significa morar na Vila Estrutural e
poder argumentar com firmeza quais são as necessidades dos moradores.

Optou-se pela técnica de pesquisa observação participante para definir quanto a


moradia implica no conteúdo da dignidade dos moradores. Primeiramente pela limitação
espacial da pesquisa. A Vila Estrutural conta, hoje, com trinta mil pessoas, não haveria
condições de se alcançar uma amostragem significativa para resultados fidedignos na
aplicação de questionários. Havia, também, a questão da segurança, na Vila Estrutural não há
policiamento, em virtude dos inúmeros conflitos entre a polícia e os moradores, então não se
permite que eles entrem na cidade. Além disso, o processo de arruamento promovido pela
associação de moradores estava ocorrendo naquelas três quadras, o que permitiria a
observação da estrutura de vida dos moradores antes e depois de receberem endereços em
suas casas.

A opção pela observação participante pareceu ser a mais eficaz em termos de


qualidade nos dados recolhidos. Na observação participante, o pesquisador se envolve no
meio estudado, compartilha “não somente das atividades externas do grupo, mas com os
processos subjetivos – interesses e afetos – que se desenrolam na vida diária dos indivíduos”
estudados (HAGUETTE, 1992, p. 72).

O observador participa das atividades do grupo pesquisado (HAGUETTE 1992, p.


71), com o intuito de estudar a realidade por “dentro”, convivendo com os indivíduos
pesquisados. A investigação prescinde de qualquer instrumento específico para direcionar a
observação, cabendo ao próprio observador a responsabilidade da coleta dos dados.

Os problemas iniciais a serem superados para dar início à pesquisa foram descobrir a
forma como entrar na Vila Estrutural, de modo a ganhar a confiança das pessoas para que se
sentissem confortáveis para contarem suas histórias de vida.

A pesquisa, então, foi realizada com o apoio de um grupo da Igreja Católica1 que
realizava um trabalho exatamente nas quadras 10, 11 e 12 da Vila Estrutural – as quadras mais
próxima ao aterro sanitário e objeto do arruamento naquele momento.

Com o apoio deste grupo foi possível frequentar a Vila Estrutural com segurança e já
havia a confiança dos moradores, como o grupo que era bem quisto dentro da comunidade.
Desta forma, em muito pouco tempo aquelas pessoas passaram a relatar suas experiências de
vida.

A pesquisa ocorreu no período de setembro de 2002 a março de 2003. Sempre aos


sábados, quando era possível conversar com as pessoas e verificar seus sentimentos sobre a
Vila Estrutural e o fato de viverem nas condições que se pode vivenciar.

Tomando por conceito de moradia digna aquele que envolva a construção da casa,
saneamento básico, higiene, transporte público, cultural, lazer, segurança, educação e saúde,
conversei com vários2 moradores das quadras 10, 11 e 12 da Vila Estrutural, principalmente
mulheres. Primeiramente verificando as histórias de vida, investigando quais as razões que
levaram as pessoas investigadas a residirem na “invasão”.

Era alvo da pesquisa, também, descobrir quais eram as necessidades básicas dos
moradores, em que consistiam os instrumentos urbanos indispensáveis à qualidade de suas
vidas, e quais aqueles que a implementação era mais urgente.

Usando da observação participante, onde o pesquisador estava inserido dentro da

1
A Conferência Vicentina da Paróquia de Santo Expedito e São Miguel Arcanjo é um grupo de leigos da Igreja
que tem como escopo principal o desenvolvimento humano e espiritual, principalmente por meio da caridade.
Eles vão à Vila Estrutural pelo menos uma vez por semana para distribuir alimentos e alguma outra necessidade,
como remédios, agasalhos e cobertores, para cerca de vinte famílias
2
Não se faz referência a um número exato, porque várias das conversas não puderam ser registradas por
qualquer meio face as circunstâncias em que ocorram e para evitar constrangimento dos investigados, assim, não
há como contabilizar com certeza o número de interlocuções realizadas.
atividade diária dos moradores, foi possível ter livre acesso às suas casas3–, foi possível,
então, presenciar as rotinas das casas e a forma como iam “dando um jeito” nas condições
precárias em que viviam para terem melhor qualidade de vida.

Além disso, em diversas oportunidades, se observou como a associação de


moradores interagia com os ocupantes dos lotes naquelas áreas e de como se coordenavam
para abrir ruas e organizar os endereços. O trabalho era realizado em equipe, para mudar as
casas, ainda que de maderite, de uma agrupamento inteiro, de modo a viabilizar a abertura da
rua.

Todos colaboravam, inclusive aqueles que não viviam na área. A ideia era poder
estruturar a cidade o mais rápido possível. Um endereço viabiliza o acesso a serviço médico
de emergência, o acesso do corpo de bombeiros, a inclusão deste dado num currículo para a
busca de um emprego, receber cartas e encomendas, dentre milhares de outros serviços
essenciais.

Era visível, no curso da pesquisa, como as pessoas melhoraram as suas casas, já que
aquele era o local definitivo de sua moradia, plantaram flores, distribuíram melhor os
cômodos, pintaram as paredes, ainda que com poucos recursos. Até mesmo a autoestima das
mulheres se modificou, porque passaram a se vestir melhor, a se enfeitar e enfeitar suas
crianças, porque naquele momento, havia um endereço.

O envolvimento da pesquisadora no ambiente pesquisado interferiu no ambiente,


entretanto, nas ciências humanas, é preciso assumir a condição de complexidade que o
fenômeno apresenta e considerando estes fatores, obter os dados necessários à verificação da
hipótese de pesquisa.

O caráter científico desta pesquisa no campo do Direito pode ser verificado pelos
critérios antes descritos, de verificação interna, externa e da confiabilidade.

Na pesquisa realizada, os fatores que influenciavam a vida das pessoas que viviam
naquelas quadras da Vila Estrutural foi um dos instrumentos de controle interno da pesquisa,
além disso, os resultados puderam ser confrontados com as percepções de outros agentes que
também frequentavam a mesma área, colhendo a interpretação que mais se aproximava de
uma neutralidade, em seu conteúdo.

A presença direta do pesquisador no campo estudado viabilizou analisar

3
Com a confiança adquirida faziam questão de convidar para dentro das casas e oferecer um café
imediatamente como as intervenções proporcionadas pelo arruamento e a atribuição de
endereço para as moradias interferiu na qualidade de vida e dignidade dos moradores. Esta
participação próxima do objeto pesquisado autorizou ao pesquisador testar de imediato as
conclusões e resultados obtidos de sua interpretação da realidade.

Há que se reconhecer, pois, que deste recorte da realidade se foi possível colher
dados científicos, dentro da complexidade das relações humanas e com a participação direta
do pesquisador nas relações estudadas, além de se viabilizar o controle interno dos dados
colhidos.

Externamente foi possível confrontar os resultados colhidos com outras pesquisas


com objetos com pontos de similitude. Uma destas pesquisa que se prestou para a verificação
externa dos resultados foi o projeto Favela Bairro, no Rio de Janeiro 4.

Em ambas as situações havia ocupação irregular de áreas públicas por pessoas abaixo
da linha da pobreza. Nas duas hipóteses, houve uma intervenção direta na cidade cujo intuito
era melhorar a qualidade de vida dos moradores. Naquela pesquisa a intervenção consistiu na
abertura de uma avenida principal, dentro da favela, para que pudesse ser possível a
circulação por toda a área de carro (inclusive carros do corpo de bombeiro e da polícia) e no
ponto de central desta avenida se construiu um centro comunitário, onde começaram a ser
oferecidas atividades de lazer para a comunidade.

No Favela-Bairro, assim como no arruamento da Vila Estrutural, pode-se verificar de


imediato a melhoria da qualidade de vida das pessoas, que passavam a se sentir integrantes da
cidade, porque a partir de então poderiam ser atendidos por diversos equipamentos urbanos
que jamais chegou àquela localidade. Além disso, a comunidade passou a ter um espírito de
grupo, porque tinham onde se encontrar para conversar e trocar experiências comuns.

Na Vila Estrutural também se verificaram resultados parecidos. Além do aumento da


autoestima dos moradores, que passaram a cuidar mais de suas casas, pode-se reconhecer a
formação deste espírito de grupo, justamente porque era necessário a colaboração de todos
para movimentar os barracos, e todos estavam trabalhando por um objetivo comum, que era
obter endereços para todas as casas lá localizadas.

Este foi um dos itens de verificação externa da pesquisa realizada na Vila Estrutural,
que pode ter suas variáveis e interpretações confrontadas com projeto assemelhado e verificar

4
Cf. http://www0.rio.rj.gov.br/habitacao/favela_bairro.htm, Acesso em 08.09.2013
a aproximação dos resultados obtidos pelos cientistas envolvidos em ambos os estudos.

A verificação da confiabilidade da pesquisa empírica realizada na Vila Estrutural


talvez tenha elementos mais objetivos que os critérios anteriores, justamente porque foram as
variáveis acidentais que modificaram por completo a pesquisa. Da percepção de que havia um
elemento anterior ao objeto pretendido, o pesquisador optou por reformular seu problema de
pesquisa, para fazer incluir a percepção de que a sociedade objeto do estudo estava num
processo intenso de modificação e de consolidação como tal.

Apesar da mudança do problema de pesquisa, motivado pela percepção da realidade


estudada, é possível concluir que os resultados colhidos são muito confiáveis. Primeiramente
porque os elementos metodológicos estão muito bem explicados e delineados. O pesquisador
demonstrou, em cada etapa de sua pesquisa quais eram as variáveis, conhecidas e acidentais
que interferiram na sua interpretação e como elas o conduziram ao resultado esperado.

Não há como se afastar, pois, o caráter científico da pesquisa realizada pelas ciências
sociais, quando se pode eleger e demonstrar os critérios de cientificidade que justificaram a
pesquisa.

Conclusão

A pesquisa nas ciências sociais não é, nem poderia ser, tão exata como são as
ciências da natureza. Até porque o objeto de estudo das ciências sociais é o comportamento
humano e este não obedece padronizações ou objetivações que se pode observar nas ciências
naturais.

Todavia, não se pode descartar o caráter científico das pesquisas no campo das
humanidades, especialmente pesquisas cuja proposta demanda a coleta de dados por meio da
empiria.

Cabe ao pesquisador das ciências sociais o cuidado de explicar todos os passos de


sua metodologia, pormenorizando os instrumentos e os critérios que foram utilizados para
obter os resultados alcançados ao final da pesquisa. Além disso, é preciso que o pesquisador
atente para a verificação de suas intermpretações.

Isso porque, numa pesquisa na área de humanidades, o pesquisador não é neutro, mas
está inserido no campo de pesquisa, visto que o mero fato de observar o comportamento
estudado já o modifica. Os valores e precompreensões do pesquisador certamente estarão
refletidos nas interpretações dos dados colhidos. Todavia, essa variável não pode, nem deve,
ser desconsiderada, nem torna menos científica a pesquisa.

Ao contrário, o pesquisador no campo das humanidades deve ter ciência de sua


intervenção no objeto estudado e considerar esta como mais uma variável a ser considerada
no conteúdo de seu estudo.

O presente trabalho, pois, buscou discutir a cientificidade das pesquisas


epistemológicas e empíricas nas ciências humanas, e descrever critérios de verificação das
conclusões obtidas dos dados colhidos durante a pesquisa.

São esses cuidados com os critérios e a metodologia, portanto, que assegurarão a


cientificidade das pesquisas.

Referências

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DEMO, Pedro. Pesquisa e informação qualitativa: aportes metodológicos. Campinas:


Papirus, 2001.

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Vozes, 1992.

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Janeiro: Vozes, 2008.

LIMA, Roberto KANT DE, e Bárbara Gomes Lupetti BAPTISTA. “O desafio de realizar
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MOLL, Luiza Helena Malta. “Projeto de pesquisa em Direito.” In: Reforma Constitucional e
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NOBRE, Marcos. O que é pesquisa em Direito? . São Paulo: Quartier Latin, 2005.

POPPER, Karl. O mito do contexto – em defesa da ciência e da racionalidade. Lisboa:


Edições 70, 1996.

XIMENES, Julia Maurmann. “Levantamento de dados na pesquisa em Direito – atécnica da


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