PINTO, Hilberte. THOMASI, Tanise. A PESQUISA SOCIAL EMPÍRICA COMO RECURSO CIENTÍFICO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
PINTO, Hilberte. THOMASI, Tanise. A PESQUISA SOCIAL EMPÍRICA COMO RECURSO CIENTÍFICO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
PINTO, Hilberte. THOMASI, Tanise. A PESQUISA SOCIAL EMPÍRICA COMO RECURSO CIENTÍFICO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
RESUMO: O presente artigo visa demonstrar como a pesquisa social empírica, enquanto técnica
que aproxima o pesquisador da realidade social investigada, pode servir como recurso científico no
Estado Constitucional de Direito. Demonstram-se os paradigmas para a compreensão da pesquisa
jurídica na atualidade. Depois, traça-se um diálogo entre a pesquisa teórica e a empírica, ressaltando
suas características e importância. Finalmente, examina-se de que modo a técnica empírica pode
contribuir com os anseios democrático-constitucionais. Trata-se de uma pesquisa qualitativa
explicativa, desenvolvida através do método dialético, a partir de bibliografias e artigos científicos.
Ao final, o estudo conclui que a pesquisa empírica, apesar das complexidades, afirma a dignidade
humana e melhor expõe o fenômeno social, pelo que deve estar à disposição da academia, ao lado da
pesquisa teórico-bibliográfica.
ABSTRACT: This article aims to demonstrate how empirical social research, as a technique that
brings researchers closer to the investigated social reality, can serve as a scientific resource in the
Constitutional State of Law. The paradigms for understanding legal research today are
demonstrated. Then, a dialogue is drawn between theoretical and empirical research, emphasizing
its characteristics and importance. Finally, it examines how empirical technique can contribute to
democratic-constitutional concerns. This is an explanatory qualitative research, developed through
the dialectical method, based on bibliographies and scientific articles. In the end, the study concludes
that empirical research, despite the complexities, affirms human dignity and better exposes the
social phenomenon, so it should be available to the academy, alongside theoretical and bibliographic
research.
Keywords: juridical scientific research. empirical social research. democratic state of law. criticism
theory.
INTRODUÇÃO
É comum que os bacharéis em Direito encerrem graduação preparados para atuar na prática
forense, notadamente em razão da estrutura curricular e carga histórica atinentes à referida área. Na
academia jurídica, comumente, os estudantes são estimulados a desenvolver a sua argumentação
jurídica, e, para obter conhecimento, a se debruçar sobre fontes bibliográficas e documentais, a
exemplo da doutrina, legislação e jurisprudência, como prescreve a Lei de Introdução às Normas do
Direito brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/42). No campo científico, não é diferente. Costumeiramente,
os estudos científicos, no Direito, são realizados a partir das mesmas fontes que preparam o
profissional para a atuação prática; normalmente, são estudos teóricos, dogmáticos ou filosóficos.
Além disto, frequentemente, não prezam por regras metodológicas e, por vezes, não proporcionam
uma análise concreta do fenômeno social.. Acontece que, em algumas décadas, especialmente após
a segunda guerra mundial, o Direito sofreu intensas mudanças paradigmáticas, epistemológicas e
axiológicas, de modo que a sua funcionalidade foi alterada substancialmente. Com o afastamento
das ideias puramente positivistas, a Constituição Federal passou a ocupar o centro do ordenamento
jurídico, e, com isso, novas bases foram concebidas para a compreensão do Direito contemporâneo.
No Estado Democrático de Direito, amparado filosoficamente no pós-positivismo, as leis, em
geral, passaram a se subordinar à Constituição, munida imperatividade e de princípios e valores
afeitos à moral, justiça e dignidade humana. Desta forma, atribuiu-se maior protagonismo ao Poder
Judiciário na concretização dos direitos fundamentais tipificados, sobretudo, no art. 5º do texto
constitucional, e, assim, se desenvolveram novas formas de interpretação jurídica pautadas na Carta
Magna. Nesse sentido, através dessas mudanças epistemológicas, o Direito, enquanto ciência
destinada ao desenvolvimento integral do homem e da sociedade, adquiriu criticidade e criatividade,
porque a conquista dos valores definidos na Constituição, isto é, o seu conteúdo material, passou a
interessar, também, à ciência. Diante de todas essas significativas modificações, convém questionar
a suficiência da corriqueira pesquisa jurídica bibliográfica e teórica para a compreensão efetiva e
integral dos fenômenos sociais pertinentes ao Direito, cotejando-a em face da pesquisa social
empírica, mais utilizada nas demais ciências sociais.
Portanto, objetiva-se demonstrar a importância da pesquisa social empírica no Estado
Democrático de Direito, partindo da hipótese de que tal estudo deve servir como recurso científico
ao lado do estudo bibliográfico, em razão de aproximar o estudioso do sujeito que integra o fenômeno
investigado, a exemplo do que ocorre ao se aplicar a técnica da entrevista. Para tanto, pretende-se,
especificamente, explorar as principais bases filosóficas e teóricas para compreender a pesquisa
científica jurídica na atualidade; examinar um possível diálogo entre o estudo teórico e o estudo
empírico no presente contexto; e, por fim, demonstrar como a pesquisa social empírica pode
contribuir com o Estado Democrático de Direito, à luz da Constituição Federal. Com essas
pretensões, será realizada uma pesquisa qualitativa e explicativa, através do método de abordagem
dialético, tendo, como fontes, a integralidade de bibliografias e artigos científicos selecionados de
acordo com a afinidade com o tema explorado, visando estabelecer um diálogo articulado que
possibilite a identificação de fundamentos favoráveis à utilização da pesquisa social empírica na área
do Direito.
metafísicos, mas sim, em virtude das suas próprias pretensões, valores concretos, alcançáveis
(BARROSO, 2020).
Com efeito, antes dessa remodelagem, as ciências sociais em geral não cumpriram com sua
função elementar, isto é, propiciar o desenvolvimento integral do homem e da sociedade,
notadamente porque, nessa toada positivista, importou-se a metodologia acrítica e neutra das
ciências físicas e naturais (RICHARDSON, 1999, p. 29-30). Assim, no mesmo diapasão da base
filosófica Pós-positivista e do fenômeno da Constitucionalização do Direito, o fundamento teórico do
Direito, e, portanto, das investigações científicas jurídicas, também passou a rejeitar parcialmente a
tradição romano-germânica e a chamada Era das Codificações, para dar espaço à Teoria Crítica,
reconhecendo que o fenômeno investigado pelo Direito não deve se ordenar independentemente do
sujeito que dele participa (BARROSO, 2020, p. 228). Da segunda metade dos anos 60 até o fim dos
anos 80, principalmente, as ciências sociais passam a formar pesquisadores críticos, acompanhando
as mudanças sociopolíticas na América Latina, particularmente, o que vem a modificar o eixo
científico desse ramo (RICHARDSON, 1999, p. 30).
Na perspectiva da Teoria Crítica, refere-se ao objeto de análise associando-o a um sujeito
cognoscente, sem pretensão de neutralidade e universalidade, tal como ocorrera sob a égide do
Positivismo. Ao contrário, nesse paradigma, a ciência se orienta pelas demandas e mudanças sociais,
numa abordagem materialista e dialética que inter-relaciona o objeto de pesquisa com o sujeito
cognoscente e seus contextos sociais, econômicos, culturais e históricos (VOIROL, 2012, p. 85-87).
Nessa teoria não se pretende alcançar um resultado abstrato e acabado; diversamente, ela permite
tensões entre a teoria e a realidade, ao admitir que esta última é mutável (VOIROL, 2012, p. 88-89).
Desta forma, a pesquisa crítica, particularmente aquela pautada na dialética aberta, consiste “num
processo interminável de desenvolvimento do conhecimento, num ciclo permanente de redefinição,
constantemente buscando conceitualizar a mudança das práticas na realidade” (VOIROL, 2012, p.
89). Nesse diapasão, o conhecimento científico pós-moderno possui como característica o
antidogmatismo, o que expressa que o enunciado é refutável, falseável, seja genericamente ou em
face de situações particulares (BARRAL, 2007, p. 24). Bem assim, o pesquisador, quem deve rejeitar
uma postura científica inclinada à dogmática de outrora, assumindo, ao contrário, uma postura
crítica voltada à “persistente busca de novas ideias e abordagens sobre o tema, na aversão à
subserviência intelectual”, dado que “todo enunciado é perquirível, toda tradição deve ser arrostada,
todo conhecimento é questionável” (BARRAL, 2007, p. 27). Portanto, a Teoria Crítica serve à ciência
social a capacidade de investigar um dado fenômeno de modo mais profundo, em razão de levar em
conta a sociedade que dele participa. Nessa linha, o paradigma da criticidade conduz a pensar os
fatos sociais de modo crítico, e tal abordagem permite refletir sobre os problemas sociais e as
possíveis soluções respectivas (PINZANI, 2012, p. 89).
pesquisador trilha todo o seu procedimento metodológico sem interagir com o sujeito que participa
ativa ou passivamente do fato sob lentes – por vezes, o próprio pesquisador, aliás. Assim, é possível
que algumas particularidades do fenômeno não sejam perfeitamente captadas e, consequentemente,
não sejam reproduzidas na contribuição científica do pesquisador. Portanto, ao revisitar as bases
teóricas e filosóficas que alicerçam o Direito constitucionalizado, pode-se concluir que, para além
das mudanças na prática forense, faz-se necessário um giro paradigmático também no seio da
pesquisa jurídica, de forma que a academia seja estimulada a se valer de técnicas de pesquisa que
vão além da revisão de literatura, com o intuito de aproximá-la, profundamente, do fenômeno
estudado, permitindo uma melhor elucidação e contribuição científica.
disso, importante anotar que se tem constatado, como problema, um aumento da produção científica
bibliográfica no campo jurídico, porém de baixa qualidade (VERONESE, 2017). Em vistas disso,
conclui-se que é imprescindível que tal tipo de pesquisa siga em produção e aprimoramento, até
mesmo porque possibilita uma filtragem das literaturas existentes sobre determinados temas, de
modo a separar as de baixa qualidade das de alta qualidade, o que é enormemente importante para
a academia e para a sociedade (VERONESE, 2017).
Por outro lado, é inegável que outras fontes e métodos de pesquisa, como pesquisas empíricas
de campo, ou seja, que não se estreitam em revisão bibliográfica, podem contribuir sobremaneira
para a compreensão do fenômeno estudado. Tais fontes e métodos, contudo, não são de predileção
dos operadores do Direito. Como salienta João Maurício Leitão Adeodato, “fontes não-bibliográficas
de pesquisa, tão ao gosto dos demais estudiosos dos fenômenos sociais, não vêm sendo utilizadas
pelos juristas como seria de desejar” (ADEODATO, 2015, p. 177). No Brasil, em razão do empenho
da sociologia jurídica e da reaproximação entre o Direito, a sociedade e a política, somente a partir
da década de 1970 as técnicas empíricas voltaram a ser utilizadas nas pesquisas jurídicas, somando-
se às tradicionais pesquisas téorico-bibliográficas (LINS E HORTA et al, 2014, p. 164-165). O fato é
que, antes disto, existia um nítido entrincheiramento entre o Direito e as demais ciências sociais
humanas, em razão da antiguidade da primeira como disciplina universitária e o seu modelo com
características “antibacharalescas”, isto é, com carência de rigor científico, voltado eminentemente
à prática forense. Desta forma, o Direito, em seu aspecto científico, não se desenvolveu no mesmo
compasso das outras ciências, assumindo feições puramente dogmáticas (NOBRE, 2009).
Na realidade, há muito, têm sido estimuladas resistências à reunião da filosofia social e
pesquisa social, principalmente pela forma como se estruturam as universidades no que concerne à
prática científica, a não admitir cooperação entre teóricos e pesquisadores empíricos (VOIROL,
2012, p. 82). Há quem diagnostique, não obstante, que a ciência do Direito não pode ser comparada
grosseiramente às demais ciências sociais, pois a primeira possui particularidades epistemológicas,
notadamente porque, academicamente, esteve sempre dirigida à resolução de problemas práticos e
profissionais, razão pela qual foi tardia a sua preocupação com o desenvolvimento do plano científico
propriamente dito (FRAGALE FILHO; VERONESE, 2004, p. 58-66). Como descrevem Roberto
Fragale Filho e Alexandre Veronese, a pós-graduação do Direito, antes, “era vista como uma mera
perfumaria ou uma infeliz necessidade para aumentos salariais” (FRAGALE FILHO; VERONESE,
2004, p. 67). No paradigma atual, em função de todas as mudanças oportunamente mencionadas, a
pesquisa jurídica é o caminho para se concretizar o projeto delineado pela constituição do Estado
Democrático de Direito. Nesse sentido, com efeito, a produção acadêmica “se faz imperiosa, pois não
há outra forma de construir uma verdadeira legitimidade científica” (FRAGALE FILHO;
VERONESE, 2004, p. 67).
eminentes, a interpretação desses fenômenos, sendo que tal exercício passa pela valoração intrínseca
dos fatos e desemboca na interpretação aguda destes, e isto deve valer, inequivocamente, para a
atividade científica jurídica (FRIEDE, 2009, p. 248).
Com efeito, na estrutura pós-moderna, a pesquisa científica deve se traduzir numa pesquisa
concreta, que não se limite a reproduzir um quadro teórico, mas que, além disto, o confronte com
práticas reais, através de técnicas de pesquisa que atravessem o objeto de investigação (VOIROL,
2012, p. 93). Outrossim, por se tratar de ciência social, a pesquisa jurídica não visará ao objetivo
pessoal do pesquisador, mas sim à aquisição de conhecimento para o integral desenvolvimento do
ser humano. O papel da pesquisa social crítica, nesse contexto, é precisamente buscar soluções para
problemas práticos que afetam a sociedade (RICHARDSON, 1999, p. 16-17). E, para compreender e
interpretar os fenômenos jurídicos adequadamente, é imprescindível analisá-lo diretamente e, se
possível, presencialmente. Porque bibliografias e documentos jamais revelarão, fielmente, as
particularidades e nuances dum dado fato social, cultural, econômico ou histórico. Portanto, quando
exequível, faz-se mister que o pesquisador se aproxime fisicamente do objeto de estudo, de modo a
dele se inteirar perfeitamente. Logo, no atual panorama, os fatos e problemas sociais reclamam
pesquisas jurídicas teóricas, bibliográficas, dogmáticas e, também, empíricas. Porque é o resultado
de todas essas articulações científicas que esclarecerá, com precisão, a problemática, permitindo
refletir sobre soluções pertinentes. Este é o cenário da pesquisa jurídica que, realmente, contribuirá
com os anseios do Estado Constitucional de Direito.
isto é, a garantia da liberdade e igualdade; sendo assim, “não cabe ao crítico defini-las sozinho, sem
a cooperação dos indivíduos que são vítimas dos déficits e das crises” (PINZANI, 2012, p. 95-96).
Como alerta Alessandro Pinzani, o crítico social deve assumir uma posição que não seja
externa à sociedade e que não aceite a ideologia que legitima a práxis social vigente, devendo ele
recorrer “à experiência de injustiça ou de exclusão relatada por membros da sociedade” (PINZANI,
2012, p. 96). Como dito, no paradigma neoconstitucional, o Direito assume criticidade e projeção
para a concretização de direitos e garantias fundamentais, em rejeição às feições exclusivamente
positivistas de outrora. Nesse sentido, reputa-se improvável que estudos puramente bibliográficos e
teóricos forneçam soluções práticas que se rebelem contra as injustiças e desigualdades vigentes; ao
contrário, tais pesquisas, por vezes, podem reproduzir e legitimar a práxis social e a dominância,
justamente porque desprezam a voz dos envolvidos (PINZANI, 2012, p. 99). Diversamente do
levantamento bibliográfico, as entrevistas, por exemplo, são um meio que permite “aos indivíduos
em questão expressar sua visão das coisas, oferecendo uma imagem de si e uma explicação de sua
situação construída por eles mesmos” (PINZANI, 2012, p. 101).
Desta forma, ao passo que são identificados, “cartograficamente”, os arranjos sociais,
econômicos e políticos que envolvem os sujeitos que compõem o fato social investigado,
depreendem-se, com maior precisão e criticidade, as práticas emancipatórias que sejam úteis à
justiça social (VOIROL, 2012, p. 98). Nesse sentido, o pesquisador do Direito, enquanto ciência
social aplicada, deve se valer de instrumentos de coleta de dados que proporcionem informações
estruturais acerca do objeto social investigado, especialmente através dos sujeitos ou grupo que o
compõem. Técnicas como “o estudo de caso, a observação de campo, as entrevistas em profundidade,
histórias de vida, análise de documentos, imagens e arquivos, pesquisa-ação e intervenção
sociológica etc.” permitem que o pesquisador ouça a voz de certos grupos sociais, especialmente
aqueles marginalizados, sem prejuízo de aspectos históricos e culturais a eles relacionados (IGREJA,
2017, p. 15). Desta forma, as inferências resultantes das técnicas empíricas supramencionadas,
somadas ao material bibliográfico, normativo ou teórico, sim, permitirão à academia da ciência
social humana se debruçar sobre o fato com maior profundeza, fidelidade e justeza, à medida que
será possível lançar mão das convicções e opiniões do sujeito cognoscente ou do grupo social
integrante do fenômeno objeto de estudo.
Com efeito, é essa a proposta da Constituição Federal, pois, em atenção ao fundamento da
dignidade da pessoa humana, deve-se propiciar a autonomia e inclusão dos sujeitos envolvidos, e,
para isto, mostra-se indispensável que eles se descrevam livremente, sem se submeterem a rótulos
ou traduções provenientes de classe dominante, com feições paternalistas (PINZANI, 2012, p. 99-
100). No entanto, caso o pesquisador não se permita ouvir o sujeito envolvido na problemática
investigada, pode-se dar ensejo a uma dupla injustiça ou, nas palavras de Alessandro Pinzani, uma
dupla humilhação, uma vez que “o indivíduo é silenciado, por um lado, e, por outro, vê impor-se a
ele uma descrição que não corresponde à sua visão de si e que representa um desrespeito a ele”
(PINZANI, 2012, p. 100). Portanto, o postulado neoconstitucional, sobretudo a afirmação e
concretização da dignidade humana, exige “que os indivíduos disponham da capacidade e da
possibilidade de exercer críticas, de exigir justificativas, de esclarecer sua posição em relação à
realidade sentida por eles como injusta ou que precisa ser modificada por alguma razão” (PINZANI,
2012, p. 101). Indo além, Margarida Garcia, com base em pesquisas concretas por ela desenvolvidas,
sugere um novo horizonte para a pesquisa empírica no Direito, a saber, descentrar o sujeito, para se
recentrar sobre o sistema, de modo a buscar respostas na historicidade e estrutura deste último
(GARCIA, 2014). Nesse sentido, aponta-se a proficuidade de coletar dados dos componentes das
instituições envolvidas nos problemas sociais, a exemplo de juízes e promotores, que intervêm em
assuntos relativos aos sujeitos do fato social (GARCIA, 2014, p. 189-190). A supramencionada
autora, fundamentada na proposição de Luhmann acerca de dois tipos de Sociologia do Direito: “com
o Direito” e “sem o Direito”, explica que é necessário aproximar a sociologia do Direito do próprio
Direito, pois essa abordagem externa poderia contribuir de modo complementar com os modelos
normativos construídos internamente pelos juristas (GARCIA, 2014).
Em seu artigo, a pesquisadora explana que, numa experiência científica anterior, se utilizou
da análise qualitativa centrada em entrevistas semiestruturadas, método clássico das ciências
sociais, mas com foco no sistema e não nos atores (GARCIA, 2014, p. 189-190). Assim, destaca que
entrevistou juízes e promotores no tocante a questões acerca da determinação da pena e direitos
humanos, por estarem, eles, bem localizados para intervir no assunto (GARCIA, 2014, p. 189-190).
Portanto, considerando as mudanças já destacadas, o mundo em que vivemos é plural, multicultural
e diversificado, razão pela qual os problemas sociais exigem uma perspectiva completa de todas as
ciências sociais, através do olhar interno e externo (GARCIA, 2014, p. 207). Desta forma, convém ao
pesquisador aprofundar a compreensão acerca dos atores que integram o fenômeno pesquisado,
sendo proveitosa a utilização de técnicas empíricas, a exemplo da entrevista, que poderá ser aplicada
sobre o grupo social ou sobre o sistema. Entretanto, existem alguns entraves que devem ser
sopesados antes de se planejar a execução de uma pesquisa empírica.
Conforme anteriormente pontuado, a pesquisa empírica deve ser desenvolvida,
metodologicamente, a partir de regras de inferência, alheias a critérios próprios da prática processual
forense. A inferência, aliás, é “o processo de utilizar os fatos que conhecemos para aprender sobre os
fatos que desconhecemos” (EPSTEIN; KING, 2013, p. 36). Quando se realiza uma pesquisa empírica
sem respeitar as regras de inferência, acaba se produzindo um estudo de pouco rigor metodológico
e, por conseguinte, carente de confiabilidade e precisão, “o que é grave, em virtude da frequência
com que conclusões da pesquisa jurídica impulsionam a criação ou reinvenção de políticas públicas”
(CARVALHO, 2020, p. 15). Fato é que existem certos “pontos cegos na pesquisa em direito”
(CARVALHO, 2020), a exemplo do manualismo, isto é, a “tendência a escrever (...) capítulos de
manual, explicando redundantemente (...) o significado de princípios e conceitos que são como o bê-
a-bá da disciplina” (OLIVEIRA, 2004, p. 6); e o reverencialismo, “expresso em fórmulas do tipo
“como preleciona fulano de tal” (OLIVEIRA, 2004, p. 7). Tais “pontos cegos” exigem atenção e
sobriedade do pesquisador, a fim de que, em sua pesquisa empírica, trabalhe com a coleta e
tratamento de dados mediante rigoroso procedimento metodológico (CARVALHO, 2020).
É necessário, portanto, uma reflexão comedida e crítica dos próprios pesquisadores do
Direito, de maneira que, primeiramente, identifiquem a importância da pesquisa empírica para a
formação do Estado Democrático de Direito e, em seguida, se escolherem efetuar tal estudo, adotem
a concentração necessária para não incorrer em vícios que comprometam a sanidade da pesquisa.
Nessa linha, Russel Korobkin, avaliando particularmente o cenário do direito contratual, formula
três críticas à pesquisa empírica, a fim de que os pesquisadores a repensem e minimizem,
gradativamente, a força dessas críticas (KOROBKIN, 2015). Tais considerações seguramente podem
ser transportadas para a ciência jurídica em geral, em razão da pertinência e abrangência dos
problemas identificados pelo referenciado estudioso. A primeira crítica é a capacidade generalizante
dos achados empíricos, o que, em verdade, se mostra difícil de contornar devido à restrição de
recursos que sofrem os pesquisadores jurídicos (KOROBKIN, 2015, p. 214-216). Dito de outro modo,
é inviável que o pesquisador empreenda uma pesquisa empírica a partir de todos os sujeitos
participantes do fenômeno, por razões de tempo e recursos. Então, isto deve ser considerado
previamente pelo pesquisador. Ademais, Korobkin problematiza a qualidade de encaixe entre dados
e tese e pontua que dados empíricos não apontam diretamente a conclusão sobre o fenômeno
jurídico, sendo necessário que o investigador se valha de presunções intermediárias, as quais podem,
contudo, prejudicar a confiabilidade da pesquisa (KOROBKIN, 2015, p. 217-219). Tais apoios, então,
devem ser sobriamente evitados e, quando realmente necessários, esclarecidos para o leitor.
Por fim, a terceira crítica formulada pelo autor é a inconclusividade dos dados empíricos
alcançados, haja vista que eles, possivelmente, não embasarão ou refutarão uma hipótese específica,
podendo ser indetermináveis ou até contraditórios (KOROBKIN, 2015, p. 219-220). Embora não
deva ser um desestímulo para o pesquisador, isto deve ser sopesado em face dos benefícios que
poderão ser conquistados a partir da pesquisa empírica. Diante disso, conclui-se que existem
particularidades atinentes à pesquisa empírica que podem demonstrar a sua viabilidade ou não, a
depender do problema de pesquisa e das condições procedimentais dispostas ao pesquisador. Como
se demonstrou neste tópico, a pesquisa empírica possui grande valia para a democracia, justiça
social, dignidade humana e outros valores e fundamentos que alicerçam o Neoconstitucionalismo.
Entretanto, exige-se responsabilidade e prudência do pesquisador na eleição do método a ser
aplicado, para que não se desenvolva uma pesquisa científica precária, que incida em determinados
“pontos cegos”. A escolha da pesquisa empírica, no Direito, não deve ressoar pretensão de exclusão
da pesquisa teórica. As duas modalidades devem coexistir e se complementarem, porque ambas
importam à efetivação de direitos e garantias fundamentais, cada qual ao seu modo. Logo, cabe ao
cientista jurídico eleger a opção mais exequível diante das circunstâncias concretas e, notadamente,
do problema de pesquisa a que se propõe investigar. Não obstante, impõe-se levar em conta que as
pesquisas empíricas se fazem premente na área do Direito, pois, em primeiro lugar, não têm sido
postas em prática comumente, devido à predileção de estudos bibliográficos; em segundo lugar,
porque, como visto, se coadunam perfeitamente com os propósitos definidos constitucionalmente.
As técnicas empíricas, portanto, são um caminho para se alcançar os tão almejados objetivos
fundamentais constitucionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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