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Sissi Vigil Castiel, Alexandra Dal Prá Sibemberg, Luciana Salgado Firpo
e Rosangela Maria Martins da Silva
Alexandra Dal Prá Abstract: Defense and trauma: from the Project to the present.
Sibemberg Through the study of Freud’s text Project for a scientific psychology
Psicóloga, (1895/1996), it becomes evident the way in which the statements
psicanalista,
membro associado of defense and trauma are related with Freud’s statement about the
do Centro de Estudos hysteria at the beginning of his work and what their importance
Pscicanalíticos de to understand today’s psychopathology is.
Porto Alegre (CEP de
Keywords: Trauma, defense, hysteria, idea.
PA), membro efetivo
da SPRGS.
Introdução
O Projeto para uma psicologia científica (1895/1996) é um texto de referência no estudo
da metapsicologia. Ainda que Freud não pensasse dessa forma — pois decide
abandoná-lo pouco depois, como nos atesta a correspondência com Fliess, no
ano de 1895 (MASSON, 1986). Novamente teve contato com o texto em 1937,
por intermédio da Princesa Maria Bonaparte, que o tinha reavido com a compra
das cartas Freud-Fliess. Nessa ocasião, queria destruí-lo. Por sorte nossa, não o
conseguiu!
O texto só foi publicado 11 anos após a morte de Freud; assim, os psicanalistas,
a partir de então, puderam tomar contato com noções que são fundamentos de
conceitos posteriores. Assim, torna-se um texto de referência para o estudo da
metapsicologia, pois podemos entender aí a origem de muitos conceitos.
Talvez uma das questões mais interessantes do Projeto (1895/1996)1 seja que
Freud parte da observação das neuroses para construir um modelo do funciona-
mento psíquico em geral, ou seja, sua tentativa de entender a origem da histeria
o permite elaborar um projeto do funcionamento psíquico para além da neurose.
Assim, diz que todo o psiquismo teria de lidar com quantidades de energia em
estado fluente de origem externa e interna. Em suas palavras:
“(...) — na histeria e nas obsessões, nas quais, como veremos, a característica quan-
titativa surge com mais clareza do que seria normal. Processos como o da estimu-
lação, substituição, conversão e descarga que tiveram de ser descritos ali, sugerem
diretamente a concepção da excitação neuronal como quantidade em estado fluente.
Pareceria lícito generalizar o que se comprovou ali.” (1895/1996, p.347/8)
1 Estamos nos referindo ao Projeto para uma psicologia científica (1895/1996), neste trabalho, como
Projeto.
A defesa patológica
No final do século XIX, Breuer e Freud ultrapassam o pensamento médico
da época, outorgando à histeria o estatuto de uma doença psíquica com uma
etiologia específica, em contraposição à concepção neurológica da origem desta
neurose. Nos Estudos sobre a histeria (1892-1895/1996), demonstram a posição de
que, na origem da patologia, existe uma vivência traumática à qual o sujeito
não consegue reagir, e isto causa os sintomas da doença. Dessa forma, retiram
do quadro o problema da degenerescência orgânica e da lesão. Freud considera
a histeria uma doença por representação (1895/1996). Nesta expressão, está em
evidência o pensamento freudiano de que a origem da histeria é psíquica.
Dentro desse contexto, em 1896, Freud profere na Sociedade de Psiquiatria
uma conferência denominada A etiologia da histeria (1896/1996). Dias depois, conta,
em uma carta à Fliess (MASSON, 26 de abril de 1895/1986) que a recepção às
suas ideias foi gélida, e que Krafft-Ebing — que presidia a reunião — dissera que
aquilo não passava de um “conto de fadas científico” (p.185). Nessa conferência,
Freud expressava com clareza sua ideia de que a causa da histeria era priorita-
riamente psíquica, resultado da impossibilidade de processar no psiquismo um
trauma real vivido pelo histérico na área da sexualidade. Entende-se que retirar
as questões fisiológicas da etiologia da histeria e situá-la como derivada de uma
causa prioritariamente psíquica é o que leva Kraft-Ebing a fazer tal comentário,
revelando a ideia de que o estatuto de ciência dos achados teóricos e terapêu-
ticos de Freud adviria de sua proximidade com a fisiologia e a neurologia. No
entanto, o pensamento freudiano se distanciou dessa explicação dos fenômenos
histéricos.
Em Neuropsicoses de defesa (1894/1996), Freud diferencia seu entendimento do
de Janet e Breuer. Pierre Janet, filósofo, atribuía à histeria uma divisão da cons-
ciência, como um traço primário devido a uma fraqueza psicológica. Ele nunca
levou em conta o recalcamento e rejeitava duramente as formulações de Freud.
Breuer entendia que na histeria havia a presença de estados hipnoides que pro-
piciavam que ideias que emergissem ficassem fora da comunicação associativa,
acreditando em uma divisão da consciência secundária e percebendo uma falta
de reação aos estímulos traumáticos.
Tanto Freud como Breuer partiam do pressuposto de que na base da histeria
havia uma experiência real traumática que a originava; por causa dessa situação
traumática, havia uma divisão da consciência, mas esta em si não explicava a
etiologia da histeria, como afirmava Janet. Pensavam que essa experiência trau-
mática e a lembrança dela causavam um afeto aflitivo. Isso resultava em uma
defesa por parte do ego frente à experiência traumática. Diante desse trauma
sofrido pelo histérico, fazia-se necessária a retirada da consciência da lembrança
desta experiência por meio do esquecimento, o que caracterizaria uma divisão
tentando dar conta do que é excessivo, o psiquismo acaba por denunciar a ine-
ficácia de sua solução, pois este mecanismo não garante o esquecimento; a causa
é deslocada, mas repetidamente recordada através do símbolo.
O símbolo que a histeria cria é especial, uma vez que não tem uma rela-
ção exata com a causa original. Ocorre o isolamento (esquecimento) da causa
original que gerou o desprazer, o que constitui o recalcamento como uma
defesa patológica, e, em seu lugar, as ideias excessivamente intensas. Para cada
compulsão existe um recalcamento correspondente, o que caracteriza a histeria
como decorrente de um recalque e da formação patológica de um símbolo.
O recalcamento ocorre porque há ideias que fazem parte da vida sexual que
despertam no ego um afeto penoso.
Freud, para melhor caracterizar o sintoma histérico no Projeto (1895/1996),
utilizou-se do termo Próton Pseudos. Este termo era comumente utilizado na Grécia e
indicava que algo que, à primeira vista, parecia ser verdadeiro, todavia não o era;
isso levava a desenvolver conclusões equivocadas. Tal termo remete aos Primeiros
analíticos de Aristóteles na teoria do silogismo, e tem o objetivo de explicar que
uma conclusão falsa é proveniente da falsidade da primeira premissa. Uma vez
esta não sendo verdadeira, a conclusão obtida será inevitavelmente falsa, mesmo
que o raciocínio usado para esta seja coerente.
Utilizando-se dessa tese aristotélica, Freud pretende demonstrar que, na
histeria, as ideias excessivamente intensas que são utilizadas pelo histérico para
explicar seus sintomas, tal como em Emma, não são os verdadeiros motivos do
sintoma. A representação que vem à consciência precisa ser decifrada, pois ela
por si só não é verdadeira, mas uma insinuação da verdade.
A histérica elege para si, por meio do deslocamento, algo que será o substi-
tuto do que seria o verdadeiro motivo deste afeto desprazeroso. No caso Emma,
Freud prosseguiu em suas investigações, chegando à ideia oculta: aos oito anos
de idade, ao entrar em uma confeitaria, fora molestada pelo proprietário. Esta foi
a ideia que sofreu o processo de recalcamento. O riso dos vendedores estabeleceu
um vínculo associativo com a lembrança do riso do proprietário da confeitaria
durante o atentado. Além disso, o proprietário agarrou-lhe por cima das roupas.
As roupas e o riso fornecem os elementos para o símbolo que toma o lugar da
representação ausente.
Especificando a natureza do trauma, Freud diz que as representações penosas
para o ego, que são, por isso, recalcadas, sempre têm cunho sexual. O trauma,
portanto, é de natureza sexual. É a sexualidade presente nestas lembranças que
gera angústia e, em função disso, precisam ser afastadas da consciência.
As vivências traumáticas aconteceram antes da puberdade, quando não era
possível caracterizá-las como de origem sexual. Quando, na puberdade, deter-
minada vivência aciona a recordação do fato vivido no passado, a recordação
desperta uma liberação sexual que, naquela época, não podia ser liberada e que,
no tempo presente, é convertida em angústia. É somente na puberdade que a
lembrança adquire, com atraso, o significado traumático. A causa que aciona o
distúrbio histérico se mantém, por um tempo, adormecida, como uma imagem
mnêmica qualquer, para só mais tarde ganhar um caráter traumático. O fato de
Emma se sentir atraída por um dos vendedores aos doze anos é o que permite a
ligação associativa com o atentado anterior. Deste modo, a lembrança desperta
um afeto que não pôde ser suscitado no passado. A puberdade tornou possível
uma interpretação diferente do acontecimento.
Como descreve Garcia-Roza: “Um determinado fato não é traumático no
momento que ocorre, mas apenas depois de transformado em lembrança e as-
sociado a outro que lhe confere o sentido traumático” (2004, p.191).
Assim, a origem da histeria se situa nas implicações do recalque desta vivência
real quando ela adquire um significado traumático. A maneira como o sujeito
se defende desta lembrança é recalcando-a, ou seja, convertendo a angústia em
sintoma somático.
A eclosão da histeria pode ser invariavelmente atribuída a um conflito psíquico
que emerge quando uma ideia incompatível detona uma defesa por parte do ego
e solicita recalcamento. A defesa cumpre seu propósito de arremessar a ideia
incompatível para fora da consciência. O afeto penoso sentido pelo ego impõe
e desencadeia o recalcamento, que provoca o esquecimento, mas não a extinção
desta ideia. Sendo assim, a imagem recordativa original não foi apagada: está
inserida em um complexo esquema de ocupação que se criou como defesa para
evitação do afeto penoso. Cria-se, desta forma, uma resistência extraordinária
contra o trabalho de pensar a respeito das representações originais. Quanto maior
o recalcamento, maior a compulsão para criar ideias excessivamente intensas, e,
com isso, maior a dificuldade de associação destas representações com a causa
original. O recalcamento, neste caso, rompe o vínculo, fazendo com que a causa
original perca sua capacidade referencial e denotativa. No entanto, na parte I
do Projeto (1895/1996), Freud vai diferenciar este tipo de recalcamento-defesa
patológica do recalcamento que acontece no funcionamento psíquico em geral,
postulando a defesa primária.
A defesa primária
Para formular o modelo do funcionamento psíquico em geral, além da neurose,
Freud (1895/1996) propõe uma concepção quantitativa dos processos psíquicos
em que traz duas noções fundamentais: a de neurônio e a de quantidade (Q).
A quantidade é a energia que circula pelos neurônios, podendo ser deslocada
e descarregada. A energia transita através dos neurônios, que são capazes de
armazená-la. Por este motivo, um neurônio pode estar ocupado, com uma
quantidade de excitação, ou desocupado.
O sistema nervoso recebe estímulos do mundo externo. A tendência é
descarregar-se das quantidades de energia que ingressam pela fuga, tal qual o
modelo do arco-reflexo. Todavia, o sistema nervoso recebe também estímulos
endógenos, que precisam igualmente ser descarregados, e dos quais o organismo
não pode se esquivar. Esses estímulos criam as grandes necessidades, tais como
a fome, a respiração, a sexualidade, e cessam apenas mediante certas condições
que devem ser realizadas no mundo externo. Diante desses estímulos, o aparelho
não pode descarregar toda a quantidade de excitação presente no neurônio, pois
é necessário que este sustente um acúmulo de Q, em função das ações necessárias
para pôr fim aos estímulos.
A partir disso, Freud (1895/1996) diz que a estrutura e o desenvolvimento,
assim como as funções dos neurônios, devem ser compreendidos com base no
princípio de inércia, que compreende essa tendência a evacuar as quantidades
de energia que recebem do mundo externo, com o objetivo de diminuir a exci-
tação presente no neurônio. Com o fracasso desta evacuação de energia diante
dos estímulos internos, a tendência do psiquismo passa a ser manter a energia
no nível mais baixo possível, o que constitui o princípio de constância. A esse
respeito, Castiel afirma:
Neste momento, o sujeito precisa ser auxiliado por outro, que realize uma
ação para acabar com o estado de tensão. Quando tal ocorre, essa ação diminui a
tensão interna, e, assim, surge uma sensação de prazer na consciência. Essa ação
é independente da Q endógena, e Freud a chama de ação específica.
A eliminação da tensão decorrente dos estímulos internos possibilitará então
o que Freud denomina vivência de satisfação. A vivência de satisfação — só pos-
sível pela ação específica — deixa uma marca, e fará com que o sujeito, diante
de novo estado de tensão, queira que esta se repita. Portanto, é pela vivência de
satisfação que serão construídos os traços mnêmicos, essenciais para o estabe-
lecimento do desejo.
Por meio da vivência de satisfação, devido a um movimento mecânico, a
notícia da eliminação da tensão chegará a outros neurônios formando uma tri-
lha, um caminho preferencial entre neurônios que contêm a imagem mnêmica
do objeto da satisfação. Quando outra situação de tensão ocorrer, a imagem do
objeto é reinvestida, e ocorre algo análogo à percepção, ou seja, uma alucinação.
O psiquismo não contém previamente mecanismos internos suficientes para dis-
criminar entre a presença real do objeto da satisfação e a alucinação deste. Assim,
torna-se necessário que se adquira um critério para verificar a presença real do
objeto da satisfação, a fim de que seja efetuada uma descarga de Q na presença
do objeto de desejo, o que efetivamente levaria à satisfação. Do contrário, diante
da alucinação, a descarga de Q levaria ao desprazer.
Em continuação a esses postulados, Freud (1895/1996) afirma que as ações
humanas se constituem em duas vivências fundamentais: a busca do prazer e
a esquiva da dor. As duas ações são vitais para o ser humano, pois é a partir
delas que o psiquismo precisará fundar estruturas capazes de chegar à busca do
prazer e evitar a dor. A busca do prazer é indicada por Freud como vivência de
satisfação. A vivência de dor vem estabelecer a noção de recalcamento.
Tanto na vivência de satisfação quanto na vivência de dor, há uma memória
que, em determinadas circunstâncias, é acionada. Na busca do prazer, a imagem
do objeto de satisfação é reinvestida. No entanto, para que haja de fato uma
satisfação da tensão, o objeto tem de estar verdadeiramente presente.
No caso de um objeto causar dor ao psiquismo, há uma sensação de des-
prazer, e este aumento quantitativo induz a eliminação da Q para consequente
alívio da tensão. Ocorre ainda um trilhamento entre a tendência à descarga e
uma imagem-lembrança do objeto que provoca a dor. Se a imagem do objeto
hostil é reinvestida, surge um estado de desprazer com uma tendência à descar-
ga. Este estado não é propriamente a dor, mas algo que a ela se assemelha, que
Freud chama de afeto (idem). Na recordação da dor há desprazer. O desprazer
tem uma origem dupla: no ambiente externo, pelo objeto hostil; internamente,
pela recordação. Portanto, evitar a dor terá relação com o não-investimento da
imagem mnêmica do objeto hostil. Isso é o que Freud (idem) caracteriza como
defesa primária: a desocupação da imagem recordativa hostil. A defesa primária,
ou recalque, que é acionada no caso da dor, cumpre a função de gerar uma aver-
são a manter investida a imagem mnêmica hostil. A defesa primária consiste na
inversão da corrente de pensamento assim que ela se depara com um neurônio
cuja catexia causa desprazer. Portanto, a consequência da defesa primária é gerar
prazer, evitando o desprazer.
Freud (idem) afirma que, além da defesa primária, o psiquismo necessita de
mecanismos internos para dar conta da insatisfação que seria gerada a partir da
recordação da dor e da catexização da imagem mnêmica do objeto da satisfação
sem sua presença real. Daí decorre a importância, para a estruturação psíquica,
da vivência da dor e do estado de desejo.
Se não existem estruturas internas capazes de inibir o processo alucinatório
no caso da dor (catexização da imagem mnêmica do objeto hostil), há a geração
de desprazer. Embora o objeto hostil não esteja presente, o desprazer sentido pela
representação é como se fosse real e externo. Da mesma maneira, a catexização
do objeto de desejo nos estados de desejo leva ao desprazer, pois há uma elimi-
nação da tensão pelos caminhos facilitados, mas não ocorre a satisfação, pois o
objeto de desejo não está lá para propiciá-la. Nos estados de desejo, cabe ao ego
distinguir entre percepção e representação, e inibir a descarga quando identifica
que não se trata de uma percepção, e sim de uma alucinação. Se a inibição, que
é tarefa do ego, não se realiza, há naturalmente uma decepção. Dessa maneira,
o ego é um conjunto de neurônios que tem por finalidade inibir a descarga da
quantidade quando da ausência do objeto da satisfação.
No caso da dor, precisa-se de um signo para a desocupação da imagem recor-
dativa hostil. Essa tarefa do ego se dá pela inibição da descarga de quantidades,
pelo processo que Freud denominou de ocupação das vias colaterais, que consiste
em inibir a descarga da Q pelos caminhos facilitados, desviando-a para os neurô-
nios colaterais. Se se conseguir realizar a inibição a tempo, não haverá liberação
de desprazer — com isto, a defesa será mínima. Porém, no caso oposto, haverá
enorme desprazer e defesa primária excessiva. Esse é o papel do ego.
A partir da postulação da inibição da descarga feita pelo ego, Freud (idem)
distingue os processos psíquicos primários e os secundários. Os primários cor-
respondem, segundo o modelo biológico, a um momento inicial das histórias
do aparelho psíquico. No processo primário, o estado de ligação do ego deixa de
ser levado em conta, e prevalecem as ligações associativas criadas pela vivência
originária — portanto, a indiferenciação entre percepção e alucinação do objeto.
Os processos psíquicos secundários se dão a partir da inibição produzida pelo
ego. Nesse caso, verifica-se que a defesa primária é menos utilizada nos processos
secundários devido à inibição.
Trauma
A questão que se depreende do que foi dito acima é que, no pensamento
freudiano dessa época (1895/1996), a necessidade da utilização, por parte do
sujeito, de uma defesa patológica se dá frente à existência de um trauma. Do
contrário, a defesa primária e a inibição por parte do ego dão conta das Qs. No
Referências