Este documento discute a evolução dos museus e da museologia nos últimos 20 anos. Apresenta 3 principais mudanças: 1) O reconhecimento do direito à diferença e a diversidade de modelos de museus; 2) A relativização do foco nas coleções físicas em favor de coleções imateriais e territoriais; 3) O desenvolvimento de formas não hierárquicas e compartilhadas de gestão dos museus.
Este documento discute a evolução dos museus e da museologia nos últimos 20 anos. Apresenta 3 principais mudanças: 1) O reconhecimento do direito à diferença e a diversidade de modelos de museus; 2) A relativização do foco nas coleções físicas em favor de coleções imateriais e territoriais; 3) O desenvolvimento de formas não hierárquicas e compartilhadas de gestão dos museus.
Este documento discute a evolução dos museus e da museologia nos últimos 20 anos. Apresenta 3 principais mudanças: 1) O reconhecimento do direito à diferença e a diversidade de modelos de museus; 2) A relativização do foco nas coleções físicas em favor de coleções imateriais e territoriais; 3) O desenvolvimento de formas não hierárquicas e compartilhadas de gestão dos museus.
Este documento discute a evolução dos museus e da museologia nos últimos 20 anos. Apresenta 3 principais mudanças: 1) O reconhecimento do direito à diferença e a diversidade de modelos de museus; 2) A relativização do foco nas coleções físicas em favor de coleções imateriais e territoriais; 3) O desenvolvimento de formas não hierárquicas e compartilhadas de gestão dos museus.
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CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25 - 2006 65
A QUALIDADE EM MUSEUS, NOS MUSEUS EM
MUDANÇA. Mário Moutinho
Falar de público e da sua relação com o museu não cobre
toda a realidade da relação dos museus com a sociedade. Para lá do Público, do visitante dos museus que paga o seu bilhete, existe uma realidade bem mais complexa que não tem hora de entrada nem de saída no museu. Estamos a falar do impacto que os museus, têm na sociedade. E isso não se mede só à saída dos museus ou no quadro de estudos de publico mais ou menos elaborados e explorados. Há que encontrar os caminhos dessa realidade que é a memória do primeiro museu que visitámos (com os nossos amigos da escola e que foi uma seca, ou da qual ficou um catrapiscar de olhares com a aquela ou aquele coleguinha que chamava ao namoro, ou mesmo a revelação de qualquer coisa que abriu portas). Há que encontrar os caminhos dessa realidade que se traduz nos múltiplos e complexos efeitos que se estendem no tempo de modo a trabalharmos para além do imediato. Há que compreendermos melhor (avaliarmos) os nossos atrofiamentos e os nossos sucessos para melhorar o desempenho dos nossos museus. Há que olhar para a avaliação da qualidade como um recurso que será bom integrarmos no nosso dia a dia se pretendemos fazer mais e melhor.
Colocam-se aqui várias questões, sobre as quais é bom pelo menos,
acertarmos algumas ideias. CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25 - 2006 66
A avaliação da qualidade está ligada aos objectivos de cada
museu
No último quartel do século XX as práticas
museológicas e os conceitos que lhes estão ligados sofreram alterações profundas. Este processo procurou adaptar as instituições museológicas às mutações da própria sociedade sempre no sentido de levar os museus a participarem activamente no âmbito das sociedades que lhes davam e dão vida. Isto não significa que todos os museus tenham sido sempre sensíveis aos contextos de mudança, pelo que hoje encontramos museus que se auto-excluiram dos processos de participação e na verdade vegetam lamentavelmente sem que neles se vislumbre o exercício de qualquer utilidade para com o resto da sociedade. São museus alheios ao desenvolvimento, sorvedouros de recursos financeiros, fechados sobre as suas colecções que na maior parte dos casos se deterioram ao ritmo dos anos. Por isso, esses museus, reduzem geralmente a sua actividade à manutenção de uma exposição permanente sem ideias, sem rumo, de puro exibicionismo como diria Hugues de Varine e que por isso mesmo, envelhecem ainda mais rapidamente.
O sentido da mudança passa pela reorganização dos Grandes
museus, certamente, mas também e, sobretudo, pelo reconhecimento dos pequenos museus, que nasceram e nascem das consciências dos cidadãos, da sua vontade de criar, de organizarem, de intervir no lugar onde vivem e onde trabalham. São museus que manifestam a relação do dia-a-dia de cada um, com a memória, com o esquecimento, com o património, com a CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25 - 2006 67
vontade de assumir o direito de cidadania e de querer mudar o
mundo. Segundo Fernando João Moreira os museus locais podem dividir-se em quatro situações distintas, relacionadas com os objectivos que os fundamentam e, claro está, com as práticas que daí derivam:
O verdadeiro “não museu”
O museu local que procura imitar os grandes museus e que,
por falta de meios técnicos e financeiros, acaba por não cumprir qualquer função, ou seja, o verdadeiro não museu;
O museu politicamente correcto
O museu local que, dotado de alguns meios técnicos e
financeiros procura salvaguardar o património local e assumir um papel de interventor activo na promoção das bases culturais e identitárias existentes na sua área de influência, ou seja, um museu cuja actuação se cinge ao domínio cultural (…) e em cujas actividades a linguagem expositiva ocupa um papel central – o museu politicamente correcto e de sucesso, o orgulho do presidente e o paraíso do conservador museólogo pós-moderno ( o museu local tradicional de nova geração);
O museu incompreendido ou o museu primeiros socorros
O museu local que se assume como prestador de serviços,
um museu concebido para ser utilizado pelas populações consoante as suas necessidades pessoais ou colectivas, ou seja, um museu com objectivos nobres mas que, pelo seu carácter de “faz tudo”, dificilmente é tomado a sério pela comunidade e pelas instituições CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25 - 2006 68
regulatórias – o museu incompreendido ou o museu primeiros
socorros;
O museu promotor
O museu local que tem como objectivo fundamental da sua
actuação a promoção do desenvolvimento local, um museu aberto a toda a participação popular e com campos de actuação multivariados centrados em duas dimensões principais, a interna (promoção do desenvolvimento imaterial das populações – reforço das identidades, inclusão de sectores específicos da população, preservação da memória …., numa palavra, a dimensão de guarda das especificidades e da manutenção das diferenças locais) e a externa (promoção do desenvolvimento material - reforço da visibilidade local no exterior, reforço da atractividade turística, agente de animação, agente da valorização dos produtos artesanais locais através da promoção da inovação na tradição, …, numa palavra, a dimensão de agente despoletador de factores de equidade territorial relativamente a outros espaços). Trata-se de um museu cuja diferença para o tipo anterior reside, sobretudo, na existência de parâmetros que balizam a sua acção (existência de grandes objectivos e de objectivos específicos materializados na existência de estratégias de actuação que culminam num programa de actuação – plano estratégico e operacional do museu, elaborado através da adopção de metodologias efectivamente participativas) e no facto de privilegiar as acções colectivas de base local em detrimento das acções com contornos ou objectivos mais individuais – o museu promotor.
Neste quadro podemos perguntar: mas afinal o que é que mudou
Deixou de existir um modelo único de Museu. Partiu-se da
ideia de que o museu é "uma instituição permanente, sem finalidade lucrativa, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que realiza investigações que dizem respeito aos testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, adquire os mesmos, conserva-os, transmite-os e expõe-nos especialmente com intenções de estudo, da educação e de deleite”. Os museus bem comportados do ICOM Mas para além desses Museus designados como tal passaram também a ser reconhecidas como museus as instituições ou organizações com fins não lucrativos que exercem actividades de investigação, educativas, de formação, de documentação e outras relacionadas com os Museu ou com a museologia (Estatutos do Conselho Internacional dos Museu 1995) É certo que já nos estatutos do ICOM se fala que o museu é uma instituição ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, mas também é certo que os museus têm estado mais ao serviço de si próprios, das suas colecções e dos objectos que os seus donos (porque os museus têm donos) lhes atribuíram. Mas também é certo, que é cada vez mais frequente constatar que uma nova geração de Museus (mesmo aqueles que nada mudaram em relação aos pontos que referimos) se organizam e definem os seus programas de actividades e são perspectivados, como recurso para o desenvolvimento. Preocupam-se com os problemas do mundo em que vivem promovendo o emprego, fomentando novas formas de turismo, revitalizando e criando indústrias e reforçando identidades. Noutros casos os museus tomaram a própria forma de um recurso ao serviço do desenvolvimento e por isso são configurados CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25 - 2006 70
de acordo com o perfil e o sentido desse mesmo desenvolvimento.
Neste caso se encontram a maioria dos museus em criação em Portugal que no quadro das orientações da Comunidade europeia são pensados e tomam a forma de instrumentos de desenvolvimento. Metade dos programas Leader que cobrem a totalidade do território do país apresentam iniciativas museológicas com este sentido. Também o Programa Operacional da Cultura revelou o reconhecimento por parte das instâncias Governamentais de que a mudança no tecido museológico português é profunda. Tão profunda quanto a mudança permanente que caracteriza o nosso tempo. No POC os museus são assumidos não apenas como espaços para exibição de colecções, mas como agentes de progresso ao serviço das comunidades.
2.A relativização do lugar da colecção
Partiu-se da ideia que colecção de Museu era um conjunto
de objectos físicos, reunidos por razões próprias que justificavam o seu agrupamento, ou por razões exteriores decorrentes dos desejos de coleccionadores, que as legaram posteriormente a Museus, ou que criaram Museus para abrigar essas colecções. Mas posteriormente, reconheceu-se o carácter material e imaterial das colecções e a existência de colecções não abrigadas dentro das paredes do Museu mas espalhadas por um território mais ou menos vasto, mas que o museu passou a cobrir com a sua protecção e potencial de valorização CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25 - 2006 71
3.Formas de gestão
Decorrente em parte da abertura do museu à comunidade,
desenvolveram-se modelos de gestão não hierarquizados onde formas partilhadas de gestão progressivamente tomaram lugar. De certa forma assistiu-se à democratização da gestão, que passou a ser da responsabilidade colectiva em muitos museus, ao mesmo tempo que esta deixou de ser obrigatoriamente subordinada às orientações dos conservadores ou directores segundo os casos. A equipa técnica deixou de determinar a actuação do Museu mas passou a dar resposta às solicitações do meio envolvente. Este processo de abandono do poder, foi e é naturalmente difícil e muito do lugar que os museus ocupam actualmente é determinado pela ambiguidade desta situação, que arrasta um conflito, difícil em muitos casos de resolver.
Um novo sentido para o lugar dos museus
Declaradamente que estamos a falar de museus que têm por
acervos os problemas e os desafios da sociedade, que buscam o seu lugar num mundo melhor. Mundo esse, que no momento tem por horizonte apenas a globalização do empobrecimento do planeta, as novas guerras da colonização e a pilhagem dos recursos naturais e humanos por todo o lado. Declaradamente que estamos a alargar o âmbito da intervenção museal para além do trabalho de colectar, conservar e divulgar as colecções que recheiam a maioria dos museus. No entanto trabalhar com problemas é bem mais complexo que trabalhar com objectos, raros ou correntes, caros ou baratos, pilhados ou oferecidos. CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25 - 2006 72
Por isso esta nova definição obriga ao renovar das
programações dos museus, renovar das mentalidades dos museólogos, renovar os perfis de formação e de competências humanas e profissionais dos envolvidos no mundo da museologia.
Aquilo pois, que poderia caracterizar os museus, não seria
mais a importância dos seus acervos, e sobretudo apenas a importância dos seus acervos mas sobretudo os programas projectos e acções utilizando no seu todo o Patrimônio (como é sua especificidade) como recurso educacional e de inclusão social.
Por outras palavras a modernidade dos museus deverá ser
aferida pela sua capacidade de intervir com substância nos desafios que se vieram acumulando na sociedade
Qual o papel dos museus na defesa dos direitos humanos?
Qual o papel dos museus pela alfabetização e sucesso escolar Qual o papel dos museus contra a violência domestica Qual o papel dos museus na luta contra a Sida Qual o papel dos museus relativamente à invasão do Iraque Qual o papel dos museus relativamente aos recursos naturais e às questões da sustentabilidade
A lista de desafios não tem fim.
Antes pelo contrário, pode sustentar a actividade dos museus por todo o planeta inclusive nos países usurários da Europa e da América, onde as desigualdades o desemprego e o analfabetismo marginalizam cada dia novos sectores das sociedades. CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25 - 2006 73
Uma nova forma de trabalhar
Certamente que as questões da avaliação da qualidade não são para
muitos uma nova forma de trabalhar, pois já há muitos anos que está no centro das preocupações de muitas instituições. Também é verdade que há muito é objecto de investigação científica e de ensino. Por isso esta nova forma de trabalhar aplica-se sobretudo aos museus que têm estado alheados de um conjunto de práticas que têm por objectivo melhorar o desempenho das instituições.
Mas também é preciso que se tenha presente que neste
encontro o objectivo não é levar os Museus obrigatoriamente a respeitar as normas ISO ou a confundir a avaliação de públicos com a avaliação do seu desempenho. Apesar de ambas preocupações serem legítimas o que importa em meu entender é ouvirmos os mais experientes, relacionarmos estas questões da qualidade com o que fazemos e sobretudo com aquilo que desejamos fazer.
Tomar conhecimento de instrumentos que têm sido
utilizados noutros contextos e ver em que medida os podemos utilizar fazendo as adaptações que forem julgadas pertinentes. Mais ainda é preciso entender a avaliação como um recurso para o melhor desempenho e não de uma forma excludente, punitiva ou pior ainda masoquista.
VARINE-BOHAN, H. Museus e Desenvolvimento Local Um Balanço Crítico. in Museus Como Agentes de Mudança Social e Desenvolvimento. São Cristóvão, Museu de Arqueologia de Xingó, 2008