3 DIREITO DA INSOLVÊNCIA - SEBENTA Prof Soveral Martins - Quem e o Que Pode Ser Declarado Insolvente

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 7

Capítulo II

Quem (e o que) pode ser declarado insolvente

1. O art. 2.º do CIRE. Apreciação geral


É o art. 2.º do CIRE que nos diz quem (e o que) pode ser declarado insolvente. Ou,
como se lê no n.º 1, aquele preceito indica quem (e o que) pode ser «objeto» de
processo de insolvência, sendo neste (ou não) declarada a insolvência. O processo de
insolvência não tem que conduzir necessariamente à declaração de insolvência. Isto é,
o processo de insolvência pode correr contra alguém (ou algo) que não chega a ser
declarado insolvente.
Embora na epígrafe do art. 2.º surja a indicação de que estão ali em causa «sujeitos»
passivos da declaração de insolvência, a verdade é que nas várias alíneas do seu n.º 1
são identificadas realidades que não são verdadeiros sujeitos: a herança jacente, as
comissões especiais, o E.I.R.L., os patrimónios autónomos1.
A partir da leitura do art. 2.º verificamos que não se exige que o devedor seja
comerciante ou, sequer, que seja empresário2.

2. Quaisquer pessoas singulares ou coletivas


Podem ser «objeto» de processo de insolvência e aí ser declaradas insolventes
quaisquer pessoas singulares. Mesmo que, eventualmente, sejam incapazes, como se
extrai do art. 19.º. Com efeito, decorre deste último preceito que, não sendo o
devedor pessoa singular capaz, «a iniciativa da apresentação à insolvência cabe […] a
qualquer dos seus administradores». Administrador, neste caso, é o representante
legal do incapaz (art. 6.º, 1, b)).
Também podem ser «objeto» de processo de insolvência e aí ser declaradas
insolventes quaisquer pessoas coletivas. São abrangidas, desde logo, as entidades
coletivas com personalidade jurídica. Será o caso das sociedades comerciais e
sociedades civis sob forma comercial com ato constitutivo registado (arts. 5.º e 1.º, 4,
CSC). Embora seja utilizada a expressão «pessoas coletivas», não parece que estejam
afastadas as sociedades por quotas e anónimas unipessoais. Desde logo porque as
pessoas coletivas surgem contrapostas a pessoas singulares. Daí que Catarina Serra3
prefira fazer referência a pessoas jurídicas4.
São igualmente pessoas coletivas as cooperativas cujo ato constitutivo já foi registado
(art. 16.º CCoop.). No que diz respeito às associações, decorre do art. 158.º, 1, do CCiv.
que gozam de personalidade jurídica as que tenham sido constituídas por escritura
pública ou outro meio legalmente admitido que «contenham» as especificações

1
Criticando a imprecisão «conceptual e terminológica», CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 2.ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2013, p. 77. Defendendo
a existência de uma «personalidade insolvencial», LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da insolvência, 4.ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2012, p. 83.
2
Mas ter ou não empresa acarreta consequências em certos casos, assim como as tem a dimensão da
empresa: cfr. especialmente os arts. 18.º, 2, e 249.º.
3
CATARINA SERRA, O regime português da insolvência, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, p. 35, nt. 17.
4
No § 11 (1) da InsO é justamente de «jeder juristische Person» que se fala. E o que é ali objeto do
processo de insolvência é o património («Vermögen») das pessoas humanas e jurídicas.
referidas no art. 167.º, 15. Por sua vez, as fundações de interesse social (art. 157.º
CCiv.6) adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento (art. 158.º, 2 CCiv. 7).
Os agrupamentos complementares de empresas (ACE’s) adquirem igualmente
personalidade jurídica com a inscrição do ato constitutivo no registo comercial (Base IV
da Lei 4/73, de 4 de junho), o mesmo resultando para os agrupamentos europeus de
interesse económico (AEIE’s) do art. 1.º do DL 148/90, de 9 de maio.

3. Herança jacente
A herança jacente é aquela que está aberta mas ainda não foi aceita nem declarada
vaga para o Estado (art. 2046.º do CCiv.). Também ela pode ser objeto de um processo
de insolvência e ser declarada insolvente.
Se o devedor era uma pessoa singular e morre na pendência de processo que corria
termos para ser declarada a sua insolvência, o processo passa a correr contra a
herança aberta com a sua morte. É o que resulta do art. 10.º, 1, a)8, em que se pode
também ver que a herança «se manterá indivisa até ao encerramento do processo. E
isto é assim, quer a herança jacente venha posteriormente a ser aceite, quer não. Se o
processo passa a correr contra a herança aberta, não há necessidade de qualquer
habilitação dos sucessores. Isso mesmo já tinha sido afirmado no Ac. RL de 12.11.09
(anterior, portanto, à Lei 16/2012), em cujo sumário pode ler-se que o falecimento do
devedor na pendência do processo «não implica a suspensão do processo e tão pouco
implica para a sua prossecução a habilitação dos sucessores, passando a correr contra
a herança do devedor falecido que se manterá indivisa até ao encerramento do
processo». E isto é assim quer a herança seja aceite, quer não o seja.
Para o herdeiro, tem especial interesse o disposto no art. 2071.º CCiv.. Se a herança for
aceita a benefício de inventário, pelos seus encargos só respondem «os bens
inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros
bens». Ou seja, os credores ou legatários é que terão o ónus da prova de que existem
outros bens que devam responder pelos encargos da herança. Mas, se o herdeiro
aceita a herança pura e simplesmente, então, embora a responsabilidade pelos
encargos não exceda o valor dos bens herdados, já aquele tem a seu cargo a prova de
«que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos».

4. Associações sem personalidade jurídica e comissões especiais


Como já vimos, as associações constituídas por escritura pública ou por outro meio
admitido por lei gozam de personalidade jurídica se os respetivos atos constitutivos
contiverem as especificações referidas no art. 167.º, 19 do CCiv.. Por isso, se tais
especificações não constarem dos atos constitutivos, as associações ali em causa não

5
Tenha-se, porém, em atenção que várias modalidades de associações possuem regime jurídico próprio.
6
Sobre o que sejam fins de interesse social, cfr. o art. 3.º, 2, da Lei –Quadro das Fundações, aprovada
pela L 24./2012, de 9 de julho.
7
Cfr. tb. o art. 6.º, 1, da Lei-Quadro das Fundações.
8
Com a redação da L 16/2012.
9
Diz assim o art. 158.º, 1, do CCiv.: «As associações constituídas por escritura pública, ou por outro meio
legalmente admitido, que contenham as especificações referidas no n.º 1 do artigo 167.º, gozam de
personalidade jurídica». Em bom rigor, não são as associações que contêm as ditas especificações, mas
sim os respetivos atos constitutivos. Isso retira-se facilmente do próprio art. 167.º, 1, CCiv.. Pena é que o
legislador escreva cada vez pior. A leitura dos clássicos faz muita falta.
terão personalidade jurídica10. Mas, ainda assim, podem ser objeto de processo de
insolvência.
Por sua vez, as comissões especiais visadas pelos arts. 199.º e ss. do CCiv. também não
têm personalidade jurídica. É o que decorre do referido art. 199.º. Mas, como se vê
pelo art. 2.º, 1, c), podem ser objeto de um processo de insolvência.

5. Sociedades civis
As sociedades civis podem ser objeto de processo de insolvência. A al. d) do n.º 1 do
art. 2.º não faz distinção entre sociedades civis com e sem personalidade jurídica.
Pode, certamente, discutir-se se as sociedades civis de que tratam os arts. 980.º e ss.
do CCiv. têm ou não personalidade jurídica. Mas, como é evidente, as sociedades civis
que tenham personalidade jurídica já poderiam ser objeto de processo de insolvência
por força da al. a)11.

6. Sociedades comerciais e civis sob forma comercial que ainda não viram o contrato
pelo qual se constituíram definitivamente registado
Como vimos, as sociedades comerciais e civis sob forma comercial cujo ato constitutivo
esteja definitivamente registado são pessoas jurídicas e, por isso, já serão abrangidas
pelo disposto na al. a) do art. 2.º, 1. A al. e) prevê os casos em que esse registo ainda
não ocorreu e em que, por isso, não adquiriram personalidade jurídica.
Embora a al. e) apenas faça referência ao «contrato», a lei parece ter dito menos do
que queria dizer. Devem considerar-se abrangidas também as sociedades comerciais e
civis sob forma comercial que têm como ato constitutivo um negócio unilateral.
A al. e) dá a entender que só estariam abrangidos pela mesma os casos em que foi
efetivamente celebrado um contrato (ou melhor, um ato constitutivo) de constituição
das entidades em causa. Não é porém necessário que esse contrato ou ato tenha sido
celebrado pela forma legalmente exigida.
Do art. 36.º, 1, CSC, resulta que «Se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma
firma comum quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe
entre eles um contrato de sociedade responderão solidária e ilimitadamente pelas
obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles». Nesses casos, entendemos
que apenas os sujeitos responsáveis nos termos daquele preceito poderão ser
declarados insolventes. Ali há, como diz a lei, apenas a «falsa aparência» de que existe
contrato de sociedade.

7. Cooperativas, antes do registo da sua constituição


As cooperativas adquirem personalidade jurídica com o registo da sua constituição (ou,
talvez, melhor, do seu ato constitutivo). Assim o diz o art. 16.º do CCoop.. Por analogia
com o disposto no art. 5.º do CSC, deve entender-se que se trata do registo definitivo.
Faltando esse registo, a cooperativa sem personalidade jurídica pode ainda ser
declarada insolvente.

10
Sobre as associações sem personalidade jurídica vejam-se os arts. 195.º e ss. do CCiv..
11
Parecendo aceitar que as sociedades civis reguladas nos arts. 980.º e ss. do CCiv. ficam sujeitas à al.
d), MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de direito da insolvência, Almedina, Coimbra, 2012, p. 17, nt. 22.
Defendendo que as sociedades civis são pessoas coletivas, LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da insolvência,
cit., p. 85.
8. Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (E.I.R.L.)
O E.I.R.L. é um património autónomo, como o revelam os arts. 10.º, 1, 11.º, 1 e 22.º do
DL 248/86, de 25 de Agosto. E, como tal, pode ser objeto de um processo de
insolvência e ser declarado insolvente.
Porém, o art. 11.º, 2, do referido DL 248/86 estabelece o seguinte: «No entanto, em
caso de falência do titular por causa relacionada com a actividade exercida naquele
estabelecimento, o falido responde com todo o seu património pelas dívidas
contraídas nesse exercício, contanto que se prove que o princípio da separação
patrimonial não foi devidamente observado na gestão do estabelecimento». Trata-se,
na realidade, de um preceito que não deixa de causar alguma estranheza. Se o E.I.R.L.
pode ser declarado insolvente, como é que o titular do E.I.R.L. pode também ser
declarado insolvente por causa relacionada com a atividade exercida no dito
estabelecimento? Será que isso apenas pode acontecer quando «se prove que o
princípio da separação patrimonial não foi devidamente observado na gestão do
estabelecimento»?
Ainda que assim seja (e a lei podia ser aperfeiçoada12), têm razão os que afirmam que
«a insolvência do estabelecimento individual de responsabilidade limitada não envolve
hoje necessariamente a do respetivo titular, mesmo que ele tenha agido em violação
das regras da separação patrimonial»13. Será sempre de exigir que em relação ao
titular estejam preenchidos os pressupostos objetivos de declaração da insolvência14.
Ou seja, a insolvência do E.I.R.L. não implica automática ou necessariamente a do
respetivo titular15.

9. Outros patrimónios autónomos


Estranha-se que sob a epígrafe «Sujeitos passivos da declaração de insolvência» surjam
patrimónios autónomos (assim como a herança jacente ou o EIRL). A redação da al. do
12
Dizemos isto, desde logo, porque o art. 11.º, 2, do DL 248/86 não é claro. Com efeito, deveria ser
possível declarar a falência (insolvência) do titular quando este respondesse com todo o seu património
pelas dívidas contraídas com a atividade exercida no estabelecimento. Mas o preceito parece pressupor
que antes já existe situação de falência (insolvência). A exigência de prova de que o princípio da
separação patrimonial não foi respeitado parece estar relacionada apenas com a responsabilidade do
falido (insolvente) com todo o seu património. E não será necessária aquela prova para que ao menos o
titular do E.I.R.L. possa ser declarado falido (insolvente) «por causa relacionada com a actividade
exercida naquele estabelecimento»? Queixando-se também da falta de clareza do art. 11.º, 2, CARVALHO
FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, cit., p. 79.
13
CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, cit.,
p. 79.
14
Mas, se é preciso que o titular do E.I.R.L. esteja em situação de insolvência, não parece que só seja
relevante a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas. Aparentemente com outra
opinião, CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas
anotado, cit., p. 83: «Na medida em que o titular seja por isso responsável, pode ou não haver lugar à
sua própria insolvência, conforme ocorra ou não, em relação a ele, uma situação de impossibilidade de
cumprimento do conjunto das suas obrigações, tanto as relativas ao funcionamento do estabelecimento
como as demais».
15
Parecendo ter outra leitura, LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito da insolvência, cit., p. 86. Por isso certamente
é que o autor considera que o art. 11.º, 2 referido estará tacitamente revogado pelo CIRE. O art. 11.º, 2,
do DL 248/86 coloca-nos ainda perante esta outra interrogação: se o titular do E.I.R.L. fica em situação
de falência por causa não relacionada com a atividade exercida naquele estabelecimento, responde com
todo o seu património pelas dívidas contraídas nesse exercício quando se prove que o princípio da
separação patrimonial não foi observado na gestão do E.I.R.L.? Aparentemente, não.??? ROA, 47, I,
1987.
n.º 1 parece revelar que algumas das figuras enumeradas previamente também serão
consideradas patrimónios autónomos.
Outros há, no entanto. É o caso, desde logo, da própria herança aceite16.

10. As exclusões do art. 2.º, 2


10.1. Pessoas coletivas públicas e EPE’s
A al. a) do art. 2.º, 2, começa por afastar do âmbito de aplicação do n.º 1 as pessoas
coletivas públicas e as entidades públicas empresariais.
O elenco de pessoas coletivas públicas é vasto e todas são aqui abrangidas. Estamos a
pensar nas pessoas coletivas públicas territoriais, de tipo institucional e associativo.
Será, por isso, necessário analisar o respetivo regime jurídico para se avaliar o que
sucede quando se encontrem em situação de «insolvência». Mas quanto ao Estado,
regiões autónomas e autarquias locais a atual situação nacional mostra bem as
consequências da respetiva «insolvência»…
Por sua vez, as entidades públicas empresariais surgem fundamentalmente reguladas
nos arts. 56.º e ss. do DL 133/2013, de 3 de outubro. São também elas «pessoas
coletivas de direito público», mas de «natureza empresarial, criadas pelo Estado para
prossecução dos seus fins» (art. 56.º do DL 133/2013). O art. 5.º, 2, do DL 133/2013
considera-as empresas públicas e a sua extinção tem lugar através de decreto-lei (art.
35.º, 1 e 2, do DL 133/2013).

10.2. Empresas de seguros, instituições de crédito, empresas de investimento que


prestem serviços que impliquem a detenção de fundos ou de valores mobiliários de
terceiros e OICs
As entidades referidas no art. 2.º, 2, b), também não são abrangidas pelo disposto no
n.º 1 «na medida em que a sujeição a processo de insolvência seja incompatível com
os regimes especiais previstos para tais entidades».
Quanto às empresas de seguros, é preciso ter em conta o disposto no DL 94-B/98, de
17 de abril (sucessivamente alterado), que contém o Regime de Acesso e Exercício da
Atividade Seguradora e Resseguradora (RAEASR). Neste Regime está previsto o que
deve suceder quando a empresa de seguros está em risco de ficar numa «situação
financeira insuficiente» (art. 108.-A RAEASR), surgindo identificadas no art. 109.º, 2,
RAEASR, providências de recuperação e saneamento, bem como várias outras medidas
(sendo de destacar a possibilidade de designar administradores provisórios
reconhecida no art. 117.º RAEASR ao Instituto de Seguros de Portugal). Por sua vez, o
art. 121.º, 1, RAEASR17 começa por estabelecer que «Não se aplicam às empresas de
seguros os regimes gerais relativos aos meios preventivos da declaração de falência e
aos meios de recuperação de empresas e protecção de credores», conferindo o n.º 2
legitimidade exclusiva ao ISP para requerer a falência das empresas de seguros. Apesar
de tudo, o art. 121.º, 3, RAEASR acaba por considerar aplicáveis à falência das
empresas de seguros, «com as necessárias adaptações», as «normas gerais»

16
Assim também, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito das sucessões, 5.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p.
503;
17
Que, embora surja atualmente inserido numa Subsecção que tem por epígrafe «Sucursais em Portugal
de empresas de seguros com sede fora do território da União Europeia» (!!!), parece ter caráter geral.
constantes do CPC e do CPEREF. Para além da necessidade de atualização dos termos e
remissões utilizados, identificar as «normas gerais» nem sempre será fácil18.
Relativamente às instituições de crédito, é fundamental a consulta do Regime Geral
Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo DL 298/2002,
de 31 de dezembro (e sucessivamente alterado19). O art. 116.º-C RGICSF identifica um
conjunto de medidas corretivas que podem ser exigidas pelo Banco de Portugal às
instituições de crédito e o art. 116.º-D RGICSF trata do plano de recuperação para
corrigir desequilíbrios financeiros. No Título VIII, sob a epígrafe «Intervenção
correctiva, administração provisória e resolução», surge-nos por exemplo a previsão
de planos de reestruturação (art. 141.º, 1, b) RGICSF) e de medidas de resolução (arts.
145.º-A e ss. RGICSF). Também importante é o art. 153.º-A RGICSF, de acordo com o
qual as instituições de crédito não ficam sujeitas ao regime geral relativo aos meios de
recuperação de empresas e proteção de credores.
Por sua vez, o DL 199/2006, de 25 de outubro (com as alterações introduzidas pelo DL
31-A/2012, de 10 de fevereiro, que aliás o republica), contém, para além de aspetos
relacionados com o saneamento de instituições de crédito e sociedades financeiras, o
regime da respetiva liquidação (incluindo o procedimento pré-judicial dos arts. 7.º-A e
ss.). No art. 8.º, 1, do DL 199/2006, lê-se que a «liquidação judicial das instituições de
crédito fundada na revogação de autorização pelo Banco de Portugal faz-se nos termos
do presente diploma e, em tudo o nele não estiver previsto, nos termos do Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresas»20. Por sua vez, o n.º 2 estabelece que a
«decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da
declaração de insolvência». Nos termos do art. 8.º, 3, o Banco de Portugal tem
competência exclusiva para requerer a liquidação da instituição de crédito21.
No que diz respeito às empresas de investimento que prestem serviços que impliquem
a detenção de fundos ou de valores mobiliários de terceiros, merece especial atenção
o art. 199.º-B RGICSF, que no seu n.º 1 sujeita em regra as empresas de investimento22
ao Regime Geral aplicável às sociedades financeiras. Note-se ainda que o DL 199/2006
regula também a liquidação de sociedades financeiras (com sede em Portugal e suas
sucursais criadas noutro Estado membro - art. 1.º, 1, do DL 199/2006)23.
Quanto aos Organismos de Investimento Coletivo (OIC’s), impõe-se a consulta do
respetivo Regime Jurídico, aprovado pelo DL 63-A/2013, de 10 de maio, no qual está
contido o regime de liquidação dos mesmos.

11. Nota sobre os grupos de sociedades

18
Sobre liquidação de empresas de seguros, cfr. o DL 90/2003, de 30 de abril.
19
As últimas alterações, bastante noticiadas, resultam do DL 114-A/2014, de 1 de agosto, e do DL 114-
B/2014, de 4 de agosto. Essas alterações foram justificadas com a necessidade de adaptação da
legislação interna à Diretiva 2014/59/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de
2014.
20
Cfr. tb. o art. 9.º, 3, do DL 199/2006.
21
Reveste-se de especial importância a L 63-A/2008, de 24 de novembro (sucessivamente alterada,
republicada com a L 1/2014, de 16 de janeiro), pois ali está contido um conjunto de medidas de reforço
da solidez financeira das instituições de crédito.
22
Com exceção das sociedades de consultoria para investimento, das sociedades gestoras de sistemas
de negociação multilateral, e das sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário.
23
Sobre o que sejam sociedades financeiras, cfr. o art. 5.º do RGICSF.
Cada vez mais as sociedades comerciais atuam inseridas em grupos (de facto ou de
direito). Grupos que, muitas vezes também, se estendem para lá das fronteiras dos
Estados24. Contudo, não está prevista no art. 2.º a possibilidade de todo o grupo de
sociedades ser objeto, enquanto tal, de um processo de insolvência25.
No entanto, estando pendente um processo de insolvência contra uma sociedade
comercial, o art. 86.º, 2, confere ao administrador da insolvência26 a possibilidade de
requerer a apensação dos processos em que tenha sido declarada a insolvência27 de
outras sociedades que ela domine ou com as quais esteja em relação de grupo. A esse
propósito, a doutrina portuguesa discute se é ou não possível uma liquidação conjunta
de todos os patrimónios envolvidos28. Questão que, obviamente, ganha relevo quando
seja possível a «redistribuição de responsabilidades no grupo»29. Pela nossa parte, não
nos parece que o art. 86.º, 2, seja argumento suficiente para sustentar a
admissibilidade daquela liquidação conjunta.

24
Sobre a matéria, cfr. ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, «O “CIP” (“Centro dos Interesses Principais”) e as
sociedades: um capítulo europeu», DSR, 2009, 1, p. e ss.. Existe uma Proposta de Regulamento do
Parlamento Europeu e do Conselho para alteração do Regulamento do Conselho (CE) n.º 1346/2000, de
29 de maio de 2000, sobre insolvência fronteiriça, que propõe a introdução de um Capítulo IV-A
contendo eventuais regras sobre a insolvência de membros de grupos de sociedades. Quanto a este
tema, CATARINA SERRA, «Insolvência transfronteiriça – Comentários à Propsota de alteração do
Regulamento europeu relativo aos processos de insolvência, com especial consideração do Direito
português», DSR, outubro 2013, ano 5, vol. 10, p. 97-143.
25
A insolvência nos grupos de sociedades tem inclusivamente merecido a atenção da UNCITRAL. Para
mais informações, cfr. www.uncitral.org.
26
Mas veja-se, admitindo que o juiz decrete ex officio a apensação ou que a mesma seja pedida por
qualquer interessado, ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, «Insolvência nas sociedades em relação de grupo: de
novo pela consolidação substantiva das massas patrimoniais», I Congresso de direito da insolvência
(coord. Catarina Serra), Almedina, Coimbra, 2013, p. 305; contra, «De volta à temática da apensação de
processos de insolvência (em especial, a situação das sociedades em relação de domínio ou de grupo»,
DSR, 2012, 7, p. 155 e ss..
27
No sentido de que se trata agora de declaração de insolvência posterior à que ocorreu no processo
em causa, CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas
anotado, cit., p. 451.
28
Sobre os termos da questão, de um lado, embora com limites, ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, «A
insolvência nos grupos de sociedades: notas sobre a consolidação patrimonial e a subordinação de
créditos intragrupo», RDS, 2009, 4, p. 995 e ss., ID., «Ainda sobre a liquidação conjunta das sociedades
em relação de domínio total e os poderes do administrador da insovência: a jurisprudência recente dos
tribunais nacionais»», RDS, 2011, 3, p. 713 e ss., ID.«Insolvência nas sociedades em relação de grupo: de
novo pela consolidação substantiva das massas patrimoniais», cit., p. 995 e ss.; de outro, CARVALHO
FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, cit., p. 453, ID.,
«De volta à temática da apensação de processos de insolvência (em especial, a situação das sociedades
em relação de domínio ou de grupo», cit., p. 133 e ss..
29
ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, «A insolvência nos grupos de sociedades», cit., p. 1001.

Você também pode gostar