As Regras Espirituais - RS
As Regras Espirituais - RS
As Regras Espirituais - RS
Porto Alegre
2010
MARCELO LIMA MELNITZKI
BANCA EXAMINADORA
160 f.
In this thesis we tried to analyze the representations of science articles and editorials in the Journal Spiritist in
Porto Alegre, in the 1930s. From the methodology of content analysis (CA) seek to identify the arguments used
by newspaper writers to (re) asserting the scientific spiritism, closely linked to how sought to represent his
doctrine as a scientific knowledge of the similarity of Sciences accurate. Through this approach we can see that
this focus on the spiritual doctrine kept relations with the historical context marked by a strong rationalist bias,
and what transpired in the intensive reading of the arguments of members of the newspaper Paul Hecker. Taken
as a source / object of study in the Journal Spiritist also allowed a better understanding of the local impact of a
broader discussion, linked to the history of Spiritualism in the country, marked by division between scientists
and mystics.
Gráfico 1 – Distribuição dos artigos e editoriais nas duas categorias “O Espiritismo como
crítica a ciência” e “ O Espiritismo identificado com a ciência” .............................................58
Espiritismo ........................................................................................................................... 55
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO
Acreditamos que nos dias de hoje, de grande pluralidade das formas religiosas, não
seria estranho falar de uma religião “científica”. Mesmo que esta associação entre ciência e
religião tenha algo de inusitado para muitos, a diversidade acaba por atenuar o estranhamento.
No entanto, na metade do século XIX, na França, as rígidas fronteiras entre as explicações
teológicas e as de caráter científico foram rompidas por uma doutrina, causando grande
interesse e repúdio em cientistas e religiosos, principalmente os de orientação católica. 1 Esta
doutrina intitulava-se Espiritismo; apresentava-se como uma “religião científica”, capaz de
conciliar os métodos da ciência - observação, experimentação, análise, sínteses - e os
postulados de caráter religioso.
O Espiritismo não tardou a chegar ao Brasil, dentre outras razões, pela forte influência
francesa sobre o país.2 Mas também pela curiosidade despertada pela apropriação do método
das ciências exatas. De estrangeirismo importado e objeto de curiosidade, o Espiritismo logo
firmou sólidos alicerces entre os brasileiros.
Esta doutrina encontrou uma base sólida principalmente entre os intelectuais e nas
regiões onde os postulados de caráter científico compunham, mais fortemente, o centro das
discussões e a norma para organização da sociedade. O que acreditamos aplica-se ao Rio
Grande do Sul, haja vista o seu grande número de espíritas. 3
Conforme Angélica Boff,
Observe-se que o Espiritismo conquista largo espaço na sociedade, o que se
pode depreender, a começar, da documentação histórica por mim
pesquisada, a qual se encontra – e se encontrava, na época – amplamente
divulgada e dispersa nos mais diversos setores da sociedade(...) O ponto de
partida desta legitimação parece ser a atribuição de status científico a ele, e
1
Em O que é o Espiritismo Allan Kardec traz na forma de diálogo com um padre os principais argumentos
contrários ao Espiritismo, entre os quais surge a questão dos dogmas religiosos católicos, que são afrontados
pelos espíritas com as idéias de reencarnação, a negação das penas eternas, entre outras. KARDEC, Allan. O
que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1998. p. 133
2
Refiro-me, mais especificamente, mais Membros da colônia francesa no Rio de Janeiro Casimir Lieutaud,
diretor do Colégio Francês, Adolphe Hubert, editor do Courrier Du Brésil e a médium psicógrafa Mme. Perret
Collard. Ver: MACHADO, Ubiratan Paulo. Os intelectuais e o espiritismo: de Castro Alves a Machado de
Assis. Niterói: Lachâtre Editora, 1996. p. 65-66
3
CAMARGO, Candido Procópio F. de. Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis: Editora Vozes, 1973. p.19,
28 e 183. No Rio Grande do Sul 1,68% da população se declaravam espírita em 1940, e em 1950 este número
sobe para 2,77%.
13
4
BOFF, Angélica Bersch. Espiritismo, alienismo e medicina: Ciência ou fé? Os saberes publicados na
imprensa gaúcha da década de 1920. Porto Alegre: Dissertação de Mestrado defendida na UFRGS, 2001. p. 30
5
Ficha Técnica: Título: Chico Xavier, Gênero: Drama, Tempo de Duração: 125 mim. Direção e Produção:
Daniel Filho, Co-Produção: Globo Filmes e Espaço da Luz, Roteiro: Marcos Bernstein. Disponível em:
www.chicoxavierofilme.com.br
6
RBS TV Jornal do Almoço 25.03.2010
7
Segundo dados do IBGE do ano de 2000, o número de espíritas no Brasil corresponde a 1,6 % da população, o
que perfaz aproximadamente o valor apontado nesta reportagem. Disponível em : http://www.ibge.gov.br
8
Refiro-me a DAMAZIO, Sylvia F. Da elite ao povo: advento e expansão do Espiritismo no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. e GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos Mortos. Uma história da
Condenação e Legitimação do Espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
14
9
Apresentaremos no corpo da dissertação os principais marcos da trajetória do espiritismo no país, limito-me
agora a identificar na Bahia a criação do primeiro jornal espírita O Echo d’ Além Túmulo e o primeiro grupo
espírita no Brasil O Grupo Familiar do Espiritismo, ambos fundados pelo professor e jornalistas Luis Olímpio
Telles de Meneses. In: MACHADO, Ubiratan. Os intelectuais e o Espiritismo: de Castro Alves a Machado de
Assis. Niterói: Publicações Lachatrê, 1996. p.73
10
CAMARGO, Candido Procópio F. de. Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis: Editora Vozes, 1973.
p.19, 20, 23, 28,183. Candido Camargo esclarece, no entanto, que o crescimento no Espiritismo está associado
ao fato de que o “Espiritismo engloba parcela de adeptos da Umbanda que se declaram espíritas.” Ele também
associa o crescimento da Umbanda e do Espiritismo ao desenvolvimento das zonas urbanas.
11
Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 15.04.2007, Ano: 43, nº 15.205, p. 46.
12
Op. Cit. p.163
13
Revista História da Biblioteca Nacional Ano 3 nº 33 junho 2008. p. 15
14
Em uma rápida visita a Internet podem-se obter os números de exemplares vendidos. No site
www.globo.com.br, a marca de 25 milhões de livros até o ano de 2006. Chico Xavier nasceu em 1910, em Pedro
15
Leopoldo, Minas Gerais. Filho de família pobre, aos cinco anos fica órfão de mãe, e, assim como ele, seus vários
irmãos foram entregues a parentes. Com a idade de sete anos, seu pai casou-se novamente, e a família foi
reunida. Aos dezessete perde a madrasta, e devido a dificuldades de seu pai, fica responsável pelo sustento dos
irmãos e da família. Os fenômenos mediúnicos que acompanham desde ainda muito criança, levam-no a
aproximar-se do Espiritismo. Na década de trinta lança o livro O Parnaso de Além Túmulo, com poesias
psicografadas de vários poetas brasileiros, dentre eles, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos,....
Este livro foi o marco inicial da sua psicografia, e depois dele mais de 400 livros foram escritos através da
psicografia de Chico Xavier. Depois de vários anos de atividades mediúnica, em 2002, com 92 anos de idade,
Francisco Cândido Xavier faleceu em Uberaba, onde viveu grande parte de sua vida. In: Revista A
Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971.
15
O acesso ao Grupo de Estudos Espíritas (GEEU), aos diversos artigos publicados pode ser realizado pelo
endereço: http: //www.espirito.org.br. Sobre o GEEU Bernardo Lewgoy afirma “que este grupo, tem uma
relação não oficial com a Unicamp, não reconhecimento que não chega a perturbar os seus membros, pois estes
consideram que a ciência espírita não é acadêmica no mesmo sentido que as demais, mas de outra ordem,
contentando-se com a manutenção do próprio nicho.” In: LEWGOY, Bernardo. Representações de ciência e
religião no espiritismo kardecista. Antigas e novas configurações. Civitas, Porto Alegre v.06 nº2 jul-dez. 2006.
p. 163 Para a nossa dissertação o importante é destacar o interesse de membros da academia sobre o tema, pois
este grupo reune filósofos, historiadores e sociólogos, da própria universidade. Se somente se constituem em um
grupo de estudos, este grupo, no entanto, se reuni no espaço da universidade e seus membros estão a ela
associados.
16
Maiores detalhes podem ser obtidos no endereço eletrônico do NIETE: http://
www.prorext.ufrgs.br/nucleos/niete/index.htm
16
17
Jornal Folha Espírita, São Paulo, novembro de 1993, Ano: XX nº 236 p. 02 Acreditamos que este grupo, o
FEPESCI, teve duração efêmera, mais atuante na década de 1990, mais é um exemplo do interesse sobre o tema
e o desejo de preservar e formar acervos.
18
Estes dados foram obtidos no site da universidade, mais especificamente no PPGH:
HTTP://www.pos.ufsc/historia
19
Revista História da Biblioteca Nacional Ano: 3 nº 33 de junho 2008.
17
referiam à ciência? Como eles, os espíritas, se inseriam num contexto mais amplo de
produção de conhecimento científico?
Este tema, bastante amplo, colocou-nos de imediato frente à questão de como iríamos
abordá-lo. Esta temática poderia ser abordada de várias formas, desde um estudo aprofundado
de Allan Kardec e suas relações com a ciência, e mais amplamente com a história da ciência.
Ou mesmo através de seus continuadores, procurando identificar como a questão da ciência
aparece em suas obras. Dentre as várias formas de tratá-lo optamos por investigar a relação
ciência e espiritismo através da imprensa espírita no Brasil 20, mais especificamente os artigos
e editoriais do Jornal Espírita, em Porto Alegre. Apesar de não nos propormos a realizar um
estudo propriamente comparativo, poderíamos compreender as possíveis releituras e as
recorrências em torno da questão da ciência colocadas por Allan Kardec. Mas mais
especificamente as representações em jogo quando se apresentava o tema ciência e
espiritismo. A partir de quais referências os articulistas construíram o conceito de ciência
Espírita? Havia diferenças em relação a Allan Kardec? Como eles se viam? Como eles
perceberam o contexto mais amplo do campo científico? Propuseram uma ruptura com o
conhecimento científico? Incorporaram outros elementos argumentativos para defender “sua”
ciência? Acreditamos que esta fonte, a imprensa espírita, que é ainda pouco estudada, pois
poucas são as análises que se debruçam sobre ela 21, poderia ajudar-nos a respondê-las.
Notamos que havia uma lacuna nos estudos que tratavam do Espiritismo a partir da imprensa,
principalmente tomando-a como objeto de análise. Não havia muitos trabalhos que se
aprofundassem na construção do perfil destes jornais, dos seus articulistas e de como eles
tratavam os temas fulcrais da doutrina espírita. Optamos então, em centrar a análise num
único jornal, o Jornal Espírita do advogado e farmacêutico Paulo Hecker, em cuja direção
esteve à frente durante toda a década de 1930. Na construção do objetivo principal desta
dissertação, procurei não partir de conceitos definidos a priori sobre o que era a ciência para
os espíritas a partir das obras clássicas do Espiritismo e dos principais nomes do Espiritismo
na França ou no Brasil, mas analisar as representações sobre a ciência no Jornal Espírita, em
20
Os acervos, documental e jornalístico, das sociedades e Federações Espíritas são uma fonte rica, mas pouco
explorada. A Federação Espírita do Rio Grande do Sul (Fergs), possui um acervo de jornais e revistas que
totaliza mais de uma centena de títulos, inclusive exemplares de periódicos editados na Argentina, Uruguai e
Portugal. Como, por exemplo, a Revista Constancia (Buenos Aires), o El Espiritismo (Buenos Aires), Estudos
Psíquicos (Portugal), La Fraternidad (Buenos Aires), La Luz Del Porvenir (Espanha), La Nota Espiritista
(Buenos- Aires), entre diversos outros. Um acervo que permite se investigue as relações entre espíritas
brasileiros e os dos países vizinhos. Maiores informações sobre o acervo da Fergs podem ser obtidas através do
site http://www.fergs.com.br
21
Refiro-me ao trabalho de José Roberto de Lima Dias sobre o jornal A Evolução em Rio Grande. Ver: DIAS,
José Roberto de Lima. A Evolução: um instrumento cultural da imprensa espírita no final do século XIX em Rio
Grande. Monografia de Especialização defendida na FURG, 2003.
18
Porto Alegre, na década de 1930, tendo como objeto de investigação os editoriais e artigos
deste jornal. Num período em que passaram por ele os principais intelectuais espíritas de
Porto Alegre, como poderemos ver em detalhes nesta dissertação, como o próprio Paulo
Hecker, presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, no início da década de 1930.
Uma década que, cabe destacar, foi assinalada pela difusão e propaganda do Espiritismo que
lotava o Cinema Imperial no centro da capital, em meio aos festejos de comemoração do
Centenário Farroupilha, em 1935.22
Para trabalhar nesta perspectiva, centrando nossa análise basicamente em uma única
fonte/objeto, o Jornal Espírita, foi-nos preciso promover uma caracterização ampla da
natureza e funções do jornal. Optamos mesmo em ir muita além das fronteiras da história para
saber como os teóricos da notícia entendem o jornal. Na tentativa de recuperar os argumentos
do campo da teoria da notícia e da história, promovendo um dialogo entre teóricos da notícia e
historiadores, como o objetivo de evidenciar as possibilidades deste tipo de fonte/objeto, bem
como os riscos envolvidos. Acreditamos que pelo fato de entendermos o Jornal Espírita como
fonte e objeto de análise, esta longa exposição é plenamente justificável.
Há muito os historiadores se interessam pela imprensa, mas a discussão teórico-
metodológica só ganhou corpo e profundidade com a História Cultural 23 na década de 1970.
Os historiadores vão procurar compreender como o texto do jornal é produzido, qual a sua
função e como podem utilizá-lo como fonte/objeto histórico.
Antes, porém, de nos atermos a como os historiadores utilizam a imprensa como
fonte/objeto histórico, acreditamos que algumas considerações devem ser traçadas sobre como
os teóricos da notícia entendem o texto jornalístico. Esta definição permite-nos compreender
as várias mediações a que o texto do jornal está sujeito; uma discussão que pode informar o
historiador sobre o uso deste tipo de fonte/objeto.
O que nos propomos não é uma oposição entre teóricos da notícia e historiadores. Não
é opor um empirismo ingênuo que é atribuído, muitas vezes, aos jornalistas e a crítica às
fontes, que é própria aos historiadores; entendida esta oposição a priori de maneira
preconcebida. Mas a utilização das reflexões daquela área de conhecimento, de forma a
contribuir no uso que podemos fazer desta fonte.
22
Jornal Espírita Ano: XVII nº18 Porto Alegre 16.09.1935. p. 03
23
DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKI, Carla Bassanezi (org).
Fontes Históricas. Ed. Contexto, São Paulo, 2005. p. 112, 113 e 114. A autora refere-se às contribuições
efetivas da História Cultural para as pesquisas com a imprensa. Se antes os Annales ampliaram o leque de fontes
a disposição do historiador, é somente com a conformação da História Cultural que de fato emerge uma nova
abordagem teórico-metodológica.
19
24
TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2005. p.56 e 68
25
Op. Cit. p.56, 64 e 116. A teoria estruturalista é aquela segundo a qual se enfatiza o papel dos mídia na
reprodução da “ideologia dominante” (Hermann e Chomsky), e na etnoconstrutivista as notícias são o resultado
de um processo de produção, definido como a percepção, seleção e transformação de uma matéria-
prima(principalmente os acontecimentos) num produto (as notícias).
26
RODRIGUES, Adriano Duarte Rodrigues. “O Acontecimento.” In: TRAQUINA, Nelson. Jornalismo:
Questões, Teorias e “Estórias”. Lisboa: Veja, 1999 p. 27 e 29
27
Op. Cit. p. 31
20
o jornal[...] não está, [...] face a face ao caos do mundo. Está situado no fim
de uma longa cadeia de transformações. [Ele] é um dos vários operadores
sócio-simbólicos, sendo, aparentemente, apenas o último: porque o sentido
que leva aos leitores, estes, por sua vez, remanejam-no a partir do seu
próprio campo mental e recolocam-no em circulação no ambiente cultural.29
paradigmática dos Annales no final dos anos vinte. Momento no qual se ampliou o leque de
fontes, incluindo a imprensa e o jornal.
Tânia de Luca arrola uma série de nomes de pesquisadores que contribuíram no Brasil
para a alteração deste status através de estudos diversos temas ligados aos periódicos.
Dedicando-se, inclusive, ao estudo das técnicas de impressão dos periódicos, a sua
materialidade, função social e as relações da expansão da imprensa com a idéia de
progresso.31
Contudo a autora não aponta, no seu balanço, para um possível diálogo com os
teóricos da notícia, mas sim situa os avanços nas pesquisas, a influência da análise do
discurso e as contribuições da lingüística e da semiótica. Acreditamos, no entanto, que as
considerações dos teóricos da notícia possibilitam a construção de um suporte teórico-
metodológico para entender o trabalho com o jornal.
Um trabalho de referência sobre o uso da imprensa pelos historiadores é de Cláudio
Pereira Elmir. Segundo ele é preciso que o historiador faça uma distinção entre a informação
histórica, dos jornais, e seu uso na pesquisa histórica. Ele tem de estar disposto a fazer uma
leitura meticulosa, demorada, exaustiva do jornal. Tem de fazer uma leitura intensiva, e não
extensiva do jornal.
devemos fazer uma ‘leitura intensiva’ destes jornais e não uma ‘leitura
extensiva’. Ler os jornais extensivamente é o que fazemos diariamente hoje.
Ler intensivamente é o que acontece com leitores cujo tempo da experiência
da leitura não corresponde ao tempo da formulação do jornal. 32
31
Op. Cit. p.128
32
ELMIR, Claudio Pereira. As armadilhas do jornal: algumas considerações metodológicas de seu uso para a
pesquisa histórica. Cadernos do PPG de História UFRGS, nº 13 dezembro de 1995. p. 21.
33
Op. Cit. p. 22
22
Podemos associar esta afirmação de Elmir ao que procuramos enfatizar até o presente
momento. A necessidade de nos informarmos sobre a natureza da notícia, do texto do jornal, a
partir das considerações da teoria da notícia
No mesmo sentido Tânia de Luca sugere inúmeros passos metodológicos para o
trabalho com os periódicos. Enfatiza que o historiador tem de estar atento a uma série de
questões. Dentre elas, destacamos: o processo que leva o acontecimento a tornar-se notícia, os
significados diferentes que os discursos assumem em função da sua localização na
diagramação do jornal, a identificação minuciosa da linha editorial e dos colaboradores do
jornal, a caracterização do jornal em função da sua manutenção e organização e a análise
rigorosa do contexto.35
Poderíamos citar um variado número de advertências e recomendações metodológicas
que o pesquisador tem de respeitar no trabalho com o jornal. No entanto, parece-nos mais
adequado para nossa pesquisa salientar uma vez mais que o jornal produz leituras do mundo,
que a imprensa organiza os sentidos (dentro de um processo de organização política e
cultural), que lidamos com diferentes interpretações e que a notícia é uma construção. 36
O que procuramos mostrar nesta exposição inicial da nossa dissertação é que
podemos, ao trabalhar com a imprensa e o jornal, nos utilizar das análises derivadas das
teorias da notícia. E que estas análises revelam a natureza dos textos jornalísticos, a partir das
idéias de mediação, interferência na realidade, produção de sentido, seleção e construção. E
mais, que existem inúmeros pontos em comum entre estes teóricos e os historiadores. E que
uma leitura atenta dos trabalhos dos dois campos, permite-nos a constituição de um arcabouço
teórico-metodológico capaz de informar sobre as possibilidades do uso deste tipo de
fonte/objeto: o jornal.
34
Op. Cit. p. 27.
35
DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKI, Carla Bassanezi(org).
Fontes Históricas. Ed. Contexto, São Paulo, 2005, p. 141
36
MARIANI, Bethania Sampaio Corrêa. Sobre um percurso de análise do discurso jornalístico – A Revolução
de 30. In: INDURSKY, Freda e FERREIRA, Maria Cristina Leandro(org.). Os Múltiplos Territórios da Análise
do Discurso. Coleção Ensaios vol. 12. Porto Alegre: Ed. Sagra Luzzatto, 1999. A autora trabalha com a AD, mas
traz elementos que, repetimos, tem de estar sempre na mente do historiador que trabalha com esta fonte.
23
Pelo exposto, estas considerações sobre a natureza e o trabalho com o jornal, assumem
importância significativa nesta dissertação, orientam mesmo o nosso olhar sobre o texto. Mas
outro componente de ordem metodológica, a Análise de Conteúdo (AC), ganha uma dimensão
ainda mais significativa no trato com a documentação e na formação de nosso corpus
documental.
Através da AC foi possível organizar a coleta dos textos, artigos e editoriais,
analisados nesta dissertação. Por meio da AC conseguimos a partir do estabelecimento de
uma unidade de registro, que em nosso caso, definimos como ciência e espiritismo, reunir
todos os textos sobre o tema, e principalmente, identificar argumentos semelhantes na grande
quantidade de artigos e editoriais analisados. Estas semelhanças na argumentação dos
articulistas acabaram por formar categorias e subcategorias, que nada mais são do que formas
de entrada no tema: ciência e espiritismo. Foi por intermédio da AC que estabelecemos a base
para o tratamento metodológico dispensado a documentação, e de onde emergiram de forma
clara as idéias associadas ao conceito de ciência no discurso dos espíritas.
Para esta dissertação tomamos de Laurence Bardin à caracterização de cada um dos
passos que compõem a AC. Segundo esta autora a Análise de Conteúdo (AC) é composta de
três fases: a pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na primeira,
entre outras ações, encontram-se a formulação das hipóteses, a definição dos objetivos, a
dimensão e direção de análise, a escolha de documentos, a constituição de um corpus
documental, além da preparação do material para a categorização. O segundo momento
corresponde ao da exploração do corpus documental constituído para a análise. E por último a
fase pertinente as interpretações e inferências. 37
Quanto ao aporte teórico desta dissertação optamos em trabalhar os artigos e editoriais
a partir do conceito de representação de Roger Chartier. Entende-se representações, segundo
este autor, “como matrizes de discursos e de práticas diferenciadas (....) que têm por objetivo
a construção do mundo social, onde os atores sociais descrevem a sociedade tal como
pensam que ela é, ou como gostariam que fosse.”38 As representações implicam em identificar
como em tempos e lugares uma determinada realidade social é construída, pensada e lida, por
diferentes grupos sociais.39
37
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Edições 70: Porto Alegre, 1977.
38
CHARTIER , Roger. A história cultural – entre práticas e representações. (Trad. De Maria Manuela
Galhardo). Lisboa/Rio de Janeiro: DIFEL/Bertrand, 1990. (Coleção Memória e Sociedade). P. 19
39
Op. Cit. p. 16 -17
24
Sandra Pesavento ao historicizar este conceito, tornado clássico por Roger Chartier,
recupera as formulações de Marcel Mauss e Emile Durkheim, tornando seu sentido ainda
mais preciso. Segundo a autora,
40
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autenctica, 2005. p.39
41
Op. Cit. 17 Segundo Pesavento representações são sentidos conferidos ao mundo, e que se manifestam em
palavras, discursos, imagens, coisas e práticas. De modo também podemos entender a nossa fonte/objeto de
pesquisa como uma representação.
42
ELIADE, Mirdea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 11
25
Esta dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, de cunho mais
metodológico, procuraremos inserir o Jornal Espírita, na trajetória da impressa do Rio
Grande do Sul, principalmente em Porto Alegre. Este esforço, por vezes difícil, se justifica
tendo em vista que ele esteve inserido num tempo e espaço determinado, e alguns de seus
articulistas mantiveram relações com a grande imprensa gaúcha, a exemplo de seu editor e
proprietário, Paulo Hecker que era colaborador de outros jornais não espíritas da capital. Nele
também buscamos construir um perfil do jornal de Paulo Hecker, de seus principais
colaboradores e os articulistas, dando especial atenção as suas biografias e o contexto
histórico no qual circula o Jornal Espírita. Na última seção deste capítulo procuraremos
trazer, também, considerações sobre a metodologia da Análise de Conteúdo (AC) e sua
aplicação ao nosso objeto/fonte de estudo o Jornal Espírita.
O segundo capítulo tem um caráter empírico. Nele tratamos de recuperar a história do
Espiritismo no Brasil, procurando minimamente, situar o leitor em uma trajetória histórica
que permita compreender o que foi o Neo-espirtitualismo, suas diferenças com a doutrina
espírita e o contexto histórico do espiritismo no século XIX, para a partir daí analisar
argumentos colocados pelo conjunto de artigos e editoriais. Na seqüência, ou seja, na segunda
seção deste capítulo analisaremos dois grupos de artigos e editoriais, um referente ao
materialismo, e outro àquilo que denominei de ataque aos cientistas. O primeiro deles trata de
43
Op. Cit. p. 20
44
MOURA, Eliane Moura. O Espiritualismo no século XIX: Reflexões teóricas e históricas sobre correntes
culturais e religiosidade. Campinas: Textos Didáticos nº 27, 1997. p.10
26
um assunto que constitui um dos pontos mais importantes do contexto histórico no qual surge
o Espiritismo na França do século XIX, e que é constantemente recuperado pelos articulistas
do Jornal Espírita. A terceira seção deste capítulo é dedicada à crítica aos cientistas, na forma
muitas vezes de denuncia do seu preconceito acadêmico e a resistência da ciência oficial. Nele
nos referimos, também, aos cientistas que desenvolveram pesquisas sobre o fenômeno
mediúnico, e que são citados pelos articulistas, mais a título de exceção do que regra.
No terceiro capítulo, igualmente empírico, discutimos todas as descrições e
argumentos que enfatizam a singularidade da ciência espírita, principalmente, os artigos e
editoriais que tratam dos requisitos para a realização das pesquisas espíritas, a formação
necessária aos experimentadores e a condição moral daquele que vai se dedicar as
investigações. Nele tratamos ainda das relações com a metapsíquica e a parapsicologia com o
espiritismo, dado que, inúmeras vezes, os articulistas do jornal apontam estas áreas a título de
exemplo de abordagem científica. Na última seção deste capítulo analisamos os textos nos
quais são feitas referências a atmosfera intelectual e científica a qual os espíritas desejavam
filiar-se.
27
CAPÍTULO I
45
SILVA, Jandira M.M., CLEMENTE, Elvo e BARBOSA, Eni. Breve Histórico da Imprensa Sul-Rio-
Grandense. Porto Alegre: Corag, 1986. p.15
46
Op. Cit. p. 239
47
Op. Cit. p.12 Aqui é bastante pertinente uma observação: No Jornal Espírita de Paulo Hecker, ele era o
proprietário e diretor, sendo responsável também pela diagramação, seleção e execução de varias tarefas. No
entanto, distingui-se de um momento anterior(momento inicial da imprensa), pela consciência do papel do
jornalista e da imprensa, e também, pelas melhoras que introduziu, com a utilização da fotografia nas suas
notícias.
48
Considerando o total de jornais arrolados neste período (219), o único citado foi O Semeador. Neste período
circularam, no entanto, não só em Porto Alegre, como no interior, um número significativo de jornais. Faremos
referência ao número destes jornais mais adiante, quando descrevermos a imprensa espírita propriamente.
49
Revista A Reencarnação Ano: XXXVIII, Porto Alegre, 1971. p. 12
50
Revista A Reencarnação Ano: XXXVIII, Porto Alegre, 1971. Mario Mattos Santos nasceu em Porto Alegre
em 12 de setembro de 1895. Cartógrafo de profissão. Participou do 1º Congresso espírita (1921) que acabou por
determinar a criação da Federação Espírita do rio Grande do Sul (FERGS).
29
51
Revista A Reencarnação Ano: LXVI, Porto Alegre, 1971. p.29
52
ALVES, Francisco das Neves. Imprensa & Historia no rio Grande do Sul. Rio Grande: FURG, 2001.p.15.
53
Op. Cit. p.15.
54
Op. Cit. p.15.
55
BOFF, Angélica Bersch. Espiritismo, alienismo e medicina: Ciência ou fé? Os saberes publicados na
imprensa gaúcha da década de 1920. Porto Alegre: Dissertação de Mestrado defendida na UFRGS, 2001. p. 30
56
RUDIGER, Francisco. Tendências do Jornalismo. Porto Alegre: ED. UFRGS, 1993. Analisa as tendências do
jornalismo no RS, e aponta um número significativo de jornais que circularam no estado do século XIX até o
estabelecimento do início da indústria cultural.
57
Op. Cit. p.07 O autor estabelece um distinção fundamental entre a imprensa (política, literária, religiosa) e a
história do jornalismo. Pois se conhecemos grande atividade da imprensa no século XIX, e somente com o
jornalismo político-partidário, e que podemos tratar da história do jornalismo.
58
Op. Cit. p. 24 Este tipo de jornalismo, segundo Rudiger, está” ligado ao processo pelo qual a classe política
transformou a imprensa em agente orgânico da vida partidária.” E os jornais assumem as feições de sedes de
partidos políticos.
30
59
Op. Cit. p. 24
60
O primeiro destes jornais a circular em Porto alegre foi a Voz Espírita, fundado em 1894, pelo Centro espírita
Porto Alegre.
61
Op. Cit. p.44 Rudiger afirma que o jornalismo noticioso gaúcho remonta à época de formação do jornalismo
político-partidário, na segunda metade do século XIX.
62
Op. Cit. p. 44 Como representativos deste tipo de jornalismo literário-noticioso podemos citar o Jornal do
Comércio (de Achyles Porto Alegre) e O Mercantil. A fase do apogeu deste tipo de jornalismo corresponde ao
período de 1890-1920.
63
Op. Cit. p.48
64
Op. Cit. p.48 Rudiger salienta que foi neste contexto que ocorre uma “complexificação do conceito de
jornalista, que deixou de ser aplicado exclusivamente aos proprietários, passando a designar também os
responsáveis pela coleta e confecção de informações.”
65
Op. Cit. p.49 O autor afirma, ainda, que embora ocorra a consolidação do componente noticioso, “ os textos
não se baseavam em informações, mas em comentários opinativos, que recorriam as mais diversas fontes”.
66
Op. Cit. p.50
31
67
Op. Cit. p. 54
68
Op. Cit. p. 60 O Correio do Povo foi fundado em 1895, após a Revolução Federalista, por Caldas Junior; e o
Diário de Notícias em 1925.
69
Op. Cit. p. 57
70
DIAS, José Roberto de Lima. A Evolução: um instrumento cultural da imprensa espírita no final do século
XIX em Rio Grande. Monografia de Especialização defendida na FURG, 2003. p.*****
71
O Reformador é o órgão de divulgação da Federação Espírita Brasileira(FEB), fundado em 1884, no Rio de
janeiro, por Augusto Elias da Silva.
72
Revista A Reencarnação Ano: LXVI nº 419 Porto Alegre 2º semestre de 1999.p.29-30
32
FONTE: Tabela elaborada pelo autor a partir do cruzamento de dados da obra SILVA, Jandira M.M.,
CLEMENTE, Elvo e BARBOSA, Eni. Breve Histórico da Imprensa Sul-Rio- Grandense. Porto Alegre: Corag,
1986 e da Revista A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971. E de dados obtidos na
revista A Reencarnação Ano: XXXVIII, Porto Alegre dezembro de 1971; A Reencarnação Ano: LXVI nº 419
Porto Alegre setembro de 1999 e da monografia de Jose Roberto de Lima Dias Op. Cit.
Diante das considerações realizadas sobre a trajetória da imprensa gaúcha e do quadro
exposto, acreditamos que podemos compreender as primeiras décadas da imprensa espírita no
Estado, e especificamente em Porto Alegre, inserida num momento de domínio do jornalismo
político-partidário e do apogeu do jornalismo literário-noticioso.
73
Dias, José ...Op. Cit. p.35 Segundo José Roberto o jornal O Eco da Verdade e a Voz Espírita, pertencem ao
mesmo Centro Espírita. Explica: “A justificativa para a manifestação de duplicidade jornalística nesta época em
uma mesma instituição, pode ser decorrente dos grupos de estudos formados nas instituições espíritas, que eram
limitados a um certo número de participantes, onde cada grupo era identificado por um nome e lançava seu
periódico”.
74
A Revista A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre dezembro de 1971 indica para o Jornal Espírita a
data de 1918; já o exemplar de A Reencarnação Ano: LXVI nº419 Porto Alegre 2º semestre de 1999 refere 1919.
Diante desta divergência optamos por adotar a data fornecida por Paulo Hecker que é 1918.
75
Atualmente sua periodicidade é irregular e possui forma de revista, mas cremos que no início circulava
mensalmente, como era costumeiro entre estes jornais.
33
Apesar dos poucos números de jornais preservados, acreditamos que esta imprensa,
apesar de guardar traços de um modelo artesanal 76, introduziu nos seus números, recursos
ilustrativos modernos – como o uso da fotografia 77 – e desenvolveu-se no sentido de construir
uma consciência do papel do jornalista 78 e do jornal como veículo de divulgação de conteúdos
e notícias de cunho cultural.
Pelo tipo de informação que veicula, ela corresponde a um contexto, como afirma
Rudiger, de desenvolvimento do jornalismo-noticioso, de “mundialização das idéias”, de
expansão dos meios de transmissão de informação.79
José Roberto manisfesta-se sobre esta questão, enfatizando que o final do século
XIX80, foi um período em que os jornais espíritas passam a se fazer representar junto à
sociedade do Rio Grande do Sul, e que “acompanhando o surto espiritualista que começa a
contagiar a sociedade brasileira[viveu] esse momento de efervescência cultural, despertando
a curiosidade dos homens do final deste século.”81
Destaca também que a imprensa ligada ao espiritismo enfrentou momentos marcados
por dificuldades e de expansão, acabando por entrar em declínio a partir da década de trinta
“com advento da literatura psicográfica.” 82 O primeiro destes momentos nos anos iniciais do
século XX, em conseqüência das dificuldades econômicas provocadas pelo contexto da
primeira guerra e pelas dificuldades ligadas “a perseguição religiosa sustentada pela igreja
católica”.83 O segundo entendido como um período de vitalidade foram os anos vinte.
Marcado pelo crescimento da propagação do espiritismo, e pela popularização da literatura
espírita, traduzida dos originais franceses. 84 Período em que foi fundado o Jornal Espírita sob
a direção de Vital Lanza.
76
Refiro-me ao acúmulo de funções; o proprietário e diretor assumiam, muitas vezes, a função de redator, além
de compor a diagramação do jornal. Ausência de um jornalismo de cunho informativo, em favor de da
veiculação de matérias de cunho opinativo.
77
O Jornal Espírita de Paulo Hecker lança mão deste recurso em vários de seus números.
78
Refiro-me ao I Congresso Espírita e a decisão deste de criar a Associação nacional de Imprensa Espírita.
Levada a cabo, com a participação do Jornal Espírita de Paulo Hecker.
79
Op. Cit. p. 44
80
Acreditamos que o período de divulgação do espiritismo a partir da imprensa começa nesta época e se estende
pelas primeiras décadas do século XX.
81
Op. Cit.p. 32. Este autor dedica-se em seu estudo monográfico a trajetória do primeiro jornal espírita do RS: A
Evolução, periódico quinzenal, do Centro Espírita Rio-Grandense criado em fevereiro de 1892 e dirigido por
Domingos Toscano Barbosa. Tece uma série de considerações sobre o contexto histórico do surgimento da
imprensa espírita.
82
Op. Cit. p. 38 Tese que acreditamos conter em parte a verdade, pois não manteve sua vitalidade, somente a
partir dos pequenos jornais, mas a partir de jornais e revistas de longa e solida duração. Como o Jornal Espírita e
A Reencarnação (órgão de divulgação da Fergs).
83
Op. Cit. p.37 Este autor afirma que esta situação ocorre mesmo em meio aos princípios determinados pela
Constituição de 1891, e que perdura, com maior e menor intensidade, até o final do período getulista.
84
Op. Cit. p.38
34
Enfim, o que procuramos neste item foi traçar um esboço da trajetória da imprensa e a
inserção da imprensa espírita; apontando para ausências 85 e estabelecendo marcos básico para
o entendimento do percurso desta imprensa. De forma a compreender a posição que ocupava
o Jornal Espírita dirigido, na década de trinta, por Paulo Hecker.
85
Não se trata aqui de um amplo estudo que permitiria mapear os motivos desta ausência de referencias à
imprensa espírita, mas sim uma tentativa de situar a questão a partir das fases mais gerais do jornalismo.
86
Procuraremos seguir algumas das recomendações de Tânia de Luca no trato com o jornal.
87
Jornal Espírita Ano: XVII nº 08 Porto Alegre 16.04.1936. No editorial Paulo Hecker diz que o Jornal
começou a circular num período em que ser espírita era penoso, e as iniciativas desta natureza eram recebidas
com prevenção pelas pessoas. p.01
88
Jornal Espírita Ano: XVII nº 08 Porto Alegre 16.04.1936 Celestina Arruda Lanza é também médium e
escritora espírita. Psicografou pelo menos dois livros: “O Beijo da Morta” e o “Espírito das Trevas”. p. 01
35
a falecer em 1936 ( na Rua do Catete), vítima de uma doença que o afligia desde a época em
que residia em Porto Alegre.89
Sobre o período em que o Jornal Espírita esteve sobre a direção de Vital Lanza,
sabemos pouco.90 Pelos dados escassos temos conhecimento que neste período era mensal e
que se mantinha como um jornal independente, ou seja, não ligado a uma sociedade ou grupo
espírita, como era comum no período. Esta característica, é importante frisar, vai manter-se ao
longo de todo o tempo em que o jornal circulou.
É, no entanto, sobre o período que estamos estudando, a década de 1930 91, que
obtivemos um número significativo de dados e informações.
No inicio da década assume a direção Paulo Hecker (1888 – 1974), que então passa a
ser o proprietário-diretor do Jornal Espírita. Ao assumir a direção e redação do jornal este
passa a ter uma periodicidade quinzenal. Paulo Hecker era advogado92 e farmacêutico,
nascido em Bagé. Durante o período em que cursava direito tornou-se positivista, e
posteriormente, espírita kardecista. Foi durante muitos anos assíduo colaborador da Federação
Espírita do RGS, acabando por tornar-se seu Presidente (1931-1932), além de ativo membro
do grupo que angariava fundos para construção do Hospital Espírita de Porto Alegre. Dirigiu
o Jornal Espírita por trinta anos, sendo responsável pelo editorial, pela seleção de matérias e
pelos anúncios. Notabilizou-se, ainda, pelas conferências realizadas nos grandes cinemas da
capital e do interior, sobre o Espiritismo, notadamente, sobre seu caráter científico. Faleceu
em 1974, depois de anos de atividade na divulgação dos princípios espíritas, nas rádios, nos
jornais engajados e na grande imprensa porto-alegrense, principalmente, no Correio do
Povo.93
89
Jornal Espírita Ano: XVIII nº 08 Porto Alegre 16.04.1936 e nº 09 de 01.05.1936. Os dados biográficos de
Vital Lanza foram colhidos a partir do editorial e das noticias publicadas na coluna diversas.
90
Só tivemos acesso a um exemplar do período em que o jornal era dirigido por Vital Lanza.
91
Sobre os exemplares do Jornal Espírita, dispomos de números relativos aos anos de: 1931, 1932, 1933, 1935,
1936, 1938, 1939 e 1940
92
Quanto a sua atuação como advogado Friedrich Kniestedt em seu diário diz que Dr. Paulo Hecker o defendeu
num processo movido pelos proprietários dos jornais Der Urwaldsbote de Blumenau e Neue Deutsche Zeitung
de Porto Alegre. “Meu representante era o advogado Dr. Paulo Hecker. O processo durou um ano e acabou com
minha absolvição.” In: GERTZ, René E. Memórias de um Imigrante Anarquista. Porto Alegre: Ed. La Salle,
1989. p. 153 No epílogo desta obra Gertz escreve que “ No ato de seu sepultamento, que foi muito concorrido,
falaram os Drs. Paulo Hecker , conhecido intelectual gaucho, e Jesus Ribas, co-fundador da escola racional, que
enalteceram as qualidades do extinto, evidenciando a louvável atuação que o mesmo desenvolveu entre seus
concidadãos.”
93
Dados biográficos obtidos através de material manuscrito e entrevista realizada por mim com Paulo Hecker
Filho, em 2005, poucos meses antes do seu falecimento. Sobre Paulo Hecker Filho a edição de Zero Hora de 17
de dezembro de 2005 escreve o seguinte no caderno de cultura: “Paulo Hecker Filho, falecido na última
segunda-feira, aos 79 anos, foi figura singular e múltipla das letras gaúchas: poeta, escritor, tradutor, dramaturgo,
jornalista, cronista e crítico literário.” Pelo que podemos verificar Paulo Hecker possuía uma coluna semanal no
Correio do Povo intitulada Hora Espirítica Radiofônica, no qual eram reproduzidas as suas falas na Rádio
Difusora. Em geral a coluna começava com a seguinte introdução: “Foi irradiada ante-ontem, como em todos os
36
Tanto Vital Lanza quanto Paulo Hecker eram defensores e divulgadores bastante
ativos do Espiritismo. Através do Jornal Espírita defenderam o Espiritismo, destacando,
dentre outras, sua face científica.
O jornal sob a direção de Paulo Hecker mantém os objetivos estabelecidos por Vital
Lanza, abordando questões morais, religiosas e científicas à luz do espiritismo.
O formato do jornal também se mantém. Quatro páginas 94 não numeradas de tamanho
54x 38. Respeitando, em linhas gerais, a diagramação 95 anterior, na qual o jornal era dividido,
basicamente, em editorial ou artigo de fundo 96, artigos diversos e uma coluna com notas e
notícias seguida – dependendo da edição – de um espaço reservado aos anunciantes.
O Jornal Espírita procurava, ainda, explicar e divulgar os conceitos fundamentais da
doutrina. Pautava-se por apresentar os princípios espíritas de forma clara, a partir de inúmeros
artigos assinados97 e excertos de obras clássicas do Espiritismo.
O jornal trazia inúmeros reclames e anúncios, principalmente após 1930, quando
Paulo Hecker, assumiu a direção do jornal; fato que nos permite inferir sobre o alcance e o
prestígio social do periódico. Empresas como a Cervejaria Continental, O Banco Nacional do
Comércio, Sociedades de Seguros Porto Alegrense, Livraria Americana e Globo, além lojas
de calçados, empresas de engenharia, lojas de roupas, fábrica de bebidas e joalherias faziam
publicar seus anúncios98.
Paulo Hecker foi durante todo o período uma espécie de “faz tudo” do jornal,
responsável pelas atividades de diagramação e de venda de assinaturas, as quais mantinham o
jornal em circulação. Evidenciando a partir destas características um perfil quase artesanal,
assinalado pelo acúmulo de atividades, pois proprietário-diretor assume um sem número de
domingos, às 9:45 pela Rádio Difusora a ‘Hora Espirítica Radiofônica’, tendo ocupado o microfone o Dr. Paulo
Hecker que dissertou sobre a ‘Reencarnação’.” Correio do Povo, Porto Alegre, 02.06.1942, Ano: XLVIII, nº
127, p.03.
94
Em edições especiais, que reuniam dois números, o jornal chegava a ter doze páginas (incluindo a página final,
geralmente dedicada aos anunciantes).
95
RABAÇA, Carlos Alberto. Dicionário de Comunicação. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p. 22 Diagramar:
“Criar e executar segundo as linhas fundamentais do projeto gráfico e de acordo com critérios jornalísticos –
visuais e técnicos – a distribuição gráfica das matérias a serem publicadas no veiculo impresso.”
96
Op. Cit. p. 255, 256 Editorial: “Texto jornalístico opinativo, escrito de maneira impessoal e publicado sem
assinatura, referente a assuntos e acontecimentos locais, nacionais ou internacionais de maior relevância. Define
e expressa o ponto de vista do veículo ou da empresa responsável pela publicação, e artigo de fundo, o mesmo
que editorial.”
97
Até mesmo Érico Veríssimo, aparece como colaborador, na edição de 01.01.1935, em comemoração aos cinco
anos de circulação do Jornal Espírita sob a direção de Paulo Hecker. Seu texto, no entanto, não versa sobre a
temática espírita, mas sua presença acaba por emprestar prestígio ao jornal.
98
Na edição de 01.01.1935, contamos 24 anúncios, número que não se mantém nas edições posteriores, mas que
dá uma idéia do significado deste jornal para os anunciantes.
37
funções. O próprio jornal muda de sede da redação conforme Paulo Hecker se transfere de um
lugar para outro.99
O então proprietário-diretor do jornal procura imprimir ao periódico uma linha
editorial100 que privilegiava a diversidade de opiniões sobre os assuntos relacionados ao
espiritismo; ao mesmo tempo, em que busca como traço de ligação entre os diversos artigos101
a aproximação com os postulados kardequianos. Como veremos adiante, muitas vezes o que
se defende no editorial, não é compartilhado pelos articulistas, surgindo mesmo críticas ao
espiritismo. 102
Mas, por ora, o que nos importa é reter a idéia de que o Jornal Espírita sob a direção
de Paulo Hecker, prima pela liberdade de opinião nos artigos assinados.
O trecho abaixo, publicado em negrito e em fonte maior, serve como evidência a esta
afirmação: “A Direção do Jornal Espírita não se responsabiliza pelos conceitos dos
trabalhos assinados, e expressamente autoriza a reedição de todos os seus artigos”. 103
Na condição de editor do Jornal Espírita Paulo Hecker costuma não só afirmar a
diversidade de opiniões dos textos publicados no seu jornal, mas também freqüentemente os
editoriais referem-se a questões pertinentes ao contexto histórico do período. Neste sentido
questões que extrapolam o cunho doutrinário transparecem nas páginas do jornal.
Em 1932104, defende a manutenção da ordem pública e pontua inúmeras questões
referentes aos perigos derivados de um estado de anomia. Em outro editorial 105 do mesmo ano
sai em defesa da constituição e da democracia, tomando partido das pretensões em favor de
um governo constitucional.
Em 1935, sob o título, Orientação Espírita, defende o seguinte pensamento sobre a
conjuntura histórica:
O cenário político nacional apresenta um aspecto turvo, inquietante. Grupos
de idealismo mal inspirados, procuram rebelar-se contra as instituições e os
poderes constituídos. Organizam-se e se traçam normas pragmáticas, que os
empolgam pertubadoramente.
99
Durante o período em que o Dr. Paulo Hecker foi Presidente da FERGS (1931-1932) não só muda a sede da
Federação Espírita (Fergs), na época sem sede própria, mas também a sede da redação do jornal. Ver Revista
Reencarnação Ano: XXXI Porto Alegre dezembro de 1971. p. 11
100
Op.Cit. Linha Editorial: “Posição mantida pelo órgão de imprensa a respeito dos assuntos noticiados.” p.431.
101
Op. Cit. “Texto jornalístico interpretativo e opinativo, mais ou menos extenso, que desenvolve uma idéia ou
comenta um assunto a partir de determinada fundação, geralmente assinado.”. p. 43
102
Talvez o exemplo mais significativo seja o do articulista Teodoro Doloyes, que em vários de seus artigos,
abertamente outros espíritas, ao defender uma postura menos dogmática e mais cientifica diante do fenômeno
espiritual.
103
Jornal Espírita Ano: XXI nº08 Porto Alegre 16.04.1939. p. 02
104
Jornal Espírita Ano: XIV nº16 Porto Alegre 16.08.1932. p.01
105
Jornal Espírita Ano: XIV nº19 Porto Alegre 01.10.1932. p.01
38
Visa-se o bem estar dos brasileiros, esquecendo que a nossa sociedade, como
as demais comunas terráqueas, repousa sobre duas vigas mestras que a
sustem e mantêm: a família e a propriedade. 106
114
Jornal Espírita Ano: XXII nº11 e 12 Porto Alegre 01 e 16.06.1940. p.01
115
Uma das mais antigas sociedades espíritas de Porto Alegre e do Estado a Sociedade Espírita Allan Kardec,
surge neste período, no final do século XIX, em 1894, e não tarda em fazer circular seu jornal, a Revista Espírita,
em 1898.
116
Os jornais deste tipo constituíam-se num veículo apropriado para fazer circular estas concepções, diante do
reduzido acesso a obras espíritas.
40
Em nota deste ano de 1935 a Fergs noticia que entre os palestrantes das conferências
públicas, a serem realizadas nos domingo, às 10 horas da manhã, no salão do cinema Imperial,
na Praça Senador Florêncio, acham-se inscritos os Srs. Dr. Ildefonso da Silva Dias, Coronel
117
Jornal Espírita Ano: XIV nº09 Porto Alegre 01.05.1932. p. 02
118
Jornal Espírita Ano: XVII nº01 Porto Alegre 01.01.1935. p. 10 Aqui além da ênfase no seu aspecto cientifico
nas palestras públicas, aparece a que este discurso é destinado: ao mundo intelectual, as elites. Cabe explicar que
no que diz respeito ao espiritismo experimental e ao científico, é as elites que o discurso é dirigido. Seu aspecto
moral e religioso, este sim tem, segundo o próprio Paulo Hecker, um público muito mais vasto, ou seja, e
destinado a toda a sociedade.
119
Ao enfatizar este aspecto os conferencistas não abandonam as exortações de ordem moral e religiosa, de
acordo com a definição de Allan Kardec, sobre o que é o espiritismo: “O espiritismo é, ao mesmo tempo, uma
ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele insiste nas relações que se estabelecem
entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as conseqüências morais que dimanam dessas mesmas
relações.” Ver KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1998.p. 49
120
Ildefonso da Silva Dias foi também um dos articulistas do Jornal Espírita de Paulo Hecker; Presidente da
Fergs em 1923, e de 1933 a 1936. Nasceu em Porto Alegre em 26 de fevereiro de 1880. Formado em Engenharia
Civil. Ver A Revista Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre dezembro de 1971. p. 09
121
Jornal Espírita Ano: XVII nº17 Porto Alegre 01.09.1935. p. 03
41
Otávio Pires Coelho, Dr. Egídio Hervé, Profa. D. Maria dos Anjos Ruiz Ferreira, Profa. D.
Alcina Taborda Garcia, Dr. Leandro Pierini, Prof. Jorge Bahlis, Antônio Pereira Junior,
Lourenço Pico e o Prof. Afonso Guerreiro Lima. 122
Ainda nesta nota informa que em outubro será realizada uma sessão solene, em
03.10.1935, às 20 horas, no Teatro São Pedro, em comemoração ao aniversário de Allan
Kardec, “com a representação de sociedades filiadas e de altas autoridades civis e
militares.”123 Dando início assim a série de conferências doutrinárias que terão a duração da
Exposição Farroupilha.
Dentre os conferencistas destacamos a participação de Paulo Hecker com uma palestra
intitulada: “O Espiritismo desperta consciências para o império da razão”; Antonio Pereira
Júnior versando sobre o tema “Deus, Ciência e Religião”, e a palestra de encerramento das
conferências espíritas intitulada: “Os postulados espíritas concretizam os ideais cristãos”,
também a cargo de Paulo Hecker.
Foi com grande contentamento que o jornal registra a realização das conferências,
destacando o alcance que tiveram na cidade e no Estado a partir da transmissão pelo rádio.
E completa:
122
Jornal Espírita Ano: XVII nº18 Porto Alegre 16.09.1935. p. 03 Muitos destes conferencistas foram
articulistas do Jornal Espírita, mas que nem sempre abordaram em seus artigos a discussão sobre o caráter
cientifico do espiritismo. Entre eles destacamos o Prof. Jorge Bahlis, Cônsul do México. Ver sobre o Prof. Bahlis
no Jornal Espírita Ano: XIV nº19 Porto Alegre 01.10.1932. p. 03
123
Jornal Espírita Ano: XVII nº18 Porto Alegre 16. 09.1935. p. 03
124
Jornal Espírita Ano: XVII nº20 e 21 Porto Alegre 01. 11.1935. p. 03
125
Jornal Espírita Ano: XVII nº20 e 21 Porto Alegre 01. 11.1935. p. 03 Conforme ainda a edição de 16.12.1935
a palestra intitulada: “ Os postulados espíritas concretizam os ideais cristãos”, última da série de conferências,
foi publicada pelo Jornal da Manhã.
42
pelas verdades eternas, confundindo os detratores do Espiritismo, que só o atacam por meio
de insidiosas e falsas afirmações, em que se lhe atribui precisamente àquilo que mais
condena”.126 Terminando por enfatizar o objetivo de tais conferências qual seja o de
esclarecer os adeptos, e trazer ao domínio público os postulados espíritas. Para isto serviu-se
127
das palavras do Dr. Ildefonso da Silva Dias, que em nome da Fergs , sintetiza o espírito
destas palestras.
Ao final desta série de conferências um fato inusitado ocorre, dando mais publicidade
a questão espírita. Durante a realização da Exposição Farroupilha noticia-se aquilo que seria a
materialização de um espírito. Sob o título: “Coisas de Além-Túmulo”, a Folha da Tarde,
dirigida por Vianna Moog, trouxe a notícia da materialização de um guarda civil num recinto
da exposição.129
Alguns destes conferencistas que participaram da iniciativa da Fergs escreviam
também para os jornais espíritas da capital.
O Jornal Espírita, sob a direção de Paulo Hecker, reuniu grande número de escritores,
que apareciam nas páginas do jornal como articulistas eventuais ou de participação freqüente.
Mas todos tinham em comum o fato de comporem, segundo seu proprietário “uma plêiade
ilustre de escritores de vários credos e do mais destacado relevo intelectual, social, literário e
científico; [que emprestou] as colunas do Jornal Espírita o fulgor de suas colaborações.” 130
Entre os articulistas eventuais destacamos Reinesio Barbosa 131, líder operário,
defensor da vinculação do espiritismo as questões de cunho social nos seus artigos, Isidoro
126
Jornal Espírita Ano: XVII nº24 Porto Alegre 16. 12.1935. p. 03
127
Revista A Reencarnação, Porto Alegre, dezembro de 1971, Ano: XXXVIII, p. 02. A Federação Espírita do
Rio Grande do Sul (Fergs) foi criada em fevereiro de 1921, como resultado do I Congresso Espírita do Estado,
realizado na Sociedade Espírita Allan Kardec de Porto Alegre, entre 15 e 17 de fevereiro. Entre os representantes
de jornais espíritas da capital, que assinaram a ata de fundação da Fergs, estava presente Vital Lanza, primeiro
diretor-proprietário do Jornal Espírita.
128
Jornal Espírita Ano: XVII nº24 Porto Alegre 16. 12.1935. p. 03
129
Jornal Espírita Ano: XVIII nº09 Porto Alegre 01. 05.1936. p. 03 Não nos foi possível verificar a repercussão
deste fato em outros jornais; no entanto, acreditamos que foi mais um elemento, num contexto de difusão do
espiritismo.
130
Jornal Espírita Ano: XIV nº01 Porto Alegre 01. 01.1932. p. 01 Trata-se de um editorial.
131
Jornal Espírita Ano: XIV nº11 Porto Alegre 01. 06.1932. p. 02
43
Duarte Santos e sua esposa132, ambos portugueses, Carlos Imbassahy133, Guillon Ribeiro134,
Gastão Luce135 e L. Denis.136
Dentre os articulistas que tratam (eventual ou constantemente) da questão cientifica do
espiritismo identificamos para nossa análise os seguintes: Israel Correa da Silva, Ildefonso da
Silva Dias, Frederico Augusto da Silva, Kardecista (pseudônimo não identificado), A.D.
Pratas, Carlos Imbassahy, Paulo (sem identificação completa do nome), João Maia, J. L.
Lemos, Vital Lanza, S. M. Lemos, De Souza Junior, Lorenzo Picó, Pedro Camargo
(pseudônimo Vinícius), Lins Vasconcelos, Carlos Fuhro, Narciso Berlese, Mariano Rango
D’Aragona, Conrado Ferrari, Alcinda Taborda Garcia, Teodoro A. Doleys e Cardoso Filho,
além do próprio Paulo Hecker, que trata da questão nos editoriais.
Devido, muitas vezes, a escassez de informações não foi possível estabelecer, de
maneira pormenorizada, a identificação dos articulistas. Por esta razão procuramos traçar o
perfil dos principais 137, e daqueles que por sua atuação no meio espírita ajudam-nos a
entender a inserção social do espiritismo. 138
Começamos por Teodoro A. Doleys, um dos articulistas que aborda de modo objetivo
a questão científica. Este articulista envia seus textos do interior do estado, da cidade de
Tupaceretam, ao Jornal Espírita. Residia nesta localidade onde exercia a profissão de
comerciante.139 Natural da Alemanha, faleceu em fins de 1933 e início de 1934. 140 Nos Anais
132
Jornal Espírita Ano: XVII nº11 Porto Alegre 01. 06.1935. p. 03 Os textos são enviados de Portugal para o
Jornal Espírita. Isidoro Duarte dos Santos, conforme edição de 16.05.1936 foi Diretor do “Mensageiro Espírita”
órgão da Federação Espírita Portuguesa.
133
Carlos Imbassahy é considerado um dos mais destacados defensores da propaganda científica e moral do
Espiritismo. Escreveu inúmeros livros sobre o caráter cientifico do espiritismo. In: Anais da Sociedade Espírita
Allan Kardec. Cinqüentenário de sua fundação 1894-1944. Porto Alegre: Liv. Continente, s/data. Baiano nascido
em 09.09.1884. Foi advogado, jornalista e redator, durante longos anos, do Reformador. Faleceu com 85 anos
em 1969. Disponível em www.panoramaespirita.com.br último acesso em 12.05.2008
134
Luís Olímpio Guillon Ribeiro, nasceu em 17 de janeiro de 1875, no Maranhão. Formou-se em Engenharia
Civil e trabalhou por longos anos no Senado Federal, chegando em, 1921, a Diretor da Secretaria Geral do
Senado. Nos anos de 1920 e 1921 foi Presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB). Dominava varias
línguas, entre elas o francês, italiano e o inglês.Traduziu inúmeras obras espíritas para o português. Faleceu em
outubro de 1943. In: WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil. Rio de Janeiro:FEB, 1943. No Jornal
Espírita Ano: XVII nº 18 16.09.1935 p.03 Guillon Ribeiro é considerado articulista especial do Jornal Espírita.
135
Jornal Espírita Ano: XVIII nº24 Porto Alegre 16. 12.1935. p. 03 Conforme Paulo Hecker: Eminente
espiritista Francês, escritor e jornalista de grande renome na Europa e membro do corpo editorial da Revue
Spirite de Paris, fundada por Allan Kardec em 1858.
136
Jornal Espírita Ano: XVII nº24 Porto Alegre 16. 12.1935. p. 03 Neste número do Jornal Espírita lembra que
seu jornal já teve a colaboração do eminente espírita Leon Denis. Leon Denis nasceu em 1846 Foug, na França, e
faleceu em Tours em 1927. Escritor de renome no meio espírita combateu fortemente as idéias materialistas e
positivistas. Além de ter estabelecido intensa debate com os defensores da metapsíquica. Disponível em
www.panoramaespirita.com.br último acesso em 12.05.2008
137
Aqui entendido como aqueles que participaram com maior número de artigos sobre a questão da ciência.
138
Exemplificado na figura de Angel Aguarod Torrero, diretor de vários jornais e na vanguarda do movimento,
como veremos adiante.
139
Jornal Espírita Ano: XVI nº21 e 22 Porto Alegre 16. 11.1932. p. 03
140
Jornal Espírita Ano: XVII nº15 Porto Alegre 01. 08.1935. p. 03
44
da Sociedade Espírita Allan Kardec de Porto Alegre, sob o título : “ Tributo admirativo aos
espíritas sulistas”, Teodoro Doleys 141 (junto a outros espíritas gaúchos) recebe as
considerações elogiosas seguintes: “[São] espíritos esclarecidos com a intuição nítida da
verdade e, cada um no seu setor, mas com os olhos no ideal, prestaram assinalados e preciosos
serviços ao Espiritismo”.142
No entanto, seu posicionamento era polêmico. Era pautado, muitas vezes, por uma
crítica ao dogmatismo presente entre alguns espíritas. 143 Somente a título de exemplo 144
transcrevemos abaixo um pequeno trecho de um dos seus artigos.
Entre nós, a cada instante, a cada discussão, podem ler-se ou ouvir citações
de Kardec, dos seus ensinos, dos seus axiomas. É o ‘Magister dixit’ do
dogma científico e religioso. É o ‘está escrito’ da polêmica teológica. É o
1934 imobilizado no 1856. É a antiga mentalidade sectária.145
Outro articulista que escreve freqüentemente no Jornal Espírita a cerca da questão da
ciência foi Mariano Rango D’Aragona. Natural da Itália, de “um recanto da Itália, terra de
Otranto, destruída quatro vezes pelos turcos, com uma ferocidade inaudita, somente por ter
sido povoada por ‘giaurs’(cristãos).” 146
Em um texto147 enviado para o Jornal de Paulo Hecker, o articulista diante da morte
próxima, faz um balanço da sua vida, as desilusões, a sua conversão ao espiritismo, e refere
que na mocidade foi militante socialista.
Mariano D’Aragona escreveu diversos artigos para o Jornal Espírita e militava na
divulgação do Espiritismo em outras regiões do país. Enviava seus artigos do Rio de Janeiro,
onde dirigia o Centro “Família Espírita”, para Porto Alegre. Espírita bastante engajado no
movimento participou, em 1939, de uma homenagem ao Gal. Araripe de Farias, que
defendera o Espiritismo das críticas dos médicos cariocas. Segundo Mariano foi “pelo
desassombro com que deu entrevistas à imprensa carioca relativamente à controvérsia
141
Teodoro Doleys morre no início de 1934; a partir de 1935 o jornal publica uma série de artigos deste autor
sobre o título: Ciência e Vida. Na edição de 16.04.1936 Paulo Hecker informa que serão publicados dois livros
intitulados: “ A luta pela verdade” e “Ciência e Vida”, reunindo seus artigos.
142
Anais da Sociedade Espírita Allan Kardec. Cinqüentenário de sua fundação 1894-1944. Porto Alegre: Liv.
Continente, s/data. P.26 e 27
143
Não poupa críticas ao sectarismo dos espíritas, de muitos espíritas. Enfatizando o caráter científico do
espiritismo, que considera um momento na trajetória do movimento neo-espiritualista, que na Europa é
prestigiado por inúmeros cientistas.
144
A exemplificação do tipo de argumentação tem um caráter pontual neste momento da dissertação. Nos
capítulos seguintes ela surge como elemento de análise, propriamente.
145
Jornal Espírita Ano: XVII nº23 Porto Alegre 01. 12.1935. p. 03
146
Jornal Espírita Ano: XVII nº10 Porto Alegre 16. 05.1935. p. 03 Neste numero do jornal foi Mariano R.
D’Aragona que nos fornece as informações sobre a sua vida.
147
Jornal Espírita Ano: XVII nº22 Porto Alegre 16. 11.1935. p. 02 Trata de um artigo de Mariano no qual ele
faz um balanço de sua vida.
45
148
levantada por alguns médicos contra a propaganda espírita pelo rádio.” A controvérsia
estava baseada no fato de que o Espiritismo provocava danos ao psiquismo, e por esta razão,
procuravam os médicos impedir a propaganda espírita pelo rádio. O acontecimento teve
repercussão em Porto Alegre, onde Paulo Hecker escreveu vários editoriais sobre o tema. 149
Outros colaboradores também escrevem sobre a polêmica no Jornal Espírita, Otaviano B. de
Borba,150 o kardecista,151 todos condenando a atitude dos médicos cariocas. A questão parece
ter fim, ainda em 1939, quando foi afirmado pelo Boletim do Sindicato Médico o seguinte:
148
Jornal Espírita Ano: XXI nº15 Porto Alegre 01. 08.1939. p. 04.
149
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.06.1939, Ano: XXI, nº 11 e 12, p. 01
150
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.06.1939, Ano: XXI, nº 11 e 12, p. 03
151
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.06.1939, Ano: XXI, nº 10, p.03
152
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.07.1939, Ano: XXI, nº13, p. 04
153
Jornal Espírita Ano: XX nº05 Porto Alegre 01. 03.1938. p. 02 Mariano Rango D’Aragona referindo-se a
Ernesto Bozzano (cientista e espírita italiano), com quem mantinha correspondência, que considerava de
primeira grandeza da Revelação Científica do espiritismo. Assevera: ”e é diante dele que as vezes, sinto-me
impelido a criticar muitos confrades nossos que, arvorando-se em mentores do espiritismo, o imaginam e o
vulgarizam como uma simples doutrina franciscana, supina ação religiosa”.
154
Texto que segundo Mariano Rango D’Aragona foi ditado mediunicamente.
46
155
Jornal Espírita Ano: XX nº02 Porto Alegre 16. 01.1938. p. 03
156
Jornal Espírita Ano: XVII nº03 Porto Alegre 01. 02.1935. p. 03
157
Jornal Espírita Ano: XVIII nº05 e 06 Porto Alegre 16. 03.1936. p. 06
158
Jornal Espírita Ano: XXVII nº24 Porto Alegre 16. 12.1935. p. 03
159
Jornal Espírita Ano: XVIII nº005 e 06 Porto Alegre 16. 03.1936. p. 04
160
Jornal Espírita Ano: XXI nº13 Porto Alegre 01. 07.1939. p. 03
161
Anais da Sociedade Espírita Allan Kardec. Cinqüentenário de sua fundação 1894-1944. Porto Alegre: Liv.
Continente, s/data. P.26 e 27
162
DIAS, José Roberto de Lima. A Evolução: um instrumento cultural da imprensa espírita no final do século
XIX em Rio Grande. Monografia de Especialização defendida na FURG, 2003. p. 34
163
A Revista A Reencarnação Ano: XXXVII Porto Alegre dezembro de 1971. p. 08 e 09
164
Jornal Espírita Ano: XX nº18 Porto Alegre 16. 09.1938. p. 01
47
Segue a notícia de sua morte informando que deixa vários filhos e genros, entre eles,
Dorval Vianna Correia da Silva, sócio da Livraria do Globo, e o Dr. José Fagundes de
Oliveira Freitas, professor da Faculdade de Direito.
Israel C. da Silva foi, ainda, membro efetivo da Comissão de organização dos estatutos
da Federação Espírita do Estado (Fergs), e do I Congresso Espírita do Rio Grande do Sul,
realizado em fevereiro de 1921, ao final do qual foi criada a própria Fergs. 165
Importa-nos mencionar um último grupo de articulistas que tratam da questão da
ciência e o espiritismo. 166
Referimo-nos em primeiro lugar a Lourenço Picó, sobre o qual existem poucas
referências, mas que trata do tema em vários e longos artigos, e a quem as obras de cunho
histórico referem-se como escritor de fôlego e pensador ilustrado.167
Seguem: Artur Lins de Vasconcelos Lopes, membro da Caravana da Fraternidade em
1950, responsável por percorrer o país lançando os fundamentos da estrutura federativa
nacional, proposta pelo Pacto Áureo que, em 1949, uniu os espíritas de todo país sob o
comando da Federação Espírita Brasileira. 168Alcinda Taborda Garcia, professora e
evangelizadora espírita.169 Ildefonso da Silva Dias, presidente da Fergs em 1923, e de 1933 a
1936, nascido em Porto Alegre, em 1880, e engenheiro civil de profissão. 170, membro do I
Congresso Espírita do Estado, em fevereiro de 1921. Frederico Augusto Gomes da Silva,
membro do I Congresso Espírita do Estado. E, encerrando esta lista, Pedro Camargo
(Vinícius).171
Outros tantos articulistas poderiam ser citados, embora não façam parte do grupo de
articulistas que tiveram seus artigos selecionados para o nosso estudo. Mas a partir dos quais
se depreende a inserção social do espiritismo. Dentre eles, destacamos Egydio Hervé,172
165
A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971. p.99
166
Esclareço que estes articulistas não escrevem somente sobre a questão da ciência; comumente abordam outras
questões relacionadas ao espiritismo. Refiro-me aqui aos artigos, alvos desta pesquisa, que tratam direta ou
indiretamente da relação espiritismo e ciência.
167
Anais da Sociedade Espírita Allan Kardec. Cinqüentenário de sua fundação 1894-1944. Porto Alegre: Liv.
Continente, s/data. P.26 e 27
168
A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971. p.47
169
A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971. p.08 e 09
170
A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971. p.09 e 101
171
Pedro Camargo, utilizava o pseudônimo de Vinícius, nasceu em Piracicaba no Estado de São Paulo em 1878.
Exerceu por vários anos a profissão de comerciante. No meio espírita ficou conhecido como grande orador, e
escritor conceituado, tendo várias obras editadas pelas FEB. Além de continuo articulista do Reformador (órgão
de divulgação da FEB). Faleceu em outubro de 1966. In: WANTUIL, Zeus. Grandes Espíritas do Brasil. Rio de
Janeiro:FEB, 1943. p. 603
172
A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971. p.08
48
173
Anais da Sociedade Espírita Allan Kardec. Cinqüentenário de sua fundação 1894-1944. Porto Alegre: Liv.
Continente, s/data. P. 08
174
Revista A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971. p. 09
175
Angel Aguarod Torrero escreveu para Revista El Espiritismo. Organo de Asociación de Estúdios
Psicológicos Dios y Progresso. Diretor: A. Lozano Administrador: A. Barreto
176
Jornal Espírita Ano: XVI nº21 e 22 Porto Alegre 16. 11.1932. p. 04
177
A Reencarnação Ano: XXXVIII Porto Alegre Dezembro de 1971. p. 11
178
A Revue Spirite é a revista criada por Allan Kardec em 1858 na França. Primeira publicação sobre o
espiritismo, a revista circula até os dias de hoje.
179
Jornal Espírita Ano: XIV nº15, 23 e 24 Porto Alegre 01.08.1932 e 16,12,1932. p. 03
180
Revista A Reencarnação Ano: IX nº 08 Porto Alegre Maio de 1943. p. 08
49
181
Para os espíritas a Terceira Revelação designa o espiritismo. A primeira fora dada por Moises e a segunda
através do Cristo.
182
Revista A Reencarnação Ano: IX nº 08 Porto Alegre Maio de 1943. p. 08
183
Revista A Reencarnação Ano: IX nº 08 Porto Alegre Maio de 1943. p. 08
184
DIAS, José Roberto de Lima. A Evolução: um instrumento cultural da imprensa espírita no final do século
XIX em Rio Grande. Monografia de Especialização defendida na FURG, 2003. p.63
185
Na campanha para a arrecadação pedia-se, entre outros produtos, o envio de leite condensado para as
crianças.
186
Jornal Espírita Ano: XXI nº05 Porto Alegre 01. 03.1939. p. 01
187
Jornal Espírita Ano: XVIII nº24 Porto Alegre 16. 12.1936. p. 03
188
Amália Domingos Sóler nasceu em 10.12.1835 em Sevilha na Espanha. Grande escritora espírita, publicou
cerca de 1286 artigos em diversas revistas e jornais, na Espanha e no exterior. Chegou a colaborar com revistas
espíritas em Montevidéu e Buenos Aires. Faleceu em 29 de abril de 1909. Disponível em
www.panoramaespirita.com.br último acesso em 12.05.2008.
189
Jornal Espírita Ano: XXI nº18 Porto Alegre 16. 11.1932 p.01 e nº 19 01.10.1939 p. 01 O Congresso foi
realizado no Rio de Janeiro de 15 a 25 de novembro de 1939. Presidente efetivo: Sr. Deolindo Amorim,
Presidente de Honra: Dr. Leôncio Correia (membro da Academia Carioca de Letras e Presidente da Liga Espírita
do Brasil). A liga foi à entidade responsável pela realização do Congresso.
190
Revista A Reencarnação, Porto Alegre, dezembro de 1971, Ano: XXXVIII, p. 29. A Federação Espírita
Brasileira (FEB) foi fundada em 1884. Criada como resultado das discussões de um grupo de espíritas que se
50
Este congresso estabeleceu uma série de resoluções, entre elas, por unanimidade, a de
afirmar os espíritas como patriotas, organizar uma associação de jornalistas e escritores
espíritas, afirmar seu caráter idôneo, afirmar que o espiritismo não colide com a prática
médica e incentivar a divulgação (inclusive com a criação de escolas espíritas).
Eis alguns trechos das resoluções do Congresso:
reuniam desde 1883, na sede do jornal O Reformador, dirigido por Augusto Elias da Silva. Entre os objetivos da
FEB, expressos pelo O Reformador, seu órgão oficial, estavam o de difundir o Espiritismo principalmente pela
imprensa e pelo livro.
191
Jornal Espírita Ano: XXII nº13 e 14 Porto Alegre 16. 07.1940. p. 04
192
Jornal Espírita Ano: XXII nº13 e 14 Porto Alegre 16. 07.1940. p. 04
51
193
MORAES, Roque. Análise de Conteúdo. In: Revista Educação, nº 37. Porto Alegre: 1999. p. 10.
194
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Edições 70: Porto Alegre, 1977.
195
RAMOS, Maurivam Guntzel. Análise de Conteúdo e Análise de Discurso: Comparando Concepções e
Procedimentos. Mimeo, s/d.
52
Cabe salientar que respeitando esta estrutura da AC, existe uma grande diversidade de
aplicação do método. Na nossa pesquisa procuraremos utilizá-la para compreender a visão do
Jornal Espírita, a partir dos editoriais e dos artigos, sobre a ciência e suas relações com o
Espiritismo.
A leitura de cada uma das edições do Jornal Espírita tem por base que ele enquadra-se
como gênero jornalístico opinativo, onde o articulista funciona como difusor de opiniões “seja
as opiniões próprias, seja as que lê, ouve ou vê.(...) Atuando como conselheiro, como
formador de opinião.”198
Sobre este gênero jornalístico Melo afirma que a informação diz respeito a saber o que
se passa, e a opinião é saber o que se pensa sobre o que se passa. E mais, os gêneros que se
agrupam na área de opinião assumem duas feições: autoria (quem emite a opinião) e
angulagem (perspectiva temporal ou espacial que dá sentido á opinião).
196
CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Pesquisa Histórica e Análise de Conteúdo. Pertinências e
Possibilidades.In: Revista de Estudos Ibero-Americanos, V. XXVIII, n.1. EDIPUCRS: Porto Alegre, 2002. p.191
197
CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Op. Cit. p.192
198
MELO, José Marques de. Opinião no jornalismo brasileiro. Porto Alegre: Ed. Vozes, 1985 p.18
53
Tendo por base esta definição o autor propõe quatro categorias (gêneros narrativos)
para classificação do jornalismo opinativo: editorial, comentário, artigo e resenha. 199
Nesta dissertação trabalhamos com dois destes gêneros narrativos. O editorial que
“expressa a opinião oficial da empresa diante dos fatos de maior repercussão no momento.” 200
E que nas “organizações de porte médio ou nas pequenas empresas, traz a opinião do dono do
jornal (proprietário).”201
Este gênero possui quatro características básicas: a impessoalidade, a topicalidade
(tema bem delimitado), a condensabilidade (maior ênfase nas afirmações) e a plasticidade
(flexibilidade, maleabilidade).202
O segundo gênero que selecionamos é o artigo. A definição de artigo, a despeito das
divergências sobre seu entendimento, obedece à concepção de “uma matéria jornalística onde
alguém (jornalista ou não) desenvolve a idéia e apresenta uma opinião.” 203
Este gênero é ainda caracterizado por dois elementos, a atualidade e a opinião. E a
opinião emitida no artigo “vincula-se á assinatura do autor; o leitor a procura exatamente para
saber como o articulista, pensa e reage diante da cena atual”. 204
Quanto à finalidade, o artigo pode ser doutrinário ou cientifico. O primeiro “se destina
a analisar uma questão da atualidade, sugerindo ao público uma determinada maneira de vê-la
ou de divulgá-la”.205
E assevera: “É uma matéria através da qual o articulista participa da vida da sua
sociedade, denotando a sua condição de intelectual compromissado como o presente.” 206 Já o
artigo científico é aquele que “destina-se a tornar público o avanço da ciência, repartindo com
os leitores novos conhecimentos, novos conceitos.”207
Melo destaca ainda que no artigo o estilo é do articulista, é que “sendo uma
colaboração espontânea ou solicitação nem sempre remunerada, o artigo confere liberdade
completa ao seu autor. E esclarece que trata-se de liberdade em relação ao tema, ao juízo de
208
valor emitido, e também em relação ao modo de expressão verbal.” Referindo-se,
especificamente, ao jornalismo brasileiro, o autor considera que este tipo de gênero narrativo
199
Op. Cit p. 47,48
200
Op. Cit. p.48
201
Op. Cit. p.48
202
Op. Cit. p.82
203
Op. Cit. p.92
204
Op. Cit. p.93
205
Op. Cit. p.93
206
Op. Cit. p.93
207
Op. Cit. p.93
208
Op. Cit. p.94
54
tanto pode ser de competência de um jornalista (pertencente aos quadros do jornal), quanto
“um colaborador – escritor, professor, pesquisador, político, profissional liberal – convidado a
escrever sobre o assunto da sua competência.” E que no passado o espaço aberto era maior
para colaboração de intelectuais.209
Feitos estes esclarecimentos sobre o gênero ao qual pertence o Jornal Espírita,
partiremos para aplicação da AC aos artigos e editoriais que formaram nosso corpus
documental. Não sem antes reafirmamos que na nossa análise sobre a ciência e espiritismo
trabalharemos com um único jornal, o Jornal Espírita, especificamente a década de 1930.
Deste período restaram do jornal no acervo da Federação Espírita do Rio Grande do
Sul (Fergs) somente os números dos anos de 1931, 32, 33, 35, 36, 38, 39 e 40.210 E ainda
assim incompletos, com anos onde existem quase todas as edições e anos com poucos
números. No entanto, apesar disto a amostra é representativa do pensamento dos espíritas
sobre a ciência e suas relações com o Espiritismo, pois contem inúmeros artigos e editoriais
que tratam direta ou indiretamente do tema.
Para o ano de 1931 restaram 7 edições211, para o ano de 1932 existem 20 edições, 1933
existem 15 edições, 1935 existem 20 edições, 1936 existem 21, 1938 existem 20 edições,
1939 existem 22, e para o ano de 1940 ainda existem 18 números do Jornal Espírita no acervo
da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (Fergs). Totalizando 144 edições para os anos
entre 1931 a 1940.
Para nossa análise utilizaremos somente os artigos e editoriais que tratavam da
questão da cientificidade do espiritismo, mesmo que estes estivessem no corpo do texto, haja
vista que muitas vezes o título não fazia menção direta ao tema. Por esta razão optamos
algumas vezes em não transcrever o artigo e o editorial completo, mas partes ou parágrafos
dos mesmos, mas que não comprometem o sentido dado na argumentação dos articulistas.
Reafirmamos que neste processo não consideramos os textos ou artigos transcritos de outros
jornais e publicações, bem como as notas ou notícias que compunham a seção intitulada
diversas.
Num total de 144 números do Jornal Espírita pesquisados, apontados acima,
recolhemos apenas aqueles artigos e editoriais que se referem à questão da ciência,
totalizando 72. Deste total, 56 eram artigos e 16 compunham editoriais.
209
Op. Cit. p.95,97
210
Não foram encontrados números do Jornal Espírita em outras Casas ou Sociedades Espíritas de Porto Alegre,
nem mesmo em arquivos públicos como o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
211
O Jornal Espírita possui uma periodicidade quinzenal, de modo que circulam em um ano geralmente 24
edições.
55
Tabela 2
212
Referimo-nos ao O Livro dos Espíritos (1857), O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho Segundo o
Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo (1865) e A gênese, os
Milagres e as Predições (1868) e a Revista Espírita (1858)
57
O Espiritismo é a nova ciência que vem revelar aos homens, por provas,
irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual, e suas relações
com o mundo corporal; ele no-lo mostra, não mais como uma coisa
sobrenatural, mas, ao contrário, como uma das forças vivas e
incessantemente ativas da Natureza, como a fonte de uma multidão de
fenômenos incompreendidos, até então atirados, por esta razão, ao domínio
do fantástico e do maravilhoso. 213
E outra que Allan Kardec escreve, ainda, sobre as limitações da ciência materialista e a
singularidade da ciência espírita.
213
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo O Espiritismo. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1996. p. 36
214
Op. Cit. p. 37
215
Segundo Charles Richet “a matapsíquica é uma ciência que tem por objeto a produção de fenômenos,
mecânicos ou psicológicos, devidos a forças que parecem serem inteligentes ou a poderes desconhecidos,
latentes na inteligência humana.” In: RICHET, Charles. Tratado de Metapsíquica, Vol. I. São Paulo: Lake,
s/data.
58
GRÁFICO 1
Espiritismo
como crítica a
ciência
Espiritismo
identificado
com a ciência
GRÁFICO 2
O Espiritismo
eo
materialismo
O Espiritismo
e o ataque aos
cientistas
GRÁFICO 3
Parapsicologi
ae
m etapsíquica
Ciência
Singular
Herdeiro da
tradição
científica
Contudo a aplicação da AC nesta dissertação tem por fim identificar como era tratada
a questão da relação entre ciência e espiritismo a partir dos artigos e editoriais do Jornal
Espírita. A sua singularidade não está em dizer se o jornal é favorável ou não a determinada
questão política ou social. Ou qual a posição do Jornal Espírita sobre a ciência, se é
favorável ou não aos conhecimentos científicos. Tendo em vista que se trata de um jornal
engajado, no qual a priori pela própria definição do Espiritismo dada por Allan Kardec, ele é
uma ciência, esta questão estaria de pronto respondida. Como veremos adiante a questão é
mais complexa, e AC é o ponto de partida para uma análise mais vertical da questão, que
envolve como os espíritas se viam em relação à ciência, como viam os outros grupos
pretensamente científicos, como viam os grupos ligados à ciência oficial; quais eram enfim no
60
período de análise do Jornal Espírita, os argumentos dos articulistas através dos quais
procuravam reafirmar a representação do Espiritismo como uma ciência.
Por ora, neste capítulo, além do que expusemos sobre aplicação da análise de
conteúdo, procuraremos resumir o que caracteriza cada uma destas formas de entrada no tema
(categorias e sub-categoriais), que nomeiam os capítulos e sub-capítulos desta dissertação.
Este resumo sintetiza os argumentos dos quais se servem os espíritas para tratar do tema.
A primeira grande categoria é intitulada O Espiritismo como crítica a ciência, que da
título ao segundo capítulo, está dividida em O Espiritismo e o materialismo e O Espiritismo e
o ataque aos cientistas.
A primeira destaca o materialismo como fruto do contexto racional e científico. Como
uma reação ao domínio do dogmatismo religioso. Aponta que ele é um excesso cometido em
nome da ciência, que livre das amarras da religião nega qualquer fato considerado fora do seu
campo de análise, desvinculando-se de qualquer especulação de caráter transcendental e
religioso. A critica é dirigida a ciência, principalmente a este “feito colateral”, da postura
cientifica: o materialismo. O espiritismo apresenta-se então como uma forma de reparar este
efeito conciliando ciência e fé.
A outra subcategoria que denominamos de O Espiritismo e o ataque aos cientistas.
Nela destacamos que os espíritas apesar de se declararem adeptos dos postulados científicos
não são aceitos por grande parte da comunidade científica e pela ciência oficial. São por eles
taxados, muitas vezes, de alucinados e de aplicarem o método científico a fatos e fenômenos
fora do campo de investigação da ciência, ou seja, aos fenômenos metafísicos.
Esta negativa em aceitar o descrédito da ciência oficial a investigação dos fenômenos
espíritas, fez, ainda, que os articulistas do jornal buscassem historiar as dificuldades que os
cientistas tiveram em aceitar novos fatos, que passado algum tempo, acabaram por serem
incorporados como verdades científicas. A critica é dirigida àqueles cientistas que por
diversas razões não atribuem crédito as investigações espíritas. Esta divisão entre cientistas
abertos a investigação destes fenômenos e os que as rejeitam a priori estes fatos, e
constantemente abordada pelos espíritas. Utilizando-se, inclusive, da divulgação dos nomes
de renomados cientistas, como o astrônomo francês Camilo Flamarion e o inglês Willian
Crockes.216
216
Evolucion. Revista de Espiritismo Laico. 1979 Ano XI nº 66 p. 03 Camillo Flamarion (1842-1925),
astrônomo francês, desenvolveu ampla pesquisa sobre a paranormalidade, e Willian Crookes (1832-1919) físico
e químico inglês, descobridor de um novo elemento químico o Tálio.
61
O corte vertical que iremos fazer nos capítulos seguintes segue a orientação obtida
neste levantamento feito através da aplicação da Análise de Conteúdo (AC), através da qual
buscamos identificar como era tratada a questão da ciência entre os articulistas do Jornal
Espírita. Por meio dela confirmamos a idéia estabelecida a priori de que os intelectuais
espíritas que escreviam para o jornal reproduziam concepção de ciência e os argumentos
colocados por Allan Kardec, nas tendências sobre a singularidade da ciência espírita e a
crítica ao materialismo. Outros dados também surgiram deste levantamento, como as
semelhanças entre o Espiritismo a metapsíquica e a parapsicologia. Todos merecerão um
aprofundamento de análise a partir destas linhas gerais que caracterizam cada uma destas
categorias e subcategorias identificadas, onde pretendemos associar a partir dos artigos e
editoriais o contexto e os estudos sobre o tema.
63
CAPÍTULO II
217
Sobre estas questões consultar KARDEC, Allan. A gênese, os Milagres e as Predições (1868). Brasília: FEB,
1985. e KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo (1865). Na primeira
obra Kardec, entre outros assuntos, trata da formação do planeta e do surgimento das espécies em sintonia com
os conhecimentos científicos do século XIX. Na segunda procura demonstrar que são insustentáveis as idéias de
céu e inferno apregoadas pela igreja, refutando principalmente a questão das penas eternas. Apresenta a justiça
divina sob um ângulo mais racional, onde o céu e o inferno surgem ligados aos estados de consciência.
218
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos (185). São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1985. p.312 e 401
64
limitações ao criticar um assunto sobre o qual não tem domínio, justamente por fazer um juízo
antes de estudar a fundo a questão:
Antes, porém, de tratarmos a partir dos artigos e editoriais do Jornal Espírita estas
questões, é necessário que recuperemos algumas distinções e descrevamos a trajetória do
Espiritismo no Brasil. Procurando minimamente situar o leitor em uma trajetória histórica que
permita compreender o que foi o Neo-espirtitualismo, suas diferenças com a doutrina espírita
e o contexto histórico do espiritismo no século XIX, fundamental para entendermos a
continuidade de alguns argumentos. Para na seqüência explorarmos os argumentos utilizados
pelos articulistas, que invariavelmente remetem ao contexto histórico e que também podem
ser associados às abordagens acadêmicas sobre o Espiritismo.
219
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1998. p.55 Kardec neste livro estabelece um
recurso didático para o melhor entendimento das críticas sofridas pelo espiritismo. São dois diálogos, o primeiro
do qual extraímos este trecho é travado com o crítico, o segundo com o céptico.
220
DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. São Paulo: Editora Pensamento, s/data. Notabilizou-se este
autor não pelos seus estudos sobre o Espiritismo ou por sua conversão a nova doutrina dos espíritos, mas como
autor da personagem renomado mundialmente, o investigador Sherlock Homes.
65
221
Allan Kardec fez referencia a arte ou ciência fisiognomônica em artigos da Revue Spirit de 1860: “Esta
ciência é baseada no principio incontestável de que é o pensamento que põe os órgãos em jogo, que imprime aos
músculos certos movimentos. Daí se segue que, estudando as relações entre os movimentos aparentes e o
pensamento, dos movimentos vistos poderemos deduzir o pensamento, que não vemos. (...) A forma exterior se
modifica, assim, pelas impressões da alma, de onde se segue que, dessa forma, algumas vezes se podem deduzir
essas impressões, como do gosto podemos deduzir o pensamento. Tal é o princípio geral da arte ou, se se quiser,
da ciência fisiognomônica.” In: KARDEC, Allan. Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos. Ano III,
1860, Rio de Janeiro: FEB, 2004. p.301.
222
SILVA, Eliane Moura. O Espiritualismo no Século XIX: Reflexões teóricas e históricas sobre correntes
culturais e religiosidade Campinas: Textos Didáticos, IFCH, Unicamp, nº 27 maio de 1997. p. 15 e 16
223
Entre as inúmeras obras científicas e teológicas de Emmanuel Swedenborg destaca-se Arcanos Celestes na
qual traz relatos de suas diversas experiências espirituais. Disponível em:
www.swedenborg.com.br/sweden/obras.htm. Outras obras poderiam, ainda ser citadas O Mundo dos Espíritos,
Divina Providência e O Céu e as suas maravilhas e o Inferno, todas elas importantes para compreender o
pensamento de Swedenborg e disponíveis para consulta no acervo da Federação Espírita do Rio Grande do Sul
(Fergs).
224
Op. Cit. p. 10, 11 e 15. O nome de Swendenborg, reunido aos de São João Evangelista, Santo Agostinho, São
Vicente de Paulo, O Espírito de Verdade, Sócrates, Platão, Fénelon e Franklin, também aparece nos
prolegômenos de O Livro dos Espíritos, como parte de uma equipe de espíritos que teriam respondido as
perguntas formuladas por Allan Kardec sobre a natureza, origem e destino dos espíritos. Ver: KARDEC, Allan.
O Livro dos Espíritos. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1985. p.42
66
Fox, Margarteh e Kate, realizaram algumas experiência, repetindo as pancadas que ouviam, e
provocando pancadas que também eram repetidas. Não demorou muito para que um código
de comunicação fosse estabelecido com este autor “desconhecido”, e para que ele revelasse
que não pertencia ao mundo dos vivos. Por este meio de comunicação precário as irmãs
descobrem que o autor dos raps tinha sido morto e enterrado nesta casa que agora era ocupada
pela família Fox, fato que anos depois foi confirmado. Mais do que um simples episódio de
origem sobrenatural, estes acontecimentos com a família Fox, abriram um campo de
investigação sobre estes fenômenos, onde os raps eram uma espécie de código Morse, entre
dois mundos, o mundo espiritual e o mundo material, entre os vivos e os mortos. Poucos anos
depois estas investigações levaram a realização do I Congresso Espírita nos Estados Unidos
ocorrido em Cleveland, Ohio, em 1852.225
A partir destes fenômenos ocorridos com as irmãs Fox, diversos outros análogos
começaram a ser pesquisados também na Europa. Estas investigações e a estruturação de um
campo de estudos sobre os fenômenos paranormais foram então incentivadas por publicações
sobre o tema, viagens de pesquisadores e de médiuns americanos para vários países Europeus.
Estas publicações226 que circulam de um continente ao outro e o contato dos
pesquisadores e teóricos americanos - como o juiz e ex-senador americano John W. Edmund e
o jornalista Epes Sargent (1813-1880) – com a Europa, incentivaram o desenvolvimento das
pesquisas e estudos sobre o tema. 227 Pesquisas que, assim, como nos Estados Unidos vão ser
realizadas por membros de uma elite intelectual e científica, como veremos adiante.
Durante todo o século XIX, na Europa e na América do Norte, foram fundadas
Sociedades de Estudos Psíquicos e Metapsíquicos para a investigação destes fenômenos
225
MACHADO, Ubiratan. Os intelectuais e o Espiritismo: de Castro Alves a Machado de Assis. Niterói:
Publicações Lachatrê, 1996. p 45, 46 e 47 e DAMAZIO, Sylvia F. Da elite ao povo: advento e expansão do
Espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p. 23
226
Em artigo intitulado: Primórdios da Imprensa Espiritualista e Espírita publicado no jornal Mundo Espírita,
Curitiba, julho de 1988, p.9 encontramos uma lista de jornais e revistas americanos extraídos da obra de Frank
Podmore Médiuns do Século XIX( a qual infelizmente não tivemos acesso). Entre eles destacamos Spiritual
Philosopher, publicado em Boston, em 1850, onde se faz referência aos acontecimentos com a família Fox, o
jornal Spirit Messenger, editado em Massachusetts, em 1850, a revista Heat and Lux, editada em Boston,em
1851, e o The Spiritual Telegraph editado em Nova York, em 1853. Todos estes jornais e revistas ligados ao
Spiritualism anglo-saxão, ou seja, ligados àquilo que se denomina de Neo-espiritualismo ou Moderno
Espiritualismo, onde o fenômeno mediúnico assume em geral maior importância do que as questões morais e
religiosas. Allan Kardec na edição do primeiro número da Revue Spirite, de janeiro de 1858, comenta sobre a
escassez de publicações na França: “Admiram-se de na América, enquanto só os Estados Unidos possuem 17
jornais consagrados ao assunto[fenômeno mediúnico], sem contar um número de escritos não periódicos, a
França, o país da Europa onde mais rapidamente as idéias se aclimataram, não possui nenhum.” In: KARDEC,
Allan. Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos Ano I, 1858, Rio de Janeiro: FEB, 2004. p 21
227
SILVA, Eliane Moura. O Espiritualismo no Século XIX: Reflexões teóricas e históricas sobre correntes
culturais e religiosidade. Campinas: Textos Didáticos, IFCH, Unicamp, nº 27 maio de 1997. p.25 Eliana Silva
destaca que Epes Sargent, autor de The Scientific Basis of Spiritualism (publicado pela Federação Espírita
Brasileira) freqüentava círculos de intelectuais que incluíram Edgar Allan Poe.
67
espirituais. 228 Entre estas Sociedades podemos citar a Society for Psychical Research, fundada
na Inglaterra, e dedicada ao estudo dos fenômenos relacionados à Metapsíquica e a
Parapsicologia, O Instituto Metapsíquico Internacional, na França, e a Sociedade Dialéctica
de Londres, que segundo o jornal a Evolucion era uma
Paralelamente às atividades destas sociedades que reuniram entre seus membros vários
conceituados membros da comunidade científica, outras iniciativas foram levadas a cabo por
renomados cientistas europeus, como resultado de interesses de pesquisas particulares ou
acadêmicos. Provavelmente William Crookes (1832-1903), cientista inglês, que se dedicou a
estudar os fenômenos espíritas obtidos através da médium Miss Florence Cook, seja o maior,
ou pelo menos o que teve maior impacto e repercussão na comunidade científica.
Além de Crookes podemos citar outros cientistas como Johan Karl Zollner (1834-
1882), cientista alemão, físico e professor universitário na Inglaterra e Irlanda, conhecido por
investigar os fenômenos ocorridos na presença de Mme D’Esperance 230, Camillo Flamarion
(1842-1925), astrônomo francês, desenvolveu ampla pesquisa sobre a paranormalidade,
utilizando-se de vários médiuns. Cesare Lombroso (1836-1909), criminologista, que
popularizou suas pesquisas com a médium Eusapia Paladino, Alexandre Aksakoff (1832 –
1903) filósofo e cientista russo, que investigou e pesquisou vários médiuns, Oliver Lodge
(1851 – 1940), físico inglês, que investigou os fenômenos que ocorriam com Eusapia
Paladino e Eleanor Piper, dentre inúmeros outros cientistas europeus e americanos.231 E
também Allan Kardec, que por sua biografia pode ser considerado um homem de ciências e
um intelectual, desenvolveu pesquisas e estudos com vários médiuns. Kardec escreve sobre
228
Dentre estes fenômenos espirituais podemos incluir as pancadas (raps), as mesas girantes, a escrita direta, o
transporte de objetos, as materializações, as previsões, dentre inúmeras outros.
229
Evolucion. Revista de Espiritismo Laico. Ano: XI nº 66 Venezuela, 1979. p. 3 a 6.
230
Madame d’ Esperance ou Mrs. Hope era de origem inglesa, nasceu em 1849 e faleceu em 1918. Ficou
conhecida em toda Europa, notadamente pelas faculdades mediúnicas que incluíam materializações de espíritos.
Participou de diversas experiências com vários cientistas em todo o continente. Escreveu sobre suas faculdades
mediúnicas o livro Shadow Land ( Região das Sombras). In: DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo.
São Paulo: Editora Pensamento, s/data p. 292 a 298
231
Evolucion. Revista de Espiritismo Laico. Ano: XI nº 66 Venezuela, 1979. p. 3 a 6.
68
um deles na Revue Spirit. Trata-se do médium Daniel Douglas Home 232, muito conhecido na
Europa e estudado por vários pesquisadores. No primeiro número da Revista Espírita afirma
tê-lo conhecido e ficado impressionado com suas capacidades. 233
Na seção sobre o Espiritismo e o ataque aos cientistas, iremos tratar melhor dos
episódios envolvendo William Crookes, e outros cientistas europeus. Podemos, no entanto
adiantar, que Crookes, não se enquadra no perfil dos cientistas que são alvo das críticas dos
articulistas do Jornal Espírita. Ele e outros são evocados para legitimar e confirmar as teorias
espíritas, de comunicação e sobrevivência dos mortos. A crítica dos articulistas é dirigida não
às exceções, mas à maioria da comunidade cientifica ou do campo científico que define a
ciência oficial. 234
Eliane Moura Silva situa-os num contexto histórico marcado por uma série de
inovações no campo da tecnologia, expressos pela utilização da eletricidade, pelo uso de
novos meios de comunicação, pelos avanços na indústria e nos meios de transporte,
patrocinadas pela física e pela química, dentre outras ciências.
E dentro de um quadro racional e científico, que ela insere as investigações em torno
do movimento espiritualista ou moderno espiritualismo.
232
Daniel Douglas Home nasceu em 1833 perto de Edimburgo, e faleceu em 1886. Ainda criança mudou-se para
os Estados Unidos, onde manifestou seus dotes psíquicos. Sua capacidade fora então investigada por professores
de Harvard, e por inúmeros intelectuais, dentre eles pelo Juiz Edmunds, da Suprema Corte de New York. Dos
Estados Unidos retornou a Europa para tratamento de saúde. Percorreu vários países, inclusive a França, onde
em Paris Kardec o conheceu, demonstrando suas capacidades, principalmente as da levitação: Tantos são os
casos de levitação de Home que facilmente seria escrito um longo artigo sobre este particular aspecto de sua
mediunidade. In: DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. São Paulo: Editora Pensamento, s/data. p.
169 - 186
233
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos. Ano: I nº 01, 1858, Rio de Janeiro: FEB,
2004. p. 99
234
As pesquisas realizadas por Willian Croocks e outros cientistas europeus sobre os fenômenos mediúnicos
usadas na argumentação pelos espíritas, mereceria uma pesquisa própria. Muitos deles acabaram por tornarem-se
espíritas, como César Lombroso (1832-1909), muito conhecido da antropologia criminal. E outros, que por se
dedicarem a estas pesquisas e não as refutarem formalmente, passaram a ocupar uma posição marginal no campo
cientifico, rompendo com as regras do campo do qual trata Pierre Bourdieu. Segundo Bourdieu o campo
científico é um espaço de jogo, de luta concorrencial. O que está em jogo são o monopólio da autoridade
científica, a capacidade técnica e poder social; capacidade de falar e de agir legitimamente. Ver BOURDIEU,
Pierre. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p. 123
69
235
SILVA, Eliane Moura. Reflexões Teóricas e Históricas sobre o Espiritualismo entre 1850-1930. São Paulo,
1997. Disponível em: WWW.unicamp.br/elmoura
236
LEWGOY, Bernardo. Representações de ciência e religião no espiritismo kardecista. Antigas e novas
configuraçãos. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 6, n. 2, jul-dez 2006 p. 157
237
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1998 p.50
70
2.1.2 O ESPIRITISMO
238
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1998. p.50
239
O termo espiritista acabou sendo superado pelo de espírita, designação pela qual são hoje conhecidos seus
adeptos no Brasil e no mundo.
240
INCONTRI, Dora. Pestalozzi e Kardec Quem mestre de quem? p. 20 e 21. In: Revista A Reencarnação, nº
428 Ano: LXXI 2004
71
Apliquei a essa nova ciência, como até então tinha feito, o método da
experimentação; nunca formulei teorias preconcebidas; observava
atentamente, comparava, deduzia as conseqüências; dos efeitos procurava
241
SAUSSE, Henri. Biografia de Allan Kardec. In: KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro:
Federação Espírita Brasileira, 1998. p.11
242
OLIVEIRA, Gládis Pedersen. Dois Expoentes da Educação no Século XIX. In: Revista A Reencarnação Ano:
LXXI, nº 428 2º semestre de 2004. p.42. Na biografia de Allan Kardec organizada por Zeus Wantuil encontra-se
a lista completa das obras publicadas por Hippolyte Léon Denizard Rivail: WANTUIL, Zeus, e THIESEN,
Francisco. Allan Kardec (Pesquisa Bibliográfica e Ensaios de Interpretação) Vol. II 2ª Ed. Rio de Janeiro: FEB,
1984.
243
“Toda a Europa ficou transtornada pela experiência de girar uma mesa (...) A partir do momento em que o
fenômeno se tornou uma coqueluche parisiense, estava com seu direito de ingresso assegurado em nossa
sociedade.” MACHADO, Ubiratam. Os Intelectuais e o Espiritismo – de Castro Alves a Machado de Assis.
Niterói: Publicações Lachâtre, 1996. p. 47 É nestes termos que Ubiratam Machado se refere as mesas girantes,
como uma “coqueluche” parisiense, dando a dimensão do interesse pelas experiências com as mesas que
falavam, um interesse, como ele afirma mais adiante, muito mais ligado as diversões salão do que a pesquisas
científicas. Para os freqüentadores dos salões realizaram a experiência das mesas girantes bastava um pequeno
grupo de pessoas se reunirem em torno de uma pequena mesa, apoiando levemente as mãos sobre ela e ao
mesmo tempo encostando os dedos mínimos no participante ao lado até fecharem o círculo. Isto feito
formulavam-se perguntas diversas, que a mesa respondia erguendo um dos pés e batendo em sinal de sim ou não,
ou mesmo levitando.
244
Sobre a questão do método utilizado por Allan Kardec é necessário uma série de observações, que remetem
ao Positivismo Comteano, e mais amplamente ao contexto racional e científico do século 19. Sobre esta questão,
que iremos desenvolver mais adiante, é pertinente a definição dada por Gabriel Delanne(1857-1926),
considerado um dos autores cuja obra é tida como complementar ao trabalho de Allan Kardec. Segundo
Dellanne no Espiritismo “não temos dogmas nem pontos de doutrina inabaláveis; fora das comunicações dos
mortos e da reencarnação, que são absolutamente demonstrados, admitimos todas as teorias que se ligam à
origem da alma e o seu futuro. Em uma palavra, somos positivistas espirituais, [grifo nosso] e que nos dá
incontestável superioridade sobre as outras filosofias, cujos adeptos estão encerrados em estreitos limites.” In:
DELANNE, Gabriel. O Espiritismo Perante a ciência. Tradução Carlos Imbassahy.Rio de Janeiro: FEB, 1939.
p. 202
72
remontar às causas pela dedução, pelo encadeamento lógico dos fatos, não
admitindo como válida uma explicação, senão quando ela podia resolver
todas as dificuldades em questão.245
Allan Kardec afirma no mesmo comentário, que não nas suas experimentações adota
uma postura positivista e não idealista, para que não fosse arrastado pelas ilusões. Uma
postura condizente com as adotadas pelos homens de ciência à época, hostis a explicações
mágicas e místicas.
Nestes três anos, desde os primeiros contatos com fenômenos mediúnicos, em 1854,
até 1857, ano da edição do Livro dos Espíritos, pelo editor Didier, Kardec participou de
inúmeras observações e experiências, com diversos médiuns, mais de dez, notadamente com
as médiuns Japhet ( ? ) e Ermance Defaux(1841- ?). Como resultado deste período de
observação e análise surgiu à primeira obra de Allan Kardec, que segundo ele “foi o resultado
da comparação e da fusão de todas [as] respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes
refeitas no silêncio da meditação, que formei a primeira edição de O Livro dos Espíritos, a
246
qual apareceu em 18 de abril de 1857.” Segue-se a esta publicação a fundação da
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas em 1º de abril de 1858, e a criação da Revista
Espírita, em janeiro de 1858, dirigida por Allan Kardec até março de 1869, ano de sua morte.
Entrava em cena no cenário religioso uma nova doutrina. Uma doutrina que surgiu
criando um novo vocábulo para designá-la, chamado espiritismo, através do qual procurava
precisar a sua definição. Para Kardec, o termo espiritualismo era bastante amplo, pois que
todas as crenças que acreditavam na sobrevivência da alma eram espiritualistas, já a nova
palavra espiritismo designava uma crença na realidade positiva da existência de espíritos e na
sua comunicação como o mundo visível. 247
A Doutrina Espírita trouxe um elemento novo para o panorama religioso Europeu,
apresentando-se como herdeira da cientificidade e do racionalismo 248, tendo como supostos
precursores Sócrates e Platão, que lhe antecederam e que apresentavam inúmeros pontos em
comum, como, por exemplo, a idéia da reencarnação. Apresentava-se também como doutrina
cristã, mas não envolta no fanatismo religioso e na fé cega – postura que identificavam na
Igreja Católica - mas construída, pretensamente, através dos métodos de investigação das
ciências, procurando dos efeitos remontar às causas, do fenômeno insólito das mesas girantes
245
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1998. 16
246
Op. Cit. p.19
247
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1985. p. 9
248
ISAIA, Artur César. A questão social nas obras da codificação espírita. In: Anais da XXIII da SBPH.
Curitiba, 2003. p. 371
73
249
MEDINA, Ceres de Carvalho. Reflexões sobre o Pensamento de Allan Kardec. Revista Nures (PUCSP), n.3
maio/set. 2006. p.5
74
Neste quadro sumário que construímos sobre o Espiritismo, Hippolyte Léon Denizard
Rivail ou, mais apropriadamente, Allan Kardec, é apresentado como um homem racional, que
codifica uma doutrina que se pretende uma ciência, o Espiritismo. Uma ciência com a
singularidade de propor uma aliança entre a ciência e religião, dotada de um método
supostamente baseado na “observação” e na “experimentação”, ambas as premissas de um
saber que se quer científico.
É fundamental que fixemos este panorama sobre o Espiritismo e sobre o próprio
Kardec, bem como as características do Neo-espiritualismo e seus objetos de investigação,
posto que muitas vezes nossos articulistas vão remeter a este contexto, recuperando, no todo
ou em parte, suas colocações. Relevante também para que possamos perceber as
continuidades e rupturas diante dos discursos posteriores.
Por fim, o perfil que traçamos de Kardec, as definições que recuperamos sobre o
Espiritismo e a trajetória do espiritualismo, e suas diferenças 251 com o Espiritismo são
importantes também para compreendermos sobre quais matrizes se desenvolveu o Espiritismo
no Brasil; e principalmente como estes conceitos e a conjuntura histórica do século 19 foram
expressos pelos articulistas do Jornal Espírita, em Porto Alegre.
250
MEDINA, Ceres de Carvalho. Op. Cit. p. 5
251
Na diferenciação que traçamos rapidamente entre Espiritualismo e Espiritismo apontamos o enfoque religioso
e moral do Espiritismo como traço fundamental desta distinção. O assunto poderia se prolongar e ser mais bem
desenvolvido, mas como este não é nosso objetivo, simplesmente indicamos resumidamente um ponto de
diferenciação. No entanto, indicamos Eliane Moura Silva para o desdobramento da discussão. A autora
referindo-se a este tema “entende que o espiritualismo revela-se de forma ampla e difundida, prolongando-se em
ciências agnósticas dos fenômenos espirituais, sem preocupações escatológicas e religiosas” Mais adiante em
nota, ao referir-se sobre o Espiritismo no Brasil, identifica uma clara tendência “do movimento espírita em não
considerar as diferenças teóricas, religiosas e filosóficas de movimentos espiritualistas diferentes.” Ver SILVA,
Eliane Moura. O Espiritualismo no Século XIX: Reflexões teóricas e históricas sobre correntes culturais e
religiosidade. Campinas: Textos Didáticos, IFCH, Unicamp, nº 27 maio de 1997.p. 23 e 26
75
trajetória, numa espécie de “histórico” sempre repetido sobre a Doutrina Espírita no País. É
comum tomarmos vários trabalhos históricos nos quais se repetem versões sobre o
desenvolvimento da Doutrina Espírita no Brasil. Muitos, é claro, se referem a questões
importantes para o entendimento dos sucessos e percalços da Doutrina Espírita no País, por
exemplo, a clássica diferença entre os espíritas científicos e os religiosos. Uma cisão
percebida desde a criação das primeiras instituições espíritas. Outros ainda identificam os dois
pólos irradiadores do Espiritismo no Brasil: Rio de Janeiro e a Bahia, e sua importância para a
difusão da doutrina. Mas em geral todos trazem lacunas sobre a participação de outros
Estados na história do Espiritismo no Brasil. É também óbvio que nem todos têm intenções
mais amplas, e de modo geral restringem-se ao principal palco do espiritismo que era o Rio de
Janeiro, antiga Corte e depois Capital Federal. A despeito da importância de outras cidades e
Estados, como, por exemplo, o Rio Grande do Sul que ocupava um papel importante na
252
difusão do Espiritismo no cenário nacional.
Segundo Angélica Boff,
Nossa intenção, a despeito das limitações e críticas apontadas sobre os trabalhos que
tratam da história do Espiritismo no Brasil, é reconstituir alguns destes marcos fundamentais,
para que sirvam de base para entendimento do contexto que precedeu aos articulistas do
Jornal Espírita, e que de alguma sorte eles foram herdeiros. Nosso objetivo é construir um
pano de fundo histórico, para identificarmos nos artigos e editoriais selecionados a recorrência
de temas e abordagens (como, por exemplo, a questão da divisão entre espíritas científicos e
místicos), e fundamentalmente, situarmos historicamente a abordagem os nossos articulistas,
atentos para as mudanças próprias do seu período, como as teorias da metapsíquica de Charles
Richet.
252
Refiro-me, mais especificamente, aos trabalhos de Ubiratam Machado, Sylvia Damazio e Emerson Giumbelli
indicados na bibliografia desta dissertação.
253
BOFF, Angélica Berch. Espiritismo, Alienismo e Medicina: Ciência ou Fé? Os saberes Publicados na
Imprensa Gaúcha da Década de 1920. Porto Alegre: Dissertação de Mestrado defendida na UFRGS, 2001.
p.184
76
254
Outros jornais surgidos na Europa nesta década de 1860 tinham nomes semelhantes, A Voz do além Túmulo
de Bordeaux. E em 1865, o L’Echo D’Outre-Tombe, publicado, em Marselha. In: Primórdios da Imprensa
Espiritualista e Espírita publicado no jornal Mundo Espírita, Curitiba, julho de 1988. p.09
255
MACHADO, Ubiratam. Os Intelectuais e o Espiritismo – de Castro Alves a Machado de Assis. Niterói:
Publicações Lachâtre, 1996. p. 87– 90.
77
256
DAMAZIO, Sylvia F. Da elite ao povo: advento e expansão do Espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p. 101 - 109
257
Um fato que merece uma investigação aprofundada é a participação dos militares no movimento espírita
brasileiro. Muitas vezes são os militares que ocuparam as presidências e cargos importantes nas sociedades
espíritas no século 19 e primeira metade do século 20. A começar pelo primeiro presidente da FEB, Raimundo
Ewerton Quadros, que ocupou os postos de Presidente do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro e Presidente da
Escola Naval, além da Presidência do Clube Militar, sendo seu sexto presidente. E reformado como Marechal em
78
Um ano depois da criação do jornal O Reformador, seu órgão oficial de divulgação até hoje.
No entanto, as divergências permanecem entre os científicos e religiosos, até a Presidência do
médico Adolfo Bezerra de Menezes em 1889, que imprimiu, a partir de então, uma postura
mais religiosa ao movimento espírita. Sobre esta divisão em posturas divergentes, que
marcou a criação destas primeiras sociedades espíritas, Sylvia Damazio, revela que ela era
mais complexa, do que a cisão entre científicos e religiosos. Pelo menos três correntes
poderiam ser identificadas. A científica, que privilegiava a parte experimental e as
experiências com os fenômenos físicos, a denominada de Espiritismo Puro que só aceitavam a
ciência e a sua doutrina filosófica, mas não o seu desdobramento religioso, e por último a
corrente mística, de orientação evangélica, que considerava toda obra de Allan Kardec.258
Quanto ao Rio Grande do Sul, mais especificamente em Porto Alegre, não existem
muitos trabalhos259 de cunho histórico acerca da trajetória do espiritismo. Não é possível
acompanhar, por exemplo, se ocorriam, na fundação das sociedades espíritas, as divergências
entre científicos e místicos, como acontecera no Rio de Janeiro. 260 Resta-nos, portanto,
identificar minimamente algumas datas, instituições e momentos desta história do Espiritismo
em Porto Alegre, que antecederam ou foram contemporâneas do Jornal Espírita de Paulo
Hecker.
Em Porto Alegre as primeiras sociedades espíritas foram fundadas no final do século
XIX e início do século XX. Trata-se da Sociedade Espírita Allan Kardec, fundada em 13 de
julho de 1894, e o Instituto Espírita Dias da Cruz, em 27 de fevereiro de 1907261, marcando o
início da institucionalização do movimento espírita na cidade. É provável que grupos espíritas
1895. É também de Ewerton Quadros a primeira tradução dos Quatro Evangelhos de Roustaing ( Jean Baptiste
Roustaing 1805-1879), em 1883, obra no qual se defendia, entre outras, a idéia que Jesus não tivera um corpo de
carne, mas um corpo fluídico. Quanto ao envolvimento de militares gaúchos no espiritismo, ele também é
bastante expressivo. Um exemplo, é participação do Gal. Pedro Michelena, Ex-Presidente da Federação Espírita
do Rio Grande do Sul de 1941 a 1947, que em 1937, durante o Estado Novo, procura um antigo colega de turma
o Cap. Felinto Muller para tratar da intervenção ocorrida na FEB. In: Revista A Reencarnação Ano: XXXVIII
Porto Alegre, dezembro de 1971. p. 19
258
DAMAZIO, Sylvia F. Da elite ao povo: advento e expansão do Espiritismo no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p.105 e GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos Mortos. Uma história da
Condenação e Legitimação do Espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p. 56-67.
259
Refiro-me a Angélica Bersch Boff, José Roberto de Lima Dias e a Sinuê Neckel Miguel, visto que procuram
resgatar o contexto histórico de difusão e expansão do Espiritismo no final do século 19 e primeiras décadas do
século XX, utilizando-se basicamente da imprensa espírita e da grande imprensa. Ver: BOFF, Angélica Berch.
Espiritismo, Alienismo e Medicina: Ciência ou Fé? Os saberes Publicados na Imprensa Gaúcha da Década de
1920. Porto Alegre: Dissertação de Mestrado defendida na UFRGS, 2001,. DIAS, José Roberto de Lima. A
Evolução: um instrumento cultural da imprensa espírita no final do século XIX em Rio Grande. Monografia de
Especialização defendida na FURG, 2003. e MIGUEL, Sinuê Neckel. A inserção do Espiritismo no Rio Grande
do Sul: Processo Identitário, institucionalização e legitimação (1890-1900) Monografia de Conclusão de Curso
defendida na UFRGS, 2006.
260
Acreditamos que elas transpareciam, por exemplo, nos artigos e nos editoriais do Jornal Espírita, como
vermos adiante.
261
Revista A Reencarnação. Ano XXVIII, dezembro de 1971. p.81
79
familiares tenham se reunido antes da criação destas sociedades, no entanto, acreditamos que
foi a partir delas que se articula um movimento organizado e articulado, pois ambas não
tardaram em lançar seus primeiros periódicos. A Revista Espírita, fundada em 04.09.1898,
por Joaquim Xavier Carneiro, um dos fundadores da Sociedade Espírita Allan Kardec, cuja
circulação ocorreu até 1905. E o jornal A Eternidade, em 1909, cujo responsável pela edição
era Oscar Breyer ligado ao Instituto Espírita Dias da Cruz. (vide Cap. I).
É importante destacar que do ano de criação da Sociedade Espírita Allan Kardec até o
final da década de 1930 foram fundadas inúmeras casas e sociedades espíritas na Capital,
aproximadamente 27 até 1940262, algumas delas editando seus próprios jornais ou revistas.
O movimento espírita parece neste momento experimentar um momento de divulgação
de suas concepções e princípios, fato corroborado pelas palestras públicas em cinemas e
teatros da capital, conforme apresentado no capítulo 1, onde procuramos construir um perfil
do Jornal Espírita, dos seus principais articulistas e retratar o contexto histórico. O próprio
Jornal Espírita confirma esta nossa percepção, pois nem mesmo esteve ligado a uma
sociedade espírita, e se propunha, através de um grupo de intelectuais espíritas, esclarecer o
público sobre o que seria o Espiritismo.
É exatamente este momento de divulgação e de tentativa de popularização do
Espiritismo que nos propomos a analisar. Não pretendemos realizar um trabalho que busque
compor ou reconstituir a trajetória do Espiritismo em Porto Alegre ou no Estado. Mas recortar
um período, trabalhar um jornal que reuniu grande parte dos intelectuais espíritas do período,
e mais especificamente, os editoriais e os artigos que tratam da face científica do Espiritismo.
Sem dúvida que ao fazermos isto estamos de alguma forma tentando preencher uma lacuna
histórica, ao mesmo tempo em que investigamos a leitura que fizeram este jornal e seus
articulistas do Espiritismo, e de suas relações com o saber científico. Proposta que
procuraremos desenvolver quando recuperarmos artigos ou trechos na continuidade deste
capítulo e no seguinte.
Um trabalho que revele a trajetória da doutrina Espírita, seus principais líderes, os
grupos envolvidos, suas relações com o Estado263 e com a sociedade – incluindo sua relação
com o clero local – a divergências internas do movimento, entre outros pontos, é em grande
medida um trabalho ainda por fazer. Sem dúvida, diálogos com a sociologia e a antropologia
262
Revista A Reencarnação. Ano XXVIII, dezembro de 1971. 03
263
Um trabalho bastante interessante é o desenvolvido por Sinuê Neckel Miguel sobre o Movimento Espírita e
sua busca pela unificação. Nele são analisados, entre outros assuntos, as relações que os espíritas estabelecem
com os representantes dos poderes estatais, muitas vezes reelaborando seu discurso diante de uma ação
coercitiva.Ver: MIGUEL, Sinuê Neckel. Espiritismo Unificado: Movimento espírita brasileiro e suas relações
com o estado (1937-1951). Monografia de conclusão de curso na UFRGS, 2007.
80
Por ora, acreditamos que estes marcos históricos da trajetória do Espiritismo, mesmo
que trazidos de modo bastante sucinto, servirão de base para entendermos em meio a que
contexto se deu a elaboração dos artigos do Jornal Espírita, que por vezes remetem a idéias e
concepção sobre as história do Espiritismo no século 19. Ele serve também para tenhamos
condições de perceber as continuidades e rupturas, traduzidas na incorporação de novos
argumentos ou na repetida referência aos conceitos e afirmações de Allan Kardec sobre o
tema ciência e Espiritismo.
Uma das questões recorrentes nos artigos e editoriais do Jornal Espírita foi o combate
ao materialismo. Cerca de 32,3% dos textos selecionados, na categoria O Espiritismo como
crítica a Ciência trazem argumentos que apontam para as limitações do pensamento
materialista. O próprio Allan Kardec como vimos, considerava esta questão como
fundamental, dado que o Espiritismo tinha como principal alvo o combate ao materialismo,
264
Jornal Correio do Povo, 13.06.1971, Ano: 76, nº210, p 48. Leandro Telles informa ainda, que Friedrich
Bieri faleceu em 17. 06.1924, e sepultado no Cemitério da Comunidade Evangélica de Porto Alegre.
81
cuja conseqüência mais inquietante era o ateísmo.265 No entanto, esta crítica não impediu
Allan Kardec e nem mesmo os articulistas de considerarem o positivismo como uma etapa do
pensamento humano, que sucedeu a do domínio das explicações teológicas, e que justamente
foi o positivismo que em parte foi o responsável pela rapidez da propagação do
Espiritismo.266
Buscaremos nesta seção da dissertação recuperar a atmosfera intelectual e teórica a
qual se referem os articulistas quando tratam do Espiritismo e relacionar esta discussão ao
contexto histórico no qual estavam inseridos. De imediato nos depararemos com um artigo
que entende o positivismo como uma das etapas do pensamento humano, e na seqüência com
outros, trazendo as limitações e re-apropriações da teoria positivista pelo Espiritismo.
O primeiro artigo escolhido para a análise é de autoria de Lourenço Picó, nele o autor
encadeia uma série de etapas do pensamento humano, partindo do cristianismo até o período
áureo do positivismo,
Neste texto percebemos que autor recupera uma série de momentos históricos pelos
quais passou o pensamento humano, para no final do artigo contrapor um período puramente
dogmático a outro, predominante, entre as elites intelectuais e as massas, marcado pelo
265
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1985. p. 401
266
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1998. p.74
82
267
Op. Cit. p. 17
268
Vide capítulo I desta dissertação quando elaboramos o perfil do Jornal Espírita e dos seus principais
articulistas.
269
Revista A Reencarnação, Porto Alegre, novembro de 1940, Ano: nº p. 07
270
Jornal Espírita Porto Alegre, 01.02.1933, Ano: XV nº 03 p. 02
83
Neste texto de Doleys o que se deveria combater eram tanto os excessos cometidos em
nome das explicações puramente teológicas, quantos aqueles que se fazia em nome da razão e
da ciência, uma ciência puramente materialista, que acabava por levar ao ateísmo. Podemos
perceber, ainda, que esta ênfase no aspecto científico, mais fenomenológico, da doutrina
espírita, leva o articulista a opor explicações puramente espirituais ao movimento neo-
espiritualista, e não ao espiritismo, que por sua feição mais religiosa, vai merecer críticas do
próprio articulista, como veremos adiante, quando abordarmos a crítica que foi dirigida a
ciência oficial.
Provavelmente a explicação para ênfase no papel da ciência, esteja no fato de que
ambos os articulistas, experimentam um período histórico marcado pela difusão de inúmeras
teorias científicas – da qual faz parte o próprio Espiritismo - no país. Teorias estas que
tiveram especial acolhida no Rio Grande do Sul, no final do século XIX e início do século
XX, com os governos de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, principalmente o
positivismo comteano, que assumiu lugar de destaque na organização do Estado.
A partir da Proclamação da República (1889), adota-se no Rio Grande do Sul um
modelo de administração pública inspirado no Positivismo e nas suas concepções sobre
progresso social e científico.
O PRR (Partido Republicano Rio-Grandense) foi um dos meios de difusão das idéias
comteanas no Estado, e foi dele que saíram Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros para
Presidência do Estado.
Júlio de Castilhos, líder do Partido até sua morte em 1903, era um ardoroso defensor
das idéias de Comte, e procurou seguir fielmente os seus preceitos sobre a organização do
Estado, traduzido defesa de um orçamento equilibrado, na ênfase no papel da educação e na
separação entre os poderes espirituais e temporais.
Castilhos e os demais positivistas adotaram concepções que visavam à defesa das
liberdades individuais, a condenação da escravidão, a educação elementar universal e a
intervenção do Estado para proteger os trabalhadores industriais. 271
As administrações de Castilhos e Borges remetem-nos ao um período marcado pela
circulação das idéias oriundas do positivismo, mas também por aquelas advindas do
naturalismo, do darwinismo social, do saint-simonismo,...o que constituiu um clima
271
RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. Castilhismo: uma filosofia da República - atualidade da doutrina de Julio de
Castilhos, no centenário da sua morte. In: AXT, Günter. Júlio de Castilhos e o paradoxo republicano. Porto
alegre: Nova Prova, 2005. Coleção Sujeito & Perspectiva, Vol. 1. p. 32
84
272
SCHIMIDT, Benito Bisso. O Deus do progresso: a difusão do cientificismo no movimento operário gaúcho
da I República. Revista Brasileira de História, vol. 21 nº 41 São Paulo, 2001. p. 02
273
INCONTRI, Dora. Personagens e lideranças espíritas do Brasil-Império ao Brasil-República. A recuperação
de um diálogo histórico, 2008. Disponível em: http://pedagogiaespirita.org.br/texto/13htm. p.02 e 03
274
A caracterização que Emerson Giumbelli faz da segunda metade do século XIX, recuperando as afirmações
de Maciel R. S. de Barros, quando este trata da ilustração brasileira, reforça o quadro que traçamos para este
período. O autor define-o como uma momento marcada por três correntes de pensamento no Brasil: uma
cientificista, assinalada pelo positivismo, darwinismo social e pelo evolucionismo, uma outra liberal, expressas
no republicanismo e no abolicionismo, e uma terceira de caráter conservador, que domina o pensamento
católico. Ver: GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos Mortos. Uma história da Condenação e Legitimação do
Espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p. 60
85
tornar-se espírita, e também no discurso dos articulistas do Jornal Espírita que, via de regra,
apresentava sinais destas matrizes teóricas nos artigos em que tratam da ciência e o
espiritismo.
No artigo A. D. Pratas a oposição entre o materialismo e o espiritualismo foi
novamente evocada por este articulista, tal qual haviam feito Lourenço Picó e Teodoro
Doleys,
A oposição serviu para demonstrar as limitações das duas perspectivas teóricas, tanto
do materialismo quanto do espiritualismo, frente ao Espiritismo que se apresentado como
obra de Deus, e que havia se fixado e se firmado, além de sua moral, no mundo pelo seu
positivismo científico. Na clara apropriação do método científico, mas não do ceticismo
oriundo do materialismo. Numa espécie de reinterpretação do cristianismo num contexto
racional e científico. O articulista deixa também transparecer no seu texto uma leitura mais
ampla das correntes teóricas do século XIX, que influenciaram Allan Kardec, e que são
recuperadas quando enfatiza a credibilidade e a chancela que o positivismo científico da à
doutrina espírita, reforçando o novo sentido que o Espiritismo se propõe, quando se apresenta
conhecimento baseado na experiência e no método científico.
275
Jornal Espírita, Ano: XVIII nº 16 Porto Alegre, 16.08.1936. p. 02
86
276
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.01.1938 Ano: XX nº 01 p. 05
87
277
François Marie Gabriel Delanne nasceu em Paris em 1857 e morreu em 1926. Engenheiro, cientista e filósofo
francês se notabilizou pela defesa da face científica do Espiritismo. Em 1885, foi Vice-presidente da União
Espírita Francesa, e em 1900, fez o discurso de abertura do Congresso Espírita e Espiritualista. Em 1885, lança
seu primeiro livro, O Espiritismo Perante a Ciência, que é sucedido por inúmeros outros que tratam das relações
do Espiritismo com a ciência. Disponível em: http://www.panoramaespirita.com.br
278
Dentre as diversas obras de Gabriel Delanne editadas pela FEB citamos: DELANNE, Gabriel. O Espiritismo
perante a ciência. (Tradução Carlos Imbassahy). Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1939, e A
Reencarnação. (Tradução Carlos Imbassahy). Rio de Janeiro: FEB, 1937.
279
DELANNE, Gabriel. O Espiritismo perante a ciência. Rio de Janeiro: FEB, 1939. p. 40 e 41
280
Op. Cit. 202
88
Nem aquele [os cientistas], e tão pouco estes [os religiosos], admitem a
existência de uma realidade, de uma verdade que exceda os limites das suas
idéias, isto é, daquilo que chamaremos a sua crença. O materialista, [grifo
nosso] tanto quanto o homem de fé cega, não crêem em possibilidades e
explicações menos circunscritas que o campo de ação do seu próprio
pensamento e de suas atitudes habituais.[grifo nosso]
“Mistificação, Ilusão e Alucinação” são termos por meio dos quais julgam
poder fulminar e reduzir a NADA [no original], possibilidades e fatos que
nunca se deram ao trabalho de examinar de perto.[grifo nosso] Não
reparam em que as suas supostas explicações são uma arma de dois gumes: -
mistificados, iludidos, alucinados, podem estar eles tanto quanto qualquer
simples mortal, mistificado, iludido e alucinado pelo presunçoso
dogmatismo de certos cientistas e de certos teólogos. [grifo nosso]
Todo homem que se aferra a uma idéia sem examinar a solidez das suas
“provas” transforma-se em fanático, e, segundo a autoridade real ou
imaginaria que lhe confira a sua especialidade científica, a sua posição na
sociedade, o seu cargo oficial, etc. 281
Neste trecho o articulista dirige a crítica a todos aqueles que se apegam as suas idéias
sem exame dos fatos - por vezes traduzidas em dogmatismos -, sejam eles cientistas ou
teólogos. No entanto, não há uma condenação ao conhecimento científico, posto que através
dele que os espíritas procuram legitimar-se como ciência, mas sim as limitações as
investigações impostas pelo materialismo aos fenômenos fora de seu campo de investigação.
É ainda evidente a intenção de apresentar os fenômenos espíritas baseado em provas sólidas,
cuja recusa na aceitação destes, só pode revelar o fanatismo ou a ilusão dos sentidos,
invertendo a crítica dirigida aos espíritas como alucinados e vítimas de ilusão.
Em resumo, podemos compreender que toda esta discussão que recuperamos sobre o
espiritismo, o materialismo e o positivismo, nos artigos e editoriais do Jornal Espírita, como
compondo um quadro onde o a ciência espírita é representada como avessa ao materialismo e
ao ateísmo e a radicalização em torno dos objetos tradicionais das ciências, e também como
contrária ao dogmatismo espiritualista. Traços comuns ao discurso de Allan Kardec, mas que
acreditamos, encontraram no Estado um terreno fértil para a ênfase na face científica do
Espiritismo, devido ao clima intelectual e filosófico que o dominou no século 19, cujos
reflexos se fazem sentir nos artigos publicados no Jornal Espírita. Mesmo ao apontar as
281
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.07.1936 Ano: XVIII nº 14
89
Este fato citado por Teodoro Doleys, um dos ativos articulistas do Jornal Espírita,
destaca Crookes como um elemento de prestígio no meio científico e o apresenta na condição
282
Jornal Espírita Ano: XV nº 23 01.12.1933 p. 2
90
de um cientista que decepciona a academia, quando afirma que os fenômenos por ele
estudados existem positivamente. O apelo a estes argumentos de autoridade foram freqüentes,
não só em relação à Crookes, mas a outros cientistas, como Alfred Russel Wallace (1823-
1913), conhecido biólogo, naturalista e co-descobridor, junto com Darwin das leis da seleção
natural e evolução das espécies, e também estudioso do psiquismo, citado no artigo de
Doleys. 283 O próprio articulista revela uma tendência em enfatizar as investigações científicas
em detrimento de uma vinculação religiosa, chegando mesmo a tecer criticas a Allan Kardec,
que considera em alguns momentos como vítima de mistificação e pouco científico. 284 Em um
texto, publicado após a sua morte, e não considerado para contabilidade dos artigos e
editoriais que formam o corpus documental desta pesquisa ficam explicitas as críticas a Allan
Kardec,
Do ponto de vista puramente científico, as obras de Kardec deixam muito a
desejar. Eles não contem nem o mínimo sequer que uma investigação séria
deve reclamar. As exigências imprescindíveis de investigação positiva aí
estão completamente negligenciadas. Resta apenas a fé cega em
‘revelações’. E a isto precisamente que a nossa época de transformações de
almas deve derrogar.(...) O Espiritismo científico que é, e deve ser, se
pretende preencher devidamente a sua finalidade, a base científica do potente
movimento neo-espiritualista, nada lucra com o estudo das obras de Allan
Kardec. 285
283
Evolucion. Revista de Espiritismo Laico. Ano: XI nº 66 1979 Venezuela p. 3
284
Não temos condições de analisar esta questão da crítica a Kardec em profundidade, mas é importante registrar
um dado importante. Teodoro Doleys não é apresentado como um execrado pelo movimento espírita por sua
postura, mas tido como um destacado membro. Este afirmação é uma transcrição da Revista A Reencarnação
órgão oficial da Fergs. Nesta mesma revista destacam-no pela sua cultura, pois dominava varias línguas e lia
muito da literatura espírita inglesa, além de ser um nome muito conhecido na imprensa profana e assíduo
colaborador do Jornal Espírita. A Reencarnação Ano: I nº 2 11.1934 p.4
285
Jornal Espírita Ano: XVII 13 01.07.1935 p. 04
91
Outros cientistas e mesmo comissões cientificas são evocados nesta obra editada pela
FEB para confirmar a seriedade das pesquisas e positividade dos resultados obtidos. Muitos
foram arrolados como adeptos do Espiritismo, o que de fato de aplica a alguns deles, como
Camille Flammarion(1842-1925)287, astrônomo francês e amigo de Allan Kardec, quanto à
grande maioria podemos entender que sua inserção se enquadra mais no campo de
investigação aberto pelo neo-espiritualismo, é não como propriamente profitentes de uma
doutrina, a exemplo do Willian Crookes. É desta forma que Teodoro Doleys articulista do
Jornal Espírita entende o Espiritismo, mais um campo de investigação científica e menos
uma religião. Apesar desta postura crítica, Doleys foi um membro ativo do movimento
espírita gaúcho, e acreditamos que as suas contundentes considerações têm de ser entendidas
dentro das divergências do próprio movimento.
Noutro artigo podemos perceber o quanto é caro a Doleys que os elementos
probatórios partam de membros da própria comunidade científica. É o método científico que
comprova a existência do mundo dos Espíritos.
286
Fatos Espíritas observados por William Crookes e outros sábios com uma carta dirigida ao tradutor, em
fevereiro de 1897, pelo eminente criminalista Cesar Lombroso. Tradução de Oscar D’Argonnel. Rio de Janeiro:
FEB, 1971. p.19
287
Camille Flammarion faz um célebre discurso no túmulo de Allan Kardec, no qual exalta a excelência
metodológica do codificador da Doutrina Espírita e a importância do Espiritismo para a humanidade. Ver:
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Brasília: FEB, 1990. p.21
92
288
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.01.1932, Ano: XIV nº12 e 13 p.03
289
O termo cientificismo nos jornais espíritas pesquisados posteriormente ao período por nos estudado é
qualificado como pejorativo, contrapondo-se ao conceito de ciência. Trazendo esta discussão para o período
estudado nesta dissertação creio que ela poderia reforçar a idéia de que os articulistas do Jornal Espírita,
buscavam legitimar-se como uma ciência, não como um conhecimento de pretensões científicas, ou uma
pseudociência.
93
290
LEWGOY, Bernardo. Representações de ciência e religião no espiritismo kardecista. Antigas e novas
configurações. Civitas, Porto Alegre, v.6, nº 2 2006 p. 157
291
GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos Mortos. Uma história da Condenação e Legitimação do
Espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p.70
292
Op. Cit. 70
94
293
Jornal Espírita Porto Alegre 1938 Ano: XX nº 11 p. 03
95
experiências Crookes encaminhou a Royal Society, que através de seu Secretário George
Stokes, rejeita a publicação dos resultados de suas experiências. Os resultados parciais da
pesquisa foram então publicados pelo Quartely Journal of Science296, em 1874, e
posteriormente outros dados obtidos nas pesquisas vieram a público em 1889, quando ele os
fez publicar nos Proceeding of the Societh for Psychical Research, os relatos das sessões com
o Sr. Douglas Home. Os resultados obtidos por Willian Crookes foram amplamente criticados
pela comunidade cientifica depois que se apresentaram favoráveis a realidade dos fenômenos
espíritas, os estímulos e elogios iniciais – qporque se acreditava que Crookes iria comprovar a
fraude - deram lugar a duras e severas críticas. 297
Este acontecimento, como vimos, foi explorado no artigo de Teodoro Doleys, quando
ele faz rememorar este episódio e transcreve a frase: eu não afirmo que isto seja possível, eu
afirmo que isto existe positivamente, frase de Crookes ao referir-se ao fenômeno por ele
estudado. Uma conclusão bastante viável, para o porquê da recuperação deste episódio,
provavelmente é aquela no qual objetivo do articulista está intimamente ligado a dar ver as
forças políticas envolvidas no campo científico, que rejeitam a priori, e sem isenção e
objetividade, as pretensões científicas dos espíritas. O campo científico na definição de
Bourdieu é um espaço de jogo, de luta concorrencional. Onde o que esta em jogo é o
monopólio da autoridade científica (capacidade técnica e poder social), mas também
capacidade de falar e agir legitimamente. 298 Mesmo não sendo propriamente um cientista, um
membro do campo, mas mais um leitor assíduo da literatura científica, Doleys e Frederico
Augusto da Silva, atacam os membros que representam a ciência oficial, definida ainda,
segundo Bourdieu,
como um conjunto de recursos científicos herdados do passado que existem
no estado objetivado (instituições, obras..), e no estado incorporado sob a
forma de hábitos científicos, sistemas de esquemas gerados de percepção, de
apreciação e de ação, que são o produto de uma forma especifica de ação
pedagógica, e que torna possível a escolha dos objetos. 299
296
Fatos Espíritas observados por William Crookes e outros sábios com uma carta dirigida ao tradutor, em
fevereiro de 1897, pelo eminente criminalista Cesar Lombroso. Tradução de Oscar D’Argonnel. Rio de Janeiro:
FEB, 1971. p. 19
297
FERREIRA, Juliana Mesquita & MARTINS, Roberto de Andrade. As investigações de Willian Crookes
sobre espiritualistas com médiuns e suas pesquisas sobre o efeito radiométrico na década de 1870. In:
ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria & BELTRAN, Maria Helena Roxo (orgs.) O laboratório, a oficina e o
ateliê: a arte de fazer o artificial. São Paulo: EDUC, 2002. p. 170, 172,178,181.
298
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo:
Ática, 1983. p. 122
299
Op. Cit. 136 e 137
97
Foi contra esta postura dos representantes da ciência oficial, em negar a incorporação
de novos objetos e recusar os resultados de Crookes, que articulista Frederico Augusto da
Silva e outros, como veremos adiante, dirigiram suas intensas críticas, pois lhes interditava o
acesso ao status de ciência.
Um elemento de prova do qual se serviu William Crookes, e que foi recuperado nos
artigos e editoriais do Jornal Espírita, é a fotografia dos espíritos materializados; um gênero
de prova que os espíritas praticamente consideravam irrefutável. A fotografia clássica de
Crookes com o espírito materializado Katie King, na qual o experimentador e o espírito
aparecem juntos, constituem uma espécie de referencial para outros registros fotográficos que
se sucedem. Estas experiências de materialização e posterior fotografia dos espíritos, obtidas
através da mediunidade de Florence Cook, nas quais o espírito de Katie King apresenta seus
contornos nítidos, e a fotografia transcendental de um modo geral, foram utilizadas pelos
articulistas e pelos editorais do Jornal Espírita como provas inquestionáveis da realidade do
mundo dos espíritos e do método do qual se serviu o cientista inglês.
No editorial do Jornal Espírita Paulo Hecker trouxe esta questão da prova fotográfica,
no mesmo texto no qual começa por apontar a pedantismo da ciência oficial e os erros de
observação daqueles que negam os fenômenos, dado que podem ser comprovados por uma
série de experiências, inclusive com o uso da fotografia.
Neste trecho do editorial temos a expressão exata pensamento do editorialista e do
Jornal Espírita sobre o tema.
300
Jornal Espírita Porto alegre 01.02.1936 Ano XVIII nº 3 p. 1
98
FONTE: Fotografia colhida do álbum do Primer Centenário Del Espiritualismo Moderno 1848-1948.
Organizado pela Confederacion Espiritista Argentina. Pertencente ao acervo da Federação Espírita do rio
301
Grande do Sul (Fergs).
301
William Croocks se referiu assim quando das fotografias com Katie King: “Uma das fotografias mais
interessantes é aquela em que estou em pé, ao lado de Katie, tendo ela o pé descalço sobre determinado ponto do
assoalho. In: Fatos Espíritas observados por William Crookes e outros sábios com uma carta dirigida ao tradutor,
em fevereiro de 1897, pelo eminente criminalista Cesar Lombroso.” Tradução de Oscar D’Argonnel. Rio de
Janeiro: FEB, 1971. p.77
99
realidade do fenômeno. A imagem fotográfica, apesar da sua qualidade muitas vezes precária,
deveria constituir um gênero de prova capaz de sancionar o status científico do espiritismo,
dado que a fotografia neste contexto é evocada como constituindo recurso marcado pelo
realismo, pela exatidão e pela fidelidade da imagem fotográfica. 302 Este fato não é estranho a
própria história da fotografia entendida por vezes, ao longo do século XIX, como testemunho
fiel e reprodução exata e matemática da realidade, ou como afirmou Matheus Brady: “a
câmera fotográfica é olho da História”, o que poderia também abrir largos usos no campo
científico.303 A utilização da imagem fotográfica ou referencia textual, então, revela
claramente a intenção do editorialista em apresentar a fotografia como um recurso da ciência
na comprovação da existência dos espíritos.
FONTE: Revista Internacional do Espiritismo. Matão, São Paulo, Ano: VIII nº 03 15.04.1930
É claro que a imagem fotográfica não é um espelho do real, como afirma Boris
Kossoy, “que apesar de toda a credibilidade que se atribui á fotografia enquanto ‘documento
fiel ‘dos fatos (...) devemos admitir que a obra fotográfica resulta de um somatório de
construções e de montagens”304. No entanto, ela é utilizada pelo jornal como um recurso
capaz de convencer da realidade dos fenômenos espíritas, revelando as intencionalidades do
jornal em apresentar o Espiritismo com a exatidão de uma ciência física.
302
BORGES, Maria Eliza Linhares. História & Fotografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 72
303
FABRIS, Annateresa. A Invenção fotográfica: repercussões sociais. In: FABRIS, Annateresa.(org.) e outros.
Fotografia. Usos e funções no século XIX. São Paulo: EDUSP, 1998. p.23,24
304
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama Fotográfica. Cotia: Ateliê Editorial, 2002. p.42
101
Fora como se a tecnologia e ciência confirmassem a realidade dos espíritos, dado que
os aparelhos fotográficos não estavam sujeitos as alucinações, assim como apontavam os
críticos ao se referir aos espíritas. Conforme Mario Celso de Andrade, a fotografia foi
utilizada pelos espíritas como prova objetiva da realidade espiritual.
305
ANDRADE, Mario Celso Ramiro de. O Gabinê Fluidificado e a Fotografia dos Espíritos. A representação
do invisível no território da arte em diálogo com a figuração de fantasmas, aparições luminosas e fenômenos
paranormais. Tese de doutorado no Departamento de Artes Plásticas da USP. São Paulo, 2008. p. 29
102
CAPITULO III
Neste terceiro capítulo procuremos discutir, a partir dos artigos e editoriais do Jornal
Espírita, as relações do Espiritismo com a metapsíquica e a parapsicologia, sua proposta de
singularidade como ciência e a sua inserção como herdeiro da tradição científica. Estes três
eixos de discussão formam as três últimas subcategorias criadas para tratar do tema
Espiritismo e ciência. Estas três subcategorias correspondem a 69,6 % dos artigos e editoriais
pesquisados, e pertencem à grande categoria que denominamos de O Espiritismo
identificado com a ciência. Estes conjuntos de textos compõem a grande maioria dos textos
analisados para esta pesquisa, muito superior aos 30,3 % referentes à categoria intitulada de O
Espiritismo como crítica à ciência.
Como veremos a crítica ao conhecimento científico não está ausente destes artigos e
editoriais, no entanto, é mais explícita a tentativa do Espiritismo de se legitimar como ciência
apontando para as semelhanças ou para uma tradição comum. Para tanto, os articulistas
procuram identificar-se com áreas como a metapsíquica - uma área que também se propunha
científica -, ou apresentam-se como herdeiros de um pensamento científico, principalmente,
quando, por exemplo, apontam para as semelhanças entre Kardec e Newton, entendidos
ambos, como revolucionários do pensamento científico. O mesmo se dá quando os articulistas
abordam a questão da singularidade da doutrina espírita, apontando mais para a especificidade
da ciência espírita do que para uma postura que, através da crítica, situa-se fora dos limites do
conhecimento científico e do conjunto das ciências.
Uma idéia central que emerge da leitura dos artigos e editoriais do Jornal Espírita que
tratam da metapsíquica ou da parapsicologia - correspondendo a 20,5% do total para esta
categoria - reside no fato de que, à semelhança do Espiritismo, ela é uma ciência que se
103
dedica ao estudo de fenômenos considerados até então como paranormais. Tanto uma como a
outra, são apresentadas como dotadas de método racional e científico, capaz de dar-lhes
credibilidade acadêmica. A despeito das diferenças entre as duas, principalmente pelo fato de
a metapsíquica atribuir os fenômenos a uma causa mais física, fisiológica 306, e não incorporar
questões morais e religiosas, os articulistas a evocam como capaz de reafirmar a realidade dos
fenômenos espíritas.
Além desta constatação que surge da leitura do conjunto destes textos, podemos
compreender estas referências a metapsíquica ou parapsicologia, 307 como uma reatualização
das pretensões científicas do Espiritismo.
O termo metapsíquica foi empregado pela primeira vez, em 1897, quando Charles
Richet reuniu o conjunto de suas experiências na forma de memórias. Charles Richet já era,
então, um prestigiado membro da academias e sociedades científicas.
Charles Robert Richet nasceu em Paris em 26 de agosto de 1850. Diplomou-se em
medicina, em 1872, na Faculdade de Medicina de Paris, e obteve, em 1878, o título de Doutor
em Ciências. Neste mesmo ano foi nomeado professor adjunto da Faculdade, e em 1887
ocupou a cátedra de fisiologia, ocupou como professor titular até 1925. Foi, ainda,
colaborador de Jean Martin Charcot nos estudos sobre a hipnose, em 1875. Contudo, ficou
célebre quando, em 1913, recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina. E em 1935,
morreu na mesma cidade, Paris, depois de publicar uma série de livros sobre seus estudos
psíquicos, entre eles o Tratado de Metapsíquica.308
Cerca de duas décadas depois da criação do termo Metapsíquica por Charles Richet,
foi lançado, em 1922, o Tratado de Metapsíquica. Nele, o professor de fisiologia da
Faculdade de Medicina de Paris define de modo claro o conceito da nova ciência, no qual
rejeitava a idéia de supranormal ou sobrenatural, entendendo os fenômenos psíquicos
306
Charles Richet considerava a Metapsíquica mais um fragmento da fisiologia, e que em breve pertenceria a
Fisiologia Clássica. Ver MAGALHÃES, Samuel Nunes. Charles Richet. O Apóstulo da Ciência e do
Espiritismo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2007. p. 128 Apud OSTY, Eugene. Charles Richet
(1850-1935). Paris (França): Institut Metapsychique Internacional, 1936.
307
Metapsíquica é a denominação francesa para os estudos sobre os fenômenos psíquicos. Na Inglaterra esta área
é chamada de Pesquisa Psíquica. E mais recentemente, o termo Parapsicologia acabou por designar o campo de
pesquisas desta área: “(...) Parapsicologia, denominação difundida devido ao fato de o casal Rhine ter
estabelecido o Laboratório de Parapsicologia na Duke University no final da década de 1920.” Ver
MACHADO, Fátima Regina. Parapsicologia no Brasil: entre a cruz e a mesa branca. Disponível em:
http://www.ceticismoaberto.com/paranormal/parapsicologia_brasil.htm.
308
MAGALHÃES, Samuel Nunes. Charles Richet. O Apóstulo da Ciência e do Espiritismo. Rio de Janeiro:
Federação Espírita Brasileira, 2007. p. 32, 38,39, 45, 120 e 207. Neste livro o autor afirma que o termo
metapíiquica foi empregado pela primeira vez, em 1897, quando Charles Richet era Presidente da Society for
Psychical Research. (p. 120). No entanto, Richet afirma no Tratado de Metapsíquica que ele propôs o termo em
1905. Ver: RICHET, Charles. Tratado de Metapsíquica. (Tradução Maria José Marcondes Pestana e João
Teixeira de Paula). Vol. I e II. São Paulo: LAKE, s/data. p. 20.
104
“inabituais”309, como necessariamente naturais e normais. Segundo Richet, “Uma ciência que
tem por objeto a produção de fenômenos, mecânicos ou psicológicos, devido a forças que
parece serem inteligentes ou a poderes desconhecidos, latentes na inteligência humana.” 310
No Tratado de Metapsíquica Richet divide os fenômenos psíquicos em dois grandes
grupos, a que ele chamou de metapsíquica objetiva e metapsíquica subjetiva. A primeira
corresponde aos fenômenos propriamente materiais, como movimento de objetos sem contato,
materializações fotografáveis, sonoridades, luzes, todos que de algum modo podem
impressionar os sentidos. A outra trata dos fenômenos unicamente mentais, sem alteração das
leis físicas conhecidas. 311
Estas designações dos fenômenos proposta pela metapsíquica aparecem nos artigos do
Jornal Espírita, em uma clara associação entre esta classificação e a proposta por Allan
Kardec, na década de 1860, no Livro dos Médiuns. Um exemplo é o articulista Lorenzo Picó,
no texto transcrito a seguir.
Pelo que até agora nos tem mostrado esse personagem misterioso,
desconhecido do nosso eu [no original], podemos formar uma idéia do que, e
mediante as condições requeridas, é capaz de realizar. No que se refere ao
que podemos chamar sua vida pública, temo-lo visto transmitir num instante
o seu pensamento através de obstáculos e distâncias – fenômenos
psicométricos -; ver além dos continentes e dos mares – fenômenos de
clarividência; - retrotrair-se para o passado e adentrar-se para o porvir –
fenômenos de criptomnésia e de premonição; - perceber o que há de oculto
nas coisas – criptestésia pragmática; - comunicar-se com os vivos,
comunicação de subconsciência á subconsciência e comunicação
medianímica entre vivos. Ver o interior do corpo – autoscopia -; mover os
objetos sem contato visível – cinemática -. Ele tem sido visto nos estados
sonambúlicos sair do corpo astral e torná-lo visível a grandes distâncias –
bilocação. E nos fenômenos chamados metagnômicos, temo-lo visto
produzir uma multidão de manifestações de grande alcance intelectual e
espiritual, impossível de expor aqui, mas que podemos assegurar ser nesses
estados que o homem chega a convencer-se desse personagem universal pelo
qual somos. Esses fatos e caráter metapsíquico se nos oferecem agrupados
em duas categorias: fenômenos anímicos e espiríticos. E, posto que, como
diz Richet, entre esses fatos e as suas teorias, e os fatos positivos
estabelecidos pela ciência, não existe contradição alguma, pode dizer-se que,
por fim, depois de tantos esforços na pesquisa e averiguação de tudo que
compreende o homem, sua natureza e respectivas faculdades, se tem
chegado a poder estabelecer uma verdade que põe de manifesto a
transcendência do homem imortal [grifos nossos].312
309
O termo ciência dos fatos inabituais serve também, segundo Richet, para designar a Metapsíquica. Ver:
Magalhães, Samuel Nunes. Charles Richet... p.121.
310
RICHET, Charles. Tratado de Metapsíquica. (Tradução Maria José Marcondes Pestana e João Teixeira de
Paula). Vol. I, São Paulo: LAKE, s/data. p. 23
311
Op. Cit. 22
312
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.06.1936, Ano: XVIII, nº 12, p. 02
105
313
Op. Cit. p. 99, 170 e 248
314
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. (Tradução de Guillon Ribeiro). Rio de Janeiro: Federação Espírita
Brasileira, 1987. p. 221 e 224
106
1930, para o estudo dos fenômenos já pesquisados pela metapsíquica 315 - que encontramos
nos artigos do Jornal Espírita são uma espécie de reatualização da cientificidade do
Espiritismo. Na década de 1930 - num período já distante dos primeiros trabalhos de Allan
Kardec (meados do século 19) -, as pesquisas de Charles Richet e os estudos de Rhine, com a
parapsicologia, pareciam confirmar as pretensões científicas do Espiritismo. A metapsíquica
surgia, então, como um conhecimento, à semelhança do Espiritismo, baseado na observação e
na experimentação, e dotada de bases teóricas capazes de constituí-la como uma ciência. Não
mais um experiência isolada, como em William Crookes, e em outros cientistas ligados às
pesquisas do neo-espiritualismo, mas uma ciência, assim como o Espiritismo, mesmo que as
cogitações morais tivessem sido excluídas por Richet. 316
São inúmeras as alusões à metapsíquica nos artigos e nos editoriais do jornal,
destacando a excelência do seu método e a fé esclarecida que proporciona. Os dois pequenos
trechos do editorial do Jornal Espírita e do artigo de Narciso Berlese são um exemplo da
forma como o tema é introduzido. No primeiro, intitulado, O Espiritismo, Paulo Hecker é
taxativo sobre o método da metapsíquica: “Não inovemos, conservemos melhorando os
métodos que a ciência metapsíquica já assentou para a consecução da fenomenologia
espírita.”317 Neste pequeno fragmento do editorial percebe-se que a metapsíquica assume um
papel de referencial metodológico para as pesquisas dos fenômenos espíritas; caberia aos
espíritas conservar e melhorar aquilo que ela já havia assentado por esta ciência.
No artigo de Narciso Berlese, a questão foi apresentada a partir de um tipo de
argumento caro aos espíritas, o de que os princípios cristãos encontram no Espiritismo, a sua
complementação e a sua explicação, ou seja, de que ele é capaz de proporcionar uma fé
esclarecida.
Mas podemos notar que o articulista não se refere ao Espiritismo, mas sim ao
metapsiquismo, numa clara identificação entre um e outro.
Isto ficou evidente e muito mais explícito no editorial do Jornal Espírita de Paulo
Hecker, intitulado Dupla Face.
Nele Paulo Hecker recupera uma questão fulcral para o entendimento da história do
Espiritismo no Brasil, os conflitos entre os religiosos e os científicos, presente desde a criação
dos primeiros grupos e sociedades espíritas no país no Rio de Janeiro na década de 1870.
Acreditamos que esta argumentação de Hecker deu mostras de que esta discussão tinha
reflexos ainda, na década de 1930, e que estes se fizeram sentir entre os espíritas porto-
alegrenses, que incorporavam o debate a nível local.
Partindo desta constatação mais ampla, podemos perceber da leitura deste artigo de
fundo, que a ênfase foi posta nos perigos ligados ao fato de se imiscuir práticas religiosas no
espiritismo experimental, e também, nas deturpações ocorridas na face religiosa do
319
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.02.1939, Ano: XXI, nº 04 p.01
108
A codificação da Doutrina dos espíritos veio dar uma diretriz nova ao curso
das idéias, abrindo largas brechas no carrancismo, então, dominante e
conduzindo os sábios pelo raciocínio, a campos novos de pesquisas e
experimentações.Como salutar e benéfica inferência desse estado de coisas,
nasceu mais uma disciplina científica que teve por iniciador o eminente
Richet, denominada metapsíquismo e que os filósofos alemães chamam
parapsicologia, para distinguí-la da psicologia clássica que era empírica.
A móvel metapsíquica é uma ciência na acepção mais rigorosa do
vocábulo,[grifo nosso] por integrar um método de pesquisas baseado na
observação e experimentação, tem ela por fim estudar os fenômenos
psíquicos por meio de reações fisio-biológicas e outros processos
mecânicos.(...)
O Espiritismo como ciência é a metapsíquica ou psiquismo
experimental;[grifo nosso] e como religião, é o restaurador do cristianismo,
o identificador dos Evangelhos, a doutrina sagrada que ressurge para
melhorar os homens por lhes ensinar que terão que ser perfeitos, porque a lei
do progresso é fatal e essa é a finalidade da natureza(....)320
Pelos artigos analisados do Jornal Espírita podemos afirmar que o entusiasmo pela
metapsíquica não restringiu aos espíritas cariocas ou aqueles ligados à Federação Espírita
Brasileira (FEB), mas alcançou os espíritas porto-alegrenses, especificamente, o grupo de
intelectuais que colaboravam com o jornal de Paulo Hecker, na década de 1930.
320
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.07.1932, Ano: XIV nº 12 e 13, p.05
321
DAMAZIO, Sylvia F. Da Elite ao Povo. Advento e expansão do Espiritismo no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Bertrand Brasil, 1994. p.123
110
322
Não foi possível pelos trabalhos consultados para esta dissertação verificar se houve ou não, ou em que
intensidade, repressão as práticas espíritas, em Porto Alegre, em função do Código Penal de 1890. Acreditamos
que pela liberdade religiosa estabelecida pela constituição de 1891 e pelos grupos intelectuais envolvidos com o
Espiritismo, os espíritas gozassem de maior liberdade. Pelo menos é o que sugere em linhas gerais a dissertação
de Angélica Boff. Ver BOFF, Angélica Bersch. Espiritismo, alienismo e medicina: ciência ou fé. Os saberes
publicados na imprensa gaúcha da década de 1920. Dissertação de Mestrado em História, UFRGS, Porto
Alegre, 2001.
323
DAMAZIO Op. Cit. p. 135 e 136
324
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.07.1933, Ano: XV, nº 14 p.02
111
trabalho – não são, entretanto, nem os profitentes dos credos antigos, nem os
materialistas do monismo oficial. Os seus maiores adversários e, portanto,
inimigos do genuíno progresso das almas e conseqüentemente, da
humanidade, são os metapsicologos da corrente puramente animista que
aceitam a fenomenologia espiritica em toda a sua extensão, mas, coagidos
pelos seus invencíveis preconceitos materialistas, inventam dezenas de
hipóteses, mais ou menos engenhosas, mais ou menos extravagantes, a fim
de dar-lhe explicações que eles chamam “naturais”. São estes amigos ursos
do Neo-espiritualismo que pretendem combater ao seu lado, são estes
inventores dos fantásticos sistemas, cujo único cunho, pretensamente
científico, consiste na negação da imortalidae da alma e n fabricação de
“belos “termos científicos”, como “criptonesia”, “criptestesia pragmática”,
“pragmagnomia”, “hiloclastia”, e muitas outras desta espécie. São estes
metapsiquitas de mentalidades puramente materialista que pretendem impor-
se, deste modo, ao movimento, demovendo-o da corrente sadia e vivificante
do espiritismo racional para as águas estagnadas e podres do materialismo. O
seu expoente máximo atual é o grande fisiólogo Francês Prof. Charles
Richet.(...)
Eu acuso os metapsiquistas de mentalidade materialista como os maiores
inimigos das idéias neo-espiritualista. Combatendo a idéia da sobrevivência,
eles tratam de minar, pelas suas extravagantes hipóteses, a base do
verdadeiro progresso da humanidade. 325
Até então a metapsíquica tinha sido apresentada, não somente por Paulo Hecker, como
por outros articulistas do jornal, como espiritismo experimental. Teodoro Doleys, ao
contrário, a considerava o maior inimigo do neo-espiritualismo e do espiritismo experimental,
e os metapsiquistas como amigos ursos do movimento neo-espiritualista. Os mesmos
conceitos que antes apareciam, praticamente, entrelaçados com os fenômenos mediúnicos, no
artigo de Lorenzo Picó, como a criptestesia pragmática, neste artigo sofreram uma
desqualificação, e foram apresentados com ironia como belos termos científicos de um
sistema pretensamente científico, atacando, inclusive, a cientificidade da metapísquica.
A que atribuir esta postura de Doleys? Por certo não basta simplesmente considerá-lo
um articulista polêmico, que escrevendo na defesa do espiritismo, ataca mesmo a Kardec, que
chegou a chamar de mistificado, como vimos anteriormente, e que agora volta sua crítica à
metapsíquica. Talvez o mais provável seja justificar a atitude do articulista, tomando-o como
contrário à aproximação com uma área que tem por objeto de estudo os mesmos fenômenos, e
de onde foi excluída a hipótese da imortalidade. Pensamos que assumindo uma posição
diametralmente oposta a de Paulo Hecker, o que Teodoro Doleys procurou fazer foi - por
mais paradoxal que possa parecer - reforçar a cientificidade do Espiritismo, sem utilizar a
referência a metapsíquica, mas reivindicando para o Espiritismo a primazia sobre os estudos
325
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.09.1932, Ano: XIV nº 17 p. 02
112
destes fenômenos; e que a metapsíquica não fez mais do que apresentá-los sob nomes
diferentes, com o prejuízo de sob inspiração materialista, afastar a sua causa espiritual.
Nos editoriais de Paulo Hecker, a questão da exclusão da imortalidade não foi
abordada, e nem foi esboça uma crítica à metapsíquica nos seus editoriais, nem mesmo ao fato
de Charles Richet considerar a teoria espírita de Allan Kardec demasiado simples e considerá-
lo como de credulidade exagerada, apesar da sua fé na experimentação.326 Muito
provavelmente o mais que interessava para Paulo Hecker era selecionar e dar ênfase ao
método estabelecido pela metapsíquica, posto que dentre as suas intenções, é claramente
visível a de apresentar o Espiritismo como uma ciência, excluindo os pontos polêmicos em
relação à metapsíquica.
A intenção de apresentar o espiritismo como uma ciência era cara, também, a Teodoro
Doleys, como vimos anteriormente nos artigos deste colaborador do jornal, talvez ainda mais
intensa, por sua aversão à inclusão de posturas religiosas entre os espíritas. 327 O que talvez
Doleys começasse a experimentar – e que explicaria a sua rejeição a metapsíquica - era o uso
que dela, posterior denominada de parapsicologia, fariam os católicos, ao longo do século
XX, justamente por não admitir o fenômeno mediúnico posto pelo Espiritismo.
A metapsíquica que no período da República Velha tinha sido um meio através do
qual os espíritas procuravam se defender dos ataques de exercício ilegal da medicina ou de
charlatanice; posteriormente, no Governo de Getúlio Vargas (1930-1945) a mesma
metapsíquica, popularizada pela designação de parapsicologia, foi utilizada para desmascarar
as “mentiras espíritas”. 328 A estratégia católica buscava na cientificidade da metapsíquica ou
parapsicologia uma forma de combater os espíritas. O mesmo apelo à cientificidade, mas
agora utilizado pela Igreja, numa disputa religiosa por meio de elementos do discurso
científico.329 Este quadro que começa a se esboçar na década de 1930, e que ganha
profundidade durante todo o século XX, ajuda, também, a explicar as críticas de Teodoro
Doleys à metapsíquica de Richet, e, posteriormente, a parapsicologia de Rhine.
Fátima Machado é bastante clara ao descrever este período, de uso da metapsíquica ou
parapsicologia para desqualificar o fenômeno espírita. Segundo a autora,
326
RICHET, Charles. Tratado de Metapsíquica. (Tradução Maria José Marcondes Pestana e João Teixeira de
Paula). Vol. I, São Paulo: LAKE, s/data. p. 53 e 54
327
Neste capítulo III veremos, ainda, que Teodoro Doleys entende o Espiritismo muito mais como uma doutrina
de conotação moral-científica, do que propriamente uma religião. Uma postura que verificamos parecia comum
aos imigrantes espíritas que escreviam para o Jornal Espírita.
328
MACHADO, Fátima Regina. Parapsicologia no Brasil: entre a cruz e a mesa branca. p. 2 Disponível em:
http://www.ceticismoaberto.com/paranormal/parapsicologia_brasil.htm.
329
LEWGOY, Bernardo. Representações de ciência e religião no espiritismo kardecista. Antigas e novas
configurações. Civitas, Porto Alegre, v. 6, n.2, jul.-dez. 2006, p. 160
113
Nele Paulo Hecker não deixa dúvidas sobre seu entusiasmo pela metapsíquica. Ela
tinha produzido magníficos resultados e explicado uma série acontecimentos - com rigor
metodológico e científico - que outrora eram entendidos como milagres, mas que agora eram
fatos cientificamente compreensíveis. Ela produziu em abundância fotografias
transcendentais, moldes de pés e mãos em parafina, experiências de voz direta, levitação,
transporte de objetos, materializações, a semelhança daquelas referidas por Allan Kardec
quando tratou dos vários tipos de mediunidade. Como se a metapsíquica complementasse o
330
MACHADO, Op. Cit. p.2
114
trabalho de Kardec na parte científica, repetindo e experimentando inúmeras vezes aquilo que
Kardec, em meados do século XIX, já havia identificado e classificado. Uma base sólida e
científica para o estudo dos fenômenos espíritas.
Em resumo, a metapsíquica, a despeito das críticas que sofreu, mesmo entre os
articulistas do jornal, como Teodoro Doleys, foi utilizada pelo Jornal Espírita como uma
forma de comprovar a cientificidade do Espiritismo, numa espécie de reatualização da sua
base científica. As longas referências à metapsíquica, entendida, muita vezes, como sinônimo
de espiritismo experimental, servem também para demonstrar a atualidade deste tipo de
argumento, em Porto Alegre, na década de 1930. Revela, também, que esta era uma forma de
explicar o que era o Espiritismo, demonstrar que ele era solidamente uma ciência, para um
público espírita e leigo, numa fase de difusão e divulgação da doutrina espírita na Capital.
Neste artigo o autor não enumerou quais eram todas as condições requeridas pela
ciência espírita para realização do estudo dos fenômenos psíquicos, limitou-se a afirmar que a
primeira e mais importante era a renuncia à presunção. Numa crítica direta à postura dos
cientistas, e de modo geral, à comunidade científica, que a priori, conforme o articulista,
desqualificava o objeto de investigação, os fenômenos espíritas, antes de investigá-los. A sua
argumentação procurou estabelecer uma distinção entre os métodos tradicionais da ciência e
aqueles utilizados para estudar os fenômenos psíquicos, apontando para as especificidades
destas pesquisas. Mas quais seriam estes métodos? Tendo em vista que o Espiritismo era
constantemente apresentado como uma ciência, a semelhança de ciências, como a física. E
quais seriam as condições sine qua non requeridas para o pesquisador que investisse no
estudo destes fenômenos espíritas?
Os editoriais do Jornal Espírita dão-nos uma noção mais detalhada do método a ser
empregado e as diferenças entre os da ciência e aqueles empregados nas pesquisas espíritas.
No fragmento do editorial, transcrito a seguir, a questão foi colocada nestes termos:
Neste editorial, Paulo Hecker apresentou os meios pelos quais o cientista que se dedica
ao estudo dos fenômenos psíquicos, tinha de utilizar nas suas pesquisas: imaginação,
inspiração e intuição. Mais do que os sentidos físicos, os sentidos espirituais seriam a chave
331
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.07.1936, Ano: XVIII, nº 14, p. 02
332
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.02.1936, Ano: XVIII, nº 03, p. 01
116
333
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.06.1939, Ano: XXI, nº 11 e 12, p.01.
117
fizemos menção no capítulo I, no qual procuramos traçar o perfil do Jornal Espírita e de seus
articulistas. Cabe-nos, no entanto, salientar que a reação de Paulo Hecker, e de muitos
articulistas do Jornal Espírita, tais como Otaviano B. de Borba, kardecista e Mariano Rango
334
D’Aragona - que residia na Capital Federal e colaborava com o jornal de Paulo Hecker -,
constitui um dado bastante revelador da continuidade, em 1939, das investidas dos médicos
(psiquiatras) contra o espiritismo, utilizando via de regra, os argumentos, de danos ao
psiquismo, conforme demonstrou Emerson Giumbelli. 335 E, ainda, que esta polêmica teve
forte repercussão em Porto Alegre, onde os articulistas e o editorialista, longe do palco dos
acontecimentos, demonstraram familiaridade com este tipo de argumento.
Podemos perceber, também, que no editorial, ao defender o espiritismo da acusação
de danos ao psiquismo, Paulo Hecker ironizou o saber científico que os médicos se
outorgavam e aproveitou a oportunidade para apontar para os requisitos envolvidos nas
experimentações com os fenômenos espíritas. Não era possível, segundo o autor, reproduzi-
las à semelhança da ciência que os médicos intitulavam-se representantes, como se faz, por
exemplo, em química ou física. Dado que o fenômeno psíquico era por sua natureza fugidia, e
que, fundamentalmente, dependia das pré-disposições e vontades dos médiuns e dos espíritos,
constituindo-se mais numa ciência da observação, apontando para os elementos que
caracterizavam a singularidade das experimentações espíritas. Entretanto, o texto termina com
um tom de recomendação, e apelando para a ciência como um denominador comum entre
médicos e espíritas, como que buscando a dissipar conflitos. Uma postura coerente com a
argumentação do próprio Paulo Hecker e dos demais articulistas do Jornal Espírita, que
buscavam a todo o momento reforçar a filiação científica do espiritismo. Podemos inferir que
a questão dos médicos cariocas que repercutiu nas páginas do Jornal Espírita, permitiu a
Paulo Hecker reforçar as representações do espiritismo como uma ciência com métodos e
condições próprias, mas uma ciência como as outras ciências. Neste sentido, se tomarmos a
imprensa como um meio através do qual podemos analisar as representações sobre o real, e
que é através das representações que damos sentidos ao mundo, 336 a abordagem que Paulo
Hecker buscou enfatizar nos editoriais a percepção de que o Espiritismo se constituía de fato
numa ciência com métodos próprios, no amplo leque das ciências; e que buscando legitimá-la,
334
As suas elogiosas homenagens de Mariano Rango D’Aragona a atuação do Gal. Araripe de Farias - que saíra
em defesa dos espíritas contra os médicos cariocas – deu mostras da participação ativa dos militares no
movimento espírita, como sugerimos em outro momento desta dissertação.
335
GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos Mortos. Uma História da Condenação e legitimação do Espiritismo.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p. 90 – 98.
336
PESAVENTO, Sandra. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 17 e 40.
118
enfatizou sua singularidade, ao lidar com novos objetos, mas que estes, no entanto, não
comprometiam sua cientificidade.
Um destes elementos, que compunham as pré-condições para realização das
experiências, residia numa questão não menos polêmica – principalmente em se tratando de
um conhecimento que se quer científico -, a da moralidade do experimentador. Paulo Hecker
não a desenvolveu, mas ela apareceu em outros articulistas, que enfatizavam também, um
tema caro ao proprietário do jornal, o da formação dos experimentadores.
Um destes articulistas, chamado Paulo, se expressou do seguinte modo, ao referir-se a
prática do Espiritismo.
No primeiro trecho podemos identificar um tema bastante delicado para a defesa das
experimentações realizadas pelos espíritas. Trata-se da questão do ambiente moral próprio
para realização dos estudos sobre os fenômenos espíritas, ou mais especificamente, a atitude
moral dos participantes ou pesquisadores. Uma condição que a priori estava fora das
cogitações de natureza puramente científicas. No entanto, surgia como fundamental, sem a
qual os fenômenos físicos – principalmente os de materialização – classificados por Allan
Kardec, como de origem mediúnica, poderiam não se viabilizar. Um requisito – a moralidade
do observador -, se não era regra absoluta, constituía um fator bastante importante, como
afirmou Conan Doyle, ao tecer considerações sobre os resultados obtidos com as experiências
de materialização.
337
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.05.1933, Ano: XV, nº 10, p. 10
338
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.10.1931, Ano: XIII, nº 17, p. 02
119
Arthur Conan Doyle referiu que havia uma regra de ouro para o sucesso destas
experiências, era preciso uma atmosfera de amor e simpatia, para que se realizasse o
fenômeno espírita das materializações, e transcreveu um artigo de fundo do The Spiritualist
para sustentar a sua afirmação:
339
DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. Trad. Júlio Abreu Filho. São Paulo: Editora Pensamento,
s/d. p. 340-341.
340
Op. Cit. p. 341.
120
Nas breves excursões mentais por caminhos ou vias que pareciam conduzir
ao descobrimento científico do mundo espiritual, chegamos à convicção da
impossibilidade de consegui-lo valendo-nos somente de nossas faculdades
normais e supranormais, se é que, como é lógico, pensa-se em satisfazer o
rigor científico, que exige a evidencia. (...) Sem embargo, de nenhum modo
pode isto significar que nossas faculdades não devam ou não possam intervir
nesta magna tarefa de descobrir as realidades ultra-sensíveis situadas além
dos limites naturais que as condicionam. Pelo contrario, é preciso neste
aspecto estranho de tais atividades, neste linde fronteiriço de nossas
percepções, que a razão e a lógica devem dar o seu maior rendimento,
porque nenhum outro campo das atividades mentais são tão necessários a
sutileza analítica, a penetração reflexiva e a retidão de critério, do que
no distinguir, descobrir e valorizar as realidades imponderáveis do
muno ultra-sensível. Porque nesse mundo dinâmico, onde tudo está em
constante movimento, mas que não obstante isto, nada pode alterar seus
princípios eternos, é mais que provável que o investigador não encontre em
nenhum dos conceitos que expressam as manifestações da vida em nosso
mundo, o que se coadune com aquelas realidades. E seria inútil pretender-
se que respondam de acordo com os seus cálculos e previsões. Essa nossa
suspeita fica confirmada pelo fato geral que caracteriza as manifestações do
mundo ultra-sensível em nosso meio: - Toda exteriorização daquele
mundo entre nós singulariza-se por seu caráter espontâneo. (...)
Isto indica claramente que é o investigador quem se deve submeter às
exigências rigorosas desse mundo e não este, as nossas normas e
procedimentos por muito necessários que nos pareçam, pois é coisa
provada que nossas medidas não se ajustam as ritmo cambiante e
atropelado daquela vida. Vários experimentadores de renome e entre eles o
próprio Richet, terminaram por declarar que o excessivo rigor no controle,
e a pretensão de que os fenômenos mediúnicos respondam de algum
modo ao que previamente se possa supor, acabam sempre por anular as
capacidades que tornam possível os fenômenos desta natureza. [grifos
nossos](...)
Essas circunstancias de tão grande transcendência para o conhecimento,
fazem do médium o fator primordial em tais pesquisas, já que a existência de
341
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.03.1935, Ano: XVII, nº 05 e 06, p. 01
121
todo o fenômeno é devida a ele. Pois bem; estabelecido que só por meio da
Revelação pode o homem chegar a saber o que está além de suas
possibilidades sensoriais [grifo nosso] e, portanto, de sua razão, não resta
ao cientista investigador do mundo espiritual outro recurso viável senão
valer-se do médium.(...)
Com tudo isto, fica esclarecido que se o cientista pretender descobrir o
mundo espiritual, será mister que não seja só um homem de ciência, mas, e
sobretudo, uma criatura simples, inteligente e profundamente humanitária.342
Deste longo artigo do qual extraímos apenas os trechos mais significativos, podemos
perceber pontos já trabalhados por outros articulistas, e em especial, por Paulo Hecker, como
a impossibilidade da reprodução dos fenômenos segundo a vontade do pesquisador e a
inadequação das experimentações espíritas aos modelos matemáticos. Lorenço Picó, no
entanto, introduziu um novo elemento, que segundo o articulista, era devido à natureza dos
fenômenos espíritas e da própria vida no mundo espiritual – cambiante e atropelada -, o da
revelação como forma de conhecer a realidade espiritual. As dificuldades impostas pelos
nossos sentidos físicos na apreensão destes fenômenos somente podem ser superadas se nos
sujeitarmos à espontaneidade de sua manifestação, não cabendo ao observador submetê-los as
suas regras, mas sim adequar-se as regras que regem a vida espiritual e sua exteriorização. Por
esta razão a revelação era meio através do qual ele – o mundo espiritual – podia dar-se a
conhecer. E o agente da revelação, o médium, ocuparia neste processo um papel fundamental,
dado que sem ele o fenômeno não se produziria. Lourenço Picó, entretanto, não dirigiu estas
recomendações aos adeptos de modo geral, - onde o conceito de revelação, não seria de todo
estranho -, mas aos homens de ciência, numa clara afirmação da cientificidade do Espiritismo,
dado que o texto procurava explicar as regras para a obtenção dos fenômenos espíritas àqueles
que cientificamente iriam investigá-los. A revelação como meio de conhecer a realidade
espiritual introduzia um componente religioso nas investigações de natureza científica, mas
que, no entanto, não fez o articulista situar-se fora do campo científico, ao contrário, procurou
construir um roteiro de pesquisa, que segundo ele, era eminentemente científico. Cremos que
as especificidades das pesquisas com os fenômenos espíritas enumeradas pelo articulista neste
período, serviram as suas intenções de conformá-los dentro de parâmetros de cientificidade e
de valorização do conhecimento científico. Posteriormente esta busca da validação científica
das pesquisas espíritas, daria lugar ao que Bernardo Lewgoy, denomina de demarcacionismo,
ou seja, a desvalorização religiosa da dimensão material, que redundou numa partilha dos
domínios material/científico e religioso/espiritual, onde a explicação científica aparece como
342
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.02.1938, Ano: XX, nº 03 e 04, p. 02
122
revelação, e não como experimento e prova. 343 No entanto, no período em questão – década
de 1930 - percebemos uma busca constante pela chancela do conhecimento científico ao
Espiritismo, por meio da incorporação da metapsíquica, como reafirmação da cientificidade
do Espiritismo e das orientações sobre a metodologia envolvida nas pesquisas espíritas, e
mesmo através da crítica aos preconceitos acadêmicos, expressos naquilo que denominamos
de ataque aos cientistas.
Podemos perceber, ainda, que a questão das diferenças metodológicas impostas para
apreensão dos fenômenos psíquicos era um tema recorrente nos artigos de Lourenço Picó. No
trecho transcrito abaixo, ele as atribui a natureza do mundo psíquico, que constituído de
fluidos, - a semelhança do fluído elétrico – não pode ser percebido somente pelo uso dos
sentidos.
Para a física moderna, e especialmente para a metapsíquica, a existência do
mundo ultra-sensível é uma realidade rigorosa como a que os nossos olhos
vêem. Este mundo principia onde os nossos sentidos perdem a eficácia
perceptiva, e onde a Tonica vibrante, deles ao chegar ao fim da própria
ondeada trajetória dá sua última latência vital.
O mesmo acontece aos habitantes desse mundo no qual, a diafaneidade de
seus constitutivos, impede-os de transpor o limbo espectral que nos
separa.(...)
É preciso, pois, procurar a causa em outro campo que não seja a puramente
material. Se a estrutura desse mundo apresenta as características inversas ao
nosso, não o deve ser pela constituição Elemental, mas porque não se trata
de um meio vital estático e sim, imponderável e diáfamo.
Pois bem, é sabido que os elementos desta ordem são precisamente a causa
imediata dos fenômenos elétricos, magnéticos, caloríficos, luminosos,
etc,..., todos eles invisíveis, escapam totalmente à longitude da onda dos
nossos sentidos; escapam, dizemos, mas não no ponto de vista da distancia,
como o demonstram os fenômenos elétricos cujo fluido não corre pelo
condutor mas que se propaga, como todo elemento de natureza fluídica.
Convém anotar aqui que estas características da matéria imponderável
tem uma semelhança notória com a chamada força psíquica,[grifos
nossos] a qual nos fatos supranormais de objetivação, da origem a uma série
de fenômenos luminosos, de movimento de objetos sem contato, telepáticos,
telepsíquicos, etc., com o dinamismo psíquico propulsor de todos os
fenômenos de ordem interior, em suma: como o elemento vitalizante da vida
subjetiva.344
343
LEWGOY, Bernardo. Representações de ciência e religião no espiritismo kardecista. Antigas e novas
configurações. Civitas, Porto Alegre, v. 6, n.2, jul.-dez. 2006, p.162.
344
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.06.1939, Ano: XXI, nº 11 e 12, p. 03.
123
que o agente destes fenômenos físicos – de composição fluídica- era invisível aos nossos
sentidos, assim como os agentes dos fenômenos espirituais. Esta explicação não era estranha
a Allan Kardec, que ao se referir ao mundo espiritual afirmava que sua natureza era de
constituição fluídica, e que ela escapava aos nossos sentidos materiais.
Argumento que foi retomado por Allan Kardec, inúmeras vezes, como por exemplo,
ao definir a constituição fluídica do perispírito:
O perispírito é o laço que une o espírito a matéria do corpo, sendo tirado do
meio ambiente, do fluido cósmico universal; contém ao mesmo tempo,
eletricidade, fluido magnético e, até certo ponto, a matéria inerte. 346
345
KARDEC, Allan. A Gênese. Os milagres e as predições segundo o Espiritismo. (Tradução de Guillon
Ribeiro.) Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1985. p. 275.
346
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. (Tradução de Salvador Gentile). São Paulo: Instituto de Difusão
Espírita, 1985. p. 140
347
DARTON, Robert. O lado oculto da revolução: Mesmer e o final do Iluminismo na França. (Tradução
Denise Bottmann). São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 23.
348
FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Mesmer, a ciência negada e os textos escondidos. (Tradução do francês
dos textos de Mesmer de Álvaro Glerean). Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2005. p. 77 -80
349
DARTON, Op. Cit. p. 42.
124
350
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.06.1939, Ano: XXI, nº 11 e 12, p.05.
351
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1998.
125
científicos e nem místicos.352 Outra explicação, bastante viável, para ênfase na ciência e na
religião como definidoras da doutrina espírita reside no anseio antigo entre as camadas mais
intelectualizadas da população brasileira, de através do pensamento científico, estudar e
investigar os fenômenos mediúnicos, rejeitando os dogmas católicos, incompatíveis com as
aspirações intelectuais de parte da população urbana, 353 da qual faziam parte os colaboradores
do Jornal Espírita.
Ao tomarmos o Jornal Espírita - periódico para o qual contribuíam parte significativa
dos intelectuais espíritas gaúchos, como Carlos Fuhro -, podemos notar a ênfase histórica
neste tipo de concepção que apresentava o espiritismo como capaz de realizar a conjugação da
ciência e da fé. Expressões como ciência religiosa ou religião científica aparecem associadas
à idéia de fenômenos naturais, fenômenos que acessíveis à observação, formariam a base do
Espiritismo, não deixando dúvidas ao leitor que se tratava de um conhecimento de origem
científica. Através da imprensa – especificamente através do Jornal Espírita - o articulista
procura interferir na leitura que público deveria fazer do espiritismo, ou seja, buscava
apresentá-lo como simultaneamente ciência e religião.
Não foram poucos os articulistas do jornal que enfatizavam e acentuavam o viés
científico do espiritismo, ao destacar seu caráter duplo, de ciência e religião. A exemplo do
artigo de Carlos Fuhro, Carlos Imbassahy, apresentou o Espiritismo como um corpo
doutrinário, de fundo religioso, cujo conhecimento era adquirido pelos processos da ciência.
Fazendo cair o destaque no aspecto científico da doutrina, mesmo quando apontava para as
conotações de ordem moral e religiosa do Espiritismo.
352
ARRIBAS, Célia da Graça. Espíritas e católicos: os “adversários cúmplices” na formação do campo religioso
brasileiro. Debates do NER, Porto Alegre, Ano: 10, nº 15, jun. 2009, p. 26.
353
CAMARGO, Cândido Procópio F. de Camargo. Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 1973. p. 163.
126
354
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.10.1935, Ano: XVII, nº 19, p. 01.
355
INCONTRI, Dora. Personagens e lideranças espíritas do Brasil-Império ao Brasil-República. A recuperação
de um diálogo histórico. 2008. p. 05. Disponível em: http://pedagogiaespirita.org.br/texto/13htm.
356
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.06.1931, Ano: XIII, nº 10, p. 01.
127
Para nós, modernos entre os modernos, essa audácia filosófica dos que
reconhecem “a priori” a necessidade do espírito humano chegar a verdade
prescindindo do absoluto, mesmo com a “ciência moderna”, é algo que não
tem mais valor que o de um conjunto de palavras sem sentido. A ciência
moderna, a ciência de todos os tempos não será ciência se não tiver por
finalidade descobrir as realidades do universo; e se a razão se empenha em
não reconhecer, simplesmente porque não a pode explicar nem definir,
porque ela só compreende com suficiência o que o homem percebe pelas
vias sensoriais, o mundo para o qual tem sido criada e onde se exerce. 357
357
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.05.1936, Ano: XVIII, nº 10, p. 04
128
358
PESAVENTO, Sandra. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 91
359
BULHÕES, Maria Amélia. Saudáveis oportunismos ou reflexões sobre a modernidade e pós-modernidade na
América Latina. Estudos Ibero-Americanos, PUCRS, vol. XXVI, nº 2, p. 152, dezembro 2000.
360
Op. Cit. p. 152
129
361
ISAIA, Artur César. Espiritismo, modernidade e discurso médico-psiquiátrico: a tese de Brasílio Marcondes
Machado na Faculdade de medicina do Rio de Janeiro. Comunicação apresentada na reunião da Sociedade
Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH), 2006, p. 02. Disponível em: http://sbph.org/reuniao/26/grupos/Historia-
Religioes-Praticas-Religiosas/
362
LEWGOY, Bernardo. O grande mediador: Chico Xavier e a cultura brasileira. Bauru, SP: EDUSC, 2004. p.
101
363
GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos Mortos. Uma História da Condenação e legitimação do Espiritismo.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p. 221 e 230.
364
Revista A Reencarnação, Porto Alegre, dezembro de 1971, Ano: XXXVIII, p. 32
365
RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. Castilhismo: uma filosofia da República - atualidade da doutrina de Julio de
Castilhos, no centenário da sua morte. Coleção Sujeito & perspectiva Vol. 1 p. 32
130
exemplo podemos considerar o discurso em torno da noção de modernidade que se traduz nas
modificações do espaço urbano. O intendente eleito José Montaury de Aguiar Leitão,
empossado por Borges de Medeiros, que administrou a cidade de 1897 a 1924, colocou em
prática um plano de mudanças do espaço urbano, inspirado pelo debate científico europeu,
relativo à higiene e o saneamento. Mesmo que muitas das mudanças não tenham se
concretizado, elas refletiam o desejo de matriz republicana e positivista de modernidade e da
organização disciplinada do espaço urbano.366
No entanto, não foram somente as transformações urbanas, em Porto Alegre, que
denotam esta influência do discurso em torno da modernidade. Acreditamos que o discurso
sobre a questão da modernidade, transcendeu mesmo as intervenções espaciais, e esteve
presente, também, na imprensa espírita que circula, em Porto Alegre, especificamente, em
jornais como o de Paulo Hecker, pela sua ênfase no papel da ciência, como definidora do
Espiritismo. Esta inferência é corroborada pelo fato de o Jornal Espírita, ter sido um meio de
divulgação do espiritismo como conhecimento científico, procurando legitimá-lo a partir,
principalmente, de categorias como a cientificidade. Acreditamos que a partir do destaque
atribuído à cientificidade, os articulistas do Jornal Espírita procuram legitimar-se, ao mesmo
tempo, em que se constituíam num interlocutor respeitável dentro de um panorama histórico
que se quer racional e moderno.
Uma racionalidade e cientificidade cuja referência era a Europa, que inspiravam tanto
na organização do espaço urbano, a exemplo das mudanças do espaço urbano de José
Montaury, quanto os discursos dos articulistas do Jornal Espírita, imbuídos das teorias sociais
do século XIX, cujos reflexos se fizeram sentir, como vimos nas referências ao materialismo e
ao espiritualismo, e na defesa do Espiritismo como uma doutrina – evolucionista -, capaz de
conjugar a ciência e a fé.
No caso específico do Espiritismo ele havia surgido na França da segunda metade do
século 19, em meio à segunda fase da revolução industrial, um panorama marcado pelo
crescimento urbano, desenvolvimento tecnológico e circulação de doutrinas científicas e
sociais, como o socialismo e o anarquismo. 367 Onde a ciência era um símbolo iluminista de
maçons, socialistas e espíritas. 368 Uma conjuntura social e econômica responsável, muito
366
PESAVENTO, op.cit., 1999, p.263, 265 e 270
367
GIL, Marcelo Freitas. Trabalhadores, maçonaria e espiritismo em Pelotas: 1877 -1937, IV Jornada do GT
Mundos do Trabalho, outubro de 2007, p. 314 Disponível:
http://www.ufpel.edu.br/ich/ndh/IVJornadaGTMundosdoTrabalho/completos/Marcelo_Freitas_Gil.pdf
368
LEWGOY, Bernardo. Representações de ciência e religião no espiritismo kardecista. Antigas e novas
configurações. Civitas, Porto Alegre, v. 6, n.2, jul.-dez. 2006, p.157.
131
369
DAMAZIO, Sylvia F. Da Elite ao Povo. Advento e expansão do Espiritismo no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Bertrand Brasil, 1994. p. 151.
370
LEWGOY, .. Op. Cit. p.159.
371
DAMAZIO, Op. Cit. p. 151.
132
372
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.01.1933, Ano: XV, nº 02, p. 02.
373
Jornal Espírita, Porto Alegre, 16.10.1938, Ano: XX, nº 20, p. 01.
133
acontecimento fortuito – o movimento das mesas girantes – descobre novas leis, como na
célebre e popular história da queda da maça que teria levado o cientista britânico a investigar
a leis que regem a gravitação universal.
Este marco na história da ciência, que era o Espiritismo, segundo outro articulista do
jornal, S. M. Lemos, veio num momento em que a ciência assentava solidamente suas bases;
surgia na segunda metade do século XIX, em pleno século das luzes.
Neste artigo a narrativa, construída dentro uma perspectiva marcada pela idéia de
progresso, assinalava que a marcha acumulativa do conhecimento criara o momento oportuno
para o surgimento do Espiritismo. Para confirmar este fato os articulistas reforçavam que os
fenômenos espíritas eram estudados por grandes nomes das ciências - principalmente da física
e da química -, do século XIX, e que muitos deles após as experimentações, acabavam por
concluir pela autenticidade dos fenômenos, e não raro, tornavam-se adeptos do espiritismo.
Este tipo de afimação era utilizado por inúmeros articulistas, como Alcinda Taborda,
que identificava nos testemunhos de Willian Crookes, Alfred Russel Wallace, Charles Richet
e Cesare Lombroso, a base da cientificidade do Espiritismo, todos eles homens da ciência.375
Estes testemunhos eram constantemente evocados como um argumento de autoridade
científica para validar os fenômenos espíritas. Neste fragmento do artigo de João Maia,
transcrito abaixo, além de Cesare Lombroso, conhecido pelos seus estudos de antropologia
criminal, William Crookes, e Charles Richet, todos freqüentemente listados como cientistas
ligados aos estudos de fenômenos espíritas pelos colaboradores do Jornal Espírita, o
articulista inclui o nome Charcot, para atestar a autenticidade dos fenômenos de origem
espiritual.
374
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.01.1935, Ano: XVII, nº 01, p. 01.
375
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.07.1932, Ano: XIV, nº 12 e 13, p. 03.
134
376
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.01.1932, Ano: XIV, nº 01, 01
377
GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos Mortos. Uma História da Condenação e legitimação do
Espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p. 150 -151.
378
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.10.1932, Ano: XIV, nº 19, p.03.
135
379
É possível que espíritas como Teodoro Doleys e Mariano D’Aragona, pela sua condição de imigrantes,
ligados a produção cientifica de seus países, assumam uma postura mais fortemente científica. Uma hipótese que
abre espaço para investigações futuras sobre os diferentes “espiritismos”.
380
“Fatos Espíritas observados por William Crookes e outros sábios com uma carta dirigida ao tradutor, em
fevereiro de 1897, pelo eminente criminalista Cesar Lombroso” Tradução de Oscar D’Argonnel. Rio de Janeiro:
FEB, 1971. p. 118
381
Jornal Espírita, Porto Alegre, 01.06.1933, Ano: XV, nº 11, p. 01
382
SOARES, Rogers Teixeira. Ciência e Progresso na Cosmologia Espírita, 2007. Disponível em:
http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/CPCE.pdf. p. 09.
136
havia provocado uma revolução nas pesquisas científicas. A despeito das críticas, o
espiritismo era apresentado como conhecimento moderno e revolucionário, herdeiro de toda
uma tradição científica, que vinha desde o século XVI, e compatível com o momento
histórico – década de 1930 -, no qual Getúlio Vargas surgia, conforme Mariano Rango
D’Aragona, como promotor da transformação econômica e industrial do país, e era
apresentado por como o homem “moderno” e “revolucionário”.
383
Jornal Espírita Ano: XX nº02 Porto Alegre 16. 01.1938. p. 03
137
CONCLUSÃO
jornalistas; uma elite intelectual, envolvida na difusão das idéias espíritas, em torno, inúmeras
vezes, da identificação do Espiritismo com a ciência.
A despeito da sua face religiosa e filosófica, a doutrina espírita era apresentada pelos
articulistas, para os adeptos e os leigos, como uma ciência, á semelhança de ciências como a
física ou a química. Num momento que consideramos de difusão do Espiritismo, com
palestras nos teatros da capital, acreditamos que esta afirmação revela não somente a
influência das teorias sociais do século XIX – positivismo, evolucionismo,..- de forte viés
racionalista, na argumentação dos diversos articulistas, mas objetivava reforçar a
identificação do Espiritismo como um saber científico, num contexto intelectual local ainda
marcado por estas mesmas correntes teóricas. Uma identificação que foi destacada mesmo
quando os articulistas teceram criticas ao materialismo e ao positivismo, dado que não
propuseram uma ruptura do Espiritismo com a ciência, mas uma ampliação do seu campo de
análise, um “positivismo espiritual”.
Pudemos perceber, também, que a definição do Espiritismo como uma ciência,
reforçada nos artigos e editoriais do Jornal Espírita, guardava relação direta com a
conceituação dada por Allan Kardec para o Espiritismo, que o entendia como um
conhecimento científico. Esta constatação foi amplamente sustentada a partir da
contabilização dos textos do jornal que tratavam da questão da ciência e do Espiritismo, que
via de regra associava a doutrina espírita a idéia de uma ciência, principalmente, se
considerarmos a categoria que dominamos “O Espiritismo identificado com a ciência” que
totalizam 69,6 % dos artigos e editoriais analisados. O mesmo se deu quando analisamos os
textos incluídos na categoria “O Espiritismo como crítica à ciência”, que reuniu as objeções
dos articulistas aos cientistas e à ciência oficial, que apesar do ataque desferido às instituições
e aos representantes do saber acadêmico, buscava constantemente afirmar seu status
científico.
A partir da utilização análise de conteúdo (AC) pudemos fazer uma identificação das
formas de entrada no tema, o que nos permitiu um aprofundamento do estudo. O corte vertical
que realizamos, posteriormente, foi capaz de revelar como os articulistas viam a relação do
Espiritismo com ciência, os outros grupos pretensamente científicos, e aqueles ligados à
ciência oficial, bem como os argumentos através dos quais os espíritas procuravam reafirmar
a representação do Espiritismo como uma ciência.
Após a divisão das cinco formas de abordagem da questão ciência e espiritismo – “O
Espiritismo e materialismo”, “O Espiritismo e o ataque aos cientistas”, “O Espiritismo,
metapsíquica e a parapsicologia”, “O Espiritismo como uma ciência singular” e “O
139
Referências Bibliográficas
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2. Anais e históricos
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ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva de. Uma fábrica de loucos: Psiquiatria x Espiritismo
no Brasil (1900-1950). Tese de doutorado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
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ANEXOS
151
ANEXO A
Espiritismo
Trajetória histórica no Brasil
1853: As primeiras notícias sobre as mesas girantes foram veiculadas na imprensa do Brasil.
O Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro, publicou artigo do Dr. José da Gama e Castro.
1854: No jornal O Cearense se empregou pela 1º vez a palavra médium na imprensa
brasileira.
1860: Casimir Lieutaud ( destacado membro da colônia francesa no Brasil, homem de
cultura, contista e diretor do Colégio Francês) publicou o 1º livro espírita no Brasil – Les
Temps sont Arrivés.
Observação: O Espiritismo na Corte é praticamente neste momento monopólio da
colônia francesa. Foram Casimir Lieutaud, Adolphe Hubert(editor do Courrier du Brésil),
Morin e a médium psicógrafa madame Perret Collard os responsáveis pela introdução da
doutrina espírita no Brasil. O espiritismo também vinha enlaçado às mais modernas doutrinas
liberais. Em particular ao socialismo, as teorias de Charles Fourier e Pierre Leroux.
1862: Alexandre Canu( materialista francês, convertido ao espiritismo) traduziu a primeira
obra de Allan Kardec para o português – O Espiritismo. A tiragem atingiu principalmente
Portugual. Canu traduziu também Le Spiritisme à Sa Simple Expression.
1863: Manuel Araújo Porto Alegre, Barão de Santo Ângelo, recebeu de Allan Kardec um
número da Revue Spirite enviado de Paris. O Barão era adepto da doutrina dos espíritos, mas
com discrição.
Observação: Porto Alegre confidenciou mais tarde que a própria princesa Isabel lhe
pedira para saber quem era seu protetor.
17.09.1865: Fundado em Salvador, Bahia, o 1º Grupo Espírita do Brasil: O Grupo
Familiar do Espiritismo pelo Dr. Luís Olimpio Telles de Meneses. Telles de Meneses era
jornalista e professor.
1866: Luís Olímpio Teles de Meneses publica em Salvador a sua tradução da Filosofia
Espiritualista: o espiritismo. Introdução ao estudo da doutrina espirítica, que continha
trechos selecionados do Livro dos Espíritos( esta edição atingiu 1.000 exemplares). Ao
mesmo tempo em São Paulo , pela Tipografia Literária era publicado: O espiritismo reduzido
a sua mais simples expressão, sem indicação de autor.
152
1866: J.B. Roustaing publica Os quatro evangelhos. Obra de exegese bíblica, recebida com
cautela por Allan Kardec.
1867: O Dr. Luís Olímpio escreveu a primeira formulação brasileira sobre o espiritismo: O
espiritismo: carta ao excelentíssimo e reverendíssimo senhor arcebispo da Bahia, d. Manuel
Joaquim da Silveira.
1869: Entrou em circulação em Salvador o 1º jornal espírita brasileiro – O Echo D’Além-
Túmulo. Sob a responsabilidade de Luís Olímpio Telles de Meneses.
1870: Roustaing envia Os quatro evangelhos ao Dr. Luís Olímpio Telles de Meneses, que
registrou no Echo D’Além-Túmulo.
1870: O Manifesto Republicano deste ano trazia nomes de espíritas como Bittencourt
Sampaio, Otaviano Hudson e de Antônio Silva Neto. Além de simpatizantes como Quintino
Bocaiúva e Saldanha Marinho.
Observação: Os espíritas do período eram, de um modo geral, republicanos,
abolicionistas e liberais. Um exemplo deste tipo de vinculação, está no fato de que em 1884 a
Federação Espírita Brasileira (criada neste ano) fez uma subscrição popular para alforriar
escravos.
24.08.1871: O espiritismo fez sua primeira tentativa de ser reconhecido oficialmente. O Dr.
Luís Olímpio Telles de Meneses solicitava a aprovação para os estatutos e a autorização para
funcionamento da Sociedade Espírita Brasileira. A aprovação foi taxativamente negada. Este
fato marca o deslocamento das lutas dos espíritas da Bahia para o Rio de Janeiro.
1873: Criação no Rio de Janeiro da Sociedade de Estudos Espíritas- Grupo Confúcio.
Presidida por Silva Neto. Nela receitava-se homeopatia e davam-se passes. Este grupo foi
responsável pela tradução das obras básicas do espiritismo. Estas traduções foram editadas
sob o patrocínio do editor Garnier, na época o maior do Brasil.
1874: Saiu a tradução de A Fórmula do Espiritismo, do Alverico Peron. Autor espanhol que
na época influenciou os espíritas brasileiros, principalmente, devido a repressão pelo clero.
1874: Repercussão entre os espíritas brasileiros do celebre “Processo dos espíritas”. Processo
movido contra Pierre-Gaetan Leymarie (substituto de Kardec como editor da Revue Spirite) e
o fotógrafo Buguet. Ambos foram condenados a um ano de prisão por fraudarem as
fotografias obtidas de espíritos com clientes da Revue Spirite. Buguet posteriormente admite
que fraudou as fotografias e inocenta Leymarie.
1875: O editor Garnier lançou por iniciativa do Grupo Confúcio: Como e porque me tornei
espírita de J. B. Borneau, e três das obras básicas do espiritismo: O Livro dos Espíritos, O
153
Céu e o Inferno e O livro dos Médiuns com tradução do Dr. Joaquim Carlos Travassos. Carlos
Travassos era secretário do Grupo Confúcio.
1875: Antônio Silva neto, Presidente da Sociedade de Estudos Espíritas, Grupo Confúcio,
lançou a Revista Espírita, que durou apenas seis números.
1876: O Grupo Confúcio foi dissolvido.
1876: Criação no Rio de Janeiro, pelos antigos membros do Grupo Confúcio, da Sociedade
de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, dirigida por Bittencourt Sampaio. Mais tarde
transformada em Sociedade Acadêmica de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, sob
o comando do Prof. Angeli Torterolli.
1876: Foi traduzido O Evangelho Segundo o Espiritismo, pela editora de Garnier , tendo
como tradutor o Dr. Joaquim Carlos Travassos.
1877: Criação no Rio de Janeiro da Congregação Espírita Anjo Ismael.
1878: Criação no Rio de Janeiro do Grupo Espírita Caridade. Este e o grupo Congregação
Espírita Anjo Ismael(1877), surgiram das divergências existentes entre os membros da
Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade.
1880: Criação no Rio de Janeiro da Sociedade Espírita Fraternidade. Mais tarde este
grupo daria origem ao Grupo dos Humildes ou grupo de “Sayão”, liderados por Antônio
Luiz Sayão, e depois transformado em Grupo Ismael, após a sua incorporação a FEB.
Observação: A Sociedade Espírita Fraternidade transformou-se algum tempo
depois em Sociedade Espírita Psicológica Fraternidade. Dedicou-se a face científica do
espiritismo, com experimentações de hipnotismo, efeitos físicos e materialização. Dissolveu-
se em 1893
1881: Criação do Grupo Espírita Humildade e Fraternidade a partir da Sociedade Espírita
Fraternidade.
1883: Tradução pelo Major Everton Quadros( que iria a ser o 1º Presidente da FEB) de Os
Quatro Evangelhos de Roustaing.
1883: Fundação do jornal O Reformador pelo fotógrafo português Augusto Elias da Silva.
Semanário destinado a difundir a doutrina espírita. Passaria este jornal, no ano seguinte, a ser
o órgão oficial de divulgação da FEB.
1884: Fundação da Federação Espírita Brasileira(FEB) no Rio de Janeiro. Cujo
primeiro presidente foi o major Francisco Raimundo Everton Quadros. Maranhense, foi
diretor do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro e Comandante da Escola Naval. Reformado no
posto de marechal em 1895, tornou-se o sexto presidente do Clube Militar.
154
ANEXO B
Ilustração 5 - Paulo Hecker em 1951. Sessão de encerramento do 2º Congresso Espírita do Rio Grande do Sul.