Peça V

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PEÇA V

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE __

ELIETE, devidamente qualificada nos autos do Processo-crime n. __, que lhe move o Ministério Público do Estado de __,
neste ato representado por membro da Defensoria Pública do Estado de __ que esta subscreve, não conformada com a respeitável
sentença que a condenou como incursa nas penas do art. 155, § 3º, II, do Código Penal, vem, respeitosamente, perante Vossa
Excelência, dentro do prazo legal, interpor RECURSO DE APELAÇÃO, com fundamento no art. 593, I, do Código de Processo Penal.

Requer seja recebida e processada a presente apelação e encaminhada, com as inclusas razões, ao Egrégio Tribunal de
Justiça.

Nestes termos,
Pede deferimento.

____, 21 de fevereiro de 2011.

___________________
(Assinatura do Defensor Público)

RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO

APELANTE: Eliete
APELADO: Ministério Público do Estado de __
PROCESSO N. ___

Egrégio Tribunal de Justiça,


Colenda Câmara,
Douto Procurador de Justiça.

Em que pese o indiscutível saber jurídico do Meritíssimo juiz “a quo”, impõe-se a reforma da respeitável sentença
proferida contra a Apelante, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

I – DOS FATOS

A apelante, Eliete, foi denunciada por ter, supostamente, praticado o delito de furto qualificado por abuso de confiança
(art. 155, § 3º, II, do CP) contra Cláudio. Segundo consta da denúncia, a denunciada teria se aproveitado da profissão de empregada
doméstica da vítima para furtar a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais), condição pessoal esta que, conforme a acusação, implicaria
a qualificação do delito por abuso de confiança.

O crime teria ocorrido em 20 de dezembro de 2006, sendo a denúncia oferecida em 10 de janeiro de 2007 e recebida em
12 de janeiro de 2007. Em 10 de dezembro de 2009 foi prolatada sentença para condenar a apelante à pena de 02 (dois) anos de
reclusão, em razão da prática do crime previsto no art. 155, § 2º, IV, do CP.

Da sentença foi interposto recurso de apelação exclusivo da defesa, pleiteando a anulação de toda a instrução criminal,
ante a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento injustificado de uma pergunta formulada a uma
testemunha. O Tribunal de Justiça julgou procedente o recurso para anular a sentença.
Após a realização da instrução criminal, com a oitiva da referida testemunha e juntada de comprovação de rendimentos
mensais da vítima, e apresentação de memoriais, foi proferida, em 09 de fevereiro de 2011, nova sentença penal condenando Eliete
à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, convertida em restritivas de direitos, consubstanciada na prestação de 08
(oito) horas semanais de serviços comunitários, durante o período de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses em instituição a ser definida
pelo juízo de execuções penais. De acordo com as razões de decidir, a pena-base foi exasperada do mínimo sob o fundamento do
abuso de confiança configurar circunstância judicial desfavorável.

II – DO DIREITO

a)     Nulidade da sentença

Em um primeiro momento a ré fora condenada à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão. De tal decisão
interpôs-se recurso de apelação, pleiteando a anulação da sentença, por cerceamento de defesa. Ressalte-se que o Ministério
Público dela não recorreu. Analisando o recurso exclusivo da defesa, o Tribunal de Justiça julgou-o totalmente procedente para
anular a decisão de primeiro grau.

Após nova instrução, o juiz “a quo” prolatou nova decisão, condenando a ré à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de
reclusão. Dessa decisão interpôs-se o presente recurso, também exclusivo da defesa.

Do exposto observa-se um claro equívoco na dosimetria da pena, uma vez que a segunda sentença majorou a pena em
relação à sentença anterior. A pena foi alçada de 02 (dois) anos para 02 (anos) e 06 (seis) meses de reclusão. A técnica estaria
correta se não fosse a ausência de recurso da acusação na primeira sentença. Vale lembrar que o juiz está atrelado ao recurso
exclusivo da defesa, não sendo permitida a piora da situação do réu (art. 617 do CPP), sob pena de se desestimular a interposição de
recursos e se ferir o sistema acusatório.

Deste modo, com apoio na jurisprudência dos tribunais superiores e na doutrina, a sentença que majorar a pena em
relação à sentença anteriormente anulada, por recurso de apelação exclusivo da defesa, implicará o fenômeno processual da
“reformatio in pejus” indireta, cujo efeito também será a nulidade da decisão.

b)     Prescrição da pretensão punitiva retroativa

Com a nulidade da sentença, o magistrado estará limitado à fixação da pena definitiva em, no máximo, 02 (dois) anos de
reclusão, lembrando ser esta a sanção aplicada na primeira sentença anulada. Tudo isso se justifica para evitar a reprovável
“reformatio in pejus” indireta, consoante já afirmado no tópico anterior.

Com efeito, a prescrição retroativa (art. 110, §1º, do CP), que é contada do trânsito em julgado para a acusação
caminhando em direção às causas interruptivas a ela anteriores (a exemplo da sentença e do recebimento da denúncia), será
verificada com o transcurso de tempo superior a quatro anos, porquanto os dois anos de pena imposta prescrevem em quatro anos,
nos termos do art. 109, V, do CP.

Como já transcorreram mais de quatro anos entre a primeira causa interruptiva da prescrição, o recebimento da denúncia
(art. 117, I, do CP), datada de 12 de janeiro de 2007, e a presente data, vez que a sentença a ser anulada deixará de constituir marco
interruptivo do lapso prescricional, resta a declaração da prescrição da pretensão punitiva retroativa, por ser o prazo superior a
quatro anos. Ademais, mesmo se levando em consideração o prazo da sentença a ser anulada, 16 de fevereiro de 2011, verificar-se-á
superado o lapso prescricional para a decretação da extinção da punibilidade (art. 107, IV, do CP).

c)     Atipicidade material (princípio da insignificância)

Com base nas lições de Eugenio Raul Zaffaroni, a tipicidade, elemento integrante do primeiro substrato do crime, é divida
em tipidicade formal e tipicidade conglobante. Esta última, por sua vez, é subdividida em tipicidade material e antinormatividade.
Para o presente caso, é pertinente a abordagem da tipicidade material.
Para a doutrina, a tipicidade material consiste na avaliação da existência ou não de lesões significativas ao bem jurídico
protegido pelo tipo penal. Aqui reside a excludente de tipicidade princípio da insignificância.

O crime supostamente praticado, furto qualificado (art. 155, § 3º, II, do CP), fere o bem jurídico patrimônio. Dessa forma,
afere-se a significância da lesão baseando-se no conteúdo econômico do objeto furtado bem como na condição financeira da vítima.
O objeto do delito seria a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais), valor este de pequena monta quando comparado ao patrimônio da
vítima, ocupante do cargo de presidente da maior empresa do Brasil no segmento de venda de alimentos no varejo. Para ir além do
âmbito das presunções, juntou-se aos autos a comprovação dos rendimentos da vítima, que giram em torno de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais) mensais (doc. pág.).

Sendo assim, a sentença “a quo” deve ser reformada para absolver a apelante, com espeque na ausência de justa causa
em razão de atipicidade do fato (art. 386, III, do CPP), visto ser a conduta causadora de lesão insignificante, vislumbrada da
comparação do valor do objeto (cinquenta reais) com os rendimentos mensais da vítima (cinquenta mil reais).

d)     Desclassificação da conduta para furto simples privilegiado (art. 155, “caput” e §2º, do CP)

A apelante, conforme já afirmado, foi condenada à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses pela prática de furto
qualificado pelo abuso de confiança, cuja pena mínima é de 02 (dois) anos (art. 155, § 3º, II, do CP).

A “ratio decidendi” para a qualificação do crime escorou-se no fato de a ré exercer a profissão de empregada doméstica
na residência da vítima. Tal condição, nos termos da acusação, facilitaria a empreitada criminosa, sendo merecedora de maior
reprimenda.

Todavia, o simples fato de a autora ser empregada doméstica e ter acesso à casa da vítima não importa na qualificadora
de abuso de confiança, ainda mais quando a ré acaba de ser contratada. O pouco tempo de serviço ficou consignado e comprovado
na instrução criminal. Eliete foi contratada por Cláudio havia uma semana e só tinha a obrigação de trabalhar às segundas, quartas e
sextas-feiras, de modo que o suposto fato criminoso teria ocorrido no terceiro dia de trabalho da doméstica.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a simples condição de empregada doméstica não configura,
por si só, a qualificadora de abuso de confiança, sendo necessária a análise do caso concreto. Nesses termos, pode-se extrair do
julgado que o abuso de confiança da empregada doméstica será vislumbrado por meio do tempo de serviço prestado à vítima bem
como pelo grau de intimidade e confiança depositado pelo patrão em seu empregado.

Em conclusão, o pouco tempo de serviço afasta a incidência da qualificadora, devendo ser o delito desclassificado para
furto simples (“emendatio libelli” – art. 383 do CPP), cuja pena mínima é de 01 (um) ano. Dessa forma, a apelante passa a ter direito
subjetivo à suspensão condicional do processo, instituto despenalizador com previsão legal no art. 89 da Lei 9.099/95.

Ademais, a apelante preenche os requisitos para a causa de redução de pena em razão do pequeno valor da coisa furtada,
podendo o juiz, neste caso, substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena
de multa (art. 155, § 2º, do CP).

e)     Punição excessiva da pena privativa de liberdade

Na primeira fase de dosimetria da pena, o juiz justificou a fixação da pena-base acima do mínimo sob o argumento de que
a ré possuía circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma vez que se reveste de enorme gravidade a prática de crimes em que se abusa
da confiança depositada no agente.

Embora respeitável a argumentação jurídica, incorreu em grave equívoco o juiz “a quo”. Os Tribunais Superiores já
assentaram em suas jurisprudências configurar “bis in idem” a exasperação da pena-base sob a mesma fundamentação da
qualificadora do crime. Em outras palavras, inadmite-se a majoração da pena-base com fulcro em circunstância judicial desfavorável
ao agente que também qualifica o crime, até porque a pena seria majorada duas vezes: uma pela qualificadora, que delimita os
limites máximo e mínimo da pena nas duas primeiras fases de fixação da pena; e outra pela circunstância judicial desfavorável.

Destarte, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal como forma de se evitar a punição excessiva.

f)      Punição excessiva da pena restritiva de direitos

A sentença converteu a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, impondo o cumprimento de prestação de
serviços à comunidade à razão de 08 (oito) horas semanais. Ocorre que a fração de horas semanais contraria a disposição do art. 46,
§3º, do CP, eis que esta regra deixa clara que a fração máxima é de 01 (uma) hora por dia, portanto, 07 (sete) horas semanais. Assim,
requer seja reformada a sentença para fixar a pena restritiva de direitos à razão de 07 (sete) horas semanais.

III – DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer seja conhecido e provido o presente recurso, para anular a sentença (art. 617 do CPP); em não
se acolhendo o pleito, requer seja extinta a punibilidade do agente por força da prescrição (art. 107, IV, do CP); subsidiariamente
requer a absolvição da apelante por atipicidade da conduta (art. 386, III, do CPP); caso nenhum dos pedidos antecedentes seja
acolhido, requer a desclassificação do delito para o previsto no art. 155, “caput”, do Código Penal (art. 383 do CPP) com a causa de
redução de pena inscrita no § 2º do mesmo artigo, bem como a concessão do benefício da suspensão condicional do processo (art.
89 da Lei 9.099/95); ainda, no caso de negativa de todas as teses, requer a fixação da pena no mínimo legal; por fim, requer a
reforma da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade para ser cumprida à razão de 07 (sete) horas semanais.

Local, 14 de fevereiro 2011


Fulano de tal - OAB n.:________

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