E-Book Narrativas Diversas
E-Book Narrativas Diversas
E-Book Narrativas Diversas
Organizadores
Andréa Moraes
Jackson Tea
Thiago Pirajira
Porto Alegre
2022
SUMÁRIO
5 APRESENTAÇÃO
NARRATIVAS
DIVERSAS
Os escritos que compõem esta publicação
são derivados das análises e diálogos es-
tabelecidos no II Seminário Discente Nar-
rativas Diversas nas Artes Cênicas, pro-
movido pelo Programa de Pós-graduação
em Artes Cênicas do Instituto de Artes da
Universidade Federal de Rio Grande do
Sul, em dezembro de 2021.
Neste compêndio, além de termos
a possibilidade convencional de acesso ao
conteúdo, por meio da leitura, apresen-
tam-se propostas multiverso, na qual
alguns capítulos são apresentados em
formato de áudio, em um arquivo digital
transmitido através de hiperligação, ou
seja, através de uma palavra que, quan-
do é clicada pelo leitor, o encaminha para
outra página na internet, a qual contém o
tópico em formato de áudio que possibili-
ta uma variedade de percepção para leito-
res videntes e não videntes.
DANÇAS NEGRAS
E DIÁSPORA:
visibilidades
epistêmicas
Luciano Correa Tavares
Lindete Souza
Deise de Brito
Kleber Lourenço
As linhas que se seguem apresentam falas
da Roda de Conversa que aconteceu na se-
gunda edição do Seminário Narrativas Di-
versas. A referida mesa partiu de um olhar
para danças afrodiaspóricas com o objeti-
vo de pautar pesquisas no âmbito das artes
da dança em que as danças negras da diás-
pora formam outras epistemes. Em verda-
de, epistemes que já existiam, porém não
eram vistas como se deveria, contrapon-
do-se aos modos de hegemônicos do fazer
dança, do pensar dança e do ensinar dan-
ça - quer dizer, ao conhecimento branco
europeu que há séculos se estabeleceu em
todos os âmbitos sociais, e que nas artes
não ocorreu diferente. Trazer essas ou-
tras epistemes foi uma maneira de tornar
visível o que durante muito tempo esteve
inviabilizado, esquecido, apagado. Desse
modo, as falas foram no sentido de reve-
renciar, reconhecer e resgatar os saberes e
os fazeres das ancestralidades de um povo,
de modo direto ou indireto de cada parti-
cipante. As discussões sobre as pesquisas
revelaram historicamente e criticamente
as produções artísticas do vasto território
brasileiro. Na sequência seguem as falas,
de modo editado, do seminário.
Luciano Tavares
Deise de Brito
Aí ele diz:
Ele disse:
Aí ela diz:
- Pessoas como você não podem ser bailarinos, não sei quem
enfia na cabeça de vocês que vocês têm que ser bailarinos.
Pessoas como você têm que ir para a feira vender limão na
feira e é pra lá que você tem que ir, não aqui.
Ele engole seco, não discu- maravilhoso, a vanguardista que foi
te com ela, passa... vai fazer a aula, criada nessa época em 1979 que foi
chora muito. Quem conhece Salva- “Os Frutos Tropicais”, um grupo só
dor, em frente a essa escola do teatro de homens. Então, o ano era 1979 e
tem um monumento do Caboclo e a esse rapaz, o Luiz Bokanha, negro e
gente sempre diz “foi chorar no pé periférico, era bolsista e fazia suas
do Caboclo”, ele não! Literalmente, aulas de ballet sem faltar uma aula
ele não foi chorar no pé do Caboclo. sequer, porém, insatisfeito porque
Aí ele entra na sala de aula, segura a estava sempre carregando as baila-
barra, faz a aula dele toda de ballet, rinas brancas, eles não viam dança
chorando, mas continua o trajeto para eles, eles não se encontravam
dele na vida como bailarino. nas danças oferecidas e nem eram
Dali, dessa história ouvida chamados para assumirem os papeis
naquele dia na Universidade Federal predestinados dentro do ballet.
da Bahia, eu converso com ele e deci- Então, Eurico de Jesus, Luiz
do escrever um pré-projeto de mes- Bokanha e Antônio Alcântara esta-
trado que foi aprovado pela Univer- vam reunidos conversando na rampa
sidade Federal da Bahia. Eu defendi do Teatro Castro Alves e insatisfeitos
a minha dissertação no dia 30 de se- em não dançarem e não consegui-
tembro deste ano (2021) e o título era rem mostrar o potencial que tinham
O corpo negro negado à dança clássica: - porque eles acreditavam e sabia
não vendi limão na feira! Vida Conse- que eles tinham potencial - eles re-
guida do bailarino Luiz Bokanha. solvem criar um grupo e que eles ba-
Esse rapaz, o nome dele é tizaram de “Frutos Tropicais” e eles
Luiz Bokanha, no ano de 1979 ele se disseram “O grupo somente será
junta com outros rapazes e resolvem de homens. Homens dançando”, e
criar um grupo para eles dançarem - assim foi. Esses homens eram, que
esse corte da minha dissertação que fizeram parte, Eurico de Jesus, Luiz
eu falo para vocês, ela ainda não foi Bocanha, Rogério de Jesus, Antô-
publicada, quando ela for, são quase nio Alcântara, Regininho, Dalmar
180 páginas, vocês vão poder sabo- Lima, Renivaldo Flecha II, Dioní-
rear essa história muito mais. Então, sio Filho, Alberto Jorge Brito - que
eu fiz um recorte em que eu resumi era (Amendoim) o apelido - Edfran,
a vida desse rapaz e de um grupo (Edfan Bispo), Alberto Damasce-
1 NASCIMENTO, Beatriz. Uma história contada por mãos negras. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.
Kleber Lourenço
Docente temporário Curso de Licenciatura em Dança da UFGRS. Doutorando
e Mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC/UFRGS, Bacharel em Biblioteconomia
pela mesma universidade. Bailarino, coreógrafo e diretor.
Lindete Souza
Mestra em Dança pelo PPGDança/UFBA. Cantora Profissional, Atriz Curso
Livre UFBA, Jornalista, Produtora Cultural.
Deise de Brito
Doutora em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP. Mestra em Artes ECA/
USP, Graduada em Teatro UFBA. Fundadora e componente do Núcleo Vê-
nus Negra e Ouvindo Passos Cia de Dança. coordenadora do site Arquivos de
Okan.
MULHERES-TAMBOR:
rupturas no tempo
Jackson Tea
Sanara Rocha
Viviam Caroline
Laura Franco
RESUMO
Neste capítulo teremos a possibilidade
de contextualizar e refletir sobre o papel
das mulheres nos rituais, nas festas e nas
performances cênicas ao tocarem os seus
tambores. Objetivamos, assim, perfazer
percursos e pontuar perspectivas peda-
gógicas, cênicas e sociais acerca das mu-
lheres-tambor.
ANDERSON, Reynaldo; JONES, Charles E. Afrofuturism 2.0. New York: Lexington Book,
2016.
DANÇA NA ESCOLA:
abordagens
artísticas,
inclusivas
e diversas
Débora Souto Allemand
Josiane Franken Corrêa
Ana Maria Rodriguez Costas (Ana Terra)
Carolina Romano de Andrade
Karen Tolentino de Pires
RESUMO
Tendo em vista o contexto político atual
de retrocessos e de perda de direitos ad-
quiridos nos últimos anos, propomos um
percurso sobre a Dança na escola a partir
de um breve histórico da legislação na-
cional. Com enfoque nas possibilidades e
desafios da contemporaneidade, refleti-
mos sobre as tensões formadas entre as
políticas públicas e as práticas no coti-
diano da escola, a partir de olhares para
os corpos e suas diversidades, abordando
questões relativas à inclusão de pessoas
com deficiência nas aulas de Dança e ao
trabalho com temáticas afro-brasileiras.
Partilhamos, então, um infográfico de
linha do tempo, destacando alguns dos
eventos que consideramos importantes
para o ensino de Dança na escola. O ma-
terial também é recheado com passagens
teóricas relevantes para o estudo e com
imagens que demonstram a nossa com-
preensão sobre a ideia principal de cada
documento legal.
Introdução
Objetivo
te
m bre
Le
Contatos
Link da Mesa
Linha do Tempo
1978 1979
Lei do Lei de
Artista Anistia
NSTITUIÇÃ
CO
Promulgação da Lei de
OD
Educação Nacional
9.394
nota:
Mudanças da décad
a de 1970
para 1996: LDB 939
4 tem
como ideal a forma
ção de
cidadãos e cidadãs,
assim, a
arte e a cultura ser
vem para
construir os sujeitos
crítica e
sensivelmente.
1997/1998
Criação e divulgação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais
nota:
Primeira vez que a
dança aparece de
forma explícita como
linguagem artística
específica em um
documento oficial.
2003
Lei 10.639
ras
: Neg de
res entida por
nota u lh
as M uma
e id nça, a
a ç
Muittituem eio da dda danão-
s n
con a por tinênciamais e como
m
r
neg o a perços for cação r uma
iss espa e edu ibilita a e a
nos mais de poss racist rpo
for rma d antir do co ento e
fo cação ização eram i.
edu scolon empod ia de s
de és do ciênc
v ns
atra da co
2005
Parecer do Conselho Nacional
de Educação 22/2005
2007 REUNI
SILVA, 2016, p. 31
2015
Promulgação da Lei 13.146
Estatuto da Pessoa com Deficiência
(BRASIL, 2015)
nota:
"Ser capaz de
Se a dança é uma
forma recomeçar sempre, de
de expressão do co fazer, de reconstruir,
rpo,
por que o parâmetr de não se entregar, de
o de
dança que a gent recusar burocratizar-
e têm
está fora do noss se mentalmente, de
o entender e viver a
próprio corpo?
vida como processo,
como vir a ser.... "
Paulo Freire
2015
2016
Promulgação da Lei 13.278
§ º
o
ininh
, p e quen
de lá ho
lá , eu vim pequeninin
im de im de
lá,
“Eu v u v visou
Mas
e me a rinho
Alg u é m
o d e vaga
chã
r neste e avisou ”
Pra p
is a
mm rinho
Algué o d e vaga
chã
is a r neste
Pra p ra)
v o n ne La
Y
(Dona
nota:
Os documentos norteadores
das políticas públicas para a
educação básica, para o
ensino da arte/dança são
resultantes (marcos legais) de
tensões e lutas políticas
situadas historicamente.
2017 Golpe d
e
Base Nacional
20
Comum Curricular (BNCC)
16
Documento de caráter normativo que define o conjunto de
aprendizagens essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas da Educação Básica. Serve
de base para a construção de currículos, que serão pensados
contextualmente pelas diferentes redes escolares.
Na BNCC, a Dança se
constitui pelo pensamento e Diante da realidade do
sentimento do corpo, por professorado que atua na
meio de experiências escola, que em sua maioria
artísticas sensíveis possui formação em Artes
implicadas no movimento Visuais, os conteúdos
dançado. pautados na BNCC são tão
mínimos e gerais que podem
levar o ensino da dança
para qualquer lado.
nota: ar uma
base
ir e o rganiz id e ia de
Discut o é r u im, a os
al nã s mínim
nacion h e c imento m aé
co n prob le
pautar o é ruim, o s s ão
mn ã t o
també c o n h ecimen
e quais ando a
s
como respeit ades d
e
esses, regio n a li d
il.
d e s e B r a s
icida omo o
especif erso c
p a ís tão div
um
nota:
A BNCC pode ser vista, em parte
como um reflexo desse momento
em que os conhecimentos
artísticos são pouco ou nada
valorizados. Não à toa
acontecem movimentos como o
que está ocorrendo no Mato
Grosso do Sul.
Considerações
Como considerações provisórias, trazemos algumas questões
e conclusões que ficaram reverberando em nós após a
discussão na mesa redonda que culminou neste trabalho.
Esperamos que possam instigar leitoras e leitores a novos
movimentos e pensamentos acerca do tema aqui estudado.
Até q
ue po
nas conse nto
a b a lh a m os guimo
Tr s a realm s
Às veze ente p
brechas. , mas ensino ensar
g is la ç ã o retrocede de da
nça q
num
le os que seja d
m projet ue
já existe e iverso
e
garantias inclus
ivo?
dão alho
t e n t a ç ã o ao trab
sus la.
a na esco
com danç
CORPOS BICHA
EM PROCESSO DE
TRANSPERFORMA-
CIONALIDADE
POÉTICA
Pedro O. L. Delgado
Monica Fagundes Dantas
A escrita de corpos bicha em processo de
transperformacionalidade poética é um
desdobramento dos diálogos apresenta-
dos na mesa Questões Queer e a Cena du-
rante o II seminário discente Narrativas
Diversas, promovido pelo Programa de
Pós-graduação em Artes Cênicas da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul,
(PPGAC-URFGS), 2021, onde estiveram
presentes a pesquisadora Dra. Rosangela
Fachel (UFPEL), o pesquisador Dr. Lean-
dro Colling (UFBA), o pesquisador e Me.
Angel Alberto Leonelli (UNA) e o também
pesquisador Dr. Lizandro Calegari (UFSM).
Inspirados nos diálogos e exposi-
ções temáticas de Questões Queer e a Cena
(2021), Delgado e Dantas desenvolveram
uma escrita que busca sintetizar a pesqui-
sa de doutorado do próprio Delgado acer-
ca do processo de criação dramatúrgica
dos corpos do Coletivo “Cria”Tures”, du-
rante a criação da peça “Censuradas – Sos
Mulheres em Vênus ou Travestis na Porta
do Céu”, realizada entre os anos de 2016
e 2021 no PPGAC – UFRGS, sob a orien-
tação da própria professora Dra. Monica
Fagundes Dantas.
1 No sentido butleriano
2 Tradução de Pedro Delgado
3 O butô, ou ainda Ankoku Butô (Dança das Trevas) é uma dança que surgiu no Japão pós-guerra e ganhou
o mundo na década de 1970. Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno, são os expoentes e criadores dessa arte. Eles
buscaram nas vanguardas europeias, como no expressionismo, no cubismo e no surrealismo, e nas danças
japonesas, como nô e bugaku, a inspiração para a criação de sua arte.
4 Tradução minha. A tese completa em língua inglesa está disponível em:
https://eprints.mdx.ac.uk/6777/1/Sweeney-Transferring-principles.phd.pdf
Os corpos, qualquer que sejam eles, até mesmo os construídos dentro de uma
cultura sexista cristianizada escapam a qualquer tipo de leitura mais fechada.
Principalmente quando esses, cada vez mais, rompem e borram os códigos
heteronormatizados, que durante muito tempo foram utilizados como lin-
guagem para identificar o identificável. Após esse período longevo e ainda
hoje, os corpos e suas expressividades codificadas serviram para serem in-
cluídos ou marginalizados. (DELGADO, 2021, p. 57).
Hoje, porém, Delgado diz entender que não precisava ninguém lhe
denunciar, pois sua própria corporalidade, diante dos códigos perfomativos
das linguagens heteronormativas, se denunciava. Era o seu próprio corpo que
emitia os signos dos corpos emergentes bichas que causava tamanha rejeição.
O meu corpo era o meu próprio delator, porque nele estavam inscritos os sig-
nos incidentes do corpo emergente bicha, sob o jugo de uma cultura sexista
heteronormatizada. (DELGADO, 2021, p. 58).
O queer não gira em torno da simples presença no teatro de gays e lésbicas (ou
de sujeitos sociais de qualquer determinação que se queira), mas, sim, remete
a uma postura, uma atitude, uma consciência contestatória frente ao impe-
rativo – a reticente naturalidade – do heterossexismo obrigatório. O hete-
rossexismo obrigatório opera não somente para impor tal naturalidade, mas,
de fato, serve para impedir fervorosamente que se questione isso, ainda que
se propague implicitamente a ficção de que não existe. Se o heterossexismo
é “natural” (e não se deve confundir isso com a heterossexualidade que é, se
assim posso dizer, uma opção do desejo tão legítimo como qualquer outra),
portanto, não pode, não tem que haver nenhuma ideologia social que o impo-
nha. (FOSTER, 2016. P. 12, apud DELGADO, 2021, p. 66).
Nem defesa nem denúncia do desejo homoerótico (a menos que seja uma
denúncia da sexualidade reprimida de Aprígio e do ciúme assassino que dela
broto), Rodrigues está mais interessado no processo pelo qual ele tenta impor
um desejo homoerótico a Arandir: obrigá-lo a confessar tal desejo e a per-
ceber em seu corpo os traços do ser homossexual, que ele nega ser. Arandir
não tem como se defender contra a necessidade dos outros de estarem cientes
desses traços e “tudo” o que significam para sua identidade como ser huma-
no, sendo Aprígio, o sogro, impulsionado por seus próprios interesses, inclu-
sive para acreditar que Arandir é homossexual, e ficar com ciúmes não porque
esse o repudiou e nem por ser heterossexual e amar sua filha, mas porque ele
estava realmente apaixonado por outro homem (FOSTER, 2004, p. 24, apud
DELGADO, 2021, P.67).5
Mas, Foster não para por aqui. Enquanto busca apresentar o teor que-
er, de “O beijo no asfalto”, ele vai dizer que a inflexível lei da homofobia torna
impossível, para Arandir, escapar da atribuição que todos querem lhe impor.
Esse jogo dramático, segundo o autor, provoca um grande efeito teatral, por-
que o espectador está convidado a ver o que os demais personagens da trama
querem ver. Isso ganha força, porque o Arandir, além de não ver o que os de-
mais querem ver, também não vê o que o Aprígio insiste que não pode ser vis-
to. E, tudo isso, apesar do fato de Aprígio tê-lo matado e colocado em exibi-
ção, diante do espectador. Morto por ciúme homoerótico, porque ele desejou
outro homem e não a ele. Dessa forma, segundo o autor, o que permanece em
evidência não é o corpo homoerótico, mas o corpo que a sociedade constrói
por meio da dinâmica inapelável da homofobia (FOSTER, 2004).
Diante das reflexões desenvolvidas por Foster, principalmente so-
bre os questionamentos acerca do corpo de Arandir, pelo simples fato de
este ter beijado a boca de um moribundo, é possível perceber a força que
possui a linguagem e como essa opera enquanto processo de poder norma-
tizador. Semelhante análise é feita por Delgado acerca dos corpos do elenco
de “Censuradas – Sos Mulheres em Vênus ou Travestis na Porta do Céu”
– espetáculo montado enquanto processo de sua pesquisa. O pesquisador,
O sujeito, uma vez consciente de sua contaminação, pode deixar que essa de-
termine suas ações ou pode tentar neutralizá-las. Essa neutralidade, entretan-
to, nunca será igual a zero, pois o produto tóxico sempre estará em seu corpo
e quanto menos o indivíduo deixar de prestar atenção nele, maior será a pos-
sibilidade de esse agir sobre o seu efeito. Assim, chamo a atenção para o fato
de que, a partir do pensamento acerca da performatização da linguagem, em
Butler (2010), em graus maiores ou menores, todos nós, indivíduos tornados
sujeitos resultantes de uma cultura colonizadora heteronormativa, consciente
ou não, sempre seremos sujeitos cristianizados, intoxicados por discursos pa-
triarcais heteronormatizados, o que nos levará a ter reações diversas e de into-
lerância diante daquilo que nos foi apresentado como imoral e fora da aprova-
ção dos juízos dos homens de Deus. (DELGADO, 2021, p. 297 – 298).
[...] o teatro é um ato superior exatamente porque pode reabrir o espaço vir-
tual das formas e dos símbolos, alimentando e expandindo os conflitos. Nele a
realidade não se apaga, mas também não se desliga do fluxo produtor da vida
(ARTAUD, 2006, p.28).
Dessa forma, Delgado vai dizer que a vigilância por parte dos corpos
bicha é algo que está muito mais em uma esfera de preservação. Todo o elenco
de “Censuradas”, quando em outras montagens, cujas identidades de gênero
e sexualidades eram preservadas, conseguiam desempenhos de grandes pro-
porções, inclusive, diversos deles já foram premiados em festivais de projeção
local, estadual e até em esfera nacional, o que significa que o elenco com o
qual Delgado estava trabalhando era composto de intérpretes com capacidade
e talento. O que, no entanto, aconteceu, no caso deste experimento, foi que,
antes de o elenco colocar seus corpos a serviço da dramaturgia, ele precisava
se despir de preconceitos e mergulhar em um jogo que refutasse as técnicas
tradicionais de interpretação em prol de um jogo propositadamente estabe-
lecido para deslegitimar os discursos sexistas heteronormatizados, a partir
de seus corpos transperformatizados e, para isso, cada intérprete deveria
abandonar o lugar de construção de uma personagem e de seu próprio corpo,
em prol de um jogo que fosse forjado a partir de outras corporalidades. Um
jogo que desterritorializasse seus corpos em um devir corpo outro do ser que
Corpo mesa: O corpo Mesa foi um dos últimos corpos que chamei
para compor o elenco da primeira montagem. A presença de seu jogo,
ARTAUD, Antonin. O Teatro e Seu Duplo. São Paulo: 3. ed. Martins Fontes, 2006.
BARROS, Amilcar Borges de. Dramaturgia Corporal. Santiago: Ed. Cuarto Próprio, 2011.
BUTLER, Judith. Cuerpos que Importan: Sobre los Limites Materiales y Discursivos del
Sexo. Buenos Aires: Paidós, 2010a.
_______. Corpos Que Pensam: Sobre os Limites Discursivos do Sexo. In: LOURO,
Guacira Lopes. O Corpo Educado (Pedagogia da sexualidade). Belo Horizonte: Autên-
tica, 2001. p. 151-172.
________. Corpos Que Pensam: Sobre os Limites Discursivos do “Sexo”. In: LOURO,
Guacira Lopes (Org.). O Corpo Educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 153-171.
________. Corpos em aliança e a política das ruas: Notas sobre uma teoria perfor-
mativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização, 2018.
DELEUZE, Gilles. Nietzsche Deleuze Jogo e Música. In: LINS, Daniel; GIL, José (Org.).
Jogo e Música. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
DELGADO, Pedro Omar Lacerda. Moldar a Carne: A Queerização dos Corpos no Teatro
de João Carlos Castanha, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/78758>.
Acesso em: 04 abr. 2021.
FOSTER, David William. Espacio escénico y lenguaje. Buenos Aires: Galerena, 1998.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres. São Paulo: Graal, 2010.
GUATTARI, Felix. Revolução Molecular: Pulsações Políticas do Desejo. São Paulo: bra-
siliense, 1987.
JEUDY, Henri-Pierre. O Corpo Como Objeto de Arte. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade,
2002.
LOURO, Guacira Lopes. Um Corpo Estranho: Ensaios Sobre Sexualidade e Teoria Queer.
São Paulo: Ed. Autêntica, 2004.
MORRIS, Marla. O Pé Esquerdo de Dante Atira a Teoria Queer Para a Engrenagem. In:
TALBURT, Susan; STEINBERG, Shirley R (Orgs.). Pensar Queer: Sexualidade, Cultura e
Educação. Mangualde: Ed. Pedago, LDA, 2007. p. 23-44.
PASSOS, Eduardo e BARROS, Regina Benevides de. A cartografia como método de pes-
quisa-intervenção. Porto Alegre: Sulina, 2010.
ORIENTALISMO
E DECOLONIALIDADE
NA DANÇA:
da pesquisa à
prática docente
Andréa Moraes
Rosemary 'Rosa' Cisneros
Márcia Mignac
Ana Clara Oliveira
Esse texto expõe o modo como bailarinas
atuantes em universidades no Brasil e no
Reino Unido abordam danças de origem
ou influência oriental no âmbito da pes-
quisa acadêmica em artes de modo a de-
colonizarem sua prática. Dada a recente
entrada dessas danças no campo acadê-
mico das artes cênicas no Brasil, consi-
deramos importante dar visibilidade às
suas produções na universidade de modo
a atender à crescente demanda de mate-
rial para estudo e aprimoramento de suas
praticantes.
Carlos Arbelos | Belén Maya dancing | photography | Spain | 1994 | fla_00207 Rights held by: Carlos Arbelos
(work) — Centro Andaluz de Documentación del Flamenco (reproduction) | Licensed by: Centro Andaluz
de Documentación del Flamenco (work/reproduction) I Licensed under: CC-BY-NC-ND 4.0 International |
Provided by: Centro Andaluz de Documentación del Flamenco (Jerez de la Frontera/Spain).
Por fim, espera-se que esta comunicação com as três partilhas apre-
sentadas seja suleadora para compreender o que o mundo nos reivindica. As-
sim, que “no como singular de sua presença, no irredutível acontecimento de
seu ser-em-situação” (TIQQUN, 2019, p. 18) possa ser possível desabordar os
contornos das “danças” do ventre, assumindo elementos éticos e estéticos
orientais e modos de existências pluriversais.
Reflexão final
[1] https://www.vidaeacao.com.br/a-cada-15-minutos-uma-crianca-sofre-
-violencia-sexual-no-brasil/
[2] CEDECA - BA - Centro da Defesa da Criança e Adolescente/ Bahia. Insti-
tuição não governamental que presta serviços às pessoas em situação de vio-
lência sexual.
[3] Órgão da Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado da Bahia,
situado no Departamento de Polícia Técnica do Instituto Médico Legal Nina
Rodrigues, que presta serviços às pessoas em situação de violência sexual.
ANDRADE, Joline. T. A. Curso de Formação em Fusion Bellydance com Joline Andrade. On-li-
ne: Edição 2021. Disponível em: https://www.jolineandrade.com/. Acesso em 06.dez, 2021.
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras. Ciênc. Polít., Brasí-
lia, n. 11, p. 89-117, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/DxkN3kQ3X-
dYYPbwwXH55jhv/abstract/?lang=pt.
BEZERRA, Kilma F. Arte de si na Dança Tribal: narrativas entre espiritualidade e corpo cêni-
co. Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, Universidade Federal da Paraíba
(Dissertação). Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/12190.
Acesso em: 06 dez. 2021.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 66ª ed. Rio
de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2020.
GORDON, Beverly. The Souvenir: Messenger of the Extraordinary. The Journal of Popular
Culture. 2004, v 20. p. 135 - 146.
HARGROVE, Sandy. Costumes of old Mexico carselle & poveda souvenir dolls. [Place of publi-
cation not identified]: Lulu Com, 2013.
LARROSA, Jorge. Esperando não sabe o quê: sobre o ofício do professor. Belo Horizonte: Au-
têntica Editora, 2018.
LEICESTER, H. Marshall. Discourse and the film text: Four readings of Carmen. Cambridge
Opera Journal, v. 6, n. 3, p. 245-282, 1994.
KATZ, Helena, Greiner Christine. Arte & Cognição: Corpomídia, política e educação. In: RI-
BEIRO, Mônica. Cognição e afetividade na experiência do movimento em dança: conheci-
mentos possíveis. 1ª edição. São Paulo: Annablume Editora, 2015. 23-76.
MIGNAC, Márcia Virgínia dos Reis. A subversão da sujeição: a ação política da dança do ventre em
adolescentes sujeitadas e em instituições. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/
ri/27529/1/DISSERTA%c3%87%c3%83O_MARCIA_MIGNAC.pdfAcesso em: 13 Maio 2022.
MIGNAC, Márcia V. & SARAIVA, Camila S. Nos véus da existência: por outros modos de ser na
dança deslocados da hetero-cis-normatividade.V Congresso Internacional de Direitos Hu-
manos de Coimbra, Vol. 7, 2021.
MORAES, Andréa et al. Dança do ventre e o feminismo decolonial. Moraes, Andréa; Fagundes,
Silvia Patricia; Silva, José Jackson (Orgs.). Narrativas diversas nas artes cênicas. Porto Alegre:
UFRGS, 2021. p. 101-126., 2021.).
SAID, Edward W. Orientalismo: O oriente como invenção do ocidente. Companhia das Letras.
São Paulo, 2007.
SAFATLE, Vladimir. O Circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo.
Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
SANTOS, Boaventura. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica
de Ciências Sociais, nº 48. Disponível em: http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/
pdfs/Concepcao_multicultural_direitos_humanos_RCCS48.PDF. Acesso em: 06 dez. 2021.
SPIVAK, Gayatri C. Pode o subalterno falar? Trad. Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos
Pereira Feitosa; André Pereira. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.
STEIN, Jonathan. (2017). Belén Maya’s Romnia - A searing homage to Romany Women. [on-
line] Disponível em: http://thinkingdance.net/articles/2017/10/20/Beln-Mayas-RomniaA-
-Searing-Homage-to-Romany-Women Acesso em 15 Feb. 2018.
CAINDO
DE PARAQUEDAS
NA PEDAGOGIA
DAS ARTES CÊNICAS
E SEM
ACESSIBILIDADE
Betha Medeiros
Carolina Teixeira
Pedro Bertoldi
Rodrigo Teixeira
Este texto apresenta a roda de conver-
sa que ocorreu no dia 07 de dezembro de
2021 integrando o II Seminário Discente
do PPGAC/UFRGS.
Carolina: O meu processo é todo outsider. Fora das instituições. Mas eu que-
ria agradecer muito estar dividindo aqui esse espaço hoje na UFRGS, porque
eu tinha decidido desde o início desse ano não estar participando mais dos
espaços acadêmicos. Isso é uma escolha que eu me fiz este ano me dedicar só
nas questões artísticas. Por questões políticas mesmo. De posicionamentos
políticos. De tanta luta, de tanto processo educacional informativo prestado
às Instituições sem a validação desse conhecimento. Sofrendo boicotes em
concursos, tendo apropriações, expropriações. E essa decisão foi uma decisão
política que eu tomei. Mas seria inadmissível não estar aqui.
O meu processo com o ensino se deu por consequência. Minha for-
mação no campo artístico educacional se dá por consequência da minha ex-
periência com o [Grupo] Roda Viva1 e os rompimentos que tiveram aí... Depois
que eu saí do grupo; as possibilidades que eu deixei de acreditar e as novas que
1 A Roda Viva Cia. de Dança começou a atuar em 1995, como parte do “Programa Interdisciplinar de Reabilitação
na Lesão Medular”, do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em
Natal, RN, e acabou tornando-se a primeira companhia de dança com bailarinos com deficiência no Brasil.
2 Livro Deficiência em Cena. Primeira edição: Editora Ideia em 2011. Segunda edição revista e ampliada: Editora
Offset, 2021.
Betha: Pedro, como foi tua ‘queda’? Tu também caíste de paraquedas na Pe-
dagogia das Artes Cênicas e não te machucaste? [risos]
Pedro Bertoldi: Me machuquei um pouco. Eu estava pensando hoje: como é
bom quando a gente encontra pares que trabalham e pesquisam sobre isso
também [pedagogia das artes com pessoas com deficiência] porque é um
trabalho muito solitário ainda, que nós temos que ter um autocuidado mui-
to grande, porque tem uma parte romântica de que é muito bonito, a gente
vivencia coisas muito sensíveis, muito profundas, mas tem o outro lado que é
brigar sozinho muitas vezes, brigar pelos nossos alunos que muitas vezes não
têm como se defenderem sozinhos, então a gente que dar corpo e dar voz para
defendê-los, então isso é muito cansativo, é massacrante. Às vezes estamos
inseridos em Instituições que não têm o mesmo olhar que a gente tem, então
a gente tem que estar sempre vendendo ‘o peixe’ da importância da inclusão...
Então, quando a gente encontra pares que também pesquisam sobre isso e
têm o mesmo interesse, é maravilhoso.
Mas eu também quando fui fazer o vestibular, eu também queria fazer
Teatro. Nem sabia bem a diferença entre Licenciatura e Bacharelado. Então,
estava tudo certo, iria me inscrever para Licenciatura. Mas quando eu vi o nú-
mero de vagas do listão, eu com 17 anos morrendo de medo de não passar no
vestibular, vi que o número de vagas do Bacharelado era maior do que Licen-
ciatura, então pensei que a minha chance fosse maior no Bacharelado. [risos]
Porque eu pensei: se eu optar por Licenciatura, não vou passar! Me inscrevi
para bacharelado e pretendia mais adiante, pedir transferência para Licen-
ciatura, mas quando percebi, já estava quase terminando o curso e não valeria
a pena trocar naquela altura. Só que eu acho que tem uma coisa bonita, que a
profissão nos escolhe. Porque foram aparecendo tantas oportunidades para
eu dar aulas! Em espaços... tinha uma extensão da Faculdade em que a gente
Betha: O Rodrigo tocou agora num ponto que casa com o que a Carolina men-
cionou, que é o ‘incluir para excluir’ ou o ‘cantinho da inclusão’ que cha-
mamos quando as PCDs são convidadas apenas para falar sobre deficiência.
Como o Rodrigo disse, as pessoas com deficiência também querem falar sobre
outras coisas: sobre amor, compromissos, trabalho.
Carolina: Bom, eu vou partilhar um pouco de como está sendo o processo com
a Acessibilidade: Olha, eu acho que é porque eu tenho um histórico no... meu
campo de arte trabalha com 3 coisas, 3 estéticas: na área da saúde porque eu
tenho essa herança das reabilitações no meu corpo, a parte educacional e, por
fim, a parte artística. Tudo é muito diluído no meu trabalho. Mas uma coisa
que sempre me incomodou, foram essas nomenclaturas. Nomenclaturas me
incomodam muito. Sempre me incomodaram, por mais que elas se atualizem.
Mas parece que elas não dão conta de um problema. Elas só dão conta para
uma retroalimentação de outras nomenclaturas. E a gente fica nesse ciclo,
nesse ciclo sem fim. Quando eu tive contato com acessibilidade, pela primei-
ra vez, foi durante a transmissão de um filme, que foi o filme4 de Jean-Clau-
de Grenier, em 2006 logo que cheguei na Bahia, que tinha audiodescrição e
tradução simultânea. Era a história de Jean-Claude, que é um artista francês
com osteogênese, que é a doença da fragmentação, adoecimento ósseo. Ele
era um dos artistas mais famosos da França e que já tinha representado, prin-
cipalmente, peças de Samuel Beckett. Então, aquilo me impressionou muito.
E eu fiquei pensando: como é que eu... Eu faço performance. Quando eu não
6 Bailarina, coreógrafa, professora do curso de licenciatura em dança na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Mestre em coreografia pela Middlesex University. Doutoranda do PPGAC/UNICAMP. Criou e coordenou, de 2014 a
2019, o Projeto Diversos Corpos Dançantes.
Carolina: mas, para se pensar isso, é preciso termos política pública para que
o artista tenha acesso financeiro a isso. Porque, por exemplo, eu não pude
‘acessibilizar’ minha exposição7 aqui em cartaz, porque 1 hora de tradução
de Libras simultânea pela tabela daqui [Natal, Rio Grande do Norte], é entre
R$200,00 a R$250,00. E eu precisaria de quase dois meses de profissionais de
Libras. Como eu pagaria isso? Então, eu tenho feito muito, na ‘base da amiza-
de’. Consegui passar por um edital aqui no Rio Grande do Norte, que eu nunca
imaginei passar. Sempre fui uma artista do RN que só trabalhava fora porque
não conseguia espaço para atuar aqui dentro. A exposição foi pensada assim:
como criar uma acessibilidade? Então, colocamos tudo que a gente tinha di-
7 http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/galeria-do-nac-recebe-exposia-a-o-poa-tica-prota-tica/525949
Acesso em: 10 fev. de 2022.
12 Roda de Samsara: “Também chamada de Roda da Vida do Budismo, Samsara representa um ciclo interminável de
nascimento, morte e renascimento, que são baseados no conceito de ação e reação ou lei do karma. Os desejos e ilusões
mantém os seres aprisionados na roda da vida, os impedindo de encontrar o caminho da iluminação.” Fonte: https://
www.dicionariodesimbolos.com.br/samsara-roda-da-vida-budista/ Acesso em 17 fev. de 2022.
13 Instituição de caráter filantrópico, sem fins lucrativos, de orientação espiritual que realiza atendimento gratuito
a pessoas com deficiência intelectual. Fonte: https://casasandreluiz.org.br/ Acesso em 17 fev. de 2022.
15 Atriz e Professora do Departamento de Arte Dramática (DAD) e do (PPGAC) Programa de Pós-graduação em Artes
Cênicas da UFRGS.
16 “A CPI da COVID-19, também chamada de CPIPANDEMIA, CPI da Pandemia, CPI do Coronavírus, ou simplesmen-
te CPI da COVID, foi uma comissão parlamentar de inquérito da República Federativa do Brasil, que investigou su-
postas omissões e irregularidades nas ações do governo federal do presidente Jair Bolsonaro (na época sem partido)
durante a pandemia de covid-19 no Brasil.”Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Comissão_parlamentar_de_in-
quérito Acesso em: 17 mar. de 2022
17 O advogado e professor Silvio Luiz de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama.
Betha: Gostaria de terminar nossa mesa com uma citação da fala da colega
pesquisadora Onisajé18, que participou no seminário do ano passado na mesa
Mulheres Negras e o Futuro do Teatro no Brasil19: “eu agora estou fazendo
dentro desse ‘teatro de macumba’, desse ‘teatro de candomblé’ o movimento
que foi falado pela Érica [Malunguinho]20, que virou para mim um lugar de
reintegração de posse! Tudo que me tiraram eu quero de volta!” Ela falou so-
bre o corpo negro, mas eu acho que todos os corpos dissidentes precisam de
reintegração de posse! O mundo é de todos! E chega de exclusão!
18 Onisajé (Fernanda Júlia Barbosa): Doutoranda e mestra em Artes Cênicas CNPQ / PPGAC - UFBA, bacharel em
Direção Teatral Escola de Teatro UFBA, dramaturga, preparadora e formadora de atuantes.
19 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0BNlqqlKtb4&t=5412s Acesso em: 17 mar. de 2022.
20 Erica Malunguinho da Silva – educadora, artista e deputada estadual por São Paulo, sendo a primeira mulher
transexual da Assembleia Legislativa de São Paulo.
OCUPAÇÕES
ARTÍSTICAS
DA CIDADE:
do espaço alternativo
ao site-specific
na práxis cênica
da Trupe Sinhá Zózima
Jackson Tea
RESUMO
Neste capítulo, problematizamos as dis-
tinções e aproximações entre o teatro
concebido para espaços alternativos e as
encenações realizadas sob o conceito de
site-specific. Para tanto, efetuaremos
uma análise descritiva da criação de dois
espetáculos do coletivo cênico Trupe Si-
nhá Zózima, “Dentro é Lugar Longe” e
“Cordel do Amor Sem Fim”, sob condu-
ção do encenador Anderson Maurício.
1 SILVA, José Jackson; TORRES NETO, Walter Lima. Considerações sobre o conceito de site-specific no Teatro Brasi-
leiro. Urdimento, Florianópolis, v. 2, n. 38, ago./set. 2020.
2 Entrevista concedida por MAURÍCIO, Anderson. Depoimento [jun. 2018]. Entrevistador: José Jackson Silva. São Paulo,
2018. Via Skype. Filmagem (270min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita na tese do autor defendida em
outubro de 2020, junto ao PPGAC-UFRGS, intitulada O Teatro Site-Specific na Perspectiva da Direção Teatral.
Ali eu constatei várias questões, uma delas era que eu precisava de uma
velocidade menor, que o motorista fosse parceiro, o que era imprescindí-
vel para fazer esse trabalho, que a gente precisa ter um jogo de distância,
que a proximidade não era boa para o jogo cênico[...] a gente cria o trajeto,
4 Id., 2018.
No primeiro ensaio nosso no ônibus eu falei: não vai dar certo. Porque
tinha uma coisa, quando a gente ensaiava na sala de uma poesia, de uma
delicadeza, de um silêncio... não tem como trazer a poesia pra isso. Com
essa velocidade, com esse ônibus, com essa cidade... então o primeiro
ensaio foi muito angustiante, porque, como a gente ensaiou muitos me-
ses numa sala, a sensação era uma, quando foi para o ônibus se trans-
formou, e se transformou em algo que eu não estava preparado por estar
apegado àquilo que estava assistindo nos ensaios. Mas, conforme fomos
ensaiando, eu fui me apaixonando pelo cordel do ônibus, que não é o cor-
del da sala fechada em um teatro, mas que tem sua beleza, seus silêncios,
mesmo com a cidade gritando ao fundo (informação verbal).5
No palco italiano, tem uma distância que, de alguma forma, você conse-
gue mascarar, o público está à distância, você não sabe quem comentou
algo. No ônibus é muito difícil de ignorar a realidade. Você tem uma ci-
dade que está chamando a atenção do espectador (...) a gente percebe isso
como uma potência cênica (informação verbal).6
5 Id., 2018.
6 Ibid., 2018.
Fui pra casa com esse problema na cabeça e comecei a pensar na pri-
meira assinatura como encenador colocando a ação do ônibus, que é o
momento que a Teresa fala que vai esperar o Antônio e Madalena diz que
também vai esperar. Que Carminha vai esperar e que José também espe-
ra e todo mundo aqui, ela inclui todos os passageiros, vai esperar junto
e o ônibus freia, para, desliga o motor. E é de uma beleza quando isso
acontece porque o tempo para. E a gente fica 4 ou 5 minutos parados,
mas parece uma eternidade, parece que o tempo parou. O ônibus cria essa
sensação para o público. Ali eu comecei a me encantar por isso, com o que
dava pra fazer (informação verbal).7
7 Id., 2018.
No Cordel tem essa tentativa de como fazer com que o público perceba
algumas coisas sensorialmente, como, por exemplo, o começo e o fim
do espetáculo. No Cordel a gente tem essa inserção do ônibus que vai co-
meçar. Tem um prólogo que a gente faz com o ônibus parado e prepara
o público para o começo da história que é também o momento em que o
motor do ônibus é ligado e o ônibus inicia a viagem pelo roteiro que vai
trafegar. O mesmo acontece com o fim da peça, que é no instante em que
o ônibus estaciona no mesmo local de partida e desliga o motor pela últi-
ma vez, marcando o fim do espetáculo, que não é apenas uma percepção
visual, mas uma percepção sensorial (informação verbal).8
8 Id., 2018.
9 Id., 2018.
10 Ficha técnica: dramaturgia de Rudinei Borges, direção de Anderson Maurício, com Trupe Sinhá Zózima (Ales-
sandra Della Santa, Junior Docini, Maria Alencar, Priscila Reis e Tatiane Lustoza). Disponível em: http://sinhazo-
zima.com.br
11 Id., 2018.
Para mim, é o espetáculo que mais gosto, porque ali eu consigo entender
essa potência do ônibus como diálogo com a cidade. A gente vai buscar
na cidade os espaços da casa, a cidade como casa, então eu vou fazendo
uma costura da casa interna do ser humano, do porão interno, que são as
vivências e histórias dos próprios atores, relacionadas com os espaços da
cidade (informação verbal).12
Neste espetáculo, o encenador destaca dois lugares que para ele são
os mais emblemáticos da ação cênica do ônibus como procedimento: o “quin-
tal” e o “porão” da casa.
O espaço-quintal deveria trazer consigo o frescor das brincadeiras
infantis, da correria, das travessuras e das mil aventuras que uma criança
constrói quando tem a oportunidade de ter ou estar em um quintal.
Já o espaço-porão, em oposição ao quintal, seria o lugar de guardar coisas
sem utilidade imediata; lugar escuro, propício aos fungos, aos ratos, aranhas,
traças e outros bichos que acaso venham habitar neste local repleto de som-
bras, aquém dos espaços ensolarados e frescos que os quintais sugerem.
Para materializar o espaço-quintal na cidade, o encenador expõe:
A gente encontrou uma praça que era circular, onde o público estava
dentro do ônibus e o ônibus ficava girando em torno dela, e as portas do
ônibus abriam e os atores entravam e saíam e representavam dentro e
fora do ônibus. E é uma cena linda, porque parece que você está dentro
de um filme, de uma memória, porque vai ativando as suas memórias,
12 Id., 2018.
Em contrapartida, o porão da
casa-cidade foi encontrado na
Cracolândia, um espaço ex-
tremamente complexo para a
cidade de São Paulo, que, no
entendimento do diretor, ser-
viu bem aos propósitos da encenação ao apresentar na sua constituição todos
os elementos das coisas “sem utilidade”:
13 Ibid., 2018.
14 Ibid., 2018.
Vemos o instante em que o ônibus passa pela Cracolândia e a relação que a atriz busca
estabelecer entre o interior do veículo e o tecido urbano social. O mergulho nesse espaço
socialmente “hostil” acentua e singulariza tal criação, ao incorporar as referências do
lugar na encenação. Fonte: Christiane Forcinito.
15 Id., 2018.
BORGES, Rudinei. O teatro no ônibus: pesquisa cênica da Trupe Sinhá Zózima. São Pau-
lo: Cooperativa Paulista de teatro, 2013.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Tradução: Ephraim Fer-
reira Alves. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
SILVA, José Jackson; TORRES NETO, Walter Lima. Considerações sobre o conceito de
site-specific no Teatro Brasileiro. Urdimento, Florianópolis, v. 2, n. 38, ago./set. 2020.
IMAGINAÇÃO
RADICAL
E PRODUÇÃO
DE FUTUROS
Thiago Pirajira
Mariana Golçalves
Mário Lopes
RESUMO
O capítulo apresentado é composto pela
transcrição da mesa intitulada IMAGI-
NAÇÃO RADICAL E PRODUÇÃO DE FUTU-
ROS, realizada no II Seminário Discente
Narrativas Diversas da Artes Cênicas (PP-
GAC-UFRGS). A mesa propôs o encontro
com as artistas pesquisadoras Mariana
Gonçalves (Porto Alegre,Brasil) e Má-
rio Lopes (Munique, Alemanha / Helsin-
que,Finlândia), que estabelecem relações
criativas com as noções de imaginação
radical e produção de futuros, a partir de
suas práticas e pesquisas em artes da cena
e demais áreas do conhecimento. A pro-
posição surge em diálogo crítico à colo-
nização e aos modos de criação artística
hegemônicos.
Mariana:
Obrigada, um prazer estar aqui, estou empolgada e emocionada de poder tro-
car essa ideia com vocês aí.
Thiago:
Mário querido, bem-vindo também, Mário que… já é noite, já está frio aí, você
que está falando de Helsinki, na Finlândia, bem-vindo, meu irmão, bem-vin-
do, querido.
Mário:
Obrigado, obrigado pelo convite, é um prazer estar aqui com você e a Mari,
obrigado pelo convite e pela oportunidade, fico muito feliz de poder me co-
nectar com pensamentos, conversas, reflexões desde esse lado do Atlântico,
muito tempo longe, muito tempo sem cruzar esse Atlântico, e fica um saudo-
sismo, ainda mais nesse tempo de inverno, que é na Finlândia, -15º, quatro
horas de luz do dia, então estar com vocês é me conectar um pouco com esse
calor, com essa proximidade, por mais que seja nessas telas, eu me sinto mui-
to próximo. Eu sou um homem negro, me descrevendo aqui, tenho dreads
Thiago:
Valeu Mário, querido. Eu sou suspeito para falar, eu tive a oportunidade de
ver em primeira mão o filme, logo quando foi lançado na Frestas né. Acho que
é muito importante falar e destacar esse evento, essa ação que acontece no
contexto de Brasil pandêmico, onde as violências ao corpos estruturalmente
já violentados se amplia cada vez mais, e a gente consegue ter a realização de
um evento com a potência, como por exemplo, a Frestas Bienal de Artes, que
está acontecendo ainda em Sorocaba, em São Paulo, no Sesc Sorocaba e que
tem uma curadoria, como o Mário falou, que é feita por pessoas jovens, cura-
doras, curadores, que vêm desenvolvendo um trabalho e realmente de refun-
dação, eu acho, na perspectiva do mercado da arte no Brasil, pensando a arte
realmente como um mercado pré-estabelecido e ainda assim, tão conduzido
pelas dimensões de colonialidade. Eu mandei um podcast pelo whatsapp para
o Mário depois de ter visto o filme, eu acho que tem uma relação com as coisas
que tu traz como questionamento, como provocação, como teoria, querendo
ou não a gente acaba se relacionando com essas teorias, mas que partem de
uma prática né, partem de algo que é factível através e a partir, com e pelo
corpo. Então, logo que seja possível de todo mundo ver esse filme, eu acho que
é realmente fundamental e importante para a gente pensar questões estéti-
Mariana:
Então, boa tarde, boa noite para o Mário, é um prazer imenso estar aqui com-
partilhando desse encontro. Ia falar trocando, mas compartilhando desse en-
contro com vocês, com Thiago que é uma pessoa muito especial pra mim, a
gente teve diversas trocas aí, intensas trocas esse ano, nas nossas chamadas
de vídeo que duravam horas e, enfim, passamos manhãs e manhãs ali dialo-
gando sobre possibilidades de criação e invenção de futuros. Muito prazer,
Mário, muito legal te conhecer, mesmo que assim, desta forma, e principal-
mente conhecer o teu trabalho. Tu ia falando, sobretudo mais no final da tua
fala, tu foi trazendo algumas questões que justamente estão super conectadas
com o que eu e Thiago viemos discutindo. A ideia da Afrotranstopia me pegou
de um jeito, que eu estou realmente assim… Fui atravessada por isso e depois
Mário:
Bom demais. Que lindo, Mari.
Thiago:
Nossa, já de manhã, quando mandou o áudio, eu já acordei nesse flow, ficando
cada vez mais empolgado. A palavra, esse sentido da palavra à qual nós fomos
submetidos e colonizados, que é a palavra como linguagem e língua, ela não
consegue traduzir todo o sentido. Ela não dá conta dessa tradução. E eu acho
fantástico a provocação que tu trazes dessa ideia de pensar as cosmovisões
africanas, sobretudo religiosas, essa palavra colonial, colonizada, dá conta de
pensar uma experiência que é advinda da dimensão da encruzilhada, que é
Exu. Já coloquei aqui no meu caderninho, porque eu estou falando de Exu na
minha tese, então eu já vou… Já coloquei no caderninho, pra pensar. Porque
acho que tem muito a ver com as trocas que a gente vem fazendo, nossos pro-
cessos. E, nossa, Mari, sempre é um aprendizado te ouvir, pela tua articula-
ção, que nos conduz, muito generosamente, levando a gente a refletir sobre
questões que eu acho que são fundamentais pra gente nesse evento como um
todo. Acho que encerrar com a tua fala, com a tua generosa articulação, tam-
bém é importante pra gente pensar o evento que a gente está produzindo, o
qual a gente se destina e pensa sobre essa ideia, que a gente nomeia o evento
como seminário que tem a palavra “diversidade”, né, e é realmente, o que a
gente está pensando quando fala em diversidade? O que a gente está pensando
e querendo disputar quando a gente está falando em decolonialidade, des-
colonialidade? Desde as nossas práticas como aprendizes, como estudantes,
mas também com as práticas docentes, como professoras, professores, acho
que também vem argumentando. Então acho que é muito importante essa tua
articulação, que tu também - por mais seja com ideias, assim, muito mentais,
mas há uma transposição constante com as práticas, com a própria ideia des-
se seminário que pensa as práticas artísticas e relaciona também como prá-
tica. Mas, afinal de contas, de que prática e de que teoria a gente está falan-
do? Que articulações são essas? Eu fico muito contente, muito grato por essas
Mário:
Sim, o tempo é uma outra questão, a gente está falando de como radicalizar,
dentro de formações conformes, como que a gente desassocia isso, como que
a gente… Acho que tudo é possível, depende do tempo… Eu estava aqui con-
versando, só pra fazer uma observação, nem vou entrar muito nas perguntas,
mas sobre a questão de trocas, pra não ficar no “a gente deve ou não usar tro-
ca?” Acho que a gente deve usar, aliás, ouvindo da Pascale Obolo, que é uma
curadora camaronesa, que vive na França, da revista Afrikadaa, a gente estava
conversando um dia e a gente chegou à conclusão de que nós, corpas e corpos
multidimensionais, temos todo o direito e somos as únicas existências que
podem se apropriar, se reapropriar, ressignificar o que a gente quiser. Porque
a gente fala português, no nosso caso, porque a gente passou por um processo
de colonização, sabe? Isso cria várias capas e nos dá o direito de a gente fazer o
que a gente quiser. Então a gente, corpas e corpos multidimensionais, a gente
pode fazer o que a gente quiser. A minha questão é aqui na Europa, de trazer
essa fricção e poder provocar. Então é troca, e quando a gente fala troca, são
múltiplos caminhos, múltiplos vetores.
Mariana:
Eu só queria fazer um comentário muito rápido sobre isso que você estava
falando, Mário, que, de fato, a troca só se dá a partir do encontro, e são esses
territórios do encontro que a gente está aí com a missão de explorar e criar
cada vez mais. Nesse território que a gente construiu aqui, agora, a partir des-
Mário:
Indo por esse mesmo caminho, só para contribuir um pouco para a pergunta
também, eu vou por essa via e eu acho que pra radicalização é fundamental a
gente conseguir chegar em transformações em outros espaços, assim. Uma
radicalização que eu acho que é super importante pra gente começar a pensar
- aliás, já tem muita gente pensando, eu até vi uma conversa do Thiago com
você, Mari, vocês falando que uma companheira, professora, fala muito sobre
a questão do tempo, de passado, presente, que é uma questão que está sempre
Thiago:
Aí vai, né? [risos] Eita! Nossa. Agora que está começando a ficar bom. O que
que eu ia falar, até me perdi. Mas eu acho que é, nossa, essa ideia de pensar
Mariana:
Não conseguir capturar. Não vão capturar.
Thiago:
…Exatamente, de não conseguir capturar. E de não conseguir ficar… como é
que a gente fala? Não conseguir ficar na carapuça. Porque a impressão que
eu tenho, também sobre essa ideia de decolonial, é que é uma carapuça,
como tu bem falou, Mari, de realocação, de continuidade de processos siste-
máticos. Como sempre foi feito com a dimensão da teoria, da racionalidade,
que é um pressuposto ocidental. Que não tem o corpo da prática, porque o
corpo está morto, porque não tem movimento, porque é estático. Quando a
gente vai pensar nessas cosmovisões, nesses conceitos, afrotranstopia, an-
cestralidade, de Exu, são movimentos, pensamento indígena, que realoca o
passado na frente, que a gente vê, são pensamentos corpóreos, pensamen-
tos que é corpo. E aí quando a gente fala de pensamento que é estagnado, de
Mariana:
Eu posso começar. Começar a terminar. Então, mais uma vez, muito obrigada,
Thiago, meu amigo, meu parceiro, meu amor, gosto muito de trocar contigo,
é bem aquilo que tu falou, assim, sempre tem algo novo, sempre tem alguma
coisinha ali, por mais que a gente tenha passado o ano inteiro praticamen-
te, dialogando, trocando sobre essas questões que a gente trouxe aqui hoje,
sempre vai ter algo que vai se atualizar. Sempre vai ter algum elemento novo
de troca, e eu acho que tivemos vários elementos, mas acho que um deles
foi muito especial, que é a troca com o Mário, eu ainda estou mexida com a
afrotranstopia e… cara, eu achei fantástico e já virei uma pessoa que vai fi-
car pensando junto, acompanhando tudo o que tu for produzindo. Acho que a
gente também precisa estar de fato bebendo aí desses saberes orgânicos que
emergem a partir dessa criatividade, dessa inventividade toda suscitada por
artistas como você, como o Mário, como o Thiago, como tantos outros, que
me tiram da cadeira, “o que que isso quer dizer, onde é que ele vai chegar
com isso?” Então agradeço demais, imensamente, pela presença do pessoal
que ficou nessa tarde aí com a gente, pensando junto, me coloco à disposição
para outras atividades, outros eventos, outras trocas, acho que esse texto que
vai sair aí, acho que a gente precisa pensar, realmente, qual o formato desse
texto, sobre essa mesa, que foi tão rica, enfim, e desejar um feliz caos pra todo
mundo [risos] que 2020 seja mais caótico ainda, que a gente consiga vencer
mais uma vez, que a gente ainda consiga dançar, sentir o grave. Hoje eu vou
tocar numa festa, eu estou bem ansiosa, mas é aquela ansiedade boa de sentir,
é isso, foi dia de trocas intensas, encontros intensos. Obrigada, obrigada, pes-
soal do PPG, obrigada Jackson, Jane, pessoal que está nos bastidores, dando
um suporte, e é isso aí, muito prazer, Mário, fiquei me sentindo muito, muito
bem mesmo. Meu corpo está flutuando ainda em meio a tanta troca aí, essa
coisa massa que a gente pôde estar construindo nessa tarde. Valeu.
Thiago:
Obrigado, Mari, querida.
Thiago:
Querido Mário, termina lançando outra, já [risos] fazer outra mesa. Mário,
Mari, mais uma vez agradeço a generosidade, agradeço, como sempre, a ge-
nerosidade de compartilhar saberes e de abrir o corpo pra gente construir essa
comunidade que está desfazendo os mapas ocidentais, e deslocando, pelo
globo, realocando nossos corpos, nossas corpas, nesses espaços, nessa dis-
puta de poder. Então mais uma vez agradeço.
PESQUISA EM
ARTES CÊNICAS
Felipe Cremonini
Thainan Rocha
Thaini Menegazzo
Priscila da Rosa
SOBRE O TEATRO
EXPANDIDO,
AUDIOVISUAL
E TEATRALIDADES
RESUMO
NAS MANIFESTAÇÕES
O texto aborda alguns fragmentos da pes-
quisa em andamento do discente de mes-
EM TEMPOS DE
ni de Leon, sob orientação da Prof. Dra.
PANDEMIA
Marta Isaacsson, com o título de “A cena
teatral em contexto remoto: stalkeando
teatralidades no ciberespaço”. A escrita
Felipe Cremonini de Leon trata acerca da situação de cenas de Te-
Marta Isaacsson de Souza e Silva atro Digital realizadas durante o período
de pandemia de COVID-19 no Brasil, no
ano de 2020, pela perspectiva do teatro
expandido. Ainda, o texto busca traçar
paralelos com a arte cinematográfica e
cinema expandido, dada a aproximação
com a linguagem audiovisual de algumas
manifestações de teatros digitais. A pes-
quisa propõe uma investigação de caráter
teórico-analítico e empírico, buscando
reconhecer elementos de teatralidades
em criações concebidas para o espaço da
rede de informação e refletir sobre as di-
versas formas de produzir e manifestar
teatro, além de documentar algumas das
estratégias dos artistas de teatro no en-
frentamento à pandemia de COVID-19.
tes teóricos, tanto das artes visuais nal de Krauss. Podemos citar como
pelos teóricos dos campos do tea- que, por exemplo, Walter Benjamin
FÉRAL, Josette. Além dos Limites: Teoria e Prática do Teatro. São Paulo: Perspectiva,
2015.
KRAUSS, Rosalind. A Escultura em Campo Ampliado. In: Gávea 1 (1984), pp 87-93; repr.
Arte & Ensaios 15:17, Rio de Janeiro: EBA, UFRJ, 2008, p 128-137. Disponível em:<ht-
tps://monoskop.org/images/b/bc/Krauss_Rosalind_1979_2008_A_escultura_no_
campo_ampliado.pdf> , acesso em 25 set. 2021.
OLIVEIRA, F. A.; BIASUZ, M. C. V.; SOUZA E SILVA, M. I. de. Pré-cinema e desejos de te-
atralidade. PÓS: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, [S.l.],
p. 24–34, 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/ar-
ticle/view/15735> Acesso em: 25 de set. 2021.
PARENTE, André. A forma cinema: variações e rupturas. In: MACIEL, Katia. Transcine-
mas. Rio de Janeiro: Contracapa, 2009.
1 As principais produções de Cunningham: Mobile (2007), Evolution (2008), 12 (2012), Ménage á Trois (2014), Guide
Gods (2014), The Way You look ( at me) Tonight (2016), Beyond the Breakwater (2017), Thank Very Much (2019), Chore-
ography of The Care (2019).
2 Condição genética.
3 Osteoporose é uma condição metabólica que se caracteriza pela diminuição progressiva da densidade óssea e au-
mento do risco de fraturas
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria perfor-
mativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
WILLIAMS, Gillians. Disability, the dancer and the dance with specific reference to
three choreographers: Caroline Bowditch, Marc Brew and Claire Cunningham. Tese
(doutorado)- Universidade de Coventry, Coventry, 2014.
TEATREIROS O mercado teatral é difícil. No mundo ca-
AO TRABALHO:
pitalista neoliberal de hoje, os artistas
acumulam responsabilidades em todas
2 As mulheres cis foram 62% das entrevistadas; homens cis foram 33%; não binários foram 2% e mulheres trans
foram 1%. A pesquisa não computou respondentes identificados como homens trans.
FRANÇA, Michael. E os contatinhos do trabalho? Folha de São Paulo, São Paulo, Colu-
na, 26 jul. 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/michael-fran-
ca/2021/07/e-os-contatinhos-do-trabalho.shtml. Acesso em: 30 mar. 2022.
HUGHES, Everett. Institutional office and the person. American Journal of Sociology,
43, p. 404–413, 1937.
ROCHA, Thainan. Mercado Teatral, Formação e Carreira: estratégias para viver de tea-
tro em Porto Alegre (2010-2020). Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022. Disponível em: https://www.
lume.ufrgs.br/handle/10183/238071. Acesso em: 29 abr. 2022.
Menegazzo Teatros
pesquisa de mestrado em andamento da
no interior do estado
discente Thaini Menegazzo, orientada
1 Se entiende por territorialidad la consideración del teatro en contextos geográfico-histórico-culturales de relación y diferencia cuando se los
contrasta con otros contextos. (DUBATTI, 2011, pg. 15)
DUBATTI, Jorge. Introducción a los Estudios Teatrales. México: Libros de Godot, 2011.
Disponível em: https://formaciondanzacontemporanea.files.wordpress.com/2013/05/
dubatti-introduccic3b3n-a-los-estudios-teatrales-1.pdf. Acesso em: 27 nov. 2020.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: Dp&a, 2006.
JESUS, Maria Edilene de. Teatro nas fronteiras: descentralizando o teatro no interior de mato
grosso. Revista Nupeart, [S.L.], v. 23, p. 206-223, 14 ago. 2020. Universidade do Estado de
Santa Catarina. http://dx.doi.org/10.5965/2358092521232020206. Disponível em: https://
www.periodicos.udesc.br/index.php/nupeart/article/view/17428. Acesso em: 18 dez. 2020.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: História oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
UFRGS, Lume. Apresentação. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/apresenta-
cao>. Acesso em: 18 nov. 2019.
TORRES, Walter Lima. Ensaios de Cultura Teatral. Jundiaí/SP: Paco Editorial, 2016.
Para acessar o conteúdo deste capítulo,
aponte a câmera para QR Code ou clique
no link: https://youtu.be/dJbRmn-9RfA
SOBRE
OS AUTORES
E AS AUTORAS
Ana Clara Oliveira É licenciado em Atuação e especialista
em Linguagens Artísticas Combinada
Professora (ETA/ICHCA - UFAL)
pela pela UNA (Universidad Nacional de
Artista da Dança do Ventre e Fusão
las Artes). É professor da cátedra His-
Tribal
tória da Cultura, do departamento de
Professora (ETA/ICHCA - UFAL)
Artes Visuais da UNA, e pesquisador do
Doutoranda em Artes (PPGARTES -
P.I.P.C.A.G (Programa de Investigación,
UFMG) com pesquisa no estilo tribal de
Producción, Cultura, Arte y Género do
dança do ventre.
departamento de Artes Visuais da UNA),
Rodrigo Teixeira
Mestrando em Artes Cênicas (PPGAC/
Rosemary 'Rosa' Cisneros
pesquisadora, bailarina, coreógrafa,
UFRGS) Audiodescritor (Mil Palavras
socióloga e curadora que trabalha no
Acessibilidade Cultural) Professor de
Centro de Pesquisa em Dança (Uni-
teatro (Bublitz Academia de Musicais)
versidade de Coventry) e trabalha em
Ator e professor de teatro formado pelo
estreita colaboração com a RomArchive,
Departamento de Arte Dramática da
Rede Européia de Estudos do Hip Hop
Universidade Federal do Rio Grande do
e muitas ONGs. Cisneros desenvolveu
Sul (DAD/UFRGS). Como mestrando em
o curso de História da Dança Romani
Artes Cênicas no Programa de Pós-Gra-
com a Universidade Barvalipe, dirigida
duação em Artes Cênicas (PPGAC/UFR-
pela ERIAC. Ela lidera vários projetos
GS), pesquisa a audioarte como campo
financiados pela UE que visam tornar a
de inclusão artístico-digital. Criou e
educação e as artes acessíveis a grupos
dirigiu o podcast de audiodramas “Se-
vulneráveis e minorias étnicas, e parte
xagenarte - A vida não para” a partir de
de projetos de herança cultural que reú-
um processo de criação virtual com pes-
nem dança, sítios e tecnologias digitais.
soas idosas com e sem deficiência visual
Seu doutorado é em Sociologia com foco
no início da pandemia da Covid-19.
em mulheres ciganas, interseccionalida-
Vários autores.
ISBN 978-65-999040-0-4