MacDonald S. - Teoria Do Conhecimento (Em Tomás de Aquino)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 80

In: Kretzmann, N. & Stump, E., Tomás de Aquino, São Paulo, Ideias e Letras, 2019.

186
SCOTT
MACDONALD

substâncias com uma forma de vida característica ou um


conjunto de potências que os distingue como uma
espécie. Os objetos da cognição, por outro lado, são
sobretudo substâncias corporais particulares, a que
temos acesso através da percepção sensitiva. Em
conformidade com a sua meta física, Tomás explica que o
cognoscente se assimila a um objeto da cognição quando
a forma que está particularizada nesse objeto – como, por
exemplo, uma pedra – passa a existir na alma do
cognoscente.S
Em segundo lugar, Tomás se vê necessitando
explicar a capacidade da alma de assimilar-se
desse modo aos objetos. A explicação que ele
fornece é sobretudo psicológica, identificando os
tipos de potências que a alma deve possuir e os
processos que deve envolver, se a assimilação
cognoscitiva do tipo que ele identificou for possível.
Como animais, os entes humanos pos suem uma
potência cognoscitiva sensitiva que lhes dá acesso
cognoscitivo às substâncias corporais particulares e aos
acidentes que habitam o mundo ex terno. Além disso, se
os entes humanos devem conhecer os universais, devem
ter potências cognoscitivas intelectivas, em virtude das
quais são capazes de transformar as formas imanentes à
matéria e particularizadas que existem nos objetos
sensíveis no que Tomás chama de espécies
inteligíveis.? Na cognição intelectiva, o cognoscente é
assimilado ao objeto da cognição ao ser informa do pelas
espécies inteligíveis do objeto – isto é, como um resultado
da forma do objeto (a qual, na medida em que existe no
objeto, é particular e apenas inteligível em potência) que
vem a existir na alma intelectiva (um modo de ser
no qual a forma é universal e inteligível em ato).
Grande parte dessa história psicológica da cognição
fornece uma expli cação rudimentar de como podemos
assimilar-nos cognoscitivamente ao que

3 ST 1a, q. 75-76. 4 ST 14, q. 84; QDV, 9. 10, a. 6. Para saber mais sobre o
"empirismo" de Tomás, ver a seção "Cognição das naturezas reais" neste
capítulo. 5 ST 1a, q. 75, a, 5; 9. 84, a. 1; 4. 85, a. 2. O exemplo da pedra
provém de Aristóteles (De Anima III, 8). 6 Tomás desenvolve sua explicação ao
longo do seu tratado sobre a alma: ST12, q. 75-79 e 9. 84-86. Ver também
o capítulo "Filosofia da mente" deste volume. 7 Tomás afirma que a matéria é
o princípio de individuação dos entes compostos, e assim todo objeto material ou
objeto existente na matéria é particular.
TEORIA DO CONHECIMENTO
187

Tomás considera serem elementos simples da


realidade, as substâncias e os seus acidentes. Na
cognição intelectiva, possuímos várias formas
substanciais e aci dentais, que Tomás chama de
naturezas ou quididades das coisas, na medida em que
são abstraídas das suas condições materiais nas substâncias
corporais particulares, com as quais temos contato
sensitivo. Mas os elementos simples na rea lidade
existem juntos em complexos - acidentes particulares
inerem em substâncias particulares -- e assim, para
assimilar-se à realidade, a alma deve não apenas possuir
as formas dos elementos simples da realidade, mas
também manipulá-las de modo a formar complexos
isomórficos com a realidade (proposições
sujeito-predicado). Na visão de Tomás, o intelecto é a
potência devido à qual podemos ser assimilados desse
modo à realidade, e devido à operação do intelecto
(intellectus) podemos tanto apreender as naturezas
das coisas quanto usá-las como componentes das
proposi ções (Tomás chama essa última operação de
composição e divisão).
Além disso, Tomás afirma que a cognição não se
restringe ao tipo de captação de informação tornada
possível pela percepção sensitiva e pela in telecção.
Os entes humanos são capazes também de adquirir a
cognição de novas coisas raciocinando discursivamente com
base em coisas já conheci das. Em virtude da sua
operação distinta do raciocínio (ratio, ratiocinatio), o
intelecto nos capacita a inferir certas proposições de
outras proposições.'
As ideias estritamente epistemológicas de Tomás
devem se encontrar dentro dessa ampla consideração da
cognição, metafísica e psicologicamen te orientada. De
acordo com essa consideração, sua epistemologia se
divide naturalmente em duas partes: uma que trata da fase
do processo anterior de captação de dados, e outra que trata
da sua fase posterior inferencial. Tomás subsume a
consideração da fase de captação de dados sob a sua
filosofia psicológica, em que recorre fortemente ao De
Anima de Aristóteles. 10 Ele desenvolve a sua
consideração da fase inferencial como uma parte da sua
lógica, seguindo o exemplo de Aristóteles nos
Segundos Analíticos. 11
DODGORILLALL
A WAY

8 In PA I, proêmio; QDV, q. 1, a. 3; ST 19, q. 16, a. 2; q. 85, a. 5; In PH


I, proêmio. 9 in PA I, proêmio; ST 19, q. 79, a. 8; QDV, q. 15, a. 1. 10 ST 19,
q. 75-79; 9. 84-86; QDV, 9. 10, a. 4-6; In DA. 11 Ver, principalmente, In PA; In
BDT. Mas ver também suas apresentações resumidas des sa parte da
consideração em ST1, q. 1-2; 11a_11a, 9. -2; e QDV, q. 14.
188
SCOTT
MACDONALD
AGREGOR

Conheciment
o
Buen

Cognição, o conceito epistêmico fundamental de


Tomás de Aquino, claramente não é o próprio
conhecimento, pois ele admite que podemos ter
cognição falsa. '2 Além disso, ele parece admitir
não apenas que a nossa assimilação conceitual e
proposicional relativamente sofisticada da realida de
possa constituir uma cognição, mas que nossos tipos
mais primitivos de assimilação - nossa posse de dados
sensíveis brutos, por exemplo - possam também
constituir uma cognição. Na consideração de Tomás,
portanto, a cognição é mais ampla do que o
conhecimento.
Os comentadores adotaram algumas vezes a
noção de scientia, de To más, para explicar o seu
conceito de conhecimento. 13 Ele concebe a scientia
como uma espécie de cognição, definindo-a como
cognição completa e certa da verdade. Mas a scientia
não só é mais estreita do que a cognição, como também
é mais estreita do que conhecimento, como
veremos. Na minha opinião, Tomás não tem um
termo que corresponda precisamente à palavra
inglesa “knowledge”, mas penso que o quadro geral
da cognição, esboçado aqui, identifica um espaço
na sua abordagem que corresponde à nossa noção
de conhecimento. 14

DILBEELLISUULIOLOURCES
G
ARVEVALCARR
A

12 Por exemplo, ST18, q. 17, a. 3. Assim, Ross está errado ao equiparar


cognição e conhe cimento (Ross, 1984), e a maioria das traduções inglesas de
Tomás, que traduzem cognitio como "knowledge" e cognoscere como "know",
podem induzir erros a esse respeito. 13 Para Tomás, que, nesses
assuntos, segue de perto os Segundos Analíticos, scientia pode designar um
tipo de estado ou disposição mental - o que poderíamos chamar de uma atitude
proposicional. Mas também pode designar um conjunto de proposições
organizadas pelo assunto e de acordo com as propriedades e relações lógicas e
epistêmicas das proposi ções-membros -o que poderíamos chamar de um
corpo organizado de conhecimento, uma teoria ou uma ciência. Este
capítulo se preocupa apenas com o que ele tem a dizer sobre a primeira, a
saber, a scientia considerada como um tipo de atitude proposicional. 14 Tomás
utiliza geralmente três substantivos abstratos - cognitio, scientia e notitia (e seus
cognatos verbais e participiais) - todos os quais estão perto do inglês "knowledge"
(e seus cognatos). Para Tomás, no entanto, os três não são sinônimos. De
modo a evitar a confusão, reterei o latim scientia (scire -- ter scientia) e
traduzirei cognitio (cognoscere) como "cognição". Não traduzirei nenhum
dos seus termos epistêmicos como "conhecimento" (e seus cognatos), com
a exceção do participio passado nota (= conhecido). Eu fornecerei o latim
nessas ocasiões.
TEORIA DO
CONHECIMENTO
189
SELILLLL

Tomás afirma que a potência intelectiva, diferentemente


de outras po tências cognoscitivas da alma humana, é
autorreflexiva em relação aos seus atos. 15 Quer dizer, o
intelecto pode tomar seus próprios atos, incluindo seus
atos de cognição, como objetos de pensamento e juízo.
Como resultado, uma criatura dotada de intelecto tem a
capacidade não apenas de estar cognos citivamente
em conformidade com a realidade, mas também de
considerar se suas cognições, de fato, conformam-se
ou não com a realidade – isto é, de engajar-se em um
tipo de cognição de segunda ordem que requer tanto
uma cognição de primeira ordem quanto a cognição da
conformidade dessa cognição de primeira ordem com a
realidade. Como Tomás considera que a verdade
consiste principalmente na adequação ou
conformidade da cognição (ou pensamento) com a
realidade, ele chama o juízo de segunda ordem (de
que uma determinada cognição se conforma com a
realidade) de cognição da verdade do que é
conhecido.ló Por possuírem intelecto, os entes
humanos têm uma capacidade autorreflexiva para
conhecer a verdade das suas cognições.
O significado epistemológico dessa capacidade
de cognição autorrefle xiva é que a cognição
autorreflexiva possibilita que os entes humanos não
apenas aceitem ou afirmem proposições, mas também
que tenham funda mentos ou razões para afirmá-las. A
consideração reflexiva sobre se uma proposição se
conforma ou não com a realidade é essencial para
avaliar e governar os nossos próprios juízos e processos
de pensamento. Poderíamos dizer que, na visão de
Tomás, a capacidade autorreflexiva do intelecto torna os
entes humanos o tipo de criatura para a qual a
justificação epistêmica pode ser um problema.17
Assim, a noção de cognição da verdade do que é
conhecido, deum espaço na sua
Tomás, abre
abordagem conceitual para as questões sobre
justificação epis têmica; e suas discussões sobre os
tipos particulares de conhecimento, incluindo a
BBS

ALMENORSANGKU
TOWORLD

15 QDV, 9.1, a. 9; in Ph I, lect. 3; ST1a, q. 17, a. 3; q. 87, a. 3. 16 Para a


consideração da verdade como adequação, ver QDV, 9.1, a. 1-2; in Ph I, lect.
2-3. Para a noção de cognição da verdade, ver QDV, 9. 1, a. 9; In Ph I, lect. 3; ST
19, q. 16, a. 2. 17 In PA1, proêmio. Por meio de um raciocínio análogo a esse,
Tomás afirma que a capaci dade autorreflexiva do intelecto é o fundamento necessário
do raciocínio prático e da respon sabilidade moral (ver MacDonald, 1991b).
190
SCOTT
MACDONALD
2

scientia, podem ser vistas principalmente como


tentativas de identificar e explicar diferentes tipos e
graus de justificação epistêmica. 18 Essas
considerações especifi cam e avaliam os vários
tipos de fundamentos epistêmicos que podemos
ter para julgar que nossas cognições se
conformam com as coisas, isto é, os
fundamentos devido aos quais podemos conhecer a
verdade das nossas cognições.

Scientia e justificação
inferencial
NAS

Tomás de Aquino concebe a scientia como o


paradigma do conheci mento. Logo no início do seu
Comentário aos Segundos Analíticos, ele nos diz que a
visão comum sobre o que é scientia afirma que ter
scientia de algo é ter cognição completa e certa da
sua verdade. 19 A scientia é conhecimento
paradigmático porque a cognição completa e certa da
verdade de uma dada proposição constitui uma
justificação impecável – um tipo e um grau de
justificação que garante a verdade da proposição.
Tomás utiliza essa visão da scientia como o ponto
de partida da sua análise filosófica. Esta nos diz, de
modo geral, o que é scientia, na medida em que o que
queremos de uma teoria filosófica é uma especificação
dessa consideração geral, a qual nos dirá precisamente
em que consiste ter a cognição completa e certa. A
análise aristotélica de Tomás é uma teoria da
demonstração: o objeto próprio da scientia é a conclusão
de um silogismo demonstrativo (Tomás começa
pela definição de silogismo demonstrativo como
um silogismo produtivo de scientia), e assim, ter
scientia de alguma proposição P é afirmar P com base
em um silogismo demonstrativo, isto é, afirmar P onde
os fundamentos epistêmicos de P são as premissas do
silogismo e o fato de P ser implicado por essas
premissas.20
REEDOM
JARDIM

18 In PA I, proêmio, por exemplo, Tomás descreve os segundos Analíticos


como destinados a ajudar-nos a avaliar e governar o raciocínio
demonstrativo. Um governo desse tipo somente nos é possível se
pudermos aplicar refletidamente normas aos nossos processos de racioci
nio e às cognições às quais eles dão origem. 19 in PA I, lect. 4, n. 5. 20
in PA I, lect. 4, n. 9. Tomás recorre a essa concepção demonstrativa da
justificação epistêmica em passagens nas quais ele distingue explicitamente a
scientia de outras atitudes

------------------
TEORIA DO
CONHECIMENTO
191

Portanto, ter scientia de alguma proposição P


é afirmar P com um cer to tipo de justificação
inferencial. Ora, Tomás afirma que, como o tipo
de justificação essencial para a scientia é
inferencial, ela também é derivativa. A
scientia adquire seu status epistêmico positivo
das premissas do silogismo demonstrativo e da
natureza da inferência silogística.21
Shes

[Aristóteles] diz que, uma vez que cremos


[credimus) em alguma coisa que foi
concluída e temos scientia (scimus]
dela pelo fato de que temos um
silogismo demonstrativo, e isso é na
medida em que temos scientia do
silogismo demonstrativo (in quantum
scimus syllogismum demonstrativum],
é preciso não apenas conhecer
anteci padamente os primeiros princípios
da conclusão, mas também co nhecê-los
mais do que a conclusão. (In PA I, lect. 6,
n. 2)

Imediatamente, Tomás prossegue


oferecendo sua própria explicação e
defesa desse argumento aristotélico:
SS

Aquilo pelo qual cada um é, é mais do que


ele [...] Mas temos scientia [scimus] das
conclusões e cremos nelas por causa dos
princípios. to, temos mais
Portan
scientia dos princípios e cremos
mais neles do que nas conclusões.
Ora, acerca desse argumento deve ser
considerado que a causa é sempre
melhor (potior] que seu efeito. (In PA I,
lect. 6, n. 3-4).

Nessa passagem, Tomás é compelido pelo


texto de Aristóteles a utilizar scientia num
sentido mais amplo do que o sentido
técnico que assinala para

proposicionais epistêmicas. Ver, por exemplo, ST


114-11a, q. 1, a. 4, onde ele identifica a scientia como
assentimento intelectual a uma proposição com base em
alguma outra coisa que é co nhecida (per aliud cognitum, sicut
patet de conclusionibus, quarum est scientia). Ver também QDV, q.
14, a. 1 e In BDT, q. 2, a. 2, ad 4, onde afirma que o raciocínio
discursivo (repre sentado em uma demonstração) precede e
produz (facit) o assentimento à conclusão, que é scientia.
Presumo que o tipo de posterioridade e dependência que Tomás
identifica como essencial ao assentimento intelectual, que é
scientia, não é (apenas) causal, mas epistêmico. 21 A
consideração de Tomás foca quase exclusivamente a
natureza das premissas, igno rando questões sobre a natureza
da inferência silogistica. É claro, ele considera que questões desse
tipo são o assunto próprio dos Primeiros Analíticos e, portanto,
sente-se sem dúvida justificado ao tratá-las como resolvidas para
efeitos da discussão nos Segundos Analíticos.
192
Scort
MACDONALD
asse

esse termo em seus comentários adjacentes e em outras


partes.22 Ele afirma aqui que temos scientia não apenas
das conclusões da demonstração, mas também dos seus
princípios (ou premissas). O propósito dele, no
entanto, é claro: se alguém está justificado
epistemicamente ao afirmar uma proposi ção com
base em um silogismo demonstrativo, então deve
estar justificado em maior grau ao afirmar as premissas
da demonstração. Como o status epistêmico positivo da
conclusão da demonstração depende do status epis
têmico positivo das suas premissas, o status
epistêmico das premissas deve ser maior e mais forte
do que o status epistêmico da conclusão.
O princípio de justificação inferencial e o princípio
causal geral que Tomás deriva dele podem parecer
fortemente implausíveis. Por que uma causa deve ser
maior do que seu efeito nos aspectos aqui concernentes? Da
mesma forma, por que deveria ser impossível, para a
justificação inferencial de alguém, afirmar uma
proposição de modo a alcançar o nível de justi ficação
que se tem das premissas da inferência? (Não posso
aceitar aqui o princípio causal, mas voltarei a essa
preocupação, uma vez que ela se aplica especificamente
ao princípio de justificação inferencial).23
Se pensarmos em proposições cujo status
epistêmico positivo é a fon te do status epistêmico
positivo de alguma outra proposição, como sendo
epistemicamente anteriores a esta outra proposição,
então podemos atri buir a Tomás a ideia de que, para
alguém que tem scientia de uma dada proposição (e
assim a afirma como conclusão de uma demonstração),
as premissas da demonstração devem ser epistemicamente
anteriores à con clusão da demonstração. 24 Devido à
sua consideração da scientia como um tipo de
justificação inferencial, necessitamos então de um entendi
mento acerca da natureza dessa anterioridade
epistêmica. Se a justificação
DWOOLLOWE

22 Ver In PA I, lect. 7, n. 8 (citada na seção "Proposições imediatas e


fundamentos epistê micos" deste capítulo). Ver também In PA I, lect. 4; In BDT, q.
2, a. 2; QDV, q. 14, a. 9; ST 1a, g. 1, a. 2; i18-11, q. 1, a. 4; q. 9, a. 1, ad 1. 23
Para a discussão do principio causal em geral e seu papel nas provas
cosmológicas da existência de Deus, ver MacDonald, 1991a. 24 Tomás afirma
esse principio de prioridade epistêmica de diferentes maneiras em diferentes
passagens. As vezes, ele diz que os princípios da demonstração devem ser mais
conhecidos do que a conclusão; às vezes, que os principios devem ser mais
certos do que a conclusão.
19

ORIAD
CONHECIMENTO

TEORIA DO
CONHECIMENTO 193

característica da scientia é derivativa, qual é a


natureza da justificação da qual ela deriva?

Scientia e
fundacionismo
..

Tomás de Aquino admite que, quando temos


scientia (no sentido es trito) de alguma proposição
P, é possível que afirmemos algumas das pre
missas das demonstrações com base nas quais
afirmamos P, com base em outros silogismos
demonstrativos dos quais elas, por sua vez, são as
conclu sões. Mas ele nega que todas as premissas
nas demonstrações produtoras de scientia possam
ser afirmadas com base em outras demonstrações.
Algumas proposições devem ter seu status
epistêmico positivo, não por uma inferên cia (per
demonstrationem), mas não inferencialmente, por si (per
se).25 As proposições que são conhecidas por si
(per se nota) são os primeiros princí pios epistêmicos
de Tomás, os fundamentos da scientia.
Tomás oferece dois tipos de argumento para a
sua visão de que a scien tia requer fundamentos. O
primeiro, uma versão do argumento aristotélico que
se tornou o argumento mais conhecido do
fundacionismo epistemoló gico, procede atacando
as considerações rivais da justificação, concluindo
que a justificação inferencial é possível apenas se
houver justificação não inferencial. Esse argumento é
essencialmente negativo, sustentando uma espécie
de fundacionismo por defeito, por assim dizer, e
deixando aberta a possibilidade cética de que não
haja justificação inferencial. A caracteriza ção positiva,
de Tomás, da natureza da justificação não
inferencial constitui o seu segundo tipo de defesa do
fundacionismo. O primeiro tipo de argu mento se
considera nesta seção e o segundo, na próxima.
Tomás identifica as posições opostas à sua
como aquelas comprometi das com a ideia de que
(A) toda justificação epistêmica é inferencial. Além
disso, como ele deixa claro que alguém não pode
estar justificado ao afirmar uma proposição com base
em uma inferência a partir de proposições que
ie
25 In PA I, lect. 7,
n. 5-8.
LEN

194
SCOTT
MACDONALD
MAASSS

alguém está injustificado ao afirmá-las, ele


assume que seus rivais episte mológicos
compartilham com ele um compromisso com um
princípio de justificação inferencial, segundo o qual
(B) alguém pode estar justificado
inferencialmente ao afirmar uma proposição
somente se alguém está justi ficado ao afirmar
alguma outra proposição.26 Tomás, seguindo
Aristóteles, identifica duas posições distintas
construídas com base em (A) e (B).
A primeira posição – a alternativa cética –
utiliza (A) e (B) como o pon to de partida de um
argumento cético. O princípio da justificação
inferencial (B)
implica que (1) se uma pessoa
S está justificada inferencialmente ao afir
mar uma dada proposição P, então S está
justificada ao afirmar alguma outra
proposição Q. Mas (A) implica que (2) a justificação
de S para afirmar Q somente pode ser inferencial.
Portanto, - por meio de (B) - (3) se S está jus
tificada ao afirmar Q, S deve estar justificada ao
afirmar alguma outra propo sição R. Ora, (4)
essa regressão da justificação é infinita ou
para em algumas proposições em que S não
está justificada ao afirmá-las. (5) Se para em
propo sições em que S não está justificada ao
afirmá-las, então - por meio de (B) - S não
está justificada ao afirmar qualquer das
proposições inferidas (direta ou
indiretamente) a partir delas. Mas (6) se a
regressão da justificação continua ad infinitum,
então se S deve estar justificada ao afirmar P, S
deve passar por um número infinito de inferências
distintas envolvendo um número infinito de
proposições distintas. Mas (7) é impossível
passar por um número infinito de inferências
envolvendo um número infinito de proposições.27
Portanto, (8)é impossível para S estar
justificada ao afirmar P (ou para qualquer
pessoa estar justificada ao afirmar qualquer
proposição).28
A segunda posição endossa (A) e (B), mas
tenta evitar a conclusão cé tica da primeira
posição, permitindo o que Tomás chama
de demonstração circular. De acordo com
essa visão, a regressão da justificação
inferencial pode ser infinita sem ser viciosa se ela
retornar para si mesma. Por exemplo,
.
SURA
RASVAISESSA
ROZDOVACHISPETHUWELINASTAROALLALLALLIOLLO

26 Como vimos, a própria versão de Tomás desse principio


exige que se esteja justificado em maior grau ao afirmar as
premissas da inferência, porém ele renuncia explicitamente a
esse reforço qualificativo em vista do argumento. Ver In PA I,
lect. 7, n. 2. 27 in PA I, lect. 7, n. 3. 28 Forneci a premissa
(6), pois a validade da inferência de (7) a (8), de Tomás, a
requer.
SSSR
ws
SYS
ALLADA...BLA
... SAMAS VANAS.
dedecorere

TEORIA DO
CONHECIMENTO
195
ULLAHOVA
.
S

S pode estar justificada inferencialmente ao


afirmar P com base em Q, Q com base em R,
e R com base em P, quando a cadeia de
inferências começa a repetir-se. Esse tipo de
regressão da justificação será infinita (uma vez
que o retorno a P não termina a busca pela
justificação, mas apenas nos inicia novamente
no mesmo percurso), mas, diferentemente de
uma cadeia infinita não circular, não precisa
conter um número infinito de inferências
distintas. Essa posição, portanto, defende a falsidade
da premissa (6) do argumento cético. Ela
compartilha com a posição cética um compromisso
com (A) e (B), mas afirma com elas que (C) a
justificação inferencial é (em última análise)
circular.
Tomás rejeita ambas as posições.29 Na resposta à
segunda posição, ele recorre à assimetria da relação
de apoio epistêmico. Ele argumenta que, se nossa
justificativa para afirmar alguma proposição P
é dependente da nossa justificativa para afirmar
outra proposição Q, então, para nós, Q é
epistemicamente anterior e mais fundamental
do que P. Mas se estamos justificados
inferencialmente ao afirmar P com base em Q, e
justificados inferencialmente ao afirmar Q com base
em P, então, de um ponto de vista epistêmico, Pé
para nós ambos, anterior e posterior a Q, o
que é impossível. Seu segundo argumento
recorre à vacuidade do raciocínio circular como
fonte de justificação. Se estamos justificados ao
afirmar P pelo fato de infe ri-lo de , e se estamos
justificados ao afirmar Q pelo fato de inferi-lo
de P, então parece que essencialmente não
fizemos nada além do que inferir P de si mesmo,
e parece absurdo supor que podemos adquirir
justificação para afirmar Pinferindo-o de si mesmo,
quando não estamos justificados ao afir mar P por si
só. O absurdo é patente quando o círculo contém
apenas duas proposições, e tornar o círculo
maior não elimina o absurdo. Tomás conclui
que a noção de justificação inferencial circular é
absurda, e que alguém não pode defender a
possibilidade da justificação inferencial
recorrendo a ela.
Sua resposta à alternativa cética é mais
aquiescente. Ele consente que, assumindo
(A) e (B), o argumento cético é sólido: se
assumimos que toda justificação é inferencial,
então estamos, de fato, comprometidos

29 In PA I, lect.
7-8.
W
A
LA
U AWASANASS.PWALALAMALDOSSASALALALALALALALALALALOM.L.LALALALALALA
WAXSUS

196
SCOTT
MacDONALD

com uma regressão viciosa da justificação e com a


conclusão cética de que não pode haver
justificação.30 Sua resposta ao argumento consiste
simplesmente em salientar que não precisamos fazer a
suposição corres pondente. Se, ao invés disso,
assumimos que alguma justificação é não in ferencial,
isto é, se aceitamos um tipo de fundacionismo, então
podemos evitar a conclusão cética.
A visão de Tomás, então, é que a scientia requer
fundamentos. Ter scientia de alguma proposição P
requer que alguém esteja justificado infe
rencialmente ao afirmar P com base em um silogismo
demonstrativo ou uma cadeia de silogismos
demonstrativos, cujas premissas fundamentais alguém está
justificado não inferencialmente ao afirmá-las.
SONGS
C

Suposto, portanto, que um demonstrador silogiza


[para uma dada conclusão] a partir de
premissas demonstráveis ou mediatas, ou ele
tem então a demonstração delas, ou não tem; se não
tem, então não tem scientia das premissas, e assim
nem das conclusões por causa das premissas; mas
se tem, como nas demonstrações não se pode ir in
infinitum, [...] chegará finalmente a algumas
premissas imediatas e indemonstráveis. Assim, é
preciso que a demonstração proceda a partir de
premissas imediatas, ou diretamente, ou por
algumas pro posições médias (per aliqua
media). (In PA I, lect. 4, n. 14)

Que razão Tomás pode nos dar para preferir à


suposição cética de que toda justificação é inferencial,
sua própria suposição de que há a scientia e o tipo de
justificação não inferencial requerida para ela? Creio
que parte da resposta deve se encontrar na sua
explicação positiva da justificação não inferencial. Se
essa explicação for inde pendentemente defensável,
então teremos uma boa razão para pensar que há
justificação não inferencial, e a resposta modesta de
Tomás ao argumento cético será suficiente.

LATAR SOCIALNO
SKURETA
I
L

30 "Nisto (os céticos] argumentam retamente. Pois, ignorados os primeiros


[ignoratis primus), os posteriores não podem ser conhecidos (In PA I, lect. 7, n.
3).
TEORIA DO CONHECIMENTO
197

Proposições imediatas e fundamentos


epistêmicos

No texto que acaba de ser citado, e ao longo dos


capítulos iniciais do In PA, Tomás de Aquino prefere
chamar as proposições que constituem os fundamentos
da scientia de proposições imediatas. Essa designação
assinala seu lugar na teoria da demonstração que ele
desenvolve.

Se se pergunta, portanto, de que modo se tem


scientia dos (princípios] imediatos, (Aristóteles]
responde que não apenas há scientia deles, e
mais ainda que o conhecimento dos princípios é
um certo principio de toda scientia. Pois, a partir
do conhecimento dos princípios é de rivado o
conhecimento das conclusões, das quais há
propriamente scientia. Os próprios princípios
imediatos, porém, não são conhecidos por meio de
algum intermediário extrínseco, mas pelo
conhecimento dos seus próprios termos. Com efeito,
tendo scientia do que é o todo e do que é a parte,
conhece-se que qualquer todo é maior que a sua
parte, porque nessa proposição [...] o
predicado pertence à noção do sujeito
[praedicatum est de ratione subiecti]. Por isso, é
razoável que o conhecimento desses princípios
seja a causa do conhecimento das conclusões,
porque o que é por si (per se] sempre é causa do que
é por outro (per aliud). (In PA I, lect. 7, n. 8)
8

Uma demonstração é uma espécie de silogismo, e


uma conclusão de um silogismo categórico se segue
validamente das suas premissas quando, e somente
quando, o sujeito e o predicado da conclusão (os termos
extremos do silogismo) devem estar relacionados da
maneira como a conclusão afir ma, desde que esses termos
estejam cada qual relacionados a algum terceiro termo (o
termo médio do silogismo) da maneira como as duas
premissas afirmam. A conclusão de um silogismo válido,
portanto, é uma proposição mediata, na medida em que
seu predicado se mostra estar relacionado de maneira
apropriada ao seu sujeito devido a algum terceiro, o
termo médio externo à própria conclusão. Dizer que as
premissas fundamentais da teoria da demonstração são
proposições imediatas é dizer que elas mesmas não são
conclusões das demonstrações; elas são indemonstráveis.
198
SCOTT
MACDONALD

A lógica e a epistemologia de Tomás são baseadas


aqui no seu realismo metafísico. Ele afirma que
existem naturezas reais de substâncias e acidentes de
ocorrência natural, e que essas naturezas reais
podem fornecer o conteú do para proposições
categóricas universais. Termos genuínos se referem
às naturezas reais, e as definições reais explicam
essas naturezas identificando um tipo de gênero e
diferença específica (que também são naturezas reais).
Assim, “ente humano” se refere à natureza real do ente
humano, cuja de finição real é animal racional.31
Quando Tomás diz que uma proposição imediata é
aquela na qual o predicado pertence à explicação (ou
definição – ratio) do sujeito, ele quer dizer que a
natureza real referida pelo termo do predicado é um
elemento na definição real do sujeito, que o termo do
predicado nomeia o gênero do sujeito ou a diferença
específica (por exem plo, um ente humano é um
animal).32 Que as proposições sejam imediatas,
então, depende unicamente de quais naturezas
reais existem e quais relações mantêm entre si, isto
é, da estrutura básica do mundo, e não da
psicologia ou estrutura de crenças de um dado sujeito
epistêmico. Proposições são
RO

31 Para Tomás, portanto, as definições não são primeiramente entes linguisticos.


Além dis so, ele afirma que elas não são proposicionais na estrutura (elas
não predicam algo de algo). A proposição "um ente humano é um animal
racional" não é ela própria uma definição; seu predicado expressa a definição
do sujeito. Ver In PA I, lect. 19, n. 5; II, lect. 2, n. 11. 32 Tomás
permite certas variações, identificando três tipos do que ele chama de
proposi ções per se. Ver In PA I, lect. 10 e 33. Dadas as suas ideias sobre a
definição real, quando Tomás diz que o predicado da propo sição pertence à
explicação do sujeito, ele não quer dizer que o termo do predicado é parte
do significado do termo do sujeito, se os significados dos termos forem
entendidos como os tipos de coisas que todo falante competente de uma
lingua entende. Ele distingue entre conhecer a significação do termo (grosso
modo, conhecer uma descrição que na maioria das vezes funciona na captação
dos objetos aos quais o termo se refere: por exemplo, conhecer que "trovão"
significa certo ruído nas nuvens) e conhecer a definição real associada ao termo
(grosso modo, conhecer a explicação metafísica precisa - em termos de gênero e
diferença - das coisas referidas pelo termo: por exemplo, conhecer que o trovão é
um ruído causado pela colisão ignea nas nuvens, ou algo do tipo). Na visão de Tomás,
um usuário competente da lingua conhecerá o significado do termo, mas não
necessariamente a definição real da coisa nomeada pelo termo. Consequentemente,
na sua visão, um usuário competente da lingua pode conhecer a significação do
sujeito e predicar termos de uma proposição imediata, e então, em certo
sentido, "entender" a proposição, mas mesmo assim deixar de ver que o pre
dicado pertence à explicação do sujeito porque não entendeu as definições
reais do sujeito e do predicado. Ver In PA 1, lect. 2 e 4; II, lect. 8.
.
BS

TEORIA DO CONHECIMENTO
199

imediatas na medida em que expressam o que pode ser


chamado de relações ou fatos metafisicamente
imediatos, as relações mantidas entre as naturezas e
seus componentes essenciais.33
Esse quadro metafísico nos permite ver o tipo de
exigência objetivista que Tomás incorpora na teoria da
demonstração. Quando ele afirma que os primeiros
princípios da demonstração devem ser imediatos e
indemonstrá veis, está afirmando que devem
expressar proposições imediatas metafisica mente, e
não apenas proposições que são epistemicamente
fundamentais e indemonstráveis para algum sujeito
epistêmico particular. Que aconteça de uma dada
proposição P ser indemonstrável para alguma
pessoa S, porque não há outras proposições na
estrutura de crenças de S com base na qual S estaria
justificada ao afirmar P, não é garantia de que P seja,
na visão de Tomás, uma proposição imediata e
indemonstrável.34 A estrutura da de monstração,
portanto, é isomórfica com a estrutura metafísica da
realidade: proposições imediatas e indemonstráveis
expressam fatos imediatos meta fisicamente, ao passo
que proposições mediatas e demonstráveis expressam fatos
mediatos metafisicamente. 35
Além disso, Tomás afirma que, como as
demonstrações totalmente desenvolvidas são
isomórficas com a realidade, as premissas em uma de
monstração podem ser consideradas como a causa da
conclusão. Causa, nesses contextos, poderia ser
melhor traduzida como “explicação", uma vez que o
tipo de causalidade que ele tem em mente não se
restringe à (e, de fato, tipicamente não é) causalidade
eficiente. As premissas em uma

WALVISVANWWWWWW

33 Tomás toma a chamada árvore de Porfírio para representar as relações


metafísicas mantidas entre as naturezas na categoria da substância. Cada no
terminal de uma árvore completamente desenvolvida desse tipo representa uma
espécie inferior, cujos componentes essenciais imediatos são o gênero, representado
pelo no imediatamente superior à espécie, e a diferença que distingue essa
espécie de outra espécie do mesmo gênero. 34 Ele admite que uma proposição
pode ser imediata para alguma pessoa sem ser imediata pura e simplesmente; ver
a seção "Qualificação e extensão da Sicentia" deste capítulo. 35 Essa conexão
entre a metafísica e a lógica da demonstração explica a conexão entre os dois
sentidos de scientia que identifiquei anteriormente (nota 13). A scientia (a atitude proposi
cional) em relação a P exige a demonstração de P. Mas, como a demonstração deve
mapear a realidade da maneira certa, a exigência da demonstração implica uma
exigência de um tipo de teoria verdadeira na qual P se encaixe.
200
SCOTT MACDONALD
+393
IO

demonstração fornecem a explicação da conclusão, no


sentido de que elas citam fatos implícitos e
metafisicamente mais básicos, devido aos quais a
conclusão é verdadeira; elas fornecem o que
poderíamos considerar como uma explicação teórica
detalhada.36 Por exemplo, que uma figura de certo tipo
tenha a soma de seus ângulos internos igual a dois
ângulos retos é demonstrado e explicado recorrendo
ao fato de que figuras desse tipo são triângulos, e
triângulos têm a soma de seus ângulos internos igual a
dois ângulos retos. Que os triângulos tenham a soma de
seus ângulos internos igual a dois ângulos retos, é,
paradigmaticamente, uma proposição imedia ta, e
fornece uma explicação paradigmaticamente
formal-causal do fato de que um tipo particular de
figura tem ângulos internos iguais a dois ângulos
retos: figuras desse tipo têm ângulos internos iguais a
dois ângulos retos porque são triângulos, e triângulos,
por sua própria natureza, são figuras que têm a soma
de seus ângulos internos igual a dois ângulos retos. 37
Esse quadro metafísico explica como as
proposições imediatas expres-- sam os fundamentos
metafísicos e como fazem o papel de fundamentos
epistêmicos. Primeiro, devido a serem predicações nas
quais o predicado pertence à explicação do sujeito,
elas são predicações essenciais e, como tais, universal
e necessariamente verdadeiras. Em segundo lugar,
Tomás afirma que os fatos expressados pelas
proposições imediatas são tais que, quando os
conhecemos, não podemos deixar de ver a sua
necessidade; isto é, não podemos conceber a
falsidade dessas proposições.38 Conhecê-los,
portanto, é estar justificado não inferencialmente ao
afirmar as proposições imediatas que os expressam.
Tomás frequentemente afirma que proposições desse
tipo são tais que, uma vez concebidos os seus termos,
conhece-se a verdade das proposições. Isso porque,
para ele, conceber os termos de uma proposição imediata
consiste em alcançar uma intelecção explícita das
naturezas reais nomeadas por esses termos. Assim,
conceber o sujeito da proposição “um ente humano é um
animal” exige ter uma definição real explícita para os
EGGSSALON

36 Poderiamos pensar nesses fatos metafísicos mais básicos como anteriores metafisica
mente - ou, como prefere Tomás, mais cognoscíveis por natureza - ao fato que
eles explicam,
37 In PA I, lect. 2, n. 9. 38 In PA I, lect. 19, n. 2;
Ject. 20, n. 6; e lect. 44, n. 8.
TEORIA DO
CONHECIMENTO
201

entes humanos, isto é, conceber os entes humanos


como essencialmente ani mais racionais. A ideia de
Tomás é que não se pode conhecer explicitamente
que ser um ente humano consiste essencialmente em
ser um animal racio nal e, ao mesmo tempo, não
conhecer que um ente humano é um animal. Conceber o
sujeito e o predicado de uma proposição imediata é,
portanto, conhecer diretamente a verdade necessária
da proposição.39
A justificação não inferencial, então, consiste em
conhecer diretamen te os fatos imediatos que
fundamentam a verdade necessária de uma propo sição.
Quando se entende que uma proposição expressa
um fato imediato desse tipo, não se pode duvidar da
sua verdade (pois não se pode conceber que seja
falsa) ou estar enganado ao afirmá-la. 40 Tomás diz que,
nesses ca sos, as proposições imediatas são evidentes
para nós.
Quando Tomás se concentra no status epistemológico,
e não no lógico ou metafísico das proposições
imediatas, ele as descreve como conhecidas (cognita,
nota) por si (per se). Poderia tê-lo feito melhor dizendo
que são cog noscíveis ou conhecíveis por si, pois
afirma que o fato de uma proposição ser imediata
não é garantia de que será conhecida por todo ente
humano.

Qualquer proposição cujo predicado está na noção


do sujeito é ime diata e conhecida por si (per se
nota], tal como é em si (quantum est in se]. Mas,
em algumas dessas proposições, os termos são tais
que estão no conhecimento de todos [in notitia
omnium] [...]. Portanto, é preciso que tais
proposições sejam consideradas como
conhecidas por si, não apenas em si, mas
também por todas as pessoas (quod omnes].
Por exemplo, “que não acontece à mesma
coisa ser e não ser”, “que o todo é maior do que
sua parte” e outras semelhantes. [...] Algumas
proposições, porém, são imediatas, cujos
termos não são conhecidos por todas as pessoas
(non sunt apud omnes noti]. Donde, embora o
predicado nessas proposições) esteja na noção
do sujeito, no entanto,
RIZAM
39 ST19, q. 79, a. 8; QDV, q. 15, a. 1. 40 "O intelecto é sempre reto, na
medida em que é intelecto dos princípios. A respeito dos quais não se engana, pela
mesma razão pela qual não se engana a respeito do que algo é (quod quid est).
Pois os princípios conhecidos per se são aqueles que, inteligidos os termos, são
conhecidos imediatamente (statim), pelo fato de que o predicado é posto na
definição do sujeito" (STa, q. 17, a. 3, ad 2).
202
SCOTT
MACDONALD
SS
.

como a definição do sujeito não é conhecida (nota)


por todos, não é necessário que tais proposições
sejam concedidas por todos. Assim como esta
proposição: “todos os ângulos retos são iguais”.
(In PA I, lect. 5, n. 7)

As proposições imediatas, então, podem ser


conhecidas por si e, por tanto, são os objetos
próprios do conhecimento não derivado. Mas o fato
de serem conhecidas por si exige que se conheça os
fatos expressados por essas proposições, as quais
exigem que se conceba os seus termos. Tomás faz a
distinção entre proposições imediatas cujos termos
são comuns e apreen didos por todos, as quais chama
de princípios comuns ou concepções co muns da
mente, e proposições cujos termos são concebidos
somente por algumas pessoas.41
Na visão de Tomás, então, temos uma justificação não
inferencial para afirmar proposições imediatas cujos
termos concebemos. Nossa jus tificação não inferencial
para afirmá-las consiste em termos conhecimen to direto
da necessidade dos fatos que elas expressam. Ora, parece
que ele supõe que temos uma evidência
fenomenológica da existência de justifi cações não
inferenciais desse tipo. Vimos que ele afirma que existem pro
posições imediatas cujos termos são concebidos por
todos, e assim cada um de nós terá uma experiência
do conhecimento direto de fatos neces sários
metafisicamente imediatos, fatos expressados por
proposições que não podem ser falsas e que não
podemos conceber como sendo falsas. 42 Esse apelo
fenomenológico implícito constitui os fundamentos para
o seu fundacionismo, que independem da sua rejeição de
teorias epistemológi cas rivais: nossa experiência de
estarmos justificados não inferencialmente ao afirmar certas
proposições é razão suficiente para considerar que há
justificação não inferencial.
Assim, Tomás assevera que ter scientia de alguma
proposição P é afir mar P com base em uma
demonstração, cujas premissas fundamentais são

41 In PA I, lect. 19, n. 2; lect. 36, n. 7; ST 1a, q.2, a. 1; e in BDH, lect. 1. 42


Tomás sugere que não podemos estar no estado de intelecção de um primeiro
principio e isso nos ser desconhecido. (In PA I, lect. 20, n. 4).
LLL
L
LLLLLSLLUA JALALALALALA
www

TEORIA DO
CONHECIMENTO
ORIA DO CONHECIMENTO

203
BV

proposições que estamos justificados não


inferencialmente ao afirmá-las. Esses primeiros princípios
serão (a) imediatos, (b) universais e (c) necessá rios, e
com relação às conclusões demonstrativas que
implicam, serão (d) epistemicamente anteriores e
expressam fatos que são (e) metafisicamente
anteriores e (f) explicativos. Entender essas
características da sua conside ração nos coloca na
posição de entender como essa teoria demonstrativa
da scientia poderia ser tomada para explicar a concepção de
scientia com que Tomás iniciou a sua discussão, a
concepção de scientia como cognição completa e certa.
Por um lado, termos scientia de uma proposição P se ca
racteriza pela certeza em virtude do nosso afirmar P com
base em inferên cias silogísticas válidas, cujas premissas
fundamentais são necessariamente proposições
verdadeiras cuja falsidade é inconcebível para nós.
Inferên cias desse tipo, a partir de premissas desse
tipo, estabelecem a verdade necessária (e, portanto, a
certeza objetiva) das suas conclusões, e, assim, nos
fornecem a evidência paradigmaticamente convincente
(e, portanto, a certeza subjetiva a respeito) dessas
conclusões. 43 Por outro lado, nós ter mos scientia de P
constitui uma cognição completa de P, porque afirmar P
com base na demonstração é ter situado P em uma
teoria ou estrutura explicativa mais ampla que mapeia
com precisão a realidade objetiva.
Podemos ver também como os primeiros princípios
de Tomás concor dam com o seu princípio forte de
justificação inferencial. Vimos que ele, no caso da scientia,
afirma que estar justificado inferencialmente ao afirmar P
requer não apenas estar justificado, mas mais
justificado ao afirmar pro posições das quais se infere P.
Nossa justificação para afirmar proposições que
entendemos como imediatas é caracterizada pela
absoluta certeza: não podemos conceber a possibilidade
da falsidade das proposições que apreen demos dessa
maneira. Esse tipo de certeza, fundado unicamente no
nosso conhecimento direto da verdade necessária de
uma proposição imediata, pode plausivelmente ser
considerado como consitutivo de mais justificação do que o
tipo de certeza cuja base é uma inferência envolvendo
duas ou

43 Tomás diz frequentemente que ter uma demonstração de alguma proposição


obriga ou necessita o assentimento de alguém a essa proposição; ver, por exemplo,
QDV, q. 14, a. 1; ST1a, 9. 82, a. 2.

204
Scott
MACDONALD
ALD
mais proposições distintas. 44 O primeiro tipo de
justificação é uma fonte apropriada para o segundo.

Qualificação e extensão da
Scientia

Os críticos frequentemente apontam a estreiteza


da consideração de Tomás de Aquino acerca da
scientia. Parece que apenas as verdades a priori de
sistemas axiomáticos, como a lógica e a matemática,
podem satisfazer suas condições estritas (os críticos
afirmam que não é por acaso que a maio ria dos
exemplos de Aristóteles e Tomás vêm da geometria).
Mas muitas objeções desse tipo se assentam em
suposições errôneas sobre a visão de
Tomás. Esta seção apresenta três características da sua
epistemologia que mostram que ela é mais sutil e resiliente
do que muitos críticos admitiram.

Scientia como
paradigma

LUI

A acusação de que a consideração de Tomás de


Aquino tem uma apli cação extremamente estreita
ignora as suas próprias disposições explícitas para
estendê-la além desses limites estreitos. Sua estratégia geral
é tomar as condições da scientia que o vimos
desenvolver, não como condições
estritamente
necessárias, mas sim como condições que são totalmente sa
tisfeitas apenas pelo caso do paradigma, embora
sejam satisfeitas em certa medida por casos que ficam
aquém do paradigma [nas discussões que vi mos, ele
frequentemente especifica que está falando sobre ter
scientia pura e simplesmente (scire simpliciter)].45 A
scientia pura e simplesmente ou estrita satisfará as
condições que estabelecemos. Mas nossa cognição da
verdade do que conhecemos admite graus que culminam
na completude e certeza, e nossa justificação para
afirmar uma dada proposição pode se aproximar do
paradigma sem alcançá-lo. Tomás, então, pode admitir que
BILIONICASIACE
ANTRAVER

44 in PA I, lect. 42, n. 8; lect. 44, n. 9; e II, lect. 19, n. 5. 45 Por exemplo, é


assim que ele introduz a discussão sobre a scientia em In PA I, lect. 4, n. 4.
TEORIA DO
CONHECIMENTO
205
WE

a scientia paradigmática consegue ser alcançada


apenas em disciplinas a priori, como a lógica e a
geometria, permitindo, porém, que se possa dizer
corretamente que temos scientia (embora scientia não
paradigmática) de muitos outros tipos de proposição.46
Vou mencionar dois modos pelos quais ele abre espaço
na sua consideração para o que poderíamos pensar como
scientia secundária; cada um dos dois modos envolve
a extensão ou a perda de um dos critérios da scientia
estrita ou paradigmática. 1. O primeiro modo constitui uma
tentativa de acomodar a consideração estri
ta da scientia à perspectiva dos sujeitos epistêmicos
humanos. Tomás afirma que, como criaturas corporais, os
entes humanos têm acesso cognoscitivo ao mundo pelos
sentidos corporais. A cognição humana deve começar e
contar com a percepção sensitiva; primeiro,
adquirimos proposições sobre objetos sensíveis, as
quais achamos psicologicamente mais fáceis de assentir.
Por essa razão, muitas proposições desse tipo podem ser
consideradas como epistemicamente anteriores quanto
a nós. “Ora, o conhecimento sensitivo é em nós
anterior ao conhecimento intelectivo, porque a
cognição intelec tiva procede, em nós, a partir dos
sentidos. Donde, o singular ser anterior e mais
cognoscível (notius) para nós do que o universal” (In
PA I, lect. 4, n. 16).47 Tomás constrói um tipo de
scientia não paradigmática sobre essas características
distintivas da nossa situação epistêmica. 48
SSAS

FORVREGROWTHERMALEXANDREGATA
SYWWWW

46 Tomás afirma que os objetos inteligíveis podem ser distinguidos com base na
sua relação com a matéria: (1) alguns (objetos corporais) dependem da
matéria para seu ser e incluem a matéria em suas definições; (2) alguns (objetos
matemáticos, por exemplo) dependem da matéria
apenas para seu ser e também não incluem a matéria em suas definições; (3)
alguns (Deus, por exemplo) nem dependem da matéria para seu ser nem incluem a
matéria em suas definições. Ele sustenta que os objetos inteligíveis do segundo tipo
podem ser objetos de uma scientia a priori estritamente e assim a scientia a
seu respeito será mais certa do que a scientia a respeito dos ob jetos do
primeiro tipo. Ver In BDT, q. 5; In PA I, lect. 25, n. 4; lect. 41, n. 2-3; e ST10, q. 85, a. 1,
ad 2. 47 Em contraste, Tomás afirma que as proposições da filosofia
primeira (ou metafísica), que são as mais universais, são mais cognoscíveis pura e
simplesmente; ver In PAI, lect. 17, n. 5 Ele sugere que podemos alcançar o
paradigma da scientia nos casos em que as proposições que são mais cognoscíveis
pura e simplesmente são também mais cognoscíveis para nós, como no caso das
disciplinas puramente formais ou a priori; ver in PA I, lect. 4, n. 16. Ver
também nota 46 anterior. 48 Alguns exemplos de Tomás recorrem às limitações
impostas, não por nossa natureza corporal, mas por nosso ponto de observação,
como a nossa restrição de observar um eclipse
AN

206
SCOTT
MACDONALD
Ooh
33<3322
909

As proposições sobre os objetos sensíveis


particulares são então, às vezes, mais cognoscíveis
para nós, apesar de não serem mais cognoscíveis
por natureza ou consideradas em si mesmas.
Como tais, podem constituir proposições
imediatas para nós e funcionar como primeiros
princípios epistêmicos que fundamentam o que é
para nós scientia (embora não pura e
simplesmente). É claro que o fato de que esses
tipos de proposições fiquem aquém de um tipo de
anterioridade, universalidade e necessidade metafísica,
característica dos primeiros princípios paradigmáticos,
deixa aberta a possibilidade de nos enganarmos
com elas. Mas isso é apenas para dizer que o tipo
de scientia que elas fundamentam não é
paradigma ticamente uma cognição completa e certa,
mas apenas se aproxima dela até certo ponto.
Ora, como em certos casos os fatos
metafisicamente posteriores (os efeitos) são
epistemicamente mais acessíveis a nós do que os fatos
meta fisicamente anteriores e, de um ponto de vista
objetivo, explicativos (as causas), Tomás se dispõe
a estender a condição de que as premissas da
demonstração, produzindo scientia, forneçam a causa da
conclusão. Ele admite que, em alguns casos,
podemos ter scientia (não paradigmática) de
proposições metafisicamente anteriores, que
afirmamos com base na quelas metafisicamente
posteriores. Em casos desse tipo, então,
podemos inferir a causa a partir do efeito (com
base nos princípios causais necessá rios), e não
o efeito a partir da causa. Tomás chama as
demonstrações desse tipo de demonstrações de quê
(demonstrationes quia), porque estabelecem que algo
acontece, sem fornecer uma explicação
teoricamente profunda sobre isso, do tipo que os
fatos metafisicamente anteriores forneceriam. Em
contrapartida, ele chama as demonstrações
cujas premissas fornecem a causa ou explicação
da conclusão de demonstrações do porquê
(demons trationes propter quid).49 A scientia
paradigmática requer a demonstração
4

LESBW-WwWwwW

lunar da Terra e não da Lua, e nossa incapacidade de observar os


poros microscópicos que permitem a luz atravessar o vidro (In PA I, lect.
42). 49 Tomás desenvolve a distinção detalhadamente em In PA I,
lect. 23, mas chama a nossa aten ção para isso no início da sua
discussão sobre a scientia (1, lect. 4, n. 8), como se nos alertasse de
que a consideração muito estrita que está desenvolvendo da scientia
não se reduz a isso.
.
..
US

TEORIA DO CONHECIMENTO
207
OcaXYGSRSS

do porquê, porém, meras demonstrações do fato nos


fornecem scientia de algum tipo. 50
Seus exemplos favoritos de tais casos são as
proposições da ciência natural e da teologia. Nesses
casos, nossos pontos de partida epistêmicos refletem as
limitações impostas pela nossa natureza corporal, e
não a ordem natural do mundo. Na ciência natural, por
exemplo, devemos partir dos acidentes sensíveis dos
objetos corporais, já que estes são mais acessíveis a nós, e
apenas posteriormente adquirimos os fatos sobre a
natureza real desses objetos. Os fatos sobre a
natureza real dos objetos corporais são an teriores pura
e simplesmente, e explicam os fatos sobre suas
características acidentais, mas esses fatos
metafisicamente anteriores, ao menos inicial mente, estão
ocultos a nós. 51
Da mesma forma, Tomás afirma que nossas naturezas
corporais limi tam o tipo de bases epistêmicas que
podemos ter para a scientia relativa às proposições
sobre assuntos divinos. Poderíamos ter scientia
paradigmática relativa às proposições sobre Deus
apenas se pudéssemos fundamentar es sas proposições
por meio de demonstrações paradigmáticas em
proposições imediatas sobre a natureza real de Deus. É
claro que as limitações cognosci tivas humanas impedem
nossa concepção da natureza de Deus como ela é

Divler AUVALLENCERRA
ALLVIENDALE
VIDwund

50 Tomás discute também sob o título de demonstrationes quia o que ele chama
de scien tia subordinada ou subalternada. Alguém tem scientia desse tipo quando
afirma uma pro posição com base em uma demonstração cujas premissas fundamentais
afirma porque as toma como conclusões de demonstrações explicativas estritas
conhecidas por alguém, mas não por si. Nesse caso, o que funciona como premissas
fundamentais para alguém (porque não tem demonstração delas) não são os primeiros
princípios paradigmáticos, uma vez que são demonstráveis – Tomás chama os
primeiros princípios não paradigmáticos desse tipo de suposições (In PA I, lect. 5, n.
7). As demonstrações desse tipo são apenas factuais e não totalmente explicativas
devido à nossa incapacidade de fundamentá-las em primeiros principios objetivos. 51
“Às vezes, o que é mais cognoscível para nós não é cognoscível pura e
simplesmente, assim como acontece nas coisas naturais, nas quais as essências e as
capacidades das coisas, por estarem na matéria, são ocultas, mas se tornam conhecidas
[innotescunt) a nós pelo que delas aparece exteriormente. Donde, em tais coisas,
as demonstrações serem feitas na maioria das vezes (ut plurimum) pelos efeitos, que
são mais cognoscíveis para nós, e não pura e simplesmente" (In PA I, lect. 4, n. 16).
208
SCOTT
MacDoNALD

em si mesma. 52 Tomás, no entanto, admite que


podemos estar justificados ao afirmar proposições
sobre Deus com base nas demonstrações que par
tem, em última análise, de proposições sobre os
efeitos de Deus (criaturas), que são evidentes à
percepção sensitiva. Para ele, pode-se dizer que
temos scientia de proposições que afirmamos nesta
base, apesar da nossa justifica ção a seu respeito
estar longe de fornecer o tipo de justificação
teórica de talhada e completa fornecida pelas
demonstrações do porquê. Podemos ter esse tipo
de scientia não paradigmática, por exemplo, quanto
a proposições que afirmam a existência de Deus e lhe
conferem certos atributos.53 2.
O segundo modo no
qual Tomás admite formas não paradigmáticas
de scien
tia envolve acomodar o paradigma de scientia a objetos
que não são absolu tamente necessários. Ele afirma
que, por sua particularidade e materialidade, os
objetos da ciência natural – as substâncias
corporais no reino da nature za – admitem
contingência. Ele admite que podemos ter scientia
deles, no entanto, na medida em que podemos
torná-los universais. Ele nos diz, por exemplo, que
um eclipse lunar particular pode ser visto como universal e
ne cessário quanto à sua causa, “pois nunca falta, pelo
contrário sempre há eclip se lunar todas as vezes
que a terra se interpõe diametralmente entre o sol
e a lua” (In PA I, lect. 16, n. 8). Da mesma
forma, podemos ter scientia daquilo que ele
chama de verdades na-maioria-das-vezes –
proposições que expressam estados de coisas
resultantes das tendências naturais das coisas,
desde que fatores causais externos não interfiram -
pela construção de demonstrações especificando
que se obtém alguma condição, ou pela exclusão da
existência de condições que impediriam as tendências
naturais respectivas. Onde houver
UI
Sovet

CELECORADOS
21

52 Tomás sustenta que, objetivamente, há uma scientia paradigmática acerca de


Deus. O próprio Deus e os bem-aventurados, que vêem a essência de Deus
na visão beatifica, têm o tipo de acesso aos fundamentos objetivos epistêmicos que
53 STa, q. 1; SCGI, C.
são necessários à scientia a respeito desses assuntos.
3-9; c. 28-29; in BDT, q. 1, a. 2; q. 2, a. 2-3; q. 5, a. 4;q.6, a. 1. Tomás
afirma também que temos cognição das verdades sobre Deus por meio da
revelação. Além disso, ele afirma que as proposições contidas na revelação
podem funcionar para nós como primeiros principios (ver as notas 50 e 51),
fundamentando a scientia subordinada ou subal ternada. Em relação a nós, essas
proposições não são nem demonstráveis nem vistas como imediatas, mas são
demonstráveis pura e simplesmente (da perspectiva de Deus), e podemos
tomá-las como pontos de partida, supondo que estão, de fato,
devidamente fundamentadas.
RANDONN
--
.
.
.
.

TEORIA DO CONHECIMENTO
209
.
.
..
...
.

então necessidade natural causal ou condicional,


podemos ter scientia de al gum tipo, mesmo que
não seja uma scientia paradigmática.
Além disso, ele ainda admite que generalizações e
proposições proba bilísticas possam ser objetos de
scientia, apesar de não serem, em sentido estrito,
universais e necessárias. Ele afirma que podemos ter
demonstrações das verdades na-maioria das vezes que
começam a partir de premissas que são também verdades
na-maioria das vezes.

Essas demonstrações, porém, não fazem conhecer pura e


simples mente que o que se conclui é verdadeiro,
mas de certa maneira, a saber, o que é verdadeiro na
maioria das vezes; e assim também os princípios que
se toma (nas demonstrações desse tipol possuem
ver dade. Donde, tais scientiae serem deficientes em
relação às scientiae que são absolutamente necessárias
quanto à certeza da demonstra ção. (In PA II, lect. 12, n.
5)54
LIV

en
je

Essa passagem parece claramente admitir o que


poderíamos chamar de scientia probabilística.55
Tomás, portanto, afirma que o paradigma da
justificação, alcançável em certas disciplinas a priori e
puramente formais, garante a verdade da cognição em
virtude de fundamentá-la na universalidade e
necessidade dos objetos conhecidos e na infalibilidade
do nosso acesso a eles. 56 Mas ele admite tipos e graus
de justificação que apenas se aproximam dessa neces
sidade e infalibilidade. Portanto, é um erro supor que
sua epistemologia é coextensiva com sua
consideração da scientia estrita, mas ele considera a

T
/

54 Ver também In PA 1, lect. 42, n. 3: "É de considerar, porém, que a respeito dessas
coisas que, de fato, ocorrem na maioria das vezes, acontece haver demonstração
na medida em que nelas há alguma necessidade." 55 A probabilidade aqui é
entendida, não no sentido de frequências relativas, mas no senti do de
tendências naturais. Presumo que o raciocínio probabilistico, do tipo que Tomás iden
tifica aqui, difere do que ele chama em outros lugares de raciocinio
dialético ou provável, devido ao primeiro ser fundamentado em verdades
sobre as tendências naturais das coisas. 56 "Ora, a necessidade [...] é de um
modo nas coisas naturais, que são frequentemente verdadeiras e raramente (in
minori parte] deficientes; e de outro modo nas disciplinas, isto é, nas
matemáticas, que são sempre verdadeiras. Pois, nas disciplinas, a necessidade é
a priori; nas coisas naturais, porém, a posteriori" (In PA I, lect. 42, n. 3).
SS

210
SCOTT MACDONALD

scientia estrita, tal como a concebe, como o paradigma


da justificação epis têmica e o modelo pelo qual
outros tipos de justificação devem ser entendi dos e
com base no qual devem ser avaliados. Nesse
sentido, a consideração da scientia não é apenas
uma parte da sua teoria do conhecimento, mas a sua
pedra angular.
A adoção de Tomás da scientia paradigmática
como modelo para en tender a justificação epistêmica,
leva-o geralmente a dedicar menos aten ção do que
gostaríamos à consideração das variedades de justificação
não paradigmáticas e derivadas. Na maioria das
vezes, ele não demarca limites precisos entre os
diferentes tipos de justificação não paradigmática, e não
especifica critérios exatos para determinar se um
determinado caso de jus tificação não paradigmática se
aproxima o suficiente ou não do paradigma para
fundamentar a aceitação racional ou o conhecimento.

Dificuldade dos primeiros


princípios
SA

A exigência de Tomás de Aquino de que a scientia


se baseie em propo sições que são cognoscíveis por
si (per se nota) foi mal interpretada, como se exigisse
que os fundamentos da scientia devessem ser proposições
evidentes por si, de tal maneira que fossem clara e
obviamente verdadeiras para todo adulto normal ou
usuário competente da língua.57 Os críticos salientam, com
razão, que, nessa maneira de interpretar a exigência,
apenas as ver dades mais simples da lógica e da
aritmética são candidatas plausíveis aos fundamentos
da scientia, de Tomás, uma vez que para
praticamente qual quer proposição (incluíndo as
proposições analíticas e necessárias) pode-se encontrar
pessoas comuns que não apenas não a considerem
obviamente verdadeira, mas até mesmo a rejeitem.
Acabo de argumentar que Tomás admite que a
scientia não paradig mática pode tomar como seus
fundamentos proposições que não são proposições
imediatas pura e simplesmente. Mas, deixando de
lado esse

57 Ver, por exemplo, Plantinga, 1983,


p. 57.
ISTILIST

TEORIA DO CONHECIMENTO
211
MTINUEVILLIM
A
LLIERTE
-..
..........
.......
I
II
.
.
.
..
..
.

ponto, vimos que a concepção de Tomás sobre as


proposições imediatas e a nossa relação epistêmica
para com elas é mais rica e mais sofistificada do que
aquela má interpretação admite. Como vimos, na sua
considera ção, as proposições imediatas não precisam
ser inteligíveis, muito menos óbvias para todos.
Alguém conhece diretamente a verdade necessária de
uma proposição imediata apenas quando concebe a natureza
do sujeito e do predicado. Além disso, Tomás afirma
que é difícil alcançar a concepção completa de certas
coisas. Daí resulta que o conhecimento direto da verda de
necessária de uma proposição imediata sobre certas coisas
será difícil de alcançar. Proposições desse tipo,
então, podem ser fundamentos epistêmi cos pura e
simplesmente, apesar de serem obscuras para alguns,
ou mesmo para muitas pessoas comuns.
Uma objeção intimamente ligada ao fundacionismo de
Tomás denun cia que quem o afirma é
autorreferecialmente inconsistente.58 Na consi deração
de Tomás, a pessoa pode estar justificada
(paradigmaticamente) ao afirmar uma dada proposição
somente se uma de duas condições for aten dida: (1) a
proposição é conhecida por si para essa pessoa, ou
(2) a pessoa a afirma, em última análise, com base em
proposições que são conhecidas por si para essa
pessoa. Chame-se essa tese de T. Ora, de acordo
com T, alguém está justificado (paradigmaticamente) ao
afirmar a própria T somente se (1) ou (2) forem
atendidos. Mas T não é claramente evidente por si
(afinal, muitos epistemólogos rejeitaram esse tipo de
consideração). Além disso, é difícil entender como ela
poderia ser derivada de proposições que são evi
dentes por si. Portanto, mesmo que T seja verdadeira,
não podemos estar (paradigmaticamente) justificados ao
aceitá-la.
No máximo, esse argumento constituiria uma
objeção à consideração da scientia estrita de Tomás,
uma vez que a tese T caracteriza apenas essa parte da
sua teoria do conhecimento. Mas a objeção fracassa, em
todo caso, por duas razões. Primeiro, Tomás nega que
o fato de muitos rejeitarem al guma proposição mostre
que a proposição não pode ser conhecida por si. Assim, o
fato de que Té controversa não contribui em nada para
mostrar

58 Ibid., p. 60-62.
SWAMWAGA
SEX
WIRECCITASWARASHLOSSES
VACANCES
Syo
Visa

212
SCOTT MACDONALD

que a condição (1) não foi atendida. Em segundo


lugar, Tomás, de fato, diz estar justificado ao afirmar
T devido à condição (2). Vimos que ele sustenta que
os componentes de T são instâncias de princípios
metafísicos gerais, a saber, que qualquer coisa que seja F
deve ser F por si, ou por outro que seja suficiente em
aspectos relevantes para ter causado seu ser F, e que não
pode acontecer que todas as coisas que sejam F
sejam derivativamente F (sejam F por outro). Tomás
deriva T diretamente desses princípios e adota prin
cípios metafísicos básicos desse tipo, suas versões dos
principios de razão suficiente, de modo a serem
proposições imediatas cognoscíveis por si.59 Pode-se,
é claro, objetar nesse ponto que esses princípios
metafísicos não são claramente evidentes por si. Mas,
como vimos, dada a sua visão sobre o que é uma
proposição cognoscível por si, esse protesto por si só
não é capaz de convencer Tomás de qualquer
inconsistência ou incoerência.
ven

Justificação não
demonstrativa

A relevância que Tomás de Aquino confere a essa


consideração da scien tia levou alguns a supor
erroneamente que essa consideração esgota a sua teo
ria do conhecimento, quando, na verdade, é apenas uma
parte dela. Tomás reconhece um tipo de justificação
adquirida, não a partir do conhecimento direto de proposições
imediatas (intelecção) nem a partir da demonstração
(scientia), mas a partir do que ele chama de raciocínio
dialético ou provável (probabilis, persuasoria). O
raciocínio dialético se distingue por produzir conclusões
que não são certas, mas apenas prováveis. Os
argumentos prová veis não se restringem a derivar
conclusões a partir de proposições imediatas por meio de
formas silogísticas válidas; podem basear-se em
premissas que não são necessárias e certas, mas que
possuem certo status epistêmico positivo (proposições
afirmadas pela maioria das pessoas, em boa
autoridade, em bases indutivas, etc.) e fazem uso de
formas argumentativas amplamente indutivas.
Onu

PEEGESLUIT

59 Note-se o exato paralelo entre a estrutura desses argumentos sobre a justificação


epis têmica e as provas causais de Tomás da existência de Deus (ST19, 4, 3, a.
2). 60 In PA I, proêmio; In BDT, q. 2, a. 1, ad 5; e SCGI, c. 9.
TEORIA DO CONHECIMENTO
213
ELL
CELECOXS

Tomás considera claramente que o raciocínio dialético


pode fornecer uma justificação epistêmica, e que
possuímos esse tipo de justificação para muitas das
proposições que estamos justificados ao afirmá-las.
“No processo da razão que não é acompanhado da
certeza completa, encontram-se alguns graus na
medida em que se aproxima mais ou menos da
certeza perfeita. Com efeito, embora por esse processo
algumas vezes, de fato, não se pro duza scientia, no
entanto, produz-se crença (fides) ou opinião por causa da.
probabilidade das proposições das quais se procede”
(In PA I, proêmio),61 Nessa passagem, Tomás indica
uma atitude proposicional epistêmica distinta da intelecção
e da scientia - a crença ou a opinião - que constitui nossa
postu ra epistêmica para com as proposições que
consideramos ser contingentes. 62 Perceber uma
proposição como contingente é perceber que os
fundamentos que se tem para ela não garantem a sua
verdade, ou seja, é ter menos do que a cognição completa
e certa da sua verdade. Ele, no entanto, não desenvolve, para
essa atitude epistêmica ou o raciocínio provável no
qual se baseia, o tipo de consideração sistemática que
fornece para a scientia.3
Assim, quando as ideias de Tomás o obrigam a negar que
temos scientia de alguma proposição, ou quando afirma
que não temos nenhuma demonstração para essa
proposição, ele não deve ser lido como negando que a
conhecemos ou que estamos justificados ao afirmá-la.
Embora ele negue, por exemplo, que possamos ter
scientia de muitas das proposições da doutrina cristã,
no entanto, considera que estamos justificados ao
afirmá-las com base (entre outras coisas) em sua derivação
de uma autoridade razoável.64 Da mesma forma, não de
vemos rejeitar sua teoria do conhecimento alegando que
sua consideração da scientia é muito estreita para
constituir uma epistemologia completa.

61 Ver também ST 114-118, q.2, a. 9, ad 3; e SCG1, c. 6, onde Tomás sugere


que estamos jus tificados ao afirmar certas proposições em virtude de haver
boas razões para a sua verdade, mas que não são demonstrativas. 62 Ver
também In PA I, lect. 44; QDV, 9. 15, a. 2, ad 3. 63 Havia teorias do
raciocínio dialético bem desenvolvidas e amplamente conhecidas na Idade Média;
ver Stump, 1989. 64 A autoridade, é claro, é Deus, e Tomás argumenta a favor da
origem divina da revelação por meio de argumentos apenas prováveis que recorrem
a certos fatos históricos, incluindo a ocorrência de milagres. Ver SCGI, c. 6.
UMA IELA WALAWWALAWAMALLWWLWWLWAWALAWAJALVAVARSMALI.JA JUML
AH

214
SCOTT MACDONALD

Cognição das naturezas


reais
Como vimos, a consideração de Tomás de
Aquino da justificação não inferencial recorre à noção
de concebermos os sujeitos e os predicados das
proposições imediatas, e Tomás considera esses
sujeitos e predicados como naturezas reais. Sua teoria
do conhecimento, então, leva-o a uma discussão sobre
as nossas relações cognoscitivas com esses entes, entes
que ele consi dera como os elementos logicamente
simples a partir dos quais o conheci mento complexo
(proposicional) é construído.
Embora nossa cognição das naturezas ou
quididades seja uma con dição necessária da nossa
cognição das proposições imediatas, que são os
primeiros princípios epistêmicos, a consideração de
Tomás desse tipo de cognição não é estritamente
epistemológica. Isso porque a questão da ver dade
não se coloca para esse tipo de cognição, uma vez
que seus objetos não são proposições, as quais são
as portadoras apropriadas dos valores de verdade.
Assim, quando ele começa sua discussão do
notoriamente difícil capítulo final dos Segundos
Analíticos, salientando que será muito útil saber "como
se conhece os primeiros princípios” (In PA II, lect. 20,
n. 2), está introduzindo, não uma discussão sobre o que nos
justifica ao afirmar os primeiros e imediatos princípios,
mas uma discussão sobre os mecanismos causais ou
processos psicológicos que originam certos tipos de
estados ou disposições psicológicas.65
Sua resposta à questão genética sobre como
chegamos a ter cognição dos primeiros princípios é
que temos certas potências cognoscitivas (incluindo a
percepção sensitiva, a memória e um intelecto agente e
possível) que nos possibilitam ter cognição das
naturezas ou quididades das coisas, os univer sais
que são os constituintes das proposições categóricas
(os detalhes da sua
LES

PICHAWAKILLINOU
CAO

65 Já vimos sua resposta a questão sobre o que nos justifica ao afirmar


princípios imediatos: estamos justificados não inferencialmente ao afirmá-los
devido à nossa incapacidade de con ceber os seus contrários, tendo em conta a
nossa concepção dos termos dessas proposições. 66 "Alguém, no entanto,
poderia crer que apenas o sentido ou a memória dos singulares é suficiente para
causar a cognição intelectiva dos principios [...]; assim, para excluir isso, o
Filósofo supõe que é preciso pressupor, simultaneamente com o sentido, tal natureza da
alma que pudesse sofrer isso, isto é, que fosse receptiva da cognição do universal, que
se dá, de
BALLASUKOL
ILALA BILALLIDUS

TEORIA DO CONHECIMENTO
215

consideração da natureza e operação dessas


potências cognoscitivas vão além da
epistemologia na psicologia e até na fisiologia, e
assim não podem ser explicitados aqui).67
Mas, em geral, Tomás pensa na consideração
como uma solução para um antigo problema,
essencialmente epistemológico.
O problema que Platão herdou dos pré-socráticos e
ficou famoso é sobre como os entes humanos, cujos
sentidos dão acesso a um mundo de objetos
corporais irredutivelmente particulares, podem ter
cognição dos universais. Poderíamos pensar no
problema enquanto chamando a nos sa atenção
para uma lacuna epistemológica entre
cognoscentes humanos dependentes da percepção
sensitiva e a cognição dos universais. Tomás entende
todas as principais posições epistemológicas que conhece
como motivadas por esse problema básico. Ele
divide essas ideias em três grupos principais.68
Dois grupos aceitam o problema e admitem
que a lacuna é intransponível: a percepção
sensitiva, por sua própria natureza, é incapaz de
nos colocar em contato cognoscitivo com
universais, e assim os objetos da nossa cognição
universal devem ser extrassensoriais. De acordo
com esses dois grupos, se quisermos ter
cognição dos universais, devemos ter acesso
cognoscitivo a objetos inteligíveis para além da percepção
sensitiva.
Tomás distingue esses dois grupos com base
em suas ideias sobre a natureza dessa origem da
cognição universal. O primeiro grupo afirma que
as origens da cognição universal são totalmente
extrinsecas à alma. Tomás coloca nesse grupo
tanto um tipo de platonismo, de acordo com o qual
os objetos inteligíveis são formas separadas
(imateriais, existentes independentemente) das
quais o intelecto humano participa, quanto um
tipo de neoplatonismo muçulmano, de acordo
com o qual as inteligências separadas (imateriais,
almas intelectivas existentes independentemente)
imprimem as formas inteligíveis no intelecto
humano. O segundo grupo
.
SA
SES
fato, por meio do intelecto possível; e, em segundo lugar, que
pudesse operar isso [possit agere hoc] de acordo com o intelecto
agente, que faz os inteligíveis em ato por abstração dos universais a partir
dos singulares" (In PA II, lect. 20, n. 12). 67 Para um desenvolvimento
detalhado da doutrina da abstração aqui referida, ver ST1a, q. 79 e q.
84-86. Ver também os capítulos "Aristóteles e Tomás de Aquino" e
"Filosofia da mente" deste volume. 68 QDV, 9. 10, a. 6; ST 19, q. 84,
a. 4.
-

216
SCOTT
MACDONALD
NORS

sustenta que as origens da cognição universal são


totalmente intrínsecas à alma. Aqueles que, inspirados
por Platão, afirmam que os universais são inatos na alma,
embora a cognição inata da alma deles fosse obscurecida
pela união da alma com o corpo, inserem-se nesse
grupo, assim como aqueles que sustentam que a
presença dos objetos sensíveis é a ocasião, embora
não a causa, de que a alma construa formas
inteligíveis para si mesma ex nihilo, por assim dizer.
O terceiro grupo, os aristotélicos, não podem
recorrer a um tipo de acesso extrassensorial a universais
independentes, pois afirmam que toda cognição humana
tem origem na percepção sensitiva. Esse empirismo aris
totélico se baseia na visão de que os entes humanos
são, por natureza, subs tâncias corporais únicas, cuja
forma natural de acesso ao mundo se faz por meio dos
sentidos corporais. Se quiserem evitar o ceticismo, os
aristotéli cos devem então resolver o problema e preencher a
lacuna epistemológica. Tomás apresenta sua teoria da
abstração intelectiva como solução. Ele vê sua posição
como um tipo de meio-termo entre as outras duas
posições, afirmando que as origens da cognição
universal são em parte extrínsecas e em parte intrinsecas
à alma. Seu empirismo identifica uma origem externa: a
cognição dos universais, como toda cognição humana,
origina-se da per cepção sensitiva e, portanto, do mundo
externo dos particulares materiais. Mas ele reconhece
que, do lado da alma, algo é necessário, a saber, uma
capacidade cognoscitiva (em particular, um intelecto agente)
que manipula os dados sensíveis para produzir os universais
inteligíveis. Conhecemos as naturezas reais universais que
constituem o sujeito e o predicado dos pri meiros princípios
epistêmicos, quando possuímos as espécies ou formas
inteligíveis em ato, abstraídas por esse mecanismo das
condições materiais que as tornam somente inteligíveis em
potência.
Deixando de lado os detalhes da teoria da
abstração, Tomás resume a sua postura geral nos
parágrafos finais dos Segundos Analíticos:
e
1
SS
PRESSRES
ar

BUDOWY

69 Tomás argumenta contra as posições que sustentam que os entes humanos


podem ter acesso aos objetos inteligíveis sem qualquer recurso à percepção
sensitiva, afirmando que uma cognição desse tipo seria antinatural para os entes
humanos, dada a sua natureza corporal,
TEORIA DO
CONHECIMENTO
217

Com efeito, é manifesto que o singular é sentido


propriamente e por si (per se], mas, apesar
disso, a sensação é de certo modo também do
próprio universal. Pois conhece Cálias não apenas
enquanto é Cálias, mas também enquanto é este
homem, e da mesma forma Sócrates enquanto é
este homem. Em seguida a essa recepção pree
xistente no sentido, a alma intelectiva pode
considerar o ente huma no em ambos. Ora, se fosse
assim que o sentido apreendesse apenas o que
pertence à particularidade, e com isso não
apreendesse de nenhum modo a natureza
universal no particular, não seria possível que a
cognição universal fosse causada em nós a partir da
apreensão dos sentidos. [...] Portanto, como
recebemos a cognição do univer sal a partir dos
singulares, [Aristóteles] conclui ser manifesto
que é necessário conhecer os primeiros principios
universais por meio da indução. Deste modo, com
efeito, a saber, por via de indução, o sentido
produz o universal dentro da alma (facit
universale intus in anima] na medida em que
todos os singulares são considerados. (In PA II,
lect. 20, n. 14)

VAN

Dois aspectos dessa passagem requerem comentários.


Primeiro, não devemos confundir os primeiros princípios
universais, de que Tomás fala nessa passagem, com os
primeiros princípios imediatos que fundamentam a sua teoria
da demonstração. Esses primeiros princípios universais
não são proposições, mas naturezas universais às
quais se referem os termos das proposições
imediatas; são princípios (ou elementos fundamen
tais), não das demonstrações, mas das proposições.70
Em segundo lugar, quando Tomás diz que
conhecemos esses princípios universais por meio da
indução, não faz uma observação sobre a nossa
justificação epistêmica ao afirmá-los. Ele não quer dizer
que estamos justificados inferencialmente ao
Puwwwwww

70 Tomás utiliza o termo "princípio" para designar tanto as proposições que são
premissas de uma demonstração quanto os termos a partir dos quais uma
demonstração é construída. Ver in PA II, lect. 2, n. 2-3 (onde o sujeito da conclusão
e o proprium que se predica do sujeito na conclusão são chamados de princípios);
1, lect. 5, n. 9 (onde ele afirma que, como a defi nição não pode ser uma
proposição imediata - porque ela não é uma proposição de nenhum tipo -, deve
ser considerada como um principio imediato); 1, lect. 18, n. 7; e ll, lect. 2, n. 9
("definições são principios das demonstrações”).
218
SCOTT
MACDONALD
WILL
CAS

afirmar esses princípios universais com base em


uma generalização induti va. Por um lado, esses
princípios universais não são proposições, e somente
proposições podem ser justificadas por inferência
indutiva. Por outro lado, Tomás utiliza frequentemente
o termo “indução”, como faz aqui, simples mente para
descrever o processo de percorrer os casos
individuais. Nessa passagem, seu argumento é que o
processo de refletir e comparar os casos particulares é a
causa de o intelecto apreender o universal contido nos par
ticulares, e não que o processo de examinar os casos
particulares de origem a uma generalização indutiva
sobre alguma natureza universal."
A discussão de Tomás sobre o funcionamento
dá a impressão, às vezes, de
cognoscitivo humano
que ele considera a realização da cognição in
telectiva dos universais como uma realização
relativamente simples e quase automática. Mas essa
impressão é enganosa. A passagem que acaba de ser
citada, e outras observações ocasionais, sugerem que
Tomás considera que, ao menos em certos casos, o
processo pode ser longo e difícil. O fato de nossa
apreensão de um universal necessitar de indução,
isto é, o contato repetido com os particulares
sensíveis relevantes e a experiência (experimen tum)
acumulada, indica que o processo de abstração
intelectiva pode ser deliberado, refletido e
progressivo.72 Nossos contatos iniciais com os obje
tos sensíveis nos dão apenas uma cognição
rudimentar, obscura ou vaga das
We

E-
CALANLLEVEN

71 Um exemplo de processo causal não epistêmico de indução seria o


ensino a uma criança que 1 + 1 = 2, colocando uma maçã na mesa, depois uma
segunda, e explicando que adicio namos uma maçã a uma maçã com o resultado
de termos duas maçãs; depois, repetindo o processo com moedas de um
centavo, peças de madeira e assim por diante, até que a crian ça
compreenda o princípio. Quando a criança finalmente compreende (e assim pode
afirmar que conhece) que 1 + 1 = 2, seu conhecimento será o resultado
causal desse processo de passar por instâncias particulares. É evidente que a
justificação da criança para afirmar a proposição aritmética não é uma inferência
indutiva que recorre a certas experiências parti culares de maçãs, moedas de um
centavo, blocos de madeira e assim por diante. Da mesma forma, tomaríamos os fatos
sobre como nós aprendemos que 1 + 1 = 2 (os tipos de fatos que poderíamos aprender
com os nossos pais e os primeiros professores) como completamente irrelevantes à
nossa justificação para crer nessa proposição. Para uma visão diferente sobre o
recurso de Tomás à indução nessa passagem e outras similares, ver Stump, 1992.
72 “Para isso (para que os objetos inteligíveis se tornem inteligíveis em ato) é
necessário, além da presença do intelecto agente, a presença das fantasias, a boa
disposição das potên cias sensitivas e a prática em operações de tal natureza"
(ST19, q. 79, a. 4, ad 3).
aru
..........sirin
.

TEORIA DO CONHECIMENTO
219

suas naturezas reais, cognição que pode ser


desenvolvida e refinada com a experiência posterior.
Tendo em conta essas observações, parece melhor con
siderar o ato de abstração do intelecto agente, não como
um tipo de produção instantânea misteriosa de uma
forma universal a partir dos dados sensíveis, mas
como um gradual, provavelmente árduo, processo
intelectual.73
Essa concepção acerca da nossa cognição das
naturezas universais como progressiva e em
desenvolvimento cabe na visão de Tomás sobre a
existência de proposições imediatas que não são
conhecidas por todos. A cognição intelectiva dos
universais nem sempre é fácil e direta. Quando ela é difícil,
nem todos alcançarão a cognição desses universais, e
nem todos conhecerão as proposições imediatas em que
essas naturezas universais são os elementos.
Parece então que a consideração de Tomás da nossa
cognição dos uni versais, tal como a sua consideração
da scientia, foca o caso paradigmático, o caso no qual
o aparato psicológico funciona perfeitamente. No
entanto, nossa cognição em ato das naturezas reais
universais, se aproximará do pa radigma de diferentes
formas e graus. Como no caso da scientia, Tomás
considera que o paradigma é mais fácil de se alcançar
no tocante a alguns objetos do que a outros. Por um
lado, ele afirma que as naturezas matemá ticas
universais são mais facilmente acessíveis a nós do que
as naturezas de outros tipos de coisas, mas, por outro
lado, ele não é de todo otimista sobre a nossa
capacidade de alcançar a cognição intelectiva das
naturezas reais das substâncias corporais.74 Assim,
quando Tomás afirma que possuímos capacidades
cognoscitivas que explicam a nossa capacidade de
conhecer os universais e descreve o mecanismo causal
pelo qual essas capacidades alcançam seu resultado, não
precisamos considerá-lo como cadaafirmando que
instância da nossa cognição das naturezas reais das
coisas satisfaz as condições que ele expôs.

73 Ver Kretzmann, 1992. 74 Ver, por exemplo, In PA I, lect. 4; 11, lect. 13;
STa, q. 29, a. 1; 9. 77, a. 1, ad 7; 114-119, q. 8, a. 1; SCGI, C. 3; e QDV, 9.4, a.
1.
220
SCOTT MACDONALD

Otimismo
epistemológico
Para o leitor moderno, é uma característica
marcante das várias dis cussões epistemológicas de
Tomás de Aquino que elas raramente abordem
explicitamente preocupações céticas. A consideração
da cognição universal, discutida na seção anterior, é
um exemplo típico. Sua estratégia ao longo do
desenvolvimento dessa consideração é a de argumentar
que a cognição das naturezas reais dos objetos corporais
apenas é possível se a alma tiver certos tipos de potências e
se engajar em certos tipos de atos cognoscitivos. Ele
simplesmente assume que temos, de fato, uma
cognição desse tipo.75 Por que Tomás não se
preocupa com as questões céticas que nos parecem
claras e urgentes?
Tem sido sugerido muitas vezes que a visão de
mundo completamente teológica de Tomás é a causa
de ele não levar a sério possibilidades desse tipo, uma
vez que implicariam que as criaturas criadas por Deus
estivessem, na maior parte, radicalmente enganadas
sobre a natureza do mundo. Há, certamente, alguma
verdade na afirmação de que os compromissos teoló
gicos de Tomás ditam em certa medida as questões
que ele considera mais interessantes e importantes. Mas
gostaríamos de saber não apenas o que causou a falta de
preocupação de Tomás com o ceticismo, mas que justifi
cativa ele tem (caso exista) para ignorá-lo.
Alguns comentadores recentes argumentaram
que, apesar das aparên cias, Tomás é um externalista
sobre a justificação e o conhecimento, e que seu
externalismo explica a sua falta de preocupação com o
ceticismo.76 Se
LINDALAUSVEJ
S
wim
RTABELCOCX

75 Essa estratégia é evidente nos argumentos do tipo encontrado na ST 14, q. 75, a. 5 e


q. 79, a. 3. Na ST!, q. 79, a. 4, no entanto, Tomás sugere que temos a
experiência de abstrair as naturezas universais a partir da percepção sensitiva dos
particulares. Talvez ele tenha a intenção de basear a sua consideração parcialmente em
um recurso fenomenológico desse tipo; ver a seção anterior, "Proposições imediatas
e fundamentos epistêmicos". 76 Para os nossos propósitos, podemos tomar o
externalismo na epistemologia como a negação do internalismo, onde o
internalismo afirma que, para uma pessoa conhecer ou estar epistemicamente
justificada ao afirmar alguma proposição, essa pessoa deve, em certo sentido, ter
acesso ou ter conhecimento do fato de que ela satisfaz as condições necessárias ao
conhecimento ou justificação a respeito dessa proposição. Para a afirmação de que
Tomás é um externalista, ver Jenkins, 1989, e Stump, 1992.
TEORIA DO
CONHECIMENTO
221

Tomás manteve um tipo de confiabilismo externalista, de


acordo com o qual estar justificado ao afirmar alguma
proposição P consiste em afirmar P como resultado do
funcionamento adequado de um mecanismo confiá vel
de formação de crenças – uma condição cuja
satisfação não é preciso cumprir ou ter conhecimento
-, poderíamos então entender por que as
preocupações céticas não têm força para ele. No geral,
as epistemologias externalistas modernas abandonaram
a tentativa de refutar os céticos. Pre sumem que nossas
faculdades epistêmicas estão essencialmente em
ordem e perguntam que tipo de análise do
conhecimento pode explicar que tenha mos isso. Além
disso, a explicação de Tomás do funcionamento cognosciti vo
humano inclui claramente uma explicação do que ele
considera ser um mecanismo confiável de formação de
crenças.
Essa visão é insustentável como interpretação de
Tomás, no entanto, ela se compromete de forma muito
explícita com uma versão forte do inter nalismo em
relação ao conhecimento paradigmático e a justificação.
Como vimos em muitas passagens citadas neste capítulo,
Tomás, consistente e petidamente, torna uma
re
exigência à justificação que uma pessoa possud ou
tenha acesso aos fundamentos constitutivos da sua
justificação. Não se pode dizer que uma pessoa que
não possua uma demonstração tenha scientia (In PA I,
lect. 6, n. 2); não se pode dizer que alguém que não
possua a demons tração de uma premissa demonstrável
tenha scientia da conclusão derivada dessa premissa (In
PA I, lect. 4, n. 14); é preciso crer na proposição que
justifica alguém ao afirmar alguma outra proposição
em grau maior do que se crê nessa proposição (In PA
I, lect. 6, n. 4); não podemos dizer que temos scientia
de proposições de fé porque as demonstrações para
elas não são acessíveis a nós (ST IIa-IIa, q. 1, a. 5); é
preciso ter conhecimento de que uma proposição imediata
é imediata e necessária, caso contrário, ter-se-á
apenas uma opinião a seu respeito (In PA I, lect. 44, n.
8-9).??
Para além dessa convincente evidência textual, há
duas características centrais da epistemologia de Tomás
que a marcam como claramente inter nalista. Primeiro,
como vimos, Tomás afirma que a potência
cognoscitiva
GRAM

77 Ver também as passagens citadas na nota


20.
States

222
SCOTT
MACDONA
LD
08
AANSE
OX
Driver

que distingue os entes humanos dos outros


animais, a saber, o intelecto, torna-os
genuínos conhecedores precisamente
porque é uma potência au torreflexiva que
lhes permite ter não apenas cognições, mas
também a cog nição da verdade das suas
cognições. Quer dizer, é absolutamente
central na epistemologia de Tomás que
os entes humanos tenham acesso
cognoscitivo aos seus próprios atos de
cognição e seus fundamentos para julgar
que al guns deles correspondem à
realidade.78 Em segundo lugar, as
principais po sições epistemológicas de
Tomás são praticamente instáveis sem
recorrer à sua própria metáfora da visão
intelectiva, uma metáfora
paradigmaticamen te internalista. A
intelecção e a scientia tornam certas
proposições evidentes para nós, e
seus objetos são coisas que são vistas
(visa) como verdadeiras.79 A elevação
de Tomás desse vocabulário
essencialmente metafórico a um status
praticamente técnico é um testemunho
da natureza completamente internalista
da sua teoria do conhecimento.
Além disso, o compromisso explícito
de Tomás com a confiabilida de das
nossas faculdades cognoscitivas não tem
tendência a mostrar que sua visão é
confiabilista ou externalista. O
confiabilista deve afirmar não apenas
que nossos mecanismos de formação
de crenças são confiáveis, mas também
que nossa justificação para afirmar uma
dada proposição consiste em nossa
crença ter sido causada por um
mecanismo desse tipo. As passagens
que acabei de citar mostram
claramente que Tomás rejeita essa
segunda afirmação. De fato, a maioria
dos internalistas afirmou que nossas
faculdades cognoscitivas são
confiáveis, e alguns deles, Tomás e
Descartes entre eles, ofereceram
argumentos internalistas a favor dessa
visão. Eles consideraram que, para
estarmos justificados ao afirmar que
AVON
SA

>
XS

CAPP
A LLID

78 Presumo que, para Tomás, ter cognição de algo


(uma coisa ou uma proposição) é ter acesso a ele no
sentido de "acesso" que interessa ao internalista (é claro
que a exigência internalista de acesso não precisa implicar
o conhecimento ocorrido). Portanto, o fato de termos a
cognição da verdade de uma determinada cognição
envolve termos acesso tanto à cognição quanto aos
fundamentos para considerar que ela corresponde à
realidade (no caso da justificação paradigmática, isso
envolveria o conhecimento direto do próprio fato ou o
conhecimento direto dos fatos que requerem o que é
conhecido - junto com o conhecimento da necessidade).
79 Por exemplo, QDV, 9. 10, a. 4, ad 1; ST||-11a, q. 1,
a. 5.
BESCHI
SERIES
TEORIA DO
CONHECIMENTO
_
ORIA DI
CONHECIMENTO

223

nossas faculdades cognoscitivas são confiáveis,


devemos ter razões inter nalistas para considerar
que elas o são. Descartes, notoriamente, tenta
construir argumentos que satisfaçam as exigências
do seu fundacionismo internalista paradigmático
para mostrar, primeiramente, que Deus existe e não
é enganador, e então que nossas faculdades
cognoscitivas são con fiáveis quando devidamente
governadas. Parece-me claro que as próprias
razões de Tomás para considerar as nossas
faculdades como confiáveis são semelhantes às
de Descartes. Se perguntado o que o justifica ao
conside rar as nossas faculdades como
confiáveis, ele certamente responderia, não
afirmando que sua crença na nossa confiabilidade
cognoscitiva é ela pró pria causada por um
mecanismo de formação de crenças confiável, mas
apontando-nos sua teologia filosófica e seus
argumentos fundacionistas a favor da existência
de um criador bondoso de cognoscentes humanos,
e recorrendo aos casos em que temos cognição
certa e infalível da verdade.
A aparente confiança de Tomás no fato de que o
ceticismo é falso pode muito bem derivar da sua
certeza de que o ceticismo geral é falso. Nosso
conhecimento direto da verdade necessária de certas
proposições imediatas constitui um acesso indubitável
e infalível a essas verdades, e assim, em relação a
essas proposições e às proposições que derivamos
delas por via de demonstrações rigorosas, o
ceticismo é provavelmente falso. Tomás pode
supor que, dada essa certificação da capacidade de o
intelecto apreender a verdade nos casos
particulares, estamos justificados ao supor que
nossas faculdades cognoscitivas geralmente nos
dão acesso à realidade, ao menos na ausência de
razões convincentes para pensar o contrário. Não
temos o tipo de garantia direta da correção de
todas as faculdades e processos que temos de
alguns, mas a garantia direta que temos de
alguns nos dá boas ra zões para confiar nos
outros. Ora, em nenhum lugar Tomás desenvolve
um argumento desse tipo, mas é o tipo de
orientação que se poderia esperar que ele
reconhecesse e retomasse a partir de Agostinho. A
resposta explícita de Agostinho ao ceticismo
termina efetivamente com a afirmação da falsidade
do ceticismo geral, presumivelmente porque Agostinho
considera que essa
S
PS

22
4
SCOTT
MACDON
ALD
JONALD

JUD1

conclusão transfere o ônus da


prova para os ombros do cético.80
Além dis so, seu frequente recurso
fenomenológico à nossa experiência
de cognição completa e certa da
verdade sugere que ele considera
que esses casos forne cem a
evidência para um otimismo mais
geral.
Mas, apesar da sua orientação geral
realista e anticética, a epistemolo gia
de Tomás não deve ser
caracterizada como
particularmente otimista. Na sua
visão, os entes humanos são entes
cognoscitivos limitados, com
acesso restrito à realidade. Ele
reconhece que o que eles podem
conhecer sobre a estrutura da
natureza e o reino dos entes
imateriais é incompleto em pro
fundidade e extensão. O fato de sua
teoria do conhecimento focar-se nos
paradigmas, descrevendo o
funcionamento completo e eficaz
das potências cognoscitivas
humanas, pode nos levar a ignorar o
fato de que ele considera que é muitas
vezes difícil para nós alcançar o
paradigma.81
SAS
ASSS
WS
EVALUACULAR
I
T
W
ALDORPORE

80 Contra Acadêmicos, ver Agostinho, 1922, seção I,


parte III. 81 Meus agradecimentos a Jan Aertsen,
Panayot Butchvarov, Richard Fumerton, Norman
Kretzmann e Eleonore Stump pelos comentários a
uma versão deste capítulo, e registro o apoio do
Center of Advanced Studies da Universidade de lowa.

Você também pode gostar