Anthena Brasileira
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Anthena Brasileira
DA ÁGORA AO PANTHEON:
intelectuais de “Atenas” e a literatura romântica no Maranhão
Abstract: With a character of literary detach, the symbolic constructions was placed as
icon of the maranhense’s identity, as synonymous of cultural superiority, as a distinction in
the letters area. The romantic literature of the maranhense group was way legitimator of the
poetical creations about Maranhão greathness, detaching the personalities as Gonçalves
Dias, Odorico Mendes, João Lisboa e Sotero dos Reis. The of criticize literary and of
sociology postulates showed a specific concept to the man of letter’s perception way, in
other words, made sense only for the individuals that detained the forms necessaries to
decode this concept while a cultural element of symbolic nature. The set of the maranhense
population was not inserted in this thinking away about the Maranhão Province.
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A ficção não seria o avesso do real, mas uma outra forma de captá-lo, onde os limites da criação e fantasia
são mais amplos do que aqueles permitidos ao historiador. Para o historiador, a literatura continua a ser um
documento ou fonte, mas o que há para ler nela é a representação que ela comporta, o que nela se resgata é
a re-apresentação do mundo que comporta a forma narrativa (PESAVENTO, 1995).
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O discurso não é somente um conjunto de signos, elementos significantes amalgamados em uma narrativa
que remetem a conteúdos e representações acerca de objetos. Discursos são também práticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam (CERTEAU, 2006).
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XIX. White ofertou à História e aos historiadores o entendimento de sua própria prática,
através da qual a “Atenas Brasileira” é também entendida. No intuito de diminuir as
distâncias entre o ofício do historiador e o labor literário, afirmo tal qual Hayden White que
Considerarei o labor histórico como o que ele manifestadamente é, a saber: uma estrutura verbal
na forma de um discurso narrativo em prosa que se pretendia um modelo, ou ícone de estruturas
e processos passados no interesse de explicar o que eram representando-os (WHITE, 1995,
p.18, grifo no original).
prática presente. Ela reitera [...] os mitos que [...] fazem da linguagem o vestígio sempre
remanescente de um começo tão impossível de reencontrar quanto de esquecer.
O discurso histórico não é senão uma cédula de uma moeda que se desvaloriza. Afinal de contas
não é mais de que papel. [...] o texto da história sempre o retoma, [...] articulado com aquilo que
não é (CERTEAU, 2006, p. 57-58).
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Muito embora ocorram divergências relativas à unidade do chamado Grupo Maranhense, os historiadores da
literatura brasileira convergem de certo modo ao separar a ação dos literatos românticos no Brasil em
grupos específicos (diferente do Romantismo europeu que é estudado uniformemente), entre os quais o
Grupo Maranhense figura com alguma relevância neste sentido referente ao aspecto vernaculista de seus
escritos. A produção narrativa de literatos como Antonio Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Francisco
Sotero dos Reis e Manoel Odorico Mendes e Gomes de Castro colocou o Maranhão no âmbito da produção
e circulação de obras de literatura não apenas no Maranhão, mas no Brasil.
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vários sujeitos sociais (cientes ou não de sua ação) produtores de múltiplas apreensões da
realidade (CANDIDO, 1975a, p. 23-24).
A independência oficial do país (1822) foi de fundamental importância para a
compreensão dos desmembramentos da idéia romântica, deslocando a expressão de uma
nova ordem de sentimentos por parte do indivíduo em relação ao seu papel na sociedade e
com relação à pátria; a criação de uma literatura também independente, diversa e múltipla
que buscasse novos modelos explicativos relacionados com a liberdade; e a noção de que a
atividade intelectual era sinônimo do exercício de elaboração de um espaço diferenciado,
de um ambiente nacional (CANDIDO, 1975b, p. 11). Em outras palavras, ambicionava-se
que a literatura romântica fosse para o Brasil a mesma coisa que a independência
representou no âmbito da política.
O Romantismo comportou-se de maneira diversa tanto na Europa quanto no
Brasil. René Wellek mostra que
Por outro lado, para evitar olhar o Romantismo de maneira acrítica, convém
realizar algumas sinalizações referentes aos desmembramentos do Romantismo no Brasil,
pois em meio à uniformidade do amor à pátria, diferentemente da Europa, a expressão
romântica brasileira foi localizada e mostrou-se de maneira múltipla por diversos grupos.
Mesmo com uma ação localizada por parte dos grupos específicos de literatos
em relação à produção romântica, a ligação destes letrados com a Europa, especificamente
Portugal, era um mecanismo de legitimidade de seus escritos. Era a Universidade de
Coimbra o centro para onde convergiam os maranhenses que ambicionavam aprofundar os
estudos, e foi ao que se atribui o gosto dos mesmos pela leitura dos clássicos como o
exemplo de Manoel Odorico Mendes – intérprete de Homero e Voltaire – e João Francisco
Lisboa e Sotero dos Reis, ambos exímios tradutores de clássicos da literatura.
Se com o Romantismo afloraram as novas temáticas de poesia e uma outra
compreensão de realidade social e do papel do artista na sociedade, no Maranhão, o
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próprio ato de criação dos letrados em suas obras. Afinal, por intermédio destas os
intelectuais também exerceram um poder, ainda que mediante a persuasão e não a coação,
nas formas extremas de manipulação dos fatos por meio de uma verdadeira psicologia
(BOBBIO, 1997, p. 112).
Em outras palavras, a ação organizacional dos letrados se deu em suas
atividades políticas na capital da Província e fora dela, e acima de tudo, na relação direta
com as esferas de poder. Relação perceptível quando João Francisco Lisboa e Odorico
Mendes ocuparam importantes cargos na estrutura burocrática do Estado ou quando
Francisco Sotero dos Reis rivalizou com Lisboa na elaboração de uma outra concepção de
política, debate este que se travou entre a Chronica Maranhense e a Revista, de propriedade
de Lisboa e Sotero, respectivamente.
Não colocamos em questão qual a função de cada letrado na estrutura de poder,
mas a compreensão de que o letrado tinha de inferir na realidade social e reconstruí-la
através de sua ação tanto política quanto poética, e, desta maneira, mostrar as formas pelas
quais as suas idéias influenciaram um certo conjunto de ações sociais, ou de maneira
inversa, pensar as razões da ausência de uma relação direta entre a ação do letrado,
enquanto sujeito esclarecido de sua função social, e a reação do conjunto da sociedade.
Alguns destes elementos e os caracteres contidos nesta análise nos sinalizaram
o fato de que possivelmente a noção de distinção cultural só faria sentido dentro da lógica
específica de compreensão dos próprios letrados, ou seja, havia uma clara diferenciação
entre o tipo de sociedade pensada pelos letrados, com características de erudição,
intelectualidade, instrução e hábitos refinados; e aquela vivenciada pelo restante da
população, formada por pessoas desprovidas de instrução formal, ou no máximo tendo as
chamadas “primeiras letras”. Sem considerar, é claro, a enorme quantidade de escravos que
habitavam a província.
Se por um lado o que chamamos de independência política do Brasil começa
em 1822 e um projeto maior de autonomia data de 1808, com a vinda do aparato real
português para o Rio de Janeiro; por outro lado, através da literatura, noções mais claras de
identidade, sentimentos e ideais nacionais foram refletidos e desenvolvidos. Não por acaso
encontram-se nos escritos dos literatos românticos os elementos que a história legou a
posteridade como sendo aspectos de consolidação de princípios de unidade nacional e
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O poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, é emblemático de uma estética romântica, relacionada a
uma visão do elemento nacional que instrumentaliza a cultura brasileira, principalmente após a
independência política do Brasil. Essa perspectiva nacionalista de forjar uma identidade local através da
produção literária apresenta-se, em boa parte do século XIX, nas literaturas de países europeus.
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transição de uma consciência do legado da tradição para a sua utilização em forma de temas
identitários pela elite local.
A contemplação grandiosa e cheia de esplendor da natureza da Província
comportou-se como cenário digno de grandes atos e enobrecedor desta epopéia dos
costumes literários no Maranhão. Foram as palavras de Ferreira Valle, no jornal O
Progresso, de 16 de abril de 1850, que nos deixaram convencidos disso:
São Luís! E esse o nome da minha terra natal: no mundo não tem igual.
Minha cidade gentil, das agoas nasce risonha, sempre alegre e vecejante, a quem saúda o
navegante do seio do mar de anil [...].
A aurora quando desponta vem cercada de primores, e harmônicos cantores, festejam seu
despontar: tudo goza alma alegria, nessa terra abençoada quando amanhã desejada no mundo se
vem nos mostrar [...].
Os lírios cheios de orvalho exalam doces perfumes, cantão sentidos queixumes, as tristes aves
nos moinhos saúdam o nascer do dia. No seu galho o sabia canções elevão a Jehovat, nos ramos
os passarinhos [...].
Nas nossas terras do norte maior brilho tem o sol: tem da manhã o arrebol
Mas cortejo de cantores – A nossa lua he mais bella que a dos mares do sul, tem o mais brilhante
azul como seu manto de mil cores [...].
He uma terra bendicta a terra de São Luís. Não há no mundo paiz que abunde em mais primores.
Quem me dera verte já oh minha pátria querida, quero em ti perder a vida o terra de meus
amores (VALLE, 1850, p. 2).
Formada no seio de um povo culto, e com uma língua aperfeiçoada, a litteratura brazileira, não
apresenta os antecedentes de uma época de rudeza, e outra de polimento, como os povos
europeus que se emancipárao ainda mui atrazados em civilização; e posto que nascida ontem,
pois não tem meio século de existência sequer, já conta com escriptores mui distinctos por seu
talento, instrucção, critério e bom gosto, ou pode figurar no meio das litteraturas dos povos
cultos do universo, porque pertence a um povo que se emancipou civilizado. (SOTERO DOS
REIS, 1873, p. 289-290).
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Por “historiografia clássica” definem-se as produções históricas e literárias do século XIX e início do século
XX, no Maranhão, que trazem consigo uma base neoclássica no estilo narrativo e idéias da grandeza de um
passado imemorial referente à Província do Maranhão.
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Foi exatamente ao redor desta ação que o ideal identitário da Atenas Brasileira
sacralizou-se, num momento em que a ação individual de cada letrado era interpretada
como uma contribuição consciente na elaboração de uma diferenciação e auto-afirmação do
ponto de vista da cultura e da instrução. Afinal, a produção literária constituía-se em algo
maior que uma simples distração dos “espíritos superiores”, sendo na verdade a base
concreta de um modelo claro de reflexão sobre a nação e, principalmente, a respeito do
trabalho do poeta, que era um amálgama entre labor histórico e fazer literário (CORREA,
1993, p. 115-122).
Nesse sentido, várias controvérsias foram geradas pela historiografia local até
chegar ao consenso de que teria sido o Grupo Maranhense, o responsável pela criação
deliberada de um particularismo aristocrático que singularizasse a Província do Maranhão,
chamando-a de Atenas Brasileira, pois o celeiro de grandes poetas, ou o berço do bem falar
a língua portuguesa teria se transformado na acrópole de maior erudição.
A “Atenas Brasileira” foi uma construção discursiva que objetivava consolidar
e legitimar os literatos e seu campo de produção cultural, enquanto elementos hegemônicos
e indispensáveis à reflexão do ambiente de reprodução social dos maranhenses, pois os
escritores constituíram desde a época do Romantismo um setor que criava profundas
relações de força com as demais camadas da elite dominante, direcionando a criação de
uma auto-imagem erudita e intelectualizada, em função da legitimidade do status social de
um determinado grupo que se pretendia dominante (BOBBIO, 1997, p. 102).
As características que singularizavam a “Atenas Brasileira” foram resultado do
advento do Romantismo. Foi a idéia de fundação dos pensadores românticos que impôs
uma vinculação interna pela qual foi conservada a mitologia ateniense na condição de
elemento permanentemente presente, à maneira do mito psicológico que repetiria elementos
imaginários. Dessa forma, não era desconexa a afirmação de que a “Atenas Brasileira”
comportara-se como busca constante de encontrar novas possibilidades de exprimir-se, quer
com novas linguagens formuladas pelos literatos em seus jornais e obras poéticas ou com
novos valores sociais fortalecidos pela ação dos intelectuais (CANDIDO, 1975a).
A elaboração da “Atenas Brasileira” pretendeu situar-se além da temporalidade,
colocando-se fora da história, numa noção de “presente contínuo”. A tipologia foi
originária da sociedade maranhense e posteriormente engendrou-se nela própria, uma vez
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Outro ano sintomático para a produção literária local foi 1852, quando João
Francisco Lisboa, inicia a circulação de seu Jornal de Tímon. Nesta Província, a sátira aos
costumes políticos, com fortes características de erudição, tinha espaço pela pena de
Lisboa, que conservou elementos de uma combativa crítica às contradições sociais
ludovicenses e à luta anti-colonial. Foi João Francisco Lisboa o mais incisivo erudito a
sinalizar as fragilidades da cidade que se mostrava na época pouco produtiva no que se
referia à relação literato e público leitor.
Em 1859 emana desta cidade, que se pretendia ilustrada, mais um fluxo de
intensa produção literária local. Dava-se o início da circulação das Obras Completas de
Virgílio, cuja tradução fora feita pelo ilustre humanista Manoel Odorico Mendes.
Características importantes foram erigidas em torno destas publicações e de seu significado
para a produção literária local.
Não coloco em questão a importância dessas obras para a circulação literária
nacional, mas mostramos o quanto tais iniciativas se comportaram de maneira isolada,
também porque distantes umas das outras, não sendo suficientes para ter fomentado na
capital do Maranhão um ambiente de intensa produção de obras literárias, ou por colocar
seus “filhos” no patamar de heróis, isto é, de salvadores da “República das Letras”.
A sociedade ludovicense era um amálgama formado por sujeitos de diferentes
grupamentos sociais, empenhados em diferenciar-se uns dos outros, de todas as maneiras
possíveis. De um lado, o efervescente desenvolvimento das letras locais, e de outro, a falta
de instrução e os hábitos rudes de um povo que a todo custo tentava imitar a sociabilidade
européia, quer no vestir, quer no comer, ou em suas aspirações de futuro próximo.
Não bastava possuir grandes literatos, Lisboa ou Odorico; não bastava o
conhecimento das letras, latim ou francês; faltava algo. Foi a “Atenas Brasileira” que
preencheu a lacuna restante nos hábitos desta erudita e refinada Província.
O que vimos acima foi uma prática de negação; negação de hábitos europeus.
Negação trazida literariamente pelo movimento romântico, que tinha Gonçalves Dias como
importante personagem. Foi o elemento romântico que possibilitou ressignificar, não
apenas o papel da poesia que era escrita, mas fundamentalmente repensar qual o lugar
ocupado pelo homem na organização do mundo (CANDIDO, 1975a, p. 23).
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O vate romântico
Considerações finais
gênio, poeta em que se abrigaram os sentimentos mais nobres do coração humano. A crítica
literária afirmou ser o poeta romântico um autor modesto que não amalgamou padrinhos
que lhe oferecessem mérito.
Em tais circunstâncias, um elemento já estava cristalizado no entendimento dos
pensadores da literatura nacional: a poesia de Gonçalves Dias expressava tons narrativos de
natureza serena e bucólica. Mesmos com versos ora duvidosos em relação à
verossimilhança, ora pensativos, no que diz respeito à profundidade de sua própria ação, em
uma mistura de ciência (noção fundamental no pensamento racional oitocentista) e crença
em elementos transcendentes, notava-se uma semelhança com o Romantismo que
Lamartine consagrara em seus versos. A sensibilidade dos versos de Gonçalves Dias foi de
fundamental importância para a idéia de “Atenas Brasileira” existir enquanto sinônimo de
excelência na escrita e na fala dos maranhenses.
A elaboração de tal categoria explicativa sobre o desenvolvimento da Literatura
maranhense foi mais resultado das representações construídas a posteriori sobre o trabalho
individual de cada letrado. Foram as influências românticas que afetaram diretamente a
geração posterior a Gonçalves Dias e aos outros letrados (mortos) do Grupo Maranhense,
os “responsáveis” por um certo tipo de singularidade literária.
Não foi sem propósito que enfatizamos a proeminência da ação de Gonçalves
Dias como reflexo da criação poética. A elaboração de Atenas Brasileira estava
diretamente relacionada ao papel desempenhado pelos gênios criadores da prosa e da
poesia. Não foram as características exóticas das terras maranhenses as responsáveis por
fomentar um ambiente diferenciado na província do Maranhão, mas a atitude dos letrados
que despontaram na criação literária, e colocaram, ainda que indiretamente, a sua terra natal
no cenário das letras nacionais.
REFERÊNCIAS
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CORREA, Frederico José. Um livro de crítica. São Luís: Typografia Frias, 1878.
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WHITE, Hayden. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: USP,
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______. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: UNESP,
1994.
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