A Privatizao Da Educao Pblica Brasileira e Suas Consequncias para o Sindic
A Privatizao Da Educao Pblica Brasileira e Suas Consequncias para o Sindic
A Privatizao Da Educao Pblica Brasileira e Suas Consequncias para o Sindic
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* Mestra em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Gestão Escolar, Alfabeti-
zação e Letramento e Metodologias de Ensino de Matemática. Graduada em Pedagogia pela Universidade
Federal de Alagoas. Integrante do Grupo de Pesquisa em Gestão da Educação e Políticas do Tempo Livre –
GESTOR/UFPE. E-mail: <[email protected]>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 913-927, set./dez. 2021. Disponível em: <http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde> 913
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which has consequences that weaken and fragment the political orga-
nization of teachers, implying the need to organize a combative and
classist teacher movement.
Keywords: Privatization of Public Education. Teacher Unions. Crisis of
the Capital.
Introdução
O
sistema capitalista tem buscado reproduzir, cada vez mais, seus interesses
mercadológicos na esfera da educação. Embora empregue diferentes e novas
roupagens, de forma geral, tais tentativas continuam tendo como essência a
elaboração de estratégias para privatização e empresariamento do ensino público. No
entanto, a inserção do mercado na educação pode trazer graves implicações à educação,
seja na estruturação do trabalho docente ou do sindicalismo, movimento social indispen-
sável à organização das lutas da categoria em cenário nacional. É tendo em vista os riscos
de tais implicações que a intenção deste artigo é analisar como os processos de privatização
da educação pública, atualmente em curso, têm afetado o sindicalismo docente no Brasil.
Teoricamente, buscou-se base no viés do materialismo histórico-dialético (PAULO
NETTO, 2011), o qual oferece elementos que permitem apreender o processo social em
sua totalidade, incluindo suas particularidades e contradições, analisando a essência
concreta dos fenômenos sociais postos. Para Paulo Netto (2011), o/a pesquisador/a que se
apropria do método marxista para compreender a dinâmica da realidade deve partir da
aparência dos fenômenos para a sua essência.
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A privatização da educação pública brasileira e suas consequências para o sindicalismo docente
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Tanto a crise do capital quanto do sistema capitalista vêm sendo descortinada desde
o final dos anos 1960. O caráter de instabilidade na atualidade adentra numa crise estru-
tural, e não mais cíclica como as anteriores, a exemplo da crise de 1929. A crise a qual
vivenciamos não afeta apenas a economia mundial, mas também os domínios da vida
social, cultural e política. Ela reverbera em colapsos que o capital não pode controlar para
conter as explosões sociais mundo afora, com políticas consensuais e limitadas a insti-
tucionalização estatal.
Uma das constatações de István Mészáros (2011) é que o sistema do capital, por não
ter limites para a sua expansão, acaba por converter-se numa processualidade incontrolá-
vel e destrutiva. Como consequências brutais de sua expansão, se encontra o desemprego
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sistêmico e a miséria dos/as trabalhadores/as, seja nos países desenvolvidos ou nos paí-
ses periféricos do capitalismo.
As novas formas de valorização do capital, impulsionadoras da precarização das
condições de trabalho atreladas também à expansão do aparato tecnológico no mundo
laboral, fazem com que os/as trabalhadores/as se tornem crescentemente sobrantes,
descartáveis e desempregados/as. Mediante esta nova base técnica do trabalho e sua tec-
nologização, aumenta-se a produtividade do sistema, contudo, prescindindo de milhões
de braços e cérebros, ampliando a exploração e a precarização dos/as trabalhadores/as
empregados/as (FRIGOTTO, 2016). De modo que,
o trabalho estável, herdeiro da fase taylorista-fordista, relativamente moldado pela
contratação e pela regulamentação, vem sendo substituído pelos mais distintos e
diversificados modos de informalidade, de que são exemplo o trabalho atípico, os
trabalhos terceirizados (com sua enorme variedade), o ‘cooperativismo’, ‘o empreen-
dedorismo’, o ‘trabalho voluntário’ e mais recentemente os trabalhos intermitentes
(ANTUNES, 2018, p. 67 – grifo do autor).
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A expansão dos interesses empresariais para a educação pode ser vista através do
Movimento Todos pela Educação – TPE, fundado em 2006, com o intuito de incidir sobre
as diretrizes educacionais no país, com representação dos bancos, do agronegócio, de
empresas editoriais, entre outros setores. O TPE, desse modo, na análise de Silva (2016),
se apresenta como um autêntico intelectual orgânico do empresariado que está sempre
em disputa pelos rumos da educação brasileira.
Outro exemplo é o Movimento pela Base que, desde 2013, reúne diversas entidades
em busca da implementação de uma base comum no país, incluindo instituições como o
Banco Itaú, o Instituto Aryton Senna, o Banco Mundial, a Fundação Lemann, a Natura,
o Unibanco e a Fundação Roberto Marinho. A atuação desses grupos acabou por culmi-
nar na atual Base Nacional Comum Curricular – BNCC, que preconiza competências e
habilidades a serem adquiridas nas aprendizagens, expressando em seu conteúdo uma
concepção mercadológica, operacional, pragmática e de controle sobre o trabalho docente.
A contrarreforma do Ensino Médio, Lei n. 13.415/2017, é outro modelo que revela
uma política de flexibilização curricular adequada às novas configurações do trabalho
no capitalismo, bem como de aprofundamento das desigualdades educacionais (MOTTA
& FRIGOTTO, 2017).
Vale também lembrar, que o governo do Partido dos Trabalhadores – PT não se fez
isento dos preceitos neoliberais, pelo contrário, foi justamente nesse governo, intitulado
progressista, que, através da política de conciliação de classes, o empresariado financeiro,
industrial e do agronegócio mais lucrou, inclusive no campo educacional. O que pode
ser notado pela ampliação dos investimentos de fundos públicos em programas como o
Programa Universidade para Todos – PROUNI e o Fundo de Financiamento Estudantil
– FIES, voltados às instituições de ensino superior privadas, e que direcionaram ainda
mais os recursos do Estado ao setor privado, à revelia de mais investimentos no ensino
superior público.
Com isso, deparamo-nos com um cenário no qual a lógica mercantil e concorrencial
opera em todos os aspectos da vida, com a inserção de subjetividades que reforçam a ideia
dos indivíduos patrões de si mesmo, sob a roupagem de empreendedorismo, fazendo
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com que os/as jovens sejam os/as únicos/as responsáveis pelo seu sucesso ou fracasso,
sem nenhuma garantia de condições materiais e sem proteção do Estado para chegar às
condições de melhoria social.
Neste caminho, o indivíduo cria para si uma narrativa na qual se vê como parte do
mercado e, portanto, competindo com seus semelhantes pelo seu próprio sucesso,
que só dependeria dele mesmo. Empurrado pelas alterações nas regras das rela-
ções trabalhistas, o livre mercado passa a ser a única possibilidade que ele exercite
a sua ‘liberdade’ de ser bem-sucedido [...] sem interferências do Estado (e dos sin-
dicatos) (FREITAS, 2018, p. 24).
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Ademais, cabe ressaltar que tal modelo de gestão pode trazer graves prejuízos, tanto
ao andamento do processo de ensino e aprendizagem quanto à estruturação do sindica-
lismo docente. Isso porque, ao inserir a gestão escolar em uma lógica pautada por metas
a serem atingidas pelos/as docentes – que serão premiados/as caso atinjam os resultados
esperados – esse modelo acaba por intervir diretamente nos resultados das avaliações de
larga escala e no desempenho do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB
das escolas. Os/as docentes deixam de ser vistos/as como educadores/as – que exercem
uma função social na formação, considerando espaços, condições e tempos de aprendiza-
gem – e passam a exercer a função de ‘máquinas’ controladas, cuja produtividade volta-se
ao alcance de metas quantificáveis e sem nenhuma garantia de qualidade formativa.
Temos como exemplos, a premiação para os municípios do estado de Alagoas que
alcançam as metas do Programa Escola 10, em relação a melhoria dos resultados do IDEB,
ou, ainda, o Programa de Modernização da Gestão, que trabalha com foco na gestão de
resultados no estado de Pernambuco, estabelecendo um bônus (incentivo financeiro) para
os/as profissionais das escolas que atingirem as metas propostas pela Secretaria de Edu-
cação. Aqueles/as professores que mais atingirem as metas serão bonificados/as, gerando
mais individualismo, fragmentação e competição no ambiente de trabalho; bem como
repercutindo no maior isolamento destes/as trabalhadores/as nas relações coletivas, de
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Conclusão
Como vimos, ao longo de sua história, o movimento sindical docente passou por
diferentes momentos. A princípio, sua atuação era mais associativa e beneficente. Poste-
riormente, de maior autonomia e combatividade. Já nas últimas décadas do século XX, o
que se viu foi um sindicalismo docente mais negocial e moderado. No entanto, as condi-
ções da classe trabalhadora nos dias de hoje, num contexto o qual se define pelo profundo
desemprego e pela precarização estrutural do trabalho, demandam um sindicalismo que
supere tais estratégias, assumindo uma postura combativa e classista.
Por isso, é importante entender a crise sistêmica do capital e os mecanismos de priva-
tização da educação pública que afetam o trabalho docente num quadro em que o capital
difunde uma concepção educacional flexível, alinhada à nova fase de divisão social do
trabalho, e que utiliza processos tecnológicos e informacionais em escala ampliada para
produzir lucro e expandir a acumulação de capital.
Afinal, estas questões trazem implicações para o trabalho docente bem como para a
organização dos/as trabalhadores/as, sobretudo perante as políticas de retrocesso social,
que reverberam na precarização, na intensificação laboral, na flexibilização e no enfra-
quecimento do movimento docente. Tais fatores precisam ser discutidos pelas escolas
e pelos/as professores/as, mas também pelas organizações sindicais que os/as represen-
tam. É preciso reconfigurar a atuação sindical, englobando tanto as pautas específicas da
categoria como as pautas que envolvem as relações que operam na estrutura capitalista.
Sempre numa perspectiva de organização e luta por transformações sociais.
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