711 - Os Registros Dos Professores Memórias e Reflexões Sobre A Prática Educacional Na Primeira Infância
711 - Os Registros Dos Professores Memórias e Reflexões Sobre A Prática Educacional Na Primeira Infância
711 - Os Registros Dos Professores Memórias e Reflexões Sobre A Prática Educacional Na Primeira Infância
Resumo
Este artigo se refere a uma pesquisa de mestrado em andamento que traz reflexões acerca
dos registros realizados por professores na educação infantil que atuam na região leste da
rede municipal na cidade de Campinas/SP, Brasil. O interesse é pelas razões de produção
dos registros e para quem se destinam. Para tanto, leva em consideração a maneira como os
profissionais percebem o cotidiano e suas práticas por meio de observações e das escolhas
de episódios selecionados para os registros que realizam ou não (sob a forma de imagens,
fotos, filmagens, anotações, produções das crianças) e as possíveis reflexões que surgem a
partir deste ato. O objetivo é verificar se a necessidade e a importância do registro por parte
dos professores se referem a uma parte constituinte de suas práticas diárias. A pesquisa so-
bre a prática docente se vale de uma metodologia qualitativa, tendo como técnica de coleta
de dados o questionário para mapeamento exploratório das práticas e posterior entrevistas
individualizadas com os sujeitos da pesquisa, que compõem uma amostra menor, permi-
tindo se debruçar sobre os dados e os processos de reflexão implicados no pensar sobre o
fazer docente. Para aprimoramento do questionário, oito voluntárias de outras regiões do
município se propuseram a respondê-lo e os resultados estão delineados neste artigo, como
parte importante para a reconstrução deste instrumento de coleta de dados.
Palavras-chave: Registros, Documentação, Educação infantil, Prática docente.
Abstract
This article refers to an ongoing master’s degree research that provides reflections on re-
cords elaborated by teachers who work in early childhood education in eastern municipal
network of Campinas city (Sao Paulo, Brazil). The focus is on the reasons that led to the
production of records and for whom they are addressed to. For this, the article takes into
consideration the way in which professionals perceive their daily lives and their practices,
through observations and through the episodes that are selected or not for the records they
elaborate (in the form of images, photos, films, notes, children’s productions) and possible
considerations that arise from this act. The goal is to verify if the need and importance of
teachers’ records refer to a consisting part of their daily practices. The research on teaching
practice relies on a qualitative methodology that considers the data collection questionnai-
re as technique to map the existing practices, with subsequent individual interviews with
a smaller sample of research subjects that allow to lean over the data and also to analyze
the reasoning processes involved when one’s thinking about what teachers do. To refine the
questionnaire, eight teachers from other parts of the city volunteered to answer the ques-
tions, and the results are outlined in this article as an important part of this data collection
tool reconstruction.
Keywords: Records, Documentation, Childhood education, Teaching practice.
Introdução
Este artigo se refere a uma pesquisa de mestrado3, que traz reflexões acerca dos
registros realizados por professores na educação infantil que atuam na região leste
da rede municipal de educação na cidade de Campinas/SP. A motivação por esta
pesquisa se relaciona, inicialmente, a dois aspectos: por atuar junto às crianças pe-
quenininhas e também por ser formadora de professores neste município. Nas duas
funções, vivencio de perto como os registros acontecem nas escolas sendo eles (re)
inventados pelos profissionais e/ou construídos, tendo como inspiração documen-
tos oficiais formulados pela Secretaria de Educação ou bibliografias específicas da
educação infantil.
O interesse por este estudo não se restringe apenas à forma e a modelos de regis-
tros, mas amplia-se quando busca investigar as razões pelas quais são produzidos e
a quem se destinam. Para tanto, leva em consideração: a maneira como os profissio-
nais percebem o cotidiano e suas práticas por meio de observações e das escolhas
de episódios selecionados para os registros que realizam ou não (sob a forma de
imagens, fotos, filmagens, anotações, produções das crianças) e as possíveis refle-
xões que surgem a partir desse ato.
de registros selecionados pelos professores – se evidencia o que deve ser trazido “de
volta à luz”. Isso possibilita reler o vivido e refletir sobre ele. Revisitar o dito, o feito,
o produzido, o acontecido possibilita a construção de sentidos e significados para
os envolvidos.
E o que os professores da educação infantil têm – ou não – trazido de volta à
luz? Ou, mais especificamente, no que toca a esta pesquisa: os professores fazem
uso ou não de registros reflexivos e em que medida esse tipo de registro teve/tem
uma conexão (in)direta com a mudança da prática pedagógica no decorrer de suas
trajetórias profissionais nas instituições e comunidades onde atuam?
Há ainda a hipótese de que os registros aconteçam de formas variadas inclusive,
mas que também haja lacunas entre um discurso posto sobre os registros reflexivos
e as práticas construídas, tanto nas trajetórias profissionais como nas histórias das
instituições infantis.
Esta pesquisa se justifica, portanto, pelo fato de a importância não se encontrar
apenas nas maneiras tantas que existem de registrar, mas na forma como tais regis-
tros marcaram as trajetórias pedagógicas construídas - individual e coletivamente
- pelos profissionais em Campinas, nas instituições onde atuam.
Entender que as crianças têm um olhar crítico que vira pelo avesso a ordem das
coisas, que subverte o sentido da história, requer que se conheçam as crianças,
o que fazem, de que brincam, como inventam, de que falam. Nesta concepção
de infância, história e linguagem são dimensões importantes de humanização:
há uma história a ser contada porque há uma infância do homem. Se compre-
endermos as crianças, compreenderemos melhor nossa época, nossa cultura, a
barbárie e as possibilidades de transformação (KRAMER, 1999, p. 38).
Por meio da maneira de conceber a criança é que se pode identificar seus dese-
jos, interesses e necessidades, como também a importância e valorização das mar-
cas que deixam nas histórias das instituições, sejam por suas falas e/ou por suas
representações.
A escola que considera essa concepção de criança pressupõe práticas que possi-
bilitam descobertas e coparticipações. É neste espaço educativo de vivências que
acontecem as trocas sociais, culturais e afetivas, como também de construção de
valores, habilidades e conhecimentos, favorecendo, inclusive, o acesso aos bens cul-
turais construídos historicamente pela humanidade.
A partir do que já foi descrito acima sobre as concepções de criança e escola, a
concepção de aprendizagem pressupõe que a criança construa conhecimentos na
interação com o meio sociocultural que a constitui e que é por ela constituído. Na
educação infantil, as interações ocorrem entre as próprias crianças e entre estas
e os educadores. Cabe aos profissionais organizar os tempos/espaços para que as
crianças se expressem através de múltiplas linguagens, que se desenvolvam nas
registrar o que se observa, dando visibilidade ao que acontece entre crianças e adul-
tos nos espaços educativos – ou à parte do que acontece –, permite e possibilita
realizar, analisar e problematizar coletivamente o que se observou e se registrou.
E este material pode ser produzido de muitas maneiras e assumir muitas for-
mas: o dito, o feito, registros em áudio e vídeo, fotografias, gráficos, o próprio
trabalho das crianças, as artes [...] isso torna o trabalho pedagógico concreto e
visível (ou audível) e, como tal, é um ingrediente importante para o processo
de documentação pedagógica. “Esse processo envolve o uso de material como
meio para refletir sobre o trabalho pedagógico e fazê-lo de uma maneira muito
rigorosa” (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p.194).
Nessa mesma linha de reflexão, Weffort (1992), ao defender o sensível olhar pen-
sante, recorre à arte como meio para explicar que o olhar do sujeito sobre o mundo
não envolve apenas a visão, mas cada partícula de sua individualidade. Dividido
em três fases, o olhar para produção do outro acontece, primeiramente, pela inter-
pretação. O que já é um avanço, pois o outro não é ignorado. No segundo olhar, já
acontece uma identificação, pois é quando se olha e se procura um significado no
que vê. O terceiro olhar é o que resulta de uma ação interpretativa.
E, como num espelho, “nem sempre o educador desafia o olhar. Como no espelho,
ele reflete as concepções de arte e de educação da sociedade a que pertence” (WE-
FFORT, 1992, p.33). O desafio que a autora propõe - pela metáfora do espelho - é
que aconteça uma desintoxicação da visão autoritária sobre processos de registros.
Cada um a seu tempo pode se redescobrir escritor e autor de suas reflexões, ob-
jetivando uma ação transformadora movida pelas relações entre teoria e prática,
apropriando-se do que faz e pensa, formando sua consciência pedagógica política.
A metodologia da pesquisa
O procedimento metodológico apresentado neste artigo se refere à primeira parte
da coleta de dados da pesquisa de cunho qualitativo, usando como técnica um ques-
tionário elaborado com dez perguntas abertas e quatro fechadas. Tal questionário,
considerado neste momento como piloto, é um instrumento que auxilia no mapea-
mento dos tipos de registros realizados pelos professores de educação infantil que
atuam na região Leste do município de Campinas-SP.
A seleção desta região se dá por dois motivos: por ser a menor região do município
e por ter características peculiares, pois nesse território existem escolas centrais e
periféricas (rurais), cujas práticas podem se diferenciar de alguma ou de muitas
formas.
Outro dado importante relacionado às regionais, denominadas Núcleo de Ação
Educativa Descentralizada (NAED), é que todas elas (ao todo, cinco: Sul, Leste,
Noroeste, Sudoeste e Norte) possuem autonomia em relação à formação dos pro-
fissionais de educação infantil. Cada qual a seu modo promove cursos, palestras,
oficinas divulgadas em Diário Oficial a cada semestre. Mas essa descentralização
dos saberes e fazeres é uma das críticas presentes nos discursos dos profissionais
que atuam no município.
A NAED Leste, além de também promover tais cursos, vem, desde 2011, ino-
vando com uma proposta de formação em serviço, promovendo e resguardando
um espaço para reflexões coletivas nas escolas, nas reuniões semanais, a partir de
temas relacionados à prática na educação infantil. A escolha dos temas é sugerida
pelo coletivo dos professores da região. Para fechamento das discussões, são con-
vidados os autores das bibliografias utilizadas nos estudos para uma palestra e/
ou conversa com os educadores. Nesse encontro, há a possibilidade de mostra de
trabalhos das crianças e da repercussão dos estudos na prática, através de comuni-
cações e painéis.
Importante mencionar que, desde 2002, visando à ampliação no número de vagas
na educação infantil, o município de Campinas organiza as matrículas nas escolas
através do agrupamento multietário. As crianças são matriculadas e divididas em
turmas por idades aproximadas. Os agrupamentos (AG) foram assim definidos: AG
I (3 meses a 1 ano e 11 meses), AG II (de 2 anos a 3 anos e 4 meses) e AG III ( de 3
anos e 4 meses a 5 anos e 11 meses).
Os CEMEI’s atuam com o maior número de AG I e AG II em período integral.
As EMEI’s recebem apenas crianças de AG III em período parcial. O NAED Leste
possui sete CEMEI’s e doze EMEI’s, totalizando 110 professores que constituirão a
amostra.
A distribuição dos questionários impressos será feita em visita às dezenove es-
colas do NAED Leste, durante as reuniões semanais de Trabalho Docente Coletivo
(TDC), com a colaboração dos respectivos orientadores pedagógicos e sob aprova-
ção da direção escolar.
Posteriormente à aplicação dos questionários e tabulação dos dados, acontecerá a
segunda parte da pesquisa, com a seleção de seis professores, escolhidos em função
dos tipos de registros que realizam: três professores que fazem registros reflexivos
e três que dizem não fazê-los.
Com certeza foram muitas as mudanças, acredito que quando mudam as nos-
sas posturas, maneiras de encarar e ver a educação infantil, possibilitar que as
crianças participem de todo o processo, mudam-se as metodologias, as peda-
gogias, as mudanças se dão em tudo, desde o planejamento, a organização dos
espaços, organização do tempo e das rotinas e é lógico a forma de se registrar
todo o processo, acredito que ao longo dos anos ampliei as formas de registrar
(A.M.).
No início da minha atuação, fazia poucas anotações e o que era exigido pelas
orientadoras, mais por obrigação. E, aos poucos, fui ampliando minha forma
de registrar, pela necessidade de documentar minha prática e visualizar todo o
processo envolvido. (D.G.)
A participação das crianças nos registros coletivos aparece como essencial para
que a memória da turma se personifique. Mesmo que haja diferenças de idades en-
tre crianças na mesma turma, há espaço para que todas participem com desenhos
ou com a transcrição de suas ideias, falas e com seus olhares de “fotógrafos mirins”.
Retomar com as crianças suas próprias falas é também um modo de perceber que
o registro pode ser revisitado e reinventado, como quando um adulto que produz
seu texto volta a ele depois de alguns dias para repensar o vivido. Uma das professo-
ras comenta “além disso, é possível compartilhar com elas como ficou, por exemplo,
o registro de suas falas e elas podem sugerir alterações” (D.G.).
Um ponto em comum entre os relatos das professoras é que há propostas de regis-
tros diferenciados para cada agrupamento. Uma professora justifica que “[...] para
serem realizados dependem de algumas capacidades que em algumas faixas etárias
não estão suficientemente desenvolvidas, o que compromete a sua realização” (I.T.).
Outra observação apresentada por (M.Q.) é que “a idade da criança interfere no tipo
de registro proposto pelo adulto porque há de haver significado. Por isso deve-se
levar em consideração a visão/compreensão que o grupo de profissionais tem sobre
a criança na proposta de registros”.
Diante do que as professoras apontam para registros que realizam com as turmas
“dos pequenos” e “dos grandes”, fica implícito que há saberes práticos sobre as pro-
postas de registros. Duas delas descrevem esta distinção:
O livro da vida é feito na roda [...] com pequenos recortes, com registro de mo-
mentos pontuais, interessantes, de falas das crianças. (M.Q)
O livro da vida faço com eles na roda. Leio o que aconteceu no dia anterior e
pergunto se alguém quer contribuir com algum desenho. Este é um jeito de
informar aos ausentes o que fizemos. Tem muitas falas das crianças, fotos, de-
senhos, CDs com nossas filmagens, imagens, muitas coisas. Ele fica na bancada
e todos que entram na sala podem folheá-lo. (E.F.)
Como mencionado, também fazemos o livro da vida que tem como objetivo
registrar o que fazemos na sala, coisas significativas para as crianças, passeios,
projetos, brincadeiras, uso dos diferentes espaços da escola, etc., com o objetivo
de tornar visível aquilo que fazemos que muitas vezes é desvalorizado pelas
famílias, como o brincar. Procuramos mostrar nossas rotinas neste livro, que
circula entre as famílias e que podem participar, sentimos que assim a participação
e valorização por parte deles é bem maior. Além disso, é importante para as
crianças falarem, lembrarem aquilo que fazemos, que é registrado por mim,
mas ditado por elas. (A. M)
Costumo fazer o livro da vida, onde registramos todos os dias o que fizemos.
O livro tem fotos, relatos coletivos, desenhos, pinturas, colagens, histórias que
marcaram nossos dias... (V.F.)
Embora haja tais cobranças para que alguns tipos de registros sejam realizados,
como, por exemplo, situações ou momentos de planejamento, de avaliações semes-
trais, de avaliação individual das crianças (relatórios), de diário de sala, outros
registros colaboram para a elaboração destes. Há uma relação dos registros com
a forma pela qual o professor ou professora que propõe o trabalho nas turmas e a
maneira pela qual percebem as crianças como coparticipantes dos fazeres.
Havia - por parte das pesquisadoras – certa curiosidade em saber sobre o que
acontece com os registros quando o ano termina. Algumas professoras sorteiam
para as crianças as produções coletivas ou as deixam arquivadas na biblioteca da
escola. Outros registros, como diários de observações, são guardados nos pron-
tuários de cada criança. Algumas produções tridimensionais ficam na escola, na
biblioteca.
Porém, todas elas declararam colecionar seus registros para poder também revi-
sitá-los, já que são instrumentos auxiliares para mudança de atitudes. São vários os
motivos que levam algumas professoras a guardarem no ambiente privado e fami-
liar os registros produzidos coletivamente pelas turmas, seja para usar em cursos
que ministram, como lembrança da turma ou porque contam sobre seus fazeres...
Percebo que faço muitas coisas com a turma quando releio o Livro da vida,
por exemplo. Quantas coisas tem ali. Quantas pessoas que convivi... momentos
que marcam a infância, momentos que marcam a minha vida de professora
também. Tenho alguns livros da vida e vejo que a minha prática também mudou
muito. (E.F.)
Eu fico com eles para mim. Me fazem ver claramente que eu não sabia nada
sobre Educação Infantil e que agora posso dizer que sei alguma coisa. (I.T.)
A percepção que as professoras têm sobre os registros denotam sua estreita rela-
ção com o se constituir professora de educação infantil. A construção da professo-
ralidade se relaciona com o vir a ser, que, segundo Pereira (1996, p.87), “ser o ainda
não sido, é diferir de si mesmo”. A diferença que o professor experimenta, cotidia-
namente, de si é o que o torna professor. A professoralidade é este movimento, que
exige (des)construção através de processos de subjetivação, cujas mudanças são,
quase sempre, inevitáveis. Foucault (1991) nos faz pensar em como chega a ser o que
está sendo e por que, indicativos fundamentais para as reflexões sobre a formação
do professor.
Acredito que todo e qualquer registro, inclusive as fotos, podem ser reflexivos,
se o docente tiver o olhar apurado, se analisar o material que coleta e, por meio
disso, pensar sobre sua prática, buscando alternativas e leituras para melhorá-
-la (D.G.).
Os registros de reuniões, pois podem servir como suporte para o ano posterior;
as avaliações dos projetos (M.Q.)
Acredito que todos são reflexivos, à medida que são revistos no decorrer da
nossa prática e servem para, a partir deles, repensarmos atitudes, posturas,
concepções, acredito que essa reflexão tenha que ser imediata, relendo, pensar
em mudanças, em fazer diferente, reavaliar. (A.M.)
Acho que aqueles que me servem de inspiração. Acho que os vídeos são bem
significativos. São imagens em que posso me observar também. Mas o Livro
da vida é onde posso escrever sobre algum acontecimento. Deixo ali também
algumas reflexões e no final escrevo “uma reflexão mais completa”. Tive uma
orientadora que nos incentivava a escrever sobre alguns temas e líamos no TDC.
Acho que são estes dois exemplos (E.F.).
Procuro fazê-los sempre reflexivos após as mudanças pelas quais passei. Pro-
curo registrar juntamente com os fatos/situações, percepções, conhecimento
teórico e minha compreensão (F.F.).
Mas o registro que tem para mim um indicar claro de caminhos a seguir ou
não, tem sido o que faço diariamente em minha casa, onde avalio se atingi ou
não meu plano de aula, onde falhei, em que preciso melhorar, a que preciso
estar mais atenta, que novas propostas de atividades causarão maior interesse
na turma e serão mais significativas para ela. Sem esse registro posterior ao
plano ‘pensado’ e sem a avaliação posterior, acredito que o trabalho pedagógico
fica completamente comprometido pois a memória humana, como sabemos,
não é capaz de armazenar uma quantidade excessiva de informações, isso sem
considerar a velocidade com que os fatos ocorrem dentro da escola e da sala de
aula (I. T.).
Os planos de observação da turma. Percebo que foram mais ricos quando foram
escritos (L.).
sem, no entanto, deixar claro se o realizam ou não. Apenas em três respostas isso
se evidenciou de forma mais objetiva. Porém, um aspecto comum a todas, é o reco-
nhecimento do registro reflexivo para a mudança da prática. Há que se considerar,
diante desta primeira análise, uma revisão no questionário para o prosseguimento
da pesquisa.
Considerações finais
Nota-se que as professoras participantes da pesquisa realizam muitos registros.
Embora sejam provenientes de unidades escolares e de regionais diferentes, há
certa sintonia em determinadas práticas, principalmente no que se refere à par-
ticipação das crianças, à escuta de falas, à inclusão de diferentes espaços em que
são produzidos os registros (como o blog), às produções coletivas, à participação
da família. Em outros casos, é evidenciada a preocupação com uma participação
significativa de todos nos fazeres.
A autorreflexão ou a produção de registros que possibilitem reflexões é compre-
endida nesta pesquisa como experiência de si.
Larrosa (2010) auxilia na discussão sobre o registro reflexivo através da experi-
ência de si, pois esta se constitui quando “o sujeito se oferece seu próprio ser quan-
do se observa, se decifra, se interpreta, se descreve, se julga, se narra, se domina,
quando faz coisas consigo mesmo, etc.” (s/ pag.). O registro cumpre esse papel, já
que ao refletir a prática coloca-se diante de uma problematização, exigindo do pro-
fessor uma autoconsciência. Assim, o sujeito se produz numa relação problemática
no interior de certas práticas. Por isso, o registro pode ser compreendido como
dispositivo pedagógico, pois é nele ou através dele que as mudanças acontecem.
Entretanto, não é foco deste artigo aprofundar sobre isso neste momento.
Pressupõe-se que os professores são, ao mesmo tempo, inventores dos espaços e
de práticas escolares individuais dentro do coletivo da escola e, em contrapartida,
influenciam e são influenciados pelas mudanças quando há espaços coletivos de
reflexão. E esta lógica esteve presente em alguns aspectos relacionados pelas pro-
fessoras da pesquisa, quando consideram que os cursos, as reuniões coletivas são
lugares propícios para que as mudanças se deem. Isso faz parte do processo de (des)
construção cotidiana, mas que só ganha status de mudança de fato quando os su-
jeitos se percebem diferentes ou quando revelam haver deslocamentos em relação
à sua prática.
É evidente que as discussões nem sempre são tranquilas nos espaços escolares,
já que há embates e são vários os vetores que os atravessam. Mas supomos que haja
uma produção reflexiva coletiva realmente significativa para um grupo, resguarda-
dos os sujeitos individuais com suas preferências e desejos, em espaços micropo-
líticos de produção de subjetividade, como indica Guattari e Rolnik (2010) – que
também não será aprofundado neste artigo.
Uma hipótese é que esta produção de subjetividade possa acontecer por vários
meios, porém, a formação em serviço ou grupos de estudos poderiam potencializar
as discussões sobre tais concepções coletivamente, permitindo, a partir daí, uma
construção que promovesse uma revolução na escola.
Essa revolução estaria relacionada a uma transformação social da educação na
comunidade escolar onde atuam esses profissionais, já que os registros servem de
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