Compreensão Produção Textos2
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COMPREENSÃO
E PRODUÇÃO DE TEXTOS
CONTEXTUALIZANDO
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Dessa forma, podemos afirmar que todo texto aponta uma natureza discursiva,
isto é, não se limita apenas a uma organização estrutural.
Mas, afinal, por que fizemos exatamente esse caminho? Espera-se que
essa importante discussão teórica inicial tenha servido como instrumento para
alinhar os seus conhecimentos e para que, de maneira pragmática, cada aluno e
aluna possa fortalecer qual a perspectiva que tomamos para estudar e praticar a
produção e a compreensão textual. Nosso lugar de fala é o da linguística textual,
uma área que, sem dúvida alguma, segue protagonizando transfigurações desde
o seu desenvolvimento, na década de sessenta do século XX.
Se antes a preocupação abarcava sobretudo o que dizia respeito ao texto
escrito, hoje, há outras contribuições para pensar o texto não-verbal e o texto oral.
A grande preocupação dessa perspectiva linguística sempre foi a de dar conta de
entender as relações que certas frases guardavam com outras, justificando o seu
sentido apenas a partir desse cotejamento. Tal enlaçamento entre as frases ficou
conhecido como “relações interfrásticas” (Marcuschi, 2008, 73). Por meio de tal
abordagem, passava a ser verossímil entender questões atreladas a uma anáfora
ou a uma elipse, utilizadas em um texto, por exemplo.
A linguística textual está atenta às descobertas proporcionadas por um
texto e não, ao contrário, preocupada em definir um conjunto de regras que
possam reger ou definir o que é um texto. Nunca é demais salientar que, para a
linguística textual, a língua não deve ser entendida ou estudada de maneira
nuclear, apenas considerando as suas unidades ou estruturas
isoladamente. A busca é sempre pela análise de unidades que alcancem
sentido.
Dito tudo isso e esclarecidas tais premissas, concentremo-nos no tema
central da nossa segunda aula: a textualidade. Não se trata de um sinônimo
pomposo para falarmos do texto, tampouco de mais uma instância discursiva.
Descobriremos que a textualidade está relacionada propriamente à maneira
como iremos ler e atribuir significado a um dado texto, além de
problematizar os aspectos externos responsáveis por sua constituição.
Vamos tomar como base os sete critérios da textualidade arrolados pelos
linguistas Robert de Beaugrande e Wolfgang Dressler (1981), e que foram, no
Brasil, trabalhados de maneira atenta por Marcuschi em sua obra Produção
textual, análise de gêneros e compreensão (2008).
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TEMA 1 – A TEXTUALIDADE
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intertextualidade. Diferentemente do que alguns possam imaginar, a textualidade
não se erige como um engessamento para os estudos do texto ou tampouco está
atrelada a um padrão normativo da língua. Cabe à textualidade mediar e avaliar
a capacidade de que um texto possa cumprir com a função discursiva e
cognitiva para a qual foi produzido. Reitera-se que, mesmo podendo
sistematizar os critérios ao falar em textualização, não é correto pensar que cada
um desses parâmetros ocorra de maneira isolada em um texto. Veremos nas
próximas seções que os critérios se inter-relacionam, ganhando nuances
específicas de acordo com os interesses previstos em um enunciado. Questões
atreladas à coesão, por exemplo, acabam sendo cruzadas pela intencionalidade
ou mesmo pela aceitabilidade.
Para esta disciplina, tomamos a obra Produção textual, análise de gêneros
e compreensão (2008), de Marcuschi, como leitura fulcral para o contexto teórico
linguístico brasileiro. Sem dúvida alguma, o nome do professor da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) é uma referência quando falamos e produção e
compreensão textual. Mais do que abrir novas frentes para os estudos da
linguística textual, o trabalho de Luiz Antônio Marcuschi aponta como é possível
– mantendo sempre o rigor e o critério acadêmico (vale lembrar que Marcuschi é
pesquisador do CNPq e da Capes) – esmiuçar conceitos teóricos e
problematizações densas a partir de uma linguagem estratégica, didática e
acessível.
Antes de discorrermos a respeito de cada critério e pensarmos as suas
características por meio de exemplos de textos selecionados, resgato apenas uma
figura criada por Marcuschi para que seja possível avaliar, de maneira clara, como
é construído o processo de textualização.
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Figura 1 – Para compreender o processo de textualidade
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TEMA 2 – COESÃO E COERÊNCIA
2.1 Coesão
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Está claro que a coesão textual, responsável pela organização e pela
sequencialização de um texto, é operada no nível superficial e se constrói a partir
de recursos conectivos ou referenciais. No entanto, a grande dissidência na
linguística textual na contemporaneidade é justamente atrelada à coesão textual,
sobretudo porque muitos teóricos entendem que tal critério não figura apenas
como um simples mediador morfossintático ou um regulador para uma
gramática textual. A coesão não pode, assim, estar resumida apenas à ideia
equivocada de que se trata do fenômeno mais superficial do tecido textual.
Segundo Koch e Travaglia (2010), haveria dois tipos de coesividade: a conexão
referencial (relação com aspectos semânticos); e a conexão sequencial (relação
com elementos conectivos).
Diferentemente do que se pensava anteriormente, a coesão não é um
critério essencial para se garantir a textualidade, o que permite a afirmação que a
sua ausência (ao menos da coesão superficial) não impede a existência de
textualidade. Dizer que não é necessariamente decisiva não significa, porém, que
ela é irrelevante. Pensemos na coesão a partir do texto abaixo, um fragmento do
conto O peru de Natal, de Mario de Andrade (2001, p. 125):
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fragmento do conto lido facilita percebermos como a coesividade se dá a partir do
uso bem dosado de recursos como anáforas e elipses. Vejamos: mesmo tendo
tido contato apenas com os dois primeiros parágrafos do conto, já é possível dizer
que a narrativa oferece ao leitor interessantes eixos do enredo, garantindo certo
entendimento e adiantando alguns traços de um narrador irônico, que parece
descontruir estereótipos esperados de uma cena natalina. Entende-se que a
experiência narrada é coletiva, quer dizer, não diz respeito a apenas uma pessoa,
embora a perspectiva contada seja a do filho-narrador. Para garantir a coesão
nesse âmbito, encontramos no texto o uso de anáforas (termos que fazem alusão
a outros), ora por meio de pronomes como “nosso”, “Nós” e “nos”, ora por locuções
como “gente honesta”, ora pela marcação de pessoa e número em paradigmas
verbais (“fôramos”, “sentimos”, “chegamos”). Da mesma maneira, para não
registrar repetitivamente a palavra pai, o autor seleciona no eixo paradigmático
diferentes léxicos para o signo “pai”. Neste caso, encontramos opções como “ser”
e, de maneira contundente para a construção do traço de ironia do narrador, a
opção “morto”.
No eixo sintagmático, todas as orações obedecem à naturalidade da ordem
que rege a norma culta do português brasileiro: sujeito, verbo e predicado bem
determinados (“O nosso primeiro Natal de família [...] foi de consequências
decisivas para a felicidade familiar”). Destaca-se, neste caso, como a coesão se
dá em âmbito referencial, utilizando, para tanto, formas remissivas referenciais
(elementos linguísticos que estabelecem referências a partir de duas
possibilidades – sinônimos – itens lexicais plenos) e formas remissivas não
referenciais (unidades que não têm autonomia referencial, como os artigos e
pronomes).
O conto ainda reserva um traço específico para que possamos pensar na
coesão; trata-se do adiantamento de uma informação que será preponderante
para o desenvolvimento e a organização de toda a narrativa: a morte do pai,
sobretudo por conta da marcação do adjunto adverbial “cinco meses antes”. A
estratégia de mencionar um dado que será explicitado posteriormente no texto é
chamado de recurso catafórico.
Em gêneros textuais relacionados ao âmbito jornalístico – a reportagem,
por exemplo – fica claro como a coesão textual é criada a partir de anáforas que
buscam a não repetição lexical. Observe o exemplo abaixo, publicado na página
JusBrasil (Vieira, 2005, grifos nossos):
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Senado aprova aumento do tempo de internação para menores
infratores
O Senado aprovou nesta terça-feira (14) por 43 votos a 13 projeto de lei
que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e aumenta o
tempo de internação de menores de 18 anos que tenham cometido
crimes hediondos. A matéria seguirá agora para votação na Câmara dos
Deputados.
Pelo projeto, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), os jovens
que tenham cometido esse tipo de crime poderão ficar internados em
centros de atendimento socioeducativo por até dez anos. Atualmente, o
tempo máximo de internação é de três anos.
Originalmente, o relator do projeto, senador José Pimentel (PT-CE),
havia proposto que o tempo máximo de internação ficasse em até oito
anos. Porém, ele acatou emenda do próprio Serra e manteve o limite em
até dez anos. [...]
Outro ponto proposto por Pimentel prevê que os adolescentes passarão
por avaliação, a cada seis meses, feita pelo juiz responsável pelo caso.
O objetivo do petista é que o magistrado possa analisar e optar por
liberar antecipadamente ou não o jovem da reclusão.
Os internos ainda deverão estudar nos centros de internação até concluir
o ensino médio profissionalizante. Atualmente, o Estatuto da Criança e
do Adolescente prevê que os menores devem concluir somente o ensino
fundamental.
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onde o universo de processamento deve ir sendo paulatinamente
construído.
2.2 Coerência
1. Maria tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda estava lavando a
roupa.
2. João não foi à aula, entretanto estava doente.
3. A galinha estava grávida.
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nos três casos, parece não poder – ser encontrada. Na frase atribuída com o
número 2, percebemos como a conjunção “entretanto” confere uma função
adversativa que não tem relação direta com o primeiro período; não há uma
explicação do porquê de João não ter ido à aula, confundindo potencialmente o
interlocutor (leitor). No último caso, diferenciado pelo número 3, porém, a não
coerência textual se dá, muito provavelmente, por um critério semântico ou
contextual. Isso porque, a não ser que o enunciado pertença a uma fábula ou a
algum gênero ficcional, usar o adjetivo “grávida” para aludir ao substantivo
“galinha” é, no mínimo, uma incongruência.
Quando nos referimos à coerência, há de se pensar no jogo poético e nas
inversões buscadas no gênero lírico, por exemplo. Neste caso, estratégias de
deslocamento semântico (de sentido) poderiam ajudar a relativizar o que
entendemos como coerência superficial, já que o sentido poderia ser construído a
partir de um pacto com o leitor, por conta de informações que não operam no
âmbito da diegese, ou seja, do texto propriamente dito. Um exemplo? Bastaríamos
relembrar o quanto é possível fruir e atribuir significado ao que está enunciado no
texto-poema O cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto. No poema, a
coerência é garantida pela própria natureza do gênero textual analisado, por conta
do conhecimento de mundo utilizado pelo interlocutor, pelo entendimento de que
os jogos metafóricos e a polissemia construídos ajudam a construir imagens
verossímeis, tal como a de um “cão sem plumas”.
Para finalizar a discussão a respeito da coerência textual, entendemos ser
fundamental retomar a seguinte reflexão: “É importante, no entanto, ter claro que
as relações de coerência devem ser concebidas como uma entidade cognitiva.
Isto faz com que essas relações em geral não estejam marcadas na superfície
textual e que não tenham algum tipo de explicitude imediatamente visível”
(Marcuschi, 2008, p. 122).
Pode ser até mesmo um ponto de vista do leitor que estabelece a
coerência. Assim, a coerência não é uma propriedade empírica do texto em si
(não se pode apontar para coerência), mas ela é um trabalho do leitor sobre as
possibilidades interpretativas do texto. É claro que o texto deve permitir o acesso
à coerência, pois, do contrário, não haveria possibilidade de entendimento.
(Marcuschi, 2008, p. 122).
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TEMA 3 – INTENCIONALIDADE E ACEITABILIDADE
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Figura 2 – Charge
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Em vias gerais, a situacionalidade é a relação entre o texto e a situação
discursiva que o relaciona, definindo se determinado enunciado se constitui de
maneira adequada ou não. De maneira isolada, pode ser entendido como um
critério redundante, já que é entrecruzado por outros fatores como a coerência e
a aceitabilidade. De qualquer forma, é válido frisar que a situacionalidade “não só
serve para interpretar e relacionar o texto ao seu contexto interpretativo, mas
também para orientar a própria produção. A situacionalidade é um critério
estratégico” (Marcuschi, 2008, p. 128).
TEMA 5 – INTERTEXTUALIDADE
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carregaremos com eles para mais longito da casa, para nos não vir
molestar o fumo apestado.
Outro tanto disse a ama; tal era a gana com que ambas estavam aos
pobres alfarrábios; mas o cura é que não esteve pelos autos, sem
primeiro ler os títulos.
O que mestre Nicolau primeiro lhe pôs nas mãos foram os quatro de
Amadis de Gaula.
— Parece coisa de mistério esta! — disse o cura — porque, segundo
tenho ouvido dizer, este livro foi o primeiro de cavalarias que em
Espanha se imprimiu, e dele procederam todos os mais; por isso entendo
que, por dogmatizador de tão má seita, sem remissão o devemos
condenar ao fogo.
— Não senhor — disse o barbeiro — também eu tenho ouvido dizer que
é o melhor de quantos livros neste gênero se têm composto; e por isso,
por ser único em sua arte, se lhe deve perdoar. [...]
Este é — prosseguiu o barbeiro — o Cancioneiro de Lopez de
Maldonado.
— Também o autor desse livro — replicou o cura — é grande amigo
meu, e os seus versos, recitados por ele, admiram a quem os ouve, e tal
é a suavidade da voz com que os canta, que encanta. Nas églogas é
algum tanto extenso, mas o bom nunca é demasiado. Guarde-se com os
escolhidos. Porém que livro é esse que está ao pé dele?
— A Galatéia de Miguel Cervantes — disse o barbeiro.
— Muitos anos há que esse Miguel Cervantes é meu amigo; e sei que é
mais versado em desdita que em versos. O seu livro alguma coisa tem
de boa invenção; alguma coisa promete, mas nada conclui; é necessário
esperar pela segunda parte que ele já nos anunciou. Talvez com a
emenda alcance em cheio a misericórdia que se lhe nega; daqui até lá
tende-mo fechado em casa, senhor compadre.
— Com muito gosto — respondeu o barbeiro — e aqui vêm mais três de
cambulhada: A Araucana de João Alonso de Ercila, a Austríada de João
Rufo, jurado de Córdova, e o Monserrate de Cristóvão de Virues, poeta
valenciano.
FINALIZANDO
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conceitos enunciados pelos linguistas Robert de Beaugrande e Wolfgang Dressler
(1981), recuperados, no Brasil, por Luiz Antônio Marcuschi (2008).
A partir de exemplos, foi possível demonstrar que a textualidade é
construída a partir das esferas da configuração linguística (critérios de coesão e
coerência) e situação comunicativa (aceitabilidade, intencionalidade,
situacionalidade, informatividade, intertextualidade). Seja qual for o critério, passa
a ficar mais claro o fato de que um texto deve ser avaliado não de maneira
genérica, estática, mas dentro do seu contexto discursivo de enunciação.
Mediante tais reflexões, partiremos, nas próximas aulas, para a análise mais
efetiva da compreensão e produção de textos.
LEITURA COMPLEMENTAR
Saiba mais
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REFERÊNCIAS
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para entender o texto: leitura e redação. 17. ed.
São Paulo: Ática, 2007.
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MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola, 2008.
ROSA, J. G. Meu tio o Iauaretê. In: _____. Estas Estórias. São Paulo: J. Olympio,
1969.
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