Itinerário Oracional, Vida Ascética e Crescimento Espiritual em Teresa de Jesús
Itinerário Oracional, Vida Ascética e Crescimento Espiritual em Teresa de Jesús
Itinerário Oracional, Vida Ascética e Crescimento Espiritual em Teresa de Jesús
net/publication/303855463
CITATIONS READS
0 988
1 author:
Vieira Ferreira
ISPA Instituto Universitário
2 PUBLICATIONS 0 CITATIONS
SEE PROFILE
All content following this page was uploaded by Vieira Ferreira on 08 June 2016.
Rui Ferreira
I. Introdução
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
1
Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional
do Porto. Tanto o Seminário, como o trabalho foram orientados pelo professor Alexandre
Freire Duarte.
2
Cf. Teresa de Jesús – As Moradas, in Idem – Obras Completas. Tradução de Vasco
Dias Ribeiro. Revisão de Texto, Introdução e notas de Tomás Álvarez, Paço de Arcos: Edições
Carmelo, 2000, 517-689. De ora em diante, citaremos As Moradas simplesmente como M.
49
4
R u i F e rr e i r a
50
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Cf. Teresa de Jesús – Livro da Vida, in Idem – Obras Completas, 25-355. O Livro
3
51
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Cf. Auclair, Marcelle – Santa Teresa de Ávila: a dama errante de Deus. 3ª ed.,
5
52
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Cf. Ibidem.
8
“Por uma parte, me chamava Deus; por outra, eu seguia o mundo. Davam-me grande
9
contento todas as coisas de Deus; traziam-me atada as do mundo. (…) queria juntar estes
dois contrários, tão inimigos um do outro (…) Passei assim muitos anos” (V 7,17).
10
Cf. Maroto, Daniel de Pablo – “Santa Teresa de Jesus. Breve perfil”, 9.
11
Cf. Ibidem.
53
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
12
Cf. Ibidem, 9-10.
13
Ibidem, 10-11.
14
Francisco – Mensagem do Papa Francisco por ocasião do quinto centenário do
nascimento de Teresa de Ávila (Vaticano, 15 de Outubro de 2014). In http://w2.vatican.va/
content/francesco/pt/messages/pont-messages/2014/documents/papa-francesco_20141015_
messaggio-500-teresa-avila.html (consultado em 27-03-2015 18:40). Na Mensagem do Papa
Francisco, podemos vislumbrar, desde logo, a dupla dimensão da mística: 1) a vertical,
relacionamento com Deus; 2) e, a horizontal, em direcção ao próximo. Quem origina ambos
os movimentos é Deus.
54
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
15
Excepto indicação em contrário, neste enquadramento, o que dizemos sobre
As Moradas é inspirado na introdução de T. Álvarez a esta obra. Cf. Álvarez, Tomás –
“Introdução às Moradas”. In Teresa de Jesús – Obras Completas, 519-527.
16
“E, ainda que em outras coisas que escrevi, o Senhor me tenha dado algo a entender,
creio que algumas não as tinha entendido como de então para cá, em especial as mais
dificultosas” (M I 2,7).
17
Cf. Gaitán, José-Damián – “Crecimiento espiritual y ascesis”, in Teresianum, 52
I/II (2001), 777-787.
18
Cf. Ibidem, 778.
55
R u i F e rr e i r a
Como tal, Gaitán nota que já João da Cruz prevenia para os perigos de
nos prendermos em demasia a esquemas rígidos que concebem o caminho ou
o progresso espiritual como uma busca do ideal, em termos de um antes e de
um depois19. Na realidade, muitas vezes, acontece que uma etapa que já se
julgava ultrapassada volta a suceder a um outro nível20. Neste sentido, seria
preferível afirmar que não existe um momento único na iniciação espiritual,
mas sim vários momentos de iniciação e reiniciação em níveis distintos,
segundo o ritmo próprio de cada um21. Assim, numa dinâmica vivencial de
crises e superação das mesmas, de modo análogo ao que acontece com o
desenvolvimento psicológico, a vida espiritual vai-se maturando22.
Sobre o conceito de maturidade, este autor considera que ele não
diz respeito apenas ao momento final ideal da evolução da pessoa; nem
se refere somente à posse das características mínimas, segundo as quais
alguém pode ser considerado uma pessoa madura23. A maturidade diz
respeito ao grau de evolução considerado adequado a uma dada pessoa,
segundo a etapa da vida em que essa mesma pessoa se encontra24. Gaitán
considera ainda que a maturidade nunca chega a ficar consolidada de uma
vez para sempre. Pode até acontecer que alguém que já tinha atingido um
certo grau de maturidade o perca25. Finalmente, defende que para se viver
esta maturidade é exigida uma contínua tensão ascética ao longo de todo
o caminho espiritual, sendo, por isso, preferível falar de um processo de
maturação do que de uma maturidade já acabada26.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
19
Cf. Ibidem, 782-783.
20
Cf. Ibidem, 783.
21
Cf. Ibidem, 783.
22
Cf. Ibidem, 784-785.
23
Cf. Ibidem, 785-786.
24
Cf. Ibidem, 786.
25
Cf. Ibidem, 786.
26
Cf. Ibidem, 786.
56
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
57
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
58
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
59
R u i F e rr e i r a
Completas, 27.
39
Cf. Bento XVI – Audiência Geral (Sala Paulo VI, 2 de Fevereiro de 2011).
Mistagogia é um termo grego, presente na cultura clássica, composto pela junção de
mystes (mistério) – derivado do verbo myo (cerrar os olhos e a boca) – e do verbo ago
(conduzir). Etimologicamente significa conduzir/introduzir alguém no conhecimento de
uma verdade oculta e nos ritos significativos para a mesma. No cristianismo, adquiriu
uma nova importância, pois o próprio Jesus, por meio de parábolas e símbolos, introduziu
os discípulos nos mistérios do Reino. Na Igreja Antiga, a mistagogia foi um método para
introduzir os catecúmenos nos mistérios da fé cristã. Na experiência mística, a mistagogia
adquire particular relevância como meio para uma progressiva introdução na experiência
do amor de Deus. Cf. Pesenti, G.G. – “Mistagogia”, in L. Borriello – E. Caruana – M.R.
del Genio – N. Suffi (dir.) – Dizionario di mistica. Città del Vaticano: Libreria Editrice
60
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
42
Cf. Duarte, Alexandre Freire – “Notas sobre a mística cristã e a sua linguagem
ferida: equívocos coevos sobre a mística”, in Theologica, 46, 1 (2011), 131-133.
43
Ver, por exemplo, V 9,7: “Nos santos que, depois de o terem sido, o Senhor voltou
para si, achava eu muito consolo, parecendo-me que neles havia de encontrar ajuda; e assim
como o Senhor lhes havia perdoado, podia fazer a mim.”
44
Recordamos aqui as palavras iniciais da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium:
“A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com
61
R u i F e rr e i r a
Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio
interior, do isolamento” (EG 1). Francisco – Exortação Apostólica Evangelii Gaudium.
Braga: Editorial Apostolado da Oração, 2013, 5.
45
Bento XVI – Audiência Geral (Sala Paulo VI, 2 de Fevereiro de 2011).
46
Cf. Ibidem.
62
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
Cf. Ibidem.
47
Cf. V 11,7.
48
49
Cf. V 11,1.
50
Parece-nos que, com esta afirmação, Teresa indica a primazia do dom de Deus e a
sua presença desde o início, como veremos mais adiante.
63
R u i F e rr e i r a
este trabalho já está iniciado. Com a graça de Deus, o bom hortelão deve
ter o cuidado de regar as plantas para que estas cresçam51.
Aqueles “que começam a ter oração” são os que tiram água do poço,
com o seu próprio esforço52. Nesta etapa, prevalece o entendimento que é,
precisamente, o tirar água do poço53. De certa forma, no entender de Teresa,
este período de maior aridez faz parte da pedagogia divina, que prova “os
amadores” para saber se estes são dignos da cruz e dos seus tesouros54.
Quem começar por aqui, assenta o edifício em firme fundamento55. Esta
etapa, classicamente identificada como via purgativa, exige uma maior
colaboração do orante.
Teresa sublinha que convém muito não procurar subir mais acima,
por si mesmo, se Deus não lho concede56. Não vale pena procurar obter
pelo próprio esforço aquilo que só Deus pode gratuitamente oferecer. Este
dado é fulcral, porque a rocha, a verdadeira pedra angular, onde deve
assentar o edifício da relação com Deus, é a humildade57. Teresa insiste
vigorosamente que, nos inícios, é muito prejudicial “levantar o espírito, se
o Senhor não o eleva”58.
Ao longo do capítulo treze, a autora previne para algumas ciladas do
demónio que comummente ocorrem nesta fase. A melhor resposta é, com
humildade, reconhecer a nossa miserável natureza e ter grande confiança
na misericórdia divina59. Para melhor enquadrar estas advertências sobre
o demónio, convém recordar a antropologia espiritual e a cultura do séc.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
51
Cf. V 11,6.
52
Cf. V 11,9.
53
Cf. V 11,10.
54
Cf. V 11,11.
55
Cf. V 11,13.
56
Cf. V 12,1.
57
Cf. V 12,4.
58
V 12,7.
59
Cf. V 13,1-2.
64
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
XVI espanhol, segundo a qual, aquilo que acontece no homem pode ter
várias origens: o bom espírito (Espírito Santo), o mau espírito (diabo)60
ou a minha natureza (o meu próprio espírito)61. A Inquisição e o ambiente
cultural fomentavam nas mentes um escrúpulo excessivo sobre as ciladas
do diabo. Isto verifica-se também com Teresa e com os seus confessores
e/ou censores.
Outro dado relevante sublinhado por Teresa é o de que, aconteça o que
acontecer, custe o que custar, não se deve abandonar a oração. Com uma
certa ironia, afirma que até compreende que mulherzitas como ela, fracas e
com pouca fortaleza62 se queixem da falta de consolação na oração, agora
“que servos de Deus, homens de tomo, de letras, de entendimento, façam
tanto caso como vejo fazer, de que Deus não lhes dá devoção sensível”63,
já não. É imperativo perseverar com determinação na oração, frequentado
com amizade face a face com Deus, principalmente, quando não há outra
recompensa senão estar com Aquele que tanto nos ama.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Tradução por Vital Pereira. Organização e notas por F. de Sales Baptista. 3ª ed., Braga:
Livraria Apostolado da Imprensa, 1999, nn. 32,3; 314,3; 315,2-3; 318,2; 333,4; 335; 336,4.
62
Cf. V 11,14.
63
Ibidem.
64
Cf. V 14,1-2.
65
5
R u i F e rr e i r a
65
Cf. V 14,2-3.
66
“Pelo” sujeito, pelo dinamismo próprio da alma.
67
Almeida, A. Duarte de – O Erguer das Nossas Mãos Vazias, 325.
68
Ibidem, 326.
69
Cf. V 14,4.
70
Cf. V 14,5.
71
Cf. V 15,1.
72
Cf. V 15,2.
73
Na oração de quietude, o sujeito já “entrevê” a cruz e compreende que não há vida
cristã sem cruz, portanto, abandonar a oração nesta etapa é grave porque equivale a recusar
a cruz. Como tal, aqueles que aqui abandonam a relação de amizade com Deus são inimigos
da cruz de Cristo (cf. Fl 3,18).
66
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
74
Cf. V 15,3.
75
Cf. V 15,4-5.
76
Cf. V 15,6.
77
Cf. V 15,7.
78
Cf. V 15,11.13.
79
Cf. V 16,1.
80
Cf. V 16,2.
67
R u i F e rr e i r a
Neste grau, as potências estão praticamente todas unidas entre si, mas
não ao ponto de deixarem de operar, pois conservam ainda a capacidade
de se concentrarem todas em Deus. Nesta oração reina o louvor, fruto da
santa loucura celestial, na qual o orante desejaria permanecer81. Quem aqui
chega não pode não amar a cruz82. Teresa deseja que todos sofressem desta
enfermidade e desta santa loucura do amor de Deus83.
Aqui chegado, o orante só tem que, com a sua vontade, permitir que
Deus lhe conceda graças, colocando-se inteiramente à Sua mercê. A “alma”
deve abandonar-se totalmente nas mãos de Deus que a conduzirá. Maravi-
lhado com a acção de Deus, o sujeito é tomado de espanto e passividade84.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
81
Cf. V 16,3-4.
82
Cf. V 16,5.
83
Cf. V 16,6.
84
O Dicionário da vida espiritual lembra que o vocabulário espiritual não é rígido,
variando de autor para autor. Contudo, os vários autores concordam que a contemplação
propriamente dita, denominada mística ou passiva, caracteriza-se por uma passividade
diante da acção de Deus. Por um lado, a contemplação mística funda-se na possibilidade
de Deus agir directamente sobre a alma. Por outro lado, assenta na possibilidade de
realizarmos uma operação simples de tipo intuitivo e afectivo, operação própria da alma.
Todos os autores místicos admitem dois níveis de operações próprias da alma: a) um nível
comum que engloba operações de conhecimento racional e discursivo; b) um nível superior
em que Deus se faz presente através de um modo simples de conhecimento e adesão. O
conhecimento contemplativo é, como tal, inseparável da experiência da presença de Deus. É
um conhecimento em modo de co-presença, no qual temos consciência de conhecer e amar
um amigo presente. Deus é livre de suscitar maior ou menor consciência da Sua presença. A
alma recebe esta liberdade divina de forma passiva. Como tal, em primeiro lugar, passividade
significa que a alma não exerce qualquer “operação”, a não ser a adesão à iniciativa de Deus
que se torna presente. Em segundo lugar, ela envolve uma simplicidade do olhar que não
exige grande esforço e produz uma alegria profunda; por isso, a contemplação é também tida
como uma forma de repouso. No estado passivo, saboreia-se a gratuidade do amor de Deus,
o qual se revela quando quer e como quer. O fruto principal deste tipo de contemplação é o
aprofundamento da realidade de Deus. Com efeito, Deus é objecto de um desejo profundo
e muitas vezes doloroso. Cf. Bernard, Charles-André – “Contemplation”, in Stefano de
Fiores – Tullo Goffi (dir.) – Dictionaire de la vie spirituelle. Adaptation française par
François Vial. Paris: Cerf, 1983, 180-181.
68
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
É que, neste grau, o Criador da água, dá-a sem medida; aquilo que a alma
por si só jamais poderia alcançar é dado por este Hortelão celestial85.
Com tamanhas graças, as virtudes ficam ainda mais fortalecidas, prin-
cipalmente a humildade, porque o orante percebe claramente que esta água
é puro dom de Deus. A união com Deus é muito maior, a alma encontra-se
já unida a Deus; porém, o Senhor concede que as potências entendam e
gozem muito do que se passa86. É tão grande a glória e o descanso da alma,
que também o corpo participa nele, ou seja, a oração envolve realmente a
pessoa toda87.
4º Grau: a água que vem do alto dos céus. Na quarta água, segundo a
experiência teresiana, dá-se a pura fruição do dom de Deus, o qual se goza
sem entender. Ela encerra todos os bens e ultrapassa toda a compreensão,
porque a acção de Deus envolve todos os nossos sentidos – que gozam sem
entender o que gozam – e todo o nosso ser88. Teresa confessa-se incapaz de
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
85
Cf. V 17,1-2.
86
Cf. V 17,3.
87
Cf. V 17,8.
88
Cf. V 18,1.
69
R u i F e rr e i r a
dar a entender em que consiste esta oração a que chamam de união, preten-
dendo apenas declarar aquilo que vive quando a alma se sente nesta união89.
Antes de começar a descrição, a autora afirma que este dom é fruto
da liberalidade e magnanimidade do Senhor90, o qual distribui as Suas
graças conforme lhe apraz, independentemente dos méritos de cada um91.
Como já referimos, um dos objectivos de Teresa é partilhar e difundir as
graças que lhe foram concedidas, para que aproveitem as muitas almas92,
engulosinando-as com o sumo bem que a própria experimentou93.
Teresa fala em elevação de espírito ou junção com o amor celestial
94
, talvez para tentar distinguir o início da união com Deus (elevação de
espírito – terceiro grau) da união ou junção com o próprio amor celestial
(quarto grau)95. Outra comparação que Teresa utiliza é a da diferença entre
um pequeno fogo e um grande fogo: num pequeno fogo, um pedaço de ferro
demora muito tempo para ficar em brasa, enquanto que, num grande fogo,
um pedaço muito maior fica imediatamente incandescente96. A autora procu-
ra, assim, dar a entender os detalhes que separam o terceiro do quarto grau.
Em Vida 18,9, Teresa inicia a descrição dos efeitos desta água que
vem do Céu. Com deleite grandíssimo e suave, a alma como que desfa-
lece, e todos os sentidos ficam concentrados em Deus97. Segundo Teresa,
num breve tempo, todas as potências ficam suspensas98. A autora admite a
incapacidade para traduzir em palavras aquilo que sabe, mas que não pode
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
89
Cf. V 18,2.
90
Cf. V 18,3.
91
Cf. V 18,4.
92
Cf. Ibidem.
93
Cf. V 18,8.
94
Cf. V 18,7.
95
Cf. Ibidem.
96
Cf. Ibidem.
97
Cf. V 18,10.
98
Cf. V 18,12.
70
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
99
Cf. V 18,14.
100
Cf. V 18,14-15.
101
Cf. V 18,14. Ou seja, trata-se de um modo de conhecimento diferente, do meramente
racional e intelectivo.
102
Cf. V 19,1.
103
Cf. Rocha e Melo, Luís – Se tu soubesses o dom de Deus: ensaio sobre oração.
3ª ed. Braga: Apostolado da Oração, 2006, 164. O Dicionário de Mística diz-nos que
compunção deriva do latim compunctio, tendo entrado a partir do séc. IV no vocabulário
cristão para exprimir a dor pungente pelo próprio pecado, diante da misericórdia de Deus.
Por outro lado, fala também, ao nível do monacato, de uma “tristeza segundo Deus” que
leva ao gáudio e à paz. Cf. Posada, M.E. – “Compunzione”, in L. Borriello – E. Caruana
– M.R. del Genio – N. Suffi (dir.) – Dizionario di mistica, 320-321.
104
Rocha e Melo, Luís – Se tu soubesses o dom de Deus, 164.
71
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
105
Cf. V 20,1.
106
V 20,2.
107
Cf. V 20,3-4.
108
Cf. V 20,7.
109
Cf. V 20,8.
110
Cf. V 20,9.
72
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
111
Cf. V 20,10.
112
Cf. V 20,11.
113
Cf. V 20,13.
114
Cf. V 20,16.
115
Cf. V 20,18 e seguintes.
116
Cf. V 20,19.
117
Cf. V 20,20.
118
Cf. V 20,22.
119
Cf. V 20,22-29.
120
Cf. V 21,5.
121
Ibidem.
73
R u i F e rr e i r a
“Com tão bom amigo presente, com tão esforçado capitão, que foi o primei-
ro no padecer, tudo se pode sofrer. É ajuda e dá força; nunca falta; é amigo
verdadeiro. E vejo eu claramente e vi depois que, para contentar a Deus e
para Ele nos fazer grandes mercês, quer que seja por mãos desta Humanidade
Sacratíssima (…); por esta porta temos de entrar, se queremos que a soberana
Majestade nos mostre grandes segredos” (V 22,6).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
122
Cf. V 22,1.
123
Cf. V 22,5.
124
Cf. V 22,7.
125
Cf. V 22,9.
126
V 22,10.
127
Cf. Ibidem.
128
Cf. Ibidem.
129
V 22,11.
74
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
forças130. Teresa conclui com uma expressão bela, bela: “Sempre que pen-
sarmos em Cristo, lembremo-nos (…) do amor que Ele nos tem, pois amor
gera amor”131. Se tivermos este amor sempre presente, tudo é possível.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
130
Cf. V 22,11-13. “E tenho medo que assim nunca chegará à verdadeira pobreza de
espírito, que consiste não em buscar consolo e gosto na oração – que os da terra já estão
deixados –, mas sim em ter consolação nos trabalhos, por amor d’Aquele que sempre viveu
neles (…)” (V 22,11).
131
V 22,14.
132
Cf. Álvarez, Tomás – “Introdução ao Caminho de Perfeição”. In Teresa de Jesús
– Obras Completas, 359.
133
Cf. C prólogo,1.
134
Cf. Álvarez, Tomás – “Introdução ao Caminho de Perfeição”. In Teresa de Jesús
– Obras Completas, 359. A obra tinha sido confiscada pela Inquisição.
135
Cf. Ibidem, 360. Daí que se levante a hipótese deste livro ser fruto de um rescrito,
isto é, apontamentos de conferências tirados por uma monja, corrigidos e rescritos por
Teresa de Jesús.
136
Cf. C prólogo,2.
137
Cf. C prólogo,3.
75
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
138
Cf. C 2,1-2.
139
Cf. C 2,3. Ver, por exemplo, o desapego pedido por Jesus aos Apóstolos, aquando
do seu envio em Mc 6,7-13.
140
Cf. C 2,4-6.
141
Cf. C 4,1.
142
Parece-nos que, no fundo, Teresa exorta as monjas a viverem constantemente numa
atitude de oração e louvor que preencha toda a sua vida, à semelhança daquilo que pede
Paulo aos Tessalonicenses: “Sede sempre alegres. Orai sem cessar. Em tudo dai graças.”
(1Ts 5,16-18a).
143
Cf. C 4,2.
144
Cf. C 4,3-4.
76
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
145
Cf. C 4,5-9.
146
Cf. C 4,12.
147
Cf. C 6,1-2.
148
Cf. C 6,3.
149
Cf. C 7,1.
150
Cf. C 7,4.
151
Cf. C 10,1-2.
152
Cf. C 10,3.
153
Cf. C 10,5-8.
154
Teresa de Jesús – Poesias 2, in Idem – Obras Completas, 1085.
77
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
155
Cf. Inácio de Loyola – Exercícios Espirituais, n. 23,5-6.
156
Estas virtudes, por serem inseparáveis, são como que três faces de uma única
realidade: a amizade. Notamos ainda que esta realidade – a amizade – é de suma importância
para a ética, desde Aristóteles.
157
Teresa ressalva que, por vezes, Deus dá-Se e une-Se àqueles que se encontram em
mau estado para os ajudar a sair desse mesmo estado.
78
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Cf. C 17,1.
158
Cf. C 17,2.
159
160
Cf. Ibidem.
161
Cf. C 17,2-7.
162
Cf. C 19,2.
163
Cf. C 19,3. No nosso entender, esta água extingue porque sacia, porém, saciando
faz aumentar o desejo de Deus.
164
Cf. C 19,6-7.
165
Cf. C 19,8-10.
166
Cf. C 19,15;20,1.
167
Cf. C 20,1-2.
168
Cf. C 20,3-4.
79
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
169
C 21,2.
170
Cf. C 21,6-10.
171
Cf. C 21,7.
172
Cf. Ibidem.
173
Cf. C 22,1.3.
174
Cf. C 22,1.
175
Cf. C 22,1.3-4.7.
176
Cf. C 22,4.
177
Cf. C 24,1.
178
Cf. C 24,2.
80
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Cf. Ibidem.
179
Cf. C 24,4-5.
180
181
Cf. Radcliffe, Timothy – Ser cristão? Para quê?. Prior Velho: Paulinas Editora,
2011, 68-69.
182
Cf. Bianchi, Enzo – Porque rezar, como rezar. Tradução de Adérito Lourenço
Louro. Lisboa: Paulus Editora, 2011, 20.
183
Por exemplo, na perspectiva de Roger Schütz, fundador da Comunidade de Taizé,
a pequena comunidade é chamada a ser uma parábola de comunhão, um simples reflexo da
comunhão que é o Corpo de Cristo, a Igreja, e assim fermentar toda a humanidade. Cada
irmão participa nesta parábola de comunhão, onde as pequenas fidelidades quotidianas
preparam e sustentam as continuidades fortes de toda a vida. Cf. Irmão Roger de Taizé –
“Uma parábola de comunhão”, in Idem – O seu amor é como um fogo. Tradução de Isabel
Figueiredo e Silva. Lisboa: Edições Paulistas, 1990, 84-85.
81
6
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
184
Cf. Radcliffe, Timothy – Ser cristão? Para quê?, 179.
185
Cf. Ibidem, 194.
186
Ibidem, 194.
187
Cf. Ibidem, 195-196.
188
Bianchi, Enzo – Porque rezar, como rezar, 114.
82
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
83
R u i F e rr e i r a
193
“Esta perseverança é aqui o mais necessário, porque com ela jamais se deixa de
ganhar muito” (M II 3).
194
Segundo o Dicionário da vida espiritual, o Antigo Testamento fala de conversão
(shûb), sobretudo, em termos de voltar para o caminho recto. Por seu lado, o Novo
Testamento (NT) propõe a conversão (metánoia) [e epistrephô = voltar, regressar] como uma
mudança radical de pensamentos, atitudes, sentimentos e acções. Neste sentido, conversão
implica uma renovação integral do “eu”. No NT, a conversão envolve também um abandono
total a Deus, um deixar-se transformar e abraçar por Ele e não somente uma purificação ou
abandono do pecado. A conversão conduz, por isso, a um estado de vida renovado.
Do ponto de vista neotestamentário, a conversão implica abandonar o pecado, por
um lado, e voltar-se para Deus, por outro lado. Como tal, por si só, o homem não é capaz
de realizar uma conversão total: a conversão é um dom e uma tarefa. A vida cristã é uma
contínua conversão que envolve não só a purificação do pecado e o progresso na via ascética,
mas caminhar sob o impulso do Espírito Santo para a plenitude da caridade e do mistério
pascal. No cristianismo, a dimensão do dom é, porventura, acentuada pelo facto de o próprio
Logos encarnado ter vindo ao nosso encontro (cf. Jo 1,14) e nos ter amado em primeiro lugar
(cf. Jo 15,16; 1Jo 4,10). “Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro” (1Jo 4,19). Desta
perspectiva, a conversão genuinamente cristã é desde o início um dom do amor de Deus.
Há ainda autores que falam de uma segunda conversão, como Clemente de Alexandria.
Esta segunda conversão assenta numa entrega total de si mesmo em ordem à perfeição e
por uma vontade irrevogável de progredir na vida espiritual, a qualquer preço e sem olhar
a sacrifícios; ela consiste na busca de realizar somente aquilo que agrada ao Senhor. A
alma não se contenta com uma conduta meramente boa e honesta, ou em viver uma vida
medianamente virtuosa; procura avançar continuamente no caminho da perfeição. Na
segunda conversão, a compreensão e a experiência recebem uma nova luz que lhes concede
um sentido renovado e mais profundo das coisas de Deus. Como tal, a segunda conversão é
84
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
uma iniciação à via mística. Cf. Goffi, Tullo – “Conversion”, in Stefano de Fiores – Tullo
Goffi (dir.) – Dictionaire de la vie spirituelle, 199-201.
195
M II 8.
196
Ibidem.
197
Cf. M II 7.
198
Notamos o paralelismo com a agonia mortificante de Jesus no Getsémani, na qual
submeteu e uniu totalmente a Sua vontade à do Pai (cf. Mc 14,36 e paralelos). A união
de vontades possui raízes profundas na espiritualidade cristã, desde Máximo Confessor,
sobretudo.
199
Cf. M II 9-10. O que notámos relativamente à dinâmica de conversão está
intimamente relacionado com a dinâmica de crescimento espiritual e ascese, particularmente
numa perspectiva místico-teologal de ascese, como nos mostra José-Damián Gaitán. No
sentido mais lato, a palavra ascese é sinónimo de esforço, tarefa, compromisso pessoal no
próprio crescimento e amadurecimento interior. Contudo, duma perspectiva genuinamente
cristã, segundo este autor, a ascese enquadra-se melhor na tensão positiva entre o desígnio
e o chamamento de Deus ao homem e a realidade concreta deste (criatura e pecador). Neste
sentido, à semelhança da conversão, todo o esforço e compromisso humanos são desde o
seu início permeados pelo dom de Deus, porque a acção divina tem sempre primazia sobre a
humana. Daí que a acção de Deus e o esforço ou compromisso do homem coincidem desde
o primeiro momento da conversão. Todavia, se existisse um antes seria sempre de Deus. Cf.
Gaitán, José-Damián – “Crecimiento espiritual y ascesis”, 772-773.
85
R u i F e rr e i r a
rar a nossa própria miséria e a vida de Jesus, aconselha Teresa, para que
possamos dar bons frutos200. Importa salientar que este processo é predomi-
nantemente afectivo, ou seja, está relacionado com a ordenação dos afectos,
implicando o reconhecimento em mim mesmo, no meu interior, das raízes
do meu pecado e do meu ego-ísmo para as poder extirpar.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
200
Cf. M II 11.
86
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
“Conheço as tuas obras: não és nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas,
como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te” (Ap 3,15-16).
87
R u i F e rr e i r a
mesmos nas suas mãos, deixando que Ele seja verdadeiramente o nosso
Senhor e o Pastor que nos conduz202.
Acontece que os planos e os caminhos do Senhor estão tanto acima
dos nossos, como acima da terra está o céu (cf. Is 55,8-9). As promessas
de Deus são desconcertantes aos olhos do mundo (cf. 1Cor 1,17-2,14).
Perante o abismo – entre os nossos planos e pensamentos e os de Deus –
joga-se a nossa conversão. Diante disto, Teresa exorta-nos ao abandono
humilde e confiante a Deus: “deixemos a nossa razão e temores em Suas
mãos”203. Juntamente com a humildade, importa exercitar a obediência204
e a caridade205.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
vontade à de Deus em tudo e que o concerto da nossa vida seja o que Sua Majestade dela
ordenar e não queiramos que se faça a nossa vontade mas sim a Sua” (M III 2,6).
203
M III 2,8.
204
Cf. M III 2,12.
205
Cf. M III 2,13.
206
Cf. M IV 1,1.
207
Ibidem.
208
M IV 1,2
88
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
209
Cf. Ibidem. Recordamos a título de exemplo o encontro de Jesus com a mulher
samaritana, no qual Jesus, contra todas as expectativas e conveniências sociais, revela-Se:
1) a uma mulher, 2) samaritana e 3) adúltera (cf. Jo 4,1-42).
210
Cf. M III 2,9-10. No final das terceiras moradas, Teresa inicia a distinção entre
contentamentos e gostos (cf. M III 2,9-10), mas apenas a desenvolverá nestas moradas.
A autora explicitará também a diferença entre pensamento, imaginação e entendimento.
211
Teresa distinguirá ainda entre contentos e ternuras, sinónimos que significam
toda a espécie de experiências agradáveis (paz, satisfação, agrado) “não infusas”, mas
“adquiridas”; são psicologicamente semelhantes às experiências naturais, diferindo destas
por serem recebidas pela oração e pela prática das virtudes.
Gostaríamos de recordar a importância de algumas palavras que, em Teresa, adquirem
um significado próprio, como por exemplo: gosto, gozo, regalo, deleite e sabor. Teresa
atribui-lhes um sentido caseiro, não académico. Estes termos, em si mesmos e em Teresa,
são ambíguos. Talvez sejam utilizados propositadamente para expressar a complexidade e
a dificuldade de descrever aquilo que ela viveu. Realçam também a inseparabilidade entre
o sensual e o espiritual na experiência mística de Teresa de Jesús.
212
Os gostos são todas as experiências infusas, ou seja, não adquiridas; não são
comparáveis às naturais.
213
Cf. M IV 1,5.
89
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Cf. Ibidem.
215
216
Bento XVI – Bento XVI em Portugal, discursos e homilias. Prior Velho: Paulinas,
2010, 52.
217
Cf. Álvarez, Tomás – nota n.º 4, a M IV 2,2. In Teresa de Jesús – As Moradas,
in Idem – Obras Completas, 569.
90
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
utiliza a alegoria das duas fontes e dos dois tanques (cf. M IV 2,2ss.). Mais
uma vez, a autora apela ao poder imaginativo dos seus leitores e utiliza
(novamente) o sugestivo símbolo da água:
Façamos de conta, para o entender melhor, que vemos duas fontes com dois
tanques que se enchem de água, que não acho coisa mais a propósito para
declarar algumas coisas de espírito que isto da água. (M IV 2,2).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Sem entrarmos aqui numa análise detalhada, notamos somente que a distinção de
218
91
R u i F e rr e i r a
autora considera que a origem desta fonte “deve ser o centro da alma. (…)
Certo é, vejo segredos em nós mesmos que me trazem espantada muitas
vezes. (…) E andamos por cá como uns pastorinhos tontos, parecendo-nos
que enxergamos alguma coisa de Vós e deve ser tanto como nada, pois em
nós mesmos há grandes segredos que não entendemos” (M IV 2,5). Teresa
vislumbra no núcleo da alma um segredo abismal que ultrapassa a nossa
capacidade de compreensão meramente racional219. Ao mesmo tempo
que a grandeza da alma fundamenta a dignidade humana, ela é também
fonte de humildade para o homem, uma vez que o mistério que a habita
transcende-a. Podemos, por analogia, entrever um certo paralelismo com
aquilo que a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS) nos ensina sobre
a consciência humana220.
Todavia, o que mais chama a atenção de Teresa no Sl 118,32 é a dila-
tação. A autora diz-nos que, quando se começa a produzir em nós aquela
água celestial, “do profundo de nós mesmos parece que se vai dilatando e
alargando todo o nosso interior e produzindo uns bens que não se podem
dizer, nem mesmo a alma sabe entender o que é que aquilo ali se lhe dá.
(…) [Estes bens] penetram toda a alma e até bastantes vezes (…) participa
o corpo. (…) As potências não estão todas unidas (…) mas embebidas, [e]
olhando como espantadas o que será aquilo” (M IV 2,6).
Teresa fala do que sabe, com base na sua própria experiência. Pode
errar, mas não mentir. Neste momento da sua vida, fala a partir de uma
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Já o autor da Primeira carta de São João afirmava que “Deus é maior que o nosso
219
coração” (1Jo 3,20). Por seu lado, Hans Urs von Balthasar falou da presença no homem
“de um Mistério que é maior do que o seu coração”, cit. por Martín Velasco, Juan – “Ser
místico em situação de crise de Deus”, 71.
220
“No fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si
mesmo. (…) O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus; (…) A consciência
é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja
voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”, in Igreja Católica: II Concílio Ecuménico do
Vaticano – Gaudium et Spes, 16, in Braga: Apostolado da Oração, 355.
92
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
221
“Em quase quinze anos desde que o escrevi, talvez me tenha dado o Senhor mais
claridade nestas coisas do que então entendia e, agora como então, posso errar em tudo mas
não mentir, que, por misericórdia de Deus, antes passaria mil mortes. Digo o que entendo”
(M IV 2,7).
222
Paulo VI – Discurso aos membros do Consilium de Laicis (em 2 de Outubro de
1974): AAS 66 (1974), 568.
223
Isto mesmo nos lembra a Primeira carta de São João, o amor a (e de) Deus
manifesta-se na justiça e na verdade: “não amemos com palavras nem com a boca, mas
com obras e com verdade” (1Jo 3,18).
224
Cf. Martín Velasco, Juan – “Ser místico em situação de crise de Deus”, 82.
225
Cf. Ibidem.
93
7
R u i F e rr e i r a
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
226
Uma das autoras citada por Juan Martín Velasco, para fundamentar a ligação entre
a mística e a ética, é precisamente Teresa de Jesús: “E Santa Teresa ao longo do seu livro
Castelo Interior repete uma e outra vez: «No aquém, o Senhor só nos pede estas duas coisas:
amor de sua Majestade e do próximo; é nisso que temos de trabalhar» (M V 3,7). «Não,
irmãs;» acrescenta um pouco depois: «obras quer o Senhor, e se vires uma doente a quem
possas dar algum alívio, não te importes de perder essa devoção e compadece-te dela …»
(M V 3,11). Mais adiante, insiste a Santa, advertindo as suas irmãs: «Não pensemos que
está tudo feito com o muito chorar: antes deitemos mãos às muitas obras e virtudes» (M
VI 6,9). «Para isso é a oração, minhas filhas; para isto serve este casamento espiritual: para
que nasçam sempre obras, obras» (M VII 4,6).” Cf. Ibidem, 84.
227
Cf. Ibidem. Neste estudo, Juan Martín Velasco propõe várias pistas para esse efeito.
Sobre a separação entre oração/mística e teologia Karl Rahner afirmou o seguinte: “se a
tua teologia deixa de ser uma teologia de joelhos – no sentido que deve ser a teologia de
um homem que reza – para se perder nos caminhos do intelectualismo, degradar-se-á no
diletantismo de burgueses atrasados”. Rahner, Karl – Serviteurs du Christ. Mame, 1969,
126. Citado por Lafrance, Jean – Reza ao Pai no teu íntimo. Braga: Editorial Apostolado
da Oração, 1988, 62.
94
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
228
Num livro sobre a famosa oração da paz, de autoria desconhecida, atribuída a São
Francisco de Assis, Leonardo Boff apresenta a seguinte oração do beato Egídio de Assis,
discípulo de Francisco que aqui reproduzimos: “Se amares, serás amado; / Se venerares,
serás venerado; / Se servires, serás servido; Se tratares bem dos outros, serás também bem
tratado. / Entretanto, / Bem-aventurado aquele que ama sem ser amado, / Bem-aventurado
aquele que venera sem ser venerado, / Bem-aventurado aquele que serve sem ser servido,
/ Bem-aventurado aquele que trata bem de todos sem ser bem tratado.” Para L. Boff, esta
oração espelha a força do amor incondicional, ou seja, amar por amar, “pelo valor intrínseco
do acto de amar, sem esperar qualquer retribuição.” Esse é o amor que Deus tem para com
todos os seus filhos e filhas, bons e maus, justos e injustos. Cf. Boff, Leonardo – A oração de
São Francisco: uma mensagem de paz para o mundo actual. Adaptado da edição brasileira.
Cascais: Pergaminho, 2007, 18-19.
229
Devemos referir que a própria Teresa não é unânime quanto à nomeação dos
graus de oração. Tanto fala de “recolhimento não infuso” – último grau de oração não
mística – como de “recolhimento infuso” – primeiro grau de oração mística. Como tal, não
95
R u i F e rr e i r a
às escuras nem cerrar os olhos”, nem algo de exterior, mas “sem artifício”
se prepara caminho para a oração de quietude (cf. Ibidem). Como tal, este
recolhimento constitui como que uma antecâmara para a oração de quietude.
Para Teresa, nesta oração os sentidos e as potências – a gente do castelo
(cf. M I 2,4.12.15) – foram dispersas, “saíram para fora e andam com gente
estranha, inimiga do bem deste castelo, dias e anos” (cf. M IV 3,2). Então,
Deus que habita no interior decide, por Sua grande bondade, chamá-los a
Si para voltarem para a Sua morada (cf. Ibidem). E afirma Teresa que a
atracção do Senhor “tem tanta força” que deixam “as coisas exteriores” em
que se encontravam e “se metem no castelo” (cf. Ibidem). Para encontrar
“a Deus no interior da alma” é grande a ajuda do Senhor (cf. M IV 3,3).
Segundo Teresa, isto não é adquirido, ou seja, é infuso. Não depende do
nosso querer, mas sim do dom de Deus. Deus toca-nos e faz-nos desejar,
ou melhor, desejá-Lo (cf. Ibidem).
Perante este chamamento irresistível de Deus, Teresa aconselha o
orante a não discorrer e a permanecer atento ao proceder de Deus na alma
(cf. M IV 3,4), porque: a) “quem menos pensa e quer fazer, é quem faz mais”
(M IV 3,5); b) como é paz infusa, qualquer esforço nosso é prejudicial.
Devemos, por isso, abandonar-nos nas mãos de Deus e deixá-Lo actuar
(cf. M IV 3,6); c) o próprio esforço de não pensar suscita pensamento, isto
é, ruído (cf. Ibidem); d) devemos esquecer-nos de nós mesmos, para nos
focarmos na glória de Deus (cf. Ibidem).
Em suma, perante o dom de Deus, Teresa aconselha a maior passivi-
dade e receptividade possíveis: “sem nenhum esforço nem ruído, procure
atalhar o discorrer do entendimento, mas não suspendê-lo, nem ao pensa-
mento, [lembrando-se] que está diante de Deus e Quem é este Deus” (M IV
3,7). Não procure entender porque é puro Dom. Deixe-se levar e procure
gozar (cf. Ibidem). Esta oração tem muito menos gostos, mas é um meio para
chegar à quietude. A vontade (afecto) está assente em Deus (cf. M IV 3,8).
Os principais efeitos ou sinais da oração de quietude são os seguintes:
1º) a dilatação ou alargamento da alma; 2º) um maior empenho e liberdade
de espírito colocados ao serviço das coisas de Deus; 3º) a perda do temor,
96
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
X. Conclusão
devemos sobrevalorizar nem absolutizar a nomenclatura proposta por Teresa. Cf. Álvarez,
Tomás – nota n.º 1, a M IV 3,1. In Teresa de Jesús – Obras Completas, 573. Fruto de várias
circunstâncias, Teresa ter-se-á enganado e quereria ter falado da oração de recolhimento
antes da oração de quietude. Devido a este lapso, irá debruçar-se agora sobre a oração de
recolhimento.
230
Cf. Francisco – Mensagem do Papa Francisco por ocasião do quinto centenário
do nascimento de Teresa de Ávila (Vaticano, 15 de Outubro de 2014).
97
7
R u i F e rr e i r a
98
Itinerário oracional, vida ascética e crescimento espiritual em Teresa de Jesús
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
231
Ibidem.
99
R u i F e rr e i r a
100