Aula 14 - Crucificação e Ressurreição
Aula 14 - Crucificação e Ressurreição
Aula 14 - Crucificação e Ressurreição
resume a um assassinato, uma execução legal, muito menos um martírio. A morte de Cristo
representa mais do que isso, ela culmina, em última instância, no ato salvífico de Deus em
prol da humanidade. Naquele momento de sacrifício, céu e terra se uniram: o plano da
redenção finalmente executado e a graça inaugurada. Com sua morte, diz o mais antigo
credo, Jesus desceu à mansão dos mortos e conferiu a todos a esperança de vida eterna
no reino de seu Pai. Hoje, por informações históricas e arqueológicas, é possível
reconstruir, ainda que hipotéticamente, parte do drama de Cristo desde a sua prisão no
Horto das Oliveiras até sua morte na tarde de sexta-feira. É evidente, porém, que a
reconstituição dos fatos se limita a elementos históricos que nunca poderão abarcar, na
totalidade, o significado mais profundo daquele momento.
Era mesmo necessário que Cristo morresse? A vida terrena de Jesus como um todo
conquistou-nos algum benefício salvífico? A causa e a natureza da expiação. Teria
Cristo descido ao inferno?
Podemos definir a expiação como segue: expiação é a obra que Cristo realizou em sua vida
e morte para obter nossa salvação. Essa definição indica que usamos a palavra expiação
num sentido mais amplo em que às vezes é utilizada. Ela é empregada de vez em quando
para se referir apenas ao fato de Jesus morrer e pagar nossos pecados na cruz. Mas, como
veremos abaixo, uma vez que os benefícios salvíficos chegam até nós também pela vida de
Cristo, ela foi incluída em nossa definição.1
A CAUSA DA EXPIAÇÃO
Qual foi a causa última que levou Cristo a vir para este mundo e morrer pelos nossos
pecados? Para encontrá-la, devemos pesquisar o assunto em alguma coisa no caráter do
próprio Deus. E aqui as Escrituras apontam para duas coisas: o amor e a justiça de Deus. O
amor de Deus como uma das causas da expiação é descrito na passagem mais conhecida
da Bíblia: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para
que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Mas a justiça de
Deus também exigia que ele encontrasse um meio pelo qual a pena pelos nossos pecados
fosse paga (pois ele não podia aceitar-nos em comunhão consigo mesmo a menos que a
penalidade fosse paga). Paulo explica que essa é a razão pela qual Deus enviou Cristo para
ser “propiciação” (Rm 3.25), ou seja, um sacrifício que sofre a ira de Deus de modo que
este se tome “propício” ou com disposição favorável a nós: foi (para manifestar a sua
justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente
cometidos” (Rm 3.25). Aqui Paulo diz que Deus perdoava os pecados no Antigo
Testamento, mas nenhuma pena havia sido paga - fato que poderia fazer as pessoas
perguntarem se Deus era mesmo justo e indagar como ele pode perdoar pecados sem
nenhum castigo. Será que um Deus que fosse justo de verdade poderia fazer isso? Mas
quando ele enviou Cristo para morrer e receber o castigo pelos nossos pecados, fez isso
“tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo
e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26). Portanto, o amor e a justiça de
Deus foram a causa última da expiação. No entanto, não nos ajudará em nada perguntar
qual dos dois é mais importante, pois sem o amor de Deus, ele nunca teria dado nenhum
passo para nos redimir, mas sem a justiça de Deus, não teria sido cumprida a exigência
específica de que Cristo obtivesse nossa salvação morrendo pelos nossos pecados. Tanto o
amor como a justiça de Deus foram igualmente importantes.
A NECESSIDADE DE EXPIAÇÃO
Quando nos conscientizamos de que “Deus não poupou anjos quando pecaram, antes,
precipitando-os no inferno, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo” (2Pe
2.4), percebemos que Deus poderia também ter escolhido com perfeita justiça deixar-nos
em nossos pecados, esperando o julgamento; ele poderia ter escolhido não salvar ninguém,
assim como fez com os anjos pecaminosos. Assim, nesse sentido a expiação não era
absolutamente necessária. Mas uma vez que Deus, em seu amor, decidiu salvar alguns
seres humanos, então várias passagens nas Escrituras indicam que não havia outra
maneira de Deus fazê-lo a não ser pela morte de seu Filho. Portanto, a expiação não era
absolutamente necessária, mas, como "consequência" da decisão divina de salvar alguns
seres humanos, a expiação era absolutamente necessária.No jardim do Getsêmani, Jesus
ora: “... se possível, passa de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim
como tu queres” (Mt 26.39). Dessa forma, essa oração, que Mateus se esforça por registrar
para nós, parece mostrar que não era possível para Jesus evitar a morte na cruz que estava
prestes a vir sobre ele (o “cálice” de sofrimento que ele havia dito que seria seu). Se Jesus
estava para completar a obra que o Pai lhe destinara, e se as pessoas estavam para ser
redimidas por Deus, então era necessário que ele morresse sobre a cruz. Ele disse algo
semelhante depois de sua ressurreição, quando conversava com dois discípulos no
caminho para Emaús. Eles estavam tristes porque Jesus tinha morrido, mas sua resposta
foi: "Oh néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura,
não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?” (Lc 24.25-26). Jesus
entendia que o plano divino de redenção (que ele explicou aos discípulos a partir de muitas
passagens do Antigo Testamento, Lc 24.27) tornava necessário que o Messias morresse
pelos pecados do seu povo.
Como vimos acima, Paulo também mostra em Romanos 3 que, para Deus ser justo e ainda
assim salvar as pessoas, precisava enviar Cristo para receber o castigo pelos pecados:
tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo
e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26). A epístola aos Hebreus enfatiza
que Cristo tinha de sofrer pelos nossos pecados: “Por isso mesmo, convinha que, em todas
as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo
sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo”
(Hb 2.17). O autor de Hebreus argumenta também que por ser “impossível que o sangue de
touros e de bodes remova pecados” (Hb 10.4), exige-se um sacrifício superior (Hb 9.23).
Somente o sangue de Cristo, ou seja, sua morte, seria realmente capaz de remover os
pecados (Hb 9.25-26). Não havia nenhuma outra maneira de Deus nos salvar a não ser
pela morte de Cristo em nosso lugar.
A NATUREZA DA EXPIAÇÃO
Nesta seção, considerar dois aspectos da obra de Cristo: (1) a obediência de Cristo por nós,
pela qual obedeceu às exigências da lei em nosso lugar e foi perfeitamente obediente à
vontade de Deus Pai como nosso representante, e (2) os sofrimentos de Cristo por nós,
pelos quais recebeu o castigo pelos nossos pecados e, em conseqüência, morreu pelos
nossos pecados. É importante observar que nessas duas categorias a ênfase básica e a
influência principal da obra redentora de Cristo não é sobre nós, mas sobre Deus Pai. Jesus
obedeceu ao Pai em nosso lugar e cumpriu de maneira perfeita as exigências da lei. E ele
sofreu em nosso lugar, recebendo em si mesmo a pena que Deus Pai teria aplicado a nós.
Em ambos os casos, a expiação é vista como algo objetivo; isto é, algo que tem influência
primária diretamente sobre o próprio Deus. Apenas de maneira secundária ela se aplica a
nós, e isso se dá só porque houve um evento definido na relação entre Deus Pai e Deus
Filho que assegurou nossa salvação.
A dor da cruz.
Os sofrimentos de Jesus se intensificaram à medida que ele se aproximava da cruz. Ele
compartilhou com os discípulos algo da agonia que estava vivendo quando disse: "A minha
alma está profundamente triste até à morte” (Mt 26.38). Foi especialmente sobre a cruz que
os sofrimentos de Jesus por nós atingiram seu clímax, pois foi ali que ele suportou o castigo
pelo nosso pecado e morreu em nosso lugar. As Escrituras nos ensinam que havia quatro
diferentes aspectos da dor que jesus experimentou:
Alguns têm objetado que não era justo Deus fazer isso: transferir de nós para Cristo, uma
pessoa inocente, a culpa pelo nosso pecado. Contudo, devemos lembrar que Cristo
voluntariamente tomou sobre si a culpa pelos nossos pecados, de modo que essa objeção
perde muito de sua força. Além disso, o próprio Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) é o
padrão último do que é justo e certo no universo, e ele decretou que a expiação se realizaria
dessa forma, e isso de fato satisfaz as exigências de sua própria retidão e justiça.
(3) Abandono
A dor física da crucificação e a dor de carregar sobre si mesmo o mal absoluto de nossos
pecados foram agravadas pelo fato de Jesus ter enfrentado essa dor sozinho. No
Getsêmani, quando Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João, confidenciou-lhes um pouco
de sua agonia: “A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai” (Mc
14.34). Esse é o tipo de confidência que se faz a um amigo íntimo e implica um pedido de
apoio na hora da maior provação. Porém, quando Jesus foi preso, “os discípulos todos,
deixando-o, fugiram” (Mt 26.56). Aqui também há uma tênue analogia em nossa
experiência, pois não podemos viver por muito tempo sem que experimentamos a dor
interna de rejeição, seja ela rejeição provinda de um amigo íntimo, do pai ou da mãe, do
filho, da esposa ou do marido. Contudo, em todos esses casos há pelo menos uma
sensação de que poderíamos ter feito alguma coisa de modo diferente e que pelo menos
um pouco podemos estar errados. Não foi assim com Jesus e os discípulos, pois “tendo
amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1). Ele não tinha feito
nada senão amá-los; em compensação, todos eles o abandonaram. Mas bem pior que o
abandono até mesmo pelos amigos humanos mais chegados foi o fato de Jesus ser privado
da intimidade com o Pai que tinha sido a mais profunda alegria do seu coração durante toda
a sua vida terrena. Quando Jesus clamou “Eli, Eli, lamá sabactâni?”, que quer dizer: “Deus
meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46), mostrou que estava
completamente afastado da doce comunhão com o seu Pai celestial, fonte infalível de sua
força interior e elemento da maior alegria numa vida repleta de tristeza. Como Jesus
carregava nossos pecados sobre a cruz, foi abandonado pelo seu Pai celestial, que é “tão
puro de olhos” que não pode tolerar o mal (Hc 1.13). Ele enfrentou sozinho o peso da culpa
de milhões de pecados.
Com esse contexto para a citação, é m elhor entender a pergunta “Por que me
desamparaste?” como “Por que me deixaste por tanto tempo?”Esse é o sentido que ela tem
no salmo 22. Jesus, em sua natureza humana, sabia que teria de carregar nossos pecados,
sofrer e morrer. Mas, em sua consciência humana, provavelmente não sabia quanto tempo
esse sofrimento iria durar. E ainda, carregar a culpa de milhões de pecados, mesmo que por
um momento, devia causar a maior angústia da alma. Enfrentar a profunda e furiosa ira de
um Deus infinito ainda que só por um instante devia causar o mais profundo medo. Mas o
sofrimento de Jesus não acabou em um minuto ou dois — nem em dez. Quando isso vai
terminar? Haveria ainda mais peso do pecado? Mais ira de Deus? Isso continuou por horas
e horas - o negro peso do pecado e a profunda ira de Deus derramados sobre Jesus em
enorme profusão. Por fim, Jesus clamou: “Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?” Por que esse sofrimento tem de continuar por tanto tempo? Oh, Deus, meu
Deus, acaso irás dar fim a isso? Então, finalmente Jesus soube que seu sofrimento
estava-se completando. Ele sabia que tinha suportado de modo consciente toda a ira do Pai
contra os nossos pecados, pois a ira de Deus foi aplacada, e o horrível peso do pecado
estava sendo retirado. Sabia que tudo o que restava era render seu espírito ao Pai celestial
e morrer. Com um brado de vitória Jesus clamou: “Está consumado!” (Jo 19.30). Depois,
clamou mais uma vez em alta voz: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23.46).
E então voluntariamente entregou a vida que ninguém poderia tomar dele (Jo 10.17-18) e
morreu. Como Isaías havia predito, “derramou a sua alma na morte” e “levou sobre si o
pecado de muitos” (Is 53.12). Deus Pai viu “o fruto do penoso trabalho de sua alma” e ficou
“satisfeito” (Is 53.11).
As Escrituras falam tanto assim do sangue de Cristo porque o seu derramamento constituiu
evidência bem clara de que sua vida foi dada em execução judicial (isto é, ele foi
condenado à morte e morreu pagando uma pena imposta tanto por um juiz humano na terra
como pelo próprio Deus no céu). A ênfase das Escrituras no sangue de Cristo também
mostra a relação clara entre a morte de Cristo e os muitos sacrifícios no Antigo Testamento
que envolviam o derramamento do sangue em que estava a vida do animal sacrificado.
Todos esses sacrifícios apontavam para o futuro e prefiguravam a morte de Cristo.
A concepção da morte de Cristo apresentada aqui tem sido chamada com freqüência a
teoria da “substituição penal”. A morte de Cristo foi “penal” pelo fato de ter cumprido uma
pena quando morreu. Sua morte foi também uma “substituição” pelo fato de ter sido nosso
substituto quando morreu. Essa tem sido a compreensão ortodoxa da expiação sustentada
pelos teólogos evangélicos, em contraste com outras visões que tentam explicar a expiação
à parte da ideia de ira de Deus ou de pagamento da pena pelo pecado (veja abaixo). Essa
concepção da expiação é chamada às vezes expiação vicária. Um “vigário” é o que se
coloca no lugar de alguém ou que representa alguém. A morte de Cristo foi, portanto,
“vicária” porque ele se colocou em nosso lugar e nos representou. Como nosso
representante, recebeu a pena que merecemos.
(1) Sacrifício
Para pagar a pena de morte que merecemos por causa de nossos pecados, Cristo morreu
como sacrifício por nós. Ele “se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício
de si mesmo, o pecado” (Hb 9.26).
(2) Propiciação Para nos livrar da ira de Deus que merecemos, Cristo morreu como
propiciação pelos nossos pecados. “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos
amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos
nossos pecados” (IJo 4.10)
(3) Reconciliação Para vencer a nossa separação de Deus, precisávamos de alguém que
proporcionasse reconciliação e dessa forma nos trouxesse de volta à comunhão com Deus.
Paulo diz que Deus “nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o
ministério da reconciliação” (2Co 5.18-19).
(4) Redenção
Uma vez que como pecadores estamos escravizados ao pecado e a Satanás, precisamos
de alguém que nos proporcione redenção e, dessa forma, nos “redima” de nossa servidão.
Quando falamos em redenção, entra em foco a idéia de “resgate”. Resgate é o preço pago
para redimir alguém da escravidão ou cativeiro. Jesus disse de si mesmo: “Pois o próprio
Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por
m uitos” (Mc 10.45). Se perguntarm os a quem foi pago o resgate, percebemos que a
analogia humana de pagamento de resgate não se ajusta à expiação de Cristo em todos os
detalhes. Embora estivéssemos escravizados ao pecado e a Satanás, não havia nenhum
“resgate” a ser pago nem ao “pecado” nem ao próprio Satanás, pois eles não tinham poder
para exigir tal pagamento, nem era Satanás aquele cuja santidade foi ofendida pelo pecado
e que requeria que uma pena fosse paga por isso. Como vimos anteriormente, a pena pelo
pecado foi cumprida por Cristo e recebida e aceita por Deus Pai. Mas hesitamos em falar
em pagamento de “resgate” a Deus Pai, porque não era ele que nos mantinha como
escravos, mas sim Satanás e nossos próprios pecados. Portanto, neste ponto a idéia de
pagamento de resgate não pode ser forçada em todos os detalhes. E suficiente observar
que um preço foi pago (a morte de Cristo), e como resultado fomos “redimidos” da servidão.
Fomos redimidos da escravidão a Satanás porque “o mundo todo está debaixo do poder do
Maligno” (ljo 5.19, blh), e quando Cristo veio, ele morreu para que “livrasse todos que, pelo
pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida” (Hb 2.15). De fato, Deus Pai
“nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” (Cl
1.13). Quanto à libertação da escravidão do pecado, Paulo diz: “Assim também vós
considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus. [...] Porque o
pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça” (Rm
6.11, 14). Fomos libertados da escravidão da culpa do pecado e do cativeiro de seu poder
dominador em nossa vida.
Ressurreição
Os evangelhos contêm testemunho abundante da ressurreição de Cristo (veja Mt 28.1-20;
Marcos 16.1-8; Lucas 24.1-53;João 20.1-21.25). Além dessas narrativas detalhadas nos
quatro evangelhos, o livro de Atos é um relato histórico da proclamação que os apóstolos
fizeram da ressurreição de Cristo, da contínua oração a ele dirigida e da confiança nele
como aquele que está vivo e reinando no céu. As epístolas dependem inteiramente do
pressuposto de que Jesus é um Salvador vivo, que reina e agora é o cabeça exaltado da
igreja, que deve ser crido, cultuado e adorado, o qual um dia voltará com poder e glória para
reinar sobre a terra. O livro de Apocalipse mostra repetidamente o Cristo ressurreto
reinando no céu e prediz seu retorno para vencer seus inimigos e reinar na glória. Desse
modo, todo o Novo Testamento dá testemunho da ressurreição de Cristo.
A natureza da ressurreição
A ressurreição de Cristo não foi simplesmente um retomo da morte, à semelhança daquela
experimentada por outros antes dele, como Lázaro (João 11.1-44), porque senão Jesus
teria se submetido à fraqueza e ao envelhecimento, e por fim teria morrido outra vez,
exatamente como todos os outros seres humanos morrem . Em vez disso, quando ressurgiu
dos mortos Jesus tornou-se “as primícias”2 (ICo 15.20-23) de um novo tipo de vida humana,
uma vida na qual este corpo foi aperfeiçoado, não estando mais sujeito à fraqueza,
envelhecimento ou morte, mas capaz de viver eternamente. É verdade que dois discípulos
de Jesus não o reconheceram enquanto caminhavam com ele no caminho de Emaús
(Lucas 24.13-32), mas Lucas nos diz especificamente que isso se deu porque seus olhos
foram impedidos de reconhecê-lo (Lucas 24.16), mas depois foram abertos e eles o
reconheceram (Lucas 24.31). Maria Madalena deixou de reconhecer Jesus apenas por um
momento (João 20.14-16), mas podia ainda estar bem escuro e ela não estava inicialmente
olhando para ele - ela tinha vindo a primeira vez “sendo ainda escuro” (João 20.21) e
voltou-se para falar com Jesus logo que o reconheceu (João 20.16). Em outras ocasiões
parece que os discípulos reconheceram Jesus um tanto rapidamente (Mt 28.9, 17 João
20.19-20,26-28; 21.7, 12). Quando Jesus apareceu aos onze discípulos em Jerusalém, eles
ficaram inicialmente espantados e assustados (Lucas 24.33,37), mas quando olharam para
as mãos e os pés de Jesus, e viram-no comer peixe, convenceram-se de que ele tinha
ressuscitado dos mortos. Esses exemplos indicam que houve um grau considerável de
continuidade entre a aparência física de Jesus antes de sua morte e após sua ressurreição.
Mas Jesus não possuía exatamente a mesma aparência que tinha antes de morrer, pois
além do assombro inicial dos discípulos por causa do que eles aparentemente pensavam
não poder acontecer, é provável que houvesse diferença suficiente na aparência física de
Jesus para não ser imediatamente reconhecido. Talvez a diferença na aparência fosse
simplesmente a diferença entre um homem que viveu uma vida de sofrimento, dificuldade e
dores e outro cujo corpo foi restaurado à sua plena aparência jovem, de saúde perfeita:
apesar de o corpo de Jesus ainda ser corpo físico, foi ressuscitado como um corpo
transformado, para nunca mais sofrer, debilitar-se, ficar doente e morrer; revestiu-se da
incorruptibilidade (IC o 15.53). Paulo diz que o corpo ressuscitado levanta-se “na
incorrupção [...] glória [...] em poder [...] corpo espiritual” (ICo 15.42-44).3 O fato de
quejesus tinha um corpo físico que podia ser tocado após a ressurreição pode ser notado
porque suas seguidoras “abraçaram-lhe os pés” (Mt 28.9), porque ele parecia ser apenas
mais um viajante para os discípulos no caminho de Emaús (Lucas 24.15-18, 28-29), porque
ele tomou o pão e o partiu (Lucas 24.30), comeu um pedaço de peixe assado para
demonstrar claramente que tinha um corpo físico e não era apenas um espírito, porque
Maria pensou que ele fosse um jardineiro (João 20.15), porque mostroulhes suas mãos e
seu lado (João 20.20), convidou Tomé a tocar suas mãos e seu lado (João 20.27), preparou
uma refeição para seus discípulos (João 21.12-13) e lhes disse especificamente: “Vede as
minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito
não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho ” (Lucas 24.39). Pedro disse a
respeito dos discípulos “comemos e bebemos com ele, depois que ressurgiu dentre os
mortos” (Atos 10.41). E verdade quejesus era aparentemente capaz de aparecer e de
desaparecer da vista bem subitamente (Lucas 24.31, 36;João 20.19, 26). Mas devemos ter
o cuidado de não tirarmos muitas conclusões desse fato, pois nem todas as passagens
afirmam que Jesus podia aparecer ou desaparecer subitamente; algumas dizem apenas
que Jesus veio e ficou entre os discípulos. Q uandojesus desapareceu subitamente da vista
dos discípulos em Emaús isso pode ter sido uma ocorrência milagrosa especial, como
aconteceu quando “o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, não o vendo mais o eunuco”
(Atos 8.39). Nem deveríamos fazer muito caso do fato de quejesus veio em duas ocasiões e
ficou entre os discípulos quando as portas estavam fechadas4 (João 20.19, 26), pois
nenhum a das passagens afirma quejesus “atravessou as paredes” ou algo assim. De fato,
em outra ocasião no Novo Testamento em que alguém precisava passar por uma porta
trancada, a porta abriu-se milagrosamente (veja Atos 12.10). Lucas 24.31, que diz que
depois de partir pão e dá-lo aos dois discípulos, Jesus “desapareceu da vista deles” (n v i),
não exige isso. A expressão grega usada aqui com o significado de “desaparecer”
(aphantos egeneto) não ocorre em nenhum outro lugar no Novo Testamento, mas onde se
acha, em Diodoro Siculo (historiador que escreveu entre 60-30 a.C.), é usada uma vez a
respeito de um homem chamado Anfiaro que, com sua carruagem, caiu num precipício e
“desapareceu da vista”; a mesma expressão é usada em outro lugar a respeito de Atlas,
que foi arrancado do alto de uma montanha por ventos fortíssimos e “desapareceu”.11 Em
nenhum dos casos a expressão significa que a pessoa tomou-se imaterial, ou mesmo
invisível, mas apenas que foi para um lugar oculto à vista das pessoas,12 de modo que, em
Lucas 24.31, tudo que podemos concluir é que os discípulos não viram mais a Jesus -
talvez o Espírito do Senhor o tenha levado (como ocorreu com Filipe em Atos 8.39), ou
talvez ele apenas tenha sido ocultado da vista deles (como com Moisés e Elias no monte da
transfiguração, Mateus 17.8, ou como se deu com o exército celestial em tomo de Eliseu, 2
Reis 6.17, ou [aparentemente] à semelhança do que ocorreu com os discípulos que
estavam com os guardas da prisão em Atos 5.19-23; 12.6, 10). Em nenhum dos casos
temos de concluir que o corpo físico de jesus tomou-se não físico, assim como não somos
obrigados a concluir que os corpos dos discípulos tomaram-se não físicos quando
caminharam em meio aos guardas (Atos 5.23; 12.10) e escaparam da prisão. Portanto,
Lucas 24.31 não diz que ocorreu alguma transformação com o corpo de Jesus; diz
meramente que os discípulos não mais podiam vê-lo.13 Quanto à alegação de que Jesus
passou através de elementos materiais, ela não é substanciada no Novo Testamento. Como
explicado acima, o fato de que Jesus apareceu em um aposento com as portas fechadas e
trancadas (João 20.19, 26) pode significar ou não que ele passou através de uma porta ou
parede. Aqui é especialmente digna de nota a primeira libertação dos apóstolos da prisão:
eles não atravessaram as portas, mas “o anjo do Senhor abriu as portas do cárcere” e os
conduziu para fora (Atos 5.19). Contudo, na manhã seguinte, os oficiais da prisão relataram:
“Achamos o cárcere fechado com toda a segurança e as sentinelas nos seus postos junto
às portas; mas, abrindo-as, a ninguém encontramos dentro” (Atos 5.23). O anjo havia aberto
as portas, os apóstolos haviam passado por elas, e o anjo tinha fechado e trancado as
portas novamente. Semelhantemente, quando Pedro foi resgatado da prisão, ele não se
desmaterializou para conseguir passar através das correntes que o prendiam, mas as
cadeias caíram de suas mãos (Atos 12.7). Da mesma forma, certamente é possível que a
porta tenha-se aberto miraculosamente para Jesus, ou até mesmo que ele tenha entrado no
aposento junto com os discípulos, mas tenha ficado temporariamente oculto de seus olhos.
A respeito da natureza do corpo ressurreto de jesus, muito mais decisivos do que os textos
que falam de aparecimento e desaparecimento são os textos que mostram claramente que
Jesus tinha um corpo físico de carne e ossos (Lucas 24.39), que podia comer e beber, partir
pão, preparar refeições e ser tocado. Ao contrário dos textos que falam do aparecimento e
do desaparecimento de jesus, esses textos não possuem uma explicação alternativa que
negue o corpo físico de Jesus - o próprio Harris concorda que nesses textos Jesus tinha um
corpo de carne e ossos. Mas o que essas aparições físicas procuravam ensinar aos
discípulos, senão que o corpo ressurreto de Jesus era definitivamente um corpo físico? Se
Jesus ressurgiu dos mortos com o mesmo corpo físico com o qual morreu, e se ele
apareceu repetidamente aos discípulos naquele corpo físico, comendo e bebendo com eles
(Atos 10.41) durante quarenta dias, e se ele subiu ao céu com aquele mesmo corpo físico
(Atos 1.9), e se o anjo imediatamente disse aos discípulos: “Esse Jesus que dentre vós foi
assunto ao céu virá do mesmo modo como o vistes subir” (Atos 1.11), então Jesus
evidentemente estava-lhes ensinando que seu corpo ressurreto era um corpo físico. Se a
“forma habitual” do seu corpo ressurreto não fosse física, então essas repetidas aparições
físicas de Jesus seriam culpadas de enganar os discípulos (e todos os leitores posteriores
do Novo Testamento) para que pensassem que seu corpo ressurreto permanecia físico,
embora isso não acontecesse. Se ele fosse habitualmente não físico e iria tornar-se
eternamente não físico com a ascensão, então as palavras de Jesus seriam muito
enganadoras: “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai me e
verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lucas
24.39). Ele não disse: “... carne nem ossos, como vedes que eu tenho tem porariamente”!
Teria sido muito errado ensinar aos discípulos que ele tinha um corpo físico, se no seu
modo normal de existência ele realmente não o possuía. Caso Jesus quisesse ensinar-lhes
que podia materializar-se e desmaterializar-se à vontade (como Harris argumenta), ele
poderia facilmente ter-se desmaterializado diante dos seus olhos, de modo que eles
pudessem registrar esse evento com clareza. Ou poderia ter atravessado uma parede
enquanto eles estavam observando, em vez de aparecer subitamente entre eles.
Resumindo, se Jesus e os autores do Novo Testamento tivessem desejado nos ensinar que
o corpo ressurreto era habitual e essencialmente imaterial, eles poderiam tê-lo feito, mas
em vez disso forneceram muitas indicações claras de que era normalmente físico e
material, apesar de ser um corpo aperfeiçoado, liberto para sempre de fraqueza, doença e
morte. Finalmente, há uma consideração doutrinária mais importante. A ressurreição física
de Jesus e sua posse eterna de um corpo físico ressurreto fornecem uma afirmação clara
da excelência da criação material que Deus originariamente fez: “Viu Deus tudo quanto
fizera, e eis que era muito b o m ” (Gn 1.31). Quando ressuscitarmos, seremos homens e
mulheres que viverão para sempre no novo céu e na nova terra, na qual há de habitar a
justiça (2Pe 3.13). Viveremos em uma terra renovada que será liberta da escravidão à
corrupção (Rm 8.21) e será como um novo jardim do Éden. Haverá uma nova Jerusalém, e
os povos trarão a ela a glória e a honra das nações (Ap 21.26) e lá haverá o rio da água da
vida, brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua praça,
de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu
fruto de mês em mês” (Ap 22.21,22). Nesse universo bem físico, material e renovado
aparentemente precisaremos viver como seres humanos com corpos físicos, adaptados
para a vida na criação física renovada de Deus. Falando de modo específico, o corpo
ressurreto de Jesus afirma a bondade da criação original do homem por Deus não como
mero espírito, como os anjos, mas como uma criatura com um corpo físico que era “muito
bom”. Não devemos cair no erro de pensar que a existência imaterial é de algum modo uma
forma superior de existência para as criaturas: quando Deus nos fez como o auge de sua
criação, ele nos deu corpos físicos. Em um corpo físico perfeito Jesus ressurgiu dos mortos,
reina agora nos céus e retomará para nos levar, para que estejamos com ele eternamente.
Após a ressurreição de Jesus, ele ainda tinha as marcas dos cravos em suas mãos e pés, e
a marca da lança em seu lado (João 20.27). Às vezes as pessoas se perguntam se isso
indica que as cicatrizes de ferimentos graves que recebemos nesta vida irão permanecer
também em nosso corpo ressurreto. A resposta é que provavelmente não teremos nenhum
tipo de cicatriz das feridas ou ferimentos que recebemos nesta vida, mas nosso corpo será
aperfeiçoado, incorruptível e ressuscitado “em glória”. As cicatrizes da crucificação de Jesus
são ímpares no sentido de que são um lembrete eterno de seus sofrimentos e de sua morte
por nós. O fato de que ele conserva aquelas cicatrizes não significa que necessariamente
conservaremos as nossas. Em vez disso, todas serão curadas, e seremos feitos perfeitos e
sãos.