14 Surdocegueira e Deficiência Multipla
14 Surdocegueira e Deficiência Multipla
14 Surdocegueira e Deficiência Multipla
DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA:
contextos e práticas educacionais
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
Reitora
Profa. Dra. Ana Beatriz de Oliveira
Vice-Reitora
Maria de Jesus Dutra dos Reis
ISBN – 978-65-89874-44-7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Síntese final. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Súmulas curriculares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Introdução
visual, subdivide-se em cegueira e baixa visão. Esta última com resíduo visual,
que pode ser de acuidade ou campo visual.
Quanto ao período de ocorrência, vai variar em congênita ou adquirida.
Para essa classificação, se a ocorrência das duas condições de deficiência
se der antes da aquisição de uma língua (Libras ou Língua Portuguesa, por
exemplo), considera-se que é congênita, e após a aquisição de uma língua,
adquirida.
No Quadro 1, tem-se as variações da surdocegueira conforme o período
de ocorrência e a presença de resíduo visual e ou auditivo.
Congênita (antes da aquisi- Surdocego total (sem resíduo auditivo nem visual)
ção da linguagem)
Surdocego com resíduo visual
Adquirida (depois da aqui- Surdocego total (sem resíduo auditivo nem visual)
sição da linguagem)
Surdocego com resíduo visual
expressão adotada para designar pessoas que têm mais de uma de-
ficiência. É uma condição heterogênea que identifica diferentes grupos
de pessoas, revelando associações diversas de deficiência que afetam,
mais ou menos intensamente, o funcionamento individual e o relaciona-
mento social (CARVALHO, 2000, p. 47).
Quadro 3 Continuação...
Período Doenças/ Possíveis associações
condições
Pós-natal – doenças de Síndrome de Deficiência visual/cegueira, auditiva/
caráter genético Alström surdez, física e diabetes
Síndrome de Deficiência intelectual, física (nanis-
Cockayne mo), auditiva, hipersensibilidade à
luz do sol (tipo 1, desenvolvimento
normal no primeiro ano de vida; tipo
2, presente desde o nascimento)
Hipotireoidismo Deficiência intelectual e física (mani-
festação após as primeiras semanas
de vida)
Síndrome de Rett Deficiência intelectual e física (mani-
festação após seis meses de vida)
Doença de Deficiência física e visual (diagnósti-
Refsum co na infância)
Cabe destacar que não é a soma das alterações que caracteriza a DMu,
“mas sim o nível de desenvolvimento, as possibilidades funcionais, de comu-
nicação, interação social e de aprendizagem que determinam as necessida-
des educacionais dessas pessoas” (BRASIL, 2006a, p. 11).
A partir dessa afirmação, pode-se compreender que é fundamental
conhecer as especificidades e necessidades de cada pessoa, não se pren-
dendo exclusivamente aos laudos médicos para definir se ela tem ou não
DMu. Para nenhuma pessoa com deficiência se devem considerar apenas as
características de sua condição, mas sim suas potencialidades e habilidades,
que precisam ser exploradas, especialmente no universo escolar.
Uma criança com DMu pode ter sido privada de muitas vivências e expe-
riências sensoriais, exercícios mentais e interações com outras pessoas, por
falta de conhecimento de seus cuidadores e mesmo por falta de oportunida-
des. São comuns nas escolas os relatos de cuidados excessivos e superpro-
teção relacionados às crianças com deficiência, visto que a atenção à saúde
acaba se tornando mais importante do que o desenvolvimento global delas
(MOURA et al., 2014).
Uma criança com desenvolvimento típico aprende a fazer as coisas por
modelagem, vendo e imitando as pessoas que estão ao seu redor: na fala,
nas ações, nos movimentos. Ela “experimenta” o mundo pelos sentidos: to-
cando com as mãos e os pés, colocando na boca.
Uma criança com paralisia cerebral, que é uma deficiência física, sendo
privada de se movimentar sozinha e, portanto, de conhecer o ambiente pe-
los sentidos do tato e do paladar, terá prejudicado o seu repertório de ex-
perimentação do meio, pois serão reduzidas as chances de imitar, de seguir
um modelo, de provar por si própria. Diante disso, ela pode ser “rotulada”
como uma criança também com deficiência intelectual, quando na verdade
lhe faltaram oportunidades para aprender habilidades que uma criança sem
comprometimentos motores aprende rotineiramente.
Outro exemplo é a criança com deficiência auditiva ou surdez, que não
aprendeu a falar ou se comunicar com outras pessoas. Ela também poderá
ter um atraso no seu desenvolvimento pela falta de estimulação e interação,
mas nem por isso poderá ser classificada com deficiência intelectual e, por-
tanto, com DMu. É muito importante o professor ter esse olhar cuidadoso no
trabalho com estudantes com deficiência, procurando sempre desenvolver
estratégias pensando nas lacunas existentes no processo de desenvolvimen-
to e nas habilidades a serem potencializadas.
20 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
Mas ações em parceria dessas duas intâncias precisam ser mais bem
divulgadas e articuladas. Existe o Programa Saúde na Escola (PSE), instituí-
do pelo Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007 (BRASIL,
2007a), que tem como foco a integração e a articulação permanente da edu-
cação e da saúde, com vistas à melhoria da qualidade de vida dos escolares.
As ações realizadas são estratégias firmadas entre a escola, a partir de
seu Projeto Político-Pedagógico (PPP), e a unidade básica de saúde mais
próxima dela. Muitos professores desconhecem essa parceria e deixam de
participar da construção do PPP, instrumento importante para registrar as
Unidade 2: Deficiência múltipla: definições, causas e prevenção, características e princípios... | 21
Abordagem Coativa
Sabendo que a criança com surdocegueira, em especial quando esta é
congênita e total, terá prejuízo no acesso à linguagem oral e gestual, como
educadores nos deparamos com o desafio de planejar, prover e usar recur-
sos e estratégias para mediar o acesso dela ao conhecimento.
O teórico Van Dijk (1968), depois de atuar com crianças com síndrome de
rubéola congênita e distúrbios na comunicação, compreendeu que a apren-
dizagem da criança com surdocegueira congênita deve aliar exploração e
ação com objetos, com a mediação da linguagem, tendo como finalidade
que ela domine um sistema de comunicação simbólico e estruturado. Essa
comunicação com a criança com surdocegueira será inicialmente primária,
24 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
1 “puesto que no posee los mismos estímulos para moverse y explorar, necessitará ayuda
y más tiempo para conseguir las habilidades de exploración necessárias para la adqui-
sición y utilización de la información”.
Unidade 3: Intervenção pedagógica para educandos com surdocegueira: abordagem Coativa,... | 25
2 “a young man didn’t know, even after many years, that his family’s pet cat ate (he had
never seen it or touched it as it ate, and no one had ever told him)”.
3 “how the world works (routines, what things are used for, cause-and-effect); how the
physical environment is arranged and how to navigate it (orientation and mobility);
where things come from (the natural world and its cycles and laws); how things are se-
quenced (time, order of activities) When a child is repeatedly involved in experiences
that involve these things, concepts develop over time in a gradual way”.
26 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
DIJK, 1968). A criança com surdocegueira não irá observar e imitar um par
ou adulto segurando uma caneca, levando-a até um filtro ou bebedouro,
acionando a torneira, enchendo a caneca com a água do filtro e levando
a caneca até a boca para ingerir o líquido. Do mesmo modo que não irá,
até dominar um sistema simbólico de comunicação, realizar essa atividade
apenas com uma instrução verbal, seja oral ou gestual. Por isso o movimento
coativo é necessário.
Com esse enfoque, Van Dijk dividiu didaticamente a comunicação em
níveis ou fases do desenvolvimento, a partir da noção de símbolo, a saber:
nutrição, ressonância, movimento coativo, referência não representativa,
imitação e gesto natural. Essas fases têm como fim a promoção de con-
dições para o domínio de um sistema de comunicação, que aprimorem as
possibilidades de ação e interação da pessoa com surdocegueira (CADER-
-NASCIMENTO; COSTA, 2010). É importante notar que essas fases ou níveis
são flexíveis. Como consideraram Cader-Nascimento e Costa (2010, p. 44), os
níveis ou as fases “não são excludentes, nem exclusivas, e, às vezes, podem
ser sequenciais e cumulativas”, a depender do contexto e condições de rea-
lização das atividades, bem como das necessidades e interesses da criança
com surdocegueira.
Na continuidade, no Quadro 4, há uma síntese das fases, com seus obje-
tivos e características.
Quadro 4 Continuação...
FASES OBJETIVOS CARACTERÍSTICAS
Coativa Aprimorar os recursos de comuni- Nomeado ainda “mão
cação e o movimento da criança, sobre mão”, tem como
além de inserir a habilidade de particularidade ampliar
antecipar eventos a comunicação entre
mediador e criança em um
espaço mais amplo, devido
ao impacto de suas ações
no ambiente; o mediador
desempenha a atividade
junto da criança e vai esva-
necendo o contato; a crian-
ça tende a compreender
que as atividades têm uma
sequência e continuidade
Referência não Promover condições à Reconhecimento do seu
representativa compreensão de símbolos corpo e do mediador e
indicativos de pessoas, atividades inserção de objetos que
e situações possam indicar/representar
uma atividade, sendo
relevante sua correspon-
dência simbólica com o
objeto ou atividade a serem
representados
Imitação Estimular a realização de uma Consiste na imitação pela
atividade pela criança, a partir criança de atividades,
de demonstração (modelo) do das mais simples às mais
mediador complexas, iniciadas pelo
mediador, em sua presença
ou ausência
Gesto natural Promover na criança a percepção A criança passa a entender
de que pelo seu movimento que sua ação motora,
pode representar e identificar um geralmente imitando o
objeto, pessoa ou situação movimento ou forma de um
objeto, pode representá-lo
e identificá-lo, de modo a
satisfazer sua necessidade
ou desejo, principiando a
criação de gestos espon-
tâneos próprios e a pos-
terior inserção de gestos
convencionais
Fiquei imóvel, com toda a atenção fixada nos movimentos de seus de-
dos. De repente senti uma consciência envolta em nevoeiro, como de
algo esquecido – o eletrizar de um pensamento que voltava; e de algum
modo o mistério da linguagem foi revelado a mim. Soube então que
“á-g-u-a” significava a maravilhosa coisa fresca que fluía sobre minha
mão. Aquela palavra viva despertou minha alma, deu-lhe luz, esperança,
alegria, enfim, libertou-a! (KELLER, 2008, p. 21).
Unidade 3: Intervenção pedagógica para educandos com surdocegueira: abordagem Coativa,... | 31
Figura 5 Foto de comunicação entre duas pessoas usando o braille tátil com dedos
como teclas.
Fonte: elaboração própria.
Escrita ampliada
Produção da escrita em caixa alta, a partir da soletração das letras, no
corpo, em geral na palma da mão ou braço, com tamanho que pode variar
de 1 a 15 cm, seguindo a direção do traçado de cada letra (Figura 6).
Figura 7 Palavra “O-N-C-E” escrita na palma da mão, usando o sistema dedo como
lápis.
Fonte: ONCE (2022).
Tadoma
Uso de uma ou duas mãos para a percepção tátil da vibração produzida
durante a vocalização de um parceiro de comunicação, pelo posicionamento
da mão em formato de “L”, com o polegar sobre ou próximo aos lábios do
falante e demais dedos na bochecha, mandíbula ou queixo/pescoço, com
variações de acordo com a preferência, conforme ilustrado na Figura 8.
34 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
Figura 8 Foto de Helen Keller com uma mão no rosto de Anne Sullivan, ilustrando a
comunicação pelo tadoma.
Fonte: American Foundation for the Blind (2022).
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (BRASIL, 2015) prevê iniciativas para a forma-
ção do Guia-Intérprete, tal qual a sua atuação, enquanto apoio, como de outros
profissionais, aos alunos PAEE:
“Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar,
incentivar, acompanhar e avaliar: [...]
XI – formação e disponibilização de professores para o atendimento educacio-
nal especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de
profissionais de apoio [...]
Art. 73. Caberá ao poder público, diretamente ou em parceria com organiza-
ções da sociedade civil, promover a capacitação de tradutores e intérpretes da
Libras, de guias intérpretes e de profissionais habilitados em Braille, audiodescri-
ção, estenotipia e legendagem”.
Objetos de referência
São objetos que, devido à equivalência simbólica, podem representar
pessoas, objetos, lugares, atividades, assim como indicar o início ou a se-
quência de uma atividade (CADER-NASCIMENTO; MAIA, 2006; BOSCO;
MESQUITA; MAIA, 2010).
Uma escova dental, real ou em miniatura, pode ser usada para informar
uma atividade (escovação de dentes), um lugar (o banheiro) ou o próprio ob-
jeto (a escova dental). O objeto real ou uma representação pode ser fixado
em um cartão (EVA, papelão) e ser identificado com uma etiqueta com seu
nome, da atividade e/ou do lugar, em tinta (tipo ampliado e contrastando com
o fundo) e/ou em braille – de acordo com presença ou não de resíduo visual
(Figura 9). O acréscimo da identificação textual, mesmo que o aluno com
38 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
ESCOVA DENTAL
Figura 9 Cartão com objeto de referência real, escova dental, e identificação do obje-
to em tinta e em braille.
Fonte: elaboração própria.
Caixa de antecipação
A caixa de antecipação contém objetos de referência, reais ou represen-
tativos, que indicam a sequência de uma atividade: de vida autônoma, por
exemplo, do jantar à higiene bucal, para dormir. Sendo um recurso individual,
ela pode ser usada em casa, na escola ou em outros contextos. Pode ser con-
feccionada a partir de uma caixa de papelão, de madeira ou outros materiais
e encapada com material tátil agradável. Nela pode ser fixado algum mate-
rial ou objeto que represente o aluno, por exemplo, uma fita de veludo, um
pompom (Figura 10), um laço.
Igualmente, a caixa de antecipação e os objetos de referência acomo-
dados nela podem ser etiquetados, com braille ou tinta (tipo ampliado e
Unidade 3: Intervenção pedagógica para educandos com surdocegueira: abordagem Coativa,... | 39
Calendário
Com a intenção de aprimorar a comunicação e a noção de tempo,
a compreensão da rotina, pode ser usado o calendário. Similarmente a uma
agenda (CADER-NASCIMENTO; MAIA, 2006; BOSCO; MESQUITA; MAIA,
2010), os objetos de referência são dispostos, em caixas, prateleiras ou va-
rais (Figura 11), na sequência de realização dos passos de uma atividade ou
das atividades de uma rotina.
Para saber:
Sobre a atuação do Guia-Intérprete na Orientação e Mobilidade para o edu-
cando com surdocegueira e outros temas relacionados, ver páginas 25 a 40 da
obra:
GODOY, S. A. Convivendo e aprendendo com o surdocego: o professor e os de-
safios da escola pública Paranaense. Produção didático-pedagógica. 2011. Dispo-
nível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/
producoes_pde/2010/2010_uel_edespecial_pdp_shirley_alves_godoy.pdf. Aces-
so em: 10 out. 2022.
4
Tecnologia Assistiva
Em 2006, foi instituído o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT) pela Portaria
nº 142, de 16 de novembro de 2006 (BRASIL, 2006b), partindo do pressupos-
to de que as ajudas técnicas compunham “as estratégias de acessibilidade,
equiparação de oportunidades e inclusão das pessoas com deficiência e com
mobilidade reduzida”. O CAT era formado por um grupo de especialistas
brasileiros e representantes de órgãos governamentais, visando sistematizar
os conhecimentos relacionados à temática da Tecnologia Assistiva (TA). Com
base nos estudos dos referenciais internacionais, o CAT propôs a seguinte
definição para o contexto brasileiro:
4 Será uma explanação breve, com conceitos básicos, visto que, na matriz no Curso de Se-
gunda Licenciatura em Educação Especial, estão presentes as disciplinas “Tecnologia
Assistiva” e “Comunicação Alternativa e Suplementar” dedicadas a aprofundar ainda
mais essas temáticas.
Unidade 4: Intervenção pedagógica para educandos com deficiência múltipla: Tecnologia... | 45
- Auxílios para a vida diária e a vida prática: materiais e produtos que favorecem
desempenho autônomo e independente em tarefas rotineiras ou facilitam o cui-
dado de pessoas em situação de dependência de auxílio, nas atividades como
alimentar-se, cozinhar, vestir-se, tomar banho e executar necessidades pessoais.
Incluem-se nessa área recursos de atividades de vida prática, utilizados no apoio
a ações como as da escola.
- CAA – Comunicação Aumentativa e/ou Alternativa: recursos destinados à
ampliação de habilidades de comunicação. Dispositivos para ajudar a pessoa a
receber, enviar, produzir e/ou processar informações em diferentes formatos.
- Recursos de acessibilidade ao computador: conjunto de hardware e software
especialmente idealizado para tornar o computador acessível a pessoas com
privações sensoriais (visuais e auditivas), intelectuais e motoras. Inclui dispositi-
vos de entrada (mouses, teclados e acionadores diferenciados) e dispositivos de
saída.
- Sistemas de controle de ambiente: por meio de um controle remoto, as pessoas
com limitações motoras podem ligar, desligar e ajustar aparelhos eletroele-
trônicos como a luz, o som, televisores, ventiladores, executar a abertura e
fechamento de portas e janelas, receber e fazer chamadas telefônicas, acionar
sistemas de segurança, entre outros, localizados em seu quarto, sala, escritório,
casa e arredores.
- Projetos arquitetônicos para acessibilidade: projetos de edificação e urbanismo
que garantam acesso, funcionalidade e mobilidade a todas as pessoas, indepen-
dentemente de sua condição física, intelectual e sensorial.
- Órteses e próteses: órteses são colocadas junto a um segmento do corpo,
garantindo-lhe um melhor posicionamento, estabilização e/ou função. Próteses
são peças artificiais que substituem partes ausentes do corpo, por exemplo, uma
perna mecânica (necessitam de prescrição de profissional de saúde).
46 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
A partir desses elementos, que devem ser conhecidos tanto pelo profes-
sor de sala regular quanto pelo professor de Educação Especial, é necessá-
rio que o estudante também possa participar da escolha e das adaptações
do material, já que ele será o usuário do recurso de TA. Esse engajamento
na eleição/adaptação do recurso poderá contribuir para que seu uso seja
efetivo e para que sejam contemplados os resultados almejados (MANZINI,
2011; MANZINI; SANTOS, 2002).
Alguns recursos podem ser confeccionados utilizando materiais de baixo
custo (como EVA, tubos de PVC, mangueiras, cola quente, massa epóxi, pa-
pelão, madeira, MDF), servindo muitas vezes como protótipos para recursos
mais elaborados ou mesmo como “teste” para os recursos já disponíveis
comercialmente e que talvez tenham um custo mais elevado (LOURENÇO,
2012; MANZINI; SANTOS, 2002).
Apresentamos algumas fotos (Figuras 14, 15, 16, 17 e 18) para ilustrar
os recursos de TA que podem ser utilizados por estudantes com DMu, de
acordo com a condição, necessidade, particularidade de cada educando.
No contexto escolar, há recursos que podem ser destinados para os cuida-
dos com a higiene e a alimentação. Outros podem auxiliar no manuseio de
materiais escolares – como os adaptadores para lápis, giz e mesmo tesou-
ras com cabos adaptados, réguas –, e outros ainda podem proporcionar o
acesso às informações, aos conteúdos trabalhados e auxiliar na realização
de atividades propostas na escola.
48 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
Figura 16 Réguas em madeira adaptadas com cabo em PVC, EVA e epóxi com man-
gueira de chuveiro.
Fonte: acervo do Laboratório de Ensino de Tecnologia Assistiva – Curso de Licenciatura em
Educação Especial (UFSCar).
Unidade 4: Intervenção pedagógica para educandos com deficiência múltipla: Tecnologia... | 49
Figura 21 Mouse e teclado RCT (substitui o uso do teclado e do mouse, funciona com
o toque de qualquer parte da pele do usuário e não precisa de pressão).
Fonte: acervo do Laboratório de Ensino de Tecnologia Assistiva – Curso de Licenciatura em
Educação Especial (UFSCar).
A CAA pode acontecer sem auxílios externos e, neste caso, ela valoriza a
expressão do sujeito, a partir de outros canais de comunicação diferentes
da fala: gestos, sons, expressões faciais e corporais podem ser utilizados
e identificados socialmente para manifestar desejos, necessidades, opi-
niões, posicionamentos [...].
Com o objetivo de ampliar ainda mais o repertório comunicativo que
envolve habilidades de expressão e compreensão, são organizados e
construídos auxílios externos como cartões de comunicação, pranchas
de comunicação, pranchas alfabéticas e de palavras, vocalizadores ou o
próprio computador que, por meio de software específico, pode tornar-
-se uma ferramenta poderosa de voz e comunicação. Os recursos de
comunicação de cada pessoa são construídos de forma totalmente per-
sonalizada e levam em consideração várias características que atendem
às necessidades deste usuário (SARTORETTO; BERSCH, 2022, n. p.).
Existe uma padronização da elaboração dos cartões, que devem ser or-
ganizados por categorias de símbolos. Cada categoria é representada por
uma cor de moldura diferente: na cor de rosa estão os cumprimentos e de-
mais expressões sociais; em amarelo estão os sujeitos; na cor verde estão os
verbos; em laranja, os substantivos; azul representa os adjetivos; e o branco,
símbolos diversos que não se enquadram nas categorias citadas (algarismos,
letras, artigos, entre outros) (SARTORETTO; BERSCH, 2022).
54 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
superior do “miolo” do brinquedo, que fica girando quando ele está funcio-
nando. Quando o estudante quiser manifestar algum desejo ou responder a
alguma pergunta, deverá esperar o marcador chegar até o cartão que almeja
e pressionar o acionador, com a parte do corpo que lhe for funcional. Ao
fazer isso, haverá a interrupção da corrente elétrica das pilhas (já que o cabo
moeda estará plugado nesse local e também no acionador), fazendo o brin-
quedo parar de girar, com a seta sobre um determinado cartão da prancha,
indicando a resposta ou desejo do estudante.
Foram apresentadas algumas possibilidades de uso dos recursos de
CAA, pensando na intervenção educacional com pessoas com DMu. Muitas
dúvidas podem surgir no momento de planejar e implementar os recursos de
CAA. Cabe destacar que não se deve restringir a comunicação apenas para
a resposta do usuário, pois ele também precisa iniciar as conversas e se be-
neficiar da interação para ter autonomia e se manifestar. Embora desafiador,
vale partir da premissa de que o recurso mais adequado será o instrumento
que possibilitará ao estudante “poder entender e se fazer entendido em
diferentes ambientes, perante distintos interlocutores com variadas tarefas”
(DELIBERATO, 2007, p. 28).
A última parte deste capítulo abordará a importância do mobiliário
adequado para estudantes com DMu que possuam deficiência física, no
sentido de trazer maior funcionalidade para a realização das atividades na
escola. Não cabe ao professor prescrever o mobiliário para o estudante com
deficiência, mas é necessário que tenha conhecimento sobre o que pode
melhorar seu desempenho e seu conforto e que consiga dialogar com os
profissionais da área da saúde que atendem o estudante – como o fisiotera-
peuta, o terapeuta ocupacional, o médico –, visando a melhor permanência
dele na escola.
Mobiliário adequado
A postura sentada é necessária para potencializar a concentração, as ha-
bilidades motoras e visuais. Entretanto, a permanência por muito tempo em
uma mesma postura não é adequada para a manutenção da saúde do corpo,
podendo ocasionar “deformidades, contraturas, encurtamentos e déficit de
retorno venoso” (BRACCIALLI; OLIVEIRA, 2008, p. 253).
A pessoa que não tem limitações físicas, sentindo qualquer desconforto,
consegue se movimentar e ajustar sua postura para permanecer sem dores.
56 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
O mesmo não acontece com uma pessoa com deficiência física, como uma
criança com Paralisia Cerebral (PC), que dependerá de auxílios para trocar
de postura. “Uma postura estável e confortável é fundamental para que se
consiga um bom desempenho funcional. Fica difícil a realização de qualquer
tarefa quando se está inseguro com relação a possíveis quedas ou sentindo
desconforto” (BERSCH, 2017, p. 8).
Portanto, o professor, tanto de sala regular como o de Educação Espe-
cial, precisa estar atento aos indícios de que a criança não está confortável
no mobiliário ou que este não é adequado para ela realizar as atividades
escolares.
Braccialli e Manzini (2003) alertam para importância de o mobiliário esco-
lar estar adaptado para os estudantes com deficiência física para que o posi-
cionamento inadequado não interfira na realização das atividades escolares
e no desempenho escolar do estudante.
De acordo com Braccialli e Oliveira (2008), o mobiliário adequado deve
ter os seguintes dispositivos de suporte postural: apoios posteriores (assen-
to, encosto, apoio para os pés); apoios laterais (guia de quadril, apoio lateral
de tronco, adutores e abdutores do quadril); e apoios anteriores (cintos pél-
vicos, as faixas, mesas e bandejas).
Quando a cadeira e a mesa do estudante com DMu estão adequadas,
funcionam como facilitadoras da aprendizagem, já que ampliam o cam-
po visual, melhorando a interação com os pares, estimulam e organizam
a atividade motora voluntária e proporcionam novas vivências sensório-
-motoras (BRACCIALLI; OLIVEIRA, 2008).
Para finalizar o capítulo, ressaltamos a importância dos recursos de TA,
englobando a CAA, como ferramentas primordiais para as intervenções
educacionais e a necessidade do mobiliário adequado para vivências mais
significativas do estudante com DMu na escola, segundo suas necessidades.
A pesquisa de Lourenço (2012) procurou avaliar os efeitos de um
programa de formação de profissionais visando a implementação de
recursos de alta tecnologia assistiva para favorecer o processo de esco-
larização de estudantes com PC. Numa das intervenções realizadas, foi
possível avaliar como o uso do recurso de TA e a adequação no mobiliário
contribuíram para o melhor desempenho do estudante na realização das
atividades propostas, bem como favoreceram o planejamento das ativi-
dades por parte da professora.
Unidade 4: Intervenção pedagógica para educandos com deficiência múltipla: Tecnologia... | 57
Para saber:
- Centro Aragonês de Comunicação Aumentativa e Alternativa: https://arasaac.
org/.
- Documentário Fadem – Vamos falar de inclusão (documentário sobre a Fadem,
instituição de Porto Alegre que atende bebês, crianças e adolescentes com
deficiências múltiplas, abordando o tema Inclusão): https://www.youtube.com/
watch?v=nfopun0PQhc.
- Documentário TVE Repórter – Tecnologia Assistiva: https://www.youtube.com/
watch?v=K0ahTIt6wBE&t=8s
- GALVÃO FILHO, T. A. A Tecnologia Assistiva: de que se trata? In: MACHADO,
G. J. C.; SOBRAL, M. N. (org.). Conexões: educação, comunicação, inclusão e
interculturalidade. 1. ed. Porto Alegre: Redes, 2009. p. 207-235. Disponível em:
http://www.galvaofilho.net/TA_dequesetrata.htm. Acesso em: 10 out. 2022.
- Site “Assistiva: Tecnologia e Educação” (SARTORETTO; BERSCH, 2022): https://
www.assistiva.com.br/.
5
5 Nome fictício.
62 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
A B
C D
Figura 30 Foto do calendário de mesa, feito em suporte de papelão, com fotos das
situações e objetos da rotina escolar.
Fonte: arquivo pessoal. Material produzido por Cláudia Cristina de Oliveira Pereira.
De acordo com Vilaronga (2021), esses são os principais desafios para a implemen-
tação do ensino colaborativo:
- o professor da sala comum pode precisar de mais suporte que o disponível;
- ele pode achar que a mudança é incompatível com as necessidades de outros
estudantes;
- ele pode achar improvável que a mudança produza o efeito desejado dentro de
um ano letivo – no outro ano ele terá outro professor;
- ele pode não entender a proposta do Ensino Colaborativo e achar que esse
modelo está sendo imposto arbitrariamente.
- Por isso, a autora ressalta que o ensino colaborativo precisa se pautar num
sistema claro de parceria entre profissionais da educação, que se envolvem para
pensar nos desafios do ensino para estudantes PAEE (VILARONGA, 2021).
Saiba mais!
O app Matraquinha foi desenvolvido para auxiliar crianças e adolescentes com
autismo a expressarem suas vontades, necessidades e sentimentos. Encontre mais
informações no site https://www.matraquinha.com.br/.
6 Nome fictício.
70 | Surdocegueira e Deficiência Múltipla: contextos e práticas educacionais
Figura 37 Foto dos recursos adaptados com materiais de baixo custo (papelão, fita
adesiva colorida, papel colorido, barbante, peças de encaixe de plástico).
Fonte: arquivo pessoal. Materiais produzidos por Cláudia Cristina de Oliveira Pereira.
A B
Figura 38 Fotos do estudante manuseando letras ampliadas. A) Letra ampliada feita
com papel cartão e EVA; B) Letra de plástico ampliada (10 cm).
Fonte: arquivo pessoal. Materiais produzidos por Cláudia Cristina de Oliveira Pereira.
A B
Figura 39 Fotos do recurso Jacaré da matemática. A) Recurso adaptado em tama-
nho ampliado; B) Recurso feito em tamanho convencional, com folha de sulfite.
Fonte: arquivo pessoa. Materiais produzidos por Cláudia Cristina de Oliveira Pereira.
***
Com os exemplos abordados neste capítulo, buscamos apresentar algu-
mas alternativas encontradas no processo de escolarização dos estudantes
com deficiência múltipla dentro da classe regular. Reiteramos que a parceria
entre os professores e o suporte oferecido pelo AEE são estratégias que fa-
vorecem o trabalho colaborativo, pois o compartilhamento de experiências
e expectativas bem como o planejamento em conjunto contribuem para que
a prática ocorra de forma mais reflexiva e intencional.
A escolarização de estudantes com deficiência múltipla no sistema re-
gular de ensino ainda é um grande desafio para todos, pois carecemos de
informações e recursos que nos possibilitem atuar de forma mais conscien-
te e direcionada. No entanto, apesar das dificuldades, acreditamos que
é possível buscar novos caminhos, sempre respeitando e considerando a
individualidade e especificidades de cada sujeito.
Síntese final