Aula Colegio Literatura - Vidas Secas 2022-1

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3 MÉDIO

VIDAS SECAS, DE GRACILIANO RAMOS

0 o

 Vidas Secas é um romance cíclico. São 13 capítulos independentes que


contam a retirada de uma família. Inicia-se com uma mudança e termina
com a fuga.

 A família é composta pelo pai – Fabiano – que quase não fala, não sabe que
é branco e não sabe ler nem escrever. Sinhá Vitória, mulata esperta que
sabia fazer contas com os grãos, Menino mais velho que queria saber ler e
queria o significado da palavra Inferno. Menino mais novo, queria ser um
vaqueiro como o pai. Cadela Baleia, a mais humana das personagens e um
papagaio que não falava, só latia porque era o único som que escutava.
 É preciso que se observe no romance: a representação do Soldado
Amarelo; a linguagem do Tomás da bolandeira, a quem Fabiano tanto
admirava; o grau de miserabilidade dessa família; a cadela chegando ao
nível humano e o humano descendo à condição de animal (diferente
enfoque quanto à estética naturalista). Esta família vaga pela caatinga
tentando chegar em algum lugar, mas aonde pode chegar quem está
perdido?

NO INTERIOR DA OBRA

✪ O livro, como já dito, possui 13 capítulos que, por não terem uma
linearidade temporal, podem ser lidos em qualquer ordem. Porém, o
primeiro, "Mudança", e o último, "Fuga", devem ser lidos nessa sequência,
pois apresentam uma ligação que fecha um ciclo. "Mudança" narra as
agruras da família sertaneja na caminhada impiedosa pela aridez da
caatinga, enquanto que em "Fuga" os retirantes partem da fazenda para
uma nova busca por condições mais favoráveis de vida. Assim, pode-se
dizer que a miséria em que as personagens vivem em Vidas Secas
representa um ciclo. Quando menos se espera, a situação se agrava e a
família é obrigada a se mudar novamente.

✪ Fabiano é um homem rude, típico vaqueiro do sertão nordestino. Sem ter


frequentado a escola, não é um homem com o dom das palavras, e chega a
ver a si próprio como um animal às vezes (zoomorfização). Empregado em
uma fazenda, pensa na brutalidade com que seu patrão o trata. Fabiano
admira o dom que algumas pessoas possuem com a palavra, mas assim
como as palavras e as ideias o seduziam, também o cansavam
(metalinguagem).

✪ Sem conseguir se comunicar direito com as pessoas, entra em apuros em


um bar com um soldado, que o desafiara para um jogo de apostas. Irritado
por perder o jogo, o soldado provoca Fabiano insultando-o de todas as
formas. O pobre vaqueiro aguenta tudo calado, pois não conseguia se
defender. Até que por fim acaba insultando a mãe do soldado e indo preso.
Na cadeia pensa na família, em como acabou naquela situação e acaba
perdendo a cabeça, gritando com todos e pensando na família como um
peso a carregar.

✪ Sinha Vitória é a esposa de Fabiano. Mulher cheia de fé e muito


trabalhadora. Além de cuidar dos filhos e da casa, ajudava o marido em seu
trabalho também. Esperta, sabia fazer contas e sempre avisava ao marido
sobre os trapaceiros que tentavam tirar vantagem da falta de
conhecimento de Fabiano. Sonhava com um futuro melhor para seus filhos
e não se conformava com a miséria em que viviam. Seu sonho era ter uma
cama de fita de couro para dormir.

Fotograma do filme Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos

✪ Nesse cenário de miséria e sem se darem muita conta do que acontecia a


seu redor, viviam os dois meninos. O mais novo (entre 5 e 6 anos
aproximadamente) via na figura do pai um exemplo. Já o mais velho (9
anos aproximadamente) queria aprender sobre as palavras. Um dia ouviu a
palavra "inferno" de alguém e ficou intrigado com seu significado.
Perguntou a Sinhá Vitória o que significava, mas recebeu uma resposta
vaga. Vai então perguntar a Fabiano, mas esse o ignora. Volta a questionar
sua mãe, mas ela fica brava com a insistência e lhe dá um cascudo.
(aspectos linguísticos – significado – significante e signo, como se
formam?) Supedâneo, espiroqueta o que são?

✪ Um dia a chuva chega (o "inverno") e ficam todos em casa ouvindo as


histórias de Fabiano. Histórias essas que ele nunca tinha vivido, feitos que
ele nunca havia realizado. Em meio a suas histórias inventadas, Fabiano
pensava se as coisas iriam melhorar dali então. Para o filho mais novo, as
sombras projetadas pela fogueira no escuro deixavam o pai com um ar
grotesco. Já o mais velho ouvia as histórias de Fabiano com muita
desconfiança. (Mito da Caverna?)

✪ O Natal chegou e a família inteira foi à festa da cidade. Fabiano ficou


embriagado e se sentia muito valente, só pensando em se vingar do
soldado que lhe colocou atrás das grades. Uma hora, cansado de seu
próprio teatro, faz de suas roupas um travesseiro e dorme no chão. Sinhá
Vitória estava cansada de cuidar do marido embriagado e ter que olhar as
crianças também. Em um dado momento, ela toma coragem para fazer o
que mais estava com vontade: encontra um cantinho e se abaixa para
urinar. Satisfeita, acende uma piteira de barro e fica a sonhar com a cama
de fitas de couro e um futuro melhor.

✪ No que talvez seja o momento mais famoso do livro, Fabiano vê o estado


em que se encontrava Baleia, com pelos caídos e feridas na boca, e achou
que ela pudesse estar doente (hidrofobia). O vaqueiro resolve, então,
sacrificar a cadela. Sinhá Vitória recolhe os filhos, que protestavam contra
o sacrifício do pobre animal, mas não havia outra escolha. O primeiro tiro
acerta o traseiro de Baleia e a deixa com as patas inutilizadas. A cadela
sentia o fim próximo e chega a querer morder Fabiano. Apesar da raiva
que sentia de Fabiano, via-o como um companheiro de muito tempo. Em
meio ao nevoeiro e da visão de uma espécie de paraíso dos cachorros, onde
ela poderia caçar preás à vontade, Baleia morre sentindo dor e arrepios.
✪ E assim a vida vai passando para essa família sofredora do sertão
nordestino. Até que um dia, com o céu extremamente azul e nenhuma
nuvem à vista, vendo os animais em estado de miséria, Fabiano decide que
a hora de partir novamente havia chegado. Partiram de madrugada
largando tudo como haviam encontrado. A cadela Baleia era uma imagem
constante nos pensamentos confusos de Fabiano. Sinhá Vitória tentava
puxar conversa com o marido durante a caminhada e os dois seguiam
fazendo planos para o futuro e pensando se existiria um destino melhor
para seus filhos.

Vidas Secas, romance publicado em 1938, retrata a vida miserável de uma


família de retirantes sertanejos obrigada a se deslocar de tempos em tempos
para áreas menos castigadas pela seca. A obra pertence à segunda fase
modernista, conhecida como regionalista, e é qualificada como uma das mais
bem-sucedidas criações da época.

O estilo seco de Graciliano Ramos, que se expressa principalmente por meio


do uso econômico dos adjetivos, parece transmitir a aridez do ambiente e seus
efeitos sobre as pessoas que ali estão.
A ESTÉTICA DA SECA

∆ "Vidas Secas" é um dos maiores expoentes da segunda fase modernista, a


do regionalismo. O diferencial desse livro para os demais da época é o
apuro técnico do autor. Graciliano Ramos, ao explorar a temática
regionalista, utiliza vários expedientes formais – discurso indireto livre,
narrativa não-linear, nomes dos personagens – que confirmam
literariamente a denúncia das mazelas sociais.

∆ O livro consegue desde o título mostrar a desumanização que a seca


promove nos personagens, cuja expressão verbal é tão estéril quanto o solo
castigado da região. A miséria causada pela seca, como elemento natural,
soma-se à miséria imposta pela influência social, representada pela
exploração dos ricos proprietários da região.

∆ Os retirantes, como o próprio nome indica, estão alijados da possibilidade


de continuar a viver no espaço que ocupavam. São, portanto, obrigados a
retirar-se para outros lugares. Uma das implicações dessa vida nômade
dos sertanejos é a fragmentação temporal e espacial.

∆ Graciliano Ramos conseguiu captar essa fragmentação na estrutura de


Vidas Secas ao utilizar um método de composição que rompia com a
linearidade temporal, costumeira nos romances do século XIX.

∆ A proposital falta de linearidade, ou seja, de capítulos que se ligam


temporalmente, por relações de causa e de consequência, dá aos 13
capítulos de Vidas Secas uma autonomia que permite, até mesmo, a leitura
de cada um de forma independente.

NARRADOR

∞ A escolha do foco narrativo em terceira pessoa é emblemática, uma vez


que esse é o único livro em que Graciliano Ramos utilizou tal recurso.
Trata-se, na verdade, de uma necessidade da narrativa, para que fosse
mantida a verossimilhança da obra. Por causa da paupérrima articulação
verbal dos personagens, reflexo das adversidades naturais e sociais que os
afligem, nenhum parece capacitado a assumir o posto de narrador.
∞ O autor utilizou também o discurso indireto livre, forma híbrida em que as
falas dos personagens se mesclam ao discurso do narrador em terceira
pessoa. Essa foi a solução para que a voz dos marginalizados pudesse
participar da narração sem que tivessem de arcar com a responsabilidade
de conduzir de forma integral a narrativa.

TRECHO DE “A FUGA” (ÚTIMO CAPÍTULO)

A vida na fazenda se tornara difícil. Sinha Vitória benzia-se tremendo,


manejava o rosário, mexia os beiços rezando rezas desesperadas. Encolhido
no banco do copiar, Fabiano espiava a catinga amarela, onde as folhas secas
se pulverizavam, trituradas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam,
negros, torrados. No céu azul as últimas arribações tinham desaparecido.
Pouco a pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. E Fabiano
resistia, pedindo a Deus um milagre.
Mas quando a fazenda se despovoou, viu que tudo estava perdido,
combinou a viagem com a mulher, matou o bezerro morrinhento que
possuíam, salgou a carne, largou-se com a família, sem se despedir do amo.
Não poderia nunca liquidar aquela dívida exagerada. Só lhe restava jogar-se
ao mundo, como negro fugido.
Saíram de madrugada. Sinha Vitória meteu o braço pelo buraco da
parede e fechou a porta da frente com a taramela. Atravessaram o pátio,
deixaram na escuridão o chiqueiro e o curral, vazios, de porteiras abertas, o
carro de bois que apodrecia, os juazeiros. Ao passar junto às pedras onde os
meninos atiravam cobras mortas, sinha Vitória lembrou-se da cachorra
Baleia, chorou, mas estava invisível e ninguém percebeu o choro.
[...]
Agora Fabiano examinava o céu, a barra que tingia o nascente, e não
queria convencer-se da realidade. Procurou distinguir qualquer coisa
diferente da vermelhidão que todos os dias espiava, com o coração aos
baques. As mãos grossas, por baixo da aba curva do chapéu, protegiam-lhe os
olhos contra a claridade e tremiam.
Os braços penderam, desanimados.
— Acabou-se.
Antes de olhar o céu, já sabia que ele estava negro num lado, cor de
sangue no outro, e ia tornar-se profundamente azul.
Estremeceu como se descobrisse uma coisa muito ruim.
Desde o aparecimento das arribações vivia desassossegado. Trabalhava
demais para não perder o sono. Mas no meio do serviço um arrepio corria-lhe
no espinhaço, à noite acordava agoniado e encolhia-se num canto da cama de
varas, mordido pelas pulgas, conjecturando misérias.
[...]
Sinha Vitória precisava falar. Se ficasse calada, seria como um pé de
mandacaru, secando, morrendo. Queria enganar-se, gritar, dizer que era
forte, e a quentura medonha, as árvores transformadas em garranchos, a
imobilidade e o silêncio não valiam nada. Chegou-se a Fabiano, amparou-o e
amparou-se, esqueceu os objetos próximos, os espinhos, as arribações, os
urubus que farejavam carniça. Não poderiam voltar a ser o que já tinham
sido? Fabiano hesitou, resmungou, como fazia sempre que lhe dirigiam
palavras incompreensíveis. A princípio quis responder que evidentemente eles
eram o que tinham sido; depois achou que estavam mudados, mais velhos e
mais fracos. Eram outros, para bem dizer.
[...]
Sinha Vitória combateu a dúvida. Por que não haveriam de ser gente,
possuir uma cama igual à de seu Tomás da bolandeira? Fabiano franziu a
testa: lá vinham os despropósitos. Sinha Vitória insistiu e dominou-o. Por que
haveriam de ser sempre desgraçados, fugindo no mato como bichos? Com
certeza existiam no mundo coisas extraordinárias. Podiam viver escondidos,
como bichos? Fabiano respondeu que não podiam.
— O mundo é grande.
Realmente para eles era bem pequeno, mas afirmavam que era grande
— e marchavam, meio confiados, meio inquietos. Olharam os meninos, que
olhavam os montes distantes, onde havia seres misteriosos. Em que estariam
pensando? zumbiu sinha Vitória. Fabiano estranhou a pergunta e rosnou uma
objeção. Menino é bicho miúdo, não pensa. Mas sinha Vitória renovou a
pergunta — e a certeza do marido abalou-se. Ela devia ter razão. Tinha
sempre razão. Agora desejava saber que iriam fazer os filhos quando
crescessem.
— Vaquejar, opinou Fabiano.
ESPAÇO

 A narrativa é ambientada no sertão, região marcada pelas chuvas escassas


e irregulares. Essa falta de chuva – somada a uma política de descaso do
governo com os investimentos sociais – transforma a paisagem em
ambiente inóspito e hostil.

 Inverno, na região, é o nome dado à época de chuvas, em que a esperança


sertaneja floresce. O sonho de uma existência menos árida e miserável
esboça-se no horizonte e dura até as chuvas cessarem e a seca retornar
implacável. No romance, essa esperança aparece no capítulo “Inverno”, em
que Fabiano alimenta a expectativa de uma vida melhor, mais digna.

 O retorno à visão marcada pela falta de perspectivas recomeça com o fim


das chuvas, com o fim da esperança. Na obra, pode-se apontar, também,
para dois recortes espaciais: o ambiente rural e o urbano. A relevância
desse recorte se deve às sensações de adequação ou inadequação dos
personagens em um ou outro espaço.

 Fabiano consegue, apesar da miséria presente, dominar o ambiente rural.


Incapaz de se comunicar, o personagem, desempenhando a solitária função
de vaqueiro, não sente tanto as consequências de seu laconismo. Além
disso, conhece as técnicas de sua profissão, o que lhe dá uma sensação de
utilidade e permite que goze até de certa dignidade. A passagem em que
seu filho o admira ao vê-lo trabalhando deixa claro isso. Na cidade, porém,
Fabiano vivencia, a cada nova experiência, o sentimento de inadequação.
Os capítulos “Festa” e “Cadeia” ilustram bem essa sensação.
TEMPO

≈ Além da falta de linearidade do tempo, em "Vidas Secas" há nítida


valorização do tempo psicológico, em detrimento do cronológico. Essa
opção do narrador de ocultar os marcadores temporais tem como principal
consequência o distanciamento dos personagens da ordenação civilizada
do tempo.

≈ Dessa forma, nota-se que a ausência de uma marcação cronológica


temporal serve, enquanto elemento estrutural, como mais uma forma de
evidenciar a exclusão dos personagens. Por outro lado, a valorização do
tempo psicológico na narrativa faz com que as angústias dos personagens
fiquem mais próximas do leitor, que as percebe com muito mais
intensidade.

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