Gestão Escolar e Qualidade Da Educação

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Cynthia Paes de Carvalho

Ana Cristina Prado de Oliveira


Maria Luiza Canedo
(Organizadoras)

Gestão escolar e
QUALIDADE
da educação
caminhos e horizontes
de pesquisa
Cynthia Paes de Carvalho
Ana Cristina Prado de Oliveira
Maria Luiza Canedo
(Organizadoras)

GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE


DA EDUCAÇÃO: caminhos e
horizontes de pesquisa

EDITORA CRV
Curitiba – Brasil
2018
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Editora CRV
Revisão: Os Autores

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CATALOGAÇÃO NA FONTE

G389

Gestão escolar e qualidade da educação: caminhos e horizontes de pesquisa / Cynthia Paes


de Carvalho, Ana Cristina Prado de Oliveira, Maria Luiza Canedo (organizadoras) – Curitiba :
CRV, 2018.
250 p.

Bibliografia
ISBN 978-85-444-2727-9
DOI 10.24824/978854442727.9

1. Educação 2. Ensino 3. Pesquisa 4. Gestão escolar I. Paes de Carvalho, Cynthia. org. II.
Oliveira, Ana Cristina Prado de. org. III. Canedo, Maria Luiza. org. IV. Título V. Série.

CDU 37 CDD 370


Índice para catálogo sistemático
1. Educação 370

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2018
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Ana Chrystina Venancio Mignot (UERJ)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Andréia N. Militão (UEMS)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Diosnel Centurion (Univ Americ. de Asunción/Py)
Carlos Alberto Vilar Estêvâo (UMINHO - PT) Cesar Gerónimo Tello (Universidad Nacional
Carlos Federico Dominguez Avila (UNB) de Três de Febrero/Argentina)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Eliane Rose Maio (UEM)
Celso Conti (UFSCar) Elizeu Clementino (UNEB)
Cesar Gerónimo Tello (Univer. Nacional Fauston Negreiros (UFPI)
Três de Febrero - Argentina) Francisco Ari de Andrade (UFC)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Gláucia Maria dos Santos Jorge (UFOP)
Élsio José Corá (Universidade Federal da Fronteira Sul, UFFS) Helder Buenos Aires de Carvalho (UFPI)
Elizeu Clementino (UNEB) Ilma Passos A. Veiga (UNICEUB)
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Inês Bragança (UERJ)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) José de Ribamar Sousa Pereira (UCB)
Gloria Fariñas León (Universidade de La Havana – Cuba) Jussara Fraga Portugal
Guillermo Arias Beatón (Universidade de La Havana – Cuba) Kilwangy Kya Kapitango-a-Samba (Unemat)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ) Lourdes Helena da Silva (UFV)
João Adalberto Campato Junior (UNESP) Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira (UNIVASF)
Josania Portela (UFPI) Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS) Maria Eurácia Barreto de Andrade (UFRB)
Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO) Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Lourdes Helena da Silva (UFV) Mohammed Elhajji (UFRJ)
Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas - US) Mônica Pereira dos Santos (UFRJ)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNICAMP) Najela Tavares Ujiie (UTFPR)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA) Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar) Silvia Regina Canan (URI)
Paulo Romualdo Hernandes (UNICAMP) Sonia Maria Ferreira Koehler (UNISAL)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES) Suzana dos Santos Gomes (UFMG)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Vera Lucia Gaspar (UDESC)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO��������������������������������������������������������������������������������� 9

A PESQUISA SOBRE GESTÃO ESCOLAR – CONTRIBUTOS


TEÓRICOS E CAMINHOS METODOLÓGICOS �������������������������������� 11
Cynthia Paes de Carvalho
Ana Cristina Prado de Oliveira

O PERFIL DOS DIRETORES DAS ESCOLAS


PÚBLICAS NO BRASIL ���������������������������������������������������������������������� 39
Ana Cristina Prado de Oliveira
Emília Giordano

DESAFIOS ATUAIS DA GESTÃO ESCOLAR: percepções


dos diretores da rede municipal do Rio de Janeiro����������������������������� 61
Maria Luiza Canedo
Ana Luiza Honorato de Sales

O USO DE DADOS EDUCACIONAIS PELA GESTÃO ESCOLAR���� 81


Larissa Frossard Rangel Cruz
Carla da Conceição de Lima

ESTRATÉGIAS DE AÇÃO DE GESTORES ESCOLARES


EM RELAÇÃO AO CORPO DISCENTE������������������������������������������� 101
Maria Luiza Canedo
Lenon Araújo de Matos
André Luiz Regis de Oliveira

A GESTÃO DA ESCOLA E A CONSTRUÇÃO DO


CLIMA ESCOLAR����������������������������������������������������������������������������� 119
Ana Cristina Prado de Oliveira
Marcela Paquelet Fonseca

LIDERANÇA DO DIRETOR, COLABORAÇÃO DOCENTE E


CONDIÇÕES DE TRABALHO NAS ESCOLAS PÚBLICAS:
o que dizem os professores?������������������������������������������������������������ 133
Marina Meira de Oliveira
Ana Cristina Prado de Oliveira
Marcela Paquelet Fonseca
RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA: estratégias familiares
na escolha da instituição escolar ����������������������������������������������������� 155
Maria Luiza Canedo
Maria Elizabete Neves Ramos
Flávia Pedrosa de Camargo

LIMITES E POSSIBILIDADES DO CONSELHO ESCOLAR


COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA
NA PROMOÇÃO DA QUALIDADE DO ENSINO:
estudo de caso em escola municipal do Rio de Janeiro������������������� 171
Maria de Fátima Magalhães de Lima
Maria Luiza Canedo

A RELAÇÃO ENTRE GESTÃO E ALUNOS EM SITUAÇÃO DE


FRACASSO ESCOLAR: possibilidades de um (des)encontro?�������� 195
Juliana Gomes Pereira
Marina Meira de Oliveira

A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL:


o que mudou entre 2003 e 2015?����������������������������������������������������� 213
Ângelo Ricardo de Souza

GESTÃO ESCOLAR E O SENTIDO DE SUAS PRÁTICAS������������� 233


Vandré Gomes da Silva

SOBRE OS AUTORES.......................................................................245
APRESENTAÇÃO

O GESQ – Grupo de Pesquisa em Gestão e Qualidade da Educação


vem estudando desde 2010 a gestão escolar e educacional na perspectiva da
busca da qualidade e da equidade. Trabalhando com dados da Prova Brasil,
desenvolvendo surveys e estudos de caso em escolas e secretarias de educação
reunimos um significativo acervo de trabalhos empíricos, articulando análises
quantitativas à percepções dos agentes envolvidos na implantação de políticas
educacionais e seus possíveis reflexos nos resultados escolares. Paralelamente
elaboramos instrumentos de pesquisa e revisões de literatura valorizando a
contribuição de todos os integrantes de grupo, sejam eles estudantes de gra-
duação, mestrado ou doutorado, além de pesquisadores já experientes que
colaboram com o grupo. Mantemos também interlocução sistemática com
outras instituições, inclusive internacionais, ampliando olhares. Esperamos,
com esta publicação, disponibilizar um instigante material gerador de novas
questões, contribuindo para a construção do conhecimento na área. Todos os
artigos apresentados são resultado do diálogo entre diferentes pesquisas reali-
zadas no âmbito do GESQ, abordando os diferentes aspectos que investigamos.
No primeiro capítulo trazemos uma discussão sobre as contribuições
teóricas cujos conceitos têm sido operacionalizados nos estudos sobre a
gestão escolar na literatura internacional e brasileira a partir do ano 2000. As
autoras apresentam diferentes perspectivas teóricas no campo da sociologia
da educação e da política educacional e desenvolvem uma reflexão sobre os
caminhos metodológicos no campo e seus desafios. São discutidas operacio-
nalizações de pesquisa qualitativas e quantitativas bem como os instrumentos
e estratégias de trabalho de campo, destacando a importância da articulação
entre as diferentes metodologias e das dimensões “micro-macro” para as
pesquisas neste campo.
O segundo capítulo apresenta uma análise do perfil sociodemográfico
de diretores das escolas públicas brasileiras a partir dos dados da Prova
Brasil (2007 a 2015). Dando especial destaque aos aspectos relacionados à
sua formação inicial e ao seu acesso ao cargo, as autoras analisam possíveis
associações entre esses dados e a agenda política educacional sobre o tema.
O capítulo seguinte aborda o uso de dados educacionais pelos gestores
escolares dos municípios de Macaé (RJ) e Juiz de Fora (MG) partindo da
relevância dos gestores se apropriarem dos dados educacionais possibi-
litando análises estratégicas com vistas à tomada de decisão, em prol da
qualidade do ensino.
10

O capítulo quatro tem por objetivo discutir as percepções que os diretores


de escolas públicas têm sobre os alunos e de que forma as representações dos
gestores se manifestam nas relações que estes estabelecem com os discentes
bem como nas ações colocadas em prática para enfrentar desafios tais como
faltas, indisciplina e evasão.
O estudo apresentado no quinto capítulo parte de dados coletados pelos
questionários destinados a professores e diretores da rede municipal do Rio de
Janeiro no Survey GESQ 2016 e dados qualitativos coletados em um estudo
de caso no mesmo espaço, discutindo aspectos relacionados à construção de
um clima propício para a aprendizagem.
No sexto capítulo os autores desenvolvem uma análise sobre liderança
do diretor e colaboração docente a partir do estudo estatístico com os dados da
Prova Brasil e de entrevistas com professores de escolas públicas municipais
no Rio de Janeiro, dialogando em uma perspectiva macro (dados quantitativos
a nível nacional) e micro (dados qualitativos a nível local).
O capítulo sete tem por objetivo discutir as estratégias utilizadas para esco-
lha da instituição escolar por famílias de estudantes matriculados em unidades
escolares onde os alunos apresentam bons resultados nas avaliações, investigando
de que forma outros agentes exercem influência na relação das famílias com a
escola, ressaltando-se o papel desempenhado pela afiliação religiosa.
O capítulo seguinte analisa o funcionamento dos conselhos escolares como
uma das estratégias da gestão democrática em uma escola da rede pública de ensino
do Rio de Janeiro com bons resultados em avaliações externas, trazendo a tona os
limites e as possibilidades dos conselhos como instrumentos de participação dos
pais em prol da melhoria da qualidade do ensino e das condições gerais da escola.
O capítulo nove propõe-se a problematizar aspectos da relação do diretor
escolar com os agentes intra e extraescolares, buscando compreender de que
forma os diretores lidam com os desafios das unidades administradas por eles,
bem como os demais agentes percebem o trabalho do diretor, relacionando
diferentes perspectivas sobre a aprendizagem escolar, que pode ser compre-
endida tanto como um direito, quanto como um dever ou uma recompensa.
Os desafios atuais da gestão escolar no município do Rio de Janeiro,
apontados por aqueles que atuam no cargo, são o foco do décimo capítulo
onde as autoras discutem os resultados encontrados em uma questão aberta
do Survey GESQ 2016 e aprofundam a reflexão sobre cada categoria, esta-
belecendo relações com o perfil dos respondentes.
Nos dois capítulos finais trazemos a contribuição de dois importantes
pesquisadores brasileiros sobre o tema com os quais o GESQ tem dialogado,
Ângelo Ricardo Souza e Vandré Gomes da Silva, em importantes trabalhos
sobre a implementação da gestão democrática nas escolas públicas brasileiras.

Boa leitura.
A PESQUISA SOBRE GESTÃO
ESCOLAR – CONTRIBUTOS TEÓRICOS
E CAMINHOS METODOLÓGICOS

Cynthia Paes de Carvalho


Ana Cristina Prado de Oliveira

Introdução

O presente capítulo procura sistematizar as contribuições teóricas cujos


conceitos têm sido operacionalizados através de diferentes percursos metodo-
lógicos nos estudos desenvolvidos no Grupo de Pesquisas Gestão e Qualidade
da Educação – GESQ desde 2010 que, direta ou indiretamente, discutem a
gestão escolar. Além das referências bibliográficas discutidas no grupo e nos
trabalhos de pesquisa de mestrado e doutorado de seus membros, este texto
encontra um lastro importante na pesquisa de doutoramento de Oliveira (2015)
que realizou um extenso levantamento da literatura internacional e brasileira
a partir do ano 2000. A estas referências agregamos algumas leituras mais
recentes de pesquisas internacionais que, acreditamos, poderão iluminar os
desafios de investigação a enfrentar no campo.
Desde o início das atividades do GESQ optamos por um caminho de re-
visão de literatura que perseguiu – simultaneamente – a definição de conceitos
no campo da sociologia e sua operacionalização nas pesquisas sobre gestão
escolar, buscando discutir a consecução das atividades de coleta de dados
empíricos de forma articulada e consistente com a análise pretendida. Mais
recentemente, sobretudo nas pesquisas desenvolvidas no grupo que focalizam
a análise de políticas educacionais, começamos também a incorporar refe-
rências sobre implementação de políticas públicas, estas fundamentalmente
do campo da ciência política.
Inicialmente é importante sublinhar que os estudos que temos desen-
volvido partem do que Forquin (1995) aponta como o desenvolvimento de
uma sociologia das desigualdades escolares tributária da incorporação de
novos objetos e metodologias no âmbito da Sociologia da Educação a partir
de 1980/1990. Este movimento teórico e metodológico se configura a partir
do questionamento do determinismo macroestrutural das teorias sociológicas
12

sobre a educação a partir dos grandes levantamentos de dados educacionais


da década de 1960 e da hegemonia da perspectiva da reprodução na pesquisa
e nos debates da Sociologia da Educação nas décadas de 60 e 70, como as-
sinala Nogueira (1990, 1995). Um extenso conjunto de pesquisas empíricas
volta-se então para investigar as diferenças relacionadas ao efeito das escolas
nos resultados dos alunos, principalmente analisando suas características
organizacionais e os processos escolares relacionados à aprendizagem. Esse
conjunto de pesquisas ficou conhecido como pesquisas em eficácia escolar e
apontam que, se o background familiar tem um peso importante na definição
do desempenho acadêmico do aluno, alguns fatores intraescolares poderiam
minimizar o efeito da origem social, promovendo a eficácia e a equidade
na oferta educacional (BROOKE; SOARES, 2008). Nelas se observa uma
revalorização do olhar sobre as escolas e as diferenças que podem produzir
apresentando resultados discrepantes em termos de equidade, mesmo quando
atendem alunos de origem social semelhante (MORTIMORE et al., 1998;
RUTTER et al., 1979; WILLMS, 1992; entre outros).
Mesmo reconhecendo a dificuldade de isolar completamente as carac-
terísticas escolares, inclusive porque elas interagem com os demais fatores
(estrutura familiar, suporte dos pais aos estudos, território e convivência social
do aluno, entre outras) que interferem na aprendizagem escolar (RIBEIRO et
al., 2010; SILVA, 2013; FELIPE, 2013), diversos autores buscaram mensurar
seus efeitos e indicam que entre 10 e 20% da variância nos resultados dos
alunos poderia ser explicada por aspectos escolares (CREEMERS; REEZ-
GIT, 1996, p. 203). Vale lembrar que o contexto socioeconômico em que a
escola (ou rede) está inserida produz alterações na influência dos fatores
escolares. Alves e Franco (2008) mostram a necessidade desta adaptação
contextual quando apontam a infraestrutura escolar como um importante
fator de eficácia escolar no caso brasileiro, diferentemente do contexto
norte-americano ou europeu, em que as condições pouco variam entre
redes e escolas. Dentre os fatores intraescolares que influenciam a apren-
dizagem dos alunos um grande número de estudos identificou a gestão e
a liderança do(a) diretor(a) (SAMMONS, 2008) que, principalmente na
literatura internacional, motivou um número expressivo de novas pesquisas
que buscam compreender de que forma se efetiva esta influência. O GESQ
nasceu inspirado nestes estudos e tem buscado investigar a relação entre
gestão – especialmente a escolar – e qualidade da educação no contexto
das redes públicas de educação básica no Brasil.
Desde o início da década de 1990 observamos mudanças significativas na
política educacional brasileira, em larga medida relacionadas à avaliação, ao mo-
nitoramento e à busca pela qualidade e equidade no sistema educacional, marcada
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 13

desde a sua organização inicial pela desigualdade de acesso e de oportunidades


de aprendizagem (TEIXEIRA, 1967). Contamos, hoje, com coleta e disponibili-
zação de dados educacionais nunca antes experimentadas e o trabalho de análise
destas informações começa a se estruturar de forma mais regular e sistematizada
(OLIVEIRA, 2018). Antes da possibilidade de utilização das avaliações nacionais
em larga escala, os Censos Demográficos, a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) e o Censo Escolar possibilitavam o cruzamento de infor-
mações significativas sobre o acesso e o fluxo na Educação Básica, mas não
podiam responder às perguntas sobre o desempenho dos alunos a partir do ensino
ministrado nas escolas, pois, como apontam Alves e Franco (2008, p. 484), tais
levantamentos não incluem dados sobre a qualidade do ensino.
No Brasil, a criação de um Sistema de Avaliação da Educação Básica –
SAEB data do ano de 19901. Em 2005, este sistema foi ampliado com a intro-
dução da Prova Brasil, que envolve testes de Língua Portuguesa e Matemática
aplicados às séries finais de cada etapa do ensino fundamental, em todas as
escolas públicas brasileiras com mais de 20 alunos nas séries avaliadas. Sua
intenção diagnóstica é defendida pelo Plano de Metas Todos pela Educação2:

Com os resultados do Prova Brasil, as secretarias e o MEC têm um diag-


nóstico da Educação brasileira, podendo detectar desigualdades nas escolas
e entre elas. A partir disso, esses órgãos devem definir ações e direcionar
recursos para corrigir essas distorções e melhorar a qualidade do ensino.3

À iniciativa federal tem se juntado ou ampliado políticas locais (estaduais


e municipais) de avaliação do ensino público. De acordo com Brooke et al.
(2011) 19 estados brasileiros já possuíam sistemas próprios de avaliação da
aprendizagem em 2011. Bonamino e Souza (2012) destacam que a introdução
da Prova Brasil, além de outras avaliações estaduais e municipais, e a divulgação
de seus resultados, inauguram uma segunda geração de políticas de avaliação
em larga escala no Brasil (a primeira geração teria sido a sistematização do
SAEB, na década de 1990). Como alguns estudos recentes tem apontado, este
contexto político tem tensionado a gestão escolar, sobretudo nas redes públicas
em que poucas alterações das condições de trabalho dos profissionais envolvi-
dos foram registradas (PAES DE CARVALHO; OLIVEIRA E LIMA, 2014) e
indicado novas questões de investigação sobre o papel dos gestores enquanto
implementadores de políticas educacionais ao nível da escola e de seus agentes.

1 Avaliações de Língua Portuguesa e Matemática dos estudantes de 5º e 9º anos do ensino funda-


mental e do 3º ano do ensino médio, da rede pública e da rede privada, de escolas localizadas nas
áreas urbana e rural. A avaliação é amostral, ou seja, apenas parte dos estudantes brasileiros das
séries avaliadas participa da prova. Os resultados de desempenho são gerados em três níveis:
Brasil, Regiões e Estados (Unidades da Federação). (Fonte: <http://provabrasil.inep.gov.br>).
2 Proposta regulamentada pelo Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007.
3 Disponível em: <www.todospelaeducacao.org.br/educacao-no-brasil>. Acesso em: 12 jul. 2011.
14

Por sua vez, as pesquisas sobre as escolas eficazes analisam os processos


organizacionais e pedagógicos de escolas que apresentam bons resultados
independente da condição socioeconômica de seu público, valendo-se de abor-
dagens quantitativas e qualitativas. Essa tem sido outra inspiração importante
dos trabalhos de pesquisa que temos desenvolvido no GESQ: integrar análises
estatísticas (análise fatorial, modelos de correlação, de regressão e multiníveis)
com abordagens qualitativas, como estudo de caso e estudos de perspectiva
etnográfica de escolas. As medidas contextuais da escola (geralmente calcu-
ladas a partir dos dados disponibilizados pelos questionários contextuais que
acompanham as edições das avaliações) expressam a situação daquela unidade
no momento da aplicação do teste, o que nos impõe uma análise cuidadosa
e rigorosa sobre as relações entre as características escolares e os resultados
dos alunos (OLIVEIRA, 2018). Essa preocupação tem nos mobilizado na
direção da progressiva articulação de tais estudos com desenhos qualitativos
de investigação que buscam definir seu recorte empírico a partir das análises
dos dados do conjunto das escolas das redes de ensino e das interrogações que
elas suscitam. Entendemos, assim que nem sempre é possível aprofundar sem
observar e ouvir os agentes escolares e compreender suas práticas, perspectivas
e interações. Podemos dizer que temos caminhado num horizonte de pesquisa
misto do ponto de vista metodológico, cuja trajetória procuramos descrever.
Este capítulo está organizado em três seções, após esta introdução. A pri-
meira seção apresenta diferentes perspectivas teóricas utilizadas nas pesquisas
educacionais internacionais para compreender a função do gestor escolar, con-
siderando o campo da sociologia e da ciência política sobretudo nas análises
desenvolvidas sobre o sistema educacional. Neste diálogo, procuramos não
perder de vista as especificidades dos contextos diversificados (em termos de
estrutura e funcionamento do sistema educacional de cada país ou conjunto
de países) da produção. A segunda seção reúne um conjunto de perspectivas
conceituais que tem lastreado as pesquisas desenvolvidas no Brasil, seguindo
a inspiração do trabalho denso e profundo realizado por Ângelo Souza em sua
tese de doutoramento (SOUZA, 2006). Em cada seção discutimos os caminhos
metodológicos no campo de pesquisa sobre a gestão escolar e seus desafios,
as operacionalizações de pesquisa quantitativas (elaboração de questioná-
rios, aplicação de surveys, análises estatísticas) e qualitativas (entrevistas,
observação, shadowing), muitas das quais também temos experimentado nas
pesquisas desenvolvidas pelo GESQ, bem como os instrumentos e estratégias
de trabalho de campo. Na última seção, trazemos nossas considerações finais,
destacando a importância da articulação entre as diferentes metodologias e
das dimensões “micro-macro” para as pesquisas neste campo.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 15

Contributos teóricos e metodológicos


de pesquisas internacionais

No plano internacional o tema da gestão escolar assume considerável


relevância na literatura a partir da década de 1970 especialmente a partir da
preocupação com a eficácia escolar, buscando entender o papel dos diretores nos
processos de mudança e melhoria dos resultados de todos os alunos. Diversos
estudos procuraram especificar os fatores intraescolares intervenientes nestes
processos concluindo que a liderança do diretor comprometida com o sucesso
escolar era um fator essencial e frequentemente crítico (MAY; SUPOVITZ,
2011). Oliveira (2018) destaca que no contexto das políticas de responsabi-
lização (accountability) federal dos Estados Unidos, as pesquisas tendem a
uma apresentação mais prescritiva dos resultados encontrados, com vistas a
fomentar os cursos de formação de diretores naquele país. Nesses estudos o
estabelecimento de uma forma de liderança mais participativa/colaborativa/
distribuída, que envolve os profissionais das escolas nas decisões importantes
relativas à rotina dos estabelecimentos – principalmente as pedagógicas –
aparece como fator que influencia o nível de satisfação e comprometimento
do professor com seu trabalho, além de aumentar a percepção sobre o nível
de coesão da equipe na escola, uma vez que todos são chamados a participar
e decidir (MARKS; PRINTY, 2003; BRUGGENCATE et al., 2012; HULPIA
et al., 2011; LEITHWOOD et al., 2004, 2007; entre outros) .
A literatura apontou diferentes abordagens para temas fundamentais para
esta pesquisa: o papel do diretor escolar, suas atribuições, perfis de liderança
do diretor, interferências externas para seu trabalho, reflexos de sua atuação
para o trabalho docente e para o desempenho dos alunos. Em levantamento
realizado sobre o período 2010 a 2014 em dois dos mais importantes periódicos
internacionais (Educational Administration Quarterly e American Educational
Research Journal), focalizando a relação entre a gestão do diretor e o traba-
lho dos professores, Oliveira (2018) registra estudos tanto sobre a dimensão
pedagógica dessa relação, quanto sobre sua dimensão relacional ou afetiva,
enfatizando a relevância destas relações para a qualidade do trabalho na escola
e os resultados dos alunos. Em particular, os estudos de Boyd et al. (2011), Shen
et al. (2012) e Thoonem et al. (2011) realçam a perspectiva de uma liderança
mais participativa/distribuída/colaborativa no que diz respeito a relação com
os docentes e ao envolvimento destes nas decisões sobre a rotina escolar. Esta
característica da liderança do diretor funcionaria como um fator importante de
promoção da satisfação e do compromisso dos professores com seu trabalho,
favorecendo a coesão da equipe na escola como aponta Price (2012). Segundo
Oliveira (2018, p. 40), a maioria dos estudos associa estratégias de liderança
voltadas para a melhoria da qualidade do ensino com o clima escolar e alguns
16

deles (BRUGGENCATE et al., 2012; URICK; BOWERS, 2014) apontam a


relevância das expectativas dos agentes escolares sobre o futuro dos alunos
e destacam a importância de se conhecer o contexto social dos estudantes.
Oliveira (2018) assinala a necessidade de uma mirada mais articulada so-
bre a atuação do diretor escolar que prioriza (ou não) certas tarefas inseridas em
configurações contextuais internas e externas às escolas e influencia, em alguma
medida, o trabalho do professor e os resultados dos alunos. Os estudos interna-
cionais dão conta de várias possibilidades, estilos ou tipos de liderança (partici-
pativa, distribuída, coletiva ou em parceria), mas via de regra convergem para
uma perspectiva plural ou não monopolista, sobretudo em contextos de reforma
educacional em que as escolas se tornam espaços mais complexos em que a crença
numa liderança pode perder seu vigor (DUTERCQ et al., 2015). Spillane et al.
(2008) propõem uma concepção de liderança como uma ação situada em torno
da gestão e da dinâmica do estabelecimento escolar num somatório das ações
de múltiplos líderes em diferentes situações em torno de três eixos principais: a
problemática do momento, a ação e a orientação dos líderes (e suas respectivas
relações de poder), e as posturas e reações dos demais atores envolvidos.
Do ponto de vista metodológico, observamos uma quantidade importante de
estudos quantitativos nas publicações internacionais, em particular nas pesquisas
desenvolvidas no universo anglo-saxão, merecendo destaque o uso dos dados
disponibilizados pelo School and Staffing Survey (SASS), survey aplicado a cada
4 anos com o intuito de prover dados descritivos sobre a condição educacional nos
Estados Unidos. Esta ferramenta de investigação foi uma importante inspiração
tanto para o trabalho de doutoramento de Oliveira, como para uma parte conside-
rável dos estudos realizados no âmbito do GESQ desde 2010, sobretudo com as
respostas dos questionários contextuais da Prova Brasil e para o desenho de nossos
próprios instrumentos de pesquisa no que denominamos Survey GESQ a partir de
2014, que vem sendo aplicado e revisto a cada ano nas diferentes pesquisas dos
membros do grupo. Como detalharemos adiante, cabe assinalar o investimento que
temos feito em relação à medida da liderança do diretor buscando fundamentar
e testar empiricamente sua concepção, considerando sua legitimidade frente ao
corpo docente e sua capacidade de mobilizar e forjar o comprometimento dos
professores com a escola e a aprendizagem dos alunos4.
Finalmente, no que toca a literatura internacional sobre gestão escolar
é preciso registrar os contrastes encontrados entre os estudos desenvolvidos
na Europa continental, especialmente na França, e as análises realizadas nos
contextos dos países de língua inglesa, em particular na Grã-Bretanha e nos

4 Em nosso artigo publicado na Revista Brasileira de Educação assumimos a concepção de Marks e Printy
(2003) ao selecionar variáveis dos questionários contextuais aplicados aos professores na Prova Brasil
para compor o Índice de Liderança do Diretor, utilizando uma análise fatorial e encontrando correlações
estatisticamente significativas com o desempenho dos alunos em matemática no 5º Ano do Ensino Fun-
damental para diferentes edições da Prova Brasil (OLIVEIRA; PAES DE CARVALHO, 2018).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 17

Estados Unidos. Embora convirjam em diversos resultados e mesmo no re-


conhecimento da relevância do diretor e da gestão para o sucesso escolar e o
combate às desigualdades educacionais (COUSIN, 1998; DURU-BELLAT,
2005), as diferenças de funcionamento do sistema educacional impõem desafios
para a pesquisa e mesmo para a interlocução acadêmica. Nessa direção pode-se
apontar a necessidade de aprofundamento do debate sobre os conceitos (em
particular o de liderança do diretor) e sua operacionalização em contextos em
que – entre outros aspectos – a autonomia dos estabelecimentos, o provimento
do cargo de diretor, as condições de trabalho e o horizonte de possibilidades
de decisão do gestor da escola (seleção e avaliação de professores, gestão das
rotinas escolares e das condições de trabalho discente e docente, entre outros
aspectos) variam consideravelmente de um país a outro (DEROUET, 2015).
As incursões que já realizamos na literatura europeia latina mostraram que
não se trata de um desafio qualquer – em particular se consideramos a pressão
dos organismos internacionais (também financiadores de diversas pesquisas) que
constroem sua argumentação fundamentalmente na literatura anglo-saxônica que
cunhou o termo “liderança” aplicado ao contexto escolar (NORMAND, 2015).
Do ponto de vista do desenvolvimento da pesquisa no campo da gestão escolar
no Brasil, parece-nos que este tensionamento é extremamente bem-vindo, real-
çando a necessidade de empreendermos também aqui uma construção conceitual
a respeito do termo liderança no contexto da gestão escolar. Esta construção
conceitual deve estar lastreada por dados empíricos consistentes e por uma densa
e rigorosa discussão teórica, que considere as contribuições da sociologia e da
ciência política sobre as burocracias, o clientelismo e o patrimonialismo e sua
presença na cultura escolar no Brasil (MENDONÇA, 2001).
No que se refere às pesquisas internacionais, ainda que um expressivo
volume daquelas que acessamos trazerem abordagens quantitativas, como
já observado, também registramos que muitos estudos qualitativos e mesmo
publicações (livros e revistas especializadas) dedicam-se exclusivamente à
divulgação de estudos de caso, como o Journal of Cases in Educational Lea-
dership (JCEL) voltado para os programas de formação de gestores e mantido
pela University Council for Education Administration (UCEA5). Para além do
uso de metodologias de estudo de caso já bastante conhecidos e utilizados nas
pesquisas realizadas no Brasil (entrevistas, observações do cotidiano escolar
e/ou análise documental), detectamos a utilização da técnica de shadowing.
Nesta abordagem metodológica, um ou mais pesquisadores ficam na escola

5 A UCEA é um consórcio de Instituições de Ensino Superior comprometidas com o avanço da forma-


ção e prática de líderes educacionais em benefício das escolas e crianças (disponível em: <http://
www.ucea.org/about-ucea/>, tradução livre das autoras). Este consórcio realiza reuniões aunais com
pesquisadores e profissionais (gestores) como estratégia de promoção e disseminação de pesqui-
sas sobre os problemas da escola e da prática da liderança, incrementar a formação e o desen-
volvimento profissional de líderes educacionais e professores, além de influenciar positivamente a
política educacional local, estadual e nacional.
18

durante todo o período escolar, acompanhando o trabalho do diretor para


identificar possíveis tendências, predominâncias, comportamentos (para
mais detalhes, ver SPILLANE et al., 2011; TEROSKI, 2014). Mais adiante
discutiremos como esta metodologia investigativa inspirou alguns trabalhos
desenvolvidos nas pesquisas do GESQ.

Contributos teóricos e metodológicos de pesquisas nacionais

Considerando os extensos levantamentos e estados da arte já desenvol-


vidos por diversos pesquisadores brasileiros sobre a literatura nacional no
campo da gestão escolar (SOUZA, 2006 e 2017; ALVES; FRANCO, 2008;
ABDIAN et al., 2016; MARTINS; SILVA, 2011) inicialmente levantamos
apenas artigos sobre o tema em duas revistas nacionais (Revista Brasileira de
Educação – RBE, Revista Brasileira de Política e Administração da Educação
– RBPAE). A este levantamento inicial temos, pouco a pouco, acrescentado
artigos de outros periódicos, teses e dissertações sobre a temática disponibi-
lizadas a partir de 2011.
Entre as publicações nacionais nos periódicos citados, levantadas por
Oliveira (2018), os estudos enfatizaram principalmente a interferência das
demandas externas sobre o trabalho do diretor da escola, com foco nas polí-
ticas de avaliação educacional e disseminação de seus resultados por escola
(CORREIA, 2010; RUSSO, 2011).
Entre as teses e dissertações defendidas em 2011 e 2012, Oliveira (2018)
destaca a relação do diretor com os professores como um importante compo-
nente na definição da gestão escolar enquanto corresponsável pelos resultados
acadêmicos da escola. Os trabalhos se dedicaram, principalmente, a investigar:
experiências de sucesso (ou insucesso) escolar relacionadas ao trabalho da
gestão (NEVES, 2012; A. LIMA, 2012; entre outros), as estratégias da gestão
escolar para melhorar os resultados da escola (COSTA, 2012; MIRANDA,
2012; entre outros), estudos comparativos entre escolas (MARQUES, 2012;
CUNHA, 2012; entre outros), o apoio/intervenção do diretor na gestão da
sala de aula (MACHADO, 2012; GOMES, 2012; RODRIGUES, 2012; entre
outros), o efeito da gestão (entre outros fatores) para os resultados de apren-
dizagem em língua portuguesa e matemática (LIMA, N., 2012).
Como nos levantamentos da literatura nacional citados, a maioria dos
trabalhos se vale de abordagens qualitativas e é frequente o uso de estudos
de caso. Outro aspecto notado é a centralidade da discussão sobre a gestão
democrática, o que não raras vezes tem emprestado um viés prescritivo à parte
da produção e tornado tímida – e nem sempre consistente – sua contribuição
enquanto pesquisa acadêmica. Registramos, no entanto, que em nosso caso
o levantamento feito diretamente pelos membros do grupo até o momento
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 19

ainda é pouco representativo para traçar uma meta-análise mais aprofundada,


que tampouco caberia no escopo deste capítulo.
Em que pesem os avanços alcançados nas últimas décadas (tanto na
amplitude quanto na diversidade dos dados publicados), a pesquisa sobre
gestão escolar no Brasil ainda encontra alguns desafios no que se refere às
escolhas metodológicas e a divulgação e síntese dos resultados. Com relação
aos desafios metodológicos, destacamos que, em nosso campo, a presença de
estudos quantitativos (ou que associem metodologias quantitativas e qualitati-
vas) é ainda escassa. Além da pouca tradição de estudos quantitativos na área
educacional no Brasil (GATTI, 2004), é preciso considerar o levantamento
e a disponibilização dos dados referentes ao tema. Apesar de contarmos atu-
almente com extensa disponibilização de dados educacionais, encontramos
limitações para a mensuração dos aspectos relacionados à gestão escolar
através dos instrumentos disponíveis, como foi apresentado por Oliveira
(2018). A seguir procuramos discutir sobre as possibilidades metodológicas
para a realização de pesquisas sobre a gestão escolar a partir das experiências
do GESQ nos últimos anos.

Caminhos e horizontes de investigação do GESQ

Procurando resgatar a trajetória metodológica das pesquisas desenvolvidas


no âmbito do GESQ, esta seção traz um convite ao diálogo sobre pesquisas que
se voltam para a gestão escolar. Alguns dos resultados destes estudos são apre-
sentados ao longo dos capítulos deste livro e, aqui, procuramos fazer a história
da “cozinha de pesquisa” que viemos desenvolvendo ao longo dos últimos anos.

O uso de bases de dados disponíveis

Contamos hoje com uma ampla gama de dados educacionais disponíveis


em nosso país. O Censo Demográfico, a Pesquisa Nacional por amostra de Do-
micílio – PNAD e o Censo Escolar são exemplos de bases de dados que reúnem
informações sobre a escolaridade, o nível sócio econômico, os arranjos familia-
res, entre outras. A instituição do SAEB/Aneb, em 1990, agrega às informações
disponíveis a avaliação da proficiência dos alunos de forma amostral (resultados
por unidades da federação, regiões e país), além dos dados contextuais gerados
pela aplicação dos questionários que acompanham os testes. Com a introdução
da Prova Brasil (Anresc), em 2005, estes dados passam a ser censitários para
as escolas públicas brasileiras. Passaram, assim, a possibilitar uma análise a
partir de um universo mais abrangente, envolvendo informações sobre direto-
res, professores e alunos de todas as escolas públicas brasileiras e os resultados
20

apresentados ao nível da escola. Os questionários contextuais aplicados nas


escolas participantes de cada edição do SAEB (Aneb e Prova Brasil/Anresc)
vêm sendo revisados e modificados desde a década de 1990. De acordo com o
estudo de Bonamino e Franco (1999), os questionários contextuais do SAEB/
Aneb já abordavam, desde a edição de 1993, os tópicos gestão escolar e com-
petência dos professores na elaboração de seus itens. Destacam, contudo, que
apenas a partir do terceiro ciclo (edição de 1995) os questionários contextuais
passaram a levantar as características socioculturais dos alunos:

O terceiro ciclo inovou positivamente ao incluir, no escopo dos instru-


mentos contextuais, questionários sobre as características socioeconômi-
cas e culturais e sobre os hábitos de estudo dos alunos. Até a introdução
desses instrumentos, o SAEB tinha tendido a valorizar apenas o papel
das variáveis propriamente escolares, como a formação de professores e
diretores, o estilo docente, o tempo dedicado ao ensino, a infraestrutura
escolar, subestimando o peso dos fatores socioeconômicos e culturais e a
existência de relações estreitas entre fatores escolares e extraescolares no
desempenho do aluno (BONAMINO; FRANCO, 1999, p. 114).

Esta inovação permitiu aos estudos realizados a partir dos dados levantados
considerar as características sociodemográficas das escolas, uma vez que esta é a
variável que mais interfere na variação dos resultados escolares. Os autores desta-
cam, contudo, a limitação dos instrumentos para esta caracterização considerando
a alta taxa de não-resposta dos questionários dos alunos, sobretudo do 4º/5º ano.
O contínuo processo de revisão dos instrumentos contextuais do SAEB
foi ressaltado por Franco e colegas (2003) ao apresentarem o quadro contextual
construído por eles para a revisão e aprimoramento dos questionários a serem
aplicados na edição de 2001. Com relação aos construtos sobre as características
escolares, os autores destacam que foram considerados os estudos nacionais
e internacionais que levantaram fatores escolares relacionados ao rendimento
escolar. A partir dos construtos encontrados no levantamento realizado e das
conclusões dos primeiros trabalhos nacionais realizados a partir dos dados
do SAEB e do SARESP, Franco et al. (2003) discutem os construtos e as
especificações dos questionários do SAEB dirigidos à alunos, professores e
diretores escolares. No que concerne ao interesse das pesquisas sobre a gestão
escolar, os autores já apontavam, naquele momento, os construtos Condições
de trabalho (no questionário do professor), Trabalho Colaborativo, Clima
Acadêmico e Clima Disciplinar (no questionário do diretor).

A priorização dos construtos relacionados com a direção foi derivada tanto


da revisão das pesquisas internacionais quanto da pesquisa qualitativa
conduzida pela Fundação Carlos Chagas (2000) em escolas incluídas na
amostra do Saeb 99. [...] A maior parte da literatura educacional ressalta a
relevância do papel pedagógico do diretor (FRANCO et al., 2003, p. 65).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 21

Apesar dos autores considerarem que “o tema da liderança do diretor e


sua atuação facilitadora do trabalho docente é também priorizada e abordada
via questionário dos professores” (ob cit., p. 65), os itens que especificam este
construto nas edições mais recentes do questionário não possibilitam uma análise
aprofundada sobre o tema, como foi discutido por Oliveira (2018). Entretanto,
reconhecer as limitações desta fonte de informações não impede ou invalida o uso
dos dados disponibilizados pelos questionários contextuais que acompanham as
edições da Prova Brasil. A pesquisa educacional em educação vem se valendo,
nas duas últimas décadas, destas informações, ampliando a possibilidade de
desenvolver trabalhos de cunho quantitativo com uma amplitude que envolve
praticamente todo o sistema de educação pública no país.
No caso da pesquisa sobre a gestão, liderança e clima escolar, os itens
apontados podem nos trazer indicações importantes captadas em um universo
abrangente, uma vez que praticamente todas as escolas públicas que oferecem as
séries avaliadas participam da avaliação. Alguns estudos realizados pelo GESQ
(PAES DE CARVALHO et al., 2012; OLIVEIRA; WALDHELM, 2016; PAES DE
CARVALHO; OLIVEIRA, 2016; OLIVEIRA; PAES DE CARVALHO, 2018),
fazendo uso de análises estatísticas no software SPSS, encontraram importantes
pistas sobre a relação entre o trabalho do diretor e os resultados escolares.
Nestes estudos, a partir das respostas dos professores aos questionários
contextuais da Prova Brasil (especialmente as questões dos construtos citados),
foram realizadas análises fatoriais para sintetizar a percepção dos professores
sobre aspectos pesquisados. Assim, foram criados índices que mensuravam
a percepção dos professores sobre aspectos como: o reconhecimento do tra-
balho do diretor (Índice de Liderança do Diretor) e as relações entre o corpo
docente (Índice de Colaboração Docente).6 Em seguida, estes índices foram
agregados por escola, ou seja, foi criada uma medida (média) da percepção
dos professores de uma mesma escola sobre os índices criados.
A partir dos questionários respondidos pelos diretores, temos construído
uma variável indicativa da forma como este diretor acessou seu cargo/função
na escola, em diferentes trabalhos. Os dados disponibilizados pelas respostas
dos diretores sobre a forma através da qual chegaram à esta posição nos pos-
sibilitaram criar esta medida diferenciadora (Diretores Indicados) para que

6 Os itens do questionário contextual da Prova Brasil dirigido aos professores que compuseram o Ín-
dice de Liderança do Diretor foram: O(A) diretor(a) dá atenção especial a aspectos relacionados com
a aprendizagem dos alunos; O(A) diretor(a) me anima e me motiva para o trabalho; O(A) diretor(a)
estimula as atividades inovadoras; Sinto-me respeitado (a) pelo(a) diretor(a); Tenho plena confiança
no(a) diretor(a) como profissional. E aqueles que compuseram o Índice de Colaboração Docente
foram: Trocou materiais didáticos com seus colegas; Participou de reuniões com colegas que tra-
balham com a mesma série (ano) para a(o) qual leciona; Envolveu-se em atividades conjuntas com
diferentes professores (por exemplo, projetos interdisciplinares). Todas as respostas foram dadas
em escala de Likert (concordância e frequência). Para mais detalhes metodológicos, consultar os
trabalhos citados acima.
22

pudéssemos estimar sua relação com as demais variáveis estudadas. Cabe


ressaltar que, apesar dos documentos legais defenderem o princípio da gestão
democrática (Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), com a associação de critérios técnicos – comprovação de mérito e
desempenho – e a consulta à comunidade (Plano Nacional de Educação), ainda
prevalece no Brasil a indicação – predominantemente política – de diretores
escolares. Como apontam Oliveira e Paes de Carvalho (2018),
A indicação de diretores para as escolas públicas brasileiras (historicamente
uma escolha política local, que pode não considerar nenhuma capacidade
educacional ou de gestão) é parte da tradição patrimonial na administração
pública brasileira. Estas práticas parecem encontrar ainda um terreno fértil,
especialmente no nível municipal, criando espaço, muitas vezes, para um
clientelismo político e partidário (p. 10).

Os dados disponibilizados pelos questionários contextuais respondidos


pelos alunos do 5º e do 9º ano nos permitem acessar as informações relacio-
nadas à suas características socioeconômicas. Assim, nos estudos realizados
pelo GESQ, consideramos o nível de escolaridade dos pais dos alunos como
uma proxy de seu nível socioeconômico – NSE, escolha fundamentada em
estudos que já demonstraram a estreita relação entre a trajetória escolar e
o nível socioeconômico (SILVA; HASEMBALG, 2000; FAISAL-CURY;
MENEZES-FILHO, 2006; entre outros). Para estabelecer esta medida de
NSE, consideramos as respostas dos alunos sobre a escolaridade de seus pais,
tomando como referência de um NSE positivo (=1) a ocorrência de um dos
pais terem concluído o Ensino Médio. Esta medida foi também agregada por
escola, sintetizando a proporção de alunos respondentes que teriam pais mais
escolarizados naquela unidade, como proxy do NSE médio da escola. Vale
ressaltar que, em estudos mais recentes, temos utilizado o Índice de Nível
Socioeconômico – INSE sintetizado e disponibilizado pelo INEP. Este índice,
produzido a partir de uma complexa metodologia, considera, além da escola-
ridade dos pais, outras variáveis (bens de consumo, acesso a aparatos sociais
etc.) do questionário dos alunos, sintetizando uma medida individual. A base
disponibilizada pelo SAEB por escola apresenta este índice já operacionali-
zado, ou seja, classificando a escola em 7 níveis de INSE7. No entanto, o INEP
também disponibiliza, em seu sítio, uma planilha com o resultado numérico
deste indicador por escola. Por considerarmos que o poder de diferenciação
desta medida é mais eficiente para nossos estudos, a temos utilizado mais
recentemente em nossas pesquisas.

7 Para mais detalhes, consultar a Nota Técnica do INEP sobre o tema: <http://download.inep.gov.
br/informacoes_estatisticas/indicadores_educacionais/2011_2013/nivel_socioeconomico/nota_tec-
nica_indicador_nivel_socioeconomico.pdf>.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 23

Como medida indicativa do desempenho de aprendizagem nas escolas,


optamos por trabalhar com o resultado médio em Matemática do 5º ano e/ou
do 9º ano das escolas públicas brasileiras, nos diferentes recortes de pesquisas
que realizamos. É oportuno registrar que a escolha deste componente curri-
cular – Matemática – se deve ao caráter escolar desta área de conhecimento,
conforme apontaram Rutter et al. (2008):

[...] a escolha das disciplinas escolares [cujos resultados de aprendizagem


serão analisados] pode influenciar os resultados [da pesquisa]. Conse-
quentemente, os estudos do IEA- International Educational Achievement
Survey (Postlethwaite, 1975; Coleman, 1975), o Project Talent americano
(Shaycoft, 1967) e a pesquisa britânica (Brimer et al., 1977) indicaram que
disciplinas como, por exemplo, Matemática ou Ciências, que geralmente
são aprendidas principalmente na escola, mostram maiores diferenças
[de resultados] entre escolas do que a leitura, que pode ser aprendida em
parte em casa com a ajuda dos pais; ou outras, como Literatura Inglesa ou
Estudos Sociais, em que a aprendizagem dos alunos através da televisão
ou de livros disponíveis em casa, e também em conversas com a família,
provavelmente terá influência (op. cit., p. 145-146).

A partir da construção destas medidas (Índices de Liderança do Diretor


e/ou de Colaboração Docente, Média da Proficiência em matemática, Dire-
tores Indicados, NSE/INSE médio da escola) temos trabalhado com os dados
disponibilizados pelo INEP a cada edição da Prova Brasil. Através do desenho
de modelagens estatísticas (regressão linear), buscamos inferir qual seria o
poder de explicação das variáveis relacionadas à gestão (Índice de Liderança
do Diretor, Diretores Indicados) e ao clima escolar (Índice de Colaboração
Docente) para a variação dos resultados interescolares (Proficiência Média
em Matemática). Em outras palavras, os estudos buscaram compreender
em que medida aspectos relacionados à gestão e ao clima escolar poderiam
influenciar os resultados dos alunos.
Para estas análises, utilizamos a medida de NSE/INSE como variáveis
de controle do modelo, considerando a alta relação existente entre a origem
socioeconômica dos alunos e seu desempenho escolar como já indicado. Ou
seja, o modelo considerava a “neutralização” dos efeitos de NSE para a varia-
ção dos resultados dos alunos, captando a importância das variáveis criadas.
Em nossos estudos encontramos associações positivas e significativas entre
os índices de Liderança do Diretor e de Colaboração Docente e a variação
dos resultados dos alunos. Por outro lado, encontramos associações signifi-
cativas e negativas entre a variável Diretores Indicados tanto na variação dos
resultados dos alunos quanto na variação do Índice de Liderança do Diretor.
Podemos inferir, a partir destes estudos, que os alunos se beneficiam de estudar
em escolas onde os professores têm uma boa percepção sobre a liderança do
diretor e sobre a colaboração entre seus pares.
24

Por outro lado, estudar em escolas onde os diretores foram indicados para
seu cargo pode ter um efeito negativo tanto para a percepção dos professores
sobre sua liderança quanto para os resultados dos alunos (OLIVEIRA; PAES
DE CARVALHO, 2018). Ainda que estas associações não indiquem uma relação
causal entre as variáveis estudadas, configuram importantes indicações sobre
a importância das variáveis relacionadas à gestão e ao clima escolar para uma
distribuição mais equitativa da aprendizagem. Tais resultados indicam importantes
pistas para a reflexão sobre aspectos escolares que podem favorecer a proficiência
dos alunos, independentemente de sua origem social (ALVES; FRANCO, 2008;
SAMMONS, 2008). A descrição das formas de operacionalização dos dados
disponibilizados pelo INEP, apresentada nesta subseção, pretende encorajar
novos estudos nesta direção, ampliando o diálogo iniciado pelo GESQ.

A criação e aplicação de um Survey

O principal objetivo do Survey GESQ 2014 foi criar, testar e apresentar


novos instrumentos de mensuração dos aspectos escolares relacionados à gestão
e ao clima escolar que poderiam impactar o desempenho dos alunos. Para tanto, a
criação de instrumentos especialmente desenvolvidos para abordar esta temática
nos trouxe a possibilidade de expandir a discussão iniciada com os estudos já
realizados a partir dos dados da Prova Brasil. Conforme apontado por Oliveira
(2018), os dados disponibilizados pelos questionários contextuais da Prova Brasil,
apesar de possibilitarem grandes avanços no estudo sobre a gestão escolar, são
limitados pela abrangência de respondentes (somente os professores das séries
testadas respondem aos questionários contextuais) e pela abordagem do tema
(poucos itens para mensurar os aspectos relacionados ao tema). Assim, a dispo-
nibilização de um instrumento específico e a tentativa de ampliar o acesso aos
docentes em cada unidade escolar traz a possibilidade de enriquecer e aprofundar
a discussão sobre os aspectos intraescolares aqui discutidos.
Como assinalou Babbie (1999), a construção de um questionário envolve,
primeiramente, a decisão do pesquisador sobre os conceitos que se quer medir, o
que inspirou Cazelli (2005) a apresentar o processo de construção e aplicação de
questionários contextuais em sua pesquisa. A autora considerou que a fase seguinte
à definição dos conceitos seria a sua classificação quanto a sua operacionalização:
os conceitos são observáveis (podem ser medidos diretamente) ou latentes (não
são observados diretamente e passam por um processo de construção do pesqui-
sador, que convenciona quais especificações irão compor seu conceito latente)?
Seguindo esta organização, o quadro a seguir apresenta a listagem dos conceitos
definidos como fundamentais nas pesquisas que o GESQ vem desenvolvendo no
campo da gestão escolar, especificados em conceitos secundários, bem como a
classificação quanto à sua operacionalização.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 25

Quadro 1 – Survey GESQ 2014: Temas, conceitos e suas classificações

Conceitos Conceitos secundários Classificação


Perfil de liderança do Diretor/Foco da direção escolar Latente
Perfil de liderança do Coordenador/ Foco da Coordenação pedagógica Latente
Perfil do corpo docente Latente
Percepção dos professores sobre a liderança do diretor e da equipe de
Latente
gestão da escola
Interlocução com a equipe Latente
Gestão Interações pedagógicas Latente
Liderança
Monitoramento da aprendizagem Latente
Influência como medida da liderança do diretor Latente
Influência como medida da liderança do coordenador pedagógico Latente
Influência como medida da participação do professor Latente
Descentralização da gestão escolar Latente
Avaliação do trabalho docente Latente
Ambiente próprio para aprendizagem Latente
Relações interpessoais Latente
Clima
Coesão do corpo docente comprometimento com a escola Latente
Escolar
Comunicação Latente
Satisfação no trabalho Latente
Interação com a CRE/SME Latente
Contexto
Avaliações externas: reflexos para o trabalho escolar Latente
Gênero Observável
Idade Observável
Caracte- Formação Acadêmica Observável
rização
Experiência profissional Observável
Sociodemo-
gráfica Acesso ao cargo Observável
Jornada de trabalho Observável
Regime de trabalho do professor Observável
Fonte: Oliveira, 2015.

Os grandes conceitos que estruturam o corpo dos questionários, “ges-


tão, liderança e clima escolar”, correspondem aos conceitos definidos
como centrais para a pesquisa que embasou a elaboração do Survey GESQ.
A definição da abordagem teórica destes temas se referencia principalmente
26

na leitura dos estudos de Barroso (2006a, 2006b), Lima (2001) e Souza


(2006, 2012) sobre organizações escolares e gestão; nos estudos de Cousin
(1998), Leithwood (2009) e Polon (2012) sobre práticas de liderança na
escola; e nos trabalhos de Nóvoa (1992), Aguerre (2004) e Brunet (1992)
sobre clima organizacional e clima escolar. Esta fundamentação, incluindo
as contribuições conceituais e metodológicas da revisão bibliográfica sobre
o tema, especialmente nas pesquisas internacionais, sustentaram a definição
dos conceitos secundários apresentados.
A partir desta listagem e classificação dos conceitos, buscamos delinear
os itens do questionário. Os conceitos observáveis, que no nosso caso estão
ligados à caracterização sociodemográfica dos respondentes, são facilmente
operacionalizáveis no questionário. Já os conceitos latentes envolvem uma
compreensão ampla do que está sendo medido, através das referências que
norteiam a pesquisa. Além desta compreensão teórica sobre o que se pretende
medir, é necessário esclarecer a metodologia de medida deste conceito latente,
o que envolve pensar em escalas, dimensões, reduções e outras inferências
estatísticas. Muitas vezes, a operacionalização de um conceito latente envolve
a compilação de mais de uma variável, a construção de um índice ou a reco-
dificação em faixas analíticas das medidas apresentadas.
Na construção dos itens dos questionários, o caminho que escolhemos
seguir foi: 1) Definição dos conceitos e conceitos secundários (o que queremos
medir?); 2) Identificação de como estes conceitos se manifestam no contexto
observado; 3) Especificação dos itens (como medir?); 4) Operacionalização
dos itens em variáveis (o que conseguimos medir?).8 Assim, foram elaborados
três modelos de questionários a serem respondidos por professores, coorde-
nadores pedagógicos e diretores.
A partir dos dados coletados em uma amostra de escolas munici-
pais do Rio de Janeiro, foi realizado um estudo estatístico iniciado pela
análise fatorial no intuito de criar índices (a partir das respostas dos
professores) que sintetizassem os conceitos que pretendíamos medir,
apresentados a seguir:

8 Para maior detalhamento sobre o processo de operacionalização dos conceitos em itens e para
consultar os questionários criados ver Oliveira (2015).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 27

Tabela 1 – Índices criados na análise fatorial dos dados

Validade e
Índices Itens e Cargas Fatoriais
Confiabilidade
Índice de Re- Nesta escola a equipe de gestão é reconhecida por realizar um bom
KMO:0,668
conhecimento trabalho (0,796); A equipe de gestão da escola tem uma postura en-
α de Conbrach:
do trabalho da corajadora e solidária com os professores (0,933); O diretor da escola
0,866
Direção valoriza e reforça o trabalho desenvolvido pelos professores (0,930).
Índice de Como você avalia os seguintes aspectos da sua escola: Disciplina/
KMO:0,784
Percepção comportamento dos alunos (0,767); Relação dos alunos com os
α de Conbrach:
do Ambiente professores (0,909); Relação dos professores com os alunos (0,842);
0,851
Escolar Relação entre os alunos e os funcionários (0,847).
O diretor assiste às aulas (ou parte delas) (0,537); O diretor dá suges-
Índice de
tões aos professores sobre como eles podem melhorar suas aulas KMO:0,767
Intervenção
(0,762); O diretor avalia o trabalho dos professores (0,782); O diretor α de Conbrach:
Pedagógica do
monitora os resultados dos alunos (0,696); O diretor desta escola me 0,716
Diretor
encoraja a melhorar o meu trabalho em sala de aula (0,641).
Quando um professor tem problemas em sua classe, o diretor toma
a iniciativa de discutir o problema (0,640); Quando um professor leva
um problema sobre sua classe à direção escolar, este é resolvido com
Índice de a sua participação (0,618); O diretor desta escola deixa claro para os KMO:0,726
Interação do professores o que é esperado de seu trabalho (0,718); O diretor desta α de Conbrach:
Diretor escola se preocupa com o bem estar dos professores (0,754); O diretor 0,829
desta escola me encoraja a melhorar o meu trabalho em sala de aula
(0,896); O diretor desta escola garante que existam momentos para
discussões coletivas sobre o trabalho desenvolvido na escola (0,833).
Eu estou satisfeito com o tamanho da minha turma (0,675); Às vezes
Índice de considero perda de tempo dar o melhor de mim nesta escola (0,710); KMO:0,675
Satisfação no Eu me sinto satisfeito em trabalhar nesta escola (0,643); Eu penso α de Conbrach:
Trabalho em me transferir para outra escola (0,653); Se eu pudesse, escolheria 0,610
outra carreira (0,653).
Fonte: elaborado pelas autoras.

Todos os índices acima se mostraram válidos e confiáveis para as me-


didas propostas na amostra definida na tese de Oliveira (2015). A etapa
seguinte à criação destes índices envolveu agrupá-los por escola, gerando
uma média da percepção docente sobre cada um dos temas mensurados, em
cada unidade escolar. Os índices agregados foram então levados para a base
dos Diretores, assim como os dados da Prova Brasil referentes a cada escola
(Proficiência Média em Matemática e NSE – Nível Socioeconômico médio
por escola). Destaca-se que nos modelos finais estimados, a importância da
variável usada para sintetizar a percepção dos professores sobre o ambiente
escolar9 melhora significativamente o poder explicativo para a variância das
9 É importante ressaltar que o índice criado não agrega nenhuma variável referente à infraestrutura da
escola, dimensão não analisada por esta pesquisa.
28

duas variáveis dependentes utilizados no estudo (Satisfação do Professor no


Trabalho e Proficiência média em Matemática – 5º ano). Os dados encontrados
indicaram pistas sobre a relação entre as características da gestão escolar e os
resultados dos alunos, sobretudo ressaltando a importância da manutenção
de um ambiente adequado para as atividades escolares. A aplicação destes
instrumentos a amostras mais abrangentes possibilitará uma análise mais con-
sistente das relações encontradas, além de outras associações com os índices
e itens não abrangidos nesta etapa10.

Entrevistas, Observação e Shadowing: imersões qualitativas

Várias das pesquisas realizadas pelo GESQ têm buscado associar meto-
dologias quantitativas (estudos a partir de bases de dados em larga escala ou
dos dados levantados pelos surveys desenvolvidos pelo GESQ) a metodologias
qualitativas, em um esforço de produzir uma análise que parta de uma visão
macro para uma visão micro dos contextos estudados. Busca-se, assim, apro-
fundar e refinar as respostas obtidas no levantamento de dados quantitativos,
possibilitando o adensamento de sua interpretação. Como apontam M. Alves
et al. (2013): “O estudo qualitativo permitirá, assim, compreender melhor
o sentido das diferentes respostas, analisar as configurações específicas e
aproximar-nos do sentido das ações detectadas, neste tratamento estatístico,
de modo agregado”. Por outro lado, a perspectiva também tem sido de apoiar
o desenho e as escolhas de recorte empírico das pesquisas qualitativas e
contribuir para sua contextualização mais rigorosa no campo investigado,
particularmente nas características e resultados das redes de ensino e escolas.
Bogdan e Biklen (1994, p. 11) consideram que a investigação qualitativa
é uma metodologia que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada
e o estudo das percepções pessoais. Na pesquisa qualitativa com enfoque sócio
histórico não se investiga em razão de resultados, mas o que se quer obter é
“a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da
investigação”, correlacionada ao contexto do qual fazem parte (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 16).
A observação participante, segundo Tura (2003, p. 186), caracteriza-se
basicamente pela presença constante do pesquisador no campo de observação.
Implica que o pesquisador observe, registre, narre e situe os acontecimentos

10 Os questionários criados foram posteriormente revistos e reaplicados a uma nova amostra de es-
colas da rede municipal do Rio de Janeiro, movimento que nomeamos Survey GESQ 2016. Após
esta segunda aplicação decidimos consolidar uma versão mais enxuta do Survey GESQ com pos-
sibilidade de ser customizada para a investigação de outros temas de interesse dos pesquisadores
do grupo como a implementação de diferentes políticas educacionais na escola e o papel desempe-
nhado pela gestão nesses processos.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 29

do cotidiano. No caso das pesquisas desenvolvidas pelo GESQ, a observação


da atuação do diretor, especialmente em momentos de reunião com os demais
agentes escolares, na rotina escolar ou em momentos informais, permitiu a
aproximação ao nosso objeto de estudo que “está em uma rede de relações
sociais e de poder, de significados socialmente compartilhados que fazem
sentido naquele contexto” (TURA, 2003, p. 187). A observação direta na
realidade social possibilitou aproximação e escuta dos atores do processo.
Compreendendo que a pesquisa não pode se reduzir a mera descrição sem
análise e reflexão do que foi observado, as orientações para esta opção me-
todológica indicavam: observação, registro e narrativa dos acontecimentos
do cotidiano. Como sugerem Brito e Leonardos (2001, p. 10), considerando
que a neutralidade e a isenção científicas são impossíveis de se alcançar, o
pesquisador deve tomar consciência de sua subjetividade e adotar recursos
para analisá-la e documentá-la.
Para as entrevistas, optamos por roteiros semiestruturados com questões
previamente elaboradas para garantir que o foco principal da entrevista não
se perdesse. Muitas vezes, estes roteiros foram intercambiados entre as pes-
quisas realizadas no GESQ. Os roteiros se diferenciaram de acordo com o
tipo de entrevista, assim, foram criados diferentes roteiros para as entrevistas
com alunos, professores, coordenadores pedagógicos, diretores e agentes das
secretarias de educação. O roteiro previamente elaborado favorece a condu-
ção da entrevista, garantindo que um fio condutor seja seguido, porém, havia
abertura para novos caminhos que levariam a novas descobertas:
Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a
imposição de uma ordem rígida de questões, o entrevistado discorre sobre
o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo
são a verdadeira razão da entrevista (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34).

Como era previsto, muitas vezes o roteiro foi extrapolado, sendo que as
respostas dos entrevistados abriam espaço para novas perguntas que se in-
corporaram à entrevista. Entendendo a natureza das pesquisas realizadas pelo
GESQ, as entrevistas realizadas tiveram como função compreender (mais do
que medir) a realidade pesquisada. Todas as entrevistas realizadas pelo grupo
foram gravadas e posteriormente transcritas, estando atualmente reunidas em
um acervo do grupo de pesquisa.
A técnica de shadowing, citada anteriormente,teve inspiração nos trabalhos
de Spillane e colegas (2011) e Terosky (2014). Nos estudos citados, os pesqui-
sadores agiam como “sombras” dos diretores, acompanhando e protocolando
todas as suas atividades na escola durante o período escolar. Os registros eram
depois categorizados, favorecendo assim a análise dos pesquisadores sobre as
30

atividades/demandas que mais ocupam os diretores em seu dia de trabalho.


Esta estratégia, apesar dos desafios, pareceu ser uma importante fonte de
dados sobre as adaptações na rotina do diretor, foco do estudo de Spillane et
al. (2011). Em sua imersão qualitativa, Oliveira (2015) experimentou a me-
todologia, shadowing dois diretores escolares da rede municipal do Rio de
Janeiro. A técnica exigiu a presença da pesquisadora, acompanhada de mais
um integrante do GESQ, por um período pré-determinado em cada uma das
unidades escolares. A permanência prolongada na escola favoreceu a natura-
lização da presença dos pesquisadores, possibilitando registros do cotidiano
da direção escolar nos diferentes contextos. Para esta pesquisa, optamos por
tabular as atividades e duração (em minutos) para posterior análise das ten-
dências ou prioridades do trabalho do diretor escolar.

Considerações finais

Concluir este capítulo parece quase “fora de lugar”, pois se trata de uma
obra em movimento. Nele buscamos sistematizar os caminhos percorridos
até o momento pelo conjunto de pesquisadores que tem integrado o grupo
de pesquisas Gestão e Qualidade da Educação desde 2010. Estes caminhos
registram nossos aprendizados, nossas reflexões e alguns dos desafios que
temos buscado enfrentar nesse processo de reflexão, estudo, formação e in-
vestigação no âmbito da gestão escolar. Nossa perspectiva é que eles inspirem
outros pesquisadores e nos ajudem a ampliar nossa reflexão numa interlocu-
ção plural e incessantemente curiosa com o mundo escolar e seus atores e
outros pesquisadores apaixonados, como nós, pelo horizonte da qualidade da
educação para todos.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 31

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O PERFIL DOS DIRETORES DAS
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Ana Cristina Prado de Oliveira


Emília Giordano

Introdução

O presente trabalho propõe uma análise do perfil sociodemográfico de


diretores e diretoras das escolas públicas brasileiras a partir dos dados dos
questionários contextuais aplicados junto à cada edição da Prova Brasil
(2007 a 2015). Na análise, damos especial destaque aos aspectos relacionados
à sua formação inicial e ao seu acesso ao cargo, dados fundamentais para a
discussão de políticas públicas que considerem a centralidade do papel dos
diretores e diretoras à frente das escolas públicas brasileiras para a qualidade
do trabalho desenvolvido na escola (ALVES; FRANCO, 2008; LEITHWOOD
et al., 2009). Examinamos também possíveis associações entre esses da-
dos (distribuídos regionalmente) e a agenda política educacional sobre o
tema, considerando a descentralização federativa nas iniciativas que envolvem
as atribuições do cargo.
Nos últimos anos, pesquisas sobre a eficácia escolar têm demonstrado
a relevância de características escolares para a minimização dos efeitos de
origem social na trajetória escolar (SAMMONS, 2008; ALVES; FRANCO,
2008). Dentre estes fatores, destacamos a centralidade da gestão escolar para
a qualidade do trabalho desenvolvido na escola, conforme apontam Lei-
thwood (2009), Soares (2007), entre outros. Estudos realizados em nosso grupo
de pesquisa demonstraram a associação significativa e positiva entre o Índice
de Liderança do Diretor (percebido pelos professores) e a proficiência média
dos alunos em matemática (OLIVEIRA; WALDHELM, 2015; OLIVEIRA;
PAES DE CARVALHO, 2015; OLVEIRA, 2015).  Assim, compreendendo
o trabalho dos (as) diretores (as) como fundamental para o cumprimento dos
objetivos escolares, como será discutido mais adiante, consideramos essencial
conhecer e analisar o perfil evolutivo dos diretores e diretoras das escolas
públicas brasileiras.

1 Uma primeira versão deste trabalho foi publicada na Revista Educação Online (PUC-Rio) v.13, 2018.
40

Os dados utilizados neste trabalho foram extraídos das bases de dados


do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, disponibilizados pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –
INEP. Os questionários socioeconômicos que acompanham cada edição da
aplicação da Prova Brasil são direcionados aos diretores das escolas, aos pro-
fessores e alunos das séries avaliadas e aos aplicadores do teste. Na página do
INEP, encontramos a justificativa e o universo abrangido pelos questionários:

Os Questionários da Prova Brasil servem como instrumentos de coleta


de informações sobre aspectos da vida escolar, do nível socioeconômico,
capital social e cultural de estudantes. Docentes de português e matemá-
tica das séries avaliadas e gestores das escolas, também são convidados a
responder questionários que possibilitam conhecer a formação profissional,
práticas pedagógicas, nível socioeconômico e cultural, estilos de liderança
e formas de gestão. Os questionários destinados às professoras e profes-
sores, assim como diretoras e diretores, são entregues pelos aplicadores
antes da realização do teste e devem ser recolhidos ao final da prova.2

Para este estudo, foram utilizadas as respostas dos diretores aos questioná-
rios contextuais das edições de 2007 a 2015 da Prova Brasil. Vale ressaltar que
o levantamento destes dados é considerado praticamente censitário para o uni-
verso das escolas públicas brasileiras, uma vez que a Prova Brasil é aplicada em
todas as escolas públicas com mais de 20 alunos matriculados na série avaliada.
O quadro abaixo apresenta a distribuição dos dados considerados neste estudo:

Quadro 1 – Dados utilizados no estudo3


2007 200917 2011 2013 2015
Total de questionários (N) 47596 49323 56222 52829 52341
Total ou Parcialmente Preenchidos 99,75% 100% 98,2% 100% 100%
Não preenchido 0,25% 0% 1,8% 0% 0%

A organização e análise dos dados apresentados neste trabalho propõem am-


pliar o debate sobre possíveis aspectos da gestão escolar relacionados ao desempe-
nho educacional. E, especialmente, destacar as diferenças destes aspectos entre os
estados brasileiros, considerando a diversidade político-administrativa neste campo.  
O capítulo se organiza em seis seções, incluindo esta Introdução. Na se-
gunda seção, trazemos nossa fundamentação teórica sobre a gestão escolar e

2 Informação disponível no site do INEP: <http://provabrasil.inep.gov.br/questionarios-socioeconomi-


cos>. Acesso em: 18 nov. 2012.
3 Para esta edição da Prova Brasil, consideramos apenas os questionários parcialmente ou totalmente
preenchidos, uma vez que houve um número expressivo de questionários em branco (15,5%).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 41

a centralidade desta função. Na terceira, apresentaremos os(as) diretores(as)


das escolas públicas brasileiras: perfil dos últimos anos (2007-2015), consi-
derando os dados sócio demográficos e aqueles referentes à sua formação e
experiência profissional. A quarta seção aborda a questão do acesso ao cargo
de diretor(a) escolar como consequência das diversas políticas praticadas no
território nacional, mostrando as principais diferenças neste aspecto entre as
unidades da federação. Na quinta seção falaremos sobre a formação inicial e
continuada dos(as) diretores(as) das escolas públicas brasileiras, procurando
aprofundar o contraste destas informações nos diversos estados brasileiros.
Finalmente, na última seção, teceremos as nossas considerações finais, res-
saltando algumas conclusões que julgamos relevantes na análise realizada.

O Diretor e a gestão escolar

O título de diretor remete, a princípio, às definições de chefia, comando,


administração, àquele que está à frente de uma instituição. E quais seriam as
possíveis definições e representações que o cargo ou função de diretor(a) pode
assumir ao definirmos a escola enquanto seu espaço de atuação? Especialmente
para os fins deste estudo, tornou-se fundamental compreender a função do(a)
diretor(a) escolar em suas diversas nuances, para além da gestão ou adminis-
tração de sua unidade. Em se tratando do ambiente escolar, o(a) diretor(a)
assume diferentes demandas e tarefas: administrativas, burocráticas, relacio-
nais, pedagógicas, entre outras. Entendendo que elas não são excludentes ou
antagônicas, como argumentaram Paro (2015) e Souza (2006), discutiremos
o papel do(a) diretor(a) da escola pública, iniciando pela definição de seu
cargo enquanto funcionário(a) público(a) e destacando a centralidade política
da direção escolar. Souza (2012, p. 160) considera que não se pode isolar a
ação administrativa do poder que está presente nela. Neste sentido, é preciso
considerar sua natureza política e representativa a partir da legislação e das
atribuições deste cargo. Podemos assim entender que todas as relações esta-
belecidas entre o(a) diretor(a) e os(as) professores(as) são pautadas por esta
dinâmica de poder, na qual o(a) diretor(a) estabelece suas estratégias para
conduzir a gestão da escola. Concordamos com Pereira (1976) no sentido
de que a referência de autoridade está no cargo da direção escolar, e não em
determinado diretor(a) em si mesmo. Contudo, consideramos que as formas
de exercer esta autoridade são as mais variadas e refletem a trajetória pessoal
do(a) diretor(a), sua formação acadêmica e sua experiência no exercício do
cargo ou em outros setores educacionais. As estratégias adotadas na condução
da escola envolvem negociações, diálogos e decisões. Acreditamos que o ní-
vel de participação e abertura estabelecidas nesta relação definirão diferentes
estilos de liderança do(a) diretor(a) na escola.
42

O(a) diretor(a) escolar da rede pública de ensino no Brasil é um(a)


funcionário(a) público(a), vinculado à União, Estado ou Município, dependendo
do pertencimento de sua unidade escolar. Há uma questão de definição legal
em relação à compreensão da natureza do vínculo do(a) diretor(a) escolar:
enquanto cargo comissionado, o(a) diretor(a) escolar se enquadra como servi-
dor de carreira.4 Os planos de remuneração e as políticas de admissão ficam
a cargo dos respectivos poderes5: “Assim, estando legalmente investido em
uma função pública, o(a) diretor(a) escolar cumpre um papel administrativo
que o vincula tanto ao Poder que o nomeou quanto à instituição que dirige
e representa. Sobre o seu papel enquanto funcionário(a) público(a), Souza
(2006, p. 171) considera: “Como servidor público, o diretor é um burocrata,
no sentido weberiano do termo. E é sua função, dentre outras questões, fazer
a interlocução entre o Estado e a comunidade escolar e, como tal, exerce um
papel de uma liderança local”. A burocracia, conforme visualizada e descrita
por Weber (1977) é um tipo ideal de organização que, provavelmente não
encontra réplica na realidade, mas funciona como importante modelo de
análise sociológica e política. A burocracia weberiana nos remete à natureza
de dever do funcionário que ocupa um cargo.
Enquanto funcionário público, burocrata, o(a) diretor(a) ocupa sua po-
sição investido(a) pelo poder que o(a) nomeou, o que significa que um dos
papéis que desempenha é o de representante do Estado. Mas ele(a) é, também,
representante dos(as) profissionais da escola e da comunidade na instituição
escolar. Esta múltipla representação remete ao caráter político que confere
centralidade à direção escolar. E, no caso da escolha dos diretores(as) para as
escolas públicas brasileiras, há uma descentralização na definição de como
tais funcionários(as) acessam esta função. A Constituição Federal de 1988 e a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN 9394/1996, apesar
de defenderem o princípio da gestão democrática nas escolas, não estendem
este princípio para a escolha do(a) diretor(a) escolar. De fato, a legislação
deixa a cargo de cada ente federado as definições referentes à carreira de
diretor(a) escolar, inclusive as formas de acesso à função. Como resultado,
temos discrepâncias entre os resultados das unidades federativas neste aspecto,
como será apresentado.
Assim, retomamos a complexa questão da representatividade no exer-
cício do cargo de diretor(a) escolar: ele(a) é um(a) representante legítimo
do Estado, por ele empoderado e a ele devedor, no sentido weberiano do
termo, de seu cargo e lealdade. E é, ao mesmo tempo, representante dos

4 De acordo com os Incisos II e V do Artigo 37 de nossa Constituição Federal.


5 Art. 39 “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de
administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos
Poderes” (BRASIL, 1998).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 43

seus pares professores(as), já que na grande maioria dos casos exerce esta
profissão antes de assumir a direção escolar e tem a licenciatura como for-
mação inicial, primordialmente (como mostram os dados deste trabalho).
Considera-se, ainda, a sua representatividade junto à comunidade na qual a
escola se insere, especialmente quando esta pode ser legitimada através da
escolha do(a) diretor(a) em processos de consulta pública, proporcionando
um maior sentimento de pertencimento de toda comunidade e possibilitando
respectivas responsabilizações.
Essa tensão identitária, cujo cerne procuramos descrever, tornou-se
central na nossa reflexão ao longo do estudo do perfil do(a) diretor(a) da
escola pública brasileira.
Conhecer e analisar as características dos(as) diretores(as) das escolas
públicas brasileiras, especialmente considerando os aspectos destacados nesta
seção, é objetivo deste trabalho. Alguns estudos se dedicaram a esta tarefa nos
últimos anos, entre eles destacamos os trabalhos de Souza (2006) e de Vieira e
Vidal (2014). O primeiro apresenta uma descrição do perfil sociodemográfico
do diretor escolar com dados do SAEB de 2003, criando grupos de análise
a partir destas características. O segundo traça um perfil descritivo dos dire-
tores escolares em nosso país, utilizando dados da Prova Brasil 2011. Nossa
proposta pretende ampliar a reflexão proposta pelos autores desenvolvendo
uma análise evolutiva com base nos dados disponíveis atualmente. Sobretudo,
pretende levantar informações que alimentem a discussão no campo acadêmico
e fomentem iniciativas públicas sobre a relevância do trabalho do(a) diretor(a)
na construção de uma educação de qualidade.

Diretores das escolas públicas brasileiras:


perfil dos últimos anos (2007-2015)

Quem são os(as) diretores(as) das escolas públicas brasileiras? Os dados


das edições da Prova Brasil (2007 a 2015) nos permitem conhecer seu perfil de
forma bastante abrangente, considerando o volume de informações coletadas nos
questionários, conforme apresentado na introdução deste capítulo. Aqui, procu-
ramos reuni-las e analisá-las no que se refere às suas modificações ao longo do
tempo. Porém, cabe ressaltar, que em 2009 15,5% dos questionários não foram
respondidos. Dessa forma, tomamos como opção considerar apenas os dados
dos questionários preenchidos como apresentado na introdução deste capítulo.
No que se refere às características sócio demográficas dos(as) diretores(as) das
escolas públicas brasileiras testadas nas edições da Prova Brasil, a grande maioria
é constituída por pessoas do sexo feminino (cerca de 80% ao longo do período
pesquisado enquanto que o índice para o sexo masculino manteve-se em torno de
44

20%). Cabe ressaltar que, embora a porcentagem de diretores do sexo masculino


seja bem menor, houve pequena elevação desta taxa (próxima a 2%) desde 2007.
No que se refere às características de cor, temos uma queda gradativa na
porcentagem dos que se declararam brancos (52,1% em 2007 para 46,7% em
2015), enquanto a porcentagem dos que se declararam pardos oscilou entre
35% e 45% no período analisado. Essas são as duas categorias que concentram
o maior número de diretores(as) ao longo do período. Nesse quesito, chama a
atenção a porcentagem de diretores(as) que se autodeclararam pretos: evolui
gradativamente de 6,8% em 2009 para 8,4% em 2015. Este fato, em alguma
medida, parece estar relacionado às políticas de ações afirmativas que contri-
buíram, entre outras coisas, para o maior acesso desta parcela da população
aos cursos superiores e para a percepção da identidade negra.
A faixa etária destes(as) diretores(as) apresenta algumas modificações
ao longo dos últimos anos, como mostra o Gráfico 1:

Gráfico 1 – Faixa de idade dos/as diretores/as

35%

30%

25%

20%

15%
2007 2009 2011 2013 2015

Menos de 39 anos Acima de 50 anos

Fonte: produzido pelas autoras, com dados do INEP.

De acordo com os dados, a idade média dos(as) diretores(as) das escolas


públicas brasileiras está mais elevada nos últimos anos: a porcentagem de dire-
tores acima de 50 anos passou de 24,7% (2007) para 32,2% (2015), enquanto
a porcentagem de diretores com menos de 39 anos diminui de 31,2% (2007)
para 24,7% (2015). Importante ressaltar que o aumento na faixa etária não
significa, necessariamente, maior experiência na função. Sobre este aspecto,
o Gráfico 2 sintetiza as informações:
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 45

Gráfico 2 – Experiência em Educação, como


Diretor e como Diretor na atual escola

Fonte: produzido pelas autoras, com dados do INEP.

Como se pode observar, quanto à experiência do (a) diretor (a) trabalhando


em educação, há um alto percentual (próximo a 85%) de respondentes com
mais de 11 anos de experiência em todos os períodos. Este dado corrobora a
ideia de que esta é uma categoria que, em sua grande maioria, possui bastante
experiência em Educação, possivelmente vivenciando a sala de aula antes de
assumir o cargo de direção.
Apesar da alta proporção de diretores(as) com longo tempo de expe-
riência na área educacional, os dados sobre a experiência como diretor(a)
apresenta tendência mais baixa. Ao longo do período observado, a proporção
de diretores(as) com mais de 11 anos na função variou entre 16,5% e 20%.
Destaca-se, na análise dos dados que, em 2015, 73,6% dos respondentes
afirmaram estar exercendo a função há menos de 5 anos. Fato que indica a
pouca experiência na função ou uma grande rotatividade no cargo, apesar da
grande experiência em Educação demonstrada anteriormente.
Da mesma forma, a experiência como diretor(a) na atual escola, apresen-
tou pouca variação ao longo do período (8,0% dos respondentes em 2007 e
9,6% em 2015 estavam há mais de 11 anos exercendo o cargo na atual escola).
Em 2015, 73,2% dos respondentes afirmam estar à frente da atual escola há
menos de 5 anos (esse percentual era de 68,3% em 2007). Ou seja, os dados
relativos à menor experiência como diretor ou diretora e o menor tempo de
experiência na função em uma mesma escola, podem indicar uma relação que
46

precisaria ser analisada com maior profundidade. Os dados apontam que o


período de permanência na função, em geral, é pequeno, o que instiga algumas
hipóteses: assumiriam a posição de diretor professores próximos ao tempo
de aposentadoria? Qual a relação entre o tempo de experiência na função e
o acesso por indicação, tendo em vista que esta apresenta-se como uma das
formas que menos proporciona a permanência na função? Veremos algumas
considerações sobre este último aspecto mais adiante.
No que se refere à sua formação inicial, estariam os diretores preparados
para assumir os desafios desta função?

Gráfico 3 – Formação inicial dos diretores

2015
2013
2011
2009
2007

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Sem Ensino Superior Ensino Normal Superior Pedagogia


Outra Licenciatura Outro Curso Superior

Fonte: produzido pelas autoras, com dados do INEP.

Os dados do período analisado mostram que a grande maioria possui


ensino superior nas áreas de Pedagogia ou Licenciaturas (entre 70% e 80%)
e que esta taxa cresceu gradativamente de 2009 a 2015. Em contrapartida, há
uma queda gradativa na proporção de diretores(as) sem curso superior (de 7%
em 2007 para 3,1% em 2015) e na proporção de diretores(as) que concluíram
outro curso superior (de 16,1% em 2007 para 6,2% em 2015), o que pode estar
vinculado à implementação de medidas que incentivam ou exigem, de alguma
maneira, um nível mínimo de formação para a função. Considerando que não
conseguimos ainda superar completamente essa situação, este importante dado
merece acompanhamento e será explorado mais à frente.
Quanto à formação continuada, a maioria possui especialização, sendo
que esta proporção apresenta crescimento ao longo do período, passando de
57,8% em 2007 para 74,6% em 2015, enquanto a taxa de diretores(as) que de-
clararam “não fiz ou não completei o curso”, apresentou uma queda acentuada,
passando de 32,7% para 17,1% no mesmo período. Estes dados são sugestivos
de uma tendência à busca de formação continuada, mas somente na modalidade
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 47

“especialização”, uma vez que, a proporção de respondentes com mestrado


apresenta crescimento muito pequeno (de 1,6% para 3%) e a proporção de
diretores(as) doutores praticamente se manteve em torno de 0,3%. Acreditamos
que uma das possibilidades para tal fato, é a de que a Pós-Graduação Latu Sensu
é oferecida, muitas vezes, aos sábados ou a distância. Tempo é um fator decisivo
para os que possuem uma extensa carga horária comprometida com a função,
portanto decisivo também na escolha do tipo de formação.
Vislumbramos uma mudança crescente na proporção de diretores(as)
com formação continuada, o que vai ao encontro do que propõe o atual Plano
Nacional de Educação (2014-2024).6
Sobre a forma de acesso à função de diretor, agrupamos os dados em três
faixas: Seleção e/ou Eleição; Indicação e Outra forma. As respostas agrupadas
na primeira faixa incluem: Eleição apenas; Processo Seletivo apenas; Processo
Seletivo e eleição (a partir da Edição de 2013 da Prova Brasil, o questionário
inclui a opção Concurso Público apenas, também inserida nesta faixa). As
respostas agrupadas na segunda faixa incluem: Indicação de técnicos; Indi-
cação de políticos, Outras Indicações (a partir de 2013 estas opções foram
condensadas em: Indicação apenas7). Procuramos destacar, com esta organi-
zação, critérios baseados em aspectos de comprovação técnica e de consulta
à comunidade (na primeira faixa) em contraste com processos de indicação,
que tendem a privilegiar relações políticas e/ou pessoais na escolha do diretor
escolar (segunda faixa). O Gráfico 4 sintetiza as informações para o período:
Gráfico 4 – Acesso ao cargo de diretor (%)

Fonte: Produzido pelas autoras, com dados do INEP.

6 Em sua meta 16, o documento tem como um dos objetivos, garantir a todos(as) os(as) profissionais
da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades,
demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.
7 A partir de 2013 foi incluída a opção Processo Seletivo e Indicação (com porcentagem de 5,1% dos
respondentes em 2013 e 6,0% em 2015) que, por reunir características das duas faixas criadas, foi
considerada na categoria Outra forma.
48

Observando a distribuição das proporções entre as diferentes formas de


acesso, temos que a faixa “outra forma” oscilou, diminuindo gradativamente
de 2007 a 2011, voltando a diminuir de 2013 a 2015. Por outro lado, a pro-
porção de respondentes que acessaram a posição de diretor(a) por indicação
apresentou crescimento, ainda que discreto, em praticamente todo o período, o
que parece indicar a manutenção de uma tradição neste tipo de acesso. Como
apontam Oliveira e Paes de Carvalho (2018, p. 13),

A indicação de diretores para as escolas públicas brasileiras (historicamente


uma escolha política local, que pode não considerar nenhuma capacidade
educacional ou de gestão) é parte da tradição patrimonial na administração
pública brasileira. Estas práticas parecem encontrar ainda um terreno fértil,
especialmente no nível municipal, criando espaço, muitas vezes, para um
clientelismo político e partidário.

Cabe ressaltar que a permanência no cargo mediante a indicação, sobre-


tudo política, tende a ser restrita, devido a sua própria dinâmica, que pode
mudar a cada eleição ou a cada novo acordo político. É muito importante
observarmos este fato, uma vez que a permanência no cargo tem demonstrado
ser um fator importante para um melhor desempenho dos estudantes. Segundo
o PNE atual, a eleição é uma forma democrática de acesso ao cargo, sendo
um dos objetivos da Meta 19:

assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da ges-


tão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e
desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das
escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.
A gestão democrática da educação não se constitui em um fim em si mesma,
mas em importante princípio que contribui para o aprendizado e o efetivo
exercício da participação coletiva nas questões atinentes à organização e à
gestão da educação nacional, incluindo as formas de escolha de dirigentes
e o exercício da gestão (BRASIL, 2014).

Os dados apresentados nos mostram a necessidade de mudanças pro-


fundas nas políticas de provimento de cargo do diretor escolar para que
as respectivas metas do PNE 2014-2024 sejam alcançadas. Considerando
o prazo dado de 2 anos para assegurar a gestão democrática com am-
pla consulta à comunidade escolar, que expirou em 2016, podemos ter
expectativas de mudanças neste aspecto no futuro próximo. Portanto, preci-
samos acompanhar os dados referentes à Prova Brasil 2017 para verificar-
mos se houveram mudanças significativas nestes indicadores, análise que
pretendemos realizar em um próximo estudo quando da disponibilização
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 49

dos dados. Por hora, considerando a importância do tema, o retomaremos


mais adiante considerando as especificidades regionais de nosso país no
que se refere a este aspecto.
Procuramos apresentar, nesta seção, algumas informações relevantes que
nos ajudam a conhecer o perfil dos diretores escolares que estiveram a frente
das escolas públicas brasileiras nos últimos anos. Nas duas próximas seções
aprofundaremos a análise das informações referentes a aspectos relevantes na
definição do perfil deste servidor: a sua formação inicial e o processo através
do qual ele assumiu sua função. Como assinalado anteriormente, o processo de
federalização política em nosso país implica na descentralização de definições
sobre a escolha de diretores para as escolas públicas no Brasil. Assim, fica a
cargo de cada sistema educacional a definição dos critérios para esta escolha,
inclusive no que se refere à exigência de formação mínima para o exercício
da função. Como veremos a seguir, estes dois aspectos – a formação inicial
do(a) diretor(a) e a forma através da qual ele(a) assumiu sua função – podem
estar proximamente relacionados.

A formação inicial e continuada dos diretores


das escolas públicas brasileiras

A legislação educacional brasileira tradicionalmente estabeleceu a


formação inicial de administradores escolares no âmbito da formação dos
profissionais da educação. Desde a LDB de 1971, instituiu-se que esta
formação específica deveria se dar em curso superior de graduação ou de
pós-graduação. A LDB de 1996 (Lei nº 9.394/96) praticamente manteve
as orientações vigentes desde 1971, acrescentando a especificação do curso
de graduação: “a formação de profissionais de educação para administra-
ção, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a
educação básica, será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em
nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta
formação, a base comum nacional.” (Art. 64). Contudo, uma vez que se
considere que os diretores escolares se incluem na categoria de profissionais
de educação apontada na legislação citada, esta indicação não vem sendo
totalmente contemplada, como apontaram os dados apresentados na seção
anterior. Como foi apresentado, ainda que tenha havido uma involução
significativa na porcentagem de diretores que não possuíam formação
inicial em licenciaturas, esta taxa é bastante desigual entre as unidades
federativas. Os Gráficos 5 e 6 destacam alguns contrastes:
50

Gráfico 5 – Diretores sem curso superior – Contrastes


entre Unidades da Federação

Fonte: produzido pelas autoras com dados do INEP.

Destaca-se, na leitura do gráfico acima, que a porcentagem de diretores sem


formação em nível superior nos estados da Bahia, Maranhão e Amapá é signifi-
cativamente superior à média brasileira no início do período observado. Ainda
que estas taxas tenham se reduzido nos anos seguintes, ainda se encontram altas
quando comparadas à média nacional (em 2015, 3,1% dos diretores brasileiros
declararam não ter formação em nível superior). No mesmo gráfico, encontramos
os exemplos dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul que, ao contrário,
apresentaram ao longo do período analisado, um baixíssimo percentual de dire-
tores sem formação em nível superior (em 2015: 0,6% e 0,8%, respectivamente).

Gráfico 6 – Diretores formados em outros cursos (não


Licenciatura) – Contrastes entre Unidades da Federação

Fonte: produzido pelas autoras com dados do INEP.


GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 51

Outro dado importante analisado foi o percentual de diretores(as)


que declararam ter concluído o ensino superior, porém, em outras áreas
diferentes da licenciatura. Como pode ser visto no gráfico 6, os estados do
Rio Grande do Sul, Pernambuco, Espírito Santo e Roraima apresentam, no
início do período analisado, taxas acima da média nacional. Porém, o per-
centual dos(as) diretores(as) com este perfil cai ao longo do período, tanto
nacionalmente como nestes estados e, de forma mais acentuada, no Espírito
Santo, aproximando os resultados (no Brasil, em 2015, 6,2% dos diretores
declararam ter concluído o ensino superior em outra área). A redução destas
taxas, como pôde ser visto no gráfico 4, se reflete no aumento das taxas de
diretores formados nas licenciaturas.
Nos últimos anos, a formação específica para a gestão escolar na educação
básica tem se expandido, no Brasil, em cursos de formação continuada e/ou
de pós-graduação. Sobre este tema, Aguiar (2011) destaca o impulso para a
formação continuada de gestores escolares em nosso país a partir dos anos
2000, dando especial destaque para o Programa Nacional Escola de Gestores
da Educação Básica – PNEGEB, lançado em 2004. O PNEGEB surgiu da
necessidade de se “construir processos de gestão escolar compatíveis com a
proposta e a concepção da qualidade social da educação, baseada nos princípios
da moderna administração pública e de modelos avançados de gerenciamento
de instituições públicas de ensino” (BRASIL/MEC, 2009). Nesse sentido,
apesar do impulso demonstrado a partir de tal iniciativa, essa formação não
atingiu a totalidade dos diretores das escolas públicas brasileiras (como se
verá a seguir), embora consideremos que seus resultados sejam cada vez mais
significativos em abordagens futuras. Porém, como já aventado, precisamos
estar atentos às políticas locais para a escolha de diretores em algumas Secre-
tarias de Educação, onde se tem observado a suspensão da obrigatoriedade
deste tipo de especialização para o exercício desta função. Este é o caso da
SME do Rio de Janeiro, que mudou recentemente o processo de escolha de
diretores escolares em sua rede, indo na contramão do objetivo do PNEGEB.
Os dados apresentados a seguir apresentam a evolução deste indicador no
país e em alguns estados.
Em 2015, 82,8% dos diretores escolares declararam ter cursado alguma
modalidade de pós-graduação, ainda que não esteja especificado no questionário
que este curso tenha sido na área da gestão escolar (em 2007 essa porcentagem
era de 66,4%). Com efeito, a agenda da política pública educacional parece
ter priorizado, nos últimos anos, o investimento na formação continuada de
gestores escolares. Porém, assim como no caso da formação inicial, este re-
ferencial varia entre os estados brasileiros, como pode ser visto no Gráfico 7:
52

Gráfico 7 – Diretores que cursaram pós-graduação –


contrastes entre Unidades da Federação

Fonte: produzido pelas autoras com dados do INEP.

No gráfico, destacamos os estados que apresentaram as maiores e as me-


nores porcentagens de diretores(as) que declararam ter cursado pós-graduação
(estes estados se mantiveram nesta posição ao longo do período analisado).
Percebe-se a tendência nacional de investimento na formação destes profissio-
nais nesta modalidade, inclusive daqueles que, em 2007, apresentavam taxas
bem inferiores à média nacional. No caso dos estados destacados, ressalta-se
que este encaminhamento teve maior força política na Bahia e no Maranhão,
enquanto Amapá mantém uma trajetória mais lenta neste aspecto.
Os dados apresentados nesta seção procuram evidenciar as diferenças
encontradas nos níveis de formação inicial e em pós-graduação dos(das)
diretores(as) das escolas públicas brasileiras. Consideramos de fundamental
importância questionar o que estamos entendendo, no Brasil, como formação
acadêmica esperada para o exercício desta função. Neste ponto, é importante
ressaltar que, no campo dos estudos sobre a gestão educacional, não se che-
gou a um consenso sobre a relevância da formação inicial e continuada do
diretor (a este respeito, ver SOUZA, 2008; SOUZA, 2005; PARO, 2009).
Souza (2008) faz uma importante análise sobre esta questão, argumentando
que a falta de uma consistência teórica no campo das pesquisas em gestão
escolar resulta em uma formação ineficiente. Como esta importante discussão,
contudo, foge do escopo deste trabalho, buscaremos apenas compreender os
determinantes dos contrastes encontrados em nossa análise evolutiva sobre
o tema. Como sugerimos anteriormente, o perfil do(a) diretor(a) das escolas
públicas brasileiras fica condicionado aos diferentes critérios de escolha para
o exercício desta função, determinados pelas políticas locais. A próxima seção
apresenta os dados referentes a esta relação.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 53

A escolha dos diretores: diferentes


políticas no território nacional

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional – LDBN 9394/96, apesar de defenderem o princípio da gestão demo-
crática nas escolas, não estendem este princípio para a escolha do diretor escolar.
De fato, a legislação deixa a cargo de cada ente federado as definições referentes
à carreira de diretor escolar, inclusive o seu acesso ao cargo. Contudo, o Plano
Nacional da Educação – PNE 2014-2024, como já apresentado, assume a discussão
sobre a escolha dos diretores escolares nas escolas públicas, destacando-a como
importante estratégia na condução da gestão democrática nas escolas. Em sua Meta
19, o Plano reforça a efetivação da gestão democrática, propondo como uma das
estratégias, que se “considere, conjuntamente, para a nomeação dos diretores e
diretoras de escola, critérios técnicos de mérito e desempenho, bem como a partici-
pação da comunidade escolar” (BRASIL, 2014). Contudo, como vimos nos dados
nacionais, esta realidade ainda está distante de se concretizar. Mendonça (2000)
assinala que a escolha de diretores escolares nas redes públicas do país tem se
apresentado, frequentemente, por meio de quatro modalidades: indicação, política
ou técnica pelos governos municipais e estaduais; concurso público, que avalia
a competência técnica através de provas e títulos; eleição, através de voto direto
da comunidade escolar e modalidades mistas que integram a eleição a processos
que comprovem a competência técnica do candidato ao cargo. Ao observarmos
como os(as) diretores(as) são escolhidos para sua função nos diferentes estados
brasileiros, podemos perceber que estas modalidades tendem a se delinear de
forma bastante contrastante. Usando a classificação “Indicação” e “Seleção e/ou
Eleição”, como na apresentação dos dados nacionais, destacamos nos Gráficos 8
e 9 os principais contrastes encontrados na nossa análise:

Gráfico 8 – escolha de diretores: indicação

Fonte: produzido pelas autoras com dados do INEP.


54

Gráfico 9 – Escolha de diretores: seleção e/ou eleição

Fonte: produzido pelas autoras com dados do INEP.

Na análise dos dados apresentados pelos gráficos 8 e 9, chama a atenção


o caso do Distrito Federal, onde parece haver uma mudança radical na forma
de escolha dos(as) diretores(as) em 2009. O estudo de Mendes (2012) traz um
quadro evolutivo das políticas de escolha de diretores(as) escolares naquele
contexto e nos ajuda a entender esta mudança. Em 2007 estes servidores
eram escolhidos através de uma lista tríplice com indicação do governador,
conforme a Lei Distrital 247/99 que vigorou de 2000 a 2007. Entre 2008 e
2011 os diretores de Brasília deveriam participar de um processo seletivo e de
eleições para acessarem esta posição, mudança introduzida pela Lei Distrital
3046/07. Em 2012, a gestão de Agnelo Queiroz introduziu a eleição direta
como única forma de escolha de diretores.
Nos demais estados, as mudanças são mais lentas, pois os resultados de
uma alteração nestas informações dependem das diferentes políticas muni-
cipais, principais responsáveis pelo ensino fundamental, etapa da educação
a que se referem os dados desta pesquisa. Em alguns casos, apesar de haver
uma tendência à adoção de processos mais democráticos para a escolha de
diretores(as) na rede estadual, os sistemas municipais mantêm a tendência
patrimonialista para esta definição, mantendo a indicação (especialmente a
política) como estratégia de escolha de diretores. Entre eles, destacamos o
caso da Bahia onde, apesar de haver desde 2008 uma lei estadual que instituiu
a eleição como um dos critérios de acesso à função (aliada à formação mínima
e experiência na escola) esta mudança não se reflete nos dados analisados que
concentram escolas da rede municipal. Assim, embora a proporção de diretores
indicados tenha caído significativamente na rede estadual baiana (sendo de
31% em 2015, abaixo da média nacional), as políticas municipais daquele
estado tenderam a manter a indicação como principal forma de escolha de
seus(suas) diretores(as).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 55

Alguns estados apresentam desde 2007 porcentagens de diretores que


assumiram sua posição na escola através de eleição e/ou seleção muito acima
da média nacional. É o caso do Acre que tem, desde 2003, uma legislação
estadual que regulamenta a gestão democrática e estabelece, em seu artigo
10: “Os candidatos aprovados no processo seletivo serão submetidos à eleição
direta e secreta pela comunidade escolar nas unidades de ensino” (Lei n. 1.513
de 11 de novembro de 20038). As políticas municipais parecem seguir a
mesma tendência atualmente, uma vez que, ao isolarmos os dados referentes
somente a rede municipal de ensino, encontramos uma porcentagem parecida
com a média do estado para todas as redes (88%).
Tendo apresentado alguns contrastes no território nacional no que se
refere às informações sobre o nível de formação dos diretores e os diferentes
processos de escolha deste servidor, passaremos a discutir as possíveis rela-
ções entre estas duas informações. Não parece ser por acaso que os estados
com piores indicadores de formação de seus diretores (Bahia, Maranhão e
Amapá) estão entre aqueles com maiores taxas de diretores indicados. Com
efeito, quando o acesso ao cargo depende mais de relações pessoais do que de
critérios técnicos pré-estabelecidos (mérito e/ou desempenho) e da legitimação
da comunidade (eleição), a definição do nível de formação esperada destes
profissionais fica em segundo plano. Os dados do Quadro 2 apresentam esta
relação a nível nacional:

Quadro 2 – Forma de Provimento da função X Formação (Prova Brasil, 2015)

Eleição e/ou Seleção Indicação Concurso Público

Sem curso Superior 1,4 5,2 0,9


Com pós-graduação 88,1 77,6 87,8
Fonte: produzido pelas autoras, com dados do INEP.

Podemos observar que entre os diretores indicados para a função estão


aqueles com a formação mais frágil. Ao levarmos em consideração o PNE,
que preconiza os critérios de mérito, desempenho e consulta à comunidade na
escolha dos diretores das escolas públicas brasileiras, muito ainda deverá ser
feito para que a meta 19 seja cumprida. Dessa forma, ainda se farão necessá-
rios, os importantes mecanismos de alerta e pressão em todas as instâncias
responsáveis pelo processo de sua implantação.

8 Disponível em: <http://www.al.ac.leg.br/leis/?p=5558>


56

Considerações finais

Neste artigo, procuramos evidenciar o perfil dos profissionais que assu-


mem a função de diretor(a) escolar nas escolas públicas brasileiras (estaduais e
municipais). Com base nos dados fornecidos pelo INEP nas edições da Prova
Brasil (2007 a 2015) analisamos a evolução de alguns dados sociodemográfi-
cos, dando especial destaque à variação na faixa etária destes profissionais ao
longo do período. Como foi discutido, a tendência de diretores mais velhos,
nos últimos anos, não coincide com a predominância de diretores com maior
experiência nesta função. Ao contrário, parece estar havendo nos últimos
anos, diretores que permanecem menor tempo nesta função, o que pode estar
relacionado a mudanças nas políticas de provimento dos cargos de diretores
e merece ser melhor aprofundado.
Em nosso estudo, destacamos dois aspectos na observação do perfil do(a)
diretor(a): sua formação e o acesso à sua posição. Como foi discutido, ambos
dependem de políticas locais que definem, em cada sistema, características
esperadas deste servidor público. A descentralização na condução deste tema
produz contrastes entre as unidades federativas, conforme apresentado, que
repercutem, certamente, na rotina escolar. Alguns estudos (OLIVEIRA; LIMA;
PAES DE CARVALHO, 2013; OLIVEIRA; PAES DE CARVALHO, 2018)
já demonstraram que a forma através da qual o(a) diretor(a) foi escolhido(a)
apresenta associação significativa na explicação da variação na percepção do
corpo docente sobre a liderança deste diretor e, também, no desempenho dos
alunos nos testes de matemática.
Para a análise dos dados do INEP relativos à formação e acesso à função
de diretores (as), nos pautamos nas indicações legais sobre o tema, especial-
mente a LDB e o atual PNE. Para compreender as especificidades regionais,
foi necessário recorrer a dados relativos às legislações de algumas unidades
da Federação, buscando respostas para os contrastes encontrados. Certamente,
um aprofundamento nos dados municipais e suas respectivas regulamentações
sobre os dois aspectos levantados ampliaria essa discussão. Por fugir ao escopo
deste trabalho, fica como o horizonte futuro de investigações.
A desigualdade social é uma realidade e um desafio no nosso país e isso
se reproduz na Educação. Como sabemos, a condição socioeconômica ainda
é o maior preditor da trajetória escolar e, em uma sociedade amplamente desi-
gual como a nossa, esta afirmação tem nos desafiado a pensar estratégias que
possibilitem uma distribuição mais equitativa da educação. Em se tratando do
estudo apresentado, é importante observar uma característica regional nesta
distribuição nos gráficos relativos à formação inicial e a pós-graduação dos
gestores das escolas públicas brasileiras. Entre os gestores sem nível superior,
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 57

as maiores taxas estão nos estados do norte e nordeste enquanto os estados


em que praticamente todos os diretores possuem ensino superior, já há alguns
anos, estão localizados no sudeste. Apesar do relativo crescimento na taxa
de formação continuada ao longo dos anos, alguns estados apresentam taxas
inferiores a 60% de diretores pós-graduados, enquanto outros ultrapassam os
90%. Estados do norte e nordeste apresentam taxas inferiores, enquanto esta-
dos das regiões sul e sudeste apresentam taxas superiores. Consideramos esse
dado muito significativo uma vez que, além de reproduzir os distanciamentos
regionais que historicamente acompanhamos no Brasil, abrem a possibilidade
de reflexão sobre a manutenção desta situação. Tendo em vista que a formação
profissional, assim como a formação continuada, deve ser um dos principais
pilares de uma instituição educacional, ela se justificaria pela possibilidade
de melhorar a oferta educacional (ainda que haja controvérsias sobre o saber
profissional esperado do diretor escolar). Essa grande distância no nível de
formação inicial e continuada destes profissionais encontrada entre alguns es-
tados brasileiros demonstra o quanto de desigualdade temos ainda a enfrentar.
Como buscamos problematizar, parece haver uma associação entre o nível de
formação (inicial e continuada) e a forma de escolha deste profissional em
cada rede de ensino. Como vimos, os estados que apresentam altas taxas de
diretores indicados estão localizados nas regiões norte e nordeste, corroborando
uma cultura política e de gestão pública historicamente clientelista na região.
Este é outro grande desafio, implementar a gestão democrática levando em
consideração, na escolha dos diretores escolares, critérios técnicos de mérito
e desempenho e a participação da comunidade escolar em todos os estados
do país e em cada escola brasileira, como define o PNE 2014. Neste sentido,
cabe assinalar que entendemos como gestão democrática mais do que a pos-
sibilidade de participação dos atores envolvidos na escolarização de crianças
e adolescentes nas decisões da escola, incluindo a escolha do(a) diretor(a).
Acreditamos que uma gestão democrática deve se pautar na realização de um
trabalho que oportunize uma distribuição mais equitativa e democrática dos
saberes escolares. Neste sentido, torna-se fundamental conhecer quem são
os profissionais que assumirão esse compromisso e como auxiliá-los nesta
tarefa que é de todos nós.
58

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DESAFIOS ATUAIS DA GESTÃO
ESCOLAR: percepções dos diretores
da rede municipal do Rio de Janeiro

Maria Luiza Canedo


Ana Luiza Honorato de Sales

Introdução

O estudo aqui descrito tem como objetivo identificar e refletir sobre os


principais desafios da gestão escolar, a partir do ponto de vista dos profissionais
que exercem cargo de direção em escolas públicas municipais do Rio de Janeiro.
Pesquisas internacionais sobre escolas eficazes (SAMMONS, 2008;
BROOKOVER; LEZOTTE, 1979; HANUSHEK, 1989; GRAY, 1990) apontam
para a importância da liderança do diretor como fator-chave para os resulta-
dos dos alunos e afirmam a necessidade de mais investigações neste campo.
Segundo Sammons (2008, p. 355):
O impacto que os diretores têm no desempenho e progresso de seus alunos
provavelmente opera indiretamente através da influência que ele exerce
na cultura da escola e dos professores, nas atitudes e comportamentos,
os quais, por sua vez, afetam práticas de sala de aula e a qualidade do
ensino e aprendizagem.

Ainda que existam muitos aspectos componentes do perfil das escolas,


fatores relacionados à gestão e à liderança são fundamentais, assim como
afirma Barroso (2005):

Em todas elas (escolas eficazes), pese embora a variedade de factores


identificados, é possível reconhecer elementos que resultam do modo como
as escolas são administradas, em particular no que se refere ao estilo e
modos de liderança exercida pelo director da escola e ao apoio dado pelos
pais e comunidade em geral (p. 7).

No Brasil, as discussões relacionadas aos resultados escolares também


têm destacado cada vez mais a relevância do papel do diretor escolar, am-
pliando o campo de estudos sobre gestão escolar. Sabemos que o diretor não
é o único responsável pelo sucesso da escola, entretanto cabe a ele a liderança
62

na busca de agregar expectativas e interesses da comunidade escolar, articu-


lando a participação de todos os agentes envolvidos. Como afirma Libâneo
(2004, p. 112):
[...] Ele encarna um tipo de profissional com conhecimentos e habilidades
para exercer liderança, iniciativa e utilizar práticas de trabalho em grupo
para assegurar a participação de alunos, professores, especialistas e pais
nos processos de tomada de decisões e na solução dos problemas.

Analisar os depoimentos dos diretores sobre os desafios que hoje impac-


tam a gestão escolar configura-se assim como importante contribuição tanto
na busca da qualidade de aprendizagem para todos os alunos quanto para que
as almejadas propostas de autonomia, participação e democracia possam se
tornar realidade nas escolas públicas.

Metodologia

A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME) é res-


ponsável pela maior rede municipal pública de ensino da América Latina
com um total de 1.537 unidades em funcionamento e 654.949 matrículas em
20171 divididas em onze Coordenadorias Regionais de Educação que cobrem
diferentes regiões do município. Acreditamos, assim, que a rede de escolas
municipais da cidade do Rio de Janeiro representa um campo de estudo fa-
vorável à análise que nos dispomos a realizar, tendo em vista seu tamanho,
sua diversidade e sua complexidade.
Identificamos, entre as unidades escolares da rede municipal do Rio de
Janeiro, um total de 840 escolas participantes da Prova Brasil em 2013. Em
resposta ao convite para participação no survey GESQ 2016, enviado aos
diretores dessas escolas, obtivemos 330 respondentes ao questionário que
continha 30 perguntas referentes à liderança, gestão democrática, atribuições
do diretor, clima escolar e características do diretor.
No presente estudo, examinamos essencialmente as respostas fornecidas
por 225 diretores à questão aberta “Em sua opinião, qual é o maior desafio do
trabalho na direção escolar?”. Cabe destacar que parte dos respondentes não
respondeu a esta questão enquanto alguns diretores ampliaram sua resposta,
indicando mais de um desafio. Como resultado, nosso universo de análise
constituiu-se de 252 desafios apontados pelos diretores.

1 Informação disponível no site da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Disponível


em: <http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/educacao-em-numeros>.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 63

No intuito de criar um pano de fundo que permita uma melhor com-


preensão dos aspectos indicados pelos gestores traçamos inicialmente uma
breve caracterização do grupo dos respondentes e, buscando ir um pouco
além, lançamos mão de respostas a um conjunto de questões fechadas do
survey, procurando captar as percepções dos diretores sobre o trabalho que
exercem na escola.
As informações colhidas são apresentadas em números absolutos e
percentuais, estabelecendo-se algumas correlações enquanto hipóteses a
serem confirmadas.

Caracterização dos gestores

Os dados revelaram que 84% dos respondentes se apresentaram


como mulheres, 9% como homens e 7% não se identificaram em relação
ao sexo, corroborando o conhecimento já amplamente difundido de que
no segmento de ensino fundamental a escola configura-se como espaço
onde prevalece a presença feminina tanto no que se refere aos docentes
quanto aos gestores.
Em relação à faixa etária dos diretores constatamos que a grande maioria
é formada por profissionais com 50 anos ou mais, o que indica a expectativa de
que o grupo de respondentes seja detentor de certo nível de amadurecimento
profissional. Constatamos também um número expressivo de diretores na
faixa de 30 a 49 anos e, conforme esperado apenas um caso em que o diretor
tinha menos de 29 anos de idade, como observado na Tabela 1.

Tabela 1 – Faixa etária

Faixa Etária Nº de respostas Percentual


Até 29 anos 1 0,5%
De 30 a 49 anos 78 36,6%
50 anos ou mais 134 62,9%
Fonte: Survey Gesq, 2016.

Em que pese à faixa etária, os dados indicaram que a maioria dos res-
pondentes exerce a função há menos de cinco anos, conforme detalhado na
Tabela 2, sugerindo que estes gestores tenham acumulado uma experiência
docente consistente antes de assumirem a direção, o que pode contribuir para
um exercício profissional respaldado pela vivência no universo escolar.
64

Tabela 2 – Tempo de atuação como diretor

Tempo como Diretor Nº de respostas Percentual


5 anos ou menos 108 51,2%
6 a 10 anos 42 19,9%
Mais de 10 anos 61 28,9%
Fonte: Survey Gesq, 2016.

Comparando os dados da nossa pesquisa com os dados nacionais veri-


ficamos que a nossa amostra no município do Rio de Janeiro se assemelha a
realidade do país, como apontado por Souza e Gouveia (2010):
Quando se considera o tempo de direção escolar, os cursistas (Escola de
Gestores) se aproximam muito do panorama nacional, sendo que a maior
concentração está numa experiência de direção escolar de 3 a 5 anos de
trabalho (p. 186).

Quanto ao nível de escolarização, todos os diretores investigados declaram


ter concluído curso superior. A área em que realizaram a graduação dividiu-se
quase que em partes iguais entre a pedagogia – 49% e outras licenciaturas –
43%, indicando que a expressiva maioria possui formação docente. Apenas
uma parcela muito pequena dos diretores declarou ter se graduado em outras
áreas, o que aponta para uma significativa familiaridade do grupo com o
campo da educação.
Tal quadro vem ao encontro dos trabalhos de Paro (2011, p. 53) que de-
fende a formação essencialmente educativa do diretor, ressaltando que “numa
gestão democrática, todos os educadores são potenciais candidatos à direção
escolar, não se justificando diferenças em sua formação”.
Vale destacar ainda o fato de que 65% dos diretores ampliaram sua for-
mação em cursos de pós-graduação na modalidade de especialização e até
mesmo, em alguns poucos casos, nos níveis de mestrado e doutorado. Somente
14 entre os 221 diretores afirmaram não possuir qualificação específica em
gestão escolar, mostrando que na cidade do Rio de Janeiro a educação pública
conta com gestores escolares com formação para o exercício de suas funções,
possivelmente como fruto de políticas públicas locais de incentivo à formação
continuada. É de se atentar, entretanto, que:

O perfil esperado do gestor público agrega atributos que não podem ficar
limitados à formação técnica. O envolvimento e a articulação das suas
atribuições a saberes diversos, aliados a posturas e comportamentos etica-
mente preservados na direção do bem público é uma das condições para
uma nova visão da gestão escolar (FISCHER et al., 2017, p. 28).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 65

Percepções sobre o trabalho na direção da escola


O questionário utilizado no survey continha afirmativas a serem avaliadas
pelos diretores a partir de uma escala com sete posições relacionadas ao maior
ou menor grau de concordância, de forma que a opção pela posição 1 indicava
discordância total enquanto a posição 7 significava concordância total.
Para a análise que desenvolvemos a seguir optamos por agrupar as
posições da escala em três grupos: respostas com tendência a concordância,
respostas mais voltadas para a discordância e avaliações posicionadas no centro
da escala, denominadas aqui como indiferentes. Buscamos, desta forma, uma
melhor visualização das percepções dos diretores.
Olhamos inicialmente para a afirmativa relacionada às demandas de tra-
balho para o cargo de diretor. Conforme observado na Tabela 3, a maior parte
do grupo considera que “são razoáveis”. Quando buscamos o significado da
palavra razoável2 encontramos o sentido de lógica, configurando-se assim a
hipótese de que tais demandas fazem sentido e devem ser realizadas.
Tabela 3 – Demandas de trabalho

As demandas de trabalho na direção são razoáveis Nº de respostas Percentual


Concordo 108 50,5%
Indiferente 62 28,9%
Discordo 44 20,6%
Fonte: Survey Gesq, 2016.

Entretanto, constatamos em seguida que a maioria do grupo “não se sente


apoiado” em relação aos recursos financeiros e de pessoal, necessários para
garantir sua responsabilidade pelo pleno funcionamento da escola, conforme
a Tabela 4. Com relação ao termo apoiado3 que se refere a amparo, auxílio,
sustentação e aprovação, podemos formular a hipótese de que os diretores
reconhecem a importância do trabalho que realizam, mas não possuem as
condições que consideram indispensáveis para realizá-lo.
Tabela 4 – Apoio em relação aos recursos

Sinto-me apoiado(a) em relação aos


Nº de respostas Percentual
recursos financeiros e pessoais
Discordo 130 61,0%
Indiferente 36 16,9%
Concordo 47 22,1%
Fonte: Survey Gesq, 2016.

2 Ver Dicionário mini Aurélio da língua portuguesa, razoável, p. 641.


3 Ver Dicionário mini Aurélio da língua portuguesa, apoiado, p. 641.
66

Na Tabela 5, o grau de discordância em relação à afirmativa proposta nos


causou surpresa uma vez que, contrariando o senso comum amplamente divulgado
das tensões emocionais que os diretores enfrentam, 71% do grupo pesquisado
afirma que o volume de trabalho não os deixa estressado. Por outro lado, um
expressivo percentual declara que já não tem mais o mesmo entusiasmo que
sentira quando começara a exercer as funções de gestão, como mostra a Tabela 6.
Tabela 5 – Estresse em relação às demandas de trabalho

Sinto-me estressado (a) em relação às


Nº de respostas Percentual
demandas exigidas
Discordo 152 71,0%
Indiferente 34 15,9%
Concordo 28 13,1%
Fonte: Survey Gesq, 2016.

Tabela 6 – Entusiasmo no Trabalho

Não tenho o mesmo entusiasmo que


Nº de respostas Percentual
tinha quando comecei
Discordo 57 25,4%
Indiferente 60 26,8%
Concordo 107 47,8%
Fonte: Survey Gesq, 2016.

A hipótese que levantamos nos remete a possibilidade de estarmos diante de


um viés de conformação efetiva à própria posição na hierarquia escolar e na rede de
ensino a qual pertencem ou ao registro da “resposta que se acredita ser esperada”
uma vez que o survey contou com o apoio da Secretaria Municipal de Educação.
No que toca as relações estabelecidas no local de trabalho a grande
maioria afirma “sentir-se satisfeito”, de acordo com a Tabela 7, indicando
talvez que os desafios que envolvem relacionamentos estariam mais fora do
que no interior da unidade escolar.
Tabela 7 – Relações no local de trabalho

Sinto-me satisfeito (a) com as relações


Nº de respostas Percentual
estabelecidas no local de trabalho
Discordo 15 07,0%
Indiferente 63 29,4%
Concordo 136 63,6%
Fonte: Survey Gesq, 2016.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 67

Os desafios da Gestão segundo os Diretores

A literatura sobre o tema nos diz que

Os desafios da contemporaneidade atribuem à equipe gestora da escola


um significativo número de demandas fortemente expressivas, responsá-
veis por propor as suas ações uma profunda e inquietante (re)visão e (re)
novação sobre o entendimento acerca das múltiplas direções da educação
que defendem e exercitam dia a dia no espaço microcósmico da relação
ensino/aprendizagem (PERIPOLLI et al., 2009, p. 177).

Analisando o conjunto das respostas à pergunta “Em sua opinião,


qual o maior desafio do trabalho na direção escolar?”, constatamos que
os desafios apontados se agrupavam em torno de alguns temas centrais.
Agrupando diversas respostas, chegamos a um total de cinco temas que
se configuraram como categorias de análise. Aspectos variados, que não
obtiveram um número expressivo de respostas e, portanto não se consti-
tuíram como uma categoria específica, foram tratados como “outros” e
serão analisados em separado. Detalhamos a seguir a descrição de cada
uma das cinco categorias.

• Conciliação de demandas (CD): quantidade e pluralidade de atri-


buições administrativas, financeiras e pedagógicas resultando em
excesso de tarefas a serem realizadas em prazos exíguos. Somam-se
ainda as situações inesperadas sempre presentes no cotidiano escolar
com as quais o diretor deve lidar.
• Desempenho Escolar (DE): resultados de aprendizagem dos alu-
nos, alcance de metas estabelecidas, qualidade de ensino oferecido,
excelência acadêmica, desempenho escolar, equidade, educação
inclusiva e alfabetização.
• Gestão de Pessoas (GP): relações com a comunidade escolar com
especial ênfase nos docentes e em seguida nos alunos, destacando
a necessidade de construção de convivência harmoniosa, con-
fiança, colaboração, comprometimento, respeito, união e valores
coletivos em relação aos professores e a necessidade de mudanças
de comportamento frente a diversidade e a indisciplina no que se
refere aos alunos; exercício da gestão democrática e participativa,
coerência administração de conflitos em relação ao conjunto dos
agentes escolares.
• Recursos Insuficientes (RI): recursos humanos – falta de profes-
sores e funcionários; financeiros – verbas recebidas e utilizadas; e
68

materiais – problemas de infraestrutura, equipamentos e material de


consumo para o exercício das atividades inerentes a escola.
• Relação com as Famílias (RF): conscientização da família sobre
seu papel no que se refere ao envolvimento, à participação, ao
acompanhamento e ao compromisso com a vida escolar dos filhos
bem como na confiança e apoio à escola, viabilizando a parceria
entre família e escola.

Apresentamos a seguir, na Tabela 8 o percentual de indicações para


cada categoria excluindo as respostas consideradas como “outras” que serão
analisadas em separado.

Tabela 8 – Desafios da gestão

Desafios Nº de citações Percentual


Conciliação de Demandas 63 31,2%
Gestão de Pessoas 54 26,7%
Relação com as famílias 29 14,5%
Desempenho Escolar 28 13,8%
Recursos Insuficientes 28 13,8%
Fonte: Survey Gesq, 2016.

Apesar dos gestores terem respondido que as demandas são razoáveis ,


quando perguntados sobre seus principais desafios 31,2% dos respondentes
citam assuntos relacionados à Conciliação de Demandas (CD). Podemos
levantar a hipótese, a ser melhor investigada de que se os diretores to-
mam para si todas as atribuições e, de certa forma, reduzem a autonomia
dos demais agentes escolares, o que seria essencial para o exercício da
gestão democrática:

Há de se destacar o significativo papel do diretor da escola na organiza-


ção do trabalho escolar, fazendo com que todos participem ativamente,
dando-lhes autonomia. Esta é uma prática indispensável para uma gestão
democrática, não significando a ausência de responsabilidade, mas fa-
zendo com que todos tomem parte das decisões, pois é um papel social
e pedagógico que necessita de mediação, na qual influencia a formação
da personalidade humana, sendo indispensáveis os objetivos políticos e
sociais (RIBEIRO; SILVA; SOUZA, 2017, p. 152).

Podemos observar que Conciliação de Demandas (CD) aparece seguida


de Gestão de Pessoas (GP) com 26,7% das respostas, representando os maiores
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 69

desafios na visão dos diretores. Relações com as Famílias (RF) é o terceiro


desafio mais citado pelos diretores (14,5%). Aspectos referentes a Recursos
Insuficientes (RI) e Desempenho Escolar (DE) aparecem empatados com
13,8% de respostas cada, configurando-se as categorias de desafios menos
citados pelos diretores.
O grande número de citações sobre a quantidade de demandas e a gestão
de pessoas vai ao encontro do estudo de Silva, que traz as ideias de Pontes
em relação aos desafios da gestão escolar:

Ao perceber a escola como um universo, onde convivem pessoas com ca-


racterística pessoais, experiências e expectativas bem diferenciadas entre si,
com responsabilidades e tarefas, muitas vezes, conflitantes são necessárias
ações de harmonização em nome de uma missão comum e é esse o desafio
do gestor escolar, coordenar o esforço humano coletivo e mover suas energias
em prol de um objetivo, que é o sucesso do processo ensino-aprendizagem
de sua unidade administrativa (PONTES, 2007 apud SILVA, 2012, p. 15).

Para compreender os desafios de Conciliar demandas(CD) e Gerir


Pessoas(GP), priorizados pelo conjunto dos diretores, é importante conside-
rar o contexto sócio político que vivenciamos desde os anos de 1980, período
em que teve início o processo de redemocratização do país, após 20 anos de
ditadura. A ênfase no processo democrático permeou todas as instituições
sociais, chegando também à escola onde a gestão passou a ser considerada
como um dos pilares da descentralização e da participação. Observamos
que hoje estas questões encontram-se fortemente incorporadas ao discurso
no âmbito da escola pública, porém na prática ainda enfrentam dificuldades
para serem concretizadas.
É consenso que avançamos em relação à autonomia quando cada unidade
escolar, frente a sua realidade, pode definir suas prioridades e, contando com
recursos financeiros que chegam diretamente à escola, pode supri-las com maior
agilidade. A escola recebeu assim novas atribuições, porém na cidade do Rio
de Janeiro, diferentemente de outras cidades4, as escolas da rede municipal
não receberam recursos humanos capacitados para desempenhar as tarefas
que se originaram da descentralização, sobrecarregando a já enxuta equipe
gestora. Os diretores passaram a ser responsáveis por aquisições de materiais
e equipamentos, contratação de manutenção e pequenas obras, bem como
por pesquisas de preços, controle de notas fiscais e todas as demais funções
administrativas e financeiras decorrentes destes processos.

4 No caso da rede estadual de São Paulo, foi criada a função de Gerente de Organização Escolar -
GOE com a responsabilidade de assumir tarefas administrativas e financeiras no âmbito da escola.
70

Não é assim de estranhar, portanto, que o exercício de novas funções para


além das pedagógicas apareça como um dos principais desafios enfrentados
pelo diretor. Somando-se ainda o fato de que o cotidiano escolar é marcado
por frequentes situações inesperadas e inusitadas que muitas vezes requerem
ações imediatas, pouco compatíveis com atribuições burocráticas.
Autonomia pressupõe mobilização coletiva dos agentes escolares, ou
seja, trabalho em equipe, transformando a divisão rígida de trabalho em res-
ponsabilidade compartilhada.
Luck (2008, p. 78) chama atenção para que:

Aos responsáveis pela gestão escolar compete promover a criação e a


sustentação de um ambiente propício à participação plena no processo
social escolar de seus profissionais.

Participação é hoje um direito reivindicado, mas até que ponto a escola


está organizada para acolher a participação coletiva e os diretores capacitados
para promovê-la? É frequente a fala dos diretores que se sentem sobrecarre-
gados com a necessidade de permanência na escola muito além do horário de
trabalho previsto sem que consigam “dar conta de tudo”. Discurso que revela
o esforço para assumir sozinho todas as demandas, deixando pouco espaço
para o foco na gestão de pessoas em prol de um objetivo comum.
Em situação que guarda certa semelhança com o Brasil, Licínio Lima
estuda a escola em Portugal afirmando que:

Consubstanciada na ideia e na designação de “gestão democrática das


escolas”, a participação de professores e de alunos está radicalizada num
quadro de valores que, embora tenha sido consensual, entronca na própria
ideia de democracia e no próprio projeto de um Portugal democrático.
Participar é um direito reclamado e conquistado através da afirmação de
certos valores (democráticos) e da negação de outros que estiveram na
base de uma situação de não participação forçada, ou imposta (2011, p. 77)

Em que pese à compreensão da importância da participação, a experiência


vem revelando que não é fácil construí-la na prática. A ênfase na participação
traz benefícios amplamente identificados ao promover a pluralidade de ideias,
enriquecer o olhar e tornar o ambiente institucional mais rico, entretanto traz
novos desafios relacionados à compatibilização de interesses, à administração
de conflitos e à construção de uma convivência baseada na confiança, no res-
peito e na tolerância, valores pouco presentes na sociedade contemporânea.
Normas e regras de convivência precisam ser construídas coletivamente,
flexibilizadas quando necessário atender a casos específicos e atualizadas frente a
uma sociedade onde as mudanças acontecem de forma cada vez mais acelerada.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 71

Configura-se assim um desafio permanente para os diretores escolares no sen-


tido de promover a gestão de pessoas na escola em uma sociedade que ainda
não conseguiu viabilizar a participação do cidadão em suas diferentes esferas.
O desafio da construção de uma comunidade escolar coesa traz ainda
desdobramentos na aprendizagem dos alunos. Segundo Cousin (1998) a
forma como se dá a convivência do grupo de professores e funcionários
e o clima escolar podem gerar reflexos relevantes em termos do desem-
penho dos alunos.
No segundo conjunto de desafios, a Insuficiência de Recursos Materiais,
Humanos e Financeiros apontada pelos diretores corresponde ao resultado
das pesquisas realizadas por Alves e Franco (2008) que apontam o efeito
negativo sobre a eficácia escolar da falta destes recursos. Segundo os au-
tores, enquanto em outros países recursos escolares não aparecem como
fatores de eficácia, no Brasil a variabilidade nos recursos com que contam
as escolas é ainda muito grande. Cabe ainda refletir sobre os inúmeros casos
em que os recursos existem, mas não são utilizados de modo coerente no
âmbito da escola.5
Tendo em vista que a aprendizagem dos alunos é a função precípua da
escola, causa certa estranheza que Desempenho Escolar não seja indicado
como principal desafio pelos diretores, especialmente quando sabemos que
a qualidade de ensino oferecido nas escolas municipais do Rio de Janeiro
tem sido alvo de pesadas críticas. Levantamos como hipótese a resistência
que ainda se manifesta em relação às avaliações de larga escala somada as
dificuldades de leitura e compreensão dos resultados das avaliações que, em
nossa convivência com os diretores, têm apontado para a pouca (ou nenhuma)
utilização dos resultados para a identificação de ações que viabilizem a me-
lhoria da qualidade de ensino.
Dado semelhante aparece também nas escolas paulistas estudadas por
Abrucio, que aponta a pouca influência dos diretores no trabalho pedagógico
dos professores. O autor afirma:

Se fosse especificar qual é o ponto mais frágil das escolas estudadas, seria a
gestão da aprendizagem. Os diretores analisados tiveram pouca capacidade
para mudar a prática de ensino na sala de aula (ABRUCIO, 2010, p. 272).

A alfabetização, mencionada pelos diretores como desafio, confirma o


que as pesquisas mostram em relação ao longo caminho que ainda precisa

5 Matérias frequentemente veiculadas em jornais no Rio de Janeiro revelam que embora muitas esco-
las contem com banda larga, televisão e vídeo a maior parte delas não utiliza estes equipamentos
por falta de instalações adequadas ou por receio de danos ou furtos.
72

ser percorrido até que se alcance a meta de alfabetizar todas as crianças até
o 3º ano do ensino fundamental6.
A Relação com as Famílias dos alunos, embora seja tema amplamente
abordado já há algumas décadas por diferentes pesquisadores, mostra que os
achados de pesquisa pouco se converteram em avanços nesta parceria inevi-
tável. O foco na “culpabilização” das famílias e o empenho em “educá-las”
ou “conscientizá-las”, que se destaca nas respostas dos diretores, deixa claro
que ainda permanece a busca pela “família ideal” impedindo que se veja, ouça
e valorize as famílias reais que resultam das inúmeras transformações que a
família vem sofrendo ao longo das últimas décadas.
Trazemos a seguir, a categoria Outros (O), que abrange 49 desafios citados
pelos gestores pesquisados, explorando a diversidade de questões apontadas:

Gráfico 1 – Outros Desafios citados pelos Gestores

6%
8% 21%
Violência

10% Resolução de
conflitos
Desvalorização

Manutenção física

Falta de autonomia

Descrença no futuro

12% Demandas
17%
financeiras
Políticas públicas
12% 14%

Fonte: Survey Gesq, 2016.

Observando o Gráfico 1 verificamos que o aspecto que mais se destaca


é a violência no entorno da escola com frequentes conflitos em comunida-
des onde o “poder paralelo” substitui o Estado, demandando que a direção
da escola encontre uma forma específica de convivência que viabilize o

6 Em 2014, o município do Rio de Janeiro obteve o seguinte resultado em relação ao nível adequado de profi-
ciência alcançado pelos alunos ao final do 3º ano: 43% em matemática, 67%em escrita e 79,3% em leitura.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 73

funcionamento da escola. Em seguida aparece a menção aos desafios que


envolvem a resolução de conflitos decorrentes principalmente de problemas
disciplinares dos alunos.
Contrariando o discurso hegemônico, diretores expressam o sentimento
de desvalorização da educação com reflexos na escola e no trabalho da dire-
ção, pouco reconhecida e pouco recompensada em termos de remuneração.
A responsabilidade pela manutenção física das instalações escola-
res envolvendo os contatos com empreiteiros, prestadores de serviço e
fornecedores aponta para uma autonomia que é bastante limitada quando
se trata da equipe docente. Diante disso observamos o paradoxo desses
mesmos diretores que contratam obras e serviços, não tem ingerência sobre
a seleção e contratação de professores.
No que se refere aos alunos o desafio apontado é enfrentar a descrença
no futuro que se revela em crianças e adolescentes que convivem com tráfico,
violência e pobreza.
As atribuições financeiras do diretor são aqui apontadas pela ótica da
falta da capacitação indispensável para quem responde pelo gerenciamento
de contas públicas que envolvem cálculos de tributos e outras competências
que não fazem parte da formação do gestor escolar.
Os diretores apontam ainda a ausência ou descontinuidade de políticas
públicas que facilitem seu trabalho, revelando o sentimento de solidão.

Ampliando o olhar sobre os desafios dos gestores

A partir das categorias geradas com as respostas dos diretores indi-


cando os principais desafios da gestão, relacionamos os dados obtidos
com alguns aspectos do perfil dos respondentes visando identificar se há
diferenças significativas em relação ao tempo de atuação na gestão e a
faixa etária dos diretores.
Em relação à faixa etária, consideramos para efeito desta análise dois
subgrupos: 30 a 49 anos e 50 anos ou mais, excluindo o único caso fora
destas faixas. Os Gráficos 2 e 3 mostram como estão distribuídas as cinco
categorias de análise.
74

Gráfico 2 – Desafios dos gestores na faixa etária de 30 a 49

11,40%
31,40%
14,30% Recursos
insuficientes
Desempenho
Escolar
Gestão de
Pessoas
Relação com
as famílias
Conciliação
7,10% de Demandas
35,70%

Fonte: Survey Gesq, 2016.

Gráfico 3 – Desafios dos gestores na faixa de 50 ou mais

7%

35% 13%

Recursos
insuficientes
Desempenho
Escolar
Gestão de
Pessoas
Relação com
as famílias
Conciliação
de Demandas
35%
10%

Fonte: Survey Gesq, 2016.


GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 75

A comparação entre os dois Gráficos nos permite constatar que ao relacionar


os desafios apontados pelos gestores com sua faixa etária, percebemos que o
aspecto que sobressai para os diretores mais novos (de 30 a 49 anos) é a gestão
de pessoas, enquanto o aspecto menos citado é a relação com as famílias. Já
os gestores mais velhos (com 50 anos ou mais) percebem como maior desafio
a conciliação de demandas, porém pouco mencionam o desempenho escolar.
Tais resultados nos levam a propor alguns questionamentos: A gestão
de pessoas seria um aspecto desenvolvido ao longo da vida e, portanto, di-
retores com mais idade teriam acumulado experiências e aprendizados que
os tornariam mais respeitados? Por outro lado: Diretores mais jovens teriam
maior facilidade para assumir a multiplicidade de demandas característica
da sociedade contemporânea? A relação com as famílias e o desempenho
escolar seriam questões “secundárias” ou vistas apenas em articulação com
o conjunto de demandas que a gestão precisa conciliar?
A partir da questão referente ao tempo de atuação como diretor, agrupamos
as respostas em três subgrupos de análise: diretores com menos de 5 anos de
experiência, diretores com 6 a 10 anos de experiência e diretores que ocupam
o cargo há 11 anos ou mais. Os Gráficos 4, 5 e 6 mostram a distribuição das
categorias em cada uma das faixas.

Gráfico 4 – Desafios dos gestores que desempenham a função há menos de 5 anos

14%
34%
12%
Recursos
insuficientes
Desempenho
Escolar
Gestão de
Pessoas
Relação com
as famílias
Conciliação
de Demandas

27%
13%

Fonte: Survey Gesq, 2016.


76

Gráfico 5 – Desafios dos gestores que desempenham a função de 6 a 10 anos

7%

35% 13%

Recursos
insuficientes
Desempenho
Escolar
Gestão de
Pessoas
Relação com
as famílias
Conciliação
de Demandas
10% 35%

Fonte: Survey Gesq, 2016.

Gráfico 6 – Desafios dos Gestores que desempenham a função há 11 anos ou mais

22%
23%
Recursos
insuficientes
Desempenho
Escolar
Gestão de
Pessoas
Relação com
as famílias
Conciliação
17% 17% de Demandas

21%
Fonte: Survey Gesq, 2016.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 77

Quando os desafios são associados ao tempo de experiência como di-


retor, é possível perceber que quanto maior o tempo de experiência, menos
a conciliação de demandas é citada como principal desafio. Para os gestores
menos experientes (menos de 5 anos), o desafio menos citado é o Desempenho
Escolar (DE), assim como para os mais velhos (mais de 11 anos), acompa-
nhado da Relação com as Famílias (RF). Para o grupo intermediário (de 6 a 10
anos), os desafios menos citados se referem à Insuficiência de Recursos (RI),
enquanto os mais citados giram em torno da Conciliação de Demandas (CD)
e da Gestão de Pessoas (GP). Cabe indagar então: a experiência na direção
“ensina” a conciliar demandas?

Considerações finais

O grupo de diretores respondentes da pesquisa é constituído principal-


mente por mulheres, com mais de 50 anos de idade, formação superior e
cursos de especialização não necessariamente direcionados à função, além
de experiência no campo da educação.
Constatamos que estes diretores se percebem exigidos com demandas
necessárias, porém carentes de apoio e recursos indispensáveis a realização
de suas funções o que contribui para reduzir o entusiasmo frente ao trabalho
que realizam.
Envolvidos com as diferentes demandas a atender, as respostas indicam
que os diretores se distanciam ou não percebem como um desafio da gestão
o foco no desempenho escolar dos alunos, função precípua da escola.
A análise aqui apresentada levanta importantes informações sobre os
desafios percebidos e enfrentados pelos diretores pesquisados apontando para
a relevância da continuidade das pesquisas sobre tema.
78

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O USO DE DADOS EDUCACIONAIS
PELA GESTÃO ESCOLAR

Larissa Frossard Rangel Cruz


Carla da Conceição de Lima

Introdução

No Brasil, até o início dos anos 1990, não existiam elementos que
evidenciassem a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional
brasileiro (BONAMINO, 2002). O primeiro passo direcionado a uma política
de avaliação abrangente dado pelo Ministério da Educação e do Desporto
(MEC) foi em 1988, quando o governo realizou uma experiência ampliada
de avaliação de sistemas públicos de ensino nos estados do Paraná e Rio
Grande do Norte. De 1987 a 1990 o MEC tinha um programa de avaliação
nacional da educação básica denominado Sistema de Avaliação do Ensino
Público (SAEP) que, depois de sofrer alterações, deu origem ao Sistema
de Avaliação da Educação Básica (SAEB), criado em 1988 e aplicado pela
primeira vez em 1990.
O SAEB realiza a cada dois anos a Avaliação Nacional da Educação
Básica (ANEB) aplicada a uma parcela representativa dos alunos regular-
mente matriculados nos 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º ano do
ensino médio, de escolas públicas e privadas, localizadas em área urbana ou
rural do país. Seu objetivo é fornecer dados sobre a qualidade dos sistemas
educacionais do Brasil, considerando as regiões geográficas e as unidades
federadas (estados e Distrito Federal). Em paralelo a estes testes padronizados,
são aplicados questionários a diretores, professores e alunos com o objetivo
de analisar fatores associados aos resultados obtidos nas avaliações. Toda-
via, apesar do SAEB detectar as dificuldades com a qualidade da educação
brasileira, em virtude do seu caráter amostral, não era possível, por meio de
seus resultados, apreender toda a diversidade educacional (FERNANDES;
GREMAUD, 2009).
Assim, em 2005 foi criada a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
(ANRESC), mais conhecida como Prova Brasil, uma avaliação censitária que
abrange praticamente todos os municípios e escolas públicas do país. Nela,
são aplicados testes de Língua Portuguesa e Matemática a todos os alunos
82

regularmente matriculados nos 5º e 9º anos do ensino fundamental das escolas


públicas das redes municipal, estadual e federal.
A partir de 2007, particularmente com o lançamento do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), o governo federal ampliou o pa-
pel da avaliação em larga escala, definindo objetivos que vão além do
diagnóstico dos sistemas educacionais. Segundo Fernandes e Gremaud
(2009, p. 213), a avaliação em larga escala passa a ser um dos pilares da
política educacional do Ministério da Educação e traz em seu bojo três
principais inovações:

i) a incorporação dos objetivos de accountability; ii) a criação de um


indicador sintético da qualidade da educação básica que considera tanto
o desempenho dos estudantes em exames padronizados quanto a progres-
são desses alunos no sistema; e iii) a definição de metas tanto para o país
quanto para cada sistema e escola em particular.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi o indi-


cador de referência criado pelo INEP em 2007 para balizar o cumprimento
das metas estabelecidas pelo PDE. Segundo o INEP, o IDEB é mais do que
um indicador estatístico, pois foi criado para ser um condutor de políticas
públicas que visem à melhoria da qualidade na educação brasileira, seja no
âmbito nacional, estadual, municipal ou em cada escola como unidade de
ensino. Nele foram reunidos dois indicadores para avaliar a qualidade da
educação básica: o fluxo escolar – com os dados obtidos no Censo Escolar;
e as médias de desempenho das avaliações em larga escala. Para o INEP, o
estabelecimento deste índice equilibra esses dois indicadores favorecendo
políticas de melhoria da qualidade do ensino ofertado nos diferentes sistemas
que considerem tanto os resultados acadêmicos quanto o fluxo. Defende-se,
assim, que se garanta a promoção escolar com aprendizagem. Outra justi-
ficativa da política do governo federal seria a possibilidade de aumentar a
equidade entre as escolas e redes de ensino – em particular as municipais -,
articulando ao indicador uma política de incentivos financeiros para aquelas
escolas com os piores resultados.
Em resumo, se por muito tempo os gestores escolares e professores
desconsideravam ou desconheciam o diagnóstico da realidade educacional,
isto se alterou a partir de 2005 com a disponibilidade pública de informações
por escola, e posteriormente, a partir de 2008 com a divulgação bianual do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) por escola e rede de
ensino. Dessa forma, progressivamente a questão dos resultados da educação
básica tem se imposto à pauta do debate educacional e considerada como
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 83

ponto de partida para mudanças. Gatti (2009, p. 18) afirma que “o impacto
dessas avaliações começa a ser sentido na educação básica esperando-se que
as avaliações sejam vistas como estímulos à mudança em processos educa-
cionais, e, não como punição”.
Entretanto, é comum nas escolas públicas brasileiras uma cultura de
pouca precisão nos diagnósticos, com escassa articulação de informações e
mesmo de conhecimento e interpretação consistente dos dados das avalia-
ções em larga escala. A política do governo federal expressa no PDE toma
como hipótese que os gestores dos sistemas e das escolas e os professores
podem melhorar o ensino e, consequentemente fazer os desempenhos dos
estudantes atingirem níveis mais adequados de aprendizagem. A perspec-
tiva é que as escolas e, portanto, seus gestores e professores, se sintam
responsáveis e prestem contas à sociedade pelo trabalho que desenvolvem,
refletindo sobre suas práticas e analisando se “podem fazer algo diferente
do que vêm fazendo” (FERNANDES; GREMAUD, 2009, p. 222). Nesse
sentido, desde 2007, o horizonte das políticas de avaliação e responsabili-
zação tem se ancorado na ideia de que devemos ter parâmetros objetivos,
lastreados em dados como os resultados escolares para tomar decisões
também no nível das escolas.
Conforme já observado em inúmeras pesquisas nacionais (SILVA et
al., 2013; BONAMINO; SOUZA, 2012; SILVA; PAES DE CARVALHO,
2014) e internacionais (MARSH; McCOMBS; MARTORELL, 2010; MAN-
DINACH; GRUMMER, 2013), o uso dos dados das avaliações em larga
escala pelos agentes escolares – professores e gestores –pretende traduzir a
busca por um melhor desempenho discente a partir do potencial pedagógico
que tal utilização pode desencadear no âmbito das unidades de ensino. Para
isso é imprescindível que os agentes escolares interpretem e se apropriem
dos dados para compor um diagnóstico consistente do trabalho pedagógico
e orientar seu planejamento. Dessa forma, gestores e professores podem
assumir um papel protagonista no processo, ou seja, usar efetivamente os
dados como insumo estratégico para a tomada de decisões no processo de
ensino e aprendizagem.
O presente capítulo tem como objetivo apresentar e analisar informações
obtidas a partir de duas pesquisas1 realizadas no grupo de pesquisa Gestão
1 A primeira pesquisa, sobre a questão da avaliação externa e a qualidade de ensino na rede muni-
cipal de Macaé/RJ, foi realizada no doutoramento da primeira autora (CRUZ, 2014) sendo apre-
sentada neste texto uma fração dos resultados obtidos que dizem respeito ao tema do capítulo. A
segunda pesquisa – parte do doutoramento em curso da segunda autora (LIMA, 2017) – estuda o
SISTEMA MINEIRO DE ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR (SIMADE) e o uso dos dados pelos gestores
da rede estadual de Minas Gerais, trazendo neste capítulo resultados de uma incursão exploratória
junto a escolas municipais de Juiz de Fora/MG.
84

e Qualidade da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Ja-


neiro (GESQ/PUC-Rio) que buscaram investigar de que forma os dados de
avaliações externas têm sido utilizados pelos gestores escolares e professores
de Macaé/RJ e diretores escolares de Juiz de Fora/MG.
Este capítulo encontra-se organizado em quatro seções incluindo esta
introdução. Na segunda seção, são expostos os dados da pesquisa realizada
em Macaé/RJ. Na seguinte, apresentamos os resultados da pesquisa realizada
na rede municipal de Juiz de Fora/MG. Na última seção, são apresentadas as
considerações finais.

O uso de dados das Avaliações Externas em Macaé/RJ

Macaé/RJ é um dos municípios brasileiros que mais cresceram eco-


nomicamente nas últimas décadas em virtude da implantação de uma base
operacional da Petrobras no final da década de 1970, que provocou impactos
demográficos significativos com a migração de outras regiões do estado e do
país. Em uma década, a população da cidade praticamente dobrou, saltando
de 132.461 mil habitantes em 2000 para 206.728 em 2010, segundo dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que impactou
diretamente a demanda e a oferta educacional.
A pesquisa realizada em Macaé/RJ discutiu como os dados de avaliação
externa são apropriados e utilizados por membros das equipes de gestão e pro-
fessores, através de três estudos de caso em escolas da rede pública municipal
de ensino. A investigação foi desenvolvida por meio de análise documental,
observações do cotidiano das três escolas, das respostas a questionários
aplicados aos integrantes das equipes de gestão e aos professores, além de
entrevistas semiestruturadas com estes agentes escolares.
A partir do ano 2000 a rede pública municipal de ensino de Macaé cresceu
aceleradamente e, segundo o Censo Escolar 20092, a rede contou naquele ano3
com 109 unidades de ensino em atividade, distribuídas nos diversos níveis e
modalidades de ensino, entre as zonas urbana e rural, nos nove setores admi-
nistrativos do município, com um total de 37.076 (trinta e sete mil e setenta
e seis) alunos. Deste conjunto, 424 escolas participaram da Prova Brasil nos

2 O desenho da pesquisa foi feito em 2010 e, portanto, foram utilizados os dados do Censo Escolar de
2009 (CRUZ, 2014).
3 Como a pesquisa foi iniciada em 2010 este foi o ano tomado como referência inicial de análise da
rede em razão da disponibilidade de dados.
4 No arquivo disponibilizado pelo INEP com os dados da Prova Brasil, Taxas de Aprovação e IDEB de 2005,
2007 e 2009 são listadas 45 escolas municipais de ensino fundamental. No entanto, 2 escolas foram
desativadas no ano de 2009 e uma criada em 2010, por isso foram desconsideradas para esta pesquisa.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 85

anos de 2005, 2007 e/ou 2009 e possuíam as projeções do IDEB. A escolha


do IDEB como referência para a pesquisa em tela deveu-se tanto ao fato deste
indicador orientar as políticas do MEC, como por contemplar dois importantes
conceitos da educação básica: o fluxo escolar e as médias de desempenho das
avaliações em larga escala aplicadas pelo INEP.
Para o recorte empírico da pesquisa foram consideradas as escolas que
ofereciam tanto as séries iniciais quanto as finais do Ensino Fundamental,
independente de oferecerem também a Educação Infantil e/ou o Ensino
Médio. Considerando que o foco da pesquisa estava em analisar como
estão sendo apropriados e usados os dados de avaliação externa no plane-
jamento escolar e as percepções dos integrantes das equipes de gestão e de
seus professores sobre eles, consideramos relevante que todas as unidades
tivessem participado com os dois segmentos nos três anos de aplicação da
Prova Brasil. O recorte final considerou também diferentes contextos urba-
nos da rede e foi composto de três escolas: uma na região serrana (Escola
Bananeira), uma na periferia (Escola Coqueiro) e a última mais próxima ao
centro da cidade (Escola Amendoeira)5.
Como instrumentos de pesquisa foram elaborados um roteiro para
registro do diário de campo, questionários e roteiros de entrevista para os
membros das equipes de gestão e para os docentes que atuam no Ensino
Fundamental. O questionário fechado foi estruturado para coletar informações
sobre o perfil dos profissionais, sobre aspectos do cotidiano da escola, bem
como percepções sobre as políticas de avaliação externa. Os questionários
foram aplicados a todos os profissionais integrantes das equipes de gestão6
e a todos os professores regentes no Ensino Fundamental das três escolas,
totalizando 161 respondentes, dos quais 25 integravam as equipes gestoras
e 136 eram docentes (31 do primeiro segmento e 105 do segundo). Foram
entrevistados todos os membros das equipes de gestão e, no caso dos pro-
fessores, optou-se por priorizar os que trabalhavam diretamente nos anos
e disciplinas testadas nas avaliações externas. Nas entrevistas buscou-se
captar as percepções desses profissionais sobre a função da escola, suas
expectativas em relação aos alunos, os programas e projetos dos quais as
escolas participam, a relação entre integrantes da equipe de gestão e profes-
sores, a atuação da Secretaria Municipal de Educação de Macaé (SEMED/
MACAÉ), os objetivos e resultados das políticas de avaliação e a qualidade
do trabalho pedagógico desenvolvido.

5 Os nomes das escolas são fictícios.


6 As equipes gestoras em Macaé são formadas por Diretor e Diretor Adjunto (eleitos), Orientador
Pedagógico, Orientador Educacional, Supervisor Escolar e Professor Orientador.
86

A pesquisa trouxe elementos importantes para a compreensão das


percepções dos diferentes agentes escolares sobre as políticas de avaliação
externa e sobre as apropriações que faziam dos dados. Pode-se observar
que integrantes das equipes de gestão e professores destas três escolas
da rede pública municipal de ensino de Macaé/RJ têm incorporado, pau-
latinamente, as informações acerca das avaliações externas, ainda que
ressaltassem que o desenho da política de avaliação externa do governo
federal não atendia as suas expectativas e manifestassem a preferência
pela adoção de um sistema de avaliação externa da própria rede7.
Foram identificadas três ações da SEMED/MACAÉ relacionadas às
avaliações em larga escala e ao IDEB durante a pesquisa: i) reuniões por
ocasião da divulgação pública dos resultados para discutir com as equipes
de gestão sobre as escolas que tiveram bom e mau desempenho; ii) Prova
Macaé, simulado organizado pela SEMED/MACAÉ para avaliar o desem-
penho dos estudantes e, de certa forma, “preparar” para a Prova Brasil; iii)
Elaboração do COC – Cadernos de Orientação Curricular – dos anos finais
do Ensino Fundamental, levando em consideração as matrizes de referência
das avaliações externas. No período analisado, não houve políticas muni-
cipais que dessem suporte e orientassem a apropriação e o uso dos dados
pelas escolas. Essa lacuna foi preenchida em parte pela Proposta Pedagógica
da SEMED/MACAÉ para a rede, finalizada em 2012. No entanto, mesmo
nesse documento, não havia referências ao alcance de metas educacionais ou
estratégias para que as escolas melhorassem os resultados dos seus alunos
nas avaliações externas. As deliberações de 2011 para escolha dos diretores
escolares, embora exigissem qualificação técnica específica e a elaboração
de um Plano de Gestão da escola, também não faziam qualquer referência
ao alcance de metas educacionais.
A seguir, alguns dados da pesquisa de cada escola para análise de algumas
ações implementadas por elas:

7 Macaé/RJ iniciou um processo de avaliação próprio em 2004 que foi interrompido na gestão posterior (2005-
2008). Assim, em Macaé/RJ esse processo se inicia antes da instituição da Prova Brasil e do IDEB, mas se
interrompe, sendo retomado apenas em 2011. A descontinuidade da política parece ter criado uma lacuna
nos processos de avaliação conduzidos pela própria rede e deixado marcas também ao nível das escolas.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 87

Quadro 1 – Indicadores relacionados à avaliação externa das Escolas


Amendoeira, Bananeira e Coqueiro nos anos de 2005, 2007, 2009 e 2011

2005 2007 2009 2011


Total de alunos matriculados na escola 1060 1020 1061 1113
Matrículas
84 93 101 90
no 5º ano
ANOS INICIAIS
Nota Média Padronizada na Prova Brasil 5,36 5,95 6,01 5,79
Indicador de Fluxo
IDEB 0,83 0,86 0,8 0,8
AMENDO-
4,5 5,1 4,8 4,7
EIRA
Matrículas
55 50 53 95
no 9º ano
ANOS FINAIS
Nota Média Padronizada na Prova Brasil 5,19 5,37 5,19 5,29
Indicador de Fluxo
IDEB 0,77 0,75 0,85 0,8
4 4 4,4 4,2
Total de alunos matriculados na escola 559 791 783 696

Matrículas
54 59 87 89
no 5º ano
ANOS INICIAIS
Nota Média Padronizada na Prova Brasil
Indicador de Fluxo 4,66 4,79 5,52 5,15
IDEB 0,42 0,74 0,86 0,82
BANANEI-
RA 2 3,5 4,7 4,2
Matrículas
49 36 45 45
no 9º ano
ANOS FINAIS
Nota Média Padronizada na Prova Brasil 4,61 4,86 5,31 5,7
Indicador de Fluxo
IDEB 0,72 0,8 0,69 0,63
3,3 3,9 3,7 3,6
Total de alunos matriculados na escola 818 736 679 773
Matrículas
96 66 49 84
no 5º ano
ANOS INICIAIS
Nota Média Padronizada na Prova Brasil 4,63 4,86 4,95 5,24
Indicador de Fluxo
IDEB 0,85 0,81 0,84 0,77
COQUEI-
3,9 3,9 4,2 4
RO
Matrículas
61 60 70 53
no 9º ano
ANOS FINAIS
Nota Média Padronizada na Prova Brasil 4,65 4,87 4,81 4,98
Indicador de Fluxo
IDEB 0,79 0,68 0,6 0,69
3,7 3,3 2,9 3,4

Fonte: Cruz (2014).


88

Foram identificadas as seguintes ações relacionadas aos usos das infor-


mações das avaliações externas: i) realização de provas simuladas, além da
Prova Macaé, por iniciativa da própria escola (Escola Amendoeira); ii) aná-
lise dos resultados das avaliações durante reuniões de professores na ocasião
de divulgação dos resultados pelo governo federal no que se refere à Prova
Brasil e à Prova Macaé (Escolas Amendoeira e Coqueiro); iii) exposição dos
resultados nos murais da escola para informação a pais e alunos nas três es-
colas; iv) avaliação interna da escola considerando os resultados divulgados
(Escola Amendoeira e Coqueiro).
Relacionando os números apresentados no Quadro 1 a algumas das ações
implementadas pelas escolas, observa-se a Escola Amendoeira com resultados
no patamar adequado de proficiência em relação as outras duas. A escola já
desenvolvia uma preocupação crescente em relação a temática dos resultados,
principalmente por parte de seu público pertencer à classe média da cidade
(CRUZ, 2014, p. 112). A Escola Bananeira foi a que menos apresentou ações
relacionadas às avaliações e ao uso de dados. O conflito de expectativas em
relação aos resultados dos alunos entre a equipe gestora e os professores, pode
ter influído – junto com a localização da escola numa área rural – na falta de
ações relacionadas aos dados das avaliações externas (CRUZ, 2014, p. 127).
No caso da Coqueiro – localizada na periferia da cidade e já estigmatizada
como uma das piores escolas da rede (CRUZ, 2014, p. 130), apesar de seus
resultados serem inferiores comparados as outras duas, encontrava-se num
processo denso de diagnóstico e busca de superação de seus problemas e
de melhoria dos resultados educacionais, com amplo estímulo da SEMED/
MACAÉ. Ainda assim, as respostas dadas nos questionários e nas entrevistas
mostram que grande parte dos integrantes da equipe de gestão e dos professores
das três escolas conhecem pouco sobre o significado destes dados.
Segundo Rosistolato et al. (2013), a reflexão sobre os problemas técnicos
e políticos presentes no desenho, na implementação e na consolidação de
sistemas públicos de avaliação externa de aprendizagem é influenciada pelo
tom maniqueísta que vigora no debate presente nos espaços públicos, onde as
ideias são ou veementemente atacadas ou defendidas. Esse tom foi percebido
tanto nas entrevistas dos integrantes das equipes de gestão quanto nas dos
professores. Cada vez que foram perguntadas suas opiniões sobre as políticas
e sistemas de avaliação externa, a tendência da maioria foi posicionar-se “con-
tra” ou a “favor” da existência deste tipo de política, mesmo reconhecendo
não ter conhecimento mais sistemático acerca do que elas significam ou pro-
duzem. Em algumas falas apareceu o discurso dos sindicatos num contexto
de resistências e críticas aos sistemas de avaliação externa, como o caso da
temática da meritocracia.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 89

Segundo Rosistolato e Viana (2013), as pesquisas no campo da gestão


educacional têm apontado que os gestores e professores tendem a pensar as
escolas presentes em um sistema educacional como unidades singulares, autô-
nomas e dependentes das motivações dos profissionais que nelas atuam. Isso
foi confirmado em Macaé/RJ. No conjunto de professores, há argumentos que
valorizam as especificidades da escola e de sua clientela que vão no sentido
contrário da perspectiva universalista que fundamenta as políticas de avaliação.
Apesar de muitos professores concordarem que as avaliações externas devam
existir, alguns enfatizaram que consideram impossível padronizar processos
educacionais, pois reconhecem que as diferenças sociais dos estudantes têm
influência direta sobre os resultados escolares, mas afirmam que a escola não
teria muito a fazer para reverter este quadro.
Embora a maioria dos integrantes das equipes de gestão entrevistados
tenha afirmado que concordam com a adoção das avaliações, todos mostraram
que conheciam pouco sobre os sistemas de avaliação em larga escala. Mesmo
assim, afirmam que a implantação destes sistemas e, consequentemente, a
necessidade de uso dos dados tem modificado seu cotidiano, na medida em
que produzem novas demandas, como por exemplo, divulgar e discutir com
a comunidade escolar os resultados dos alunos.
Levando em consideração que um sistema público de educação municipal,
em tese, é afetado pelo desenho de política pública educacional nacional, os
resultados encontrados nas três escolas de Macaé/RJ apontam que há pouca
compreensão e uso dos indicadores de qualidade da educação brasileira no
cotidiano escolar, e que para professores e gestores estes dados não expressam
suas realidades. Assim, predomina-se a percepção das avaliações externas como
eventos extraordinários, desconectados do cotidiano escolar, cujos resultados
são utilizados apenas para elencar os possíveis “culpados” para os baixos
desempenhos dos estudantes, sem configurar ferramentas estratégicas para a
gestão e consecução de novas práticas pedagógicas que pudessem alterar os
resultados dos alunos.

O uso dos dados das avaliações externas em Juiz de Fora (MG)

Juiz de Fora está na 34ª posição em relação à extensão territorial das


cidades do estado de Minas Gerais, sendo o quarto município mais populoso
do estado – atrás apenas de Belo Horizonte, Uberlândia e Contagem. A po-
pulação estimada é de 563.769 habitantes, segundo o IBGE (2015b), sendo
98,90% na área urbana e 1,13% na área rural. Possui alto Índice de Desenvol-
vimento Humano Municipal – (IDH-Municipal), que considera indicadores
de longevidade (saúde), renda e educação.
90

Desde 1996, a Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora (SME/


JF) vem reestruturando seu sistema de ensino. Inicialmente, regulamentou a
eleição para diretor e vice-diretor nas escolas da rede pública municipal (Lei
nº 9611/96), instituindo um marco importante na capacitação desses profis-
sionais para o exercício da função por concebê-los como um dos principais
agentes na consecução da qualidade do sistema de ensino8 (MIRANDA;
MACHADO, 2012).
A cada três anos é realizada eleição para o cargo de diretor e vice-diretor,
podendo concorrer somente profissionais efetivos com nível superior, apre-
sentando um plano de trabalho trienal. O Plano de Trabalho deve ter como
referência o Projeto Político Pedagógico da Escola, o Regimento Escolar e o
diagnóstico da escola a partir das políticas públicas nela implementadas e de
seus resultados, bem como a proposta de organização do trabalho (objetivos
e estratégias de ação – pedagógica, de pessoas, administrativa, de resultados
educacionais etc.). Além disso, o candidato deve estar em exercício na es-
cola há, pelo menos, um ano e se comprometer a participar de um curso de
formação9 para o exercício do cargo, a ser promovido pela SME/JF em data
posterior à eleição.
Em 2015 a rede municipal de ensino possuía 104 escolas que atendiam
à Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e à Educação de Jovens e Adul-
tos nas duas etapas do Ensino Fundamental. Segundo o Censo Escolar 2015,
contabilizou 6.211 matrículas em pré-escola e 25.594 matrículas apenas no
Ensino Fundamental, representando, respectivamente, cerca de 55% e 42% do
atendimento nesses níveis de ensino, configurando uma taxa de escolarização de
6 a 14 anos de idade de 98,3%. No mesmo ano, o Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB) das escolas municipais referente ao 5º ano foi 4,9
e ao 9º ano, 4,2, ambos inferiores ao IDEB do conjunto das redes municipais
de Minas Gerais, 6,1 no 5º ano e 4,6 no 9º ano (IBGE, 2015).
Por ter sistema próprio de ensino, a rede municipal de Juiz de Fora par-
ticipava apenas das avaliações externas aplicadas em âmbito nacional (SAEB
e Prova Brasil). Somente em 2014, a rede começou a participar da avaliação
externa estadual denominada Sistema Mineiro de Avaliação e Equidade da

8 Em 1999, por meio da Lei Municipal nº 9569/99, Juiz de Fora constituiu seu Sistema Munici-
pal de Ensino.
9 Desde 2015 a SME/JF oferece capacitações aos professores e diretores escolares sobre: (i) currí-
culo – práticas curriculares desenvolvidas dentro da escola; (ii) formação – professores, diretores
e vice-diretores e secretários escolares; (iii) avaliação interna e externa – discussão acerca das
possibilidades de utilização pedagógica das avaliações para a melhoria da qualidade do ensino; e
(v) gestão escolar – aspectos administrativos, financeiros e pedagógicos presentes na gestão das
escolas (SME/JF, 2017).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 91

Educação Pública (SIMAVE10), especificamente do Programa de Avaliação da


Alfabetização (PROALFA), no qual alunos do 3º ano do Ensino Fundamental
são avaliados em Língua Portuguesa (CAEd, 2015).
Nesse contexto realizou-se, no primeiro semestre de 2017, uma pesquisa
exploratória nas 104 unidades de ensino para compreender quais os usos dos
dados das avaliações em larga escala no cotidiano das escolas da rede11.
Dos 104 questionários enviados, 36 retornaram respondidos. O instrumento
foi composto de 27 questões que versavam sobre a identificação da escola; in-
fraestrutura; perfil do respondente; autoeficácia – que se refere ao julgamento do
diretor sobre as próprias capacidades para estruturar ações específicas a fim de
produzir resultados na escola (GUERREIRO CASANOVA; RUSSO, 2016); uso
dos dados; percepção sobre a escola. Foi desenvolvida uma análise descritiva do
conjunto das informações coletadas, a partir da qual selecionamos as respostas
de três escolas sobre o tópico “uso dos dados” para apresentar neste capítulo e
contribuir para a discussão proposta. As escolas foram selecionadas a partir dos
seguintes critérios: (i) atender aos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental;
(ii) ter diretor atendendo exclusivamente aquela escola, pois há casos em que o
mesmo diretor é responsável por mais de uma unidade de ensino; (iii) possuir
mais de 700 matrículas; e (iv) estar localizada na zona urbana.
Nas escolas selecionadas, aqui denominadas como Margarida, Liz e
Jasmim, o indicador de complexidade da gestão12 está, respectivamente, nos
níveis 6, 4 e 5, indicando unidades de ensino que funcionam em dois ou três
turnos, possuem duas ou três etapas de ensino, sendo a Educação de Jovens e
Adultos (EJA) a etapa com maior complexidade, pelos desafios que se enfrenta
para a manutenção do aluno na escola13.

10 Até 2014, o nome da avaliação em larga escala da rede estadual mineira era Sistema Mineiro de Ava-
liação da Educação Pública (SIMAVE), sendo composta por três avaliações: Programa de Avaliação da
Alfabetização (PROALFA), Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (PROEB) e o
Programa de Avaliação da Aprendizagem (PAAE), que posteriormente foi integrado ao SIMAVE.
11 Este survey foi realizado com objetivo de testar instrumentos a serem utilizados na pesquisa de
doutorado “O Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE): uso dos dados pelos gestores
das escolas públicas da rede estadual e pela equipe da Secretaria de Estado de Educação de Minas
Gerais” com previsão de conclusão em fevereiro de 2019.
12 Esse indicador foi criado e disponibilizado pelo MEC em 2015 para mensurar, a partir dos dados do
Censo Escolar, a complexidade da gestão das escolas de educação básica brasileiras. O indicador é
composto por quatro características: (i) porte da escola; (ii) número de turnos de funcionamento; (iii)
complexidade das etapas ofertadas pela escola e (iv) número de etapas/modalidades oferecidas. As
variáveis criadas para representar essas características são do tipo ordinal, nas quais as categorias
mais elevadas indicariam maior complexidade de gestão. O cálculo do indicador foi “baseado na
Teoria de Resposta ao Item (TRI), – considerando a existência de um único traço latente” (BRASIL,
2015, p. 2). Para mais informações pode-se consultar a Nota Técnica Indicador de Complexidade da
Gestão no Portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
13 Um exemplo seria o aspecto motivacional requerido para que o aluno permaneça na escola mesmo
conciliando-a com seu trabalho.
92

Os diretores das três escolas são do sexo feminino, da cor branca, faixa
etária entre 40 e 54 anos, graduadas em Pedagogia, sendo que a diretora da
Escola Margarida possui mestrado e, as demais, especialização lato sensu.
A forma de provimento do cargo foi a eleição, estando as três no segundo
mandato que finalizou em dezembro de 2017.
Em relação às tarefas realizadas no cotidiano escolar, as diretoras das
escolas Margarida e Jasmim afirmam usar a maior parte de seu tempo de
trabalho com a gestão de pessoal – administração das relações entre profes-
sores e entre funcionários, controle de faltas e licenças etc. -, ao passo que
a diretora da escola Liz declara utilizar mais tempo dedicando-se a aspectos
pedagógicos – discussão sobre o currículo, metodologia de ensino, avaliação
de desempenho dos alunos, disciplina/comportamento dos estudantes.
Soares e Teixeira (2006, p. 170) consideram que o diretor atua “como
uma liderança coordenadora e mobilizadora de uma ação docente mais eficaz,
articulando planejamento, organização e avaliação, e influenciando, indire-
tamente, o desempenho escolar do alunado”. Sabe-se, por outro lado, que os
diretores que se dedicam aos aspectos pedagógicos da gestão, exercendo uma
liderança pedagógica, influenciam de forma positiva a eficácia do ensino e a
proficiência média da escola (POLON; BONAMINO, 2011). Observamos que
apenas a diretora da escola Liz declarou dedicar mais tempo para diagnosticar
as qualidades e as fragilidades do processo de ensino e aprendizagem e para
acompanhar o trabalho pedagógico desenvolvido dentro da escola.
Em relação às avaliações externas, especificamente sobre o SAEB, o ques-
tionário propôs uma questão, em escala de concordância, acerca da percepção
do diretor sobre os resultados da escola. As três diretoras concordaram com
a afirmativa: “Sinto-me responsável pelos resultados das avaliações em larga
escala”. Na pergunta, “Em sua atual função, quanto você se percebe capaz de”,
as três diretoras informaram se sentirem capazes de “elevar o desempenho dos
alunos em testes padronizados, como o SAEB”. Entretanto, quando indagadas
sobre a percepção de sua capacidade de “facilitar a aprendizagem dos alunos
nesta escola”, as respostas divergiram: a diretora da escola Margarida afirmou
se considerar pouco capaz, a da Liz, muito capaz e a da Jasmim, capaz.
Essas respostas em certa medida paradoxais parecem indicar que, se por um
lado elas compreendem sua responsabilidade em relação aos resultados do SAEB
e acreditam em sua capacidade para elevar o desempenho discente na referida
avaliação, por outro, não estaria claro como usar esses dados para melhorar os
resultados. Esse aparente paradoxo parece indicar a existência de uma lacuna na
formação em relação ao uso dos dados, que não permitiria associar suas respon-
sabilidades reconhecidas na gestão pedagógica com o uso das informações das
avaliações para desenhar e realizar ações que facilitem a aprendizagem e favoreçam
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 93

a melhoria do desempenho discente. Fica a hipótese de que as capacitações a que


tiveram acesso mesmo enfatizando os conteúdos exigidos no SAEB, não aten-
deram à necessidade de formação para a operacionalização de práticas de gestão
voltadas para as necessidades de aprendizagem dos alunos.
Essa perspectiva está ancorada em resultados de inúmeras pesquisas
(FONTANIVE, 2013; SILVA et al., 2013), que constataram que a disponibi-
lidade pública dos dados das avaliações em larga escala não tem promovido
seu uso dentro das escolas e assim não tem provocado os efeitos esperados na
qualidade e equidade da educação oferecida às crianças e jovens brasileiros.
Os agentes escolares parecem ter dificuldade em compreender esses dados e,
consequentemente, não os utilizam em seu cotidiano para orientar suas de-
cisões com fundamento em evidências fornecidas pelas avaliações em larga
escala. Cabe assinalar que o uso dos dados das avaliações externas permite
“colocar os dados obtidos no alicerce da construção de novas oportunidades
de ensinar todos os alunos” (MIRANDA; MACHADO, 2012, p. 76).
Segundo Chirinéia e Brandão (2015, p. 471), o IDEB “serve como indutor
tanto de políticas públicas quanto de ações das secretarias de educação e da
própria escola, para alcançar as metas estabelecidas pelo índice” e tem como
princípio que o aluno aprenda e avance para as séries seguintes. Nas edições
de 2013 e 2015, período em que as diretoras administravam as escolas, os
resultados foram os seguintes:

Quadro 2 – O IDEB das escolas municipais Liz, Margarida e Jasmim

Anos iniciais Anos Finais


Escolas Ano do IDEB
Meta Observado Meta Observado
2013 6.4 5.9 4.9 5.1
Liz
2015 6.6 5.9 5.3 5.0
2013 4,2 5,2 3,8 3,8
Margarida
2015 4,4 4,8 4,2 2,9
2013 5.0 5.9 4.2 4.4
Jasmim
2015 5.2 5.3 4.7 3.1
Fonte: INEP – IDEB.

Em 2013 e 2015, a escola Margarida superou a meta do IDEB para o 5º


ano do Ensino Fundamental, diferente do que ocorreu no 9º ano, no qual, em
2013 a escola atingiu a meta para o 9º ano e, em 2015, houve um decréscimo
significativo do IDEB. A escola Liz não atingiu a meta do IDEB para o 5º ano
em 2013 e 2015, e no 9º ano a meta foi superada apenas em 2013. Já a escola
Jasmim superou a meta do IDEB no 5º ano em 2013 e 2015 (apesar de ter
94

havido um significativo decréscimo deste resultado no período) e do 9º ano


somente em 2013, havendo um decréscimo em seu IDEB observado de 2015.
De acordo com Brooke e Soares (2018, p. 15) “as diferenças socioe-
conômicas entre os alunos são as grandes responsáveis pelas diferenças no
seu desempenho”. Nesse sentido, as três unidades de ensino tenderiam a
ter desempenho semelhante ou próximo no IDEB, uma vez que o Índice de
Nível Socioeconômico (INSE14) correspondia aos níveis V, na escola Liz,
e VI, nas escolas Margarida e Jasmim. Poderíamos supor, então que com
esses níveis de INSE as escolas teriam mais chances de obter melhores
resultados no IDEB.
A escola Liz não atingiu a meta do IDEB para o 5º ano em 2013 e 2015,
ao contrário do que ocorreu no 9º ano em que as metas foram superadas, o
que poderia explicar em parte o sentimento da diretora de que era “muito
capaz” de “facilitar a aprendizagem dos alunos nesta escola”, como ela
respondeu no questionário. Em 2013 e 2015, a escola Margarida superou
a meta do IDEB para o 5º ano do Ensino Fundamental, diferente do que
ocorreu no 9º ano, uma vez que, em 2013 a escola atingiu a meta para o
9º ano e, em 2015, houve um decréscimo significativo do IDEB. Talvez se
possa relacionar essa oscilação nos resultados ao sentimento expresso pela
diretora na resposta ao questionário de pouca capacidade para “facilitar a
aprendizagem dos alunos nesta escola”. Já a escola Jasmim superou a meta
do IDEB no 5º ano em 2013 e 2015 e também do 9º ano em 2013, mas
houve um decréscimo em seu IDEB observado de 2015. Cabe ressaltar a
possível correlação destes resultados um pouco mais favoráveis com a res-
posta de sua diretora à mesma pergunta do questionário, sentindo-se capaz
de “facilitar a aprendizagem dos alunos nesta escola”. Mesmo as diretoras
se sentindo capazes de elevar o desempenho discente nas avaliações em
larga escala, os resultados do IDEB ainda oscilam, principalmente, entre
as etapas atendidas pelas escolas.
Entre os fatores escolares relacionados à gestão escolar que poderiam
repercutir em uma melhora dos resultados escolares dos alunos está o
monitoramento dos resultados das avaliações (SAMMONS, 2008). Nesse
sentido, o uso dos dados do SAEB poderia estimular uma reflexão crítica

14 O Índice de Nível Socioeconômico (INSE) é calculado a partir da escolaridade dos pais dos discentes,
posse de bens e contratação de serviços pelas famílias dos alunos (INEP, 2015ª). No nível V a resi-
dência dos alunos possuem três quartos, dois banheiros, computador com acesso a internet, telefone
fixo, carro, renda familiar em torno de 5 a 7 salários mínimos além de pai e mãe (ou responsável) que
completaram o Ensino Médio. No nível VI, além dos elementos presentes no nível V há um aumento da
renda familiar que está acima de 7 salários mínimos e 7 salários mínimos e pai e sua mãe (ou respon-
sáveis) completaram a faculdade e/ou podem ter concluído ou não um curso de pós-graduação.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 95

sobre o trabalho pedagógico, considerando a aprendizagem, a repetência,


a evasão e o abandono discente como elementos de análise (CHIRINÉIA;
BRANDÃO, 2015). Entretanto, tais resultados parecem confirmar que tanto
o desempenho na Prova Brasil, como o próprio IDEB alcançado pelas es-
colas pesquisadas não guardam relação clara com seu uso ou não na gestão
pedagógica das unidades.
Como já assinalado, as diretoras apresentaram um plano de trabalho que
deveria conter o diagnóstico das escolas quando se candidataram ao cargo,
o que suporia o uso dos dados das avaliações, entre outros, para o desenho
das ações da gestão. Ainda que isso de fato tenha ocorrido – minimamente
encontra-se sua menção nos respectivos planos -, apenas seu registro não
indica necessariamente sua capacidade de desenvolver uma gestão estra-
tégica como “mecanismo que permite identificar as reais necessidades de
mudanças, estabelecer as prioridades em termos de mudanças e os meios
para efetivá-las” (MIRANDA; MACHADO, 2012, p. 5). Pelo que se pode
depreender das respostas das três diretoras, o planejamento inerente à con-
fecção dos planos não tem se traduzido em uma nova forma de administrar
a escola baseada em evidências fornecidas pelas avaliações em larga escala.
É importante ressaltar a questão da formação de diretores escolares.
Embora essas diretoras estejam há quase seis anos na gestão das respectivas
escolas, possuam escolaridade além da exigida para o cargo e participem das
capacitações oferecidas pela SME/JF, parecem carecer de aprofundamento nas
reflexões sobre o uso dos dados das avaliações em larga escala como ferramenta
de gestão pedagógica das escolas tanto no que se refere ao acompanhamento
do ensino-aprendizagem discente, como no que toca ao desenho de ações com
vistas a diminuir a repetência, a evasão e o abandono escolar.
Entende-se que sem uma formação que priorize o uso dos dados, bem
como uma reflexão dos agentes escolares sobre as potencialidades e fragi-
lidades da escola lastreada em evidências para avaliar e (re)planejar ações
que favoreçam a qualidade e equidade do trabalho educativo, o simples
conhecimento e registro dos dados se torna vazio.

Algumas considerações

Embora se perceba, nas redes de ensino dos dois municípios pesqui-


sados, um amadurecimento das questões relativas às políticas de avaliação
externa, parece haver ainda um caminho longo a percorrer no sentido de
articular ações que estabeleçam demandas comuns para as escolas. Faz-se
96

necessário garantir que os gestores tenham mais oportunidade de conhecer


e compreender as políticas de avaliação externa e, sobretudo, como são
produzidos seus resultados e o que significam em termos da qualidade do
trabalho de ensino-aprendizagem desenvolvido nas escolas. Com melhor
compreensão destes dados poderia ser possível identificar relações entre o
trabalho feito em sala de aula diretamente pelos professores e as ações da
gestão que deveriam sustentar este trabalho e seu progressivo aperfeiço-
amento. Os usos observados nas escolas de Macaé e supostos a partir das
respostas dos diretores na pesquisa de Juiz de Fora parecem se restringir
quase sempre a ações pontuais e descontínuas, credoras do esforço particular
de cada estabelecimento e da respectiva equipe de gestão, sem o desenvol-
vimento de um projeto pedagógico consistente e articulado lastreado na
análise continuada dos resultados da escola.
Apesar de reconhecerem nas avaliações externas a possibilidade de
elencar elementos que subsidiem aspectos do trabalho pedagógico que re-
alizam, os gestores escolares consultados mostraram, de forma geral, pouca
segurança na apropriação desses resultados. Evidenciou-se a necessidade
de conhecer melhor as políticas de avaliação externa e os dados que elas
produzem, cotejando-os com suas experiências cotidianas na escola.
Na contramão da política pública nacional, que pretende que os resul-
tados se tornem alicerces para a formulação e implementação de ações nas
escolas que possibilitem a melhoria do ensino-aprendizagem de todos os
alunos, os gestores escolares das duas redes municipais estudadas, parecem
ainda não conseguir considerar os resultados e demais dados educacionais
disponibilizados por escola como insumos estratégicos para seu trabalho
de gestão pedagógica na escola.
As contribuições deste capítulo constituem referências úteis para futuras
pesquisas que podem colocar mais luz sobre o uso dos dados das avaliações
em larga escala pelos gestores escolares, permitindo o adensamento da
análise do uso dos dados a partir da liderança e da autoeficácia do diretor
dentro das escolas.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 97

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ESTRATÉGIAS DE AÇÃO DE
GESTORES ESCOLARES EM
RELAÇÃO AO CORPO DISCENTE

Maria Luiza Canedo


Lenon Araújo de Matos
André Luiz Regis de Oliveira

Introdução

No presente trabalho buscamos conhecer as estratégias de ação utilizadas


por um conjunto de gestores escolares para enfrentar os desafios cotidianos
em relação aos alunos que frequentam escolas da rede municipal da cidade
do Rio de Janeiro. Lançando luz sobre o contexto social em que as escolas
estão inseridas, mostramos como as percepções dos diretores sobre o corpo
discente norteiam as ações desenvolvidas, revelando questões recorrentes
que suscitam discussões e permitem o aprofundamento das reflexões sobre a
atuação dos gestores escolares.
Sabemos que os gestores são chamados a tomar decisões e adotar estraté-
gias em prol dos objetivos e metas previstas para a instituição que gerenciam.
Na escola isso não é diferente, no entanto, enquanto unidade básica de todo
o sistema educativo, cabe a ela a realização de objetivos sociais peculiares
relacionados à transmissão de saberes às novas gerações.
Segundo Libâneo (2004), os cinco objetivos da escola são: promover o
desenvolvimento de capacidades cognitivas, operativas e sociais dos alunos,
fortalecer a identidade cultural dos alunos, preparar os alunos para o trabalho,
formar o cidadão capaz de interferir criticamente na realidade e desenvolver
a formação ética dos alunos.
Uma vez que a aprendizagem se constitui como um processo que se
desenvolve intrinsecamente ao aprendiz, sem considerá-lo a escola não será
capaz de alcançar sucesso em sua missão. O conhecimento e as percepções
que os gestores escolares têm sobre o corpo discente e as ações adotadas
em relação aos alunos são especialmente relevantes para que a escola possa
cumprir seu papel na sociedade.
102

Nossa análise toma como base 17 entrevistas com diretores/as de


14 escolas pertencentes à rede municipal do Rio de Janeiro. As entre-
vistas aqui reunidas são provenientes de diferentes trabalhos de campo
desenvolvidos por membros do grupo de pesquisa “Gestão e Qualidade
da Educação – GESQ”. Cabe ressaltar que a amostra utilizada não tem
a pretensão de ser vista como uma escolha representativa da realidade
global do município do Rio de Janeiro, porém permite uma análise so-
ciológica exploratória de questões inerentes a relação diretor-aluno no
cotidiano escolar. As informações obtidas por meio das entrevistas foram
complementadas com dados sobre as características das escolas parti-
cipantes no que se refere à localização, infraestrutura e IDEB – Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica, com o intuito de permitir a
caracterização das escolas e dos gestores escolares participantes, formando
a moldura necessária à análise das percepções e estratégias de ação dos
gestores junto ao corpo discente.

Breve caracterização das escolas e seus diretores

O município do Rio de Janeiro possui uma característica peculiar


em sua organização territorial: a presença de grandes favelas – algumas
com status de bairros, como Cidade de Deus, Rocinha ou Vidigal – que
dividem o espaço com áreas nobres da cidade, predominando um modelo
de segregação urbana marcada pela proximidade física e distância so-
cial entre os moradores (ALVES; FRANCO; RIBEIRO, 2008). Embora
essa questão não seja o foco principal do presente trabalho, torna-se
importante abordá-la na medida em que nove entre as 14 escolas pes-
quisadas encontram-se situadas dentro ou em um raio de 500 metros de
comunidades. Tais escolas integram a 1ª, 2ª e 4ª CREs1, conforme pode
ser observado no Mapa 1.

1 A rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro está organizada em um nível central e 11
Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), responsáveis por regiões específicas do município.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 103

Mapa 1 – Distribuição das escolas pesquisadas


Japeri
Magé

Queimados
Belford Roxo Duque de Caxias

Nova Iguaçu
Seropédica

São João de ????


Mesquita
11º CRE
Nilópolis
6º CRE
4º CRE
Itaguaí
5º CRE
8º CRE
9º CRE 3º CRE
Niterói
1º CRE

10º CRE 2º CRE


7º CRE

Mangaratiba
Escolas do estudo
Limite do Município do Rio de Janeiro
Oceano Atlântico Limites
Favelas
Áreas não urbanizadas

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPP/RJ.

A localização das escolas mostra-se particularmente relevante para


compreensão do discurso dos diretores quando abordam a origem dos alunos
atendidos, enfatizando que muitos são provenientes de favelas. Os extratos
abaixo deixam claro que a moradia em comunidades traz desafios específicos
à escola, entre os quais se destaca a convivência entre colegas pertencentes a
facções rivais no controle do tráfico de drogas nas comunidades.
...aí tem essa característica, questões das comunidades, das comunidades
inimigas, Casa Branca com Boréu e Formiga, eram comunidades inimigas,
são ainda, né, entre parênteses (Diretora da Escola 1).

Eu acho que o entorno faz assim uma diferença muito grande. Se este
colégio estivesse funcionando, não estivesse funcionando num quintal de
uma comunidade, porque eu digo que o colégio é o quintal da comunidade,
eu acho que seria melhor. Existem momentos que a gente fica aqui numa
ansiedade muito grande, medo, quando sai tiro, matou uma pessoa que
a gente já passou por isso, jogaram a cabeça atrás da escola, e foi aquele
‘vuco-vuco’ (Diretora adjunta da Escola 4).

Do ponto de vista da infraestrutura do conjunto de escolas analisadas,


segundo as informações obtidas nos microdados do censo escolar 2016,
104

verificamos que todas possuem biblioteca ou sala de leitura, apenas uma não
possui sala de professores, duas não possuem quadra de esportes (coberta ou
descoberta), três não possuem laboratório de informática e nove não possuem
laboratório de ciências.
No que se refere aos segmentos de ensino atendidos observamos no
Quadro 1 que apenas três dessas escolas oferecem EJA e somente quatro
oferecem todos os segmentos de responsabilidade dos municípios (pré-escola,
ensino fundamental I e II). No caso destas últimas, vale ressaltar que existe
uma complexidade maior da gestão, no sentido de questões mais diversas a
serem enfrentadas.

Quadro 1 – Segmentos atendidos pelas escolas pesquisadas

Escola Educação Infantil Ensino Fundamental I Ensino Fundamental II EJA


E1 Sim Sim
E2 Sim Sim Sim
E3 Sim Sim Sim
E4 Sim
E5 Sim
E6 Sim Sim Sim Sim
E7 Sim Sim Sim Sim
E8 Sim Sim
E9 Sim
E10 Sim Sim
E11 Sim Sim
E12 Sim Sim Sim
E13 Sim Sim
E14 Sim Sim
Fonte: elaboração própria.

Sabemos que o diretor está envolvido, direta e indiretamente nas questões


de aprendizagem dos alunos, mesmo que não esteja fisicamente presente em
sala de aula atuando no processo ensino-aprendizagem, é ele o responsável
por criar um clima propicio ao aprendizado e condições para que o trabalho
docente se efetive.
Quanto ao IDEB2, o Gráfico 1, abaixo, mostra que no conjunto de escolas
pesquisadas houve uma evolução dos resultados referentes aos anos iniciais do

2 O IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é um indicador educacional criado em


2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) como
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 105

ensino fundamental durante o período de 2005 a 2015. No grupo pesquisado


aquelas que se sobressaem com IDEB mais alto são E11 e E12, que de uma
maneira geral permanecem com valores de destaque ao longo do período. No
caso da E11, segundo relato da diretora, a escola recebe alunos do entorno
e de lugares distantes, pois alguns pais escolhem essa escola por saber dos
resultados do IDEB. Já a E12 não está localizada na proximidade de favela, e
segundo a diretora tem alunos de diferentes perfis: filhos de analfabetos, filhos
de professores, de pessoas com graduação e até com pós-graduação sendo que
os pais procuram a escola na maior parte das vezes pelo resultado no IDEB.
Evidencia-se nos dois casos o processo de escolha, já descrito por Alves
(2010) como uma estratégia familiar em prol do sucesso escolar dos filhos.
De maneira inversa, observamos a escola E1, localizada dentro de uma
comunidade violenta, e que segundo relato da diretora é uma escola de inclu-
são porque recebe muitos alunos fracos. Neste caso, na entrevista a diretora
justificou-se afirmando que “sua prioridade é que os alunos aprendam e não que
o IDEB aumente [...] [pois] a escola deve contribuir na formação dos alunos”.

Gráfico 1 – Evolução do IDEB dos anos iniciais das escolas analisadas3


10

0
2005 2007 2009 2011 2013 2014

E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7

E8 E9 E10 E11 E12 E13 E14

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do INEP.

Ao propor o IDEB, Fernandes (2007) o apresenta como um avanço no que


se refere aos indicadores que existiam até então para monitorar o sistema de

parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e consta de um valor de zero a dez como
resultado da razão entre desempenho estudantil em exames padronizados e indicadores de fluxo.
3 Para as escolas E4 e E5 não aparecem os valores no gráfico pelo fato delas não oferecerem o
segmento de ensino fundamental I. Algumas escolas não apresentam os valores para todos os anos
porque não ofereceram o ano escolar avaliado (5º ano) no ano em questão.
106

ensino do país, visto que combina a utilização de indicadores de fluxo (promo-


ção, repetência e evasão) e pontuações em exames padronizados, obtidas por
estudantes ao final de determinada etapa do sistema de ensino (5ª e 9ª ano do
ensino fundamental e 3º ano do ensino médio). Embora outros autores (ALVES;
SOARES, 2013; OLIVEIRA, 2007; SOARES, 2009) questionem que apenas
com estes elementos não se pode criar um indicador que retrate, de fato, a
qualidade da educação, são unânimes em apontar que o IDEB é um avanço em
termos de medidas educacionais e pode ser utilizado em suas potencialidades.
O Gráfico 2, retrata a evolução do IDEB dos anos finais das escolas do
presente estudo, entre os anos de 2005 a 2015, mostrando apenas aquelas que
ofereciam o 9º ano do ensino fundamental.

Gráfico 2 – Evolução do IDEB dos anos finais das escolas analisadas

10

0
2005 2007 2009 2011 2013 2015

E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7

E8 E9 E10 E11 E12 E13 E14

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do INEP.

Considerando os últimos resultados do IDEB referentes ao ano de 2015,


em que as escolas municipais do Rio de Janeiro apresentaram um IDEB médio
de 5,6 para os anos iniciais do ensino fundamental e 4,4 para os anos finais,
observa-se que de uma maneira geral as escolas pesquisadas apresentam IDEB
abaixo da média das escolas municipais do Rio de Janeiro4 (seis entre as dez
escolas que possuem resultados para o 5º ano possuem IDEB abaixo de 5,6;
e três das sete escolas que apresentam IDEB para os anos finais estão abaixo
do IDEB médio da rede municipal).
A escola E1 é a que possui indicadores mais baixos no período para os
anos finais do ensino fundamental, com problemas e questões específicas que

4 Maiores detalhes podem ser consultados em: <http://www.qedu.org.br/cidade/2801-rio-de-janeiro/ideb>.


GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 107

serão melhor abordadas ao longo do presente trabalho. A E2, que apresenta


os melhores resultados nesse grupo, segundo relato da diretora, desde seu
ingresso na escola, há 28 anos, encontrou muitos desafios, por vezes sendo
necessário retirar armas de fogo da mão de alunos, enfatizando na entrevista
que seu foco é a questão disciplinar.
Em relação aos gestores entrevistados, foram ouvidos 17 profissionais,
ocupantes dos cargos de direção ou direção adjunta. No que tange a faixa
etária, encontramos uma predominância de diretores entre 50 e 60 anos, sendo
16 do sexo feminino e apenas um do sexo masculino; 12 deles possuem entre
1 e 5 anos de atuação na gestão, 3 possuem entre 9 e 10 anos e 1 possui 28
anos como diretora, tendo passado um período pequeno como coordenadora
de turno e um ano como diretora adjunta em escola anterior5.
São diferentes os tipos de formação inicial que os gestores possuem,
embora prevaleçam as licenciaturas, com destaque para cinco diretores que
cursaram pedagogia. Quanto ao tempo de experiência, observamos que possuem
pelo menos 20 anos de atuação em sala de aula e/ou cargos de gestão, seja na
escola onde se encontram atualmente ou em outras escolas tanto municipais
quanto de outras redes, contudo, em relação ao tempo de atuação na escola
atual6, podemos dividi-los em dois grupos: (i) quatro diretores que atuam na
escola entre 3 e 6 anos; e (ii) nove diretoras cuja atuação é superior a 12 anos.

Percepções sobre os alunos e estratégias de ação dos diretores

O papel do gestor enquanto liderança profissional é apontado como uma


das onze características-chave das escolas eficazes e estudos mais detalhados
mostram que a liderança eficaz traz implicação para todos os demais fatores.

O impacto que os diretores têm no desempenho e progresso de seus alunos


provavelmente opera indiretamente através da influência que ele exerce
na cultura da escola e dos professores, nas atitudes e comportamentos,
os quais por sua vez, afetam as práticas de sala de aula e a qualidade do
ensino e aprendizagem (SAMMONS, 2008 p. 355).

Para o desenvolvimento da liderança é necessário que o diretor conheça


bem o espaço em que está inserido, com suas questões, possibilidades e entra-
ves e a partir daí pense, formule e execute estratégias e ações que viabilizem
o alcance dos objetivos da escola.

5 Um entrevistado não forneceu informação sobre seu tempo de atuação na gestão.


6 Quatro diretores que não forneceram essas informações. Vale destacar que a ausência desta informação
não se deve ao fato do diretor ter se negado a dizer, mas sim a não ter sido questionado na entrevista.
108

Ao analisar as entrevistas destacamos as percepções desses gestores sobre


os alunos atendidos, ressaltando em que medida este conhecimento influencia
as suas estratégias de ação no enfrentamento das questões que emergem dos
alunos e da gestão da escola.
Observamos que as percepções dos gestores se concentram em torno de
algumas questões desencadeadoras de ações desenvolvidas no âmbito da ges-
tão escolar com repercussões na escola como um todo. Reunimos em quatro
grupos as diferentes visões sobre o papel da escola, os alunos e as estratégias
colocadas em prática. São elas: a escola disciplinadora, a escola “redentora”, a
escola formadora para a vida prática e a escola que educa “apesar” das famílias.

1. A centralidade da disciplina na vida escolar

Os diretores entrevistados, em sua grande maioria, mencionaram a


disciplina como questão central na rotina da escola e em seu trabalho. Cerca
de metade dos dezessete diretores entrevistados, explicita que o cotidiano da
comunidade em que os alunos vivem influencia seu comportamento dentro
da escola e sua aprendizagem. Esses diretores afirmam que a convivência
com a violência e os conflitos entre facções criminosas que dominam as co-
munidades se refletem em comportamentos mais agressivos e inquietos dos
alunos, estabelecendo relações diretas entre a situação no local de residência e
o comportamento dos alunos. Destacam que nos períodos com mais conflitos
os alunos apresentam um comportamento mais agitado e agressivo.
Percebem ainda que o modo de vida na localidade onde residem também
se reflete na conduta dos alunos, atribuindo àqueles provenientes de favelas um
modo de vida desregulado, com poucas regras e rotina, com pouca ou nenhuma
supervisão dos responsáveis, com presença de violência e agressividade no seu
cotidiano. Sendo assim, acreditam que os alunos têm dificuldades em cumprir
as regras da escola, realizar os deveres de casa e as tarefas escolares, aceitar
a autoridade dos professores, diretores e funcionários da escola e conviver
pacificamente com os colegas, como indica um dos diretores ouvidos:

Então muitos deles chegam com hábitos da comunidade, com manias da


comunidade, a indisciplina, se você deixar começar a acontecer, ela só
cresce. A gente recebe, volta e meia, crianças que chegam aqui como vieram
do CIEP7, tudo se resolvia na porrada (Diretora Adjunta da Escola 4).

7 O Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) foi um projeto educacional de autoria


do antropólogo Darcy Ribeiro, implantado no estado do Rio de Janeiro ao longo dos dois gover-
nos de Leonel Brizola (1983 – 1987 e 1991 – 1994) com o objetivo de oferecer ensino público de
qualidade em período integral aos alunos da rede estadual.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 109

Alguns outros diretores, que também apontam a presença de muitos


alunos indisciplinados, percebem como fatores que contribuem para os com-
portamentos indesejados na escola o histórico de vida sofrido, a vivência de
violência doméstica e o acúmulo de fracassos na vida escolar dos alunos.
No sentido contrário, dois diretores afirmam que apesar de serem pro-
venientes de comunidade violenta, os alunos não a reproduzem dentro da
escola. Relataram que os conflitos externos, como por exemplo, a guerra entre
diferentes grupos criminosos nas comunidades em que os alunos residem não
se traduz em conflito entre os alunos, atribuindo os problemas disciplinares
a outros fatores, tais como à idade, no caso a fase da adolescência, que se
caracteriza por questionamentos às regras e ao tipo de educação recebida
no âmbito familiar.
Dentre os diretores que destacam a relevância dos problemas discipli-
nares em suas percepções sobre o corpo discente, observamos dois tipos de
estratégias adotadas para o enfrentamento dessa questão. Enquanto alguns
gestores optam por um trabalho firme e consistente para manutenção da ordem
e da disciplina dentro da escola, adotando uma postura rigorosa e exigente,
outros utilizam o acolhimento, o diálogo e a afetividade para conquistar o
respeito e a parceria do aluno. Essas duas estratégias, em muitos relatos,
não são excludentes, mas executadas de forma complementar, alternando-se
conforme a situação.
A maioria dos diretores indica como principal foco do seu trabalho a
garantia da ordem e da disciplina na escola. Relatam que agem com rigidez e
firmeza diante de atos de indisciplina e, alguns deles, adotam punições que vão
desde a suspensão do aluno, a convocação dos responsáveis e o acionamento
do Conselho Tutelar, chegando, em casos extremos, à transferência do aluno
para outra escola como forma de afastamento de outros colegas.
A diretora da E2 explicita que a escola tem o papel de controlar e orientar
os alunos por meio da disciplina e que manter a ordem na escola é positivo,
ressaltando que alguns alunos procuram esta escola justamente por saberem
que vão poder estudar tranquilos:
E aí vim implantando aos pouquinhos aqui, a disciplina da escola, nós
tínhamos uns alunos muito brabos, alguns vinham até armados para
a escola, [...] então quem vinha armado eu tomava a arma e botava
dentro desses arquivos que ainda têm até hoje aí e a coisa funcionou
[...] o meu foco principal na escola até hoje é a questão disciplinar [...]
eles vem em busca dessa questão disciplinar, porque eles sabem que
eles aqui vão entrar, vão estudar, não vão ser ameaçados, eles vão ter
resguardados os seus direitos de aluno, para estudar com tranquilidade
(Diretora da Escola 2).
110

Outro diretor, também adepto da disciplina afirma como aspecto positivo


o fato dos alunos sentirem “medo” dele.

Então eu diria que a minha maior contribuição aqui nesse momento, desde
que eu entrei, na verdade, tem sido em cima da parte disciplinar [...].
Então eventualmente eu tenho que ir a uma sala pra dar uma chamada
geral, naquela turma, sobre alguma coisa que tá acontecendo (Diretora
Adjunta da Escola 4).

No mesmo sentido, temos o relato de mais uma diretora:

Eu gosto de disciplina, gosto que os alunos formem pra subir, até o 9º


ano, e isso é difícil de ser mantido quando não estou aqui [...]. Não passo
a mão na cabeça de nenhum aluno (Diretor da Escola 8).

Enquanto outro diretor aborda a forma como os alunos são monitorados


dentro da escola para não faltarem à aula relatando que, nesses casos chama a
família para conversar sobre a importância da frequência dos alunos e solicita
que assinem um termo de responsabilidade relativo à presença dos filhos.
O grupo de diretores que privilegia a estratégia de acolhimento, diálogo
e afetividade para enfrentamento da indisciplina, destaca esse trabalho como
principal foco de sua atuação. Relatam que buscam ouvir e compreender a
realidade de vida dos alunos, entender sua visão sobre a escola e se aproxi-
mar deles por meio do carinho e do acolhimento. Muitos gestores afirmam
que suas escolas são reconhecidas como acolhedoras por receberem alunos
com diversos problemas sociais e de aprendizagem e por fazerem com que
os alunos se sintam bem na escola.
Uma das diretoras explica que a disciplina é garantida por meio da
conversa, enquanto outro destaca que busca se aproximar e conquistar a con-
fiança dos alunos por meio do diálogo e um terceiro relata que conversa com
os professores para que eles busquem conquistar os alunos mais agressivos.
Fica muito costurado, ali, o que a gente exige de comportamento, de estudo,
de responsabilidade, fica muito junto com o que a gente dá de carinho, de
conversa, de brincadeira, de afetividade, e eu acho que isso é uma mistura
boa pra eles (Diretora da Escola 4).

Como ponto comum neste bloco percebe-se que os diretores isentam os


alunos da responsabilidade pela indisciplina e violência na escola, atribuindo
a origem de tais comportamentos ao contexto social dos alunos. . A disciplina
e o cumprimento de regras assumem a centralidade do papel do diretor como
forma de enfrentar questões sociais que chegam até a escola.
Perrenoud nos ajuda a refletir sobre até que ponto a escola disciplinadora
estaria contribuindo para a formação dos alunos enquanto futuros cidadãos:
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 111

Na escola aprendemos a obedecer, aprendemos que são necessárias


regras. [...] No entanto, trata-se de regras instituídas, regras pouco
negociáveis, regras que já lá estão, ao que parece, para toda a eter-
nidade. Há coisas que fazemos, por exemplo, pormo-nos em fila
para entrar na aula ou pedir a palavra [...] A pedagogia institucional
compreendeu-o bem, quando definiu que uma parte do trabalho escolar
deveria ser dedicada ao estudo do regulamento das instituições. Só
que este eixo de análise está longe de ser uma prática corrente e o
que se tem feito até agora não passa de uma gota de água no oceano
(PERRENOUD, 1995, p. 183).

Resgatar o aluno de um futuro precário

Parte dos diretores atribui à afetividade e ao acolhimento a função de criar


um vínculo mais forte dos alunos com a escola. Dois deles explicitam as ações
que colocam em prática para que a escola seja acolhedora, compensando os
problemas que os alunos enfrentam fora da escola, minimizando seu histórico
de vida difícil e contribuindo para o aumento da autoestima desses alunos:

Então eu procuro incentivar, a coordenação pedagógica também, a ter essa


noção de inclusão mesmo, de acolhimento. Que aqui o que a gente vai receber
[...] é o aluno que vem de uma série de fracassos escolares, uma autoestima
lá em baixo. [...] E que aqui é um resgate mesmo afetivo [...]. É um resgate
diário que a gente tenta fazer nessa autoestima, porque nem eles acreditam
que eles possam ser alguma coisa diferente (Diretora da Escola 5).

Baseados na percepção de que seus alunos possuem um histórico de


vida difícil, que muitos deles convivem com a violência dentro de casa e na
comunidade em que residem, alguns diretores não visualizam perspectivas
promissoras para os alunos em relação à continuidade dos estudos e a inser-
ção no mercado de trabalho. Ressaltam que utilizam a conversa como uma
forma de “resgatar” os alunos, desenvolvendo neles a valorização da escola e
dos estudos, como forma de prevenção à evasão. Orientam e aconselham os
adolescentes a buscarem um “futuro melhor”, afastando-os da precariedade
de vida que os aguarda. Para estes diretores, este é o papel que a escola deve
cumprir, como constatamos nos relatos que se seguem:

Eu acho que a gente cobra bastante deles, mas eles se sentem muito à
vontade na escola, se você observar mesmo a rotina deles, eles gos-
tam da escola, eles se sentem muito à vontade [...]. Eu acho que eles
criam aqui um vínculo de afetividade, um vínculo quase que familiar
(Diretora da Escola 4).
112

Então é aquele momento que eles estão chegando, que a gente diz que a
gente está feliz por eles estarem aqui, entendeu? (Diretora da Escola 10).

Percebemos aqui o modelo de escola “redentora” que enfrenta as desi-


gualdades e as questões sociais mais amplas, chamando para si um papel que
nem sempre pode cumprir.

Formar o aluno para a vida, inserindo-o na sociedade

Eu acho que a missão de qualquer escola é preparar pra vida.


(Diretora da Escola 3).

Dentre as escolas que se localizam em comunidades violentas ou que rece-


bem muitos alunos residentes nessas localidades, observamos que a percepção
mais comum dos diretores é de que os alunos reproduzem a agressividade e
agitação com que convivem no cotidiano e que possuem uma vida desregrada
e sem acompanhamento dos responsáveis, refletindo no seu comportamento
dentro da escola. Entretanto, os diretores entrevistados também apresentam
percepções que destoam dessa visão generalizada, particularizando alguns
casos. Não se tratam de percepções que excluem outras já mencionadas, mas
que convivem na visão do diretor levando-o a adotar ações com o objetivo
de “encaminhar o aluno na vida”.
Encontramos neste bloco percepções que diferenciam os alunos com
problemas de aprendizagem daqueles com comportamentos indisciplinados,
visões sobre o potencial dos alunos, sobre a baixa autoestima que os alunos
apresentam devido a inúmeras reprovações ou por terem vivenciado a vio-
lência e o abandono, e sobre o direito dos alunos terem oportunidades iguais.
As falas registradas remetem ao esforço de desenvolver valores como
responsabilidade, organização e disciplina, associado a ações de encaminhar
os alunos para atividades extracurriculares como cursos e estágios laborais,
como forma de se inserirem na lógica do mercado de trabalho e de obterem
um “bom” emprego futuramente, conforme a fala da diretora:

Mas eu acho que o professor pode abraçar, pode incentivar. A direção da


escola e a equipe técnico-pedagógica podem fazer ações, podem promover
ações para que esse menino não se perca. Não apenas na conversa, mas
incentivar, procurar ajudar mesmo, incentivando a procurar órgãos que
possam oferecer cursos, que possam oferecer oportunidade para esses
meninos, que na verdade é o que eles precisam (Diretora da Escola 9).

Observamos também a busca pela valorização da escola e dos estudos, es-


timulando as competências dos alunos e realizando atividades recreativas como
forma de atrair o interesse dos alunos para a escola, como aponta a diretora:
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 113

... a gente sempre conversa, chama a família, tenta sempre fazer uma par-
ceria, uma conversa, falar o valor da escola, eu costumo falar para eles que
a escola é um estágio para a vida, eu sempre costumo dar esse discurso
para eles, porque é aqui que eles estão recebendo... aqui e na família, e
muitas vezes eles não recebem isso na família... a primeira organização
que eles têm que ter, as primeiras obrigações, em tudo, de uniforme, de
horário, e que isso ele vai ter que levar para a vida dele [...] o objetivo é
dar cidadania a eles, é dar esse censo de responsabilidade para o aluno e
trazer o aluno como parceiro (Diretora da Escola 1).

Percebe-se que, neste grupo de diretores a ênfase dada se refere ao obje-


tivo de inserir os alunos na sociedade, tal como ela se apresenta, não se trata
de questionar desigualdades sociais, mas de encontrar vias alternativas que
permitam acessos negados.

Desencontro com as famílias

Na maior parte das entrevistas, ao mencionarem a participação da


família na vida escolar dos alunos, os diretores se referem principalmente
à figura da mãe, algumas vezes, mencionaram a avó ou uma vizinha alter-
nativa, prevalecendo, porém, a figura feminina como responsável pela vida
escolar dos alunos.
Segundo a percepção da maioria dos entrevistados, as famílias são ausentes
na vida escolar dos alunos e essa ausência é atribuída ao fato dos responsá-
veis trabalharem. Acreditam também que há uma crescente transferência de
responsabilidade dos pais para outras pessoas:
...você tem mães que você nem nunca conhece. O aluno passou nove anos
na escola e você não conhece, porque ele vem com transporte, você co-
nhece o transporte, o motorista que traz o aluno, mas a mãe mesmo você
não conhece, porque ela não aparece na escola (Diretora da Escola 2).

A família, hoje em dia, tá muito perdida. Sempre que a gente chama a


mãe é: ‘Ai, não posso’, normalmente a fala é: ‘Tá pensando o que? Eu
trabalho! (Diretora da Escola 3).

Não controla. Não sabe onde estão os filhos. Eles não têm ninguém. Essa
coisa da responsabilidade é de quem na família hoje? Eu pergunto. Por-
que é dos pais. Porque eles querem, eles matriculam, mas aí entregaram
para a avó. A avó também não está aguentando... Aí, entregam para uma
vizinha... (Diretora da Escola 10).

Alguns diretores afirmam que as famílias não acompanham a vida escolar


dos alunos e não reforçam em casa a importância da educação na vida deles,
114

então, muitos alunos não realizam as atividades escolares de casa e não estudam
fora da escola. Para esses diretores, as famílias mais presentes e que acompa-
nham a vida escolar dos filhos contribuem com a aprendizagem dos alunos.
Um dos diretores responsabiliza diretamente a família pelos problemas
que o aluno apresenta na escola enquanto outro acusa alguns responsáveis de
ignorar os problemas disciplinares dos filhos, dificultando o trabalho da escola.

Acho que a maior barreira que a gente enfrenta são os pais, que não colo-
cam o hábito, assim, tem uma quantidade de pais aqui que não têm aquela
coisa de vir, participar, e aí se você larga o seu filho, vai ser o quê? Vai
largar também. Então essa é uma das maiores dificuldades, a questão da
família (Diretora da Escola 4)

Os diretores relatam que convocam reuniões de responsáveis periodica-


mente, mas que a participação dos pais é baixa. Um dos gestores conta que
chega a utilizar a rádio comunitária para divulgar e convocar os responsáveis
para a reunião. Outro diretor diz que procura ouvir as famílias, mas utiliza a
reunião para deixar claro que os alunos precisam cumprir as regras da escola
e que os responsáveis devem auxiliar a escola nessa tarefa.
Vários afirmam que chamam a família para resolver problemas relacio-
nados com a disciplina e/ou frequência dos alunos. Ainda nesse sentido, dois
diretores informam que para garantir a presença dos responsáveis quando
convocados, ameaçam comunicar ao Ministério Público e, assim, alguém da
família logo comparece à escola, não sendo necessário concretizar a denúncia.
A relação com as famílias se apresenta de uma maneira diferente apenas
em um pequeno grupo de escolas participantes da pesquisa, especificamente
aquelas que só oferecem educação infantil e/ou primeiro segmento do ensino
fundamental. Nessas escolas, os diretores relatam que as famílias são presentes
e comparecem às reuniões quando convocados. Um dos diretores, integrantes
deste grupo, afirma que os alunos são tranquilos e tanto a família quanto a
comunidade são presentes, podendo contar sempre com eles. Acrescenta ainda
que, em sua escola, há mães representantes de turma que realizam reuniões
com as outras mães e participam do Conselho de Classe. Outro diretor conta
que os alunos e os pais convivem fora da escola e que todos se conhecem,
facilitando o contato e sua relação com eles.
Estudos como o de Alves e Soares (2013) mostram que em geral os
responsáveis são mais presentes quando os seus filhos estão nos níveis mais
elementares da educação básica, num esforço de acompanhamento das ativi-
dades escolares entretanto, pesquisa realizada por Canedo (2007), onde foram
ouvidos pais de alunos do segundo segmento do ensino fundamental, mostra
que estes se sentem “abandonados” pela escola justamente quando enfrentam
as dificuldades inerentes a adolescência dos filhos.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 115

Apesar das relações serem mais amenas e amistosas nas etapas iniciais de
escolarização, também nesses casos, as famílias são acionadas basicamente para
resolverem problemas disciplinares e de frequência escolar o que nos remete
a hipótese de que a escola não estabelece de fato uma parceria com as famí-
lias no processo educacional, convocando-as somente quando há problemas.
[...] a gente tem uma reunião bimestral todos os sábados, e é uma reunião
que faz um café da manhã e faz uma atividade para os pais. E, geralmente
eles vêm. A professora que não vem nesse sábado a gente faz uma reunião
para os pais virem de manhã cedo ou na hora da entrada porque vem trazer
o filho, aproveita e fica (Diretora da Escola 14).

No conjunto das declarações feitas pelos diretores fica explícito que,


embora amplamente discutidas e analisadas em diversas pesquisas, a relação
família-escola permanece como desafio.
Como já apontado por Thin (2006), escola e família possuem diferentes
lógicas socializadoras o que contribui para mal-entendidos e culpabilização.
Regis (2015) aborda a relação da escola com as famílias, concluindo que:

Esses achados nos revelam que se deve pensar a escola como um ambiente
de integração social, justamente por ser um espaço de encontro de diferentes
pessoas. Os pais possuem uma teoria sobre a escola, construída a partir de
valores globais, sociais, de classe e também de sua própria experiência. As
famílias populares possuem lógicas socializadoras e escolares diferentes,
que muitas vezes são julgadas por professores e diretores como sendo não
legítimas. Essa tensão acaba por gerar conflitos e, sobretudo, desencontros,
como foi observado nos relatos de professores e diretores.

Considerações finais

A breve análise exploratória realizada com base em 17 entrevistas com


diretores de escolas da rede municipal do Rio de Janeiro nos permite refletir
sobre os desafios do gestor escolar. Se por um lado podemos afirmar que as
falas dos diretores revelam interesse pelos alunos e empenho em encontrar
caminhos para vencer os desafios que permeiam o cotidiano escolar, por outro
lado indicam a falta de referências e apoios que possam ser acionados pelos
gestores para empreender este movimento.
Desigualdades sociais e transformações familiares chegam à escola tra-
zendo questões que extrapolam o espaço escolar e encontram diretores que
procuram disciplinar os alunos e encaminhá-los para o trabalho como forma
de resgatar os jovens do futuro precário que visualizam para eles. Culpando
116

a família, com a qual não conseguem construir uma parceria efetiva, parecem
continuar empenhados em ensinar as famílias. Mesmo quando dizem que
buscam o diálogo, não mencionam interesse, disposição ou condições para
ouvir as famílias. Escola e família possuem papéis e funções específicos na
formação do indivíduo e a construção da corresponsabilização depende de
que a escola dê o primeiro passo.
Chama atenção o fato dos diretores pesquisados não se referirem a apren-
dizagem dos alunos, o que nos leva formular a hipótese de que os gestores
não se veem como parte integrante do processo de ensino aprendizagem, mas
somente como responsáveis por viabilizar as condições necessárias para que
os professores desenvolvam seu trabalho.
Se retomarmos que o objetivo da escola abrange o desenvolvimento de
capacidades cognitivas, operativas e sociais, a formação ética, o fortalecimento
da identidade cultural e a preparação para o trabalho, formando o cidadão capaz
de interferir criticamente na realidade, vemos que, em que pese o esforço e
dedicação dos diretores, ainda estamos longe de alcançar as metas propostas.
Mais do que conclusões o que identificamos é a necessidade de amplia-
ção de pesquisas no âmbito da gestão escolar bem como da interlocução dos
resultados dos estudos já realizados com a prática nas escolas.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 117

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v. 23, n. 1, p. 29-41, jan./jun. 2009.

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Confrontação entre lógicas socializadoras. Revista Brasileira de Educação,
v. 11, n. 32, maio/ago. 2006.
A GESTÃO DA ESCOLA E A
CONSTRUÇÃO DO CLIMA ESCOLAR

Ana Cristina Prado de Oliveira1


Marcela Paquelet Fonseca2

Introdução

Estudos nacionais e internacionais na área educacional, especialmente no


campo da Sociologia da Educação, têm apontado a relevância do clima escolar
para a qualidade da educação (AGUERRE, 2004; BRUNET, 1992; BRITO;
COSTA, 2010). Em uma das pesquisas desenvolvidas no GESQ, identificou-se
a percepção dos professores sobre o ambiente escolar como variável de maior
significância para o seu nível de satisfação e para os resultados dos alunos (OLI-
VEIRA, 2015). Neste estudo, propomos uma reflexão sobre as características
do trabalho do diretor escolar, levantando a hipótese de que algumas tarefas,
posicionamentos e iniciativas do diretor influenciam diretamente o clima escolar,
interferindo no trabalho do professor e, também, na aprendizagem dos alunos.
Para aprofundarmos esta discussão, utilizamos dados dos questionários desti-
nados a professores e diretores da rede municipal do Rio de Janeiro – aplicados
no Survey GESQ 20163 – e dados qualitativos coletados em estudo de caso
realizado em uma das unidades participantes do survey (FONSECA, 2017).
No survey, aplicado a uma amostra de 20 escolas municipais da cidade do Rio
de Janeiro, alguns itens foram especialmente pensados para captar a percepção
dos respondentes sobre a liderança e o clima escolar, favorecendo a criação de
índices e indicadores. No estudo realizado com os dados, procuramos estimar
possíveis relações entre o trabalho do diretor e a qualidade do clima escolar
(ambos conforme a percepção dos professores da escola). A análise estatística
apresentada a seguir mostrou importantes pistas para compreendermos esta
relação. A partir destas indicações, aprofundamos nossa reflexão considerando
os dados levantados na pesquisa qualitativa realizada em uma das unidades es-
colares participantes do survey4. Uma equipe de gestão composta por diversos

1 Doutora em Educação pela PUC-Rio, Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos da


Educação da UNIRIO.
2 Mestra em Educação pela PUC-Rio, Professora do Departamento de Educação Física do Colégio Pedro II.
3 O Survey GESQ 2016 foi desenvolvido e coordenado por Ana Cristina P. Oliveira, no desenvolvi-
mento de seu Projeto de Pós-Doutoramento (PDJ-CNPq), intitulado: “GESTÃO DA ESCOLA, CLIMA
ESCOLAR E DESEMPENHO DOS ALUNOS: QUAIS AS RELAÇÕES?”
4 A pesquisa qualitativa foi desenvolvida por Marcela P. Fonseca, no âmbito de sua dissertação de mestrado.
120

membros que desempenhavam funções distintas, o espaço percebido para que


tanto gestores quanto professores pudessem participar das tomadas de decisão
e a possibilidade de acompanhamento pedagógico próximo da equipe de gestão
pareceram contribuir para que o clima escolar fosse percebido como positivo
para aprendizagem no contexto analisado. Desta forma, as informações trazidas
a partir de uma imersão em uma unidade escolar, nos ajudaram a compreender
as indicações que o estudo estatístico nos apontava: a influência de aspectos
do trabalho da gestão da escola na construção do clima escolar. Nesta análise
quanti-quali, buscamos discutir os aspectos da construção de um clima propício
para a aprendizagem que poderiam estar relacionados à atuação dos gestores
escolares, trazendo, assim, novos instrumentos de reflexão para o campo.
Este capítulo está divido em quatro seções após esta introdução. Na pri-
meira seção apresentamos nossa discussão sobre o conceito de clima escolar
e sua operacionalização nas pesquisas do campo, especialmente considerando
sua relação com o trabalho do diretor escolar. A segunda seção traz os resul-
tados do estudo estatístico realizado a partir de um survey aplicado em 2016
na rede municipal do Rio de Janeiro. Na análise estatística, encontramos
importantes pistas sobre as relações que podem ser estabelecidas entre as
percepções docentes sobre o trabalho do diretor e o clima escolar. Na terceira
seção aprofundamos esta análise, considerando dados qualitativos de uma
pesquisa realizada em uma das unidades que compunham a amostra utilizada
no estudo quantitativo. Por fim, na quarta seção propomos uma discussão so-
bre os resultados encontrados e levantamos indagações para futuros estudos.
O Clima Escolar como foco do trabalho do diretor
A compreensão das relações estabelecidas no espaço escolar, especial-
mente entre diretores e professores, requer a observação sobre a capacidade
destes agentes de se adaptarem ao funcionamento do campo – lógica da
organização escolar e demandas externas. Em se tratando de relações hierár-
quicas, ou seja, quando uns (diretores) detém mais poder de decisão do que
outros (professores), esse sens du jeu se torna mais complexo. As estratégias
de ação do diretor, para manter ou conquistar sua posição de liderança no
campo, têm que considerar as adaptações necessárias para corresponder às
diferentes expectativas que envolvem o espaço escolar. A esta capacidade
de adaptação, Bourdieu (1996, p. 144) acrescenta a habilidade de antevisão:
“[...] ter o sentido do jogo é ter o jogo na pele; é perceber no estado prático
o futuro do jogo. É ter o senso histórico do jogo. [...] o bom jogador é aquele
que antecipa, que está adiante do jogo”. Enquanto gestor responsável por sua
unidade escolar e exercendo o papel de líder em relação aos demais sujeitos
da escola, o diretor exercita, constantemente, sua capacidade de adaptação.
Compreendendo que a gestão escolar se dá através de relações de disputa
de poder entre os seus agentes, entendendo a escola enquanto organização e
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 121

sistema em si própria (LIMA, 2001) e reconhecendo-a enquanto contexto de


multirregulação das reformas educacionais (BARROSO, 2006), cabe questio-
nar: como o diretor equilibra e desenvolve adaptações frente a complexidade
desta tarefa ao exercer sua liderança na escola?
Em seus estudos sobre a liderança escolar, Leithwood a define como: “o
trabalho de mobilizar e influenciar outros para articular e alcançar as intenções
e metas compartilhadas na escola” (2009, p. 20, nossa tradução). O autor
afirma que as pesquisas recentes têm apontado que uma liderança efetiva
na escola abrange funções e características tais como: uma orientação não
conformista; garantir que o foco do trabalho da escola seja a aprendizagem;
monitorar frequentemente as atividades escolares; valorizar, investir tempo e
energia na melhora escolar; apoiar os professores; garantir a participação dos
pais dos alunos; monitorar o progresso dos estudantes; coordenar as definições
curriculares e avaliativas da escola; entre outras.
Enquanto gestor escolar, o diretor assume a responsabilidade pela institui-
ção que representa e as características do seu trabalho podem revelar diferentes
perfis de liderança que se refletirão no ambiente escolar, como condições de
trabalho para os professores e, consequentemente, para a aprendizagem dos
alunos. Assim, a sua atuação na gestão e liderança da escola são elementos
fundamentais para a construção do clima escolar.
O conceito de clima escolar tem sua origem nos estudos sobre clima
organizacional e sua definição não é consenso entre os estudiosos na área.
Brunet (1992, p. 125) aponta que atualmente os estudos sobre o clima orga-
nizacional o definem como medida perceptiva dos atributos organizacionais.
“Neste caso, o elemento principal é a percepção que um indivíduo tem do seu
ambiente de trabalho. [...] A percepção surge, então, como um filtro que serve
para interpretar a realidade e as componentes da organização” (BRUNET,
1992, p. 126). Neste sentido, entendemos que a medida do clima de uma or-
ganização se dá pela percepção dos seus sujeitos. Neste capítulo, trazemos a
análise de dados coletados quantitativa e qualitativamente sobre a percepção
de professores acerca do seu ambiente de trabalho.
O trabalho de Aguerre (2004) é, sem dúvida, referência fundamental
para o estudo de clima organizacional nas escolas, tanto por sua abrangência
quanto por sua profundidade. O autor destaca a importância do conceito clima
organizacional para os estudos educacionais e o enfoque que o mesmo vem
recebendo, sobretudo nas pesquisas sobre a eficácia escolar. Tomando como
referência os estudos do autor, consideramos:

o clima constitui o contexto de sentidos compartilhados, pré-compreensões


que respaldam sem problemas5 os acordos e as ações individuais ou co-
letivas que empreendem os membros de uma organização (professores,
administradores e alunos)” (AGUERRE, 2004, p. 55, nossa tradução).

5 No original, “aproblemáticamente”.
122

Compreendendo as relações entre a equipe de gestão escolar e os pro-


fessores como um indicador da política de liderança na escola, Cousin (1998,
p. 134) aponta que as relações são percebidas como positivas pelos professores,
quando eles enxergam no diretor um representante, quando há espaço para a
discussão coletiva sobre os objetivos do estabelecimento de ensino e quando
a gestão apoia os professores nas resoluções dos problemas de disciplina,
entre outras. O autor valoriza a dimensão relacional da gestão escolar, que
passa tanto pela participação e coletividade, quanto pelo suporte da autoridade
escolar para as decisões do professor.
Pensando em sua aplicabilidade nos estudos sobre a escola, Hutmacher
(1992) destaca as dimensões de coletividade e de mobilização como cen-
trais para os estudos sobre o clima escolar: “Um estabelecimento de ensino,
como, aliás, qualquer grupo social, precisa mobilizar os conhecimentos e
competências dos seus membros para realizar os seus objetivos e enfrentar
os acontecimentos cotidianos” (op. cit., p. 68). Brunet (1992), por sua vez,
identifica três variáveis determinantes para o clima organizacional: a estrutura
(características físicas da organização), o processo organizacional (estilo de
gestão, modos de comunicação) e a variável comportamental (funcionamentos
individuais e de grupo: atitudes, personalidade, coesão, normas). Segundo
o autor, os efeitos destas variáveis na manutenção do clima organizacional
trazem resultados individuais, de grupo e organizacionais.
Nesse estudo analisamos o clima escolar enquanto construção coletiva
que envolve as relações interpessoais e o ambiente da escola para com foco
na aprendizagem, especialmente relacionando esta construção ao trabalho do
diretor (gestão e liderança). Partindo desta compreensão, analisamos nossos
dados de pesquisa que serão descritos nas seções que se seguem.
O clima escolar e o trabalho do diretor: possíveis relações
Um dos trabalhos desenvolvidos pelo GESQ em 2016 foi a aplicação de um
survey na rede municipal do Rio de Janeiro, incluindo questionários dirigidos a
diretores e professores das unidades escolares que atendiam ao ensino fundamental.
Um dos objetivos do Survey GESQ 2016 era ampliar o alcance da coleta de dados
realizada em pesquisa anterior (OLIVEIRA, 2015). Para viabilizar a aplicação
dos questionários, buscamos construir uma parceria com a Secretaria Municipal
de Educação do Rio de Janeiro – SME/RJ no sentido de alcançar todas as escolas
participantes da edição de 2013 da Prova Brasil (840 unidades).6 O survey foi
realizado através de plataforma online para acessar diretores e professores deste
universo de escolas. Em consequência de inúmeros vieses de pesquisa, não
conseguimos ter um retorno significativo dos professores. Trabalhamos, então,
com uma amostra de 35 escolas, contando com as respostas de 333 professores.
6 É importante ressaltar que ao início da pesquisa os dados referentes à Edição da Prova Brasil de
2015 ainda não estavam disponíveis.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 123

Dada a importância da percepção dos professores sobre o clima escolar


(OLIVEIRA, 2015) e a relação entre esta percepção e o trabalho do diretor
(PAES DE CARVALHO; OLIVEIRA, 2016), consideramos válido aprofundar
esta discussão a partir dos itens do Survey GESQ 2016. Para isso, realizamos
um trabalho de análise estatística dos dados dos questionários dos professores
e, através de análise fatorial, foram criados os seguintes índices a partir das
percepções destes profissionais:
Tabela 1 – Índice de Percepção do Clima Escolar:
Organização e Cooperação – CLIMA_ORG_COOP

Variáveis Cargas Fatoriais


Em equipe, trabalhamos para melhorar a imagem da escola. 0,770
Eu estou satisfeito com o tamanho da minha turma. 0,438
Encontro na escola a infraestrutura que preciso para realizar minhas aulas. 0,785
A organização da escola favorece meu trabalho. 0,886
Há um senso de cooperação entre todos que trabalham nesta escola. 0,801
KMO 0,776
Alpha de Cronbach 0,834
Fonte: Survey GESQ 2016.

Tabela 2 – Índice de Percepção do Clima Escolar:


Liderança do Diretor - LID_CLIMA

Variáveis Cargas Fatoriais


Quando um professor leva um problema sobre sua classe à direção escolar,
0,664
este é resolvido com a sua participação.
O diretor desta escola se preocupa com o bem-estar dos professores. 0,763
No que se refere às questões relacionadas aos deveres e compromissos do
corpo docente, a equipe de direção desta escola adota tratamento igual para 0,788
todos os professores.
A equipe de direção desta escola se preocupa com a manutenção de um clima
tranquilo para a aprendizagem, reforçando e cobrando que os alunos cumpram 0,723
as normas da escola (horário, uniforme, deslocamentos pela escola).
O diretor desta escola apoia as medidas disciplinares adotadas pelos professores. 0,850
A equipe de direção desta escola intervém no comportamento dos alunos,
0,852
corrigindo situações de má conduta e aplicando as medidas corretivas previstas.
KMO 0,897
Alpha de Cronbach 0,902
Fonte: Survey GESQ 2016.
124

Tabela 3 – Índice de Reconhecimento da Liderança do Diretor

Variáveis Cargas Fatoriais


Nesta escola a equipe de gestão é reconhecida por realizar um bom trabalho. 0,865
A equipe de gestão da escola tem uma postura encorajadora e solidária com os
0,923
professores.
O diretor da escola valoriza e reforça o trabalho desenvolvido pelos professores. 0,930
O diretor desta escola interage com os alunos (na entrada, em sua sala, no recreio). 0,842
O diretor desta escola está sempre disponível para atender quem o procurar. 0,828
O diretor desta escola demonstra abertura e interesse para escutar os professores. 0,918
O diretor desta escola consegue articular as diferentes ideias e opiniões do grupo. 0,886
KMO 0,913
Alpha de Cronbach 0,956
Fonte: Survey GESQ 2016.

Todos os índices se mostraram válidos e confiáveis para as medidas pro-


postas nesta amostra. Em seguida, estes índices foram agrupados por escola,
gerando uma média da percepção docente em cada um dos temas mensurados.
Procuramos, então, conhecer as correlações possíveis entre eles e encontramos:
Tabela 4 – Correlação entre os Índices criados
CLIMA_ORG_COOP LID_CLIMA REC_GESTAO
CLIMA_ORG_ Pearson Correlation 0,673 0,877
1
COOP Sig. (2-tailed) 000 000
Pearson Correlation 0,673 795
LID_CLIMA 1
Sig. (2-tailed) 000 000
Pearson Correlation 0,877 0,795
REC_GESTAO 1
Sig. (2-tailed) 000 000

Fonte: Survey GESQ 2016.

Como pode ser observado na Tabela 4, todos os índices apresentaram


uma relação positiva e significativa. Tomando como referência nosso foco de
análise, podemos inferir que o incremento na percepção dos professores sobre
o trabalho da gestão e sobre as estratégias específicas da gestão nas questões
relacionadas ao clima escolar tem efeito positivo significativo no Índice de
Percepção sobre o Clima Escolar – CLIMA_ORG_COOP. Abaixo, o gráfico
ilustra a correlação mais forte observada:
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 125

Índice de Percepção sobre o clima escolar: Organização

1,50

1,00

,50
e Cooperação

,00

-,50

-1,00

-1,50
-2,00 -1,50 -1,00 -,50 ,00 ,50 1,00

Índice de Reconhecimento do trabalho da Gestão Escolar

O gráfico ilustra a tendência entre as variáveis observadas, indicando


que nas escolas em que os professores tendem a ter uma melhor percepção do
trabalho da gestão eles também reportaram melhor percepção sobre o clima
escolar. Assim, a partir dos resultados apresentados, reforçamos os achados
de Paes de Carvalho e Oliveira (2016), indicando as associações significativas
e positivas entre aspectos do trabalho do diretor e a percepção docente sobre
o clima escolar. Estes resultados apontam a possibilidade de uma mensura-
ção mais específica considerando que os itens foram criados especialmente
para medir este conceito. Apesar da limitação estatística pelo tamanho da
amostra, que impossibilita a modelagem linear, os instrumentos testados
indicam sua validade e a possibilidade de replicar este estudo em universos
maiores. Na seção que se segue, apresentamos uma pesquisa qualitativa
que corrobora esta interpretação e evidencia alguns aspectos interessantes
a partir das falas dos professores.
126

Participação e objetivos compartilhados:


a construção do clima escolar

Em estudo de caso realizado numa unidade escolar que funcionava com


projeto voltado para atendimento de crianças e adolescentes com aptidão
esportiva7, investigamos a percepção de professores sobre o clima escolar
(FONSECA, 2017). Como recorte para este trabalho, buscamos nas entre-
vistas com professores e gestores os aspectos relacionados ao clima escolar
e à gestão e liderança da direção. Foram entrevistados cinco professores e
os cinco gestores da unidade escolar, formada por uma diretora geral, dois
diretores adjuntos, uma coordenadora pedagógica e um coordenador técnico
esportivo. Cabe ressaltar que esta formação de equipe de gestão é atípica nas
escolas da SME/RJ, que normalmente contam com três pessoas.
Para os professores entrevistados, a direção possuía um papel de aproximá-
-los dos eixos nos quais a escola se respaldava, como é possível identificar
no trecho da entrevista com o professor 3 quando indagado sobre o papel
da gestão: “Acho que é manter o trabalho da equipe... apoio também, sem
que a gente se distancie do objetivo que nós temos aqui [...]” (Professor 3).
A diretora geral também identificava sua função como relevante para a con-
dução da escola no sentido de aproximar as ações dos atores escolares do
projeto político pedagógico, reconhecendo que seu papel não ficava restrito
à esfera burocrática:
O projeto político pedagógico da escola, que é o eixo principal da escola,
foi formatado e discutido por toda a comunidade escolar, teve representa-
tividade por parte de praticamente todo mundo. Então todo mundo sabe,
mais ou menos a veia que a escola percorre. [...] Então eu tento acompa-
nhar bem de pertinho todas as ações pedagógicas, as consultorias..., eu
não consigo acompanhar o planejamento, mas eu consigo acompanhar
todas as consultorias do professor quando a gente vai verificar qual é o nó
daquela turma, qual é o grau de dificuldade daquela turma, eu acompanho
todos os conselhos de classe, todos os centros de estudo que eu posso eu
estou junto, todas as ações e medidas que a gente vai ter pra melhoria da
escola, os pontos de atenção da escola, as fragilidades em termos edu-
cacionais e em termos acadêmicos, eu estou sempre perto, estou sempre
acompanhando, eu estou sempre ali do lado (Diretora Geral).

7 O Ginásio Experimental Olímpico (GEO) foi um programa implementado pela Prefeitura Municipal
do Rio de Janeiro em 2011, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, voltado para o atendi-
mento de alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental com aptidão esportiva. O GEO funciona
integral e com uma grade curricular que incluíam, além das disciplinas obrigatórias, carga horária
diária de treinamento esportivo, disciplinas eletivas, aulas sobre Projeto de Vida e aulas diárias de
Inglês, o programa funcionava em quatro unidades escolares em 2017.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 127

Diversos professores entrevistados reconheciam que havia espaço para que


participassem das decisões na escola, o que pareceu relevante para que percebessem
o clima escolar como positivo. Para a professora 1, o trabalho desempenhado
pela direção proporcionava oportunidades para que houvesse a participação tanto
de docentes quanto de discentes nas tomadas de decisão, como se observava na
realização da assembleia realizada uma vez por semana na instituição8:
Eu acho que esse é o ponto chave, porque geralmente a direção se distan-
cia muito dos alunos, e às vezes até dos professores, geralmente só tem
contato com o coordenador pedagógico. E aqui não, todo mundo é muito
próximo e todo mundo procura trabalhar em equipe. Eu acho legal que
todas as questões são debatidas pelo grupo dos professores, nas assem-
bleias os alunos também têm oportunidade de dar a opinião deles sobre
alguns assuntos da escola, existe o espaço também para o representante
de turma, pro grêmio... é uma escola muito integrada e eu acho que a
direção consegue fazer bem esse papel, de integrar bem todas as áreas da
escola (Professora 1).

Este posicionamento está de acordo com os achados de outros estudos,


como o de Cousin (1998), que associa a percepção positiva dos professores
sobre as relações escolares, com algumas características do trabalho do di-
retor, como uma gestão participativa e seu apoio às decisões de professores.
A possibilidade de participação dos professores nas decisões da escola
e a distribuição de tarefas entre os membros da equipe de gestão parecem
favorecer o reconhecimento de diversos agentes escolares como referência
de liderança na instituição:

Acredito que a liderança real ela é conquistada, ela não é imposta, é um


processo natural. Eu vejo diversos alunos líderes, diversos professores
líderes, gestores também [...], mas essa preocupação com esse ensino
de qualidade, você acaba gerando e auxiliando nesse processo de auto-
conhecimento e de protagonismo, e a gente tenta estimular bastante isso
aqui (Professor 4).

Eles [membros da equipe de gestão] trabalham e exercem papéis clara-


mente diferenciados, tanto é que eu consigo perceber um deles em relação
à liderança. Como essa figura tanto carismática, quanto de diálogo, quanto
de presença, quanto de posicionamento muitas vezes, a gente precisa de
um posicionamento, e ela [diretora adjunta] é essa figura (Professor 2).

8 As assembleias ocorriam, na unidade escolar analisada, uma vez por semana e estavam inclusas na
grade de horários. Em uma das visitas à unidade escolar, observamos que a assembleia foi condu-
zida por um dos membros da equipe de gestão, com participação de alguns professores e de alunos
que se dispunham a opinar sobre os assuntos que estavam postos em pauta.
128

Na percepção da diretora geral, apesar da possibilidade de partilha


de funções entre os componentes da equipe de gestão e professores, a sua
responsabilidade tinha um peso maior por responder pela escola frente a
diversas instâncias. Neste sentido, Paes de Carvalho, Oliveira e Lima (2014)
ressaltam o papel do diretor escolar na manutenção de um clima positivo
nas escolas, o que atribuem, em parte, a sua centralidade no gerenciamento
de tensões nas funções escolares, particularmente numa rede que vem ado-
tando políticas de accountability, responsabilizando diretores e professores
pelo desempenho de alunos em provas de larga escala, como a do Rio de
Janeiro. A diretora geral definiu seu papel na implementação de regras e
na constituição de um clima de disciplina como principais contribuições
no contexto escolar.

E tudo, tudo é responsabilidade do diretor. Eu respondo por tudo que


acontece dentro da escola, apesar de a gente conseguir distribuir essas
tarefas pela equipe inteira. Aqui todo mundo é responsável por tudo,
todo mundo tem a sua função, e a sua participação, mas no final das
contas, eu acabo respondendo por tudo de todo mundo. Eh... infeliz-
mente é a função do diretor. Então eu acho que a contribuição do dia
a dia, eu normalmente eu sou uma pessoa muito..., prezo muito pela
disciplina da escola, então as regras estão muito... a gente sempre re-
torna e rediscuti. Eu faço questão de retornar, porque a gente não vai
conseguir manter a escola sem disciplina. E sem disciplina em todos os
âmbitos, na parte esportiva, na parte acadêmica, na parte da logística
do dia a dia da escola, então eu acho que é uma contribuição que eu
dou. Tanto na parte racional e estrutural quanto da parte mesmo, eh...
disciplinar (Diretora Geral).

No contexto analisado, o papel desempenhado pela gestão escolar no


sentido de aproximar as ações dos agentes escolares do projeto político peda-
gógico da instituição, a possibilidade de partilha de funções entre os diversos
membros da equipe de gestão, assim como o espaço para a participação de
professores nas tomadas de decisão da escola, que reconheciam alguns de
seus pares como referências de liderança, parece favorecer o clima de parti-
lha de sentido do projeto pedagógico na instituição analisada. Esses fatores,
associados ao acompanhamento pedagógico próximo da equipe de gestão,
assim como a manutenção da disciplina na instituição e o apoio oferecido aos
professores, contribui para que o clima escolar seja percebido como positivo.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 129

Considerações finais

Diversos estudos que investigam clima escolar indicam a relevância do


trabalho do diretor escolar para a manutenção de um ambiente percebido pelos
demais agentes como positivo e favorável para a aprendizagem. A análise que
desenvolvemos nesse estudo apontou que os professores que apresentavam
percepção positiva sobre o trabalho da gestão, tendiam a perceber positiva-
mente o clima escolar.
A análise das entrevistas permitiu identificar diversos aspectos rela-
cionados às características da direção que contribuíam para a construção
de um clima escolar positivo, como a tentativa de aproximar os professores
das metas e objetivos estabelecidos no Plano Político Pedagógico da escola,
oferecendo acompanhamento pedagógico e apoio aos professores. A possi-
bilidade de participação nas decisões escolares, também pareceu contribuir
para que os professores percebessem o clima escolar como positivo e, assim
como Leithwhood (2009) destacou, observamos a centralidade da liderança
na escola na mobilização do grupo para a busca das metas estabelecidas no
Projeto Pedagógico.
O estudo apresentado corrobora achados de estudos anteriores ampliando
a discussão a partir de novos dados coletados na aplicação de um instrumento
específico para este fim e da análise das informações colhidas em pesquisa
qualitativa em uma das unidades participantes do survey. A associação entre
pesquisas de cunho quantitativo e qualitativo propicia olhar a questão por
diferentes enfoques, como destaca Gatti (2001). O estudo e a discussão cole-
tiva sobre os trabalhos individuais em um grupo de pesquisas como o GESQ
possibilitam esta parceria e complementariedade de abordagens metodoló-
gicas. Fica, como desafio para próximos trabalhos, a replicação do survey
em amostras mais expressivas e a ampliação da reflexão a partir de dados
qualitativos de pesquisa em outras unidades escolares.
130

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LIDERANÇA DO DIRETOR,
COLABORAÇÃO DOCENTE E CONDIÇÕES
DE TRABALHO NAS ESCOLAS
PÚBLICAS: o que dizem os professores?

Marina Meira de Oliveira


Ana Cristina Prado de Oliveira
Marcela Paquelet Fonseca

Introdução

Nossas experiências em escolas de educação básica nos levam a considerar


que escolas onde os professores encontram melhores condições de trabalho e
parceria entre seus pares tendem a atingir seu objetivo de forma mais efetiva.
Esta percepção, baseada no senso comum, encontra respaldo em estudos que
se voltam para a identificação de fatores que interferem nas desigualdades
escolares. Entre eles, recentes pesquisas na área educacional (LEITHWOOD,
2009; PRICE, 2012; SOARES, 2007; OLIVEIRA, 2015; OLIVEIRA; PAES
DE CARVALHO, 2018) vêm buscando analisar as relações entre a liderança
do diretor e as condições de trabalho docente (incluindo colaboração e coesão
entre a equipe) enquanto fatores associados à eficácia escolar (SAMMONS,
2008; ALVES; FRANCO, 2008).
Neste trabalho, propomos uma reflexão sobre estes aspectos a partir do
estudo estatístico dos dados da Prova Brasil 2015 e da análise qualitativa de
dados coletados em entrevistas com professores de escolas públicas municipais
no Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 2015; OLIVEIRA, 2017; FONSECA; 2017).
Trata-se, portanto, de uma análise da possível relação entre estes fatores em
uma perspectiva macro (dados quantitativos a nível nacional) e micro (dados
qualitativos a nível local).
Este capítulo está organizado em 4 seções após esta introdução. A pri-
meira seção apresenta nossa compreensão sobre os conceitos de liderança
do diretor e colaboração docente. Fruto de estudos realizados no âmbito do
GESQ e na elaboração de nossas pesquisas individuais (OLIVEIRA, 2015;
OLIVEIRA, 2017; FONSECA; 2017), esta aproximação teórica acompanhou
nossa organização e análise dos dados aqui apresentados. Na segunda seção,
apresentamos o resultado de um estudo exploratório realizado com os dados
134

disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais


Anísio Teixeira – INEP referentes à edição de 2015 da Prova Brasil. A partir
das respostas dos professores ao questionário contextual, foi possível construir
índices referentes à sua percepção sobre a liderança do diretor e a colaboração
docente nas escolas. Apresentamos ainda os aspectos metodológicos desta
análise e os resultados encontrados na relação entre estes índices. A terceira
seção objetiva ampliar a compreensão sobre as informações encontradas no
estudo quantitativo acerca das relações entre a liderança do diretor e o nível de
colaboração docente nas escolas. Valendo-se de dados qualitativos coletados
em nosso campo de pesquisa (a rede municipal de ensino do Rio de Janeiro),
analisamos os discursos dos professores sobre o tema. A quarta e última se-
ção do capítulo traz nossas considerações finais, destacando, especialmente,
indicações para futuras investigações.

Liderança do diretor e colaboração docente: uma breve


análise dos conceitos e sua aplicação ao contexto escolar

A operacionalização do conceito de liderança do diretor em pesquisas


educacionais no cenário nacional se dá principalmente dentro do campo de
estudos sobre escolas eficazes. Estas pesquisas, embora reconheçam o peso
significativo de fatores extraescolares no desempenho dos alunos, buscam
investigar aspectos inerentes à própria organização que também influenciam
seus resultados. Nesse sentido, características específicas da gestão escolar
costumam figurar entre os fatores associados à maior eficácia das escolas em
garantir a aprendizagem dos alunos. Dentre essas características, encontra-se a
liderança do diretor (ALVES; FRANCO, 2008; SOARES; TEIXEIRA, 2006;
SOARES, 2007; BONAMINO, 2012).
Conforme já apontado por Leithwood (2009, p. 18), a definição do termo
liderança não é fácil ou simples. No entanto, pode-se dizer que o conceito
envolve alguns pressupostos-chave, como o fato de que a liderança existe
no interior de relações sociais, servindo a fins também sociais. Trata-se de
uma função e de um processo de influência com um propósito e direção
determinados, além de ser contextual e contingente.
Transpondo o conceito para o contexto escolar, Oliveira (2015) considera
o diretor como um líder que atua como mediador em uma teia de relações
sociais, e cuja liderança tem como base uma meta comum para todos os
membros envolvidos. Esta, a princípio, giraria em torno da garantia da apren-
dizagem de todos os alunos. A autora acrescenta que, uma vez empossado,
o diretor passa a ter a liderança da escola como sua função. No entanto, a
extensão dessa liderança – bem como a forma que ela assume – dependerá
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 135

de elementos contextuais e de sua capacidade de influenciar os liderados em


torno de um objetivo comum, por um determinado período de tempo. Em
resumo, a liderança escolar envolveria “o trabalho de mobilizar e influenciar
outros para articular e alcançar as intenções e metas compartilhadas na escola”
(LEITWHOOD, 2009, p. 20).
Ainda de acordo com os estudos de Leithwood (2009, p. 22), uma liderança
escolar preponderantemente pedagógica – em contraposição a estratégias de
liderança que priorizam o trato de questões administrativas e organizacio-
nais – estaria mais fortemente associada à melhora acadêmica dos alunos.
Cabe ressaltar que aquilo que se entende como “liderança pedagógica” no
presente trabalho envolve capacidades e práticas como o compartilhamento
de autoridade com a equipe, o acompanhamento sistemático das atividades
escolares, a identificação de metas e prioridades para a comunidade escolar,
e o envolvimento em questões relacionadas ao aprendizado dos alunos. Nesse
sentido, no âmbito nacional, estudos como o de Polon (2012) também apon-
tam que uma gestão escolar marcada pelo predomínio desse tipo de liderança
figura entre as características de escolas com melhores resultados acadêmicos.
Por outro lado, pesquisas como a de Souza (2006) sugerem uma ten-
dência do diretor à dedicação maior a questões de caráter administrativo, em
detrimento daquelas relacionadas à aprendizagem discente. Sem desconsiderar
a importância desse tipo de habilidade e conhecimento para o exercício da
função, o autor acredita que essa priorização ocorra por conta da falta de for-
mação/preparo do diretor para intervir em assuntos de natureza pedagógica,
e não por acreditar que esse tipo de intervenção não seja relevante.
Diversos outros estudos, no âmbito internacional ou nacional, apontam
a existência de diferentes perfis de liderança por parte dos gestores escolares:
seja com um enfoque no desenvolvimento humano e organizacional, ou no
trabalho docente orientado para o cumprimento do currículo e aprendizagem
(MARKS; PRINTY, 2003); ou levantando estilos diferentes, como o admi-
nistrativo, o laisser-faire ou o intervencionista (COUSIN, 1998); ou, ainda,
ainda, desvelando posturas mais conservadoras, democráticas ou gerenciais
(SOARES; TEIXEIRA, 2006). Independentemente da tipologia proposta,
pode-se dizer que as características do trabalho do diretor enquanto responsável
pela instituição escolar sugerem perfis de liderança distintos, os quais, por sua
vez, se refletem na produção do ambiente escolar ao impactar a condição de
trabalho docente e, consequentemente, a aprendizagem discente. Em outras
palavras, a liderança exercida pelo diretor – a forma e o grau em que se dá
sua interlocução com a equipe, as interações pedagógicas, o monitoramento
da aprendizagem, a avaliação do trabalho docente, sua atenção maior ou
136

menor para as questões disciplinares – constitui-se como fator fundamental


na construção do clima escolar.
Ao compreender clima escolar como o “contexto de sentidos compartilha-
dos [...] e as ações individuais ou coletivas que empreendem os membros de
uma organização” (AGUERRE, 2004, p. 55 apud OLIVEIRA, 2015, p. 100),
o grau de coesão/colaboração docente torna-se um importante aspecto dentro
desse conceito. De acordo com Oliveira (2015), a coesão do corpo docente e o
seu comprometimento com a escola são fatores relevantes para o clima escolar
e, também por isso, o trabalho do diretor na gestão das relações interpessoais,
que pode influenciar na constituição de um ambiente propício para aprendiza-
gem. Sammons (2008) sugere que as escolas se mostram mais eficazes quando
há práticas colaborativas na tomada de decisão e nas ações desenvolvidas na
organização escolar. Para a autora, o compartilhamento de responsabilidades
entre os membros da equipe de gestão e a participação dos professores em
decisões relevantes para a escola ajudam a compor características-chave de
escolas eficazes e estimulam o sentimento de pertencimento e de comunidade.
A breve análise de conceitos desenvolvida nesta seção buscou reunir
pesquisas que relacionam aspectos sobre a liderança e a colaboração docente
com o estabelecimento de um clima escolar positivo.

Colaboração docente e liderança do diretor: uma análise


quantitativa a partir dos dados da Prova Brasil

Em recente estudo, Paes de Carvalho e Oliveira (2016) propõem uma re-


flexão sobre a colaboração docente nas unidades escolares como indicador de
um clima acadêmico favorável para a aprendizagem, incidindo, assim, em uma
maior equidade educacional. As autoras apresentam um estudo estatístico, com
os dados dos questionários da Prova Brasil de 2013, com os quais constroem um
índice de colaboração docente a partir das percepções dos professores sobre seu
ambiente de trabalho. No modelo estimado, Paes de Carvalho e Oliveira (2016)
encontram uma associação positiva significativa entre o índice criado e a variá-
vel indicativa do desempenho discente (Proficiência Média em Matemática, no
5º ano). No presente estudo, atualizamos o modelo criado pelas autoras com os
dados de todas as escolas públicas municipais e estaduais participantes da Prova
Brasil 2015 (N= 52.341), como será descrito a seguir.
Com os dados dos questionários contextuais dos professores (N=
262.109) e através de análises fatoriais, construímos o Índice de Colabo-
ração Docente e o Índice de Liderança do Diretor. Suas cargas fatorais e
indicadores de validade/confiabilidade (KMO e Alpha de Cronbach) são
apresentados nos quadros a seguir:
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 137

Tabela 1 – Cargas fatoriais das variáveis relativas ao


índice de colaboração docente (COLDOC)
Variáveis Cargas Fatoriais
Trocou materiais didáticos com seus colegas 0,796
Participou de reuniões com colegas que trabalham com a mesma série (ano)
0,812
para a(o) qual leciona
Envolveu-se em atividades conjuntas com diferentes professores (por exemplo,
0,764
projetos interdisciplinares)
KMO 0,669
Alpha de Cronbach 0,700

Fonte: Prova Brasil 2015 – (INEP/Brasil).

Tabela 2 – Cargas fatoriais das variáveis relativas


ao Índice de Liderança do Diretor (ILD)

Variáveis Cargas Fatoriais


O(A) diretor(a) dá atenção especial a aspectos relacionados com a
0,817
aprendizagem dos alunos.
O(A) diretor(a) me anima e me motiva para o trabalho. 0,880
O(A) diretor(a) estimula as atividades inovadoras. 0,862
Sinto-me respeitado (a) pelo(a) diretor(a). 0,791
Tenho plena confiança no(a) diretor(a) como profissional. 0,850
KMO 0,824
Alpha de Cronbach 0,895
Fonte: Prova Brasil 2015 – (INEP/Brasil).

Os questionários contextuais respondidos pelos alunos (N= 3.805.608)


nos ofereceram as informações sobre o seu Nível Socioeconômico – INSE e
sobre seu resultado no teste de Matemática (5º ano) – utilizada como medida
de proficiência nesta pesquisa. Estas informações foram agregadas criando
seu valor médio por escola. Sobre estas informações, é necessário considerar
que utilizamos como proxy do nível socioeconômico dos alunos o Índice de
Nível Socioeconômico -INSE criado pelo INEP. Optamos por fazer uso desse
indicador em consonância com a estreita relação entre escola e sociedade,
(COLEMAN et al., 1966; BOURDIEU, 2004; BROOKE; SOARES, 2008;
entre outros), evidenciada por fatores extraescolares condicionantes da apren-
dizagem. De acordo com o INEP, o INSE foi construído

a partir das respostas dos estudantes aos questionários contextuais das


duas avaliações do Saeb (Aneb e Prova Brasil) e do Enem. As questões
138

utilizadas dizem respeito à renda familiar, à posse de bens e contratação de


serviços de empregados domésticos pela família dos estudantes e ao nível
de escolaridade de seus pais ou responsáveis. O universo de referência do
INSE, por sua vez, inclui somente os dados de estudantes que responderam
a mais de três questões (BRASIL, 2015, p. 6).

Esta variável foi agregada por escola, criando o INSE médio para
cada unidade.
Como medida indicativa do desempenho de aprendizagem nas escolas,
optamos por trabalhar com o resultado médio em Matemática do 5º ano das
escolas públicas brasileiras (estaduais e municipais). É oportuno registrar que
a escolha pelo componente curricular se deve ao caráter escolar desta área de
conhecimento, conforme apontam Rutter et al. (2008). Estes resultados foram
também agregados por unidade escolar.
Através de regressão linear, estimamos a associação entre o Índice de
Colaboração Docente e a proficiência média dos alunos do 5º ano em Ma-
temática, controlando esta relação pelo NSE médio da escola. A equação da
regressão tomada como referência para a análise seguiu a fórmula:

PROF_MAT = β0 + β1 (NSE) + β2 (COLDOC) + e

A Tabela 3 resume os resultados encontrados neste primeiro modelo


de regressão:

Tabela 3 – Coeficientes do 1º Modelo Estimado

b Sig. D.P.
PROF_MAT (Constante) *** 0,000 0,844
NSE 0,624 0,000 0,017
COLDOC 0,151 0,000 0,121
R² = 0,45

Fonte: Prova Brasil 2015 – (INEP/Brasil).

A análise dos resultados da regressão linear, tendo como variável de-


pendente o resultado dos alunos do 5º ano nos testes de Matemática e como
variável de controle o NSE médio da escola, mostrou que o índice criado
(COLDOC) se associa positivamente com os resultados de aprendizagem
da escola (b = 0,151, sig < 0,001). Ainda que esta seja uma análise explora-
tória e que seja relevante considerar a importância de vários outros fatores
na explicação da variação dos resultados entre as escolas, ela aponta para a
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 139

importância da colaboração entre os professores - um dos aspectos do clima


escolar - para os resultados dos alunos. Podemos inferir que nas escolas onde
os professores reportam maior colaboração entre seus pares, o desempenho
dos alunos tende a ser melhor. O resultado apresentado corrobora estudos
anteriores (OLIVEIRA, 2015; PAES DE CARVALHO; OLIVEIRA, 2016)
reforçando a indagação: o que poderia influenciar a percepção dos professores
sobre este indicador na escola?
Seguindo a mesma metodologia, replicamos o estudo anterior citado para
tentar responder esta pergunta. Para este trabalho, optamos por medir a asso-
ciação entre os índices criados, procurando captar se a variação na percepção
dos professores sobre a liderança do diretor poderia explicar a variação nos
níveis de colaboração docente na escola. Nesta análise, utilizamos como medida
de controle o número de professores respondentes ao questionário em cada
escola (N_PROF) e a equação do modelo criado seguiu a seguinte fórmula:

COLDOC = β0 + β1 (N_PROF) + β2 (ILD) + e

Os resultados encontrados no modelo estimado estão apresentados na


Tabela 4:

Tabela 4 – Coeficientes do 2º Modelo Estimado

b Sig. D.P.
COLDOC (Constante) *** 000 0,006
N_PROF 0,131 000 0,001
ILD 0,299 000 0,004
R² = 0,10

Fonte: Prova Brasil 2015 – (INEP/Brasil).

O modelo estimado, controlado pelo número de professores respon-


dentes ao questionário na edição de 2015 da Prova Brasil, demonstrou uma
associação significativa positiva entre o Índice de Liderança do Diretor e a
variável dependente (b = 0,299, sig. < 0,000). Ainda que consideremos que
este não seria o único determinante da variação nesta percepção1, podemos
inferir deste resultado que professores tendem a ser mais colaborativos em
escolas onde reportam uma melhor percepção sobre a liderança do diretor.

1 Paes de Carvalho e Oliveira (2015) apontam outras variáveis que também apresentam uma associa-
ção positiva e significativa com o Índice de Colaboração Docente.
140

Como explicitado no início desta seção, a presente exploração estatística


teve como objetivo atualizar e reforçar os achados de estudo anterior (PAES
DE CARVALHO; OLIVEIRA, 2016) sobre as relações entre a colaboração
docente, a liderança do diretor e o desempenho dos alunos. Tendo destacado
a relevância destes fatores, optamos por aprofundar a análise a partir de da-
dos qualitativos, procurando melhor compreender como se constroem estas
relações no interior da escola, como se verá na seção que se segue.

Liderança do diretor, colaboração e coesão no


corpo docente: percepções dos professores

Considerando a liderança do diretor, a colaboração e a coesão do corpo


docente como aspectos fundamentais para o desenvolvimento de um trabalho
eficaz nas escolas, pareceu-nos importante procurar conhecer a percepção dos
professores sobre eles. Para essa análise, retomamos dados qualitativos de três
pesquisas desenvolvidas no âmbito do GESQ nos últimos anos (OLIVEIRA,
2015; OLIVEIRA, 2017; FONSECA, 2017). Torna-se importante ressaltar
que esse exercício de retorno aos dados de nossas pesquisas (que não haviam
sido utilizados em sua íntegra em nossas respectivas tese e dissertações)
caracterizou-se não por uma busca de repostas ou resultados, mas pela tentativa
de compreender melhor a construção das concepções estudadas do ponto de
vista dos agentes e do contexto escolar. Nesta análise, o que se quer obter é
“a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da
investigação”, correlacionada ao contexto do qual fazem parte (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 16).
Nesta seção, apresentamos o resultado da análise de entrevistas com 29
professores de quatro escolas da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro.
Ainda que se considere o amplo volume de informações coletadas, é impor-
tante ressaltar o caráter exploratório do estudo que não pretende representar
toda a diversidade da SME/RJ 87.2 Todas as entrevistas utilizaram roteiros
semiestruturados com questões previamente elaboradas (sendo algumas co-
muns às três pesquisas) e foram gravadas e transcritas. O estudo dos dados
coletados se realizou a partir da análise do conteúdo destes textos e de sua
categorização a partir do tema proposto.

2 A rede municipal de ensino do Rio de Janeiro é maior rede educacional municipal da América Latina,
atualmente atende a 654.949 alunos matriculados em Creches, Unidades de Educação Infantil e
Ensino Fundamental (1.537 unidades, no total), onde trabalham 41.216 professores.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 141

Quadro 1 – Dados da pesquisa3


Número de Número de
Escola Atendimento Localização89 IDEB (2015)
alunos funcionários
Educação Infantil e Ensino 6,5 (5o ano)
1 1215 57 4a CRE
Fundamental Completo 5,6 (9o ano)
Educação Infantil e Ensino 3,8 (5o ano)
2 723 52 2a CRE
Fundamental Completo 3,6 (9o ano)
Educação Infantil e Ensino 5,5 (5º ano)
3 1298 120 2a CRE
Fundamental Completo 4,8 (9º ano)
Anos Finais do Ensino
4 344 45 Fundamental – Educação 1a CRE 5,5 (9o ano)
Integral
Fonte: OLIVEIRA, 2015; OLIVEIRA, 2017; FONSECA, 2017; INEP, 2015 e 2016.

A Escola 1

A Escola 1 se localiza em um bairro de classe média, populoso e movi-


mentado, em cujo entorno se encontram importantes complexos de favelas,
onde moram a grande maioria dos alunos. Como considerou um professor da
escola, “a clientela daqui vem de três comunidades muito difíceis, que estão
passando por problemas muito difíceis”; “o entorno, essas três comunidades
são difíceis de trabalhar. Então, tem tudo pro trabalho dar errado, mas a
gente faz tudo pro trabalho dar certo.” (Professor 3, Escola 1).
Na Escola 1,50% das famílias dos alunos são beneficiados pelo Programa
Bolsa Família. A diretora está no cargo há 28 anos, ainda que a sua equipe (ad-
junta e coordenadora pedagógica) tenha sido alterada ao longo dos últimos anos.
Nas entrevistas realizadas com os professores da Escola 1, a importância
de manter a disciplina dos alunos e o cumprimento das regras da escola foi
unanimemente destacada nas descrições sobre as principais características
de liderança da gestão:

Se você precisa de ajuda na sua turma ou pra resolver qualquer tipo


de problema, você tem essa ajuda. E como você trabalha com aluno,
qual é a maior dificuldade que você tem? É com o aluno, que apresenta
indisciplina, ou que apresenta uma coisa assim... Então, quando você
tem esse apoio, você vai desenvolver seu trabalho tranquilamente...
(Professor 1, Escola 1).

3 Os dados se referem ao ano em que foram realizadas as pesquisas: Escolas 1 e 2: 2015, Escolas 3
e 4: 2016.
4 A SME/RJ é dividida em 11 Coordenadorias, que funcionam como instâncias de administração intermediá-
rias. Para maiores informações sobre os bairros abrangidos por cada CRE, consultar: <www.rio.rj.gov.br>.
142

A característica principal [da direção] pra mim é ser disciplinadora. Não


consigo pensar em outra (Professor 2, Escola 1).

[A Direção é] Presente. Elas estão sempre aí, coisa que você não vê
em outras escolas. Atuante, tá? Incisiva quando tem que ser, tanto com
aluno quanto com professor, e, principalmente, com os pais (Professor
3, Escola 1).

[...] Aqui a [Diretora] é linha dura! Mas para funcionar tem que ser linha
dura (Professor 5, Escola 1).

A atuação firme e disciplinadora da diretora em diferentes ocasiões da rotina


escolar foi exemplificada pelos professores, que ressaltaram também o seu posicio-
namento de apoio ao professor. Citaram casos em que a diretora tanto confirmava
quanto aprovava sua intervenção com os alunos (os professores têm autonomia
para enviar ficha de ocorrência de comportamento para os pais dos alunos, assim
como suspendê-los das aulas seguintes) e outros em que a diretora tinha uma
atuação pontual em situações extremas (como no caso do atendimento à mãe do
aluno suspenso pelo professor, que compareceu à escola ignorando a suspensão).
A liderança exercida pela diretora da Escola 1 na manutenção da disciplina
refletia-se na percepção dos professores sobre as suas condições de trabalho.
Trabalhar em um ambiente onde os alunos cumprem regras (horário, uniforme
e comportamento foram as mais citadas nas entrevistas) favorece a aprendiza-
gem, afirmaram os professores ao serem questionados sobre o clima escolar:

E quanto maior a disciplina e a calmaria do ambiente vai fazer com que


eles entendam que aqui é um ambiente... Não é aquele ambiente da ba-
gunça, da violência, da agressão. Aqui a gente vem pra aprender. A gente
brinca, a gente se diverte, mas a gente, principalmente, veio pra aprender.
(Professor 2, Escola 1).

O fato de saber que terão o apoio da direção nas intervenções com os


alunos, indicando a coesão no grupo, e a possibilidade de trabalhar em um
ambiente “calmo” e “organizado” são fatores explicitados pelos professores
da Escola 1 como determinantes de sua satisfação em trabalhar (e permane-
cer) naquela escola. A permanência dos professores na escola por um longo
tempo foi destacada nas entrevistas e remete à construção de um grupo mais
coeso e comprometido com a escola. De acordo com os relatos, “conseguir
aproveitar o tempo do aluno na escola e conseguir dar aulas” são motivos
para o professor trabalhar mais satisfeito:
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 143

Essa disciplina não é uma coisa ruim, ela produz bons frutos. E esses
bons frutos que fazem com que a gente queira ficar mais aqui (Professor
3, Escola 1).
Em geral sim, eu acho que a grande maioria dos professores aqui está satis-
feito. [...] Porque o pessoal, tem muitos professores aqui que dão aula aqui
e em outras escolas, e eles percebem: “Nossa! Na outra escola a direção
é mais... é mais... frouxa, assim, do tipo, não está nem aí se o professor
faltou ou não, se o professor está dando aula direito ou não, muito frouxo
em relação aos alunos, tem tráfico na escola, tem coisas acontecendo na
escola que são... né? Tipo... nossa, horríveis (Professor 5, Escola 1).

No que se refere à colaboração docente, o grupo de professores parece


ter desenvolvido uma relação de respeito e solidariedade, provavelmente
influenciados pela estabilidade do grupo e pelo clima de trabalho:

Então cada um tem o seu método, o seu jeito, mas o outro sempre cola,
sempre pede emprestado. “Ah, me empresta esse material. Olha só, eu vi
que deu certo com a sua turma, me ajuda”. E um vai, ajuda o outro, há
sempre uma troca, entendeu? E isso facilita, né? (Professor 1, Escola 1).

As informações coletadas na pesquisa qualitativa realizada na Escola 1


mostraram o perfil de uma diretora que valoriza e cuida da disciplina, estabe-
lece uma interação com a equipe, e está atenta às questões organizacionais.
Estes aspectos aparecem nas falas dos professores relacionados à satisfação
que reportam em trabalhar na escola e parecem se refletir no nível de coesão
e colaboração entre eles.

A Escola 2

A Escola 2 localiza-se em um bairro tradicional, com maior desigual-


dade socioeconômica do que o anterior, que, além de abrigar residências e
infraestrutura de classe média a classe média alta, compreende importantes
complexos de favelas, cujas crianças compõem o público da escola. O perfil
do alunado é caracterizado pelos professores a partir de seu pertencimento às
comunidades do entorno e ao processo de implantação da Unidade de Polícia
Pacificadora - UPP nestes espaços:

Eles vêm basicamente destas duas comunidades. E aí quando a UPP entrou,


essa postura mudou. Mudou muito. Eles vinham muito mais calmos, eles
passaram a frequentar mais a escola... E agora, de uns tempos pra cá, eu
tenho sentido de novo que eles tão começando a ficar agitados de novo
(Trecho da Entrevista com o Professor 2, Escola 2).
144

Na escola 2, aproximadamente 39% das famílias dos alunos são beneficiados


pelo Programa Bolsa Família. O Diretor e a sua Adjunta estavam no cargo há quase
três anos, e a Coordenadora Pedagógica havia assumido a função naquele ano.
Nas entrevistas realizadas, os professores destacaram a característica
acolhedora da Escola 2, muitas vezes no intuito de ressaltar que aquela uni-
dade atende a todos os alunos que a procuram. A impressão construída a partir
das entrevistas e observações nesta unidade é a de que acolher o aluno (no
sentido de oferecer carinho, escutar) é o principal objetivo dos profissionais
que lá atuam. Para além de uma característica institucional da Escola 2, a
acolhida também é uma característica marcante do Diretor desta unidade. Nas
entrevistas com os professores, ao descreverem as características da gestão
da escola, todos destacaram o perfil acolhedor do seu Diretor:
Da gestão? Eu acho que essa parte que Paulo Freire chamava de Pedago-
gia do Amor. Essa coisa do tratamento mesmo, de você não rotular, de
você tentar buscar caminhos que façam com que ele perceba, né? O que
é melhor... O que é o certo... (Professor 2, Escola 2).
Aqui a gente... Nós somos acolhedores. Quem chega é bem acolhido na
escola. (Professor 3, Escola 2).
Eu sou suspeita pra falar do meu gestor, tá? Que meu diretor é a pessoa
mais maravilhosa do planeta. Só que, como eu te falo, por ele ser tão
maravilhoso às vezes lota aqui dos problemas que ninguém quer (Pro-
fessor 4, Escola 2).
Então, característica deles é aquilo: a questão do abraçar a escola, de
estar sempre presente. Agora a questão de disciplina, eu acho que isso
falta... (Professor 1, Escola 2).

A acolhida é estendida aos professores, que demonstraram ter constru-


ído uma relação muito próxima com o Diretor (ele já atuava como Adjunto
nesta escola antes de assumir o cargo). Porém, esta proximidade parece não
se refletir no nível de satisfação do grupo de professores em trabalhar na
escola. Nas entrevistas, quando procuramos ampliar nossa percepção sobre
que fatores influenciam o nível de satisfação dos professores, encontramos
muitas vezes a insatisfação com suas condições de trabalho (infraestrutura e
organização da escola):
É um pouco complicado. O que a gente tem é assim... as pessoas acabam
desestimuladas, porque você está dando aula na sua sala, de repente aí
tem esse coisa: de público, uma aula o professor não veio, pá... daqui a
pouco tem um chutando tua porta (Professor 1, Escola 2)
Eu acho que todo mundo gosta daqui, da escola. É claro que a gente tem
as nossas questões, mas dentro disso... (Professor 6, Escola 2).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 145

A postura acolhedora do Diretor apareceu como uma característica


marcante de sua gestão na Escola 2, sendo reconhecida nas relações com os
alunos e professores. Sua interação com os professores se dá em diferentes
momentos e com diferentes finalidades, como foi apresentado. Em todos eles,
destaca-se a disponibilidade e abertura ao professor, ainda que esta relação
não tenha aparecido como influente para a satisfação do corpo docente no
exercício de sua função. Em algumas falas dos professores, percebe-se um
misto de reconhecimento e desaprovação da flexibilização dos limites na
relação com os alunos.

A Escola 3

Tal como a Escola 2, a Escola 3 está localizada em um bairro tradicional


da região norte da cidade, que também apresenta uma desigualdade socioeco-
nômica mais nítida quando comparada ao entorno da Escola 1. Residências
e infraestrutura de classe média/ alta novamente coexistem com complexos
de favelas ao redor da escola. No entanto, na percepção dos professores
entrevistados, uma de suas principais características é justamente a maior
diversidade do público discente a que atende, contrastando com o atendimento
que historicamente se construiu naquele contexto. Segundo os agentes, a es-
cola tinha um histórico de receber muitos alunos provenientes das camadas
médias / médias baixas da região (filhos de porteiros, taxistas, açougueiros e
comerciantes em geral), comumente caracterizadas como famílias cujos pais
tinham um interesse maior na educação dos filhos e na sua ascensão social
por meio do estudo.
Quanto aos alunos que vinham das comunidades do entorno – essas, por
sua vez, comandadas por facções diferentes do tráfico de drogas – predomi-
nava a percepção de que a escola tinha o privilégio de, até então, funcionar
como uma “zona neutra”:

A gente tem a clientela de vários bairros aqui, então acaba mesclando...


não fica tipo um “feudozinho” aqui na escola. Então, ela tem essa carac-
terística que consegue absorver de repente correntes diferentes aqui da
região e que, geralmente, fica em paz, tem seus problemas, mas... [...] Eu
acho que são facções até diferentes tá, mas nunca houve problema nenhum
em relação a isso. Aqui tem esse facilitador porque ela tá bem no meio.
Então, se ela tivesse próxima de determinada comunidade, aí já iria puxar
pra essa comunidade, entendeu? Então, como ela tá no meio, aí por isso
até que muitos pais buscam colocar os filhos aqui pra poder fugir né, dessa
questão (Professor 6, Escola 3).
146

Quando eu cheguei aqui, foi incrível porque eu nunca tive uma clientela
igual eu tive aqui nessa escola aqui, na vida. [...] Aqui a escola sempre
foi mista, ela atende a várias comunidades. [...] Então você vê que são
facções distintas, mas que as pessoas conviviam (Professora 3, Escola 3).

O relato de diversos professores entrevistados apontava para a localização


privilegiada da escola e para a coexistência até então pacífica desse público
diverso como um dos principais fatores de satisfação docente. No entanto,
havia uma percepção geral de que “as coisas começaram a complicar nos
últimos anos”, tanto por conta do maior número de alunos que vinham rece-
bendo das camadas populares quanto por conta de problemas estruturais de
violência externa que as favelas vinham enfrentando:
A cada ano que passa, vai piorando. Mas eu adorava essa escola. Essa
escola sempre foi a padrão do [nome do bairro] (Professora 10, Escola 3).

A Diretora da Escola 3 estava no cargo há 5 anos à época da entrevista –


inicialmente como Diretora Adjunta e, posteriormente, como Diretora Geral,
tendo trabalhado como professora na escola desde o início dos anos 1990. Já a
Diretora Adjunta, que trabalhava há 17 anos na escola, estava no cargo havia
3 anos. A ausência de coordenador pedagógico há cerca de 4 anos aparecia
como um problema-chave na Escola 3, tendo em vista a quantidade de alunos
(de diferentes segmentos e em diferentes turnos) que a escola atendia. A ca-
rência de recursos humanos para lidar com as demandas da organização era
apontada como um dos principais fatores que dificultavam a construção de um
trabalho coletivo entre os agentes em busca de objetivos comuns, sobretudo
aqueles relacionados à aprendizagem dos alunos:
Eu acho que nessa escola tem uma defasagem muito grande de funcionários.
Não digo somente de professores, mas, por exemplo, uma coordenadora
faz MUITA falta, principalmente quando a escola é MUITO grande, nem
sempre você consegue... você não tem alguém que faça a ligação entre
os professores, dos dois segmentos – três, né, porque nós temos educação
infantil também – onde a gente possa fazer um projeto bem integrado, um
projeto bem elaborado, né [...] então as coisas ficam muito resolvidas a
nível de corredor, entendeu? Então, assim, não existe... você não consegue
fechar um trabalho. [...]a gente fica meio que “se vira” né? A gente...
um puxa uma ideia e a gente vai tentando em corredor, nos pequenos
encontros (Professora 5, Escola 3).

Questões estruturais como a falta de pessoal contribuíam para a desar-


ticulação docente dentro da organização e para a consequente dificuldade de
construção de um clima acadêmico propício à aprendizagem. No entanto,
para além desses fatores sobre os quais a gestão tem ação limitada, diversos
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 147

professores demonstraram sentir falta de um projeto maior vindo da equipe


gestora e compartilhado com a comunidade escolar, bem como de práticas no
interior da organização que buscassem contornar o fato de que cada professor
“remava seu próprio barco”, trabalhando “cada um por si”:

Olha, eu tenho uma dificuldade de identificar algumas vezes, vindo da


direção da escola, esse Projeto Político Pedagógico, essa gestão. [...]
O projeto político pedagógico... eu estou aqui há três anos, eu nunca par-
ticipei de nenhuma elaboração de projeto político pedagógico... se tem,
eu não conheço. Deve ter porque eles são cobrados por isso. Mas deve ser
um projeto desatualizado. [...] Então, eu acho que se a gente tivesse mais
acesso às informações, tivesse mais acesso às decisões que são tomadas,
e a gente tivesse um projeto político pedagógico, as coisas iam rolar de
maneira melhor aqui dentro (Professora 4, Escola 3).

Essa percepção de que não havia uma ideia clara de qual deveria ser a
principal função da escola para aqueles alunos era compartilhada com outros
professores. Além de terem certa dificuldade em enxergar um projeto uno na
organização, alguns mencionavam que não havia uma cultura de monitoramento
e retorno dos dados das avaliações externas: “a gente nunca sabe como nossos
alunos estão indo. A gente sabe pelas nossas avaliações, mas pelas avaliações
do município e nacionais, não”. Nesse contexto, alguns identificavam que o
principal foco da escola acabava sendo “contemporizar” os diversos desafios
e problemas que surgiam no interior de uma escola “enorme”, muitos deles
relacionados à indisciplina discente e a questões burocráticas/administrativas.
O enfoque na aprendizagem escolar em si – um importante componente do
conceito de liderança escolar (LEITHWOOD, 2009) – acabava ficando de
certa forma prejudicado.
Os relatos dos 13 professores entrevistados sugerem que a satisfação em
trabalhar na Escola 3 se dava mais por conta de fatores como sua localização
considerada privilegiada e seu histórico de atendimento de alunos considerados
mais ‘interessados’ (o que parecia estar mudando), do que de características
inerentes à organização em si. Quanto a esses últimos, cabe destacar a men-
ção dos entrevistados ao fato de que ainda havia uma valorização de regras
e da disciplina na escola, como aquelas relacionadas ao horário de entrada e
ao uniforme, ainda que aparentemente de forma menos rígida do que ocorria
anteriormente. Na realidade, parece haver um progressivo declínio na satis-
fação docente, atribuída a questões externas (como o aumento da violência
nas comunidades, que adentram a escola), bem como à desarticulação docente
no interior da organização e à falta de recursos humanos, que dificultam a
construção de um trabalho conjunto e o foco na aprendizagem escolar.
148

A Escola 4

A Escola 4 se localiza na região central do Rio de Janeiro, num bairro


que tem o território dividido em cerca de 30% de favelas, 10% de mora-
dias de classe média baixa, 30% de cemitérios, 30% estaleiros e outros
usos não residenciais (ALVES, 2007). Para a diretora da unidade escolar,
o Programa Ginásio Experimental Olímpico (GEO) foi projetado para
atender a alunos com aptidão esportiva, residentes em diversas regiões
da cidade. No entanto, a sua localização dificultava o acesso para esses
alunos, como explica uma das professoras:
Eu acho que essa escola é muito mal localizada. A partir do momento que
você coloca uma escola dentro de uma comunidade e existe essa questão
de facção, a gente tira a oportunidade de outras crianças de terem acesso
a este tipo de aprendizagem. A gente já teve aqui ex-alunos excelentes que
tiveram que sair da escola porque moravam do outro lado, na [...] e lá é
outra facção, então foram ameaçados, alguns foram agredidos e as mães
retiraram (Professora 1, Escola 4).

A escola possuía uma equipe de gestão diferenciada das demais unida-


des escolares da SME/RJ, com uma diretora, dois diretores adjuntos, uma
coordenadora pedagógica e um coordenador técnico esportivo. A diretora
da Escola 4 estava no cargo desde a inauguração da escola, em 2013, assim
como uma das diretoras adjuntas. O segundo diretor adjunto participou da
inauguração da escola atuando como professor, e posteriormente passou a
integrar a equipe de gestão.
Nas entrevistas, os professores da Escola 4 ressaltaram as características
específicas do modelo escolar, o Ginásio Experimental Olímpico (GEO),
como fatores de influência para a satisfação docente. A escola funcionava
em tempo integral, atendia a um número pequeno de alunos de um único
segmento de ensino e os professores passavam por um processo seletivo
interno na rede para ingressar na escola. Os alunos eram selecionados a partir
da aptidão esportiva e realizavam uma avaliação escrita para a detecção de
analfabetismo funcional, com redirecionamento para outra unidade escolar,
caso fosse constatado.

Se a escola já tem um processo de seleção [de professor], a pessoa que não


quer nem entra. Já vem motivado. E aí, consequentemente já..., a gente
acaba captando professores que gostam da profissão, que querem fazer
o melhor para o aluno, então a grande maioria se encaixa nesse perfil.
A gente sempre faz mais do que..., quase todos aqui fazem mais do que
a obrigação, do que o horário normal de trabalho (Professor 5, Escola 4).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 149

Na percepção dos professores, havia o apoio da direção escolar na con-


dução de seus projetos e havia espaço para que participassem da tomada de
decisões na escola.
Aqui a gente tem aquela liberdade, aqui a gente tem um grupo bom,
coeso, agora nós temos. Pelo menos com relação a mim, ao meu trabalho,
são ideias bem aceitas, não só para mim, mas com meus colegas mesmo,
fazendo, tendo alguma ideia que possa desenvolver com os alunos, são
ideias bem aceitas, a gente tem apoio de todo mundo, então, isso é bom
(Professor 3, Escola 4).
Eles que dão o suporte, a infraestrutura, o planejamento pra que o projeto
tenha sucesso. Em alguns momentos você concorda, em outros momentos
você discorda, mas eles têm esse papel de fazer realmente que o projeto
possa atingir o seu nível máximo [...] (Professor 4, Escola 4).

Para os professores, a educação em tempo integral era um fator que fa-


vorecia a colaboração e coesão do grupo de docentes, assim como facilitava
a relação professor-aluno. Esta, somada às características diferenciadas da
escola, contribuía para que houvesse um clima favorável para a aprendizagem.

A relação que o professor consegue ter com o aluno, em regime integral


é diferente. A sua dedicação acaba sendo diferente também, você está
aqui o dia inteiro, você faz parte da realidade do aluno, da vida dos
alunos e os alunos fazem parte, mais direta assim, mais efetivamente
da sua vida. Você se inteira mais dos problemas e das dificuldades dos
alunos, você consegue conversar mais com os professores, ter esse di-
álogo dentro de um planejamento e eu acho que isso faz uma diferença
grande (Professor 4, Escola 4).
A gente acaba tendo tempo pra conversar com o aluno que tem algum
problema e pra gente se reunir também... nós temos a facilidade de ter
a reunião dos professores e na escola de dois turnos é muito difícil isso
(Professor 5, Escola 4).

Inferimos que a composição da equipe de gestão escolar, com cada mem-


bro exercendo papéis distintos, segundo depoimento dos professores, somada
à razoável autonomia dos atores escolares – que participavam regularmente de
discussões internas e, dessa forma, compartilhavam a responsabilidade pela
gestão escolar – se aproximava de uma liderança distribuída. Em outras pala-
vras, aproximava-se de um modo de gestão coletiva, onde os diversos atores
desenvolvem um trabalho em conjunto (COSTA; CASTANHEIRA, 2015).
150

Considerações finais

A análise dos dados qualitativos de pesquisas em quatro escolas da rede


municipal de ensino do Rio de Janeiro, especialmente destacando as falas
dos professores sobre os temas relacionados ao trabalho em equipe (coesão
e colaboração) e à liderança da equipe de direção, nos ajudaram a entender
melhor como estes fatores se configuram na rotina escolar. Como vimos, a
análise estatística dos dados coletados nos questionários contextuais da Prova
Brasil indicou a relevância da percepção dos professores sobre o nível da
colaboração entre seus pares para os resultados escolares. A análise indicou,
ainda, que a percepção dos professores sobre a liderança do diretor explicaria
a variação no nível de colaboração docente percebida. Podemos inferir, a par-
tir destes resultados, que os professores tendem a ser mais colaborativos em
escolas onde percebem mais positivamente a liderança do diretor, ou, ainda,
nas quais algumas práticas do diretor na escola poderiam favorecer a cola-
boração entre os professores. É importante considerar a estreita relação entre
o perfil de liderança do diretor e os índices de coesão e colaboração docente,
como apontaram Price (2012), no contexto norte-americano, e Paes de Car-
valho e Oliveira (2015), no brasileiro, confirmada pelos dados quantitativos
aqui discutidos. Ao analisarmos as falas de docentes sobre estes aspectos,
percebemos que esta estreita relação se constrói em diferentes frentes: na
manutenção de um clima adequado para o trabalho, que se reflete em maior
satisfação e sentimento de pertencimento; no reconhecimento e luta por um
valor compartilhado (acolher a todos); nas trocas estabelecidas entre os pares
(ainda que questões estruturais sejam dificultadores); no auto reconhecimento
como um grupo coeso; e no compartilhamento de informações e resultados
com a equipe de professores. Esses resultados apontam a relevância de inicia-
tivas da gestão escolar - e da gestão educacional em se tratando de promover
condições de trabalho - que promovam melhores experiências e práticas de
colaboração docente visando um trabalho mais coeso na escola.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 151

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RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA: estratégias
familiares na escolha da instituição escolar

Maria Luiza Canedo


Maria Elizabete Neves Ramos
Flávia Pedrosa de Camargo

Apresentamos nesse capítulo questões que envolvem as estratégias uti-


lizadas pelas famílias no momento da escolha da instituição escolar para sua
prole. Com base nos dados colhidos em pesquisas realizadas, desenvolvemos
a discussão abordando dois aspectos ainda pouco explorados: a influência da
religião autodeclarada na escolha de escola e as dificuldades enfrentadas no
âmbito da educação especial.
Com o objetivo de contextualizar a discussão apresentamos na primeira
parte desse capítulo alguns marcos históricos que até hoje impactam esta com-
plexa relação entre Família e Escola. Em um segundo momento, tratamos das
estratégias utilizadas pelas famílias para escolha da escola, destacando o valor
da educação conferido pelas famílias. Em seguida, trazemos a discussão sobre
a influência da religião autodeclarada na escolha de escola, tomando por base
dados do Censo Demográfico 2010 e informações da Secretaria Municipal de
Educação – SME/RJ de 2011. Por fim, particularizamos a discussão abordando
as dificuldades enfrentadas pelas famílias com filhos que apresentam algum
tipo de deficiência, identificando as questões que se colocam no momento
da escolha escolar.
Com a república no Brasil, a sociedade assumiu novas dinâmicas
e comportamentos, questionando a competência dos pais para educar a
prole, tarefa que até então a família desenvolvia como protagonista. So-
ares afirma que as escolas aparecem como resposta aos anseios tanto do
Estado quanto das famílias:

Com o desenvolvimento industrial, as famílias perceberam que não mais


conseguiam, isoladamente, ensinar tudo o que a criança precisaria saber
para uma melhor inserção na sociedade [...]. O Estado também precisava da
escola para criar identidade e unidade nacional (SOARES, 2012, p. 237).

Enquanto instituição formalmente organizada, dotada das competências


específicas para transmitir conteúdos cognitivos acumulados pela sociedade
às novas gerações, a escola assumiu a função de promover a aprendizagem,
156

deixando para a família o papel de coadjuvante na educação dos filhos. Es-


cola e família negociam desde então fronteiras que marcam o que deve ficar
a cargo de cada uma das partes envolvidas.
Se por um lado as famílias logo reconheceram e legitimaram a escola,
buscando adequar suas práticas culturais às novas rotinas escolares, por ou-
tro, o saber escolar não alcançou todas as crianças da mesma forma. Para as
crianças das camadas populares, a escola difundia noções de higiene, saúde
e comportamento enquanto às elites transmitia uma ampla bagagem cultural.
A diferenciação da escola para ricos e pobres deixou marcas que ainda per-
manecem no imaginário coletivo, contribuindo para a associação da escola
pública às famílias populares e do colégio privado às elites.
Faria Filho traz contribuições da história da educação para que se possa
melhor entender os primórdios desta relação no Brasil:
No Brasil, ao longo do século XIX, a instituição escolar vai lenta, mas
inexoravelmente, se fortalecendo como o lócus fundamental e privilegiado
de formação das novas gerações [...] Neste processo, ela desloca outras
instituições de seus lugares tradicionais, considerando-as, na maioria das
vezes, incapazes de bem educar... (FARIA FILHO, 2000, p. 44).

À exemplo do que vinha sendo feito pela Igreja, a escola adotou a estra-
tégia de utilizar o aluno para influenciar na educação dos pais, intenção que
parece ainda perdurar quando observamos as reuniões realizadas atualmente,
quando a escola parece ensinar as famílias como devem cumprir a sua função
no processo de escolarização dos filhos.
Do ponto de vista da sociologia, foi a partir da década de 1950 que os
estudos sobre a relação família-escola ganharam corpo. Com análises de ca-
ráter macroscópico e quantitativo, enfatizando características morfológicas
da família, as pesquisas encontraram correlações entre desempenho escolar
e pertencimento de classe. Nos anos de 1980 se iniciou a “reorientação tanto
de objeto quanto dos métodos de investigação no sentido de dar conta das
esferas microscópicas da realidade social” (NOGUEIRA, 2005, p. 567), am-
pliando-se os estudos sobre o tema.
Entre os trabalhos realizados nas últimas décadas destacamos a contri-
buição de Reali e Tancredi (2002), revelando que “para aproximadamente
50% dos professores investigados, as famílias dos alunos são consideradas
desestruturadas”. Adjetivo carregado de sentido negativo, aponta para o
afastamento do que seria o “padrão de normalidade”, na visão dos docentes.
Segundo Marques (1996), 67% dos professores se colocam como sempre
disponíveis para atender às famílias, tanto para resolver problemas específicos
quanto para orientá-las, porém, alegam que encontram pouco interesse por parte
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 157

dos pais. Vale destacar que estes professores não cogitam a possibilidade de
troca com as famílias uma vez que acreditam que os pais “pouco teriam a dizer”.
Para Thin (2006), as relações entre escola e família se estabelecem de
forma desigual e obedecem a diferentes lógicas socializadoras. No ambiente
popular os pais não constroem momentos educativos com os filhos, sendo a
ação educativa desenvolvida basicamente ao longo dos momentos de lazer
ou do exercício compartilhado das tarefas domésticas, diferentemente do
que acontece nas camadas médias e altas. A tensão, na relação entre escola e
família popular, se expressa em uma confrontação desigual onde os pais, via
de regra, assumem o sentimento de inadequação das próprias práticas.
Entre as famílias de melhor situação sociocultural e financeira, a assime-
tria das relações com a escola tende a pender para o lado oposto, com pais que,
colocando-se na posição de “clientes” da escola, “exigem” ser atendidos em
suas reivindicações. Associações – como a Anplia e a Aned1 são exemplos de
movimentos que vem se dedicando a defender o direito dos pais de ensinar os
filhos em casa, prescindindo da escola para as tarefas relativas à educação da prole.
A escola enfrenta ainda o desafio de identificar os pais e os próprios
alunos não somente como sujeitos de direito, mas como sujeitos de desejo
o que significa reconhecer-lhes a vontade e a potencialidade de mudar sua
própria situação, desde que em condições favoráveis.
Na sociedade contemporânea, pais que desempenham atividades profissio-
nais em tempo integral são instados a participar mais das discussões no campo
da educação escolar, exercendo funções nas associações e conselhos escolares,
reféns do processo de “docentização parental”, identificado por Silva (2012):

A crescente dificuldade da escola em assumir sozinha a plenitude de seu


projeto educativo tem levado – quer como causa, quer como consequência
– a mais requisitos junto as famílias, num processo tendencialmente de
docentilização parental (SILVA, 2012, p. 80).

Educando a família através dos filhos, afastando ou chamando a família


para colaborar, criticando a família por não cumprir como deveria a sua fun-
ção no processo de escolarização dos filhos, a escola continua enfrentando
desafios para estabelecer com as famílias a parceria indispensável para a
educação das crianças.

1 Anplia – Aliança Nacional para proteção à Liberdade de Instruir e Aprender; Aned – Associação
nacional da Educação Domiciliar. Consultas disponíveis em: <http://www.anplia.org> e <http://www.
aned.org.br> respectivamente.
158

Estratégias de escolha de escola

A ação que marca o início da relação família escola é a escolha da escola


que os filhos irão frequentar. Nos anos de 1990, Nogueira já apontava para a
complexidade desta tarefa:
Para os pais das gerações passadas, tal decisão não se colocava – pelo
menos desse modo maciço e com semelhante intensidade – porque uma
organização mais simples das redes escolares – com maior homogeneidade
– afastava a necessidade de elaborar escolhas (NOGUEIRA, 1998, p. 42).

Desde então, a seleção do estabelecimento de ensino para os filhos,


vêm envolvendo um conjunto cada vez mais amplo de aspectos, exigindo
um processo cada vez mais elaborado. A ausência de consenso em relação
ao que pode ser considerado como “boa” escola, a diversidade de projetos
pedagógicos e a ampliação das possibilidades exige mais das famílias. Mesmo
na rede pública, onde as escolas estão subordinadas a uma única diretriz, as
unidades escolares apresentam diferenças significativas entre si. Tanto em
função dos resultados alcançados pelos alunos – hoje amplamente divulgados
– quanto pela clientela atendida, as escolas pertencentes a um mesmo sistema
(municipal, estadual, federal, privada) não formam um conjunto homogêneo;
mas, ao contrário, apresentam diferenças marcantes que se tornam visíveis
pela reputação de cada escola.
A sociedade contemporânea que tanto valoriza o ato de escolher, asso-
ciando-o à liberdade e à individualidade, revela sentimentos de incerteza e
ansiedade quando os pais se encontram frente ao leque de opções disponibili-
zadas. Ao fazer escolhas, as famílias colocam-se na posição de corresponsáveis
com as instituições de ensino por sucessos e fracassos escolares dos filhos.
Embora sabendo que a autonomia de escolha para as famílias populares
é até certo ponto limitada pela disponibilidade de recursos financeiros que
englobam investimentos em transporte, material, uniforme, também elas são
detentoras do desejo de escolher “boas” escolas para os filhos.
A questão da escolha de escola para os filhos expressa uma postura ativa
das famílias e remete à hipótese sociológica clássica segundo a qual o valor
atribuído à educação varia de acordo com a sua posição na hierarquia social
(BOURDIEU, 2012). O desenvolvimento de estratégias familiares na escolha
da instituição escolar se ancora no horizonte de possibilidades visualizado
pela família. A teoria da ação racional sustenta que com informação as pessoas
fazem melhores escolhas, e a mobilização do capital social viabiliza o aciona-
mento de redes sociais e canais de informação na busca por melhores chances
educacionais (NOGUEIRA, 2005; ALVES; SOARES, 2007; BRANDÃO;
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 159

PAES DE CARVALHO, 2011). Barbosa e Sant’Anna (2010) enumeram al-


guns indicadores daquilo que denominam valor da educação conferido pelas
famílias, entre os quais destacamos: a distância entre o lugar de moradia e
a escola enquanto expressão de uma busca ativa de melhores oportunidades
de escolarização a despeito da distância da moradia, a expectativa dos pais
em relação ao desempenho escolar dos filhos, o interesse da criança pelas
atividades escolares e a realização dos deveres escolares em casa pelo aluno.
São as expectativas das famílias, em relação ao papel que a escola pode de-
sempenhar na educação dos filhos, que funcionam como princípios norteadores das
escolhas. Nas escolas municipais que pesquisamos, as expectativas dos responsáveis
estão associadas principalmente à aquisição de conhecimentos que possibilitem
aos filhos o acesso à almejada inserção social, caracterizada pela continuidade dos
estudos e pela conquista de uma situação estável no mercado de trabalho.
A função socializadora da escola também está presente nas escolhas.
Paixão (2007) recoloca a questão da socialização na escola, tecendo consi-
derações apoiadas em resultados de pesquisa empírica:
A escola contemporânea enfrenta desafios decorrentes de mudanças na
sociedade, em especial, nos arranjos familiares, nas funções da mulher e
nas restrições de oportunidades de emprego. Daí ela ver crescer suas ca-
racterísticas de instituição que se ocupa da educação total, como afirmaram
as professoras entrevistadas (PAIXÃO, 2007, p. 241).

A escolha envolve ainda valores que as famílias almejam ver adotados pelos
filhos. Algumas pesquisas (COSTA, 2008; ROSISTOLATO; PRADO, 2012) já
mostraram que no corpo discente de escolas consideradas de prestígio há uma par-
cela significativa de alunos oriundos de famílias que se autodeclaram religiosas, que
parece configurar-se como alinhamento entre o perfil da escola e as características
das famílias. Por esta razão entendemos que vale ampliar a reflexão sobre a influ-
ência da religião autodeclarada na escolha, como discutiremos na próxima seção.

Religião autodeclarada e escolha da escola

Hervieu-Léger e Willaime (2009) afirmam que todos os grandes clás-


sicos da sociologia se confrontaram com a análise da dimensão religiosa
no conjunto de suas obras. A sociologia da religião fornece elementos para
se pensar a presença do aspecto religioso no espaço público e para analisar
como as redes religiosas podem influenciar o momento da escolha de uma
instituição escolar para a prole.
A literatura (NERI, 2011; DARNELL; SHERKAT, 1997) mostra que
algumas religiões são próprias de estratos mais altos da sociedade, enquanto
160

outras parecem corresponder a estratos mais baixos. O panorama dos censos


demográficos mostra que a composição religiosa do país passou por grandes
mudanças ao longo das últimas décadas, conforme se verifica na Tabela 1.

Tabela 1 – Religiões do Brasil de 1940 a 2010, em porcentagem2


Religião 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010
Católicos 95,3 93,7 93,1 91,1 89,3 83,3 73,8 64,7
Evangélicos 2,6 3,4 4,0 5,8 6,6 9,0 15,4 22,2
Outras 1,9 2,4 2,4 2,3 2,5 2,9 3,5 5,1
Sem religião 0,2 0,5 0,5 0,8 1,6 4,8 7,3 8,0
TOTAL (*) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

(*) Não inclui religião não declarada e não determinada.


Fonte: IBGE, Censos demográficos.

Os dados apontam uma tendência progressiva à diversificação religiosa


no Brasil, evidenciando o declínio do número de católicos e o avanço dos
grupos evangélicos e daqueles que se declaram sem religião.
O número de pessoas que se declaram sem religião encontra-se em cons-
tante crescimento no Brasil, embora tenha ocorrido uma redução no ritmo
do seu crescimento na última década. Não obstante, a categoria dos que se
declaram sem religião continua a ocupar o terceiro lugar no país, conforme
as declarações do Censo de 2010, situando-se após os católicos e os evangé-
licos pentecostais (JACOB, 2013). No grupo denominado de outras religiões,
destacam-se as espíritas e as afro-brasileiras (umbanda e candomblé) e, em-
bora as diferenças entre elas sejam relevantes, optou-se pelo agrupamento,
em virtude de seus baixos resultados percentuais.
Com base ainda nos dados do Censo Demográfico 2010, Ramos (2014)
utilizou as informações correspondentes ao município do Rio de Janeiro,
para uma análise bivariada relacionando religião declarada com grau de es-
colaridade, cor autodeclarada e renda. O grau de escolaridade foi agrupado
em duas categorias: quem estudou até o ensino fundamental completo e
quem completou o ensino médio ou o superior. A cor declarada foi também
transformada em uma variável dicotômica designada como: branco ou não
branco. De forma similar, a renda familiar foi analisada em duas categorias:
até um salário mínimo per capita e dois ou mais salários mínimos per ca-
pita. Considerou-se como rendimento nominal mensal domiciliar per capita
a divisão do rendimento mensal domiciliar pelo número de moradores do

2 Os dados da tabela 1 até o ano 2000 foram obtidos a partir do trabalho de Antônio Flavio Pierrucci
(2004), e complementados com informações do Censo Demográfico 2010/ IBGE.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 161

domicílio, expresso em salários-mínimos3. O resultado da análise indicou


uma semelhança entre os percentuais de católicos e evangélicos de missão
(históricos), no tocante à escolaridade, cor e renda, e uma distinção bem
acentuada em relação aos evangélicos pentecostais. No tocante à escolari-
dade, o percentual de evangélicos pentecostais que estudaram até o ensino
fundamental completo corresponde a 71,6% em contraste com 28,4% que
ingressaram no ensino médio ou superior – uma diferença de 43,2 pontos
percentuais. Em relação à cor, são 63,3% os que se declaram não brancos; e
com relação à renda, são 84,9% os evangélicos pentecostais que recebem até
um salário mínimo per capita.
Outra evidência da estreita relação entre estrato social e religião auto-
declarada que se pode perceber é entre os percentuais correspondentes aos
grupos espírita e ateu ou agnóstico, que apresentam uma concentração maior
de indivíduos que alcançaram nível de escolaridade de ensino médio ou de
ensino superior. No que tange à cor autodeclarada, são 63,8% os espíritas e
64,3% os ateus ou agnósticos que se declaram brancos. E em relação à renda,
mais da metade dos espíritas recebe dois ou mais salários mínimos per capita,
assim como ocorre no grupo ateu ou agnóstico. Entre aqueles que declaram
filiação à umbanda ou candomblé são 51,1% os que alcançaram o ensino
médio ou superior. Mas em relação à cor autodeclarada há uma diferença de
12,6 pontos percentuais a favor dos que se declaram não brancos em relação
aos que não se enquadram nessa categoria. Embora a maioria se declare não
branco, o percentual de não brancos é superior entre outras confissões (como
os evangélicos pentecostais, por exemplo). Também é grande a diferença en-
tre os que declaram renda de até um salário mínimo per capita (64%) frente
aos 36% dos que declaram receber dois ou mais salários mínimos per capita.
Após essa análise buscou-se estabelecer possíveis associações entre a
configuração das religiões e a prevalência de arranjo familiar, tomando como
base os dados do cadastro dos alunos, preenchido no ato da matrícula na rede
municipal, que traz informações sobre a religião autodeclarada pela família e
com quem o aluno mora4. Ao investigar as possíveis correlações entre fluxo
escolar e filiação religiosa, se verificou uma concentração de alunos de uma
mesma religião nas unidades escolares da rede municipal do município do
Rio de Janeiro com bons resultados em avaliações externas associada ao nível
socioeconômico e ao tipo de arranjo familiar.
Alguns professores e gestores relataram perceber uma forte influência
da estrutura familiar no desempenho dos alunos, argumento que por vezes é
visto como preconceituoso. Entretanto, embora quase metade dos alunos in-
vestigados na pesquisa morasse com pai e mãe, observou-se, estatisticamente,

3 No ano de realização da pesquisa (2010) o salário mínimo era de R$ 510,00 (equivalente a USD 291).
4 O processo de matrícula na rede municipal do município do Rio de Janeiro, diferentemente de outras
redes de ensino, é de livre escolha por parte das famílias que indicam três escolas de sua preferência.
162

uma concentração superior de famílias biparentais entre os que se declaram


evangélicos, correspondendo ao que seria o “padrão de normalidade”, na
visão dos docentes. Esse resultado parece autorizar a hipótese de que o per-
tencimento à religião evangélica estaria positivamente associado a arranjos
familiares biparentais. Assim, a concentração de alunos de uma mesma religião
nas unidades com bons resultados em avaliações externas estaria atribuída antes
ao tipo de arranjo familiar que a religião que as famílias declaram professar.
Segundo relatos coletados junto às famílias, a despeito dos resulta-
dos obtidos pelas escolas em avaliações de larga escala, os processos de
escolha da unidade escolar se constituía antes numa estratégia para evitar
outras escolas, consideradas indesejáveis por sua localização, clientela,
grau de organização de seu funcionamento e segurança. Na literatura so-
bre o processo de escolha por escolas, um dos critérios que aparece com
frequência é o que leva em consideração o status econômico do corpo
discente (HOLME, 2002; ELACQUA; SCHNEIDER; BUCKLEY, 2006),
revelando a intenção das famílias de que seus filhos estudem em escolas
com nível socioeconômico semelhante ao delas.
A escolha por determinadas unidades escolares em detrimento de
outras, nos casos observados, baseou-se na preocupação com a segurança
dos filhos ou em atributos, tais como tempo do diretor na escola, frequência
dos professores, valorização dos trabalhos de casa.
Embora a pesquisa tenha mostrado que as estratégias de escolha de es-
cola não estão diretamente associadas ao pertencimento religioso, mas sim
fortemente associadas ao nível socioeconômico das famílias, observamos
que este último pode estar associado ao pertencimento a uma rede religiosa.
Na próxima seção ampliamos a reflexão sobre escolha de escola com
os resultados dos estudos que abordam esta temática no âmbito de famílias
com filhos que apresentam deficiências.

Escolha da escola na perspectiva da educação especial5

Nesta seção focalizamos especificamente os alunos com deficiência a


partir da questão: Como a escolha se dá ao tratarmos de um aluno com defi-
ciência6? Quais são os aspectos que permeiam a escolha da escola por parte
da família de um estudante deficiente?

5 Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), o público da Educação
Especial compreende os educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades e superdotação.
6 Utilizaremos o termo deficiente no presente capítulo com base nos “Estudos sobre a Deficiência” (Disa-
bility Studies) como campo de discussão dessa temática. Segundo os Estudos sobre a Deficiência: “A
concepção de deficiência como uma variação do normal da espécie humana foi uma criação discursiva
do século XVIII, e desde então ser deficiente é experimentar um corpo fora da norma. O corpo com
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 163

Para pensarmos sobre a escolha do estabelecimento de ensino no caso de


famílias de alunos deficientes é necessário ressaltar a relação entre instituições
públicas e privadas, sobretudo as escolas privadas de caráter assistencial.
Historicamente, as iniciativas educacionais voltadas às pessoas com defi-
ciência surgem em resposta ao interesse de alguns educadores pelo atendimento
educacional a este grupo de pessoas, resultando na criação do Imperial Instituto
dos Meninos Cegos, em 1854 (atual Instituto Benjamin Constant – IBC) e
do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos em 1857 (atual Instituto Nacional
de Educação de Surdos – INES), ambos na cidade do Rio de Janeiro. Até
os anos de 1950, o Brasil contava com cinquenta e quatro estabelecimentos
de ensino regular, mantidos pelo poder público e onze instituições especia-
lizadas, que prestavam atendimento educacional a pessoas com deficiência
(MAZZOTTA, 2005).
Foram criadas ainda instituições especializadas no atendimento edu-
cacional da pessoa com deficiência, a exemplo da Sociedade Pestalozzi, em
1948 e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, em 1954,
ambas no estado do Rio de Janeiro. Tais instituições contam com recursos
próprios para o seu funcionamento, além de manter convênios com órgãos
federais, estaduais e municipais (MAZZOTTA, 2005).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 (Lei nº 4.024/61) em
seu artigo 88 trata do direito dos “excepcionais” à educação, destacando
que o atendimento educacional deveria, dentro do possível, enquadrar-se
no sistema geral de educação7 (MAZZOTTA, 2005, grifo nosso). O artigo
89, da mesma Lei garante o financiamento por parte do poder público às
instituições especializadas de caráter privado (BRASIL, 1961). Já em 1971,
a Lei nº 5.692/71 institui a reforma da educação fixando as diretrizes e bases
do ensino de 1º e 2º graus, assegurando o tratamento especial aos alunos que
apresentem deficiências físicas ou mentais, os que apresentem atraso quanto
à série e os superdotados. Mazzotta (2005) ressalta que essa orientação con-
traria a legislação anterior (Lei nº 4.024/61) que prevê que a educação de
alunos excepcionais deve acontecer, dentro do possível, no sistema geral de
educação (grifo nosso).
A Constituição de 1988, em seu artigo 208 prevê o atendimento educa-
cional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino (BRASIL, 2004), conforme a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB 9.394/96), que define a Educação Especial como

deficiência somente se delineia quando contrastado com uma representação do que seria o corpo sem
deficiência. Ao contrário do que se imagina, não há como descrever um corpo com deficiência como
anormal. A anormalidade é um julgamento estético e, portanto, um valor moral sobre os estilos de vida.
Há quem considere que um corpo cego é algo trágico, mas há também quem considere que essa é
uma entre várias possibilidades para a existência humana” (DINIZ, 2007 p. 8).
7 A respeito do sistema geral de educação, Mazzotta (2005) destaca que a abrangência do termo garante que
o atendimento voltado às pessoas com deficiência seja ofertado em serviços educacionais especializados.
164

modalidade da Educação Básica. A educação de pessoas com deficiência


deve, portanto ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,
tendo, quando necessário, serviços de apoio especializados (BRASIL, 1996).
As instituições privadas vão se apresentar durante toda a história da
Educação Especial como extremamente fortes, chegando a ser confundidas
com o atendimento público, sobretudo pela gratuidade de alguns serviços
(KASSAR, 2001).
A existência de impasses entre instituições públicas e privadas (sobre-
tudo as de caráter assistencial) na escolarização das pessoas com deficiência
influencia diretamente na escolha do estabelecimento educacional por parte
dos responsáveis, como podemos ver na pesquisa realizada por Luiz e Nas-
cimento (2012) que teve por objetivo explorar as experiências de um grupo
de famílias no processo de inclusão de crianças com Síndrome de Down na
rede regular de ensino.
O estudo foi realizado com crianças que frequentavam uma escola espe-
cializada desde a tenra idade, recebendo atendimentos clínicos (fisioterapia,
fonoaudiologia, psicologia) e pedagógicos, cujos pais eram orientados para
inserção das crianças na rede regular de ensino. Dentre as dificuldades elen-
cadas pelas famílias a respeito desta inserção, destacamos a busca e seleção
da escola regular (LUIZ; NASCIMENTO, 2012).
Das onze famílias estudadas, três fizeram a opção de colocar a criança em
uma escola particular (de caráter não filantrópico), por acreditarem que seus
filhos estariam mais bem cuidados do que na escola pública. Outro aspecto
importante na escolha dessas três famílias, diz respeito ao número de alunos
nas salas de aula. As demais famílias pesquisadas optaram por matricular seus
filhos em escolas próximas à sua residência.
Costabile e Brunello (2005) investigaram os impactos da inserção de
alunos com deficiência em escolas regulares por meio de entrevistas reali-
zadas com famílias de crianças com deficiência intelectual e/ou distúrbio do
desenvolvimento, que frequentavam a escola regular na educação infantil
e no primeiro segmento do ensino fundamental. Os resultados revelaram
que a escolha da escola era baseada principalmente na possibilidade de
convivência da criança com deficiência com outras crianças, viabilizando
maior amadurecimento, independência e cumprimento das regras sociais.
Tais famílias optaram por escolas públicas pensando no projeto pedagógico
e nos objetivos gerais da escola, que são a alfabetização e a socialização,
acreditando que a inserção dos filhos deficientes em espaços não exclusivos
aproxima a criança da “normalidade”. A expectativa das famílias é buscar
a normalidade das crianças por meio da escola regular, como pode ser
observado nas declarações recorrentes das famílias ao explicitarem que:
‘Tenho esperança de que um dia meu filho seja normal dentro do possível’
(COSTABILE; BRUNELLO, 2005 p. 126).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 165

Segundo as famílias, os resultados das crianças com deficiência na escola


regular foram satisfatórios, trazendo mudanças no olhar sobre as potencialida-
des dos filhos e a crença nas possibilidades de gerar mudanças sociais a partir
dos processos de inclusão, conforme sinalizam Costabile e Brunello (2015).
No entanto, algumas dificuldades em relação à inserção na escola pública
foram relatadas, tais como: dificuldade de atenção dentro da sala de aula devido
ao grande número de alunos para uma professora e falta de uma auxiliar de classe,
dificuldades da escola em adaptar currículos e métodos de ensino; pouco apoio
para a formação dos professores em atender essas crianças e o medo de que a
aprovação automática não seja benéfica (COSTABILE; BRUNELLO, 2015).
Mesmo com essas críticas, sete famílias afirmaram que a escola tem cor-
respondido às suas expectativas quanto à socialização e convivência de
seus filhos. Todos os entrevistados falaram sobre a importância da escola
como um espaço para a criança aprender a viver em grupo pela convivên-
cia, pela possibilidade de mais independência e maior disciplina. O que se
pode observar é que mesmo com as dificuldades encontradas no dia-a-dia
escolar essas crianças vêm demonstrando progressos e mudanças no seu
crescimento. O contato com o outro, a vivência de situações novas, bem
como com diferentes regras sociais propiciam melhor desenvolvimento
à criança (COSTABILE; BRUNELLO, 2015 p. 128).

A partir desses dois estudos, podemos verificar de maneira exploratória os


desafios existentes na escolha do estabelecimento de ensino por parte das famí-
lias de pessoas com deficiência. Além das questões que se aproximam muito das
escolhas de famílias de alunos sem deficiência, existem também questões ligadas
ao preparo da escola para lidar com esse público, especificamente, formação dos
professores, quantidade de alunos por sala de aula, entre outras questões que não
se atém apenas à relação família e escola, mas mantém relação com os recursos
mínimos existentes na instituição para realização do trabalho com esse público.

Considerações finais

É inegável a importância da relação entre família e escola no campo da


educação. Desde as pesquisas de caráter macrossocial e quantitativo dos anos
1960, a sociologia da educação constata correlações entre o pertencimento
de classe das famílias e o desempenho escolar. A partir da década de 1980,
as pesquisas passaram a investigar as dinâmicas internas e os processos
de socialização familiares, enfatizando as disposições e as estratégias
desenvolvidas pelos pais no que tange à vida escolar dos filhos. Nesse sentido,
ganhou importância a escolha da família pela unidade escolar para seu filho.
166

A sociedade contemporânea, que valoriza princípios de liberdade, justiça,


individualidade, entre outros, frente ao desejo de escolher “boas” escolas para
os filhos, busca garantir também a aceitação das limitações – como ocorre
no caso das crianças com deficiência -, bem como a identificação da unidade
escolar com os valores acolhidos pela família – o que se verifica entre as
famílias que se autodeclaram religiosas.
As expectativas das famílias em relação ao papel que a escola pode
desempenhar na educação dos filhos orientam as suas escolhas, e envolvem
ainda valores que as famílias almejam ver adotados pelos filhos. Nesse sentido,
a dimensão religiosa e a questão da educação especial trazem novos desafios
para a relação família-escola que já é tensa desde a sua origem. Visando am-
pliar os estudos da relação família-escola e colocar em pauta novos aspectos
envolvidos nessa relação, buscamos investigar como a religião autodeclarada
estaria influenciando na escolha da unidade escolar para sua prole, ou se cons-
tituiria como uma influência indireta da escolha de escola. Concluímos que as
estratégias de escolha da unidade escolar não estão diretamente associadas ao
pertencimento religioso, mas fortemente associadas ao tipo de arranjo familiar
e ao nível socioeconômico das famílias. No entanto, essas são características
que podem estar também associadas ao pertencimento a alguma rede religiosa,
como indicam as correlações estatísticas observadas nos dados de matrícula
dos alunos na rede municipal do Rio de Janeiro.
Os desafios presentes na escolha do estabelecimento escolar, no caso de
educação especial, podem trazer novas nuances ao tema da relação família-
-escola. Como vimos, os resultados das pesquisas revelaram que a escolha da
escola era baseada principalmente na possibilidade de convivência da criança
com deficiência com outras crianças, e seu acolhimento no processo de inde-
pendência e aceitação das regras sociais. Destacamos também a importância
da estrutura escolar para o atendimento educacional dessa população, con-
siderando aspectos físicos e humanos, algo que as famílias também levaram
em conta na escolha da escola.
No processo de alinhamento entre características do aluno e do estabele-
cimento de ensino, reforça-se a perspectiva de que não há uma escola melhor
que outra, mas escolas mais adequadas a cada tipo de aluno. Marcada por
constantes transformações, a relação família-escola continua enfrentando di-
ferentes tensões, entre expectativas e valores dos diferentes atores envolvidas.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 167

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LIMITES E POSSIBILIDADES DO
CONSELHO ESCOLAR COMO
INSTRUMENTO DE GESTÃO
DEMOCRÁTICA NA PROMOÇÃO DA
QUALIDADE DO ENSINO: estudo de caso
em escola municipal do Rio de Janeiro

Maria de Fátima Magalhães de Lima


Maria Luiza Canedo

Introdução

Neste trabalho analisamos a origem e o funcionamento dos conselhos esco-


lares como uma das estratégias da gestão democrática para garantir a qualidade
do ensino. A legislação dispõe que a participação da comunidade escolar e local
em conselhos escolares se constitui como princípio e condição para concretização
da gestão democrática. Diante disso, nosso principal objetivo é compreender a
relação entre a participação dos diferentes agentes neste organismo formal de
democratização da gestão e o êxito acadêmico dos alunos/filhos.
A hipótese que formulamos para nortear este estudo é de que as escolas
com bons resultados em avaliações externas (considerando que esta pode ser
uma, entre outras expressões de qualidade de ensino) tenderiam a mobilizar
as comunidades escolares, em especial as famílias a participar, influenciar e
tomar decisões no âmbito da gestão escolar. Neste sentido, tanto as famílias
quanto os agentes escolares, envolvidos na manutenção ou melhoria do ensino
e do funcionamento da escola, participariam dos conselhos escolares como
forma de salvaguardar os interesses públicos e comunitários, reduzindo a
assimetria existente entre esses organismos a favor de uma vontade comum
dirigida à construção da qualidade e das condições para a garantia do ensino.
A partir desta formulação selecionamos para pesquisa uma escola da
rede pública municipal de ensino do Rio de Janeiro com bons resultados em
avaliações externas, observando-se o processo de escolha dos conselheiros
escolares, seus perfis e percepções acerca do funcionamento e organização
do conselho escolar. A metodologia adotada abrange a análise de documentos
oficiais, dados da Prova Brasil, de questionários e entrevistas.
172

Não obstante as limitações que as formas da representação podem


carregar no exercício da democracia, e as diferentes transformações opera-
das no conceito, como analisado por Chauí (2001), é por meio dela que os
conselhos escolares fundem os interesses coletivos da escola e controlam
a coisa pública no exercício da cidadania. Assim, em tese, se concretizaria
a mobilização em defesa da educação pública de qualidade como direito
fundamental, universal e inalienável.

Gestão Democrática: contexto histórico

Nos anos de 1980, o processo de redemocratização do país trouxe o


acúmulo do debate político de diversas organizações contrárias à ditadura1
e mobilizou um conjunto de forças democráticas em torno da reivindicação
de transformações no Estado brasileiro. Neste contexto, se fortaleceram e
se ampliaram os movimentos populares e sociais, as oposições sindicais, os
partidos políticos e entidades que propunham derrotar a ditadura militar e
recompor o processo democrático no país.
Os debates em torno da reorganização do Estado brasileiro e do resta-
belecimento dos direitos civis, sociais e políticos, concebidos por diferentes
setores da sociedade e pela intelectualidade brasileira, enfrentavam também
os desafios de romper com a desigual distribuição de renda, com a amarga
recessão, com a inflação galopante, com as desigualdades sociais e com o
resquício autoritário da ditadura militar.
O crescente protagonismo social pôs em evidencia as lutas políticas de
movimentos mais amplos e questionou as políticas públicas vigentes, espe-
cialmente nos campos da saúde e da educação2.
No tocante à educação, a bandeira de luta “por uma escola pública gra-
tuita, laica, e de qualidade para todos” englobava desde as reivindicações por
melhores condições de trabalho dos profissionais de educação até os princípios
ético-políticos mais amplos, tais como: a participação na gestão escolar; a
descentralização administrativa do Estado brasileiro; a autonomia pedagógica
e administrativa das instituições escolares; o planejamento participativo e o
controle social das verbas públicas.

1 Destacamos os movimentos sindicais, as comunidades eclesiais de base, os movimentos estudan-


tis, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, a Associação Brasileira de Imprensa – ABI, a Confe-
deração Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
2 No campo educacional cabe destacar, como exemplos, a ANPED (1977), o CEDES (1978), a ANDE
(1979) e a realização das primeiras Conferências Brasileiras de Educação, além da União dos Di-
rigentes Municipais de Educação (UNDIME) e o Conselho dos Secretários Estaduais de Educação
(CONSED) são fundados em 1986.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 173

As proposições de mecanismos de participação e tomadas de decisão


nas esferas públicas e privadas da educação brasileira tinham o objetivo de
superar o caráter centralizador do Estado. Essa perspectiva democratizante
traduzia o desenvolvimento de uma nova cultura política, na qual os sujeitos,
portadores de direitos, participam e interferem na “coisa pública”, no sen-
tido de promover a cidadania e de garantir que os interesses populares e as
demandas locais ganhassem visibilidade e fossem atendidas, de acordo com
os problemas sociais e interesses da população.
Produziu-se, naquele contexto, uma extensa agenda de reorganização do
Estado, que tinha na democratização da educação e da escola um dos seus
pilares, assentada no compromisso com a superação dos elevados índices de
analfabetismo produzidos por um sistema educacional seletivo e excludente.
A este respeito é importante ressaltar, na dinâmica constituinte, o lançamento
do Fórum da Educação em Defesa do Ensino Público e Gratuito. O Fórum
enfatizava a gestão democrática da educação, pois “naquele momento, a ideia
de democratização da educação superava o conceito de escola para todos,
incluindo a noção da escola como espaço de vivência democrática e de ad-
ministração participativa” (MENDONÇA, 2000, p. 4).
Os debates nos Fóruns Constituintes resultaram em importantes avanços
para o campo educacional, assegurando na Constituição Federal de 1988 a in-
clusão do princípio da gestão democrática do ensino público. Embora restrita
às instituições públicas de ensino (Art. 206, VI), expressando uma conquista
limitada e em desacordo com o Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública
– FNDEP3, que defendia a gestão democrática sem distinguir estabelecimentos
públicos e privados, o princípio da gestão democrática explicitado na carta
constitucional materializou, em grande medida, a demanda pela participação da
sociedade nos processos decisórios da gestão educacional e escolar, no controle
do financiamento e das políticas educacionais. Sua importância, como afirmam
Adrião e Camargo (2007, p. 65) reside no fato de que os princípios estabele-
cem uma “espécie de referência para validar legalmente as normas que deles
derivam”. Ou seja, definem as bases gerais pelas quais devem ser elaboradas
as políticas, diretrizes, programas e projetos educacionais implementados nos
três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Neste sentido, implica
compreender que o processo político-administrativo educacional e escolar
inscreve-se em métodos democráticos, a fim de organizar a estrutura e o fun-
cionamento das redes públicas, considerando “a necessidade de ter a educação

3 O Fórum, lançado em 1987 como Campanha Nacional pela Escola Pública e Gratuita, atuou durante
o processo de elaboração da Constituição Brasileira de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, aglutinando a intelectualidade, entidades representativas de organizações de
classe, estudantes, profissionais da educação e movimentos sociais.
174

para a democracia como componente fundamental da qualidade do ensino”,


como afirma Paro (2007, p. 24).
No entanto, como destacado por Cury (2007), a consagração da gestão
democrática na Constituição Federal de 1988 não estendeu automaticamente
o ordenamento jurídico em prol da construção democrática para o conjunto
das práticas sociais instaladas nas esferas educacionais e escolas. Em primeiro
lugar porque a ruptura com o clientelismo, com as relações hierarquizadas e o
autoritarismo, cristalizados na sociedade brasileira, não se faria de “cima para
baixo”, mas sim como resultante, sobretudo, da construção de mecanismos de
participação e dos embates promotores das decisões coletivas e dos possíveis
consensos gerados nos espaços de participação. Considere-se, ainda, as am-
biguidades e distorções geradas entre a proposição legal e a implementação
da lei. Em segundo lugar, porque o texto constitucional ao remeter para leis
futuras a especificação da natureza e caracterização da gestão democrática,
omite a definição de diretrizes gerais norteadoras de sua instituição nos sis-
temas públicos de ensino4.
Neste sentido, deve-se considerar que o texto expõe a síntese possível
gerada no processo de disputas do legislativo entre os setores que defendiam
sentidos distintos à gestão da educação. A expressão “na forma da lei” conduz
à regulamentação futura a definição e operacionalização da gestão democrática,
particularmente à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/1996),
promulgada em 1996.
No interstício que compreendeu os oito anos entre a promulgação da Consti-
tuição Federal (1988) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996),
o princípio constitucional da gestão democrática foi incorporado pelas redes pú-
blicas de ensino através de políticas que ampliaram a participação da comunidade
escolar na gestão. Muitas dessas políticas foram inspiradas nas experiências que
já vinham sendo implementadas em redes públicas de ensino, com os primeiros
governadores eleitos através de voto direto, ainda sob o regime militar. Este é o
caso do estado do Rio de Janeiro, cuja agenda política, assentada na democratização
e na consequente construção de instrumentos de participação na gestão, originou
a eleição de diretores, a regulamentação dos grêmios estudantis e a implantação
dos conselhos escolares, denominados Conselhos Escola Comunidade – CEC. Os
conselhos, neste sentido, funcionariam como mecanismos da gestão democrática
para salvaguardar os interesses públicos e comunitários, com vistas à melhoria
da escola nas dimensões pedagógicas, comunitárias e administrativas por meio
da promoção de uma cultura de participação.

4 Ver: Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto – Seção I – Da educação – Art. 2016
parágrafo IV – Gestão democrática do ensino público, na forma da lei; (Brasil, 1988).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 175

Conselhos escolares na rede municipal do Rio de Janeiro

A institucionalização dos Conselhos Escola Comunidade, na rede pública


municipal do Rio de Janeiro remonta ao ano de 1984, antes mesmo da promul-
gação da Constituição Federal de 1988, no ccontexto do início do processo de
redemocratização do país, com o fim do bipartidarismo e o restabelecimento
das eleições diretas para governadores.
No estado do Rio de Janeiro, a eleição de um governo de oposição em
1982 e a conjunção de forças em torno de um projeto de matriz democrática
favoreceram a construção de uma agenda “desvinculada da ditadura e da
máquina clientelista” (BURGOS, 2006). De acordo com Mignot (2001), as
medidas adotadas marcaram o período de transição democrática e conferiram
à educação papel de destaque, a fim de reverter o quadro de desigualdades
de acesso e permanência na escola, as precárias condições estruturais e de
conservação dos prédios escolares, desvalorização profissional dos docentes,
perda da dimensão local nos currículos e precária integração das comunidades
nos contextos escolares.
Em contraste com as experiências autoritárias assentadas nas décadas an-
teriores, as proposições em torno da democratização da educação e das escolas
tornavam imperiosa a participação da população em geral, e de professores,
em particular, na definição de um novo projeto educacional e na gestão das
escolas. Naquela ocasião, em razão do voto vinculado, os governadores dos
estados nomeavam os vice-governadores e prefeitos das capitais , o que pos-
sibilitava a extensão de políticas e programas educacionais da rede estadual
às redes públicas municipais.
Este cenário se constituiu num campo fértil para que fosse instituída na
rede pública municipal do Rio de Janeiro uma nova forma de participação das
famílias e das comunidades na escola, na qual se buscava superar as características
assistenciais das antigas Caixas Escolares e das Associações de Pais e Profes-
sores. Conforme disposto na legislação, a criação dos conselhos correspondia
a necessidade da existência de um Organismo de forma mais abrangente
do que a Associação de Pais e Professores; a necessidade de discutir
questões de interesse da Comunidade Escolar, propondo alternativas e
soluções; a necessidade de democratizar a escola com o entrosamento
constante e efetivo entre Escola/Família/Comunidade (Rio de Janeiro
[Município], 1984, p. 10).

A regulamentação dos conselhos escolares estabeleceu, portanto, um


contraponto ao caráter centralizador e às relações autoritárias e hierarqui-
zadas que permeavam as instituições escolares, nas quais o poder decisório
176

estava centralizado nos diretores, cujo provimento no cargo se caracterizava


substancialmente por indicações de políticos e relações clientelistas. De fato,
elementos presentes na legislação original, tais como: a escolha dos membros
do conselho por meio de eleição direta, a representação de todos os segmentos
da comunidade escolar na composição dos CECs, a representação da Asso-
ciação de Moradores e o reconhecimento da importância de entidades como
FAMERJ e FAFERJ5 no processo eleitoral sinalizavam o caráter democrático
deste organismo formal de participação.
Por outro lado, não se pode ignorar que o caráter “essencialmente con-
sultivo” e o estabelecimento do termo “trabalho de coparticipação com a
direção”, que aparecem no Resolução SME de 1984 deixam transparecer, já
no plano formal, uma concepção restrita de participação das comunidades
escolares nos conselhos e na gestão escolar.
Na década de 90, as mudanças ocorridas no papel do Estado tiveram
repercussão na gestão educacional e escolar, através da implementação da
política de descentralização, de financiamento e de gerenciamento da escola
pública constitutivas das mudanças recomendadas pelo Banco Mundial, apro-
fundadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002.
O processo integrado de descentralização das políticas e da regulação/
concentração do Estado, concernente ao financiamento e à avaliação da
educação, expôs a emergência de padrões de gestão pautados sob a forma de
accountability, cujas operações integradas de avaliação, prestação de contas
e responsabilização tiveram impacto sobre o incremento de competências
técnicas e políticas dos gestores das redes públicas de ensino e de escolas
da Federação. Segundo Dagnino (2004), as organizações da sociedade civil
foram redefinidas como organizações sociais; a participação como volunta-
riado – em uma perspectiva individualista e moralista, relacionada à gestão;
e a cidadania como ação individual, relacionada ao mercado, ao consumo,
à solidariedade, à caridade e à assistência (aos mais pobres e às instituições
precarizadas), deslocando o sentido de conceitos basilares dos movimentos
de redemocratização do país na década de 80.
Este processo de transformações derivado do racionalismo econômico
é explicado por outros autores, como Lima (2001), para quem
é neste quadro que se opera uma recontextualização e uma reconceptualização
de termos como, por exemplo, autonomia, descentralização, participação,
agora tendencialmente despojados do sentido político. A autonomia (miti-
gada) é um instrumento fundamental de construção de um espírito de e de

5 A FAMERJ – Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro e FAFERJ –


Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, tiveram destaque na década
de 80 na luta pela moradia.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 177

uma cultura de organização-empresa; a descentralização é congruente com


a “ordem espontânea” do mercado, respeitadora da liberdade individual e
garantidora de eficiência econômica; a participação é essencialmente uma
técnica de gestão, um fator de coesão e de consenso (LIMA, 2001, p. 120).

Segundo Vital (2003, p. 13), no Brasil, esta lógica está relacionada aos
princípios do Programa da Qualidade e Participação na Administração Pública
– PQPAP, que enfatiza não apenas a qualidade total, instrumento estratégico
para aplicação do Plano Diretor do Aparelho do Estado-PDRAE6, mas tam-
bém a participação e sua estreita relação com a descentralização, a melhoria
da qualidade e da eficiência na prestação de serviços públicos na área social.
Uma das expressões do processo de descentralização das políticas edu-
cacionais é o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), criado em 1995
como Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (PMDE),
com o objetivo de “agilizar a assistência financeira aos sistemas de ensino”
(BRASIL, 1995, p. 1). A partir de 1997 o PDDE passou a exigir como con-
dição para o repasse dos recursos financeiros às escolas a constituição de
uma Unidade Executora ‒ “uma sociedade civil com personalidade jurídica
de direito privado, sem fins lucrativos, que pode ser instituída por iniciativa
da escola, da comunidade ou de ambas” (BRASIL, 2009, p. 3) ‒ organizada
como associação e composta por representantes da comunidade escolar. Tal
medida induziu à proliferação de Unidades Executoras em diferentes redes
de ensino, muitas delas constituídas a partir das estruturas de conselhos e
colegiados escolares já existentes, com a finalidade precípua de gerir recursos
financeiros encaminhados através de programas e ações governamentais.
Diversas pesquisas como as de Yanaguita (2010) e Taborda (2009) de-
monstraram que, se por um lado a transformação dos conselhos e colegiados
em Unidades Executoras com personalidades jurídicas contribuiu para a
proliferação dos conselhos, ampliando a participação das comunidades nestes
organismos de controle social, por outro incentivou a sua burocratização.
Este quadro de racionalização e otimização, associado à capacidade
técnica e gestionária, como descrito por Lima (2001, p. 123-124), levou à
criação de novas disposições normativas de caráter técnico-racional também
para os Conselhos Escola-Comunidade da rede pública municipal do Rio de
Janeiro. Neste sentido, no final dos anos de 1990 os CECs foram transformados
em Unidades Executoras, a fim de gerir recursos financeiros provenientes de
convênios e programas do Governo Federal, passando a atuar como entidades
de direito privado sem fins lucrativos. Paralelamente, a legislação também

6 Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, criado pelo Ministério de Administração Federal e
Reforma do Estado – MARE, do Ministro Bresser Pereira, no bojo da crise mundial do capitalismo na
década de 1990.
178

assegurou aos Conselhos a participação no planejamento e na avaliação da


escola, bem como na elaboração e no desenvolvimento do projeto político-
-pedagógico (Rio de Janeiro, 2004).
Registra-se, recentemente, uma tendência de normatizar os conselhos no
sentido da accountability, especialmente em relação ao controle do desem-
penho dos alunos nas avaliações externas e do trabalho pedagógico a partir
dos resultados destas avaliações. Esta tendência transparece na redefinição
das atribuições dos Conselhos da rede pública municipal do Rio de Janeiro,
a partir de 2010, no contexto de uma agenda política fortemente centrada nas
avaliações externas, na responsabilização e na gestão por resultados (PAES DE
CARVALHO; OLIVEIRA; LIMA, 2014)7. Dentre as finalidades dos Conselhos
destaca-se a integração escola-família-comunidade, no sentido de assegurar
“a melhoria do ensino”; a participação no planejamento, na consecução e na
avaliação do projeto político-pedagógico; a gestão dos recursos financeiros e
prestação de contas dos gastos à comunidade; e participação nas avaliações
da escola e nos conselhos de classe. Concerne ainda aos conselhos promover
reuniões mensais, registradas em atas, com a direção da escola e por segmento.
Com a vigência do Regimento Escolar a partir de 2010, os CECs passa-
ram a deliberar também sobre medidas disciplinares aplicadas aos alunos8.

O caso de uma Escola Municipal


Perfil da Escola

A Escola Municipal – EM que analisamos oferecia ensino fundamental


completo e atendia, em 2011, à cerca de 800 alunos distribuídos em duas
turmas de 1º a 5º ano e três turmas de 6º ao 9º ano. Com um índice de evasão
muito baixo, recebe um novo contingente de alunos no 6º ano, oriundos não
só dos bairros vizinhos como também de locais distantes, configurando-se
como uma das escolas mais disputadas da rede municipal. Segundo a dire-
tora, à medida que os novos alunos vão chegando, “vão sendo trabalhados”,
estimulando-se a convivência com os já integrados. De tal forma que “se o
aluno não tem uma revista para fazer um trabalho, a gente oferece uma para

7 Entre as medidas adotadas para melhorar a gestão escolar foi assinado o Termo de Compromisso, no
qual os diretores das escolas se comprometeram em atingir metas e elevar o IDEB (Índice de Desenvol-
vimento da Educação Básica) e o IDE-RIO (Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro)
de suas instituições. Em contrapartida, a SME assegurou aos profissionais de educação assíduos, das
escolas que atingirem os resultados, uma bonificação pecuniária anual correspondente ao 14º salário.
8 Portaria E/SUBE/CGG nº 48 de 17 de março de 2010 e Regimento Escolar – Resolução SME
1074 de 14/04/2010.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 179

ele, se ele não tem condição de ir a um cinema, a gente leva. Eles têm car-
teirinha para frequentar as bibliotecas das universidades do bairro e podem
pesquisar” (Diretora da escola9).
A escola funciona em dois turnos – manhã e tarde, com cinco tempos
diários de aula, perfazendo um total de 25 horas-aula semanais. Na grade de
horário, todos os alunos têm dois tempos vagos semanais, uma vez que as
aulas de educação física são realizadas no contraturno, fora da escola.
A história da escola está diretamente vinculada à criação do bairro onde
se localiza em área nobre da zona sul do Rio de Janeiro. Inaugurada na dé-
cada de 1930, a construção da EM foi cláusula contratual entre a prefeitura e
a empresa encarregada da implantação do bairro. Atualmente o bairro conta
com moradores das camadas médias e altas que integram a elite cultural
carioca e um pequeno comércio local que visa somente o atendimento aos
moradores. A presença de um grupamento militar contribui para que o bairro
seja considerado razoavelmente seguro.
Ocupando o espaço originalmente criado para abrigar um pavilhão em
uma exposição nacional, a EM enfrenta sérias limitações físicas para exercer
suas atividades educacionais, neste espaço adaptado. Ausência de quadra de
esportes, salas de aula geminadas, que tornam necessária a passagem por
dentro de uma sala de aula para chegar a outra, e falta de local onde a equipe
gestora possa contar com alguma privacidade, são alguns exemplos da ina-
dequação das instalações.
A diretora, eleita em 198810 e sucessivamente reeleita desde então, relata
que assumiu suas funções conhecendo bem o ambiente e as limitações da
escola, onde já trabalhava como regente de turma desde 1979.
Os resultados alcançados nas avaliações de larga escala são motivo de
orgulho para gestores, alunos e professores11. Docentes afirmam que con-
seguem desenvolver a maior parte dos conteúdos escolares previstos e se
mostram satisfeitos com o trabalho que realizam nesta escola12, o que sem
dúvida contribui para o sucesso dos alunos.
O quadro de professores previsto para esta EM é de 48 docentes, porém,
na ocasião da pesquisa, a escola contava apenas com 38 professores o que
acarretava dupla regência para alguns deles, e revezamento da equipe gestora no

9 Trecho da entrevista com a Diretora da Escola Municipal.


10 Ano de implantação da eleição direta para acesso ao cargo de diretor das escolas municipais
do Rio de Janeiro.
11 De acordo com o MEC/INEP, o IDEB alcançado de 2007 a 2015, nos anos iniciais foi respectiva-
mente: 6,1; 6,6; 6,9; 7,0; 7,0. E nos anos finais: 5,6; 5,2; 6,3; 6,3 e 4,9. Tais resultados são superiores
à média da rede pública municipal do Rio de Janeiro no período.
12 Dados fornecidos pelo SOCED – Grupo de Pesquisa em Sociologia da Educação, da PUC-Rio onde
foram realizadas as pesquisas que deram origem ao presente trabalho.
180

atendimento às turmas, uma vez que não deixar o aluno sem aula é prioridade
da diretora. Em suas palavras, “professor não pode dar um minuto a menos
de aula, não dou dia13, mas o professor que precisar faltar, pode repor a aula.
Equipe que trabalha comigo, cumpre horário. Se o professor faltar muito, eu
comunico à CRE14” (Diretora da escola).
Apesar das exigências explicitadas em relação aos professores, a equipe do-
cente indica bom relacionamento com a direção, destacando o estímulo à inovação,
e a participação no projeto pedagógico da escola, como diferenciais desta EM.
Vínculos fortes entre a direção e os alunos parecem se estabelecer no
cotidiano escolar, inclusive com a presença frequente da diretora no recreio.
Na sua percepção, “vendo o recreio se descobre o que está ocorrendo na escola
e se cria vínculo com os alunos” (Diretora da escola). A diretora relatou tam-
bém que conversa com os alunos, fora dos horários de aula nas redes sociais.
A escola mantém ainda uma rede de apoio, contando com parcerias de
instituições da vizinhança para cessão de espaços para prática de esportes,
consultas às bibliotecas e atendimentos médicos.
A falta de recursos humanos para fazer frente às tarefas burocráticas
nesta escola é, em parte, compensada por familiares dos alunos que atuam
como voluntários.

Escolha dos Conselheiros

A hipótese de que escolas com bons resultados em avaliações externas


apresentariam conselhos participativos, atuantes, influentes na gestão escolar
e em sua democratização nos remete às seguintes questões: Quem são os
conselheiros dessas escolas? Que percepções eles têm da organização e do
funcionamento do conselho?
A escolha dos membros que compõem os CECs na rede municipal do
Rio de Janeiro ocorre a cada biênio por meio de eleição realizada durante três
dias, através de voto direto e secreto por segmento, com prévia inscrição dos
candidatos junto às comissões eleitorais, escolhidas em reuniões promovidas
nas escolas, com orientação das CREs. Integram as comissões eleitorais re-
presentantes de todos os segmentos da comunidade escolar15.

13 Expressão que denota a prática de abonar faltas como compensação por tarefas extras realizadas.
14 A Coordenadoria Regional de Educação – CRE é responsável por viabilizar as políticas da Secretaria
Municipal de Educação em uma determinada área geográfica, tendo como principais atribuições: coor-
denar, orientar e supervisionar as escolas, dando suporte administrativo e pedagógico, encaminhando
pessoal qualificado, além de promover a integração da escola com alunos, pais e comunidade.
15 A Portaria nº 47 de 2010 determina que compete à Comissão eleitoral organizar o processo eleitoral
e proceder à apuração, divulgação dos resultados e posse dos conselheiros eleitos.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 181

Para a composição do conselho podem candidatar-se professores, funcio-


nários, alunos a partir de nove anos de idade e responsáveis, além das asso-
ciações de moradores, legalmente constituídas. O diretor da escola é membro
nato e Presidente, com direito a voto de desempate, mas sem direito a voto
na escolha do Vice-Presidente, eleito em reunião pelos demais integrantes.
Formalmente o CEC é composto por 2 alunos, 1 funcionário, 3 professores,
2 responsáveis, e o diretor.
Observamos in loco o processo eleitoral nesta EM com base em um
roteiro previamente definido com o objetivo de registrar aspectos relacio-
nados à divulgação do processo; à organização do local e do material de
votação; ao movimento de eleitores e à tendência dos candidatos à reeleição.
Através de perguntas dirigidas ao presidente da comissão ou seu substituto,
complementamos os aspectos observados. Conforme identificado por Lima
(2013) a eleição do CEC nesta escola foi previamente divulgada, através
de bilhetes encaminhados aos responsáveis, reuniões com os segmentos
da comunidade escolar, circulares, comunicados e cartazes enviados pela
Secretaria Municipal de Educação.
A presidência da Comissão Eleitoral – CE coube a um aluno dos anos
finais do ensino fundamental, com experiência anterior no CEC, porém obser-
vamos que os trabalhos eleitorais foram encerrados três horas antes do horário
previsto e o material de votação ficou exposto sem a presença da CE. A vice-
-presidência da CE ficou a cargo de uma professora regente do 1º segmento
do ensino fundamental, experiente em eleições de CEC, que estava em aula,
o que, segundo ela prejudicava o acompanhamento dos trabalhos eleitorais.
Nesta escola verificamos que para o segmento professor havia apenas um
candidato, número inferior em relação aos assentos no conselho, enquanto que
para o segmento responsáveis se apresentaram cinco candidatos. Em relação
aos alunos, apresentaram-se três candidatos, o que poderia sugerir uma disputa
com apresentação de propostas de interesse dos colegas, porém, verificamos
baixo movimento de alunos votantes, assim como de responsáveis.
Estudos realizados por Oliveira (2000) Silva e Cabral Neto (2007),
entre outros, evidenciam a opacidade do processo, a baixa informação da
comunidade escolar e a interferência da direção na composição do conselho.
Segundo a professora que integrava a comissão eleitoral “os professores
não têm interesse em participar do CEC, como membro da comissão eleitoral
ou conselheiro, em virtude da dificuldade em conciliar as reuniões e os traba-
lhos do conselho com a regência de turma” (Diretora da escola).
Nos depoimentos colhidos junto aos conselheiros, seis meses após o
processo eleitoral, evidenciamos que não havia ocorrido nenhuma reunião
formal do conselho no período. A este respeito a representante dos professores
182

narrou que utilizava os horários de centro de estudos para conversar com os


seus pares, repassar informações, ouvir opiniões e coletar sugestões sobre
assuntos inerentes ao CEC.
Tal depoimento corrobora as transformações da natureza e das atribui-
ções dos docentes ao longo dos anos também em outros contextos, conforme
observado por Oliveira (2003)

O trabalho docente não é mais definido apenas como atividade em sala de


aula, ele agora compreende a gestão da escola, no que se refere à dedicação
dos professores ao planejamento, à elaboração de projetos, à discussão
coletiva do currículo e da avaliação. O trabalho docente amplia o seu
âmbito de compreensão e, consequentemente as análises a seu respeito
tendem a se tornar complexas (p. 33).

A aparente rejeição de quaisquer atribuições que possam ser adicionadas


ao repertório de tarefas que precisam ser realizadas, parece contribuir para o
afastamento de professores desta atividade política e celebra, geralmente, a
permanência dos mesmos professores nas comissões eleitorais e nos conselhos
escolares, como observado na escola.
No que concerne aos responsáveis, a diretora enfatizou o interesse das
mães em participar do conselho, muito embora não tenha sido observado
grande movimento de eleitores no horário da saída dos alunos, quando se
verifica a maior presença de responsáveis na escola.
Embora os responsáveis tenham sido convocados a votar, o processo
eleitoral não parece ser prioridade para muitos pais desta EM que apresentam
justificativas diversas para abstenções. Segundo Canedo (2013), alguns infor-
maram que não se lembraram de votar, enquanto outros afirmaram que votam
“pelas indicações dos filhos” e ainda outros alegaram “falta de tempo” para
participar. A mãe de uma aluna relaciona a baixa participação dos pais com
o nível de confiança que depositam na escola, afirmando que não veio votar
“porque tenho muita confiança e não tenho queixa da escola”.
Quanto aos funcionários, chega a ser intrigante o fato da comissão elei-
toral e a diretora não mencionarem este segmento.
Embora existam duas associações de moradores no bairro, nenhuma
delas enviou representante para integrar o CEC, ficando esta posição com
vacância na escola.
Por fim, cabe destacar que não obsevamos a presença de representantes
da CRE que pudessem orientar ou acompanhar o processo eleitoral, inclusive
a apuração dos votos.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 183

Organização e funcionamento do conselho

O levantamento do perfil dos conselheiros teve como propósito analisar


em que condições as relações sociais tenderiam a se estabelecer neste campo
onde dialogam com os interesses diversos.
Sabemos que a posição de cada agente está condicionada ao volume e
estrutura de seus capitais (social, econômico, cultural e político) e a destreza
com que estes capitais possam ser mobilizados na defesa de pontos de vista.
Neste sentido, não podemos deixar de considerar as possíveis assimetrias
nas relações entre os membros dos conselhos decorrentes de diferenças de
sexo, escolaridade, renda, e experiências anteriores. Para Werle (2003),

As disparidades culturais entre os indivíduos podem ser um importante


fator de favorecimento de certos grupos que exercem poder sobre os
demais pela sua habilidade na formulação de temas e manipulação de
alternativas. O poder simbólico, manejado por eles, constrói a realidade
e impõem-se diante daqueles que tem menores recursos e que, por isso
não se atrevem ou não conseguem formular propostas para encaminhar
o debate político (p. 79).

Analisando cada uma das dimensões citadas verificamos, em consonância


com trabalhos anteriores (ASSIS, 2007; WERLE, 2003), que o conselho desta
escola é predominantemente feminino, indicando que neste espaço corrobo-
rando com estudos, como o de Souza (2013), que sinaliza o predomínio das
mulheres no magistério, especialmente nas escolas do ensino fundamental.
No tocante a cor/raça, a autodeclaração revela que, a despeito das lutas
dos movimentos sociais e das conquistas dos negros em vários campos da
sociedade brasileira, o CEC desta escola é de composição majoritariamente
branca. Neste aspecto, vale destacar, entretanto, que os representantes do
segmento alunos se declararam pardos, dado que sugere, a princípio, uma
cultura de participação que pode contribuir para a redução da exclusão e do
fortalecimento da autoestima quando sabemos que, nesta escola 41% dos alunos
se declaram pardos. Estudos do INEP revelaram que, no período entre 1995
a 2001, foram observadas diferenças acentuadas entre o desempenho escolar
de alunos brancos e negros atestando melhores performances aos primeiros.
Em entrevista concedida, o INEP afirma que o racismo difuso presente na
sociedade brasileira “afeta a autoestima dos alunos e reflete-se no desempenho
deles” (BRASIL, 2003).
Outra dimensão importante para a análise das relações de poder é o nível de
escolaridade. Os professores e a diretora deste conselho apresentam escolaridade
elevada – nível superior. Porém, o mesmo não ocorre com os funcionários e
184

responsáveis que apresentam escolaridade mais baixa – ensino médio. As dife-


renças entre estes perfis sugerem a possibilidade de existência de uma hierarquia
tácita entre os integrantes do conselho. Nesse sentido destaca-se a conjunção de
fatores que contribuem para assegurar vantagens aos professores e à diretora em
relação aos demais componentes do CEC. Além da escolaridade mais elevada,
estes agentes detêm experiência profissional no campo escolar e capital informa-
cional incrementado na forma de conhecimento privilegiado da estrutura técnica,
administrativa e política da instituição, conferindo-lhes possivelmente maior
destreza no encaminhamento dos assuntos, no âmbito dos conselhos.
Os alunos eleitos cursam os anos finais do ensino fundamental. Embora
alunos dos anos iniciais possam se candidatar ao conselho, possivelmente a
participação de estudantes de anos escolares mais avançados ocorre porque
estes têm maior autonomia e experiência na unidade escolar. No que tange à
iniciativa para participar dos conselhos ficou flagrante na pesquisa a influência
de professores e da direção da escola, posto que os alunos declararam que se
candidataram a convite da direção ou de um professor.
A análise da renda permitiu apenas depreender algumas aproximações
e assimetrias entre os agentes escolares agrupando alunos, responsáveis e
funcionários em um conjunto, e professores e diretora em outro.
É certo que experiências coletivas anteriores podem gerar uma
atuação mais crítica e qualificada dos membros do conselho. A atividade
de representação política requer que seja considerado, além dos interesses
individuais, o desenvolvimento (na prática social) de habilidades que reforcem
e renovem a capacidade de compreender a esfera pública. Indagados sobre as
experiências de participação anterior em organizações ou movimentos sociais,
os membros eleitos afirmaram não possuir esta vivência.
Para análise da organização e do funcionamento do CEC foram explo-
radas as percepções dos componentes eleitos sobre a função do conselho,
os assuntos a serem abordados nas reuniões e as dificuldades do CEC. Os
respondentes destacaram como principais dificuldades: reunir todos os in-
tegrantes do CEC; fazer com que os pais sejam mais presentes às reuniões;
chamar atenção para si, enquanto órgão que trabalha em prol da educação e
reunir os vários segmentos. Foram citadas ainda dificuldades de caráter orga-
nizacional que contribuem para consolidar a inatividade e deformar o caráter
coletivo dos conselhos. Dentre essas foram destacadas: baixa frequência de
reuniões, inclusive internas dos segmentos; inexistência de planejamento;
falta de conhecimento sobre o funcionamento e a atuação dos conselhos.
Assinalaram também dificuldades relacionadas à conciliação dos horários de
trabalho com as reuniões.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 185

Nesta perspectiva, Conceição (2007), Conti e Luiz (2007) e Taborda


(2009) desenvolveram pesquisas empíricas que acentuam, sobretudo, a falta de
conhecimento sobre a abrangência política destes organismos, as incongruên-
cias na partilha de poder e a padronização compulsória de seu funcionamento
para gerir recursos financeiros.
Na escola pesquisada cabe destacar que após seis meses da eleição dos
conselheiros ainda não havia ocorrido qualquer reunião do CEC.
No conselho em questão, as variadas interpretações dos respondentes
quanto ao funcionamento do CEC evocam um entendimento difuso e des-
sincronizado das ações deste organismo, da sua configuração e, consequen-
temente, de seus agentes. Esboçam também uma tendência dos segmentos
alunos e responsáveis a atuarem como colaboradores da direção. Embora se
tratando de uma instituição escolar de reconhecida qualidade educacional,
na fala dos conselheiros não há menção direta à melhoria da aprendizagem
ou à gestão pedagógica da escola, priorizando-se o tema da utilização dos
recursos financeiros recebidos.
As respostas dos alunos e responsáveis parecem reforçar uma ação mais
periférica destes representantes, expressa na ideia preponderante de que uma
das atribuições do CEC é a prestação de auxílio à escola. Aparentemente, a
visão dos pais repousa ainda num receio de que sua participação e influência na
gestão escolar, embora tolerada, venha a ser compreendida como intromissão
na esfera educativa, como afirma Nóvoa (1995).
No tocante aos assuntos tratados, as prioridades enfatizadas foram a
disciplina dos alunos e a gestão dos recursos financeiros. De acordo com os
relatos dos conselheiros, as reuniões só ocorrem quando necessárias para
encaminhar o uso de verbas ou mediar conflitos vividos no cotidiano, cuja
decisão final requer legitimação dos conselheiros.
Quando perguntados sobre o CEC, a grande maioria dos responsáveis
declara nunca ter sido membro de conselhos escolares e apenas 10% das fa-
mílias sabe da existência desta instância representativa nesta escola, indicando
que os conselhos escolares, instrumentos de gestão democrática, concebidos
para atender aos anseios de uma sociedade que reivindicava mecanismos de
participação e controle social, parecem suscitar ainda uma participação pouco
expressiva dos pais.
Em relação ao papel do conselho, a diretora traz à tona o aspecto fis-
calizador que não aparece explicitamente na documentação legal, mas que
se faz presente na sua percepção, embora com baixa relação com o trabalho
pedagógico desenvolvido na escola. Segundo a diretora:
186

o papel do CEC é trabalhar internamente na escola, ‘com’ a direção da


escola, pra verificar as necessidades. Eu sempre vi o CEC como um apoio
à gestão, mais no uso das verbas porque na parte pedagógica ele não tem
interferência. Tem muito pouca influência no PPP e nenhuma influência
nos resultados dos alunos nas provas. Mas, eu diria que o CEC serve até
pra fiscalizar um pouco (Diretora da escola).

O aspecto fiscalizador é reforçado quando a diretora descreve a relação


do CEC com a Secretaria Municipal e a CRE, deixando entrever que pais cha-
mados a dialogar diretamente com as instâncias hierarquicamente superiores
podem colocar em risco a posição da direção da escola.
A diretora relata que, se no texto legal a estrutura de poder é garantida quando
se define como obrigatória a posição da diretora como presidente do CEC, na
prática os pais conselheiros são chamados para reuniões diretamente na CRE:

A Secretaria marca reuniões direto com os representantes do CEC. Ela quer


ouvir eles. Quer saber as sugestões deles pra melhoria do ensino, perguntar
como anda a escola, como está a merenda e o grêmio. A Secretaria dá muita
atenção ao CEC. Os responsáveis têm contato direto com a CRE e têm muito
mais força do que o professor e do que a diretora da escola. O responsável
não tem nada que o iniba. Ele vai e fala o que quer, ‘vence no gogó’. Nós
da direção temos que saber dosar as coisas. O CEC tem poder de ajudar à
escola, mas pode também ‘detonar’ a direção (Diretora da escola).

No caso específico desta EM a fala da mãe representante no conselho


deixa transparecer o vínculo que se estabelece entre um dos responsáveis,
membro do CEC, e a direção da escola:
A CRE costuma chamar a gente pra reunião, mas não diz qual é o conteúdo
da reunião. Eu pergunto pra diretora e nem ela sabe. Geralmente é sobre
a relação entre pai, aluno e professor. Eles ouvem muito os pais. Eles te
dão o direito de falar. Eu vejo problemas que tem nas outras escolas, de
quebrar a escola, de professor agredido, mas isso a gente não tem. Aqui a
diretora é bem firme e os professores também. Eu tenho este vínculo com
a escola porque eu estudei aqui. Eu já ajudava na escola antes de ser eleita
a mãe do CEC. Eu tenho comunicação direta com a diretora. Ela liga pra
minha casa, eu vou à casa dela (Diretora da escola).

Referindo-se à relação dos órgãos associativos parentais com a escola,


Silva (2007) destaca a pertinência das análises sobre alianças e relações de
poder tanto entre as instituições de ensino e as instâncias associativas quanto
no interior de cada uma delas. A aliança entre a representante do CEC e a
direção da escola parece sobrepor-se ao vínculo da mãe-representante com
os demais pais de alunos.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 187

Mais do que conciliar disponibilidades de tempo, é a compreensão das


desigualdades sociais e culturais que desafia os representantes dos responsáveis.
A ausência de um canal de comunicação permanente com os pais compromete
o próprio conceito de representação, uma vez que a escuta é indispensável para
contemplar a heterogeneidade do conjunto de pais. Sem que os responsáveis
sejam ouvidos, o representante dos pais pode defender apenas os interesses
dos próprios filhos ou, no máximo, os anseios do limitado subconjunto de
pais com o qual mantém contato.
Conselheiros do CEC enfrentam o desafio de exercer um papel híbrido,
representando a escola frente aos pais e, ao mesmo tempo, os pais frente à
escola. Neste processo de aproximação e convivência mais intensa com a es-
cola, conselheiros parecem ser cativados pelos dirigentes, passando a assumir,
com muito mais ênfase, uma posição em favor da escola, e possivelmente
dos diretores, afastando-se do conjunto de pais representados, com os quais
os contatos tendem a se espaçar. A aproximação ‘representante-direção’ e o
afastamento ‘representante-representado’, em instâncias estruturadas sob a
égide das instituições de ensino, acabam resultando em espaços não apropria-
dos como ‘dos’ pais, pela maioria das famílias dos alunos.
Nesta EM observamos que a diretora utiliza diferentes recursos, entre os
quais o “reforço” da divulgação das informações para alguns responsáveis, a
fim de influenciar o processo, como é possível depreender do relato de uma
mãe de aluno, que mantém uma relação tensa com a escola, decorrente de
sua atitude de cobrança do que considera ‘seus direitos’. Segundo ela, “não
consegui candidatar-me ao cargo da representante, eu tentei ser mãe represen-
tante, eu falei com meu filho, mas quando ele viu o aviso já estava no último
dia e não deu pra eu me inscrever” (Diretora da escola).
A presidência do CEC, exercida obrigatoriamente pela diretora, da escola
é questionada pela própria diretora da EM:

Não sei se o presidente do CEC deveria ser a diretora da escola, mas é


muita responsabilidade mexer com verbas, cálculo de tributos, com di-
nheiro público e a escola é responsabilidade do diretor, não importa quem
fez o quê, a culpa é sempre do diretor. As verbas vêm do Governo Federal
uma vez por ano. Da pra ter também umas duas no ano, ou até três, se
você correr muito, do Município16. Você tem que fazer tudo, lavagem da
cisterna, consertar torneira e comprar toner pra impressora. As verbas che-
gam e tem que fazer um planejamento para usar, tem que correr atrás dos
orçamentos, botar em prática, vistoriar a obra. Há uma conta corrente em

16 Refere-se aos recursos originários do PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola e SDP – Sistema
Descentralizado de Pagamento que permitem à escola fazer compras de acordo com suas necessi-
dades, responsabilizando-se pelos orçamentos, pagamentos, recolhimentos de impostos correspon-
dentes e prestação de contas.
188

nome de dois membros do CEC, que assinam os cheques. Eu aprendi ‘no


sopapo’ e até hoje cometo alguns errinhos. Se ficar faltando ou sobrando
um centavo, o processo não fecha (Diretora da escola).

Embora os relatos apontem para a complexidade das tarefas que devem


ser assumidas pelos conselheiros, a disposição para o exercício da represen-
tatividade dos pais aparece de forma insipiente, potencializada pela ausência
de formação, conforme destacado pela diretora:
Quando os membros do CEC são eleitos eles recebem o estatuto com as
atribuições deles. Eles olham ali e é só. O MEC tem um programa de for-
mação de conselheiros, mas eu não posso enviar ninguém para participar
sem ser convidado, sem o aval da SME (Diretora da escola).

Contudo, para que estes organismos funcionem com a configuração de


conselhos é necessário considerar que no seu sentido etimológico a palavra
conselho é de origem latina – consilium, e provém do verbo consulere que, de
acordo com Cury (2009), “contém em si um sentido de publicidade” (p. 47),
pois o termo implica, precipuamente, visibilidade da coisa pública. Tal princípio
político, que orienta o funcionamento dos conselhos, parece ainda insipiente
nos conselhos escolares de modo geral, como afirma a literatura, e no conselho
desta escola em particular, como sugerem os resultados deste estudo.

Considerações finais

O que mobiliza os pais a participarem da escola? Sabemos que na socie-


dade contemporânea são inúmeras as demandas e responsabilidades. Frente à
impossibilidade de atender a todas, é preciso fazer escolhas para definir “de
quê”, “quando”, “como” participar. Cabe ainda questionar “quais instâncias”
no âmbito escolar favorecem realmente esta participação.
Desta forma, analisamos neste estudo as possibilidades e limites do
conselho escolar na dinâmica da gestão democrática comprometida com a
qualidade da educação, numa escola reconhecida pelos elevados resultados
acadêmicos em avaliações externas. Consideramos a hipótese da participação
dos agentes escolares neste instrumento de ddemocratização da gestão, como
mais uma via para assegurar a promoção da qualidade do ensino, levando em
conta o envolvimento da comunidade escolar no processo de escolarização
bem sucedida dos alunos.
No tocante ao funcionamento dos conselhos, as pesquisas evidenciam
que as interações nos conselhos escolares são atravessadas por um padrão
de participação hierarquizada, jogos de poder e negociações nem sempre
aparentes, corroborando que as dinâmicas estabelecidas estão assentadas na
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 189

distribuição desigual dos capitais informacionais, sociais e culturais dos con-


selheiros. Neste sentido, determinadas posições parecem prevalecer e orientar
o (não) funcionamento do conselho, que privilegiou, também nesta escola,
em consonância com as transformações no campo da gestão educacional, um
caráter gerencial, voltado substancialmente para gerir (ainda que episodica-
mente) recursos financeiros, conforme as contingências e determinações legais.
Este parece ser um dos motivos para a baixa alternância dos conselheiros,
especialmente dos segmentos professor e responsável. Embora na escola analisada
a eleição tenha ocorrido conforme as disposições legais e com a representação
de todos os segmentos, a aparente “pré-seleção” de candidatos pela diretora e a
continuidade dos mesmos conselheiros, especialmente nos segmentos responsável
e professor, parece refletir o modo como o conselho é “operacionalizado”. No
caso dos responsáveis, observa-se a possível intenção de manter no conselho
aqueles que podem colaborar para atenuar a falta de funcionários, demanda que
afeta a gestão escolar. Em relação ao segmento professor, a pré-seleção parece
estar associada à manutenção de uma pessoa, com aptidões e experiência para
fazer funcionar a gestão dos recursos financeiros.
Quanto aos funcionários, merecem atenção as razões e implicações da
baixa visibilidade deste segmento, observadas desde o processo eleitoral. Neste
caso, tanto o prestígio na hierarquia escolar quanto as condições de trabalho
mereceriam uma análise mais aprofundada, que foge ao escopo desse capítulo.
Em relação à direção, parece prevalecer uma liderança firme, personificada
pela diretora “dona da escola”, com uma atuação centralizadora e professores
dispostos a alcançar objetivos, mostrando que a infraestrutura deficiente é
contornada por uma comunidade escolar empenhada na qualidade do ensino.
Contudo, o entendimento da participação no conselho, por parte da
diretora e demais integrantes, parece restringir-se a presença episódica de
segmentos ou representantes que são chamados a resolver problemas ou
encaminhar sugestões para a utilização de recursos financeiros. Observa-se,
neste sentido, o distanciamento da dimensão sócio-política que orienta o amplo
diálogo, o controle social e a representatividade, princípios estruturantes dos
conselhos escolares.
O empenho dos pais e responsáveis dos alunos para matricular seus
filhos numa escola pública de prestígio acadêmico e acompanhar o processo
de aprendizagem não parece repercutir na participação no conselho escolar.
As análises sugerem que o interesse pelos bons resultados acadêmicos é
partilhado pela direção e professores, que promovem atividades culturais e
de melhoria da aprendizagem. Até onde se pode depreender da pesquisa, os
pais parecem identificar no bom funcionamento da escola garantia suficiente
para a promoção da qualidade do ensino e do sucesso escolar de seus filhos,
190

dando menor importância aos mecanismos de participação na gestão como


instrumentos necessários para efetivar este direito ou melhorar as condições
da infraestrutura escolar. Talvez isso explique, em alguma medida a baixa
participação no processo eleitoral e o pouco conhecimento dos pais e respon-
sáveis sobre o funcionamento do conselho.
Cabe ressaltar que apesar da institucionalização da gestão democrática, de
seus instrumentos17 e das políticas de indução à participação das comunidades
escolares, os entraves de funcionamento do conselho escolar manifestados
neste trabalho não deixam dúvidas quanto à fragilidade da sua implantação e
aos limites de participação destes organismos na gestão escolar. Cabe ainda
pontuar a baixa relação do conselho, ao menos na escola analisada, com o
controle social a favor da qualidade da educação pública.
Finalizamos registrando o desafio para que pesquisas posteriores possam
ampliar os resultados que aqui apresentamos.

17 Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) e no PNE 2014-2024,
Lei 13005/2014 (BRASIL, 2014).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 191

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A RELAÇÃO ENTRE GESTÃO E ALUNOS
EM SITUAÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR:
possibilidades de um (des)encontro?

Juliana Gomes Pereira


Marina Meira de Oliveira

Introdução

Tanto o direito ao ensino formal público e gratuito quanto a obrigato-


riedade escolar são garantidos pela Constituição Federal (BRASIL, 1988),
particularmente desde a aprovação da Emenda 59/2009. Além da lei maior do
país, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990) – reitera
esse pressuposto. Contudo, é importante observar que esse direito difere dos
outros direitos sociais. Ao contrário do direito à saúde ou à habitação, por
exemplo, acionados quando a população os solicita, o direito à escolarização
formal vem acompanhado de sua obrigatoriedade para crianças e adolescentes
de 4 a 17 anos.
No Brasil, durante muito tempo, o direito à escolarização formal resumiu-
-se à obrigatoriedade escolar como imposição ao indivíduo. Somente com a
Constituição de 1988 ele passou a corresponder à obrigatoriedade do Estado
em ofertá-lo. Neste sentido, a nova legislação colocou o direito à educação
como direito público subjetivo, ou seja, o poder público pode ser responsa-
bilizado por não oferecer o acesso ao ensino ou por sua oferta irregular. Essa
mudança deu origem a um grande número de pesquisas dentro do campo da
Sociologia da Educação.
Inúmeros estudos passaram a mostrar que os órgãos educacionais nem
sempre têm trabalhado no sentido da garantia do acesso à escolarização e à
aprendizagem, principalmente no caso dos adolescentes que são vistos sob
o estigma do fracasso escolar (ARROYO, 2007; DIAS, 2011; FERREIRA,
2011; SILVA, 2003; RIBEIRO, 2011, entre outros). Para alguns alunos que
pertencem a esses grupos socialmente delimitados, que acumulam repetências,
evasão e baixo desempenho, a relação com a escola tende a ser de conflito e
exclusão. Do mesmo modo, para muitos diretores escolares, a relação com
esses estudantes pode ser percebida como igualmente conflituosa.
196

Este capítulo busca investigar a complexa relação entre esses agentes,


tendo sido resultado do diálogo entre duas pesquisas1 que procuraram relacionar
diferentes perspectivas sobre o direito à aprendizagem escolar. Os dados de
ambos os trabalhos foram coletados em observações de campo e entrevistas
semiestruturadas com diferentes membros da comunidade escolar, incluindo
diretores e alunos inseridos em turmas de correção de fluxo2. Entre esses úl-
timos, muitas vezes, encontravam-se jovens em situação de cumprimento de
medidas socioeducativas em liberdade. No total, foram reunidos os relatos de
nove diretoras e quarenta alunos de diferentes escolas públicas municipais do
Rio de Janeiro. Os depoimentos foram coletados entre 2014 e 2016.
Em linhas gerais, os dados compilados sugerem que há uma crise da
escola na sua relação com as juventudes, um cenário em que tanto os pro-
fissionais da instituição quanto os jovens se questionam a que ela se propõe
(DAYRELL, 2007).
A estrutura da escola pública, que inclui a própria infraestrutura ofere-
cida e os projetos político-pedagógicos, não parece responder aos desafios
do trabalho com essas juventudes. Enquanto isso, os alunos têm trazido para
o interior da escola os conflitos e contradições de uma estrutura social exclu-
dente, que interfere nas suas trajetórias escolares e coloca novos desafios à
escola (SPOSITO, 2005).
Por parte dos gestores escolares, que muitas vezes atuam em um contexto
de intensa sobrecarga de trabalho e falta de recursos, a aprendizagem escolar
pode deixar de ser compreendida como um direito de todos, sendo ressigni-
ficada como uma recompensa a alguns. Já por parte dos alunos, a dimensão
de direito a essa aprendizagem pode ser novamente enfraquecida, desta vez
ganhando força sua percepção enquanto dever desprazeroso e involuntário.
Por mais que as pesquisas no campo educacional apontem inúmeras
razões para a crise da escola pública, este capítulo irá se ater apenas aos
aspectos intraescolares, em especial àqueles relacionados à figura do diretor
e à sua relação com os alunos. Dentre esses últimos, focalizaremos aqueles
que vivenciaram múltiplas experiências de fracasso escolar.
O contexto analisado será o de escolas que possuem turmas de corre-
ção de fluxo, justamente pela relevância desses programas como esforços

1 As pesquisas a que fazemos referência são as Dissertações de Mestrado das autoras, intituladas
“Correção de fluxo em uma escola da rede pública municipal do Rio de Janeiro: percepções e discri-
cionariedade dos agentes implementadores” (OLIVEIRA, 2017) e “Manda o juiz pra escola no meu
lugar pra ver se ele vai gostar: Limites e Possibilidades da inserção escolar de adolescentes em
conflito com a lei (PEREIRA, 2015), ambas desenvolvidas no GESQ.
2 Também chamadas de “turmas de aceleração” ou “turmas de projeto”. No interior das escolas, as
turmas de correção de fluxo são aquelas em que se reúnem os alunos com distorção idade/série de
dois ou mais anos, geralmente resultante de múltiplas repetências. Propõe-se, então, uma metodolo-
gia alternativa de ensino a esses alunos, que permita sua posterior reinserção em turmas regulares.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 197

estratégicos para superar os desafios históricos do país no que diz respeito


à oferta de um ensino de qualidade para todos. Trata-se de programas que
propõem a formação de turmas específicas para estudantes em situação de
atraso escolar, que são ensinados por meio de uma metodologia alternativa,
com vistas à sua posterior reintegração em anos mais avançados do sistema
regular. Para além da desobstrução do fluxo escolar, evitando a retenção de
vagas no sistema, essas iniciativas buscam uma perspectiva de maior equidade
no tratamento dos alunos em situação de maior vulnerabilidade.
Considerando que os indivíduos agem com base em suas percepções da
realidade (LEWIN, 1936), investigaremos a relação entre diretores e alunos
por meio da análise de suas percepções mútuas. Interessa-nos compreender de
que forma esses agentes percebem (e constroem) a identidade do outro, que
elementos influenciam esse processo, e que consequências essas percepções
podem ter para o trabalho escolar. Sendo assim, as principais perguntas às
quais buscamos responder ao longo deste trabalho são: “Quais são as percep-
ções dos diretores escolares sobre os alunos multirrepetentes e aqueles que
cumprem medidas socioeducativas?”, “Quais são as percepções desses alunos
sobre a escola e a atuação de seus membros, sobretudo, os diretores?” e “Quão
responsáveis os diretores se sentem pela garantia do direito à educação para
todos os alunos?”
Para melhor compreender essas percepções mútuas, realizamos uma breve
incursão na literatura da Sociologia da Educação e da Ciência Política. Esse
movimento nos permitiu conferir possíveis sentidos às percepções geradas
empiricamente nas entrevistas. Foram especialmente importantes as contri-
buições de Pierre Bourdieu sobre fracasso escolar e julgamento docente, bem
como aquelas de Erving Goffman a respeito da construção do estigma e seu
impacto na formação da identidade dos indivíduos. Valemo-nos, ainda, dos
estudos sobre [...] suas ações nesse contexto.
Valemo-nos, ainda, dos estudos sobre burocracia de nível de rua, ini-
cialmente sistematizados por Lipsky (1980) no âmbito da Ciência Política.
A incursão nesse campo de estudo foi importante para que pudéssemos com-
preender a perspectiva dos diretores e demais agentes da ponta do sistema
educacional sobre as condições de trabalho em que atuam e o público a que
atendem, bem como a racionalidade que orienta suas ações nesse contexto.
Essas contribuições teóricas serão apresentadas e operacionalizadas em
conjunto com a análise de dados desenvolvida nas próximas seções. Dessa
forma, buscamos integrar teoria e empiria, evidenciando a contribuição de
cada um dos autores mencionados na compreensão dos diversos elementos
que envolvem a complexa relação entre diretores e alunos aqui focalizados.
198

Aspectos da relação aluno / diretor: com a voz, os alunos

“Não tem escola boa, só tem escola para pobre.


E escola para pobre é que nem hospital, tudo ruim”.
(Breno3, 17 anos, evadiu da escola durante o
cumprimento da medida socioeducativa)

Os quarenta adolescentes ouvidos pelas pesquisas que dialogam neste


artigo eram provenientes de oito escolas municipais do Rio de Janeiro. De uma
única escola municipal na Zona Norte da cidade, na qual foi feito o estudo de
caso que deu origem à pesquisa de Oliveira (2017), participaram cinco alunos
matriculados em turmas de correção de fluxo, nove que cursavam o 8o ano do
Ensino Fundamental, e um que havia frequentado uma turma de aceleração no
ano anterior à entrevista. O objetivo das entrevistas com os alunos das classes
regulares foi compreender as percepções sobre os colegas que estudavam nos
projetos. A faixa etária dos estudantes era de 14 a 16 anos.
Entre os adolescentes que foram entrevistados, também havia aqueles
que foram o público-alvo da pesquisa de Pereira (2015): vinte e cinco
jovens provenientes de sete escolas da rede municipal da cidade que cum-
priam medidas socioeducativas em liberdade. Desse total, nove estavam
matriculados na rede municipal de ensino e dezesseis outros haviam estado
na mesma situação, mas evadiram antes de concluir sua escolarização.
Cabe ressaltar que os projetos de correção de fluxo também marcam a
trajetória escolar desse grupo. Entre os nove que estudavam, cinco esta-
vam enturmados em classes de aceleração. Já entre os dezesseis jovens
que evadiram, nove abandonaram os estudos enquanto estudavam nesses
projetos. A faixa etária desse grupo variava entre 13 e 20 anos e chamou
atenção o fato de apresentarem as mesmas características: sexo masculino,
pele negra e morador de favelas.
Ao longo das entrevistas, foi possível notar que a relação desses adoles-
centes com a figura do diretor é “mediada” pela relação com a escola. Para
os alunos, muitas vezes, destacam-se os agentes de maior autoridade nessa
identificação, aqueles responsáveis pela garantia da “ordem e disciplina”,
que podem representar a “personificação” da instituição para eles. Por isso,
a importância de investigar a percepção dos alunos sobre o papel da escola
na sua vida e as expectativas que nutrem em relação a ela.
Nos relatos dos adolescentes, prevalecem as histórias de trajetória es-
colares marcadas por conflitos, punição, exclusão e percepções negativas da
escola. Lucas, de 17 anos, que havia abandonado os estudos dois anos antes

3 Todos os nomes de adolescentes são fictícios.


GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 199

e que cumpria uma medida socioeducativa, contou que não via razões para
seguir com os estudos. Segundo ele, os únicos fatores que o atraíam eram
os jogos de futebol e “pegar as meninas”. Por isso, ele relatava que, mesmo
quando estava matriculado, deixava de assistir às aulas, preferia circular pelos
corredores e pela quadra esportiva.
O depoimento de Leandro, da mesma idade, é semelhante. O jovem
relata que repetiu dois anos e perdeu a conta de quantas vezes foi expulso
pelas diretoras. Nessas situações, envolveu-se em conflitos com os colegas e
agentes escolares por chamarem-no de “marginal”. No último ano que passou
na escola, que acreditava ter sido 2011, estava numa turma de correção de
fluxo e gostava muito da professora. No entanto, quando a avó, que o criava,
faleceu, decidiu abandonar os estudos. “Eu gosto da escola, mas detesto es-
tudar. Não sirvo para isso”.
Os relatos acima apresentam alguns pontos em comum, dentre eles, a
experiência do “fracasso escolar” – tema que passou a ser foco de discussões
a partir das frustrações depositadas na expansão do sistema educacional aos
setores da sociedade que anteriormente não tinham acesso a ele. Quando havia
poucas vagas no sistema de ensino, o foco das políticas recaía sobre a demo-
cratização do acesso, considerado como chave para a equalização de oportu-
nidades educacionais. No entanto, com a progressiva expansão desse sistema,
passaram-se a observar outros mecanismos de exclusão que ocorriam no seu
interior. Os mesmos setores recém-integrados que anteriormente eram excluídos
do acesso à escola agora pareciam protagonizar o chamado fracasso escolar,
traduzido principalmente em altos índices de dificuldade de aprendizagem,
repetência e abandono.
Contrapondo-se às teorias que apontavam o aluno como o principal res-
ponsável por seu desempenho – por eventualmente não ter o mesmo “dom”
que outros, já que supostamente teria tido acesso às mesmas oportunidades –
Bourdieu (1966/2015) lança um olhar crítico à instituição escolar e aos agentes
do seu interior. Defende que, ao contrário de uma cultura universalista, a escola
selecionava e sancionava certo arbitrário cultural, já transmitido de forma quase
natural a alguns grupos seletos da sociedade, em seu seio familiar. A escola
organizaria, portanto, o “culto de uma cultura que pode ser proposta a todos,
porque está reservada de fato aos membros das classes às quais ela pertence”
(BOURDIEU, 2015, p. 63). Em outras palavras, a aparente democratização desse
ensino não ameaçava o privilégio dos setores tradicionalmente escolarizados,
pois eles permaneciam em vantagem no que diz respeito à aquisição desse saber
particular, seleto, “natural” para eles e “estranho” àqueles que tinham outra
herança familiar. Pelo contrário, no caso do primeiro grupo, servia até mesmo
para conferir um caráter de legitimidade à sua posição.
200

Os filhos das demais camadas sociais, que apresentavam essa desvantagem


inicial da não familiaridade com o saber escolar, distinguiam-se, ainda, em ter-
mos de um ethos diferenciado que herdavam de suas famílias. Entendendo-se
por ethos um conjunto de posturas, atitudes e expectativas em relação à escola,
pode-se dizer que os alunos provenientes das camadas de transição, ainda que
não dominassem o saber erudito, eram incentivados a ter uma “boa vontade cul-
tural”, uma expectativa positiva em relação à escola, pois esta poderia favorecer
sua ascensão social. Desse modo, herdavam o ethos do esforço, do empenho,
da dedicação à vida escolar. Já os filhos das camadas populares, nas quais os
exemplos de mobilidade social pelo sucesso escolar eram muito escassos, não
compartilhavam desse mesmo ethos. Cientes, ainda que implicitamente, das
poucas chances de êxito e ascensão pela escola, seus pais tendiam a depositar
baixas expectativas em relação à instituição. Esse tipo de atitude, baseada em
condições objetivas, impactaria a postura das crianças frente à escola, num
processo de internalização das chances reais de futuro que julgavam ter. No
entanto, não raramente tais comportamentos poderiam ser interpretados pelos
professores como falta de vontade de melhorar de vida, falta de dedicação,
preguiça. Poderia, ainda, estimular uma espécie de prognóstico de fracasso em
relação a alguns alunos com base em suas origens sociais.
Em resumo, “as crianças populares que não empregam na atividade
escolar nem a boa vontade cultural das crianças das classes médias, nem o
capital cultural trazido das classes superiores” (BOURDIEU, 2015, p. 64)
acabavam por ser as protagonistas do fracasso escolar. Consequentemente,
seriam aquelas que se refugiariam “numa espécie de atitude negativa, que
desconcerta os educadores e se exprime em formas de desordem até então
desconhecidas” (ibidem, p. 65) Pode-se dizer que esse seria o caso dos alunos
focalizados no presente artigo – aqueles inseridos em projetos de correção de
fluxo após terem vivenciado múltiplas repetências, e aqueles que cumpriam
medida socioeducativa em liberdade, os quais também, em geral, apresenta-
vam uma trajetória de escolarização bastante acidentada. Por conta de todos
esses fatores, esses alunos pareciam sofrer um processo de estigmatização, o
que nos fez ir em busca de outros contributos teóricos que pudessem lançar
luz sobre esse fenômeno.
Aos adolescentes pertencentes às turmas de correção de fluxo – dentre os
quais, muitas vezes, encontram-se aqueles em cumprimento de uma medida
socioeducativa – pode-se atribuir um estigma, uma marca de caráter pejorativo
que os acompanha ao longo de grande parte da trajetória escolar. Esse fator
contribui, ainda mais, para o aumento na desmotivação desses estudantes em
relação ao seu processo de escolarização. Nesse sentido, sugere-se que, na
maioria dos casos, conforme os dados analisados pelas pesquisas em questão,
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 201

os alunos que estudam em classes de aceleração são taxados de “fracassados”,


“preguiçosos” e “bagunceiros”.
O depoimento de Victor, 16 anos, confirma esse pressuposto. O ado-
lescente, matriculado em uma turma de aceleração, afirma que a gestão e
os demais agentes escolares sempre associavam os conflitos que ocorriam
nos corredores aos alunos das turmas de projetos. “Não era a 6ª série, 7º
ano, 8º... não. “E estava todo mundo no meio. Só caía para cima do pro-
jeto. Qualquer coisa que alguém fazia, aprontava, caía para gente, porque
a gente é do Acelera, entendeu?”.
Relato semelhante foi percebido na fala de Hudson, 15 anos, que tam-
bém pertencia a uma turma de correção de fluxo. O adolescente conta que,
na escola em que estudava anteriormente, era frequentemente agredido por
colegas de outras turmas. No entanto, quando relatava à direção, não se sentia
verdadeiramente ouvido e dizia que pouco ou nada era feito.
De acordo com Goffman (1988), a construção do estigma se dá quando há
discrepâncias de modo negativo entre a identidade virtual, que corresponde às
expectativas que a sociedade cria sobre as pessoas, e a identidade real de um
indivíduo, que é a soma de aspectos que, de fato, constituem as pessoas. Dessa
forma, entende-se que o estigma é uma relação entre atributo e estereótipo e
tem sua origem ligada à construção social dos significados através da intera-
ção. A escola institui como os alunos devem ser, e naturaliza esse dever. Um
aluno que foge a essa perspectiva naturalizada não passa despercebido, uma
vez que lhe são conferidos atributos que o tornam “diferente”, o segregam.
Em linhas gerais, as contribuições de Goffman e Bourdieu nos permiti-
ram compreender mais a fundo a situação dos alunos comumente tidos como
“problemáticos” no ambiente escolar.
Por outro lado, nos grupos de alunos ouvidos pelas pesquisadoras, tam-
bém houve quem apresentasse percepções positivas em relação à figura do
gestor e à trajetória escolar. Hillary, 16 anos, relatou que o pai foi chamado
pela gestão porque ela foi acusada de “matar” aulas. Ela conta que depois
da conversa entre a gestora e o responsável, percebeu que o fato poderia
prejudicá-la porque a escola “fazia bem” para ela, em suas palavras.
Na mesma direção, Pedro, 17 anos, observou que a gestora da sua escola foi
crucial no processo do cumprimento da medida socioeducativa. De acordo com o
seu relato, ela incentivou-o a seguir com os estudos, fez questão de participar das
audiências na Vara da Infância e Juventude e conseguiu um curso profissionali-
zante para ele. No entanto, quando a diretora se aposentou, diz não ter encontrado
o mesmo apoio por parte da nova gestão. O abandono escolar que se seguiu foi
apresentado por ele como uma consequência também desse processo.
202

Bruno, de 16 anos, já somava três processos na Justiça à época da en-


trevista, mas não havia abandonado os estudos porque dizia gostar muito da
diretora. Segundo o adolescente, “ela não conta para ninguém” sobre o cum-
primento da medida socioeducativa e ajuda a acalmá-lo quando ele “apronta”
ou fica muito nervoso.
Esses depoimentos permitem afirmar que, mesmo diante do cenário de
insatisfação com a instituição escolar, o trabalho dos agentes escolares é deci-
sivo e pode interferir negativa ou positivamente na trajetória dos adolescentes.
Essa relevância é reconhecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1996), quando apresenta a educação como condição para
a qualidade de vida e cidadania. Na mesma direção, o Estatuto da Criança
e do Adolescente aponta a escolarização como um dos pilares que dariam
sustentação ao processo socioeducativo.
Porém, como será discutido a seguir, diversos percalços desmotivam
as gestoras e limitam o processo de ensino-aprendizagem e a capacidade de
transformação da escola. Além da sobrecarga de trabalho e falta de recursos,
as profissionais lidam com cotidianos violentos e são cobradas por funções
que ultrapassam a relação ensino-aprendizagem.

Aspectos da relação diretor / aluno: com a voz, as diretoras

“O que a gente vai fazer para trazer eles para gente?”


(Diretora da Escola 3)

As gestoras ouvidas pelas duas pesquisas que dialogam neste artigo


pertenciam a nove escolas localizadas na região do Centro e Zona Norte do
Rio de Janeiro, dentre as quais selecionamos oito para este trabalho. A esco-
lha das unidades escolares se deu pela oferta de turmas de correção de fluxo
e pela presença de adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas em
liberdade e estavam matriculados nestas unidades. Todas elas, com exceção
de uma, possuíam entre 800 e 1200 alunos.
Ao investigar a percepção das diretoras sobre os alunos, constatamos
logo de início a inseparabilidade entre essas percepções e aquelas a respeito
da escola e de sua função. A relação que nutrem com os alunos é mediada
pela sua relação com a escola e com seu trabalho, uma vez que a razão de ser
da instituição se encontra no próprio público que atende.
Cabe destacar que, do total de escolas pesquisadas, sete não contavam
com coordenador pedagógico. Quando se questionaram as razões para o déficit
de coordenadores pedagógicos na rede, as diretoras responderam que faltam
candidatos para o cargo. Elas explicaram que a carga de trabalho é extensa e
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 203

o adicional no salário não compensa. Dessa forma, os profissionais preferem


trabalhar em sala de aula ou se candidatar ao cargo de diretor, cujo acréscimo
salarial é maior. Nesse cenário, não raramente encontrávamos uma gestão
sobrecarregada com tarefas administrativas e com pouca disponibilidade para
atuar na frente pedagógica.
Vale lembrar que, para além da questão da falta de coordenadores pe-
dagógicos – e, muitas vezes, também de porteiros, professores e inspetores
– a escola pública vem acumulando funções que ultrapassam a dimensão
do ensino aprendizagem. Ao tornar-se o local de alimentação, socialização
e de todos os tipos de cuidado, nota-se um enfraquecimento de sua missão
pedagógica, que passa a ser, também, uma das tarefas mais desafiadoras: “O
maior desafio é fazer com que eles aprendam. A escola demora muito para
interferir na aprendizagem” (Diretora da Escola 1).
Diversos elementos parecem concorrer para essa perda de sentido da
escola no que se refere àquilo que a distingue das demais organizações – sua
missão pedagógica e educativa (COSTA; CASTANHEIRA, 2015, p. 26).
Primeiramente, fatores estruturais são apontados por parte das gestoras como
dificultadores do trabalho escolar, como o fato de que escolas de enorme
porte4 dispõem de poucos recursos materiais e humanos para atender às
demandas discentes.
No entanto, para além desses elementos estruturais, fatores simbólicos
como percepções e crenças sobre os alunos também parecem influenciar o
cenário em questão. A percepção de que os alunos atendidos nas escolas cada
vez mais vinham das classes populares, sendo, ao mesmo tempo, cada vez
menos interessados e disciplinados, também se mostrou predominante nas
entrevistas. É possível relacionar essa constatação à explicação bourdieusiana
mencionada anteriormente. O “desinteresse” desses alunos poderia ser resultado
da maior dificuldade que teriam em depositar expectativas positivas na escola,
por conta da maior distância dessa instituição em relação à sua realidade e da
internalização das poucas chances de sucesso escolar. A indisciplina, por sua
vez, poderia ser consequência dessa falta de sentido, expressando a “atitude
negativa” em relação à instituição, verificada nas “formas de desordem até
então desconhecidas” (BOURDIEU, op. cit.)

4 Em uma categorização das escolas da rede municipal do Rio de Janeiro de acordo com o número de
alunos matriculados, Lima (2016) propõe quatro “tipos” de escola, tendo em vista a complexidade de
sua gestão: escolas de pequeno porte (até 300 matrículas), escola de médio porte (entre 301 e 700 ma-
trículas), escolas de grande porte (entre 701 e 900 matrículas) e escolas de enorme porte (mais de 900
matrículas). Os achados de sua pesquisa apontam a predominância das turmas de correção de fluxo em
escolas de grande e enorme porte, sendo estas últimas prevalentes. Como mencionado anteriormente, o
porte das escolas analisadas neste artigo (entre 800 e 1200 matrículas) reflete essa realidade.
204

Do mesmo modo, é possível que as percepções quanto ao novo público


atendido acabassem por gerar outras expectativas por parte dos agentes esco-
lares em relação à sua escolarização e ao papel da instituição para eles. Em
outras palavras, para além dos desafios estruturais que as escolas enfrentavam
para garantir o direito à aprendizagem, as percepções e crenças sobre os alunos
poderiam contribuir para o enfraquecimento dessa missão, que poderia ser
reformulada por parte de alguns gestores:

Eu acho que a missão de qualquer escola é preparar para a vida, não é?


Preparar aí para as maiores dificuldades. Ele [o aluno] não sabe obedecer
a uma ordem, ele não sabe seguir regras, então isso é preparar para a
vida. A parte curricular é... também anda junto, mas não é a única parte
importante. Eles precisam de ser educados para a vida. Socialmente, não
é, educar socialmente também (Diretora Geral da Escola 8).

A fala da diretora da Escola 8 enfatiza a dimensão socializadora da escola


como uma instituição disciplinadora e civilizatória. A preparação para a vida em
sociedade, segundo ela, corresponderia à capacidade do indivíduo de obedecer a
ordens e seguir regras, habilidade que se torna tão (ou mais) importante quanto
o aprendizado curricular. Mais adiante, no seu relato, grande parte das crianças
são descritas como indisciplinadas e sem a presença de uma família atuante, as
quais “não vão estar prontas para a sociedade, para o trabalho, para obedecer a
uma ordem de um patrão”. Seu relato sugere, de certa forma, que a expectativa
nutrida em relação a esses alunos é de uma inserção social reprodutiva de sua
condição familiar. Esse tipo de crença quanto às suas reais necessidades poderia
vir a se refletir no tipo de atendimento oferecido a esses alunos.
Quando se trata especificamente dos alunos que vivenciaram o fracasso
escolar – como aqueles inseridos em projetos de correção de fluxo e aqueles
em cumprimento de medidas socioeducativas – a percepção negativa pode ser
ainda mais predominante. A Diretora Adjunta da Escola 8, ao compartilhar
sua percepção sobre os alunos inseridos nas turmas de projeto, relata:
O aluno do projeto... você tem aluno que tem problema emocional, você tem
aluno que tem problema cognitivo, e você tem o aluno que é, vamos botar
assim, vamos classificar, de uma maneira errada, “preguiçoso”. Você tem
nessa turma três tipos de pessoas. Então, para aquele que tem dificuldade
de aprender, você consegue fazer alguma coisa. Mas, assim, aquele que é
preguiçoso, consegue, mas... está ali. Mas aquele que tem um problema
no comportamento... é difícil. Aí esse pega. E esse – eu vejo, pode ser que
eu esteja enganada – [...] mais de 50% tem problema de comportamento.

Em seu relato, o fracasso escolar desses alunos – razão de sua entur-


mação em turmas de projeto de correção de fluxo – é construído como uma
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 205

consequência exclusiva do perfil desses próprios indivíduos. Ao contrário de


uma corresponsabilização, ou do reconhecimento da possibilidade de parti-
cipação (em alguma medida) da instituição escolar nesse processo, nota-se
uma transferência de responsabilidade que recai unilateralmente sobre o
aluno. Desse modo, a percepção predominante sobre “o aluno de projeto” é
aquela de um aluno essencialmente “problemático” – que acumula deficiências
cognitivas, emocionais ou morais.
Contudo, relatos de alunos como Daniel, 17 anos, inserido em turma de
correção de fluxo nesta mesma escola, revelam outra possibilidade de inter-
pretação dessa indisciplina que não apenas um problema emocional localizado
exclusivamente no aluno. O adolescente, que já somava três anos de distorção
idade-série por conta de uma entrada tardia no sistema escolar e de reprovações,
sugere que seu mau comportamento seria consequência – e não causa – de uma
dificuldade de aprendizagem. Em suas palavras, “eu reprovei porque eu não
tinha muita noção. Tipo, lá na roça é tudo quietinho, aqui é tudo barulhento.
Todo mundo falando pra caraca e aí eu não conseguia me concentrar. Aí no
final do ano eu chutei o balde... parei de estudar, aí fiquei zoando”.
É possível aferir que as escolas trabalham com uma expectativa muito
próxima à que rege o mundo do trabalho, uma vez que se espera a chegada de
um aluno “padrão”: disciplinado, obediente, pontual e que se envolve com os
estudos. Quando os estudantes não atingem essas expectativas, não raramente
eles e suas famílias são culpabilizados por isso.
No entanto, as percepções das diretoras acerca dos alunos das turmas de
correção de fluxo e daqueles que, ao mesmo tempo, também cumpriam medidas
socioeducativas não compõem um consenso. Ao mesmo tempo em que houve
vários depoimentos que se referiram a esses jovens como “problemas”, muitas
gestoras apontaram uma aparente preocupação em acolhê-los, ainda que con-
siderassem sua infrequência, baixo desempenho e evasão como algo iminente.
Apesar dessa naturalização do fracasso escolar de certos alunos, algumas
diretoras relataram, por exemplo, um esforço em busca de apoio. A gestora
da Escola 6 menciona uma parceria feita com o Conselho Tutelar da região,
na busca por uma maior responsabilização das famílias pela infrequência dos
alunos. Já a diretora da Escola 7, a pedido de uma mãe, afirma ter criado um
espaço semanal para ouvir os responsáveis que desejassem estreitar os laços
com a escola. No entanto, ela se dizia desmotivada devido à pouca adesão
das famílias, apesar da oferta de lanches e sorteio de brindes – algumas das
estratégias adotadas para aumentar sua participação nos encontros.
Diante desse tipo de cenário – reiteradamente apresentado nas entrevistas
– é possível afirmar que grande parte das gestoras estudadas neste artigo se
coloca em um lugar de “não saber mais o que fazer”, ou de não saber aferir
206

o real retorno de seus “investimentos”, diante da expectativa já existente de


uma trajetória escolar insatisfatória por parte desses alunos. Por mais que
as gestoras tenham usado a expressão “não excluir” e não tenham mostrado
resistência em relação à matrícula do adolescente em cumprimento de me-
dida socioeducativa, por exemplo, cabe enfatizar que nenhuma delas citou a
questão da educação enquanto um direito constitucional. Até mesmo no caso
dos adolescentes que ainda respondiam a um processo na Justiça da Infância
e Juventude e que, por isso, eram mais uma vez obrigados a frequentar uma
instituição escolar, as gestoras se posicionavam como impotentes. A expec-
tativa era de que esses adolescentes acabassem por evadir ao longo do ano
letivo – uma situação sobre a qual consideravam que nada podia ser feito.
A partir deste ponto, no entanto, torna-se importante concentrar esforços
na busca de uma compreensão mais profunda dessa postura aparentemente tão
comum por parte de diversas diretoras. Essa procura por respostas nos levou
à incursão em uma literatura que busca analisar as percepções e as práticas
dos chamados “burocratas de nível de rua”. No âmbito da Ciência Política,
esses agentes são descritos por Lipsky (1980, p. 3) como aqueles que estão na
linha de frente do serviço público, interagindo diretamente com os cidadãos,
e que dispõem de uma margem de discricionariedade na condução de suas
atividades. Esse conceito, por sua vez, diz respeito à relativa liberdade que
esses burocratas detêm para determinar a natureza, a quantidade e a qualidade
dos benefícios e sanções a serem distribuídos entre os cidadãos atendidos.
A importância desses agentes se dá, entre outros fatores, pelo fato de torna-
rem o Estado concreto para os cidadãos, uma vez que é por meio deles que o
público tem (ou não) acesso a serviços, programas e direitos sociais. Trata-se,
portanto, de agentes que impactam diretamente suas vidas e oportunidades.
Alguns exemplos são os assistentes sociais, policiais, e professores, direto-
res e demais membros da comunidade escolar que lidam diretamente com o
público-alvo em questão (alunos).
As condições de trabalho desses agentes, contudo, nem sempre são ade-
quadas. As regras formais às quais estão submetidos não contemplam todos
os casos com que têm que lidar, além de muitas vezes disporem de recursos
escassos para a entrega do serviço. Trabalham sob pressão direta do público
– bem como também sofrem pressões das esferas superiores – e nem sempre
dispõem do mesmo tempo de tomada de decisão que esses últimos. Além
disso, muitas vezes, os usuários dos serviços públicos que chegam até eles são
percebidos como não cooperativos, isto é, como pessoas que não colaboram
com a tarefa que precisam realizar. Esse constante desgaste e dificuldade de
tratamento com o público-alvo, aliado às condições inapropriadas em que
têm que atuar, podem levar esses agentes a desenvolverem “estratégias de
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 207

sobrevivência” e outros tipos de racionalidade que orientam suas práticas.


Conforme pontuado por Maynard-Moody e Musheno (2003, p. 12),

Muitos trabalhadores da linha de frente entraram nas suas profissões como


idealistas. Após anos de sobrecarga, clientes que não cooperam, um público
indiferente, e condições de trabalho dilapidadas, às vezes espantosas, eles
ainda precisam preservar algum sentido e valor para o seu trabalho. Muitos
usam sua discricionariedade para selecionar um pequeno número de casos
ou membros do público para tratamento especial, o tipo de tratamento que
eles possivelmente ofereceriam a todos, se tivessem recursos e energia.

Leis, regras e normativas formais – como a prerrogativa constitucional


do direito de todos à educação, por exemplo – podem acabar sendo vistas com
certo desdém por esses agentes, que passam a atribuir maior legitimidade a seu
saber pragmático (da linha de frente), orientado para aquilo que pode realmente
ser feito, a seu ver. Nesse processo, muitas vezes, atuam menos como “agentes
do Estado” voltados ao cumprimento de normas, e mais como “agentes do
cidadão”, levando em conta suas percepções sobre o usuário em questão para
orientar suas práticas. No contexto escolar, em que esses cidadãos-usuários
seriam os alunos, trata-se de um momento em que podem entrar em jogo todas
as percepções já socialmente construídas sobre alunos identificados como não
cooperativos, discutidas anteriormente. É possível que essas percepções sejam
combatidas por esses agentes. No entanto, também é possível – e relativamente
mais provável, como se tem visto – que venham a ser reforçadas em meio a um
cenário de intensa sobrecarga de trabalho e escassez de recursos (materiais e
humanos) com que os agentes escolares têm que lidar.
Diante dessas condições não ideais e de um público percebido como
pouco cooperativo, portanto, os processos de decisão, gestão e liderança
assumem uma dimensão ética e valorativa ainda maior. Nesse sentido, não é
raro encontrar uma seleção dos alunos a atender, numa espécie de raciocínio
centrado em “salvar a quem (acredita-se que) tem salvação”. Como pontuado
por Maynard-Moody e Musheno (2003) acima, trata-se de uma seleção que
busca a preservação de algum sentido e valor para o trabalho desses agentes.
O relato da diretora da Escola 6, por exemplo, ilustra esse tipo de racionali-
dade: diante do desinteresse generalizado dos alunos, ela diz se sentir muito
feliz em ajudar os casos que fogem a essa regra. Em relação aos demais que
já parecem fadados ao fracasso, na perspectiva de diversos membros da co-
munidade escolar, não parece mais haver o que se possa fazer para reverter
sua situação. Para a diretora da Escola 1, por exemplo, depois da prática do
ato infracional “a escola não pode fazer mais nada”.
Essa seleção que se apresenta como uma estratégia de sobrevivência para
diversos/as diretores/as, no entanto, pode fazer com que o direito de todos à
208

educação se converta em uma recompensa a alguns, consequentemente sendo


negado a outros. Para além disso, trata-se de uma escolha que não ocorre de
forma “neutra”, comumente incidindo sobre grupos sociais já vulneráveis.
Em meio à polifonia dos relatos apresentados, revela-se uma relação de
exaustão, sobrecarga e impotência, que resulta em uma renúncia de direitos
por parte de todos os agentes envolvidos – diretores e alunos. Para muitas
diretoras, ainda, destaca-se o desafio de “brigar com o que está lá fora”, e a
ansiedade decorrente dos constantes questionamentos sobre como trazer os
alunos para perto delas e da escola.

Considerações finais

O presente capítulo buscou desvelar um pouco da complexidade que en-


volve as relações diretores/alunos, ao explorar alternadamente as percepções
desses indivíduos. Estando envoltas por uma estrutura física e simbólica que
não oferece condições ideais para uma real democratização da educação, as
resistências individuais dos atores podem fazer diferença. Do mesmo modo,
a desistência e a renúncia mútua podem vir a reforçar desigualdades longa-
mente estabelecidas.
No que se refere às percepções dos diretores escolares sobre os alunos
multirrepetentes e aqueles que cumprem medidas socioeducativas, os dados
coletados por ambas pesquisas apontam que, embora não haja um consenso,
parece predominar uma visão negativa desses jovens. Além disso, ganha des-
taque o fato de que as gestoras não se sentem responsáveis pela garantia do
direito à educação para todos os alunos. Entre as expressões mais frequentes
nas entrevistas, estava a naturalização do fracasso escolar. No que diz respeito
à escolarização dos alunos de classes de correção de fluxo e em cumprimento
de medida socioeducativa, a repetência e evasão são efeitos já esperados pelas
diretoras. Do total de nove gestoras ouvidas, a maioria repassa às famílias a
responsabilidade pela trajetória escolar dos estudantes.
Já em relação às percepções dos alunos sobre a escola e a atuação de
seus membros, foram poucas as entrevistas que apontaram situações positivas.
Prevaleceram os relatos de situações de conflitos e frustração. Os dados aqui
reunidos, advindos das duas pesquisas em questão, oferecem indícios de que
há uma crise da escola na sua relação com a juventude, um cenário em que
tanto os profissionais da instituição quanto os jovens se questionam a que ela
se propõe. Para os adolescentes, a instituição tem se mostrado distante das
suas expectativas, com uma dinâmica que pouco acrescenta à sua formação.
Dessa forma, é possível afirmar que a escola se resume a uma obrigação
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 209

indesejada. Enquanto isso, muitos gestores direcionam o problema para a


própria juventude, que apresenta “desinteresse” pela educação escolar.
No entanto, por mais que o tom de grande parte das entrevistas tenha sido
pessimista, alunos e diretoras apontaram (direta ou indiretamente) possíveis
caminhos que poderiam contribuir para o aumento da motivação e empenho
discente em relação à escola – o que também impactaria positivamente a
satisfação e atuação da equipe gestora.
Os relatos dos alunos sinalizam com frequência a necessidade de escuta.
Para além disso, parece urgir – ainda que silenciosamente – a demanda por
outra escola, da qual se sintam verdadeiramente fazendo parte e que atenda
aos seus anseios.
Por parte das diretoras, por sua vez, foi unânime a sugestão de atividades
extracurriculares, como torneios esportivos, eventos culturais e investimento
em tecnologia. Muitas também citaram a importância de um trabalho inter-
setorial com psicólogos, assistentes sociais, profissionais da área da saúde
e esferas superiores da Secretaria de Educação. Como aponta a diretora da
Escola 7, a direção e a equipe técnico-pedagógica podem promover ações
para que “esse menino não se perca”. Nesse sentido, propõe que se vá além
da conversa e que se busquem incentivos mais concretos, como a procura por
órgãos que ofereçam cursos, por exemplo. Em suas palavras, cabe a busca
por quem possa “oferecer oportunidade para esses meninos, que, na verdade,
é o que eles precisam”.
210

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Rio de Janeiro, 2015.

RIBEIRO, C. A. C. Desigualdade de oportunidades e resultados educacionais


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Paulo: Instituto Cidadania; Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 87-128.
A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA
ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL:
o que mudou entre 2003 e 2015?

Ângelo Ricardo de Souza

Introdução

Este texto traz uma atualização de informações que levantamos em pes-


quisa anterior (SOUZA, 2007), no que tange a alguns aspectos do perfil da
Gestão Democrática da Escola Pública no Brasil. Buscamos observar como
se comportaram no período estudado algumas variáveis que consideramos
importantes na elaboração de uma ideia sobre o que é a gestão escolar demo-
crática, intencionando verificar o que mudou no perfil desta gestão no Brasil
entre 2003 e 2015.
O trabalho busca discutir alguns aspectos que a literatura (SOUZA, 2007,
2009; SOUZA; GOUVEIA; SCHNEIDER, 2011; DRABACH; SOUZA, 2014;
SILVA; SOUZA, 2017) tem indicado como elementos que potencialmente
podem contribuir para a constituição, organização e democratização da gestão
das escolas públicas, dando alguma materialidade ao disposto no artigo 206
da Constituição Federal (CF), destacando-se o inciso VI: “Gestão democrática
do ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 1988).
As variáveis em questão são a forma de provimento de diretores esco-
lares, a existência e funcionamento dos conselhos escolares e a existência e
forma de elaboração do projeto político-pedagógico da escola. E os dados
com os quais trabalhamos advêm dos questionários aplicados pelo SAEB/
Prova Brasil aos diretores das escolas avaliadas, nos anos de 2003 e 2015.
Este por ser o último bloco de microdados disponíveis no sítio na Internet do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
quando da conclusão do levantamento que embasou o estudo, e que permitia
tal avaliação. E a escolha por 2003 tem relação com aquela pesquisa anterior
na qual trabalhamos com estes dados e fizemos uma leitura mais conjuntural
das informações, assim o desejo foi de olhar a movimentação das variáveis
ao longo de pouco mais de uma década. Neste ínterim (2003 a 2015), tive-
mos mandatos de três governos em âmbito federal que declaravam a gestão
democrática como um princípio basilar para as suas políticas educacionais.
214

Por isto, é conveniente observarmos as mencionadas mudanças no perfil de


gestão escolar democrática após 12 anos.
As perguntas elaboradas aos diretores em ambos os questionários anali-
sados são parecidas, com alguma variação nas alternativas de respostas. Mas
tivemos, contudo, alguma dificuldade em colocar as alternativas de respostas
frente a frente, garantindo que as respostas pudessem ser comparadas. Assim,
tivemos que produzir algumas inferências a partir deste esforço.
Trabalhamos, neste estudo, apenas com os dados das escolas públicas
municipais e estaduais de ensino fundamental. Excluímos da relação geral as
escolas federais, pela quantidade desproporcional a menor desta dependência
administrativa, e porque sabidamente têm perfis muito distintos em relação
à média das escolas públicas de ensino fundamental no país. Por isto tudo, o
universo alcançado foi de 3.359 escolas inquiridas em 2003, e de 53.7821
em 2015, excluídas também as escolas com o perfil desejado, mas que em
2015 estavam sem preenchimento do questionário do diretor.
Para tratar daquela questão, porém, entendemos como necessária
uma incursão conceitual sobre gestão democrática escolar, ainda que
breve, e a demonstração do tratamento predominante que este conceito
tem recebido no Brasil.

O que é gestão escolar democrática na


literatura acadêmica brasileira?

Em levantamento recente que realizamos por conta de uma pesquisa


sobre o Estado do Conhecimento em Política e Gestão da Educação (SOUZA,
2018), fomos buscar as produções mais recentes sobre a Gestão Democrática
(GD) na escola pública e encontramos nas bases selecionadas2 24 artigos.
Esses artigos denotam a centralidade da ideia de participação nos estu-
dos do campo, configurando-se como aquilo que Lima (2003) irá identificar
como uma espécie de “discurso omnipresente” na educação, uma vez que

1 Sabidamente a diferença quantitativa entre esses dois grupos pode se configurar como um problema
metodológico. Mas, entendemos que a amostra do SAEB, dos anos anteriores à existência da Prova
Brasil, foi tecnicamente bem desenhada e apresenta boa correlação com o universo. De toda forma,
é preciso cuidados maiores quando o trabalho recair sobre análises estatísticas mais sofisticadas.
Neste estudo, trabalhamos apenas com frequência proporcional e, por isto, avaliamos que a men-
cionada diferença não é tão relevante para a análise do movimento em questão.
2 As bases deste levantamento foram os periódicos da base Scielo.br e a Revista Brasileira de Política
e Administração da Educação, tendo em vista que o repositório mencionado compila as principais
revistas acadêmicas brasileiras, permitindo identificar importantes tendências da produção científica;
e a RBPAE é uma das mais antigas revistas brasileiras continuamente em publicação e pertence
à Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), parceira na pesquisa
mencionada. O levantamento contempla o período 1998 a 2015.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 215

reclamada constantemente para lembrar e justificar a importância da ação dos


diversos sujeitos na arena pública da educação e da escola (KRAWCZYK,
2005). A maior parte desses artigos parte do reconhecimento de que não há
democracia sem participação, assim analisam aspectos normativos desta
participação (NARDI, 2015), experiências em etapas ou modalidades de
ensino (MARTINS, F., 2012), ou com diferentes sujeitos (NASCIMENTO;
MARQUES, 2010; INFORSATO et al., 2011).
Outros trabalhos, afora também reconhecerem a Participação como uma
categoria central para a compreensão sobre a gestão escolar democrática, co-
locam no centro do debate questões relacionadas com a Autonomia (SOUZA,
2009; SANTOS; SALES, 2012; MENIN, 1998), com a Autogestão (DAL RI;
VIEITEZ, 2012) e com a Emancipação (CÓSSIO et al., 2010). São aspectos
que dialogam com as grandes narrativas e interpretações do vasto campo da
democracia, permitindo-nos compreender que a literatura do campo se debruça
sobre a gestão da escola e da educação procurando encontrar correlação entre
o que acontece no universo escolar/educacional e o que se passa na macro
arena pública, lugar por condição primeira da democracia. A associação se
justifica com a ideia de que na escola, de um lado, os princípios que sustentam
o pacto de sociabilidade (FERRAZ, 2011) e que partem ou incluem a demo-
cracia como um eixo, devem se repetir; e, de outra parte, também se repetem
conflitos e dilemas da vida pública, demandando a democracia como método
para a lida com as questões ordinárias. Assim, a mencionada literatura associa
a participação, a autonomia, a emancipação como condições ou objetivos da
gestão escolar democrática.
A questão que subjaz a tal associação conceitual, todavia, é se há mecanis-
mos e práticas incentivadoras da participação, da autonomia, da autogestão, da
emancipação e como eles efetivamente funcionam. Assim, alguns trabalhos vão
articular a gestão escolar democrática aos conselhos escolares (MARQUES,
2012; MARTINS, A., 2008; MARTINS, F., 2012), à ação e formas de provi-
mento dos diretores (SCHNECKENENBERG, 2009; TORRES; PALHARES,
2009; MENDONÇA, 2000; SOUZA; GOUVEIA, 2010; CRUZ et al., 1999)
e à elaboração do projeto político-pedagógico (CHAGAS; PEDROZA, 2013).
Esses aspectos são o que a literatura tem chamado de “condições de ges-
tão democrática” (SOUZA; SILVA, 2017), ou ferramentas da GD, vale dizer,
potencializam e criam condições para a sua efetivação, mas não garantem
pela sua simples existência a implementação do princípio democrático. Como
ferramentas são elementos de apoio à participação e ao desenvolvimento da-
queles conceitos e, por isto, são potencializadores da contradição e do diálogo
(SOUZA, 2009). Não há democracia sem o diálogo, pois não resulta espaço
para a contradição, para a diversidade de pensamento e opiniões.
216

As eleições como forma de provimento de diretores

A forma como se escolhe um diretor escolar é determinante quanto ao


perfil da gestão da escola que se deseja, da gestão democrática particular-
mente (PARO, 1995; MENDONÇA, 2000; SOUZA, 2007), isto quer dizer
que selecionar e prover diretores por meio de eleições com a participação das
comunidades escolares ou outra forma é algo que se relacionará com o que se
imagina como função do diretor escolar e como se espera que ele atue. Esta
literatura predominantemente aponta que eleger um diretor é um procedimento
democrático e, de outro lado, indicá-lo (política ou tecnicamente) é tido como
uma prática que contraria o princípio democrático. Uma terceira via é a seleção
ou concurso, que reconhece a direção escolar como um cargo dominantemente
técnico (administrativo-pedagógica). Acerca desta, a literatura predomina,
como veremos, no reconhecimento da insuficiência deste procedimento como
condição democrática para o suprimento da direção escolar. De toda forma,
a realidade das escolas públicas de educação básica lida com esses três tipos
e com a combinação entre eles, em modelos mistos.
A ideia de eleições para diretores advém de longa data no país, estando
na pauta dos movimentos docentes desde os anos 1980 e tem aparecido
quase como um consenso, ainda que equivocado, no sentido de se constituir
como um forte, senão o único elemento importante para a efetivação da GD
(SOUZA; BRUEL, 2016). É possível que tal compreensão tenha relação
com a centralidade que as eleições (para os poderes executivo e legislativo
nas três esferas de governo) adquiriram em nosso modelo político nacional,
no qual não encontramos muitos espaços e outras ferramentas de democra-
cia participativa. Por analogia, é possível que o que o cidadão espera como
condição democrática na sociedade (votar de tempos em tempos e escolher
governantes) se espelhe nas suas aspirações para o âmbito escolar. Contudo,
ainda que com equívocos, parece-nos que de fato as eleições para diretores
encerram um potencial democratizante, mesmo, como alertado, sendo insu-
ficiente compreendê-la como a condição democrática.
A literatura (DOURADO, 2000; PARO, 1995; 2003) ainda busca analisar as
insuficiências da modalidade que está no extremo oposto às eleições, mostrando
como as indicações se constituem como a forma mais política de operação da
gestão no sistema educativo, uma vez que se associa à maior intervenção e
controle do governo constituído sobre a escola, bem como ao uso dos cargos
de direção como moeda de troca no jogo das políticas regionais e locais.
O concurso ou seleção se apresenta uma alternativa à superação do
quadro político no qual tanto indicação quanto eleição lançam o diretor,
e, para tanto, a tese alega que o diretor concursado não é um leigo, pois
passaria por uma comprovação de competência técnica para o exercício da
função e, em outra frente, seria menos influenciado pelas ações da macro
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 217

política e do sistema educativo, pois um concurso público carrega a garantia


da moralidade e da transparência necessárias no provimento de um cargo
público (MENDONÇA, 2000, p. 190).
Porém, o concurso público para a escolha dos dirigentes escolares pressu-
põe a direção escolar como um cargo técnico, cujo ocupante o desempenhará
permanentemente. Trata-se de reconhecer o diretor como um burocrata3. Isto
diminui a sua face política, que é, por natureza, dirigente, o que pode trazer
situações complicadas para a escolha, uma vez que a capacidade de liderança,
por exemplo, que é um aspecto muito relevante do trabalho do dirigente
(OLIVEIRA, 2015), não parece ser um atributo passível de ser verificado por
concurso de provas e títulos.
Paro (1995) reforça a contrariedade ao uso de concursos para o provi-
mento dos diretores escolares, levantando contraditoriamente outro ponto, o
da dimensão política, mas observando o quanto a tecnificação da função se
presta à dada concepção política:

A atual sistemática de concursos tem-se prestado a esta função político-


-ideológica: obscurecer as profundas causas políticas da inépcia da escola,
reduzindo-a a uma dimensão meramente técnica; como se, ao diretor,
responsável último pelo funcionamento da unidade escolar, bastasse uma
competência técnico-administrativa que o capacitasse a bem gerir os
recursos a sua disposição (que recursos?), promovendo, assim, o “bom
funcionamento” da escola (PARO, 1995, p. 115).

Logo, se a indicação não convém porque associa de forma direta e até


equivocada o diretor ao governante municipal ou estadual e ao político pro-
fissional, e se o concurso público torna excessivamente técnica a face política
da direção escolar, talvez as eleições possam ser de fato o formato que mais se
aproxima do princípio da gestão democrática disposto na legislação nacional.
Contudo, há posições divergentes sobre o uso delas, tanto que veremos que
no ensino fundamental seu uso não chega aos 30% das escolas públicas. Tal
divergência advém especialmente dos governos e legislativos, e sua resistência
parece se voltar mais à perda do controle político do que à forma de escolha
propriamente dita (OLIVEIRA, 1995).
Nas escolas, redes de ensino e sistemas educacionais há, na prática, uma
diversidade relativamente grande de regras e procedimentos para o provi-
mento de diretores no Brasil, nas quais os mais diferentes formatos aparecem
(SOUZA, 2007; DOURADO, 2000; MENDONÇA, 2000), como indicam os
dados mais a frente. De toda forma e conclusivamente quanto a este tópico, a
literatura do campo evidentemente trata as eleições para diretores como uma

3 Burocrata como um funcionário que opera na estrutura hierárquica do Estado (WEBER, 2004).
218

condição democrática. Se ela a alcança, ou ao menos, o quanto ela contribui


para tanto, parece que ainda não temos estudos com respostas mais objetivas.

Colegiados e o Projeto Pedagógico como instrumentos da democracia

Já em 1961, Anísio Teixeira nos alertava sobre a complexificação da


organização e gestão escolar, o que demandava a constituição de mecanismos
mais articulados à identificação e solução de problemas escolares (TEI-
XEIRA, 1961, p. 84). Os conselhos escolares e o Projeto Político-Pedagógico
são algumas das ferramentas que temos lançado mão nesta direção, e que se
somam a outros instrumentos mais participativos na gestão escolar (grêmios
estudantis, associações de pais, conferências e assembleias escolares). São,
por isto, institutos que se articulam àquela crescente complexidade dos
problemas educacionais e escolares que demanda a constituição de formas
mais qualificadas de gestão escolar e, ao mesmo tempo, às reivindicações
por mais democracia.
Ambas são as únicas peças dispostas na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional como exigência formal para a GD para todas as escolas
públicas de educação básica no país4.
A criação de organismos coletivos de gestão se posiciona como um ele-
mento central na literatura nacional, como identificado acima, porque atuam
como mecanismos de ampliação da participação, o que poderia contribuir com
a solução de problemas, mas incorre em uma questão complexa: que a parti-
cipação das pessoas na gestão escolar é suficiente ou eficiente tecnicamente.
Nem sempre, todavia, a inclusão de mais pessoas torna mais eficaz a solução
de problemas, uma vez que “o colegiado significa quase inevitavelmente
(…) um obstáculo às decisões precisas e unívocas e, sobretudo, rápidas”
(WEBER, 2004, p. 222).
Esta relação que coloca eficiência e eficácia contrapostas à democracia,
quando esta é compreendida apenas como a constituição de espaços e momentos
de participação popular nos processos de tomada de decisões, é controversa
e não é de simples solução, pois no limite representa uma escolha entre uma
decisão rápida e eficiente, mas que pode continuar não gerando aprendizagens
coletivas (sobre como evitar problemas e encontrar soluções), e a participação
mais ampliada, que é um processo lento, mas potencialmente mais pedagógico
na edificação de projetos coletivos de formação para a cidadania:

4 Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na
educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – par-
ticipação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – partici-
pação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 219

Ora, sabendo que é característico do homem dar palpite em todo e qual-


quer assunto do qual tome conhecimento, ao associar-se o maior grau de
participação ao maior número de pessoas interferindo no processo, entra-se
numa espiral de expectativas impossível de se atender nas organizações,
que pouco ou nenhum compromisso tem com qualidade e eficiência. (…).
Uma decisão prejudicial ao grupo, ou simplesmente equivocada, pode ser
autorizada por um número imenso de pessoas (GUTIERREZ; CATANI,
2000, p. 61).

A questão pode ser menos tensa se há compreensão de que a gestão não


se resume ao processo de tomadas de decisões e se estende a outras fases da
administração da escola (SOUZA, 2009), atingindo a identificação de proble-
mas, o acompanhamento e controle das ações públicas (CAMARGO, 1997,
p. 265) e a avaliação, porque nesta perspectiva a maior presença de pessoas
pode servir como condição de responsabilidade compartilhada ou dividida,
contribuindo para soluções mais adequadas aos problemas escolares. Isto quer
dizer que, na perspectiva de construção de uma ideia de educação política,
ou de formação para a cidadania, a democracia (inclusive na escola) parte
da ideia de que “todos os envolvidos no processo político têm capacidade
de representar seus próprios interesses e de regular seus atos por iniciativa
própria” (HABERMAS, 1986, p. 920).
É neste sentido que a literatura associa os conselhos escolares a espaços
de favorecimento da ação comunicativa (PINTO, 1994, p. 98). Mas, pesquisas
empíricas sobre a organização e funcionamento dos conselhos, mesmo que
confirmem seu caráter dialógico e participativo, concluem que são instituições
nas quais há uma compreensão limitada sobre as suas potencialidades políticas
ou técnicas e que muitas vezes operam como “cartórios” escolares (NUNES,
1999), resumindo-se a formalizar ou registrar decisões previamente tomadas
pela direção escolar.
Por aquela compreensão, mesmo com os problemas da prática cotidiana
nas escolas, o conselho está presente em parte considerável das escolas bra-
sileiras, como mostraremos mais adiante.
Quanto ao Projeto Político-Pedagógico, é possível observar que as escolas,
em geral, declaram possuí-lo, como também mostram os dados mais adiante.
Contudo, sua potencialidade democrática, além da óbvia existência definida
por lei inclusive, são as maneiras de elaboração, que também pode indicar
maior participação dos sujeitos escolares. Por isto, um projeto que teve sua
construção conduzida e elaborada integralmente pelo diretor da escola, ou
por poucas pessoas, ou mesmo aquele que foi elaborado a partir da adoção ou
pequena adaptação de modelos propostos ou enviados pela secretaria de edu-
cação, certamente se tratará de um projeto menos democrático do que um PPP
que contou com a efetiva participação das pessoas da escola na sua confecção,
indicando mais uma vez que a forma democrática se coaduna ao conteúdo
220

dos instrumentos de gestão, evidenciando o quanto tais instrumentos, e neste


caso o PPP, potencialmente é capaz de favorecer a gestão escolar democrática.

A construção coletiva do PPP se constitui numa situação concreta de


superação das relações hierárquicas e autoritárias. Significa incluir toda
a comunidade escolar no processo de tomada de decisões importantes
sobre os rumos da escola, e, sobretudo, significa caminhar na direção da
superação da dualidade entre teoria e prática e entre os que elaboram e os
que executam as tarefas na escola. A participação de todos na construção
do PP favorece a co-responsabilidade e o controle da sua concretização
(DRABACH; SOUZA, 2014, p. 233).

Porém, a literatura indicada anteriormente mostra, muitas vezes, que a


construção do PPP pela escola apenas é realizada para responder às demandas
formais feitas pela gestão do sistema de ensino ocorre com mais frequência
do que seria desejável. Isto leva a uma dupla perda: reforça-se a ideia de
que o planejamento é apenas uma formalidade e uma exigência da LDB e
não tem contribuições técnicas ou políticas e, ainda, perde-se a dimensão
pedagógica do planejamento coletivo como um instrumento de construção
da/pela democracia.

O perfil da gestão democrática da escola


pública: o que mudou entre 2003 e 2015?

Como anunciado, nosso escopo foi verificar o intervalo temporal de


12 anos, cotejando aspectos da gestão escolar, procurando verificar como
se comportaram alguns dos principais instrumentos de gestão democrática
após um período no qual o governo federal informou ter promovido intensa
formação voltada a este princípio constitucional (BRASIL, s/d). Assim, a
questão que nos move nesta análise é se houve mudanças no perfil da gestão
democrática das escolas públicas brasileiras entre 2003 e 2015, tomando como
referência para tal avaliação as formas de provimento do diretor, a existência
e funcionamento do conselho escolar e a existência e forma de elaboração do
projeto político-pedagógico.
Para esta análise, cuja base de dados foi informada na introdução do
texto, consideramos dois cortes importantes. O primeiro diz respeito às duas
etapas do ensino fundamental, de maneira que separamos as escolas públicas
de anos iniciais das de anos finais. Isto tem relação com o reconhecimento de
que as formas de organização e funcionamento dessas duas etapas são muito
diversas, com perfis docentes também diferenciados e uma relação distinta
com a comunidade do entorno, que são aspectos importantes para as noções
de participação e autonomia.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 221

O segundo tópico que consideramos foi a dependência administrativa


(DA). Eliminamos da base de dados, como informado, as escolas federais e as
privadas, mas avaliamos como muito importante diferenciar as escolas estaduais
das escolas municipais de ensino fundamental. Em estudo anterior (SOUZA,
2007) verificamos que as condições de gestão democrática são diferenciadas
a depender da dependência administrativa, e isto se relaciona também com
os perfis docentes e com a relação com a macro política (sindicatos, partidos,
controle social etc.), que são elementos que atravessam a política local/escolar
e, consequentemente, têm interferência na gestão democrática.
Uma última informação, antes de passarmos à análise dos dados, diz
respeito à reconfiguração das alternativas nas respostas dos questionários
analisados. Isto foi necessário porque os textos dos questionários eram ligei-
ramente diferentes nos dois períodos estudados. Assim, tivemos que adaptar
as alternativas, aglutinando algumas para tornar mais perceptíveis os movi-
mentos ocorridos.

Forma de provimento do diretor de escola

No que tange à forma de provimento do diretor, estudos mostram que


tem havido poucas mudanças, desde que começamos a coletar este tipo de
informação (SOUZA, 2007, 2009; SOUZA; GOUVEIA, 2010).
Nos anos iniciais do ensino fundamental, verificamos um crescimento
significativo dos diretores que foram selecionados ou concursados, com um
incremento superior a 50% no período, sendo que na rede estadual quase dobra a
proporção de escolas de anos iniciais com diretores selecionados ou concursados.
Internamente à cada dependência administrativa, a rede estadual provê quase
12% de suas escolas desta etapa de ensino por este formato, o que é expressivo.
Contudo, este crescimento, em especial a ideia de seleção pode estar, em
2015, substituindo uma forma que não consta mais no questionário, a da indi-
cação técnica. Toda forma de indicação pelo governante é sempre, de alguma
maneira, uma ação política, uma vez que, mesmo com critérios técnicos, obje-
tivos e públicos, a decisão sobre a escolha definitiva sobre quem será o diretor
da escola é daquele que governa a cidade ou o estado (ou seu preposto) e isto,
em última instância, representa a prevalência da política sobre qualquer critério
técnico. Mas, como no questionário de 2015 desapareceu a possibilidade do
diretor informar que foi indicado tecnicamente e, sabendo do caráter político
das indicações, é possível que alguns diretores tenham informado que foram
selecionados, ainda que se tratasse de fato, e no limite, de uma indicação técnica.
De outro lado, chama a atenção o fato de que as eleições permanecem ocu-
pando virtualmente o mesmo espaço de 12 anos atrás na rede estadual, mas com
um recuo nas redes municipais de anos iniciais. Ao longo do período, as redes
222

estaduais diminuíram sua participação na oferta desta sub-etapa de ensino (ZAM-


PIRI, 2014) e por isto mesmo que tenha havido um crescimento de 1% desta forma
de provimento nesta DA, observamos uma queda acentuada do uso de eleições
no conjunto das escolas de anos iniciais, caindo de 25,2% para menos de 23%,
E, infelizmente para o princípio democrático, em particular nas redes
municipais, a indicação como forma de provimento de diretores permanece
estável e forte. Ela representava e continua representando metade das escolas
públicas de anos iniciais, deixando seus diretores dependentes diretamente
dos governantes municipais e estaduais (SOUZA, 2007).
Tínhamos uma expectativa de que veríamos um número maior de escolas
tendo seus diretores providos pela forma mista que consorcia seleção e eleição,
mas, ao contrário, se em 2003 esta forma representava 14,8%, em 2015 este grupo
não chegava a 10%. Esta é a forma que a meta 19 do Plano Nacional de Educação
(PNE) indica como preferencial a ser adotada no país, mas pelo visto não havia
se efetivado de maneira mais significativa um ano após a aprovação do PNE.
O que surgiu em 2015 é a alternativa que associa, em um modelo misto,
a seleção com a indicação, e esta forma foi indicada como a responsável pelo
provimento de mais de 5% dos diretores das escolas de anos iniciais neste
ano. Todavia, não temos parâmetros comparativos, uma vez que esta questão
não estava posta em 2003.

Tabela 1 – Forma de provimento de diretores de escola, por ano e


dependência administrativa – Anos Iniciais do Ensino Fundamental

2003 2015
EF-AI
Est Mun Total Est Mun Total
Seleção ou Concurso Apenas 6,2% 5,1% 5,7% 11,9% 8,0% 8,8%
Eleição apenas 28,8% 21,4% 25,2% 29,9% 20,9% 22,8%
Indicação apenas 40,6% 56,9% 48,7% 24,8% 55,9% 49,7%
Processo seletivo e Eleição 18,6% 10,9% 14,8% 18,2% 6,7% 9,0%
Processo seletivo e Indicação 0,0% 0,0% 0,0% 6,5% 5,3% 5,5%
Outra forma 5,7% 5,6% 5,7% 8,6% 3,1% 4,1%
Fonte: O autor, a partir dos microdados INEP (2003, 2015).

Quanto aos anos finais, também observamos números parecidos. Houve um


incremento na presença de diretores selecionados ou concursados, alcançando
quase 11% ao final do período, sendo que na rede estadual este dado é mais forte,
respondendo por pouco menos de 15% das escolas desta rede no final do período.
As eleições, como nas escolas de anos iniciais, também continuam
em queda. Aqui, todavia, a diminuição do uso deste modelo é ainda mais
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 223

evidente, descendo de 29% em 2003 para menos de 22% em 2015, sendo que
nas escolas municipais de anos finais menos de 18% dos seus diretores foram
eleitos. Se cotejarmos este grupo com o dos diretores que foram selecionados
e eleitos, em um modelo misto, vamos passar pouco de 23%, ou seja, nas
escolas municipais de ensino fundamental anos finais, menos de um quarto
(1/4) dos diretores foi escolhido com a participação da comunidade escolar,
o que indica um recrudescimento da gestão democrática, em especial porque
observamos, na outra ponta, o crescimento nas redes municipais dos diretores
indicados, os quais nesta sub-etapa e rede passam de 61%.

Tabela 2 – Forma de provimento de diretores de escola, por ano e


dependência administrativa – Anos Finais do Ensino Fundamental
2003 2015
EF-AF
Est Mun Total Est Mun Total
Seleção ou Concurso Apenas 6,4% 6,9% 6,6% 14,6% 6,7% 10,9%
Eleição apenas 30,4% 27,4% 29,1% 25,8% 17,5% 21,9%
Indicação apenas 38,5% 52,5% 44,8% 23,9% 61,3% 41,7%
Processo seletivo e Eleição 18,8% 9,5% 14,7% 19,7% 5,8% 13,1%
Processo seletivo e Indicação 0,0% 0,0% 0,0% 6,5% 5,4% 6,0%
Outra forma 5,9% 3,6% 4,9% 9,4% 3,2% 6,5%
Fonte: o autor, a partir dos microdados INEP (2003, 2015).

Conselho Escolar

Quanto ao Conselho Escolar, como vimos, a LDB o coloca em uma


situação de protagonista das condições de gestão democrática. Contudo,
tínhamos e ainda temos um número significativo de escolas públicas de
anos iniciais e finais que não o possuem ou onde são pouco ativos. Um CE
que se reúne duas vezes ao ano significa que está empenhado em reunir sua
comunidade escolar para dialogar no máximo uma vez por semestre, em
média, o que é muito pouco. É certo que é preciso se saber mais sobre o que
acontece nessas reuniões, quais pautas são tratadas, quem e como participa
efetivamente, o que em levantamentos como este não parece possível saber,
mas, mesmo assim, dispor-se a identificar problemas, tomar decisões, fazer
planos, acompanhar decisões previamente tomadas, avaliar a escola, com a
participação da comunidade escolar e local, seguramente requer mais do que
duas reuniões anuais. Por esta razão, consideramos que um CE passível de
ser identificado como uma boa condição de GD deve se reunir pelo menos
224

três vezes ao ano (alternativa mais ampliada disponível no formulário), mas


desejadamente deveria se reunir pelo menos uma vez por mês.
Temos nos anos iniciais mais de 35% de escolas públicas nas quais o
conselho não funciona de maneira mais efetiva, sendo que em quase 10%
sequer há conselho ou ele não se reuniu em 2015. Isto é melhor, por certo, do
que o quadro que tínhamos em 2003, quando mais de 17% das escolas desta
etapa estavam em tal condição. Contudo, ainda é completamente insuficiente
o contexto dado, tendo em vista que a LDB fixou a mencionada exigência há
22 anos. Nos anos finais, os números são ligeiramente melhores na direção
da GD, mas também insuficientes, porque quase 30% das escolas públicas
desta etapa não tinham CE funcionado com mais efetividade e mais de 7%
não o possuíam ou o conselho não se reuniu em 2015.

Tabela 3 – Existência e funcionamento do conselho escolar, por ano e


dependência administrativa – Anos Iniciais do Ensino Fundamental
2003 2015
EF-AI
Est Mun Total Est Mun Total
Nenhuma vez 2,7% 2,9% 2,8% 1,1% 1,9% 1,8%
Uma vez 4,8% 4,3% 4,5% 2,8% 8,3% 7,2%
Duas vezes 10,6% 15,9% 13,2% 9,8% 21,3% 18,9%
Três vezes 73,0% 56,0% 64,6% 82,7% 59,5% 64,2%
Não existe Conselho Escolar 8,9% 21,0% 14,9% 3,7% 9,0% 7,9%
Fonte: o autor, a partir dos microdados INEP (2003, 2015).

Tabela 4 – Existência e funcionamento do conselho escolar, por ano e


dependência administrativa – Anos Finais do Ensino Fundamental

2003 2015
EF-AF
Est Mun Total Est Mun Total
Nenhuma vez 2,3% 3,7% 2,9% 1,2% 2,0% 1,6%
Uma vez 5,0% 6,0% 5,4% 3,5% 8,2% 5,8%
Duas vezes 8,7% 14,9% 11,5% 12,2% 20,6% 16,2%
Três vezes 76,9% 57,9% 68,4% 80,2% 60,5% 70,8%
Não existe Conselho Escolar 7,1% 17,6% 11,8% 2,8% 8,7% 5,7%
Fonte: o autor, a partir dos microdados INEP (2003, 2015).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 225

O Projeto Político-Pedagógico

Resumimos as alternativas referentes ao Projeto Político-Pedagógico


de maneira a evidenciar a proximidade ou afastamento do princípio legal,
que define pela sua elaboração contando com a participação dos profis-
sionais da educação, como destacado anteriormente. Ocorre que aqui
houve as maiores modificações no formato das alternativas, o que pode
ter gerado respostas que aparentam muitas mudanças, induzindo a algum
tipo de erro de análise.
De toda sorte, em ambas as subetapas percebemos uma queda im-
portante no número de escolas que informavam não possuir o PPP ou não
saberem como foi realizado. Em 2003, este número alcançava mais de
14% em ambas as sub-etapas do ensino fundamental, enquanto em 2015
fica próximo a 5%.
De outro lado, tivemos um incremento no número de respostas que
indicam que ocorreu algum tipo de discussão na escola referente ao PPP.
Em 2003 não tínhamos nenhuma alternativa sobre o uso de modelos pron-
tos, mas cuja versão final do PPP foi produzida após discussões com os
profissionais da educação. De toda sorte, algo próximo a 65% das escolas
informaram neste ano terem realizado discussões referentes ao PPP. Já
em 2015, este número salta para algo próximo a 90%, o que indica o re-
conhecimento da importância da participação na elaboração ou avaliação
do projeto da escola, ou pelo menos, o cumprimento do dispositivo legal.
A chance de participação, ainda que não tão ampla como no CE,
também é potencializada pelo PPP. Quando o legislador demandou a parti-
cipação dos profissionais da educação na elaboração do projeto da escola,
estava apontando, de um lado, para a oportunidade de converter a natureza
coletiva do trabalho escolar em ação de planejamento, ampliando tal noção
para a produção do principal documento de referência organizacional da
escola e, de outro lado, estava indicando a necessidade de garantir mais
democracia no fazer pedagógico e organizacional nas escolas públicas.
Aparentemente, este dispositivo parece estar mais articulado e em funcio-
namento que os CE, como vimos. E, mesmo sabendo que apenas estudos
qualitativos poderiam dar conta de identificar com mais propriedade até
que ponto este incremento se traduz de fato em condições democráticas
para a escola, a indicação de que tem havido debates e discussões nas
escolas referentes ao seu macro-planejamento denuncia, pelo menos, o
reconhecimento que os diretores respondentes destes questionários têm
do dispositivo legal e das indicações que a literatura do campo faz.
226

Tabela 5 – Existência e forma de elaboração do PPP, por ano e dependência


administrativa – Anos Iniciais do Ensino Fundamental

2003 2015
EF-AI
Estadual Municipal Total Estadual Municipal Total
Não sei como foi desenvolvido 4,2% 3,7% 3,9% 1,5% 1,9% 1,8%
Não existe Projeto Pedagógico 10,0% 11,3% 10,6% 1,5% 4,0% 3,6%
Modelo pronto, sem discussão 10,6% 17,6% 14,0% 3,0% 3,8% 3,6%
Modelo pronto, com discussão 0 0 0 47,7% 49,8% 49,4%
Modelo próprio, sem discussão 6,6% 6,0% 6,3% 1,3% 1,4% 1,4%
Modelo próprio, com discussão 68,7% 61,4% 65,1% 45,0% 39,0% 40,2%

Fonte: o autor, a partir dos microdados INEP (2003, 2015).

Tabela 6 – Existência e forma de elaboração do PPP, por ano e


dependência administrativa – Anos Finais do Ensino Fundamental

2003 2015
EF-AF
Estadual Municipal Total Estadual Municipal Total
Não sei como foi desenvolvido 4,6% 4,3% 4,5% 1,5% 2,2% 1,8%
Não existe Projeto Pedagógico 11,5% 10,1% 10,9% 1,6% 4,4% 2,9%
Modelo pronto, sem discussão 10,4% 15,0% 12,4% 2,7% 4,4% 3,5%
Modelo pronto, com discussão 0 0 0 49,5% 48,2% 48,9%
Modelo próprio, sem discussão 6,6% 6,0% 6,3% 1,2% 1,6% 1,4%
Modelo próprio, com discussão 67,0% 64,6% 65,9% 43,6% 39,3% 41,5%
Fonte: o autor, a partir dos microdados INEP (2003, 2015).

Considerações finais

Na escola, a qualidade da gestão também se avalia pelo grau de demo-


cracia e de diálogo presente na instituição, de maneira a podermos vê-la como
um espaço de construção da cidadania. Isto significa que temos uma lacuna
razoável entre as condições reais de democracia e o plano das ideias.
Vimos que o que a legislação determina, mesmo sendo muito pouco,
ainda não foi alcançado pelas escolas públicas de ensino fundamental. As
indicações da literatura, então, colocam as escolas ainda mais distantes do
princípio democrático. Participação, autonomia, autogestão, emancipação
e diálogo estão entre as principais ideias articuladas à GD pelos autores do
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 227

campo, como vimos. A materialização dessas ideias, por outro lado, não de-
pende apenas desses três instrumentos aqui discutidos (eleição para diretores,
conselhos escolares e projetos político-pedagógicos), mas pode receber sua
contribuição expressivamente.
Enfim, o que mudou nesses doze anos, em termos de gestão democrática?
Aquela distância entre a gestão praticada pelas escolas e as ideias de GD é
preocupante, mesmo com a melhora nas noções de planejamento participativo,
uma vez que há, ao longo do período analisado, um quadro estável quanto ao
conselho escolar, mas longe do ideal e uma piora no perfil mais democrático
na forma de provimento de diretores de escola, com a queda das eleições e o
incremento das indicações, deixando escolas e suas direções mais ao sabor
daqueles que operam na política institucional.
O não crescimento das formas mistas que associam seleção com eleição
e a mencionada queda no número de diretores eleitos, somados a um quadro
que não indica o conselho escolar como uma prioridade nas escolas, podem
conformar um cenário de retrocesso para a gestão democrática, pois essas
ferramentas democráticas são, ao mesmo tempo, condições de implementação
de procedimentos mais participativos e, de outro lado, recursos para formar
para a democracia, uma vez que não se aprende a participação sem participar,
não se aprende o diálogo sem dialogar .
228

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GESTÃO ESCOLAR E O SENTIDO
DE SUAS PRÁTICAS

Vandré Gomes da Silva

É bastante oportuna a reunião de diferentes perspectivas empreendidas


pelo grupo Gestão e Qualidade da Educação a partir do esforço de articu-
lação e síntese de pesquisas empíricas que incidem sobre aspectos-chave da
vida escolar em meio aos seus processos de gestão e organização. A busca de
uma visão sintética que dialoga com os dados de investigações empíricas, no
intuito de explicá-los ou ao menos de formular hipóteses mais balizadas, é de
extrema relevância não só por colocar em evidência determinados fenômenos
educacionais como por revelar indagações, problemas e análises atentas a
aspectos distintos das realidades escolares investigadas.
Isto porque, como destaca Vieira (2007, p. 55) parece haver uma concen-
tração, no campo de pesquisa sobre política educacional e gestão escolar, de
estudos e esforços teóricos sensivelmente mais atentos à “crítica (ideológica)
às políticas educacionais vigentes ou ao estudo da gestão democrática em suas
diferentes dimensões”, relegando diversas outras perspectivas e abordagens
de pesquisa à “penumbra”. Evidentemente não se trata de desconsiderar gran-
des correntes de pensamento e pesquisa fortemente presentes nesse campo
de investigação, mas o de nublar certos aspectos do chão de escola pouco ou
mal abordados na literatura especializada.
De fato, como pudemos verificar em um estado da arte sobre gestão,
autonomia da escola e órgãos colegiados referente à primeira década dos anos
2000 (MARTINS; SILVA, 2011) a gestão da escola costuma ser tratada como
reflexo imediato do contexto político, econômico e cultural mais amplo. Deter-
minados referenciais teóricos – oriundos do pensamento forjado nas ciências
sociais – são frequentemente tomados como verdade cunhada para a explicação
demasiadamente abstrata de múltiplos aspectos que dizem respeito à gestão
de unidades escolares, isto é, determinados fatos e circunstâncias escolares
não raro são tratados como elementos que se prestam apenas a corroborar
teorias e categorias gerais de análise em que se acredita. Assim, nem sempre
se esclarece até que ponto determinadas correntes teóricas e/ou pensadores
citados nas fontes analisadas sustentam análises que permitam desvendar a
gestão escolar e as relações que ali se estabelecem. Assim, não foram poucos
os trabalhos catalogados nesse Estado da Arte que se mostraram distantes
234

da concretude do espaço escolar e de suas peculiaridades, aproximando-se


daquilo que Azanha (1992) denominou de Abstracionismo pedagógico1.
Ao se observar e procurar explicar determinados aspectos da vida escolar
há a necessidade de se observar tanto os condicionantes da gestão advindos
das políticas públicas e de sua gestão educacional, como também reconhecer
os aspectos próprios e característicos das unidades escolares em meio aos
seus contextos e objetivos tendo em vista sua condição de instituição pública
responsável pela formação dos cidadãos, como prega nossa Constituição.
A própria organização escolar e o trabalho de seus agentes profissionais,
condicionados pela gestão das políticas empreendidas pelo sistema educacional
de que fazem parte, não configuram uma via de mão única. Políticas públicas
– e de resto, a própria organização sociedade – se formam em meio a diferentes
forças sociais em disputa, implicando contradições, retrações e êxitos relativos.
De fato, parece ser pouco suficiente explicar muitas das coisas que acon-
tecem no cotidiano escolar, em diversos aspectos e sentidos, apenas a partir da
sua determinação como subproduto de uma dada política educacional – por
mais questionável que seja – ou como reflexo geral da sociedade brasileira
notadamente desigual e injusta. É nesse sentido que a política educacional –
viabilizada pela gestão educacional e escolar – vai além do exercício de poder
efetuado pelos níveis centrais de governo – em que pese seu poder político
– configurando “um processo mais que um produto, envolvendo negociação,
contestação ou mesmo luta entre diferentes grupos não envolvidos diretamente
na elaboração oficial de legislação” (OZGA, 2000).
A gestão escolar, como o próprio termo indica, refere-se aos limites da
organização de cada unidade de ensino formal, configurando em boa medida
uma expressão das intenções da gestão educacional à qual está subordinada,
mas também de processos de organização, discursos e práticas nem sempre
coesos, fruto dos interesses e relações estabelecidas entre diferentes atores
(VIEIRA, 2007). Não por acaso já se disse que administrar significa, sobretudo,
“planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar” o trabalho de outras
pessoas, independente de a administração ou da gestão – termo mais utilizado
atualmente – ser exercida de forma mais ou menos participativa (MOTTA,
2013). Trata-se de relevar o fato de que a gestão “se faz em interação com o
outro” (VIEIRA, 2007, p. 59).
Nesses termos, observa-se nessa coletânea um denominador comum que
enxerga as relações que se estabelecem no cotidiano escolar como aspectos

1 O “abstracionismo pedagógico” consiste “... na veleidade de descrever, explicar ou compreender


situações educacionais reais, desconsiderando as determinações específicas de sua concretude,
para ater-se apenas a “princípios” ou “leis” gerais que, na sua abrangência abstrata, seriam aparen-
temente suficientes para dar conta das situações focalizadas (AZANHA, 1992, p. 42).
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 235

que tanto condicionam sua gestão escolar como por ela são condicionados.
Por meio de um retrato plural de pesquisas e investigações realizadas em
diversas unidades escolares da rede pública municipal de ensino do Rio de
Janeiro são abordados diversos aspectos da gestão escolar a partir de temas
como: clima escolar; limites e possibilidades quanto ao funcionamento dos
conselhos escolares; as estratégias de escolha da instituição escolar por parte
da família; as percepções de professores em relação à colaboração docente e
liderança do diretor escolar; assim como as perspectivas que diretores e alunos
apresentam em relação à aprendizagem e ao direito à educação.
Além de pôr em relevo as relações entre atores escolares como consti-
tuintes necessários da gestão escolar, o conjunto desses estudos apresentam em
comum um pressuposto que enxerga na unidade escolar um modus operandi
próprio e característico tendo em vista seus fins intrínsecos.
As diferentes funções ou a utilidade que se pode atribuir à escola não lhe
subtraem o que peculiarmente caracteriza sua cultura (AZANHA, 1995), seus
contornos institucionais e mais propriamente seus fins precípuos. Do ponto
de vista de uma cultura escolar, grande parte do conhecimento que os alunos
possuem é fruto de um trabalho escolar bem ou mal realizado. Não dar a devida
importância às práticas escolares pelas quais o aluno adquire uma série de co-
nhecimentos desejáveis – ou mesmo hábitos e uma certa ignorância indesejáveis
– é desconsiderar elementos fundamentais, em se tratando da gestão escolar.
Independentemente do que possa resultar para a vida privada dos indiví-
duos ou para uma sociedade materialmente desigual e notadamente injusta nas
relações que mantém entre os diversos grupos e segmentos que a compõem –,
a educação escolar possui algo que lhe é próprio e distintivo. Sua explicação
e determinação vão além da análise e da verificação da objetividade de seus
resultados – ainda que estes sejam fundamentais e necessariamente devam
ser considerados – ou mesmo do impacto econômico que possa vir a causar
ou favorecer através da formação proporcionada a seus alunos.
Evidentemente, os resultados sofríveis que temos colhido, em especial
advindos de avaliações em larga escala, não são nem causa, nem tampouco
solução dos nossos problemas educacionais, assim como um termômetro
não causa ou cura a febre que ele se destina apenas a medir. Ainda que se
reconheçam em muitas políticas educacionais atuais certos usos questionáveis
ou inócuos das avaliações em larga escala e de seus resultados (SILVA et al.,
2013)2, tais avaliações tem contribuído decisivamente para a compreensão

2 De fato, de forma surpreendente ou inusitada, pouco se tem enfatizado na gestão das redes de ensino bra-
sileiras o uso de dados e indicadores educacionais – como os provenientes de avaliações em larga escala
– como subsidio necessário para os gestores e atores escolares agirem de forma qualificada e balizada, para
além das velhas práticas atabalhoadas de “apagar incêndios” ao invés de agir planejadamente para evitá-los.
236

dos fenômenos educacionais com a ampliação e diversificação das abordagens


de pesquisa sobre gestão – como é o caso dos estudos dessa coletânea.
É claro que a educação escolar e seus eventuais produtos e resultados
podem ser analisados sob muitos ângulos, o que, aliás, é frequente. Pode-se
atribuir à escola um papel fundamental para o processo de socialização dos
indivíduos, pode-se afirmar que os países considerados “desenvolvidos”
investiram no passado e continuam investindo maciçamente em educação básica
e alguém pode até entender que a função da escola é “domesticar as massas” e
reproduzir fidedignamente a sociedade estratificada e materialmente desigual
que aí está. De fato, essas concepções quanto aos fins da educação guardam
diferenças entre si, muito embora não sejam necessariamente antagônicas.
Mais ainda, elas têm em comum o fato de serem fins extrínsecos às instituições
escolares, distintos de uma área de estudos em educação que tenha como objeto
o sentido da ação escolar, sua história, seu cotidiano e gestão.
Os diversos ângulos sob os quais se pode descrever e analisar a educa-
ção tangem limites determinados pelo próprio objeto – no caso, a instituição
escolar e as formas de gestão por ela praticadas, sob condições específicas.
Uma escola pode manter seus alunos, durante um período do dia, na busca
de um lugar minimante seguro ante uma cidade violenta; propiciar-lhes ami-
zades e momentos de muito prazer; concorrer para sua ascensão social ou
para o acúmulo de riquezas de um país, assim como, eventualmente, de seus
habitantes. Mas, mesmo que tenham estreita relação com a escolarização,
nem ocupar espaços físicos, nem fomentar relações humanas e tampouco
promover o aumento de riquezas materiais são objetivos escolares precípuos.
Como destaca Peters (1979, p. 103):

[é] questionável supor que certas características pudessem ser vistas como
essenciais, sem a consideração do contexto e das questões a serem discu-
tidas. No contexto do planejamento de recursos, pode ser correto pensar
a educação como algo em que a comunidade possa investir; no contexto
da teoria de coesão social, a educação pode ser, ingenuamente, explicada
como um processo de socialização. Mas, se a considerarmos do ponto de
vista da tarefa dos atores escolares, essas explicações serão ambas muito
gerais e muito ligadas a uma dimensão perigosa, pois encorajam um modo
conformista ou instrumental de ver a educação.

Evidentemente, não se trata de desqualificar, de forma alguma, os enfo-


ques de outras ciências, como a sociologia, a psicologia ou a economia, que
costumam estudar a educação, atribuindo-lhe funções ou salientando seus
efeitos. Na verdade, se chama a atenção aqui para a especificidade da tarefa
escolar e de sua gestão e a consequente adoção de critérios pertinentes quanto
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 237

ao estabelecimento de seus fins, dados a natureza e o sentido do trabalho a


ser realizado.
Assim como certa orientação religiosa pode ser determinante para o êxito
econômico de algumas nações, como aponta Weber em A ética protestante
e o espírito do capitalismo, não cabe reduzir os propósitos e os objetivos do
protestantismo ao tipo de desenvolvimento que possa proporcionar a um país
que o adote como religião oficial. Caso semelhante ocorre com a educação
escolar: a ênfase atual em sua utilidade instrumental – em termos de seu impacto
econômico e tecnológico, por exemplo – leva a padronizar extrinsecamente sua
qualidade, independentemente dos propósitos que histórica, ética e logicamente
estão associados à prática escolar e à própria ideia de uma educação pública
(SILVA, 2009). Atribuir à educação escolar uma determinada – e, não raro,
exclusiva – finalidade utilitarista é restringir seus objetivos e propósitos. Se
sua finalidade é extrínseca, o que resta é a determinação e a busca exclusiva
de eficiência do trabalho escolar.
Esse modo “conformista ou instrumental de ver a educação”, de que
nos fala Peters (1979), é justamente a premissa subjacente à uma concep-
ção instrumental de qualidade em educação, que não raro enxerga de forma
superficial e terminal os resultados escolares, engrossando a narrativa que
reforça o estigma social associado à escola pública. O grande problema aqui
é desconsiderar ou relegar a um segundo plano as práticas escolares e de ges-
tão que, notadamente, contribuem para a obtenção dos resultados escolares.
Algo que favorece enormemente uma compreensão das causas e problemas
que levam à nossa inegável crise educacional, como destaca Azanha (1995),
mesmo antes da consolidação das avaliações externas:
A nossa ideia de escola tem sido, muitas vezes, excessivamente simplifi-
cada. Isso se revela, por exemplo, na própria noção de crise educacional
que circula amplamente. É comum apontar-se como evidência alguns
resultados escolares como a reprovação e a evasão maciças no 1° grau, a
desarticulação dos diferentes graus de ensino, a prevalência de um ensino
verbalista que não prepara o aluno para nada etc. Se realmente esses “fatos”
são evidências da crise, a nossa escola é, inegavelmente, fabril, taylorista,
porque apenas leva em conta os “resultados” da empresa escolar. E, para
sermos coerentes, as nossas “soluções” também têm seguido a mesma linha;
clamam-se por processos avaliativos que nos habilitem a detectar pontos
de improdutividade para que a sua eliminação permita a redução de custos
e, consequentemente, obtenção de maior rentabilidade do sistema escolar.
[...] Ora, como já indicamos antes, esses resultados não têm a objetividade
que se pretende, isto é, eles são simples correlatos das maneiras como a
vida escolar é praticada. Sem descrições razoavelmente confiáveis dessa
vida escolar, os resultados que pinçamos dela são ficções destituídas de
qualquer significado empírico interessante. Esses resultados são fruto de
238

uma visão abstrata e exterior da escola como instituição social, como se


esta devesse ser descrita e avaliada por alguns resultados, a exemplo das
empresas (1995, p. 73).

De todo modo, é inegável que o processo de escolarização possui diversas


funções e acarreta inúmeras consequências, mas fins extrínsecos a ele não
podem caracterizá-lo e nem distingui-lo de outras atividades, como cumprir
ordens ou adestrar alguém em alguma habilidade. Isso se poderia esperar,
talvez, de um treinamento específico, mas, em termos de uma educação es-
colar, supõe-se que “seus processos e ações contribuam para estabelecer ou
envolvam algum valor” (PETERS, 1979, p. 107). De um ponto de vista estri-
tamente escolar, a tarefa cotidiana de seus agentes profissionais dificilmente
é – ou poderia ser – orientada por objetivos amplos tais como o de formar
“um bom trabalhador”, “ser bem-sucedido economicamente” ou desenvolver
nos alunos “competências e habilidades”, em geral, requeridas pela sociedade
de consumo, à qual eles se veem compelidos a se adaptar. Alheias à atividade
escolar, essas metas pouco ou nada dizem sobre o trabalho cotidiano da escola
ou de sua gestão.
Como herdeiros legítimos do mundo humano, os indivíduos que o aden-
tram a cada nova geração têm a condição potencial de reordená-lo e modificá-lo,
o que, de forma alguma, implica um sentido necessariamente positivo à ação
humana, responsável por suas eventuais transformações. Uma herança pode
tanto ser acrescida como esvaziada, e mesmo desaparecer, sobretudo se se
compõe de bens imateriais e simbólicos, não dependentes de um testamento
ou de uma escritura de propriedade, mas adquiridos pela aprendizagem – em
especial, por meio de formas institucionalizadas de ensino. É a aprendizagem
que possibilita a participação em um mundo comum, transcendente à duração
da vida dos indivíduos que por ele passam. Na feliz expressão de Michael
Oakeshott (1968, p. 158): “Pode-se comprar um quadro, mas não a compre-
ensão que dele se possa ter. E chamo a esse mundo herança comum porque
penetrá-lo constitui a única forma de se tornar um ser humano, e viver nele
é ser um ser humano”.
Evidentemente, há muitas instâncias responsáveis pela introdução de
crianças e jovens no mundo público. Por exemplo, o aprendizado da língua
materna, assim como de muitos valores e saberes de uma dada cultura, co-
meçam, primeiramente, no âmbito familiar. Essas e outras diversas formas
de introdução ao mundo, em suas várias graduações e especificidades, depen-
dem do contexto social e histórico em que ocorrem e de suas circunstâncias,
procedimentos e objetivos. Destaca-se aqui a vocação do trabalho escolar a
partir de sua ação orientada por um viés e propósito distintos de outras formas
de acolhida aos recém-chegados, marcadamente público e, por princípio,
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 239

destinado a todos. É no âmbito institucional da escola que a formação escolar


se caracteriza pela tarefa de iniciar crianças e jovens em certas tradições de
conhecimento e formas de vida comuns.
A educação como “iniciação” compreende as várias nuances de uma
prática educacional escolar, desde a transmissão de conhecimentos e a reflexão
direcionada sobre eles até a experimentação de formas de vida e convivência
possíveis apenas numa instituição responsável por uma formação pública. Essa
iniciação implica não só que algo valioso deva ser ensinado, mas também que
as atividades e os modos de conduta praticados e cultivados na escola sejam
coerentes com os princípios maiores que os animam (PETERS, 1979, p. 120).
É dessa forma que a gestão e o trabalho escolar e a sua tarefa de iniciação dos
jovens num mundo público se revestem de uma grande responsabilidade, cuja
importância reside na própria continuidade desse mundo e na possibilidade
de sua constante renovação.
Mesmo que para uma sociedade de consumo seja demandado aos indi-
víduos desenvolverem certas “habilidades e competências” – como tem sido
tão enfatizado em boa parte dos discursos educacionais -, muitas das quais
efetivamente presentes no trabalho escolar, uma educação pública requer
uma direção diferente da que possa se apresentar como imediatamente útil.
Segundo Oakeshott (1968, p. 162):
Iniciar o aluno no mundo das realizações humanas é pôr ao seu alcance
muitas coisas que não se apóiam na superfície do mundo presente. Uma
herança pode conter coisas caídas em desuso, abandonadas ou esquecidas.
Conhecer somente o predominante é familiarizar-se com uma versão ate-
nuada dessa herança. Ver-se refletido no espelho do mundo atual é ver a
imagem tristemente distorcida de um ser humano; porque nada nos autoriza
a crer que estamos diante da parte mais valiosa de nossa herança, ou que
o melhor sobrevive com maior facilidade que o pior. E nada sobrevive
sem o apreço humano. A tarefa do professor (na verdade, isso pode ser
apontado como sua característica peculiar de agente de civilização, como a
instituição escolar) é a de libertar seus alunos da servidão dos sentimentos,
das emoções, das idéias, das crenças e mesmo das habilidades dominantes
não mediante a invenção de alternativas que lhe pareçam mais desejáveis,
mas colocando à disposição desses alunos algo que os aproxime da tota-
lidade de sua herança.

Nesse sentido, a formulação de um padrão de qualidade que deveria


orientar a gestão escolar, tal como prescrito pela Constituição Federal e pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, parece demandar não tanto o esta-
belecimento de um modelo de gestão e organização a ser seguido, mas um
conjunto de categorias de análise que envolva, além de desempenho cogni-
tivo, o sentido das práticas escolares – incluindo as ações de gestão – e dos
240

valores adotados e veiculados em uma escola pública. Isso porque a ideia de


um padrão de qualidade sucumbe facilmente à tentação de se desconsiderar
diferenças e desigualdades sociais com as quais se defrontam os sistemas
públicos de ensino ou a suposição de que as escolas devam ter uma mesma
organização pedagógica ou o mesmo tipo de gestão. Tal pretensão, além de
indesejável, parece ser, de fato, impraticável (GATTI, 2005). A questão é
assegurar o sentido mesmo de uma educação pública e uma coincidência de
razões e princípios e não de realidades, que são diversas.
Nesses termos, tanto a análise do conjunto das pesquisas, bem como a
apreensão dos aspectos distintos que cada um dos capítulos dessa coletânea
apresenta, podem ser apreendidos a partir da noção de projeto pedagógico
como um instrumento norteador –senão o mais importante – pelo qual as
unidades escolares e seus agentes escolares, objeto desses estudos, se pautam
ou ao menos deveriam ou poderiam se pautar.
Preliminarmente, a perspectiva legal de se imprimir um padrão de qua-
lidade à escola pública pode sugerir que, uma vez este delimitado, restaria
apenas estabelecer a maneira, ou o método pelo qual o padrão poderia ser
assegurado. Nesses termos, ingenuamente se poderia reduzir a busca da quali-
dade ou mesmo a formulação e execução do projeto pedagógico a um conjunto
de regras que, se seguidas à risca, garantiria êxito às escolas. Porém, não há
ciência que ofereça um método infalível de formular projetos pedagógicos.
Ao se buscar um denominador comum para as diferentes pesquisas aqui
apresentadas a partir da noção de projeto pedagógico pode ser oportuna a
discussão dos significados e entendimentos usuais em torno do termo. Ganha
destaque a proposição legal, até então inédita na história educacional brasileira,
de que cada unidade escolar deve possuir seu próprio projeto. A Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação – LDB – n. 9394/96, por meio do artigo 12°, inciso
I, estabelece como incumbência das unidades escolares “elaborar e executar
sua proposta pedagógica”. Além disso, a lei destaca no artigo 13°, inciso I, o
dever, do corpo docente, de “participar da elaboração da proposta pedagógica
do estabelecimento de ensino” e “elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo
a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” (BRASIL, 1996). No
entanto, a autonomia prescrita para a unidade escolar não se deve confundir
apenas com certa liberdade de gestão de escolas públicas em relação aos sistemas
a que pertencem, mas sobretudo como uma “autonomia da tarefa educativa”
diante do desafio e objetivo maior que se impõe a cada escola para formar
cidadãos. De fato, “a autonomia escolar, desligada dos pressupostos éticos da
tarefa educativa, poderá até favorecer a emergência e o reforço de sentimentos
contrários à convivência democrática” (AZANHA, 1998, p. 13-14).
Certamente, os pressupostos éticos da tarefa educativa de que nos fala
Azanha não são garantidos de forma meramente retórica. É comum, por
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 241

exemplo, encontrar ampla utilização da expressão “projeto político-pedagógico”


como meio de garantir uma conotação compromissada e mais democrática,
por assim dizer, em relação aos objetivos escolares. Entretanto isto não im-
plica um sentido claramente definido e identificável. A expressão “projeto
pedagógico” pode comportar muitos significados, inclusive o de sua inevitável
característica política. Seria muito difícil ou mesmo impossível imaginar um
projeto pedagógico que não fosse, em alguma medida, político, resguardadas
as suas especificidades. Mesmo porque, muitos outros adjetivos poderiam ser
somados ao termo projeto, como: de “qualidade”, “construtivista”, “democrá-
tico”, “emancipador” etc. Assim, uma perspectiva interessante que se coloca
à apreciação de pesquisas sobre gestão escolar pode partir da explicitação do
“tipo de política” que subsidia ou orienta o projeto pedagógico de escolas
públicas e seus desdobramentos na organização e gestão escolar em meio a
características mais ou menos homogêneas que escolas e sistemas de ensino
apresentam. Ademais, a própria inexistência de um projeto pedagógico clara-
mente identificável pode esclarecer ou indicar aspectos relevantes da politica
interna adotada, conscientemente ou não, pela escola.
Se, por um lado, há a exigência legal de formular e apresentar um do-
cumento intitulado projeto pedagógico, por outro, isso não significa que as
escolas necessariamente discutam e procurem executar um projeto pedagó-
gico comum. Na verdade, a compreensão do projeto pedagógico como um
documento oficial, ajusta-se, segundo o quadro classificatório proposto por
Scheffler (1974), ao que se denomina “definição estipulativa não inventiva”.
Como o próprio nome diz, esse tipo de definição estipula um uso para de-
terminado termo dentro de um contexto particular, sem a preocupação com
o uso anterior eventualmente feito do termo escolhido, ainda que tenha sido
essa a intenção. O documento pode refletir com maior ou menor precisão o
que efetivamente se faz na escola. No entanto, o importante nesse caso não
é propriamente o seu conteúdo, seja qual for, mas a forma como esse docu-
mento é utilizado e entendido no âmbito burocrático em que ele é demandado.
É comum, na prática escolar das redes públicas de ensino, que esse tipo de
documento tenha muito do seu conteúdo repetido ano após ano. Não raro, a
sua feitura é entendida, em boa parte das escolas, como mais uma formali-
dade burocrática, desprovida de maior significado e que dificilmente contará
com a crítica, ou sequer com algum comentário mais elaborado dos órgãos
competentes a que costuma ser entregue.
Para além da compreensão do projeto pedagógico escolar meramente
como formalidade burocrática, o uso do termo projeto pedagógico ‒ princi-
palmente no que diz respeito a seu aspecto positivo – apresenta outras pers-
pectivas e características que guardam especial interesse, isto é, a percepção
242

de projetos efetivamente vividos nas práticas e experiências escolares reais.


Aqui a ideia de projeto pedagógico não se refere a algo estanque que, após
ter sido elaborado, é simplesmente cumprido, mas a uma dinâmica peculiar
da organização escolar, fortemente marcada por um caráter processual, me-
diante a avaliação constante dos resultados obtidos, das práticas adotadas e
dos objetivos almejados. Essa definição geral, inclusive, pode ser tomada
como uma síntese bastante ampla da produção teórica em torno do assunto3.
Muitos podem ser os objetivos de um projeto pedagógico e, em última
instância, muitas as consequências de sua execução. Ao avaliar a qualidade
de um projeto pedagógico, devemos ficar atentos não só à adequação, ou
inadequação, entre meios e fins, mas, também, refletir, de forma criteriosa,
acerca da clareza e pertinência dos objetivos e valores que norteiam as suas
ações. Nesses termos, um projeto pedagógico deve pautar-se por certos valores
fundamentais e meios pelos quais eles poderão ser ensinados e cultivados.
De certo modo, podemos vislumbrar um parâmetro de qualidade edu-
cacional e escolar, a partir do que sistemas e escolas públicos não deveriam
particularmente fazer ou promover – como se depreende de parte dos resulta-
dos apresentados nessa coletânea – abrindo um leque extenso acerca do que
se pode realizar. Mesmo porque, a elaboração de um projeto pedagógico de
qualidade, que reúna condições de nortear a organização escolar e sua gestão,
não pode prescindir do exercício de autonomia por parte de cada unidade es-
colar, autonomia que é conquistada – em diferentes formas e sentidos – pelo
trabalho individual e coletivo de professores, coordenação e direção escolares.
De fato, a busca ou estabelecimento de um padrão de qualidade que des-
considere características locais e regionais, bem como determinadas práticas
e formas de organização do trabalho escolar fortemente arraigadas, acaba
por impedir de ver, de forma mais abrangente, as condições e os problemas
reais que costumam enfrentar grande parte das escolas. Parece ser esse o
caso quando se restringe o significado da qualidade da educação apenas ao
desempenho escolar ou à proficiência dos alunos, o que prejudica inclusive
o enorme potencial que as avaliações podem propiciar para a compreensão
de diversos aspectos da vida escolar, tanto por parte da gestão educacional e
atores escolares, como no âmbito da pesquisa educacional.
A adoção de objetivos escolares precípuos que observem os valores de-
mocráticos, voltados à formação do cidadão, e às circunstâncias em que eles

3 De maneira geral, pode-se verificar na literatura produzida sobre o tema, a recorrência de algumas
categorias de análise e de determinadas características que seriam inerentes a um projeto peda-
gógico ou correlatos (proposta pedagógica, projeto político-pedagógico etc.) como por exemplo:
trabalho coletivo, autonomia escolar, caráter processual e aquilo que deveriam ser seus objetivos ou
fins. Também é comum que encontremos entendimentos divergentes em relação a elas ou, então, a
sua escassa delimitação.
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 243

devem ser ensinados, se convertem em elementos imprescindíveis à gestão


escolar. Ainda que o objetivo de formar para a cidadania constitua um fim
extrínseco à educação escolar, reduzir essa meta fundamental apenas a um
fim exógeno à instituição escolar é perder de vista que um ensino voltado à
formação da cidadania, já na própria vida escolar, deve lançar mão de de-
terminados recursos e procedimentos de ação que impliquem uma formação
com esse caráter.
A gestão escolar ou, em outros termos, a gestão do projeto pedagógico
de uma escola pública depende fundamentalmente do compromisso de seu
corpo docente, sem o qual malogrará qualquer tentativa de alcançar um pa-
râmetro de qualidade aceitável em uma sociedade que se quer democrática.
A simples garantia de condições físicas, condições de trabalho, enfim, de tudo
o que poderíamos desejar como infraestrutura ideal de uma escola, de nada
adiantará se o grupo de atores escolares, em especial sua equipe gestora e
professores – não estiver suficientemente esclarecido acerca de o que significa
uma escola pública e da responsabilidade que devem assumir, para que ela
cumpra bem seu papel.
O projeto pedagógico deve ser fruto do esforço coletivo do corpo docente
e da equipe de coordenação, servindo a um ensino que vise à formação para a
cidadania, não de forma retórica apenas, mas baseado em práticas concretas
pelas quais tais valores possam ser presenciados e aprendidos. Práticas que
vêm a compreender o sentido mesmo da expressão escola pública.
244

REFERÊNCIAS
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VIEIRA, Sofia Lerche. Política(s) e Gestão da Educação Básica: revisitando


conceitos simples. RBPAE, v. 23, n. 1, p. 53-69, jan./abr. 2007.
SOBRE OS AUTORES

Ana Cristina Prado de Oliveira


Doutora em Educação pela PUC-Rio e Professora do Departamento de Fun-
damentos da Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Sua pesquisa na área educacional envolve os seguintes temas:
gestão escolar, liderança, clima escolar, avaliação, aprendizagem e políticas
públicas, tendo publicado artigos nesta área.
Ana Luiza Honorato de Sales
Graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio) e professora de Educação Infantil. Dentre os temas pesquisados na
área da Educação estão a relação das equipes gestoras com a implementação
de políticas públicas e os principais desafios dos gestores.
André Luiz Regis de Oliveira
Mestre em Educação pela PUC-Rio, graduado em Pedagogia pela mesma
universidade e atua como professor de Ensino Fundamental do CAP/UFRJ.
Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: concepção de educação, avaliação, estratégias de aprendizagem, meto-
dologias de ensino e ensino de matemática. Atualmente também é Doutorando
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (PPGE-UFRJ) e aluno do curso de especialização em ensino
de Matemática - PED BRASIL (UVA).
Ângelo Ricardo de Souza
Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC-SP e professor
associado da Universidade Federal do Paraná, onde atua no Núcleo de Políticas
Educacionais e no Programa de Pós-Graduação em Educação. É Diretor de
Pesquisa da Associação Nacional de Política e Administração da Educação
- ANPAE (2014-2016) e Coordenador Adjunto da Área de Educação na CA-
PES. Tem colaborado com diversas publicações da área de educação. Atuou
por vários anos na educação básica. Tem experiência nas áreas de Políticas,
Gestão e Financiamento da Educação.
Carla da Conceição de Lima
Doutoranda em Educação pela Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio) e bolsista do CNPq. Seus interesses de pesquisa na área educa-
cional envolvem: gestão escolar, uso dos dados educacionais e Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC).
246

Cynthia Paes de Carvalho


Doutora em Educação pela PUC-Rio, onde atua desde 2008 como profes-
sora Adjunta e pesquisadora do Departamento de Educação. Desde 2010
coordena o grupo de pesquisa GESQ - Gestão e Qualidade da Educação
- apoiado atualmente pelo CNPQ e pela FAPERJ. Orienta futuros mestres
e doutores na área de gestão educacional e escolar, sociologia e política da
educação. Colabora como parecerista com diversas revistas qualificadas
da área e desde 2015 atua como consultora de atividades avaliação da área
de Educação da CAPES.
Emília Giordano
Especialista em Empreendedorismo pela UCAM com formação em Psicologia
pela PUC-Rio e professora de Geografia da SECT/Faetec. Seus campos de
interesse de pesquisa são avaliação, aprendizagem, arte-educação, educação
inclusiva, políticas públicas e gestão escolar.
Flávia Pedrosa de Camargo
Psicóloga organizacional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecno-
logia do Mato Grosso do Sul - Campus Corumbá. Mestre em Educação pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Possui
graduação em Psicologia pela mesma universidade (2008). Experiência na
área de Educação especial com ênfase na deficiência intelectual e sua relação
com o Mundo do Trabalho. Doutoranda em Educação pela PUC-Rio pesquisa
gestão escolar e políticas públicas de educação especial.
Juliana Gomes Pereira
Licencianda em Letras Português pela Universidade Federal de Santa Cata-
rina, bacharel em Jornalismo pela mesma universidade e mestre em Educação
Brasileira pela PUC-Rio. Atua como repórter freelancer e possui experiência
como educadora em escolas públicas de Ensino Fundamental, em produção
de documentários e conteúdos para mídias digitais. Suas principais áreas de
atuação são: Comunicação; Desigualdades Educacionais; Direitos Humanos.
Larissa Frossard Rangel Cruz
Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
Macaé - FAFIMA (1993), Especialista em Psicomotricidade pelo Centro de
Estudos da Criança - CEC (1998) e em Docência do Ensino Superior pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (2002). Mestre em Educação
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ (2006). Doutora em
Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Atualmente
é Orientadora Pedagógica e Professora do Ensino Fundamental I da Prefeitura
GESTÃO ESCOLAR E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: caminhos e horizontes de pesquisa 247

Municipal de Macaé. Tem experiência na área de Educação e Pesquisa, com


ênfase em Orientação Pedagógica, atuando principalmente nos seguintes
temas: pesquisa, memória, livro, educação, avaliação, história, história da
educação, mulheres e Macaé.
Lenon Araújo de Matos
Mestre em Educação pela PUC-Rio e Assistente Social do Instituto Federal
Fluminense campus Cabo Frio. Tem experiência na área de Serviço Social,
com ênfase em Serviço Social da Educação. Atua nos temas de assistência
estudantil, permanência escolar e políticas estudantis.
Marcela Paquelet Fonseca
Mestre em Educação pela PUC-Rio e Professora do Departamento de Educação
Física do Colégio Pedro II. Atuou como professora de Educação Física em
diversas escolas municipais. Suas principais áreas de interesse são: política
educacional, Educação Física nas escolas de tempo integral, escolas vocacio-
nadas para o esporte e gestão de tempos e espaços escolares.
Maria de Fátima Magalhães de Lima
Possui mestrado e doutorado em Educação pela PUC-Rio. Atualmente é
Professora Substituta do Departamento de Administração Educacional da
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Tem experiência de pesquisa e ensino, nas áreas de política educacional,
desigualdades, gestão educacional, gestão democrática e escolar. Atuou por
vários anos como professora e diretora de escola de ensino fundamental da
rede pública municipal do Rio de Janeiro.
Maria Elizabete Neves Ramos
Psicóloga formada pela UFRJ, concluiu o Mestrado em Educação pela
PUC-Rio, onde atualmente cursa o Doutorado em Ciências Humanas-
Educação. Sua pesquisa na área educacional envolve os seguintes temas:
políticas públicas, avaliação da educação básica, relação ensino-apren-
dizagem, relação família-escola. Integra o Laboratório de Avaliação da
Educação, da PUC-Rio.
Maria Luiza Canedo
Doutora em Educação pela PUC-Rio e Mestre em Bens Culturais e Projetos
Sociais pelo CPDOC/ FGV. Professora Adjunta do Departamento de Educa-
ção da PUC-Rio e Editora da revista Educação Online. Pesquisa os temas de:
gestão escolar, fundamentos da educação e relação família-escola.
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Marina Meira de Oliveira


Mestre em Educação pela PUC-Rio e Professora do Colégio Pedro II. Sua
pesquisa na área educacional envolve os seguintes temas: políticas públicas,
gestão escolar, implementação de políticas educacionais e desigualdades,
tendo publicado artigos nesta área.
Vandré Gomes da Silva
Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e pesquisador da Fun-
dação Carlos Chagas onde integra o comitê editorial do periódico Estudos
em Avaliação Educacional. No campo educacional já exerceu atividades de
docência no ensino fundamental e médio, direção e supervisão escolar e for-
mação de professores e gestores escolares. Tem como foco os seguintes temas:
política e avaliação Educacional, gestão Escolar, Formação de professores e
análise conceitual do discurso educacional.
SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 X 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 11,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

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