Resp 1814639 2020 06 09

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.814.639 - RS (2018/0136893-1)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO


R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO MOURA RIBEIRO
RECORRENTE : JEP
ADVOGADOS : JOAQUIM ERNESTO PALHARES - RS012204
MÁRCIO MELLO CASADO - RS039380
TARCÍSIO RODOLPHI CARNEIRO - RS048796
DARIANO JOSÉ SECCO - SP164619
RECORRIDO : JSF
ADVOGADO : JUSSINARA SENA FERNANDES - RS028283
INTERES. : R F P (MENOR)
EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO


INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE
CONTAS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ART. 1.583, § 5º, DO CC/02.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA.
VIABILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. INTERESSE
JURÍDICO E ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL PRESENTES.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE.PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado
Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de
9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015
(relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão
exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo
CPC.
2. Não há falar em omissão ou negativa de prestação jurisdicional, na
medida em que o Tribunal gaúcho dirimiu, de forma motivada, as
questões devolvidas em grau de apelação, pondo fim à controvérsia
dos autos.
3. O cerne da controvérsia gira em torno da viabilidade jurídica da ação
de prestar (exigir) contas ajuizada pelo alimentante contra a guardiã do
menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação
da pensão paga mensalmente.
4. O ingresso no ordenamento jurídico da Lei nº 13.058/2014 incluiu a
polêmica norma contida no § 5º do art. 1.583 do CC/02, versando sobre
a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações e/ou
prestação de contas contra a guardiã unilateral, devendo a questão ser
analisada, com especial ênfase, à luz dos princípios da proteção
integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da
dignidade da pessoa humana, que são consagrados pela ordem
constitucional vigente.
5. Na perspectiva do princípio da proteção integral e do melhor
interesse da criança e do adolescente e do legítimo exercício da
autoridade parental, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável
a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o)
guardiã(o) e representante legal de alimentado incapaz, na medida em
que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a
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saúde física e também psicológica do menor, lembrando que a lei não
traz palavras inúteis.
6. Como os alimentos prestados são imprescindíveis para própria
sobrevivência do alimentado, que no caso tem seríssimos problemas
de saúde, eles devem ao menos assegurar uma existência digna a
quem os recebe. Assim, a função supervisora, por quaisquer dos
detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba
alimentar fornecida é empregada, além de ser um dever imposto pelo
legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor
interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente.
7. O poder familiar que detêm os genitores em relação aos filhos
menores, a teor do art. 1.632 do CC/02, não se desfaz com o término
do vínculo matrimonial ou da união estável deles, permanecendo
intacto o poder-dever do não-guardião de defender os interesses
superiores do menor incapaz, ressaltando que a base que o legitima é
o princípio já destacado.
8. Em determinadas situações, não se pode negar ao alimentante
não-guardião o direito de averiguar se os valores que paga a título de
pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e
voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus
interesses básicos fundamentais, sob pena de se impedir o exercício
pleno do poder familiar.
9. Não há apenas interesse jurídico, mas também o dever legal, por
força do § 5º do art. 1.538 do CC/02, do genitor alimentante de
acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob
a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas
necessidades materiais e imateriais essenciais ao seu
desenvolvimento físico e também psicológico, aferindo o real destino do
emprego da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada
para esse fim.
9.1. O que justifica o legítimo interesse processual em ação dessa
natureza é só e exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do
adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível
malversação, e não o eventual acertamento de contas, perseguições
ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), devendo ela ser dosada, ficando
vedada a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de
revisional pois os alimentos são irrepetíveis.
10. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, após o voto de desempate da Sra. Ministra


Nancy Andrighi, acompanhando a divergência, vistos, relatados e discutidos os autos em
que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conhecer em parte do recurso especial e, nesta
parte, dar -lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, que

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lavrará o acórdão.
Votaram vencidos os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva. Votaram com o Sr. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Presidente)
os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi.
Dr(a). MÁRCIO MELLO CASADO, pela parte RECORRENTE: J E P
Brasília (DF), 26 de maio de 2020(Data do Julgamento)

MINISTRO MOURA RIBEIRO


Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.814.639 - RS (2018/0136893-1)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO


RECORRENTE : JEP
ADVOGADOS : JOAQUIM ERNESTO PALHARES - RS012204
MÁRCIO MELLO CASADO - RS039380
TARCÍSIO RODOLPHI CARNEIRO - RS048796
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RECORRIDO : JSF
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INTERES. : R F P (MENOR)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO


(Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por J. E. P., com fundamentado
no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, contra
acórdão proferido pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul nos autos da ação de prestação de contas que moveu em
face de J. S. F., representante legal do menor R. F. P., assim ementado (fl.
343):

PRESTAÇÃO DE CONTAS. VALORES DA PENSÃO ALIMENTÍCIA


QUE O AUTOR PAGA AO FILHO. DESCABIMENTO.
1. Como a ação de prestação de contas tem por objetivo estabelecer a
existência de um crédito, de uma dívida ou reconhecer a sua quitação, e
como o pai alimentante não tem relação jurídica de direito material
com a mãe e guardiã de seu filho, mas com o filho - alimentado, que é o
titular dos alimentos, é descabido o pedido deduzido na exordial.
2. O alimentante somente pode pedir a prestação de contas do valor da
pensão de alimentos que presta ao filho, contra a representante legal
dele em situação excepcional, pois os alimentos são destinados ao filho
e deixam de ser propriedade do alimentante no momento da entrega,
passando a pertencer ao alimentado e se exaurem no próprio sustento
dele, ou seja, o alimentante não terá nenhum crédito em relação aos
alimentos, pois o credor, se for o caso, será o filho.
3. O art. 1.583, §5Q, do CCB prevê o direito do genitor que não detém
a guarda de supervisionar os interesses dos filhos e tem legitimidade
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para solicitar informações ou prestação de contas, objetivas ou
subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem
a saúde física e psicológica e a educação dos seus filhos, não cuidando
propriamente de se fazer auditoria no valor da pensão alimentícia que
paga ao filho.
4. Quando a pensão alimentícia não estiver sendo canalizada para o
alimentado e, em razão disso, o sustento dele estiver prejudicado, não
será o caso de apenas buscar um crédito, que é o desiderato da ação de
prestação d,e contas, mas de buscar medidas tendentes a amparar o
alimentado.
5. Fere a razoabilidade pretender que a guardiã deva comparecer a
juízo para prestar contas, e de forma mercantil, de todas as inúmeras
pequenas despesas que consistem no sustento e na própria
administração do cotidiano do filho, mormente quando ele tem saúde
delicada e possui gastos extraordinários, em razão de suas necessidades
especiais.
Recurso desprovido.

Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados (fls. 363/372).


Em suas razões (fls. 377/397), o recorrente alegou ofensa aos artigos
369, 370, 489, §1º, I e IV e 1.022, I e II e parágrafo único, II, do CPC, e
artigo 1.583, §5º do Código Civil, sustentando, em síntese, omissão no acórdão
recorrido quanto às seguintes questões: (i) não há pedido do recorrente para
buscar crédito alimentar; (ii) a delicada saúde do menor caracteriza a situação
excepcional que enseja o pedido de prestação de contas com fundamento no
art. 1.583, §5º, do Código Civil, e; (iii) legitimidade do recorrente para o
pedido de prestação de contas. Disse, ainda, da ocorrência de cerceamento de
defesa, pois não lhe fora permitida a produção plena das provas requeridas,
como a análise dos extratos bancários e dos cartões de crédito em nome da
recorrida e a colheita do seu depoimento pessoal, o que evidenciaria a sua má
gerência dos valores pagos a título de pensão alimentícia. Defendeu, por fim,
ser parte legítima para propor ação de prestação de contas, a fim de averiguar
"se a vultuosa quantia que paga mensalmente, de forma extremamente
dificultosa, está sendo empregada para o fim que deve, qual seja, a

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manutenção alimentar sadia e coerente do seu filho R.", ou se está sendo
utilizada pela recorrida em proveito próprio. Argumentou que a delicada saúde
do menor configura situação excepcional que justifica tal pretensão,
questionando, no mais, qual teria sido a finalidade da integração do §5º ao art.
1.538 do Código Civil. Postulou o provimento.
Contrarrazões às fls. 404/418.
O recurso especial foi inadmitido na origem (fls. 421/433).
Em decisão de fl. 509, determinei a conversão do agravo em recurso
especial.
O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 503/507, opinou pelo
desprovimento.
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.814.639 - RS (2018/0136893-1)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO


RECORRENTE : JEP
ADVOGADOS : JOAQUIM ERNESTO PALHARES - RS012204
MÁRCIO MELLO CASADO - RS039380
TARCÍSIO RODOLPHI CARNEIRO - RS048796
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RECORRIDO : JSF
ADVOGADO : JUSSINARA SENA FERNANDES - RS028283
INTERES. : R F P (MENOR)
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC/2015). AÇÃO DE


PRESTAÇÃO DE CONTAS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. art. 1.583, §5º,
DO CÓDIGO CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
INOCORRÊNCIA. INTERESSE DE AGIR DO ALIMENTANTE.
DECISÃO EM CONFORMIDADE COM ENTENDIMENTO DO STJ.
PRODUÇÃO DE PROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. REEXAME
DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 7/STJ.
1. Controvérsia em torno da viabilidade jurídica da ação de prestação
de contas ajuizada pelo alimentante contra a genitora e guardiã do
alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da
pensão alimentícia prestada mensalmente.
2. Polêmica acerca da interpretação do enunciado normativo do § 5º ao
art. 1.583, do Código Civil, introduzido pela Lei n.º 13.058/2014,
versando acerca da solicitação de informações e/ou prestação de contas
na guarda unilateral.
3. Segundo a orientação jurisprudencial desta Corte,"o alimentante não
possui interesse processual em exigir contas da detentora da guarda
do alimentando porque, uma vez cumprida a obrigação, a verba não
mais compõe o seu patrimônio, remanescendo a possibilidade de
discussão do montante em juízo com ampla instrução probatória (REsp
n.º 1637378/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe /06/03/2019).
4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA
EXTENSÃO, DESPROVIDO.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

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(Relator):
Eminentes colegas.
A controvérsia do recurso especial situa-se em torno da viabilidade
jurídica da ação de prestação de contas ajuizada pelo alimentante, ora
recorrente, em desfavor da recorrida, genitora e guardiã do alimentado, a fim
de obter informações acerca da destinação da pensão alimentícia que alcança
mensalmente a este.
Cumpre analisar, ainda, se houve negativa de prestação jurisdicional, por
supostas omissões não sanadas no acórdão que julgou os embargos de
declaração, e cerceamento de defesa, em razão da negativa de realização de
todas as provas requeridas.
Antes de enfrentar estas questões, rememoro as circunstâncias fáticas
que envolvem o litígio estabelecido entre as partes.
Extrai-se dos autos que o alimentado, R. F. P., é filho das partes, sempre
esteve sob a guarda unilateral da genitora e nunca conviveu com o genitor.
Por decisão judicial, o recorrente foi condenado no ano de 2006 a prestar
alimentos ao filho no valor equivalente a trinta salários mínimos, além da
obrigação de custear plano de saúde.
R. F. P. nasceu com Síndrome de Down e possui deficiência intelectual
moderada, transtorno de desenvolvimento, deficiência visual grave e espectro
autista, necessitando de cuidados médicos constantes e especiais. "Em
consequência, o menino não fala, não possui controle esfincteriano, não
permanece sentado sem apoio, possui dificuldades para caminhar, não come
sozinho nem brinca sem ajuda, não se comunica com o meio a que está
inserido, além de possuir deficiência visual, refluxo alimentar, processo
alérgico constante e apnéia" (fl. 2).
Nos autos da ação de revisão de alimentos, ajuizada no ano de 2014, a

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pensão alimentícia foi reduzida para R$15.000,00 mensais.
Na presente ação de prestação de contas, ajuizada em 2015, o recorrente
aduziu que (i) foi impedido pela genitora de conviver e de acompanhar o
desenvolvimento do filho; (ii) após treze anos cumprindo pontualmente a
obrigação alimentar, a sua condição financeira foi substancialmente reduzida
em razão de problemas de saúde e a dissolução da sua sociedade de
advogados, além de possuir outros dois filhos menores de idade, sendo certo
que o sucessivo aumento do salário mínimo gerou desequilibro insustentável, a
impor a necessidade de buscar a revisão do valor dos alimentos; (iii) na ação
de revisão de alimentos a guardiã não trouxe qualquer comprovante de que o
filho está recebendo todos os acompanhamentos necessários, pois limitou-se a
colacionar atestados médicos; (iv) todas as consultas e exames são cobertos
pelo plano de saúde, de modo que a condição de saúde do filho não pode
justificar a manutenção do valor da pensão fixada; (v) obteve a informação de
que R. F. P. estudou em escola pública até 2014, deixando de frequentar
escolas inclusivas; (vi) houve significativa melhora da capacidade financeira da
genitora; (vii) no passado, quando da discussão do quantum alimentar, a
genitora superestimou as despesas do filho. Sustentou, dessa forma, que todos
estas circunstâncias revelam fortes indícios do desvio de finalidade da pensão
alimentícia, desejando, portanto, certificar-se de que o filho está recebendo
todo o acompanhamento de que precisa e, para tanto, requereu que a genitora
fosse compelida a prestar contas de todos os valores recebidos a título de
pensão alimentícia desde abril de 2013, acostando os respectivos
comprovantes.
A recorrida apresentou contestação, sustentando a ilegitimidade e a falta
de interesse processual do recorrente. Disse, em síntese, que (a) os alimentos
não foram fixados de forma aleatória, mas após ampla dilação probatória e

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interposição de inúmeros recursos; (b) sempre buscou o melhor para o filho,
dedicando-se a ele 24 horas por dia, não tendo conquistado projeção
profissional no período; (c) o genitor nunca quis conhecer o filho e nunca o
amparou afetivamente; (d) desde os três anos de idade R. F. P. participa de
processo inclusivo em rede regular de ensino particular e apenas a partir de
2014 passou a integrar a rede regular de ensino público, em razão da
inadimplência do recorrente, que por dois anos deixou de alcançar regularmente
a pensão, tendo sido obrigada a contrair dívidas e empréstimos e a ajuizar
execução de alimentos e; (e) não há custeio integral das consultas, exames e
cirurgias pelo plano de saúde, postulando a extinção do feito.
Após a realização de audiência de tentativa de conciliação, sobreveio a
sentença de improcedência dos pedidos autorais.
Reconheceu o juízo de primeiro grau a inadequação da via da prestação
de contas, seja pela irrepetibilidade dos alimentos, seja pela ausência de
demonstração de qual utilidade que o autor teria com a demanda que não
pudesse ser suficientemente alcançada com a ação revisional de alimentos que
tramitava paralelamente, ou, ainda, quais situações específicas que afetam a
saúde ou educação do seu filho embasariam a suspeita de desvio de função dos
alimentos, cuidando-se de pedido genérico.
No acórdão recorrido, o Tribunal a quo confirmou a sentença e negou
provimento ao recurso de apelação, destacando que a genitora tem prestado
ao filho todos os cuidados de que necessita.
Daí a interposição do presente recurso especial.
Passo, assim, a analisar pontualmente as razões recursais.
I - Negativa de prestação Jurisdicional
Afasto, de início, a alegação de violação aos artigos 489 e 1.022, do
CPC/2015, pois verifica-se que as questões submetidas ao Tribunal a quo

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foram suficiente e adequadamente apreciadas, com abordagem integral dos
temas e fundamentação compatível.
O acórdão foi devidamente fundamentado para reconhecer a
improcedência do pedido de prestação de contas, ao argumento de que o
alimentante carece de interesse processual e que o pedido não se presta a
verificar a existência de crédito, bem como que, no caso, o pedido formulado
pelo recorrente não tem o objetivo peculiar de amparar o alimentando, mas de
forçar a redução do valor dos alimentos.
Desse modo, todas as questões necessárias à solução da controvérsia
foram tratadas no acórdão recorrido, remanescendo, tão somente a irresignação
do recorrente com a conclusão contrária aos seus interesses, o que, a toda
evidência, não caracteriza negativa de prestação jurisdicional.
II - Cerceamento de Defesa
Acerca do alegado cerceamento de defesa, assim decidiu o Tribunal de
origem (fl. 346):
Não vislumbro qualquer cerceamento de defesa e, aliás,
seria desnecessária mesmo qualquer prova a ser produzida,
cuidando-se mesmo do pedido genérico de que sejam
prestadas as contas de todos os valores da pensão alimentícia
que o recorrente pagou ao filho desde abril de 2013.

Observa-se que a Corte de origem considerou o feito substancialmente


instruído, declarando ser desnecessária produção de prova porque cuida-se de
pedido genérico de prestação de contas.
Nesse contexto, para aferir a ocorrência de cerceamento de defesa e a
existência de prejuízo, como pretende o recorrente, seria necessário a incursão
no acervo fático-probatório dos autos, prática vedada pela Súmula 7/STJ.
III - Violação ao artigo 1.583, §5º, do Código Civil
Adianto que a irresignação recursal não merece prosperar.

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A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, por suas Turmas de
Direito Privado, orienta-se no sentido de que a ação de prestação de contas,
em regra, é via inadequada para a fiscalização dos recursos decorrentes da
obrigação alimentar.
Esta via processual especial, que possui assento nos artigos 550 a 553, do
Código de Processo Civil (correspondentes aos artigos 914 a 919 do
CPC/1973), está vocacionada, essencialmente, à apuração de um crédito a
partir de uma relação jurídica material subjacente, o que evidencia a sua
natureza condenatória, como explica Daniel Amorim Assumpção Neves (in
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. Salvador:
JusPodivim, 2016, p. 550):
Interessante notar que a prestação de contas não tem como objetivo
final tão somente o acertamento das receitas e despesas na
administração de bens, valores ou interesses, considerando-se que a
discussão das contas será realizada de forma incidental somente como
meio para se definir a responsabilidade de pagar do devedor. Essa
circunstância leva a melhor doutrina a entender pela natureza
condenatória dessa ação, considerando que o seu resultado será a
condenação do devedor ao pagamento do saldo apurado.
A natureza da ação é realmente condenatória, até mesmo porque os
dois pedidos necessariamente cumulados na petição da ação e exigir
contas têm essa natureza: (a) condenação à prestação das contas
(obrigação de fazer); (b) condenação ao pagamento do saldo residual
(obrigação de pagar).

Trata-se, como visto, de instrumento facultado ao credor para exigir de


quem administra seus bens, valores ou interesses, a relação pormenorizada das
receitas e despesas e/ou investimentos no desenvolvimento desta
administração, fixando-se a dimensão econômica do relacionamento jurídico
existente entre as partes.
É justamente este provimento jurisdicional próprio da ação de exigir
contas - a apuração de eventual crédito, mediante critérios puramente

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quantitativos, que torna este procedimento incompatível com a pretensão
fiscalizatória do alimentante em relação aos recursos transmitidos ao
alimentado que não está sob sua guarda.
De um lado, o alimentante não tem relação jurídica de direito material
com a mãe e guardiã de seu filho, mas apenas com este, que é o titular dos
alimentos. Sob este aspecto, um pai não é credor do outro.
Os alimentos, uma vez prestados, deixam de ser da propriedade do
alimentante e passam a pertencer ao alimentado, exaurindo-se presumivelmente
no seu próprio sustento.
De outro, a eventual malversação da verba alimentar pelo guardião não
enseja a restituição de valores desviados ou mal empregados, notadamente em
razão da irrepetibilidade dos alimentos.
Não há, ainda, admitir-se neste expediente a possibilidade de eximir o
alimentante do pagamento dos alimentos definidos em provimento jurisdicional
próprio, providência que supõe o manejo dos meios processuais adequados e
legalmente previstos.
Exatamente por estas razões, esta Terceira Turma, no julgamento do
REsp n.º 985061/DF, do AgRg no Ag n.º 1269320/PR e do AgRg no REsp n.º
1.378.928, reconheceu a ilegitimidade ativa e a falta de interesse de agir do
alimentante para, nos termos expostos, exigir contas daquele que detém a
guarda do menor ou incapaz.
A propósito, confira-se a ementa dos referidos julgados:

Direito civil e processual civil. Família. Recurso especial. Ação de


prestação de contas. Alimentos. Ausência de interesse de agir.
- No procedimento especial de jurisdição contenciosa, previsto nos arts.
914 a 919 do CPC, de ação de prestação de contas, se entende por
legitimamente interessado aquele que não tenha como aferir, por ele
mesmo, em quanto importa seu crédito ou débito, oriundo de vínculo
legal ou negocial, nascido em razão da administração de bensou
interesses alheios, realizada por uma das partes em favor da outra.
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- O objetivo da ação de prestação de contas é o de fixar, com exatidão,
no tocante ao aspecto econômico de relacionamento jurídico havido
entre as partes, a existência ou não de um saldo, para
estabelecer, desde logo, o seu valor, com a respectiva condenação
judicial da parte considerada devedora.
- Aquele que presta alimentos não detém interesse processual para
ajuizar ação de prestação de contas em face da mãe da alimentada,
porquanto ausente a utilidade do provimento jurisdicional invocado,
notadamente porque quaisquer valores que sejam porventura
apurados em favor do alimentante, estarão cobertos pelo manto do
princípio da irrepetibilidade dos alimentos já pagos.
- A situação jurídica posta em discussão pelo alimentante por meio de
ação de prestação de contas não permite que o Poder Judiciário oferte
qualquer tutela à sua pretensão, porquanto da alegação de que a
pensão por ele paga não está sendo utilizada pela mãe em verdadeiro
proveito à alimentada, não subjaz qualquer vantagem para o pleiteante,
porque: (i) a já referenciada irrepetibilidade dos alimentos não permite
o surgimento, em favor do alimentante, de eventual crédito; (ii) não há
como eximir-se, o alimentante, do pagamento dos alimentos assim
como definidos em provimento jurisdicional, que somente pode ser
modificado mediante outros meios processuais, próprios para tal
finalidade.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 985061/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 20/05/2008, DJe 16/06/2008)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO


DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR -
INTERESSE DE AGIR - AUSÊNCIA - PRECEDENTE - AGRAVO
IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 1269320/PR, Relator Ministro MASSAMI
UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe
04/04/2011;

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE


FISCALIZAÇÃO DE DESPESAS ALIMENTÍCIAS. DEMANDA QUE
OBJETIVA A FISCALIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DA VERBA
ALIMENTAR. AÇÃO INADEQUADA AO FIM COLIMADO.
1.- Segundo a jurisprudência desta Corte, o alimentante não
detém interesse de agir quanto a pedido de prestação de
contas formulado em face da mãe do alimentando, filho de
ambos, sendo irrelevante, a esse fim, que a ação tenha sido
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proposta com base no art. 1.589 do Código Civil, uma vez
que esse dispositivo autoriza a possibilidade de o genitor
que não detém a guarda do filho fiscalizar a sua
manutenção e educação, sem, contudo, permitir a sua
ingerência na forma como os alimentos prestados são
administrados pela genitora.
2.- Agravo Regimental improvido".
(AgRg no REsp 1.378.928/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,
TERCEIRA TURMA, DJe 06/09/2013)

Nessa mesma direção decidiu a Quarta Turma desta Corte, no


julgamento do REsp 970147/SP, Rel. para o acórdão o Ministro Marco
Buzzi, em caso de todo assemelhado à hipótese dos autos, reconhecendo a
inadequação da via da prestação de contas para o exercício do poder-dever de
inspeção do genitor não guardião quanto à destinação da pensão alimentícia
paga ao filho menor, sobretudo por tratar-se de procedimento hermético,
substancialmente marcado pelo signo da quantificação e com exiguidade de
prazos.
Conforme destacado no voto condutor do acórdão, a garantia da
efetiva tutela do menor poderia ser melhor exercida, diante do eventual
desvio malicioso da verba alimentar, por meio do rito do art. 461, do
CPC/73, ou pela via ordinária, cumulada com pedidos subsidiários que
deixem aberta a possibilidade de se promover a medida mais consentânea
para a correta fruição dos alimentos, e desde que amparada em justa causa,
vinculada à fatos concretos e graves, o que não se evidenciou naquele caso.
Confira-se, a propósito, a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE


PRESTAÇÃO DE CONTAS - ALIMENTOS - AUSÊNCIA DE
INTERESSE DE AGIR DO ALIMENTANTE EM DEFLAGRAR, EM
FACE DA GENITORA DO ALIMENTADO, DEMANDA NOS MOLDES
DO ART. 914 E SEGUINTES DO CPC. INSURGÊNCIA DO AUTOR.
1. A ação de prestação de contas, consubstanciada nos artigos 914 a
919 do CPC, segue procedimento especial de jurisdição contenciosa, e
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volta-se a compelir aquele que administra patrimônio alheio ou comum
a demonstrar em Juízo, e de forma documentalmente justificada, a
destinação/exploração desses bens e direitos. Visa, sobretudo, a
evidenciação do resultado da administração, à qual deve se dar por
meio mercantil, escriturando-se contabilmente os lançamentos a título
de receita e despesa, aplicações, frutos e rendimentos, tudo a fim de
permitir a certificação sobre a existência de saldo em favor de
quaisquer das partes ou mesmo, a ausência de direito de crédito ou
débito entre os litigantes, fixando-se exatamente a dimensão econômica
do relacionamento jurídico existente entre as partes.
2. Ausência de interesse processual daquele que presta alimentos a
compelir o detentor da guarda do menor a prestar contas nos moldes
dos aludidos artigos legais, porquanto o exercício do direito de
fiscalização conferido a quaisquer dos genitores em relação aos
alimentos prestados ao filho menor, vai muito além da mera
averiguação aritmética do que foi ou deixou de ser investido em prol
do alimentando. Toca mais intensamente na qualidade daquilo que
lhe é proporcionado, a fim de assegurar sua saúde, segurança e
educação da forma mais compatível possível com a condição social
experimentada por sua família (CC, art. 1.694, caput). Ademais, o
reconhecimento da má utilização das quantias pelo genitor detentor
da guarda não culminará em qualquer vantagem ao autor da ação,
ante o caráter de irrepetibilidade dos alimentos, e, ainda, em face de a
obrigação alimentar, e seus respectivos valores, restarem definidos
por provimento jurisdicional que somente pode ser revisto através dos
meios processuais destinados a essa finalidade.
3. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 970147/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. para
acórdão Min. MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 16/10/2012)

In casu, neste mesmo norte interpretativo andou o Tribunal a quo.


Na dicção do acórdão recorrido, a pretensão do recorrente não estava
voltada, genuinamente, ao resguardo dos interesses do filho, mas a forçar a
genitora a aceitar a redução do valor dos alimentos, incessantemente buscada,
direta ou indiretamente, em outras ações, não tendo trazido qualquer
situação específica e excepcional para justificar o seu pleito.
Reconheceu-se, ainda, que a genitora presta todos os cuidados que o
filho necessita.

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O recorrente, por sua vez, insiste que é direito seu, nos termos do art.
1.583, §5º, do Código Civil, fiscalizar a manutenção e educação do seu filho
através da ação de prestação de contas, a fim de evitar abusos e desvio de
finalidade quanto à administração da pensão alimentícia pela guardiã.
Argumenta que não há pretensão à restituição dos valores e que a
situação de saúde do filho constitui justo motivo para o cabimento da demanda,
diante da possível má aplicação dos recursos da pensão alimentícia pela
genitora, devendo ser afastada a sua ilegitimidade.
Não lhe assiste razão, contudo.
A Lei n.º 13.058/2014, que teve o propósito de estabelecer o significado
da expressão “guarda compartilhada” e de dispor sobre sua aplicação,
conforme se extrai do seu preâmbulo e de seu art. 1º, incluiu o §5º ao art.
1.583, do Código Civil, e passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos


genitores ou a alguém que o substitua ( art. 1.584, § 5 o ) e, por guarda
compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e
deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes
ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve
ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo
em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia
dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 4º (VETADO) .
§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a
supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal
supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para
solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou
subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente
afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
(Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

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Antes da alteração legislativa, o §3º do art. 1.583 dispunha que "a guarda
unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os
interesses dos filhos.
Esta supervisão, vale lembrar, também já estava disciplinada no art.
1.589, do Código Civil, sem alteração.
Agora, incorporando a redação do antigo §3º do art. 1.583, o §5º do
referido dispositivo legal, como se vê, passou a prever um dever de informar
e prestar contas na guarda unilateral.
A função fiscalizadora da manutenção e educação do filho decorre,
evidentemente, do poder familiar de que continua investido o genitor não
detentor da guarda permanente da prole, a teor do art. 1.630, do Código Civil.
Trata-se de um poder/dever de fiscalizar a manutenção e a educação dos
filhos e dos recursos empregados para tanto, conforme alude o §5º, do art.
1.583, do Código Civil, mas sempre no superior interesse destes.
Este dispositivo legal, não por acaso, foi inserido no capítulo "Da
Proteção dos Filhos", e não no "Dos Alimentos", sinalizando, quer parecer, um
encargo atribuído ao pai não guardião que vai muito além do aspecto
meramente econômico de fiscalização das verbas que destina ao filho.
Cuida-se, mais especificamente, de possibilitar-lhe maior participação na
criação dos filhos, especialmente quando a guarda é exercida de forma
unilateral.
A inovação legislativa, contudo, segundo renomados doutrinadores, tais
como Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves de Farias, Flávio Tartuce e
Rolf Madaleno, veio chancelar a legitimidade ativa do genitor não guardião de
reclamar contas em face do genitor guardião, relativamente à aplicação dos
recursos alimentares destinados ao menor.

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Confira-se, por todos, as considerações de Flávio Tartuce (in Da ação
de prestação de contas de alimentos - Breve análise a partir da Lei 13.058/14 e
do novo CPC, disponível online no Portal Migalhas. Acesso em 28/11/2019):
[...]A menção à supervisão e à prestação de contas, sem dúvidas,
pode estar relacionada aos alimentos.
Em complemento, quanto à prestação das contas alimentares passa
ela a ser plenamente possível, afastando-se os argumentos processuais
anteriores em contrário, especialmente a ilegitimidade ativa e a
ausência de interesse processual. Igualmente, não deve mais prosperar
a premissa da irrepetibilidade como corolário da inviabilidade dessa
prestação de contas”

A despeito das respeitáveis opiniões daqueles que defendem o cabimento


da medida, tenho que a nova redação do art. 1.583 do Código Civil não enseja
a adoção de solução diversa daquela alcançada pelos acórdãos desta Corte
anteriores a esta inovação legislativa, na linha do entendimento recentemente
reiterado por esta Terceira Turma.
No julgamento do REsp n.º1637378/DF, da relatoria do e. Ministro
Ricardo Villas Bôas Cueva, cujo controvérsia estava em determinar o alcance
do mencionado dispositivo legal, reconheceu-se, uma vez mais, a falta de
interesse processual do alimentante, como foi sintetizado na ementa do julgado,
verbis:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS. AÇÃO
DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEVEDOR. AUSÊNCIA DE
INTERESSE DE AGIR. CRÉDITO. INEXISTÊNCIA.
ADMINISTRAÇÃO. VALORES. GUARDA. EXCLUSIVIDADE.
IRREPETIBILIDADE. UTILIDADE. AUSÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência
do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs
2 e 3/STJ).
2. A ação de prestação de contas tem a finalidade de declarar a
existência de um crédito ou débito entre as partes.
3. Nas obrigações alimentares, não há saldo a ser apurado em favor
do alimentante, porquanto, cumprida a obrigação, não há repetição de
valores.
4. A ação de prestação de contas proposta pelo alimentante é via
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inadequada para fiscalização do uso de recursos transmitidos ao
alimentando por não gerar crédito em seu favor e não representar
utilidade jurídica.
5. O alimentante não possui interesse processual em exigir contas da
detentora da guarda do alimentando porque, uma vez cumprida a
obrigação, a verba não mais compõe o seu patrimônio, remanescendo
a possibilidade de discussão do montante em juízo com ampla
instrução probatória.
6. Recurso especial não provido.
(REsp n.º 1637378/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe
/06/03/2019).

Na ocasião, reconheceu Sua Excelência que "o artigo 1.583, §5º, do


Código Civil de 2002, inserido pela Lei nº 13.058/2014, sinaliza importante
mandamento de que o guardião que não detém a guarda deve supervisionar
os interesses dos filhos, podendo solicitar informações acerca do bem estar
deles por meio do essencial direito e dever de fiscalização".
Ponderou, no entanto, que "eventual desconfiança sobre tais
informações, em especial do destino dos alimentos que paga, não se resolve
por meio de planilha ou balancetes pormenorizadamente postos, de forma
matemática e objetiva, mas com ampla análise de quem subjetivamente
detém melhores condições para manter e criar uma criança em um
ambiente saudável, seguro e feliz, garantindo-lhe a dignidade tão essencial
no ambiente familiar".
Também nesse sentido, confira-se elucidativa lição trazida por Denise
Damo Comel (in Revista Síntese, Direito de Família, RDF n.º 92, p. 98/99),
citada no referido julgado, recomendando cautela e ponderação acerca da viabilidade
e utilidade destas ações:
[...]
A prestação de contas, tecnicamente falando, consiste 'no
relacionamento e na documentação comprobatória de todas as receitas
e de todas as despesas referentes a uma administração de bens, valores
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ou interesses de outrem, realizada por força de relação jurídica
emergente da lei ou do contrato', sendo que seu objetivo é liquidar dito
relacionamento jurídico no seu aspecto econômico (Theodoro Junior,
2012, p. 81).
No caso de se querer transpor referida figura para o direito de
família (e essa deve ser a hipótese, pois o legislador optou pelo uso do
termo 'prestação de contas', que tem significado jurídico o se vai
encontrar é que um pai não é credor do outro em face do dever de
poder familiar de modo que se possa conceber o dever de prestação de
contas entre eles, no sentido técnico do termo. Quando um pai exerce o
poder familiar, ele não exerce a função administrando bens, valores ou
interesses do outro, mas age exercendo dever que lhe é cometido por
lei, diretamente relacionado ao filho e no interesse deste.
Para existir a obrigação de prestar contas, há de haver uma
relação material entre os sujeitos da relação, na qual se verifique 'a
existência efetiva do poder daquele que se diz credor das contas de
sujeitar o demandado a prestá-los' (Theodoro Junior, 2012, p. 85).
Inexistente essa relação, não há que se falar em dever de prestação
de contas, a despeito de o legislador ter atribuído legitimidade a
qualquer dos pais para tal finalidade ('qualquer dos genitores sempre
será parte legítima'). Se não há a relação de direito material, a
legitimidade reconhecida pela lei é vazia, pois sem objeto.
Causa espécie, ainda, a previsão de que a prestação de contas
possa ser objetiva ou subjetiva, sobre assuntos ou situações que, direta
ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica e a educação de
seus filhos - uma amplitude que a torna praticamente inatingível.
Questões que afetem saúde física e educação até seriam
admissíveis, em tese, pois de alguma concretude. Porém, não se
vislumbra como conceber uma prestação de contas subjetiva, na
medida em que o subjetivo reside no âmbito psíquico e emocional, no
espírito da pessoa. Não se concebe que espécie de dever subjacente
residiria aqui e onde se chegaria, ao final, com a prestação de contas
subjetiva. Difícil conceber a possibilidade de comprovar a ocorrência
de fatos subjetivos que, de alguma forma, afetem o filho, com a
respectiva relação de causa e efeito.
A mesma perplexidade nos ocorre quando pensamos em assuntos
(matérias, temas, conversas) ou situações (acontecimentos,
oportunidades) como objeto da prestação de contas que, direta ou
indiretamente, afetem a saúde física e psicológica do filho. Mais, a
prestação de contas está prevista como forma de 'possibilitar a
supervisão' dos interesses dos filhos. Em tese, então, o pedido teria que
ser justificado na intenção/necessidade de inspecionar para ser
admitido.

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Com efeito, não se questiona que o pai guardião deva manter o filho
sob estreita vigilância e proteção. Todavia, disso a pretender que tenha
verdadeiro domínio sobre a vida do filho, sem que nada lhe passe, nada
atinja o filho sem que antes saiba, como se devesse monitorá-lo
ininterruptamente, tudo para que, eventualmente, possa prestar contas
a respeito de todos os assuntos ou situações que, direta ou
indiretamente, o alcancem, parece-nos inviável. Prestar contas do
resfriado, da infecção de garganta, do medo de cachorro que não tinha
antes. Prestar contas porque o filho está triste, parece deprimido; está
sem fome ou come demais. Não quer comer salada, mas antes comia.
Falou um palavrão, desrespeitou o avô. Recusou ler o livro que ganhou.
Caiu da bicicleta e se machucou; houve ou não negligência, e assim por
diante, em infindáveis hipóteses.
E o que dizer das inúmeras possibilidades acerca do elemento
causador da situação: a escola, os amigos, os vizinhos, a televisão, a
internet, a festinha de aniversário, a casa da avó e seu entorno, os
primos, quando estava com o pai no mercado, quando estava com a
mãe na farmácia. Difícil imaginar quem vai prestar contas disso e de
que forma seria possível. Ainda que se pudesse admitir a obrigação de
prestar contas, tratar-se-ia de obrigação inexequível, como regra, salvo
situações excepcionais.
Será necessário, portanto, especial cautela e ponderação acerca
da viabilidade e utilidade de ações nesse sentido, de modo a não
permitir ingerência despropositada na esfera de cuidados e diligências
do pai guardião

Na mesma linha seguiram outras decisões dos Ministros integrantes da


Terceira e Quarta Turma: AREsp 1561495/SP, Rel. Ministro Luiz Felipe
Salomão, DJ 26/11/2019; REsp 1704311/MG, Rel. Ministro Luiz Felipe
Salomão, 12/11/2019; REsp 1664532/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi,
05/08/2019; AREsp 1277379/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
14/06/2019; AREsp 1450163/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,
02/05/2019; AREsp 1315093/RS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, 30/11/2018.
Deve-se ressaltar, por outro lado, que não há dúvidas de que o
alimentante tem direito à fiscalização de contas, mas não pelo procedimento
especial previsto no art. 550 do Código de Processo Civil.

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O exercício deste direito de fiscalização, ou análise das contas, deve se
dar incidentalmente em revisão de alimentos, em modificação/regulamentação
da guarda ou, até mesmo, em ação autônoma pelo procedimento ordinário,
sem buscar a devolução das quantias e desde que a presente o justo motivo.
Conforme já ponderava o e. Ministro Marco Buzzi, em voto proferido
no julgamento do REsp n.º 970147/SP, anteriormente aludido, o exercício
deste direito de fiscalização dos genitores, "vai muito além da mera
averiguação aritmética do que foi ou deixou de ser investido em prol do
alimentando", tocando "mais intensamente na qualidade daquilo que lhe é
proporcionado, a fim de assegurar sua saúde, segurança e educação da
forma mais compatível com a condição social experimentada por sua família
(art. 1.694, caput)".
E prossegue, com muita percuciência:
De sua vez, a complexidade das relações familiares, especialmente
daquelas em que o desempenho da guarda se dá forma unilateral,
implica em uma natural flexibilização dos procedimentos que cuidam
desses conflitos, de modo a potencializar a adoção de soluções
consentâneas com a natureza dos desacordos e/ou controvérsias
relativas ao atendimento do bem-estar do menor.
Em verdade, muitas das vezes, é possível superar a conflituosidade
por meio de atividades jurisdicionais inominadas, marcadas pela
conciliação, ou mesmo, via medidas liminares, com cautelares ou
tutelas antecipatórias, onde se provisiona o provável em detrimento
do absoluto.
Por esse prisma, de pouco ou nada adianta ao alimentando menor,
que não aproveita às inteiras sua verba alimentar, ser restituído do
montante sonegado após longo debate judicial sobre a necessidade da
guardiã prestar contas em Juízo ou mesmo, posteriormente a uma
eventual inércia do guardião apresentar seus cálculos relativamente a
administração da pensão alimentícia.
A esse tempo, tudo quanto poderia ser fruído em prol do bem-estar
do menor já esvaiu, dada a natureza singular dessa espécie de
prestação debitória, vocacionada a assegurar o atendimento das
necessidades elementares e mais imediatas à vivência e
desenvolvimento do alimentando.
De outro ponto, inviável subsumir que a eventual não apresentação
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das contas ou mesmo, sua insuficiência, possa ensejar a
revogação/modificação da guarda por interpretação analógica do
disposto no art. 919 do CPC, dado que o exame a respeito sobre quem
pode exercer a guarda perpassa pela apreciação de outros elementos
(CC, art. 1.583; Lei n. 8.069/09, art. 33, caput), todos extravagantes ao
objeto cognitivo de uma típica ação de prestação de contas.
Em outro giro, o exercício da guarda unilateral e respectivo
investimento da verba alimentar são atividades a cargo do guardião
que comportam certo grau de flexibilidade e autonomia, desde que
sua atividade seja finalisticamente dirigida ao atendimento do
bem-estar do menor.
Nessa medida, o controle a respeito do atendimento do melhor
interesse do infante apenas pode ser supervisionado, inclusive
judicialmente, sob o prisma qualitativo e não apenas a título
quantitativo, segundo o qual mês a mês todo o valor percebido a título
de pensão alimentícia deveria ser investido às inteiras em atividades
exclusivamente usufruídas pelo alimentando.
Isso porque, a depender da realidade familiar em que vive o
alimentando, da sua verba também aproveitarão, ainda que de forma
indireta, a própria guardiã e eventuais irmãs unilaterais, tanto à vista
da necessidade de promoverem-se condições condignas, homogêneas e
isonômicas entre todos os membros da família, quanto em razão da
circunstância de que o consumo de determinados bens ultrapassem o
proveito unipessoal, como o ar condicionado, o televisor, aquecimento
de água, etc.
Ademais, a própria necessidade de provisionar para despesas
extravagantes pode recomendar o não uso da totalidade da receita
alimentar em atividades pré-definidas, o que, por si só, retira a
possibilidade de um controle judicial da destinação da verba alimentar
sob o prisma exclusivamente contábil, mormente no estrito âmbito do
procedimento de prestação de contas propriamente dito.

Como bem sintetiza o e. Desembargador Rui Portanova, "não é toda e


qualquer vontade fiscalizadora do alimentante que irá gerar o interesse
jurídico para buscar as contas contra aquele(a) que adiministra os alimentos
de alimentados menores ou incapazes".
É preciso mais:
[...] é preciso que, já na inicial, a causa de pedir fática do pedido de
esclarecimento ou prestação de contas venha deduzida com argumentos
ligados a algum fato imputado e que diga respeito ao prejuízo da “a
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saúde física ou mental o educação” da criança.
Em outras palavras, é preciso justa causa, o justo motivo que,
genericamente alinhado, permite concluir pela presença do interesse de
agir do autor em levar adiante o seu pedido de prestação de contas ou
esclarecimento.
O interesse de agir, como ligado a causa de pedir que está, deve com
ela guardar correspondência. E sendo a causa de pedir qualificada pela
possível má aplicação dos alimentos, assim também o é o interesse do
autor. (Apelação Cível n.º 700076110329, Oitava Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado
em 10/05/2018).

Não se olvida, por outro lado, que o nomen iuris da ação conferido pelo
autor na petição inicial não vincula a atividade jurisdicional, que está adstrita
tão somente ao pedido e a causa de pedir, podendo o procedimento ser
adaptado, com vistas a conferir maior efetividade possível às pretensões do
jurisdicionado.
Nada obstante, in casu, não há espaço para adequação do procedimento
adotado nas instâncias ordinárias, não apenas porque já houve citação e
julgamento, mas sobretudo porque o que se revela da inicial, da sentença e das
razões recursais, é o inconformismo do recorrente com o montante fixado a
título de alimentos.
A propósito, assim constou da sentença:
A hipótese dos autos, pois, não atende os pressupostos objetivos
legais, visto que a parte autora não aponta quais os assuntos ou
situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física ou
psicológica e a educação do seu filho (letra da 1.583, § 52, na redação
dada pela reforma de 2014). O autor refere apenas genericamente
possuir suspeitas de que os alimentos estariam sendo objeto de desvio
de função por parte da genitora, mas não aponta quais os elementos
que sustentam semelhante conclusão.
Muito ao revés, os diversos documentos médicos e educacionais
juntados pelo requerido atestam que inexistem mínimos indícios de
desvio de finalidade, máxime em razão da delicada condição de saúde
do menor que, embora com todas as adversidades, ostenta satisfatória
situação social descrita nos pareceres acostados (fl. 170)
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Assim, dada amplitude da pretensão do demandante, aliada ao não
arrolamento de qualquer situação suspeita específica que pudesse dar
guarida ao pedido, inegável a conclusão de que a presente ação se
presta apenas como mais um artifício atinente a acossar
processualmente a alimentante, a qual já está respondendo a processo
de revisão de alimentos, palco onde o binômio
necessidade/possibilidade pode ser apreciado a contento pelo Estado
-Juiz.

Por fim, em que pese indicado o cabimento do recurso especial também


pela alínea "c", do permissivo constitucional, nada alegou o recorrente acerca
da existência de eventual divergência jurisprudencial.
Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e nego-lhe
provimento.
Considerando o disposto no §11º do art. 85 do Código de Processo Civil
de 2015, majoro os honorários sucumbenciais de R$2.500,00 para
R$3.500,00.
Advirta-se que eventual recurso interposto contra este decisum está
sujeito às normas do Novo Código de Processo Civil (cf. Enunciado
Administrativo nº 3/STJ), inclusive no que tange à aplicação de multa (arts.
1.021, §4º e 1.026, §2º, o CPC).
É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2018/0136893-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.814.639 / RS

Números Origem: 00024692620158210101 00481472320188217000 00682456320178217000


02430170520178217000 03556713220178217000 10111400026321 10111500009445
111400026321 11400026321 11500009445 2430170520178217000
24692620158210101 3556713220178217000 481472320188217000
682456320178217000 70073041303 70074789025 70075915561 70076829357

PAUTA: 03/12/2019 JULGADO: 03/12/2019


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ONOFRE DE FARIA MARTINS
Secretário
Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : J EP
ADVOGADOS : JOAQUIM ERNESTO PALHARES - RS012204
MÁRCIO MELLO CASADO - RS039380
TARCÍSIO RODOLPHI CARNEIRO - RS048796
DARIANO JOSÉ SECCO - SP164619
RECORRIDO : JSF
ADVOGADO : JUSSINARA SENA FERNANDES - RS028283
INTERES. : R F P (MENOR)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Alimentos

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). MÁRCIO MELLO CASADO, pela parte RECORRENTE: J E P

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, negando provimento ao
recurso especial, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, pediu vista
antecipada o Sr. Ministro Moura Ribeiro. Aguarda o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze. Ausente,
justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.814.639 - RS (2018/0136893-1)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : JEP
ADVOGADOS : JOAQUIM ERNESTO PALHARES - RS012204
MÁRCIO MELLO CASADO - RS039380
TARCÍSIO RODOLPHI CARNEIRO - RS048796
DARIANO JOSÉ SECCO - SP164619
RECORRIDO : JSF
ADVOGADO : JUSSINARA SENA FERNANDES - RS028283
INTERES. : R F P (MENOR)
EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO


INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE
CONTAS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ART. 1.583, § 5º, DO CC/02.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA.
VIABILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. INTERESSE
JURÍDICO E ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL PRESENTES.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE.PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado
Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de
9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015
(relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão
exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo
CPC.
2. Não há falar em omissão ou negativa de prestação jurisdicional, na
medida em que o Tribunal gaúcho dirimiu, de forma motivada, as
questões devolvidas em grau de apelação, pondo fim à controvérsia
dos autos.
3. O cerne da controvérsia gira em torno da viabilidade jurídica da ação
de prestar (exigir) contas ajuizada pelo alimentante contra a guardiã do
menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação
da pensão paga mensalmente.
4. O ingresso no ordenamento jurídico da Lei nº 13.058/2014 incluiu a
polêmica norma contida no § 5º do art. 1.583 do CC/02, versando sobre
a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações e/ou
prestação de contas contra a guardiã unilateral, devendo a questão ser
analisada, com especial ênfase, à luz dos princípios da proteção
integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da
dignidade da pessoa humana, que são consagrados pela ordem
constitucional vigente.
5. Na perspectiva do princípio da proteção integral e do melhor
interesse da criança e do adolescente e do legítimo exercício da
autoridade parental, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável
a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o)
guardiã(o) e representante legal de alimentado incapaz, na medida em
que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a
saúde física e também psicológica do menor, lembrando que a lei não
traz palavras inúteis.
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Superior Tribunal de Justiça
6. Como os alimentos prestados são imprescindíveis para própria
sobrevivência do alimentado, que no caso tem seríssimos problemas
de saúde, eles devem ao menos assegurar uma existência digna a
quem os recebe. Assim, a função supervisora, por quaisquer dos
detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba
alimentar fornecida é empregada, além de ser um dever imposto pelo
legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor
interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente.
7. O poder familiar que detêm os genitores em relação aos filhos
menores, a teor do art. 1.632 do CC/02, não se desfaz com o término
do vínculo matrimonial ou da união estável deles, permanecendo
intacto o poder-dever do não-guardião de defender os interesses
superiores do menor incapaz, ressaltando que a base que o legitima é
o princípio já destacado.
8. Em determinadas situações, não se pode negar ao alimentante
não-guardião o direito de averiguar se os valores que paga a título de
pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e
voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus
interesses básicos fundamentais, sob pena de se impedir o exercício
pleno do poder familiar.
9. Não há apenas interesse jurídico, mas também o dever legal, por
força do § 5º do art. 1.538 do CC/02, do genitor alimentante de
acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob
a sua guarda, fiscalizando o atendimento integral de suas
necessidades materiais e imateriais essenciais ao seu
desenvolvimento físico e também psicológico, aferindo o real destino do
emprego da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada
para esse fim.
9.1. O que justifica o legítimo interesse processual em ação dessa
natureza é só e exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do
adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível
malversação, e não o eventual acertamento de contas, perseguições
ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), devendo ela ser dosada, ficando
vedada a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de
revisional pois os alimentos são irrepetíveis.
10. Recurso especial parcialmente provido.

VOTO-VENCEDOR

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO: Cuida-se de recurso


especial interposto por J E P (J), com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF, nos autos
de ação de prestação de contas de pensão alimentícia que ajuizou contra J. S. F. (J S),
representante legal do seu filho menor R. F. P. (R), contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS) que recebeu a seguinte ementa:

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PRESTAÇÃO DE CONTAS. VALORES DA PENSÃO ALIMENTÍCIA
QUE O AUTOR PAGA AO FILHO. DESCABIMENTO.
1. Como a ação de prestação de contas tem por objetivo
estabelecer a existência de um crédito, de uma dívida ou
reconhecer a sua quitação, e como o pai alimentante não tem
relação jurídica de direito material com a mãe e guardiã de seu
filho, mas com o filho - alimentado, que é o titular dos alimentos, é
descabido o pedido deduzido na exordial.
2. O alimentante somente pode pedir a prestação de contas do
valor da pensão de alimentos que presta ao filho, contra a
representante legal dele em situação excepcional, pois os alimentos
são destinados ao filho e deixam de ser propriedade do alimentante
no momento da entrega, passando a pertencer ao alimentado e se
exaurem no próprio sustento dele, ou seja, o alimentante não terá
nenhum crédito em relação aos alimentos, pois o credor, se for o
caso, será o filho.
3. O art. 1.583, § 5º, do CCB prevê o direito do genitor que não
detém a guarda de supervisionar os interesses dos filhos e tem
legitimidade para solicitar informações ou prestação de contas,
objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou
indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação dos
seus filhos, não cuidando propriamente de se fazer auditoria no
valor da pensão alimentícia que paga ao filho.
4. Quando a pensão alimentícia não estiver sendo canalizada para
o alimentado e, em razão disso, o sustento dele estiver prejudicado,
não será o caso de apenas buscar um crédito, que é o desiderato
da ação de prestação de contas, mas de buscar medidas tendentes
a amparar o alimentado.
5. Fere a razoabilidade pretender que a guardiã deva comparecer
a juízo para prestar contas, e de forma mercantil, de todas as
inúmeras pequenas despesas que consistem no sustento e na
própria administração do cotidiano do filho, mormente quando ele
tem saúde delicada e possui gastos extraordinários, em razão de
suas necessidades especiais.
Recurso desprovido (e-STJ, fl. 343).

J alegou violação dos arts. 369, 370, 489, § 1º, I e IV e 1.022, I e II,
parágrafo único, II, todos do NCPC, e art. 1.583, § 5º, do CC/02, ao sustentar que (1) houve
omissão no acórdão recorrido acerca de questões relevantes, não sanadas no julgamento
dos embargos de declaração; (2) ocorreu cerceamento de defesa, na medida em que não
lhe foi permitido a produção integral das provas requeridas; e (3) é parte legítima e tem
interesse em propor ação de prestação de contas visando conhecer como está sendo
empregada a pensão alimentícia paga a seu filho menor especial, administrada pela sua
genitora, o qual nasceu com graves problemas de saúde, é portador de "Down", associada
com deficiência mental moderada e transtorno de desenvolvimento, e que necessita
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igualmente de cuidados médicos constantes e especiais.
O em. relator, o Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, apresentou
seu voto, com o brilhantismo que lhe é peculiar, tendo decidido pelo parcial conhecimento
do recurso especial e, nesta extensão, pelo seu desprovimento.
Pedi vista dos autos, para melhor reflexão sobre a relevante questão
jurídica trazida, nas palavras do em. Relator, a respeito da viabilidade jurídica da ação de
prestação de contas ajuizada pelo alimentante contra a genitora guardiã do alimentado
para obtenção de informações acerca da destinação da pensão alimentícia prestada
mensalmente.
Adianto que acompanho integralmente o entendimento do em. Relator, no
que se refere a alegação do recorrente de que teria havido negativa de prestação
jurisdicional e cerceamento de defesa, pelos jurídicos fundamentos apresentados por Sua
Excelência.
Amparado em boa doutrina e em precedentes recentes das Turmas que
compõem a Segunda Seção desta Corte, os quais acompanhei em outras oportunidades,
o voto proferido pelo Relator, atento a redação do § 5º do art. 1.583 do CC/02, foi no
sentido da inadequação da ação de prestação de contas para fiscalização do uso dos
recursos transmitidos ao alimentado, em síntese, por não gerar créditos em seu favor e
por não representar utilidade jurídica para J.
No seu voto, o em. Relator ressaltou a existência de polêmica em torno da
interpretação da norma do § 5º do art. 1.583 do CC/02, que versa sobre a solicitação de
informações e/ou prestação de contas na guarda unilateral, bem como reafirmou o
entendimento jurisprudencial da Terceira Turma, de que o alimentante não possui
interesse processual em exigir contas da detentora da guarda do alimentando porque, uma
vez cumprida a obrigação, a verba não mais compõe o seu patrimônio, remanescendo a
possibilidade de discussão do montante em juízo com ampla instrução probatória (REsp nº
1.637.378/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 6/3/2019).
A esse respeito, considerando que o ingresso no nosso ordenamento
jurídico da Lei nº 13.058/2014 incluiu a polêmica norma contida no § 5º do art. 1.583 do
CC/02, peço vênia para trazer algumas reflexões e fazer algumas considerações a
respeito do assunto.
O dispositivo legal em tela tem a seguinte redação:

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a


detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para
possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será
parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de
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contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que
direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a
educação de seus filhos (sem destaques no original)

Como a referida norma está contida no Capítulo que trata da Proteção da


Pessoa dos Filhos no Casamento (XI, do Livro IV, Título 1, Subtítulo I), a questão deve ser
analisada, com especial ênfase, à luz dos princípios da proteção integral da criança e do
adolescente, da isonomia e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, que são
consagrados pela ordem constitucional vigente.
Desse modo, ela deve ser interpretada de forma a conferir efetividade aos
referidos princípios, em especial ao da proteção integral da criança e do adolescente, de
maneira que o trabalho interpretativo do magistrado, na solução das causas dessa
natureza, seja guiado pelas linhas mestras do sistema constitucional, pelos seus
princípios, suas garantias e suas normas valorativas.
Não é novidade que, a partir da Constituição Federal de 1988, ocorreu
alteração substancial do papel da família no nosso Direito, que recebeu singular proteção
do Estado. Os seus membros (pessoas humanas) passaram a ser o centro da ordem
jurídica perdendo protagonismo as relações patrimoniais, e a dignidade humana ganhou o
status de pilar da proteção constitucional.
Nesse viés, em que a pessoa humana e sua dignidade passaram a ser o
centro da tutela jurídica nas relações familiares, como fundamento do Estado Democrático
de Direito (art. 1º, III, da CF/88), os princípios constitucionais que regem o Direito de
Família devem servir de norte para equacionar a questão trazida à baila, mormente porque
ela envolve, não somente o interesse patrimonial, mas também a dignidade do infante, que
é sujeito de direitos, e não objeto.
No caso, trata-se de menor, portador de "Down", que requer cuidados
extraordinários em virtude de seu complicado quadro de saúde, e seus genitores, ora
litigantes, têm o poder-dever de protegê-lo integralmente e de prover suas necessidades,
com absoluta primazia, mesmo não estando mais casados.
A este respeito, trago a seguinte doutrina de CRISTIANO CHAVES DE
FARIAS, segundo a qual, a família deve ser compreendida como verdadeiro instrumento de
proteção da pessoa humana que a compõe, notadamente quando se tratar de interesses
essenciais de criança, que deve receber proteção absoluta e integral, onde ele acrescenta
que

[...]
A "ratio essendi" do Direito de Família não é a proteção das
instituições, mas do próprio ser humano e de sua integralidade
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física e psíquica, de sua liberdade e de seus pressupostos básicos
elementares (mínimo existencial). A família, por conseguinte, existe
em virtude de seus componentes e não estes em função daquela,
valorizando, de forma definitiva e inescondível, a pessoa humana,
buscando a dignidade da pessoa humana
É a busca da dignidade humana, sobrepujando valores meramente
patrimoniais ou institucionais.
Aliás, eleito como princípio fundamental da República, a dignidade
da pessoa humana modela uma nova feição da família, garantindo
proteção isonômica (igualdade substancial, que significa tratar
desigualmente aquele que reclama proteção diferenciada) a todos
os membros. Em concreto, implica em afirmar um tutela jurídica
diferenciada para a criança e o adolescente, a quem deve ser
dispensada pela família, pela sociedade e pelo Estado, proteção
integral e absoluta, como reza o art. 227 da Constituição Federal.
(ESCRITOS DE DIREITO E PROCESSO DAS FAMÍLIAS -
NOVIDADES E POLÊMICAS - Salvador: Ed. JusPODIVM, 2013, p.
198).

Partindo dessas premissas e, na perspectiva do princípio da proteção


integral e do melhor interesse da criança e do adolescente e do legítimo exercício da
autoridade parental, tenho para mim que, em determinadas hipóteses, é juridicamente
viável a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o) guardiã(o) e
representante legal de alimentado incapaz, na medida em que tal pretensão, no mínimo,
indiretamente, está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor,
lembrando que a lei não traz palavras inúteis.
Afinal, de que adianta o protecionismo constitucional assegurado às
crianças e aos adolescentes, bem como a introdução no ordenamento jurídico da norma
infraconstitucional em destaque (§ 3º do art. 1.583 do CC/02), sem ao menos criar meios e
garantias efetivas para a consecução do dever de protegê-las integralmente e com
absoluta prioridade, inclusive em assunto relacionado a prestação de alimentos, que é de
vital importância para quem os recebe.
O escopo da norma consiste em assegurar a obtenção de informações
e/ou prestação de contas sobre o destino da verba prestada mensalmente por quem não
detém a guarda do alimentado, consoante o disposto no § 5º do art. 1.583 do CC/02, que,
parece, foi introduzido no nosso ordenamento jurídico, com o objetivo indiscutível de
assegurar maior proteção aos filhos menores. Daí a ação de exigir contas, pois o correto
emprego dos alimentos prestados a menor ou incapaz afetam, se não direta, mas, no
mínimo, indiretamente, a saúde física e psicológica deles.
Como os alimentos prestados são imprescindíveis para própria

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sobrevivência do alimentado, que no caso tem seríssimos problemas de saúde, eles
devem ao menos assegurar uma existência digna a quem os recebe, em especial, quando
se tratar de menor ou incapaz. Assim, a função supervisora, por quaisquer dos
detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba alimentar fornecida é
empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá
concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do
adolescente.
Não é demais relembrar, por oportuno, a norma do art. 4º do Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que dispõe que

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, bem
como a do art. 22 do mesmo diploma legal, que diz que aos pais
incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos
menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de
cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Observa-se da legislação destacada, a total primazia ao princípio do


melhor interesse da criança e do adolescente e da sua proteção integral, em obediência
aos comandos constitucionais e legais. Os direitos fundamentais dos quais eles são
titulares são alcançados por tais princípios, devendo a segurança, a proteção e satisfação
dos seus interesses ser assegurados pelo Estado e por toda a sociedade.
Em decorrência do poder familiar, instituto não especificamente
conceituado pela lei, mas que é entendido, segundo a lição clássica de PONTES DE
MIRANDA, como o conjunto de direitos que a lei concede ao pai, ou à mãe, sobre a pessoa
e bens do filho, até a maioridade, ou a emancipação desse, e de deveres em relação ao
filho (TRATADO DE DIREITO DE FAMÍLIA, vol. III, Campinas - SP: Bookseller, 2001, p.
200), investe-se o genitor que não exerce a guarda, mas que presta alimentos, no
poder-dever de fiscalizar a manutenção e educação do filho.
Ainda sobre o poder familiar que detêm os genitores em relação aos filhos
menores, a teor do art. 1.632 do CC/02, ele não se desfaz com o término do vínculo
matrimonial ou da união estável deles, permanecendo intacto o poder-dever do genitor
não-guardião de defender os interesses superiores do filho incapaz, ressaltando que a
base que legitima é o atendimento ao melhor interesse da criança ou do adolescente, ou
seja, o princípio já destacado.

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Superior Tribunal de Justiça
ROLF MADALENO, a este respeito, ensina que existem deveres que vão
além da linha divisória do casamento ou da união estável de um casal, que tendo filhos,
carrega na sequência da ruptura das núpcias o compromisso legal, moral e ético de seguir
assegurando o sustento, a guarda e a educação dos filhos comuns (DIREITO DE
FAMÍLIA, 10ª ed. rev., atual. e ampl., - Rio de Janeiro: ed. Forense, 2020, p. 291/292).
Nesse trilhar, no meu sentir, a legislação destacada, que está em sintonia
com os princípios constitucionais protetivos supracitados, como dito alhures, criou um
mecanismo processual que não só legitima, mas também obriga o genitor não-guardião,
na qualidade de fiscalizador dos interesses superiores dos filhos, a buscar uma tutela
jurisdicional, inclusive, em assunto relacionado a forma como os alimentos pagos a filho
menor ou incapaz são empregados, pois isso afeta, direta e também indiretamente a
saúde física, psicológica e a educação dele, na medida em diz respeito a sua própria
sobrevivência e dignidade.
Nessa toada, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a função
fiscalizatória do alimentante não-guardião funda-se também na proteção integral da
criança e do adolescente assegurada pela ordem constitucional vigente, bem como é
elemento de garantia da própria dignidade do alimentado.
Desse modo, qualquer genitor não-guardião que presta alimentos aos
filhos menores ou incapazes, tem o direito e também o dever de buscar o Judiciário, ainda
que por meio da ação de exigir contas, para aferir se efetivamente a verba alimentar
prestada está sendo empregada no desenvolvimento sadio de quem a recebe.
Sem dúvida nenhuma, tal mecanismo supervisionador, fiscalizatório e
protetivo tem o condão de colocar os beneficiários dos alimentos a salvo de eventual
abuso de poder ou negligência dos seus guardiões, constituindo atributo do poder familiar
e da isonomia parental, bem como elemento concretizador do princípio da proteção
integral e do melhor interesse da criança e do adolescente.
A doutrina especializada está alinhada com tal ponto de vista, sendo que
YUSSEF SAID CAHALI, já se manifestou no sentido de que a possibilidade de exigir contas
é inerente ao exercício do poder familiar e da proteção avançada da criança e do
adolescente, sob pena de inviabilizar a própria fiscalização da manutenção, sustento e
educação dos filhos, reconhecida pelo art. 1.589 da Codificação de 2002 (Dos Alimentos.
- São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2003, p. 572, destaquei).
Ele acrescenta, em outra obra mais recente, que no direito de fiscalização
da guarda, criação, sustento e educação da prole atribuída ao outro cônjuge, ou a terceiro,
está ínsita a faculdade de reclamar em juízo a prestação de contas daquele que exerce a
guarda dos filhos, relativamente ao numerário fornecido pelo genitor alimentante (Dos

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Alimentos, 8ª ed., rev. e atual. - São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2013, p. 370).
Nessa mesma linha, colaciono a doutrina de ROLF MADALENO, para
quem: a partir da vigência do § 5º do art. 1. 583 do CC/02, os temas relacionados com a
saúde física e psicológica dos filhos e mais aqueles relativos à sua educação, autorizam o
progenitor alimentante a exigir prestação de contas ou meras informações acerca do
destino dos alimentos que paga, pela simples dúvida, suspeita ou interesse que tenha de,
preocupado com o bem-estar do seu filho, ser mais bem informado , de modo inclusive
pormenorizado, acerca de como está sendo administrada a pensão alimentícia do filho
melhor (Direito de Família, 10ª ed. rev., atual. e ampl., - Rio de Janeiro: ed. Forense,
2020, p. 1.023).
Continuando, ele ressalta que o § 5º do art. 1.583 do CC/02,

[...] consagra a possibilidade sempre negada pela jurisprudência


brasileira da ação de prestação de contas do pagamento da
pensão alimentícia, atribuindo, expressamente, legitimidade ativa ao
genitor não guardião para solicitar informações ou prestação de
contas sobre assuntos ou situações que reflitam sobre a saúde
física e psicológica e educação dos filhos e, obviamente, neste
espectro de incidências, a pensão alimentícia se apresenta como
fundamental direito a ser fiscalizado, pois ainda que os alimentos
não possam ser restituídos, ao menos a readequação dos fatos
pode ser redirecionada (op. cit., p. 1.023).

Diante também de tais preciosas e elucidativas lições doutrinárias, não se


pode negar ao alimentante não-guardião o direito de averiguar se os valores que paga a
título de pensão alimentícia estão sendo realmente dirigidos ao beneficiário e voltados ao
pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos
fundamentais, sob pena de se impedir o exercício pleno do poder familiar.
Com efeito, a fiscalização do atendimento das necessidades elementares
e vitais do alimentado constitui um dos maiores atributos do poder familiar, pois tem por
finalidade precípua garantir, ao titular de direito absolutamente indisponível, a sua proteção
integral e a sua dignidade como pessoa humana.
Por oportuno, para reflexão sobre o que já foi dito, trago a lição de
NELSON ROSENVALD, na qual ele diz que trata-se de regra elementar: todo aquele que
tem sob sua responsabilidade ou administra bens alheios, tem obrigação de prestar
contas, evitando um prejuízo de terceiro, o que ganha contornos ainda mais nítidos quando
se trata de interesse preferencial e integral de criança ou adolescente (Curso de Direito
Civil: Famílias. 4º ed. Salvador: Juspodium, 2012, vol. VI, p. 891/892).

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E também a lição de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, quanto a
utilização da ação de exigir de contas para finalidade específica de aferir o destino da verba
alimentar recebida a título de pensão alimentícia, em que afirma que

a prestação de contas está vocacionada para compor conflitos em


que a pretensão esteja centrada em esclarecer situações
decorrentes, no geral, da administração de bens alheios - o que se
amolda com perfeição à gestão pelo genitor-guardião da verba
pecuniária paga a título de alimentos ao seu filho que seja sob sua
gestão, motivo pelo qual ele recomenda a sua utilização nessa
hipótese (Escritos de Direito e Processo das Famílias -
Novidades e Polêmicas, Salvador: ed. Juspodivm, 2013, p. 205).

Pelo que foi exposto até o momento, tenho para mim que é
juridicamente viável, com fundamento no § 5º do art. 1.583 do CC/02, a ação de
exigir de contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã
do alimentado para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga
mensalmente, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de
eventual crédito, pois os alimentos prestados são irrepetíveis.
Esse mecanismo protecionista dos reais interesses superiores da criança
e do adolescente, materializado pelo legislador no citado dispositivo do Código Civil em
vigor, se revela um instrumento eficaz para o exercício pleno do poder familiar, dando
concretude ao atributo da atividade fiscalizatória do genitor não-guardião dos interesses
dos filhos.
Prosseguindo na análise dessa matéria tão peculiar e controvertida, como
demonstrou o em. Ministro Relator no seu lapidar voto, passo a fazer algumas
considerações a respeito do interesse de agir do alimentante não-guardião na ação de
exigir contas.
Tenho para mim que não há apenas interesse jurídico, mas também o
dever legal, por força do § 5º do art. 1.538 do CC/02, do genitor alimentante de
acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob a sua guarda,
fiscalizando o atendimento integral de suas necessidades materiais e imateriais essenciais
ao seu desenvolvimento físico e também psicológico, aferindo o real destino do emprego
da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada para esse fim.
Nesse mesmo trilhar, busco novamente a doutrina de CRISTIANO
CHAVES DE FARIAS, segundo o qual, há inescondível interesse (ou melhor, dever) do
alimentante em fiscalizar a aplicação dos alimentos pagos, de modo a verificar o respeito à
dignidade do alimentando-incapaz, constatando-se se a verba vem sendo aplicada no
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respeito à sua integridade física e psíquica e se estão sendo atendidos os seus
pressupostos materiais básicos, fundamentais (op. cit., p. 200).
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, comunga dessa linha de pensamento,
advogando a tese de que ao pai administrador dos interesses do filho corre o dever de lhe
serem dadas as contas da gerência (INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL, Rio de Janeiro:
Forense, 7ª ed., 1990, p. 239).
Com efeito, o que justifica o legítimo interesse processual em ação dessa
natureza é só e exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do adolescente
beneficiário dos alimentos prestados, e não o eventual acertamento de contas,
perseguição ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), devendo a medida ser dosada e,
preferencialmente utilizada, na hipótese em que haja pelo menos suspeita de malversação
dos alimentos, pelo administrador da verba.
Assim, me parece ser legítima e útil a preocupação do alimentante
não-guardião com o destino dado a verba alimentar que paga mensalmente. Ele precisa
saber, afinal, se ela de fato está sendo utilizada para satisfação das prioridades do filho, se
está atendendo a sua finalidade, e, suspeitando do contrário, poderá buscar a tutela
jurisdicional, valendo-se da ação de exigir contas, fundada no § 5º do art. 1.583 do CC/02.
O instituto jurídico da ação de exigir contas, disciplinada nos arts. 550
a 553 do NCPC (arts. 914 a 919 do CPC/73), no qual, em regra, quem administra
patrimônio alheio tem o dever de prestar constas de sua gestão e aquele que afirmar ser
titular do direito de exigir contas especificará detalhadamente as razões pelas quais a
exige, a meu ver, não exige, necessariamente, que o autor afirme a existência de
algum crédito, mas sim que ele demonstre que tem direito de ter as contas
prestadas, ou seja, de que é titular de interesse gerido e administrado por outrem.
Quem explica bem isso, é a doutrina de ADROALDO FURTADO
FABRÍCIO, segundo a qual

[...] não há correlação necessária entre o dever jurídico de prestar


contas e a situação de devedor; nem aquele a quem as contas são
devidas é necessariamente credor de algum pagamento, tendo a
prestação de contas a finalidade de aclarar qual o estado, em
determinado momento, das relações contrapostas de débito e
crédito entre os interessados, de tal modo que só depois de
prestadas se saberá quem há de pagar e quem tem de receber
(Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. VIII, Tomo III, 9ª
ed. rev. e ampl., Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2008, p. 345).

E como estamos falando em interesse processual, para o referido autor o


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emprego da ação em causa, sob qualquer de suas modalidades, pressupõe divergência
entre as partes, seja quanto à existência mesma da obrigação de dar contas, seja sobre o
estado delas, vale dizer, sobre a existência, o sentido ou o montante do saldo, tendo ele
lembrado da lição de CHIOVENDA, que concebe o interesse processual como
necessidade de prestação jurisdicional (op. cit, p. 355).
Isso posto, me parece que a natureza irrepetível da obrigação alimentar,
por si só, não pode servir de óbice para o ajuizamento da ação de exigir contas, pois nela,
já dizia ERNANE FIDÉLIS SANTOS, o objeto da lide é o acertamento (esclarecimento das
contas), sem importar o resultado (Manual de Direito Processual Civil. Vol. III. 10 ed.,
São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 894).
Essa também é a posição de LUIS GUILHERME MARINONI,SÉRGIO
CRUZ ARENHART e DANIEL MITIDIERO, que lecionam que o procedimento especial de
prestação de contas é voltado a apurar a existência ou não da pretensão às contas, não
havendo necessidade de que o autor da demanda invoque algum suposto crédito existente
ou desfalque efetuado pelo requerido, bastando que ostente o direito de ter as constas
prestadas, para que a demanda seja procedente (Novo Curso de Direito Processual
Civil: Tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. Vol. 3, 2ª ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 148).
Nessa mesma perspectiva, eles acrescentam que a ação para exigir
contas visa permitir que o autor imponha ao réu o oferecimento de contas,
fundamentando-se exclusivamente na existência ou não do direito de exigir essas contas,
sem que seja necessário que se invoque alguma desconfiança sobre o trabalho exercido
pelo administrador ou algum saldo supostamente existente em razão da atuação deste
(op. cit., p. 150).
Afere-se, então, que para os renomados doutrinadores não é necessário
nem sequer indicar a existência de alguma desconfiança sobre a forma de administração
da pensão alimentícia, impondo ao interessado somente demonstrar que tem o direito de
ter as contas prestadas.
No que tange ao procedimento para exigir contas, eles defendem que não
é necessário que o autor indique detalhadamente os dados ou informações sobre as quais
incidirá a prestação de contas, bastando que ele identifique a obrigação de onde se origina
o dever de prestar contas e a razões detalhadas pelas quais as contas são exigidas,
instruindo sua demanda com a prova dessa necessidade, se existirem (art. 550,§ 1º, do
CPC), para que se tenha como suficiente a indicação da causa de pedir (op. cit. p. 150).
Para finalizar, invoco a lição de ANTÔNIO CARLOS MARCATO, que
afirma que a ação sob exame tem por objeto o direito às contas, não a eventual crédito

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decorrente de sua prestação, isto é, são inconfundíveis o direito ao crédito (cujo titular é,
por óbvio, o credor) e o direito às contas (cujo o titular é o credor ou o devedor da
obrigação pecuniária, dependendo do caso), ela tem natureza dúplice, estando ativamente
legitimado qualquer dos aludidos sujeitos, figurando como réu aquele diante do qual vier a
ser ajuizada (Procedimentos Especiais, 16ª ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: ed. Atlas,
2016, p. 109).
Quanto ao interesse de agir, MARCATO argumenta que o autor somente
terá interesse instrumental de agir em juízo se e quando houver recusa ou mora por parte
daquele com direito a receber as contas, ou do obrigado a prestá-las; ou ainda, quando a
prestação amigável seja impossível, em razão da divergência existente entre as partes,
quer quanto ao objeto ou existência da própria obrigação de dar contas, quer quanto à
existência ou ao montante do saldo (op. cit. p. 110)
Assim, com suporte em tais lições doutrinárias, reforço o meu
entendimento de que, para a manuseio da ação de exigir contas de verba alimentar, não há
necessidade que se busque ou que se indique a existência de um crédito, mas sim que se
demonstre a titularidade de um interesse legítimo, como na hipótese em que o alimentante
não-guardião visa esclarecimentos sobre o emprego da verba alimentar prestada a menor,
que deve ter seu real melhor interesse garantido. Desse modo, a questão da
irrepetibilidade dos alimentos não pode ser fator determinante para impedir o ajuizamento
da ação .
Feitas essas considerações a respeito da viabilidade da ação de exigir
contas, e do interesse processual no seu manuseio, passo a examinar se, no caso
concreto há legítimo interesse na propositura da referida ação.
Colhe-se dos autos que J, alimentante não-guardião, que jamais teve
contato com o filho especial (portador de "Down"), que nasceu com a saúde fragilizada e
até os dias atuais necessita de tratamento e de cuidados igualmente especiais, e que,
portanto, não tem a menor noção das necessidades reais e essenciais do filho, procurou a
tutela jurisdicional, com fundamento no § 5º do art. 1.583 do CC/02.
Afirmou que tem interesse jurídico e também o direito de saber como está
sendo empregada a pensão alimentícia que paga, e se ela está sendo dirigida para atender
as necessidades físicas, psicológicas e educacionais do filho, tendo ele ressaltado que
não pretendia, de forma nenhuma, a devolução de eventual quantia, dada a irrepetibilidade
dos alimentos.
Argumentou, na exordial, que existiam fundadas razões para o
ajuizamento da referida ação, pois suspeitava que estava havendo desvio de finalidade da
pensão alimentícia, na medida em que (1) na contestação na ação revisional de alimentos

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que ajuizou, a genitora e guardiã de R não comprovou que o filho estava recebendo todos
os acompanhamentos necessários; (2) mantém plano de saúde para atender as
necessidades de R e todas as consultas e exames são custeados por ele; (3) teve a
informação de que o filho estava estudando em escola pública, deixando de frequentar
escolas inclusivas que proporcionam atenção especial a crianças com deficiência; (4)
houve significativa melhora na capacidade financeira da genitora para contribuir no
sustento do filho; e (5) o valor despendido a título de pensão, por anos, seria mais do que
suficiente para proporcionar a R um excelente padrão de vida e de assistência, reforçando
o dever da verba ser empregada no bem-estar e melhor interesse dele.
A sentença julgou improcedente o pedido de J porque (1) para legitimar o
pedido seria exigível que o autor indicasse, não de modo genérico, a má administração dos
valores e os possíveis desvios, o que não ocorreu; (2) o autor visava revisar a obrigação
alimentar por meio da ação de prestação de contas; (3) ele não poderia pedir reembolso,
dada a natureza irrepetível dos alimentos; (4) não indicou qual ou quais assuntos ou
situações direta ou indiretamente afetavam a saúde física e psicológica e a educação do
filho; e (5) inexistiam indícios mínimos de desvio de finalidade no emprego da verba
alimentar, diante da delicada condição de saúde do menor.
Já o TJ/RS manteve a sentença, em suma, porque (1) a ação era
descabida, pois se tratava de um pai que jamais aceitou o filho portador de necessidades
especiais, nem com ele tem ou teve qualquer convivência, apenas pagou a pensão
alimentícia e jamais revelou preocupação com ele; (2) a ação de prestação de contas tem
por objetivo estabelecer a existência de um crédito, de uma dívida, e como J não tem
relação jurídica de direito material com a mãe guardiã, mas só com o filho, é descabido o
pedido deduzido na inicial; (3) J somente poderia pedir prestação de contas em situações
excepcionais, ou seja, em situações que direta ou indiretamente afetem a saúde e a
educação do filho, pois os alimentos foram destinados a R e deixaram de ser de
propriedade do alimentante quando foram prestados; (4) o pedido formulado por J não tem
o objetivo de amparar o filho, mas forçar a genitora a aceitar a redução do valor dos
alimentos; (5) o disposto no § 5º do art. 1.583 do CC/02 não serve para autorizar uma
auditoria no valor da pensão alimentícia paga a R; (6) quando a pensão não estiver sendo
canalizada para o alimentando e, em virtude disso, o sustento tiver comprometido, não
será o caso de buscar um crédito, mas medidas tendentes a amparar o menor, sendo que
a genitora tem prestado ao filho todos os cuidados que necessita; e (7) fere a razoabilidade
pretender que a genitora compareça em juízo mensalmente para prestar contas na forma
mercantil, de todas as pequenas despesas que consistem no sustento e na própria
administração do cotidiano do filho, mormente quando ele tem saúde delicada e gastos
extraordinários, em razão de suas necessidades especiais.
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Diante de todo esse cenário, considerando e também respeitando o
posicionamento firmado pelas instâncias precedentes e, também, os jurídicos e bem
fundados argumentos trazidos no voto proferido pelo em. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, com suporte na jurisprudência que não admite a ação de exigir contas
em tal situação, tenho para mim que, no caso, a leitura da exordial revelou que a finalidade
da ação de exigir contas consistiu em procurar saber como é gasta a verba alimentar
destinada a R, e não para apuração de eventual crédito ou saldo devedor em favor do
autor.
No mais, J ainda está investido no poder familiar em relação ao filho,
tendo ele demonstrado legitimidade e interesse em saber como é empregada a verba
alimentar a ele destinada, não podendo lhe ser negado o exercício do atributo fiscalizatório
inerente ao poder familiar. Além disso, a norma invocada (§ 5º do art. 1.583 do CC/02) para
o exercício do seu direito está em harmonia com os princípios protetivos da criança e do
adolescente, sendo ela adequada para este mister.
No meu sentir, há relação jurídica de direito material existente entre as
partes: J, é o alimentante e o titular do poder familiar, o qual compreende a prerrogativa de
fiscalizar os reais interesses do filho alimentando; ele pagou e paga os alimentos ao filho
menor e a administração deles ficou a cargo da sua genitora e representante legal; e, há
interesse legítimo em fiscalizar a finalidade para qual a verba é empregada.
De outra parte, a notícia de que J não teve contato com o filho ou jamais
procurou ter, por razões que desconheço e que também não foram esclarecidas nos
autos e, por isso, me impedem de fazer um juízo de valor a este respeito, não retira dele o
direito dele procurar uma tutela jurisdicional enquanto for detentor do poder familiar em
relação a R, de buscar o bem-estar do filho que é especial e tem um quadro de saúde que
requer cuidados extraordinários.
No mais, não me parece adequado ou razoável exigir que J indicasse,
desde logo na inicial, outros elementos concretos que justificassem a suspeita de desvio
de finalidade na administração da pensão alimentícia de R, pois o escopo da ação ajuizada
é justamente receber esclarecimentos da forma como é empregada a verba alimentar
paga ao filho.
A razão de ser da ação de exigir contas em questões relacionadas a
alimentos é justamente o desconhecimento de como a verba é empregada, esse é o seu
desiderato. No caso, J não tem a menor noção das necessidades especiais para o
tratamento adequado do filho, justamente pela situação lamentável de nunca ter convivido
ele.
Em um primeiro momento, deve-se averiguar a forma como efetivamente

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estão sendo empregados os recursos destinados ao alimentando, de modo o detentor do
poder fiscalizatório possa verificar se eles estão sendo utilizados no atendimento de suas
necessidades básicas e vitais, devendo sempre ter em mente que a fiscalização do
emprego da verba alimentar está embutido no dever de vigilância dos interesses do
criança.
Depois de prestadas as contas, se houver indícios de que a gestão dos
alimentos pela administradora da criança não está sendo adequada, o interessado poderá
tomar ou buscar as providências e medidas judiciais que entender cabíveis para amparar o
alimentando, que serão discutidos em outra ação, o que não necessita ser definida agora.
Em suma: penso que, no regime jurídico atual, não é possível se admitir
que entregue o capital mensal para os alimentos, pode dele fazer o que bem quiser o seu
administrador. Quem administra, deve prestar contas.
Nestas condições, peço vênia para divergir do voto trazido pelo em.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, de modo a conhecer em parte, e, nessa
extensão DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial reconhecendo o direito de J
de promover ação de exibição de contas.
As definições dos critérios que deverão ser observados para a efetivação
da prestação de contas será tarefa do Juízo da causa, que, em virtude das peculiaridades
do caso e por envolver reais interesses superiores de menor de idade com necessidades
especiais, terá melhor condição de adequar o procedimento no caso concreto.
Por oportuno, a título de colaboração, lembro que o NCPC (art. 551, § 2º)
não mais exige que as contas sejam prestadas de forma mercantil, devendo elas ser
apresentadas apenas de forma adequada, de modo que facilite o seu exame, mas com
um mínimo de rigor técnico. Como a lei não exige que as contas sejam exibidas
mensalmente, me parece de bom alvitre que dadas as circunstâncias do caso concreto e
por não se mostrar adequado e proporcional o comparecimento em juízo em forma
mensal para este mister, parece razoável que elas sejam exibidas em outra periodicidade,
a critério do Juízo da causa.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2018/0136893-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.814.639 / RS

Números Origem: 00024692620158210101 00481472320188217000 00682456320178217000


02430170520178217000 03556713220178217000 10111400026321 10111500009445
111400026321 11400026321 11500009445 2430170520178217000
24692620158210101 3556713220178217000 481472320188217000
682456320178217000 70073041303 70074789025 70075915561 70076829357

PAUTA: 28/04/2020 JULGADO: 28/04/2020


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. OSNIR BELICE
Secretário
Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : J EP
ADVOGADOS : JOAQUIM ERNESTO PALHARES - RS012204
MÁRCIO MELLO CASADO - RS039380
TARCÍSIO RODOLPHI CARNEIRO - RS048796
DARIANO JOSÉ SECCO - SP164619
RECORRIDO : JSF
ADVOGADO : JUSSINARA SENA FERNANDES - RS028283
INTERES. : R F P (MENOR)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Alimentos

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro,
inaugurando a divergência, conhecendo em parte do recurso especial e, nesta parte, dando-lhe
parcial provimento no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze, verificou-se
empate. O julgamento deverá ser renovado com a presença da Sra. Ministra Nancy Andrighi.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2018/0136893-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.814.639 / RS

Números Origem: 00024692620158210101 00481472320188217000 00682456320178217000


02430170520178217000 03556713220178217000 10111400026321 10111500009445
111400026321 11400026321 11500009445 2430170520178217000
24692620158210101 3556713220178217000 481472320188217000
682456320178217000 70073041303 70074789025 70075915561 70076829357

PAUTA: 26/05/2020 JULGADO: 26/05/2020


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Relator para Acórdão


Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MÁRIO PIMENTEL ALBUQUERQUE
Secretário
Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : J EP
ADVOGADOS : JOAQUIM ERNESTO PALHARES - RS012204
MÁRCIO MELLO CASADO - RS039380
TARCÍSIO RODOLPHI CARNEIRO - RS048796
DARIANO JOSÉ SECCO - SP164619
RECORRIDO : JSF
ADVOGADO : JUSSINARA SENA FERNANDES - RS028283
INTERES. : R F P (MENOR)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Alimentos

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). MÁRCIO MELLO CASADO, pela parte RECORRENTE: J E P

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto de desempate da Sra. Ministra Nancy Andrighi,
acompanhando a divergência, a Terceira Turma, por maioria, conheceu em parte do recurso
especial e, nesta parte, deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Moura
Documento: 1896898 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 09/06/2020 Página 45 de 7
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Ribeiro, que lavrará o acórdão. Votaram vencidos os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva. Votaram com o Sr. Ministro Moura Ribeiro (Presidente) os Srs.
Ministros Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi.

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