Efeito Rebote 2 - Garotas em Quadra - Laura Vitelli
Efeito Rebote 2 - Garotas em Quadra - Laura Vitelli
Efeito Rebote 2 - Garotas em Quadra - Laura Vitelli
LIVROS ÚNICOS
Outro Verão Com Você
Lau.
Para todas as garotas que sonhavam em ver um grupo de mulheres
atletas protagonizando uma série.
Essa é para vocês.
Agora eu gostaria que nunca tivéssemos nos conhecido
Porque você é muito difícil de esquecer
Leah James está parada à minha frente com o olhar mais mortal
que eu já vi. A capitã das Red Fox se declarou minha arqui-inimiga e
não faço ideia do porquê. Só vou na dela porque, cara, como é
gostoso provocá-la.
— Talvez, nesse tempo que vamos passar juntos, eu possa te
ensinar algumas coisas sobre como liderar um time à vitória, coisa
que você, aparentemente, ainda não aprendeu — provoco apenas
pelo prazer de vê-la corar. Leah tem uma pele branca demais, fica
vermelha com facilidade, é só eu parar na sua frente, que ela se
irrita e vira um pimentão.
Vejo que está se controlando para não retrucar, querendo sair
dessa conversa como a pessoa madura e centrada que não
respondeu minha provocação porque é evoluída demais para brigar
com alguém tão imaturo quanto eu. Mas ela não se aguenta. É só
esperar que a ruivinha mostra sua ira.
— Boa parte do time se formou, Williams. Estamos jogando com
novatas, tentando se adequar à nova titular. Você, como um capitão
e jogador experiente, deveria entender que alguns times passam por
problemas. Ou seus preciosos meninos só te dão alegria? — ela
dispara, jogando a pergunta em cima de mim, os braços ainda
cruzados sobre o peito, na defensiva.
É verdade que os Red Tigers, como o time de basquete
masculino é chamado, não é perfeito. Mas estamos em um patamar
melhor que o delas, por motivos óbvios. Nosso jogo é muito mais
entrosado, muito superior, principalmente, porque eu sou o capitão.
Os caras me amam.
— Não existe perfeição, princesa. Mas você sabe, somos um
time mais tradicional, conhecido por aí — provoco mais um pouco,
só para ver suas narinas tremerem, sua feição ficar ainda mais
irritada.
Parece que ela vai explodir.
— O que você está tentando insinuar? Que são melhores? Que o
fato de vocês serem homens, automaticamente, os torna melhores?
— Leah dá um passo à frente e eu coço a cabeça, olhando para os
lados, em busca de alguém para me resgatar dessa conversa.
Estou em um terreno perigoso. É hora de recuar, antes que a
esquentadinha pegue fogo.
— Você tem uma mania irritante de colocar palavras na minha
boca, James. Não precisamos entrar em nenhuma discussão
feminista. — Tento sair dessa situação, mas acho que só me afundo
ainda mais.
Leah é boa em discutir. Já brigamos vezes o suficiente para que
eu tenha a consciência de que nunca é bom cutucar suas feridas.
Porém, por algum motivo, eu sempre esqueço desse detalhe
quando estamos frente a frente. Acabo falando besteira e depois me
arrependo, lembro que ela é do tipo irritada e juro para mim mesmo
que nunca mais vou provocá-la. Mas eu sempre provoco.
Acho que o fato de sermos tão diferentes desperta algo em mim.
Enquanto sou simpático, aberto, amigo da faculdade toda e sociável
até demais, Leah é fechada e extremamente rancorosa. Nunca a
vejo sorrindo, acho que nunca sequer vi seus dentes. Ela ainda é do
tipo certinha, odeia quando fazemos festas no meio dos
campeonatos e enche a porra do saco quando temos que fazer
qualquer coisa juntos, por causa das nossas posições de liderança.
Não posso negar que a garota é bonita. Tem um cabelo ruivo que
vai até a cintura, uma pele pálida cheia de sardinhas, olhos verdes e
um corpo forte, graças ao esporte. Ela ainda é alta, deve ter em
torno de 1,70m, o que facilitaria minha vida, se a gente se pegasse.
Mas eu nunca, em sã consciência, beijaria essa insuportável.
Trabalhar com ela já vai ser tortura suficiente.
— Olha aqui, Williams — Leah se aproxima ainda mais e vou
andando para trás, até que não consigo mais me mover, graças ao
banco na lateral da quadra, que bate na minha panturrilha. — As
Red Fox estão dando duro pra se destacar. Realmente, vocês são
privilegiados, porque sempre tem mais oportunidades dentro do
esporte, pelo simples fato de serem homens. — Leah olha no fundo
dos meus olhos e meu corpo quase treme. A capitã consegue
intimidar quando quer. — Mas não venha falar que meu time é
inferior ao seu só porque vocês ficaram com o vice-campeonato. Os
Tigers não fizeram mais do que a obrigação, já que são um time
super tradicional, certo? — ela me alfineta com gosto, os olhos
verdes parecendo duas lanças apontadas para mim. Um esboço de
sorriso carregado de sarcasmo se forma em seu rosto. — Quem
sabe ano que vem vocês não ganham. Deve ser cansativo ficar
sempre em segundo lugar.
Agora ela pegou no meu ponto fraco. Ok, os Red Tigers não são
perfeitos. Temos um bom histórico, sempre ficamos em posições
boas no torneio das conferências, mas nunca nos classificamos em
primeiro lugar. O basquete americano, até no nível universitário,
requer um time afiado, com jogadores impecáveis. Passamos
praticamente o ano todo nos dedicando a treinar e tentar participar
do March Madness. Começamos o ano letivo jogando amistosos,
depois a temporada regular, que nos classifica para o torneio das
conferências, que antecede o March Madness, parte principal do
campeonato. É necessário um time bom pra caralho para chegar até
essa última fase, e os Red Tigers já tiveram momentos ruins. Esse
ano, o time está cheio de caras fodas, mas não conseguimos vencer
a final da temporada regular, ou seja, precisamos melhorar muito
para chegar ao nosso objetivo final e nos classificar para o March
Madness.
Demoro para retrucar Leah e ela fica me olhando com uma
expressão convencida, certa de que venceu. Mas não vou deixar
barato. Me recuso a perder. Faço questão de desafiá-la com o olhar,
de intimidá-la com a minha encarada. Começo a dar um passo à
frente, fazendo com que ela seja obrigada a dar um para trás, para
não nos batermos. Nossas peles se repelem, temos uma
necessidade gigantesca de ficarmos sempre longe um do outro.
Toda vez que um se aproxima, o outro tenta escapar. É só mais um
sinal de que realmente não nos gostamos, nem nossos corpos se
dão bem.
Estou prestes a abrir a boca para retrucá-la, quando sinto uma
mão pesada, que só pode pertencer a uma pessoa, em meu ombro.
— Ao invés de discutir, vocês deveriam estar parabenizando um
ao outro pelo bom desempenho no primeiro semestre! — Mav, um
dos meus melhores amigos, dono da mão gigantesca, fala.
— Cara, acha mesmo que esses dois vão se parabenizar? Onde
você esteve no último ano? — Sebastian rebate, parando ao meu
outro lado, apoiando o cotovelo em meu ombro.
A tensão entre mim e Leah se dissipa na hora. Ainda bem. Não
sei se eu conseguiria contra-argumentar à sua altura. A interrupção
dos caras com quem eu moro foi muito bem-vinda.
— Seb, Mav. — Leah cumprimenta os dois com um esboço de
sorriso, colocando uma grande distância entre nós. Quando ela se
afasta, sinto que consigo até respirar melhor.
— Nós estávamos no meio de algo importante. — Alterno o olhar
de um para o outro, fazendo questão de sair por cima dessa
discussão, fingindo que estou triste por ela ter acabado.
— Não seja por isso, continuem. Vamos adorar assistir — diz
Mav, dando um passo para o lado, ficando entre mim e Leah.
Seu olhar de expectativa me faz querer dar um murro em seu
rosto. Levanto as sobrancelhas para que entenda que não estou
realmente querendo seguir com essa discussão, mas Mav é lento
demais quando se trata de sinais. O cara é bom na quadra e nas
aulas do preparatório para medicina. Qualquer coisa que envolva a
leitura da reação de seres humanos está fora da sua alçada.
— Não, já tínhamos terminado — diz Leah e eu me empertigo,
surpreso por ela ter intervindo. — O Kahel ficou sem palavras. Ele é
do tipo que não aguenta ouvir umas verdades, não é, príncipe? — A
capitã das Fox me encara com um esboço de sorriso convencido, os
lábios formando uma expressão de claro deboche, a voz
exagerando na entonação ao devolver o apelido que adoro usar
para zombar dela.
Estava bom demais para ser verdade.
Respiro fundo e resolvo ignorar o que acabei de ouvir. Discutir só
vai piorar minha situação. A melhor coisa é mudar de assunto e me
colocar no papel de condutor desse diálogo.
— Que horas são, Seb? — pergunto ao meu amigo, que confere
rapidamente em seu relógio de pulso, sem entender o caminho que
estou seguindo. Essa vai ser boa.
— 17h36.
Assinto devagar e aponto o dedo indicador para o teto, fingindo
que estou me lembrando de alguma coisa.
— Bom, o horário de quadra do time feminino acabou, então... o
que você ainda está fazendo aqui? — falo para Leah com meu
melhor tom de deboche. Se ela quer me tratar desse jeito, vai ser
tratada na mesma moeda.
A ruiva solta um riso irônico, balançando a cabeça em negação
como se não estivesse acreditando no que está ouvindo. Na
verdade, sua expressão está mais para “sempre esperei que ele
fosse falar algo do tipo”. Com a quantidade de vezes que já
discutimos, ela deveria estar acostumada. Eu sempre arranjo uma
forma de sair por cima.
A capitã esquentadinha passa por nós carregando suas coisas,
claramente irritada, quase esbarrando no meu ombro quando segue
na direção dos vestiários, sem sequer virar para rebater.
Dessa vez, eu venci.
Porém, infelizmente, minha consciência me alerta de que tenho
um dever como capitão, então preciso de uma pequena ajuda dela,
mesmo que isso custe o grand finale perfeito que promovi em nossa
discussão.
— Ei, James! — grito e ela se vira, cruzando os braços outra vez,
a pose ainda mais marrenta do que antes. — Preciso do seu
número, pra podermos combinar as reuniões. Sabe como é, ainda
temos que trabalhar juntos.
Leah assente devagar e desvia o olhar para Sebastian, ignorando
totalmente a minha presença.
— Pede pro seu amigo.
Então, ela sai andando e eu fico sem entender o que diabos quis
dizer com isso. Olho para Seb e ele coça a cabeça, como se tivesse
sido pego no flagra.
— O que foi? — indago, fazendo uma careta para Mav quando o
escuto dando risada. — Por que você tá rindo? Tem algo rolando
que eu não sei? — pergunto para os dois, confuso com a interação
que acabei de presenciar.
— É que você e a Leah se odeiam — Sebastian diz e eu não
entendo o que diabos isso tem a ver.
— Obrigado por me dizer o óbvio — interrompo, mas consigo ver
que Seb quer me dizer mais alguma coisa.
— Então, quando ela precisa saber algo sobre o time masculino
ou quer, sei lá, desejar boa sorte pra gente ou combinar os horários
em que vamos usar a quadra nos treinos extras, ela fala comigo.
Sua justificativa me faz franzir a testa. Eu sou a porra do capitão
e ela quer falar sobre o time com o Sebastian? Quer decidir coisas
sobre o meu time com outra pessoa?
— Você esqueceu de contar que vocês ficaram — Mav solta e,
cara, se eu estivesse bebendo água, cuspiria na cara dele.
— Oi? — questiono, sem esconder meu semblante inconformado.
— Sua boca tocou na de Leah James? — O nojo em minha voz está
nítido. Sebastian só pode estar brincando.
— Acho que é assim que se beija — comenta Mav e eu ergo
minha mão para que ele pare de falar.
Seb solta um riso nervoso, ele sabe que não me dou bem com
Leah desde que ela entrou na KSU e que condeno qualquer tipo de
interação com ela que não envolva farpas. Como um dos meus
melhores amigos pode ter tido coragem de ficar com ela?
— Foi em uma festa, mais de um ano atrás. Rolou só uma vez,
cara. Ela é fechada, não deu em nada. Relaxa. — Seb apoia a mão
em meu ombro, se abaixando um pouco para falar comigo, já que o
cara é pelo menos dez centímetros mais alto que eu.
Eu ainda não acredito que ele beijou Leah e não me contou. É
um absurdo. Inacreditável. Desleal em níveis extremos.
Me solto do toque de Seb, ainda chocado com essa revelação, e
vejo que o treinador entrou em quadra e está reunindo os garotos
para começarmos a aquecer. Chega de falar sobre a que não deve
ser nomeada. Tenho um treino para liderar.
— Só me mande o número dela — peço e continuo negando com
a cabeça, enquanto Seb e Mav gargalham. Eles acham nosso ódio
divertidíssimo.
Beijar Leah. Meu Deus. Que loucura. Ela é tão controladora,
resmungona, irritante, do tipo que milita sobre tudo e não aguenta
que uma vírgula esteja errada. Como beijar alguém tão insuportável
assim?
Nem quero imaginar como será quando efetivamente
começarmos a trabalhar juntos para planejar a arrecadação de
dinheiro. Se já brigamos em encontros esporádicos, imagine em
inúmeros encontros forçados. Apesar de supor que vamos causar
um estrago na vida um do outro, espero, de verdade, que saiamos
ilesos dessa convivência forçada. Acho difícil de acontecer, mas,
sou um cara que gosta de acreditar em milagres.
E só um milagre para fazer Leah James parar de me odiar.
Não há lugar que eu não possa ir
Minha mente está confusa, mas
meu coração está pesado, isso é perceptível?
Jogo meu telefone no sofá assim que percebo que Leah não vai
me responder. Tenho certeza de que ela me acha um idiota por não
querer encontrar com ela por causa de uma festa e tenho mais
certeza ainda de que achou meu domingo em família uma completa
baboseira. Eu queria resolver esse assunto logo e voltar a esbarrar
com Leah apenas nos treinos ou em raras festas. Porém, se
continuarmos nesse ritmo, estou vendo que vamos demorar meio
século para resolver tudo.
Aperto rapidamente os botões do controle do videogame, fazendo
várias caretas enquanto tento acabar com nossos adversários.
Estou jogando com Seb e Mav desde que jantamos, horas atrás. É o
que fazemos quase todas as noites durante a semana, após os
treinos, quando não temos nenhuma festa ou quando nenhum de
nós resolve arranjar alguém pra transar.
Conheci Sebastian Torres e Louis Maverick — que odeia seu
nome e faz questão de ser chamado de Mav o tempo todo — no
nosso primeiro ano de faculdade. Os Red Tigers são entrosados,
mas o negócio entre mim, Seb e Mav é diferente, nós simplesmente
nos completamos e desenvolvemos uma conexão tão grande, que já
no ano de calouros alugamos uma casa e fomos morar juntos.
Estamos no terceiro ano e ainda somos inseparáveis. Cada um
tem suas manias, mas aprendemos a conviver muito bem um com o
outro. Sebastian é meu maior parceiro em quadra, atua como ala-
armador e tem 1,90m de altura, cabelo castanho e uma pele
levemente bronzeada, por passarmos tempo demais em quadras ao
ar livre. Maverick é nosso pivô, ele chama atenção por onde vai com
seu 1,96m e ainda é inteligente pra cacete e um gato. Tem uma
mania de ficar jogando o cabelo castanho para o lado e conquista
todos os caras que quer quando sorri.
— Vai Kahel, vai! — Seb grita, me incentivando a atacar, nós três
não tiramos o olho da tela, concentrados demais em ganhar a
partida.
Somos competitivos em absolutamente tudo. Até no videogame,
queremos sempre vencer.
— Porra, Mav! — grito, a adrenalina corre nas minhas veias com
o final do jogo.
Quando vejo, estamos os três de pé, berrando para fechar a
partida. No momento em que ganhamos, começamos a pular e nos
abraçar, comemorando a vitória como se tivéssemos vencido o
March Madness.
— Porque vocês estão jogando, se tem uma pilha enorme de
louça suja na cozinha? — A voz de Miranda faz nosso abraço
cessar. Quando ela chega, ficamos quase em posição de
continência.
Minha melhor amiga é a quarta moradora da nossa casa, que
apelidamos carinhosamente como “Casa do Vale”. O nome veio do
fato de que três de nós pertencem a comunidade LGBTQIAP+. Eu
sou bi, Miranda é lésbica e Mav é gay. Sebastian só mora com a
gente para ser a cota hétero. Sabe como é, inclusão é importante.
— Desculpa, a gente se distraiu com o jogo — responde Seb,
fazendo um biquinho amoroso para tentar convencê-la.
— Mentira, você quis jogar e falou pra gente deixar a louça pra
depois. — Mav nos entrega de bandeja. Ele sempre entrega,
quando Miranda aparece do nada e nos pega no flagra.
— Vocês vão levantar agora e vão arrumar aquele caos! — ela
ordena e aponta para a cozinha.
Dou risada ao ver a reação submissa de Sebastian e Maverick.
Eles nem tentam argumentar com ela.
— Eu disse que a gente devia arrumar porque ela podia chegar a
qualquer momento. — Cruzo os braços e dou de ombros, conheço
Miranda muito bem, era óbvio que ela teria essa reação quando
visse a bagunça que deixamos.
O diálogo nem continua, Seb e Mav vão andando de cabeça
baixa até a cozinha, pedindo desculpas quando passam pela única
mulher da casa.
Assim que eles saem, Miranda começa a gargalhar. Ela empurra
meu peito para que eu sente no sofá e se senta ao meu lado,
esticando as pernas no meu colo.
— Oi! — Me cumprimenta direito, o mau humor se dissipando tão
rápido quanto apareceu.
Miranda Wick cresceu no mesmo condomínio que eu. Seus pais
são advogados fodas e ricaços da região, grandes amigos dos meus
pais. Nós passamos a infância toda juntos e o sonho das nossas
famílias era que nos casássemos. Realmente somos almas gêmeas,
conectados de uma forma que muitos casais não são, mas nunca
nos interessamos um pelo outro amorosamente.
— Tá irritada por quê? A transa não foi boa? — pergunto e apoio
o cotovelo no encosto do sofá, segurando minha cabeça para
escutá-la.
Miranda tem um rosto redondo e uma pele branca que ruboriza
quando algo não sai como planejado. Conheço bem suas
expressões, sei lê-la como ninguém.
— Foi. É só que a menina não é assumida. — Ela me encara e
vejo em seus olhos cor de mel o quanto isso a fere. — E você sabe
como é pra mim.
Miranda se assumiu muito nova, antes mesmo de eu sequer
imaginar que era bissexual. Seus pais demoraram muito a aceitar,
foi uma fase complicada da vida dela, tão complicada que Miranda
tem um grande problema em se relacionar com pessoas que ainda
não saíram do armário. É um gatilho gigante para ela ter que
esconder o amor que sente. Graças a Deus, hoje em dia, ela tem
uma relação incrível com os pais.
— Eu queria levá-la comigo em uma festa da fraternidade do time
de futebol americano e ela disse que não podia ser vista comigo.
O tom de voz cabisbaixo de Miranda me mata, odeio ver minha
amiga chateada. Me aproximo dela no sofá, brincando com as
pontas onduladas do seu cabelo loiro, que vai até a altura dos
ombros.
— Eu sei como isso é foda — digo e ela assente, sabe bem que
eu já passei pelo mesmo, quando me envolvi com garotos que ainda
estavam no armário. — Mas chega de ficar pra baixo! — Bato uma
palma alta, que faz Miranda me empurrar de leve. — Quer jogar? —
Aponto com a cabeça para a TV.
Odeio momentos tristes, sempre que alguém fica chateado perto
de mim, eu logo desvio o foco e passo a tentar promover diversão.
Miranda pega um dos controles que os meninos estavam usando
e começamos uma nova partida. Eu diria que, dentre nós quatro, ela
é a melhor jogadora.
— Então, o que rolou hoje? Como foi o dia do grande Kahel
Williams? — ela zomba, me fitando de relance, logo voltando o foco
para a batalha que enfrentamos no videogame.
— As aulas foram mornas, como sempre.
— Você precisa achar um rumo pra sua vida, cara — diz e eu até
fecho os olhos por um momento, sensível com o assunto.
Não sei muito bem o que quero fazer no futuro. Eu tinha um
objetivo bem definido, porém, de uns tempos para cá, estou em
dúvida sobre o que realmente quero. Mas tudo bem. Tenho tempo
para decidir.
— Um dia eu acho, prometo. — Miranda me encara quando
escuta minha resposta, ela acha que estou só adiando a decisão
porque não quero tomá-la, mas a coisa é mais complicada do que
parece. E ainda tenho mais de um ano de faculdade. Vai dar certo.
— A novidade mais intrigante do dia é que terei que trabalhar com a
Leah, capitã das Fox, pra arrecadar dinheiro pro time.
— Hm, ela é bonitinha! — Miranda levanta as sobrancelhas
repetidamente e eu faço uma careta.
— Não, credo! Jamais! Não vou investir em uma garota que só
sabe dar ordem nos outros.
— Eu tô falando pra mim, não pra você. — Mordo o lábio inferior
quando a escuto. Me defendi antes mesmo de saber suas reais
intenções. — Respondeu desse jeito porque tá interessado?
Miranda esbarra seu ombro no meu e me desconcentro no jogo,
fazendo uma rápida besteira, que logo tenho que consertar.
— Nunca, Miranda. Primeiro o Sebastian dá uns beijos nela,
agora você falando que ela é bonitinha... pelo amor de Deus, ela me
odeia! Vocês não podem ficar com ela.
Miranda pausa o jogo, solta o controle no sofá e vira de volta para
mim. Faço uma careta para mostrar que não entendi por que parou
o jogo.
— Então nós estamos no jardim da infância, somos um grupinho
de amigos e ela faz parte do grupinho rival, logo nós não podemos
ter nenhum tipo de relação com ela, porque seria uma traição. É
isso mesmo?
Miranda faz minha rixa com Leah parecer infantil. Tá, é mesmo
infantil, eu admito. Mas não tem como ficar quieto diante das coisas
que ela diz. E das que ela não diz também.
— Eu só não gosto dela. — Tento me defender, apesar de saber
que será em vão.
Ela balança a cabeça devagar, aposto que está formulando
algum tipo de rebatida.
— Interessante. Você sempre a provoca, enche o saco dela. Você
não faz isso com as pessoas das quais não gosta.
Suspiro, já vendo que não vou sair dessa conversa ileso.
— Claro que faço.
— Não, você não faz. — Miranda nega com o dedo indicador,
levando-o para perto do meu rosto para enfatizar sua constatação.
Ela não está errada, realmente não sou de me aproximar de
quem não gosto. As coisas são diferentes com Leah. Mas foi porque
ela começou.
— Miranda, isso é coisa da sua cabeça. A Leah me provoca, eu
só provoco de volta.
— Não era o contrário?
Cacete de menina. Às vezes odeio que ela me conheça tão bem.
— Vamos jogar. — Pego o seu controle e coloco na sua mão.
Miranda fica me olhando com uma expressão de quem sabe que
estou enrolando. Eu não quero falar sobre Leah, muito menos tentar
ficar identificando que tipo de relação nós temos. Ela não gosta de
mim, brigamos quando nos vemos e é só. Não há nada mais.
— Cara, vocês estão jogando? — Mav pergunta, voltando da
cozinha no minuto em que o jogo volta a rodar. Pauso novamente na
mesma hora.
— Seu folgado do caralho, tinha que ter lavado a louça com a
gente! — grita Seb, puto, caminhando até parar na frente da
televisão.
Maverick se aproxima também e fica ao lado dele, tampando toda
a visão da tela.
— Eu sou o capitão, meninos. Não podia sujar minhas mãos —
falo e me apoio no encosto do sofá, cruzando as mãos atrás da
cabeça em uma pose de superioridade.
Miranda, Mav e Sebastian me olham como se quisessem me
matar.
— Ah, cala a boca! — diz Mav.
— Você só fala merda, Kahel. — Seb entra na onda e me mostra
o dedo do meio.
— Ei, crianças, parem de brigar — pede Miranda, como sempre,
apaziguando nossas brigas. Depois reclamamos que as pessoas
dizem que os homens demoram a amadurecer. Somos três
moleques no corpo de gigantes. — Que tal irmos pra festa do time
de futebol? Preciso me animar um pouco e tenho certeza de que um
pouco de tequila vai resolver o problema — minha amiga sugere e
as expressões feias vão embora, dando lugar para uma coleção de
sorrisos.
Falou festa, falou Kahel Williams.
— Opa, não precisa pedir duas vezes! — digo e pulo do sofá na
hora, pronto para tomar quantas tequilas Miranda quiser.
Estou tão irritada que, cada vez que guardo um item, bato a porta
do armário. Hailey pula quando o faço, ela não para de me fitar de
canto de olho, receosa, porque sabe que estou prestes a explodir.
Chegamos com as compras poucos minutos atrás, mas eu não
disse uma palavra sequer. Assim que entramos, dei de cara com a
minha mãe sentada na mesa da cozinha e optei por ficar quieta.
Seria de bom grado que ela tivesse nos ajudado nas compras ou
pelo menos se oferecido para pagar uma parte, já que estou
abastecendo a sua geladeira, mas não, minha mãe estava ocupada
demais tomando uma cerveja para mover um dedo sequer. Ela não
perguntou como vai a faculdade, se preciso de alguma coisa, se
estou bem. Só disse “que ótimo, você fez compras”, e avisou que
iria tomar um banho.
Eu não sei por que me surpreendo. Minha mãe nunca foi a mãe
do ano, ela sempre teve seus problemas, mas as coisas não eram
tão feias assim antes do meu pai morrer. Tive que aprender a me
virar sozinha e, pior, a cuidar de uma adolescente e de uma casa
onde nem moro, porque ela parece incapaz de fazer qualquer coisa
que não seja encher a cara e nos afundar em mais dívidas.
Se eu não estivesse tão determinada a tirar Hailey desse buraco,
já teria voltado para casa para poder organizar melhor a rotina dela
e tentar evitar que minha mãe faça mais besteiras. Porém, se quero
ter dinheiro, preciso ter uma formação e um bom emprego, e para
garantir essa estabilidade, preciso gerenciar as coisas de longe e
engolir algumas merdas da mulher que me deu à luz.
— Vocês já guardaram tudo? — minha mãe pergunta quando
volta para a cozinha e eu juro que tento me controlar.
Até aperto um saco de arroz para aliviar o estresse, mas não
adianta.
— Óbvio — respondo da forma mais seca que consigo.
Hailey me fita, nervosa. Ela odeia quando nós brigamos. Minha
mãe é do tipo que grita e eu retruco, acostumada com o modo como
ela lida com as minhas cobranças. Hailey é um pouco mais sensível,
sempre tentei deixá-la afastada desse lado da nossa mãe, mas
minha irmãzinha cresceu e sabe exatamente a razão dos nossos
problemas.
— O que aconteceu dessa vez, Leah? Jogou mal? — minha mãe
pergunta e consigo perceber, pela língua enrolada, que está um
pouco alterada.
Minha irmã olha para mim mais uma vez, implorando para que eu
não compre a briga. Peço desculpas com meu olhar, porque será
impossível deixar essa passar.
— Vai pro seu quarto, Hales. — Não preciso pedir duas vezes.
Hailey sai do cômodo de cabeça baixa, chateada com a situação
de merda que vivemos. Espero que ela coloque um fone de ouvido e
não escute nossa discussão.
Suspiro e me viro para finalmente encarar minha mãe. Ela está
sentada novamente, os pés estão apoiados na cadeira à sua frente,
o cabelo ruivo, um pouco mais escuro que o meu, está enrolado em
uma toalha. Seus olhos verdes não têm o mesmo brilho que os
meus e os de Hailey. Herdamos a característica dela, mas Beverly
está tão magra e com olheiras tão fundas que parece apagada.
Eu odeio brigar quando ela está sob o efeito do álcool. Sei que
Beverly não está bêbada, já a vi cambalear, cair, desmaiar, já tive
que enfiá-la no chuveiro, já segurei seu cabelo para que vomitasse
mais vezes do que consigo me lembrar. Ela está alegrinha. Não é o
pior dos cenários, mas nunca dá para saber se ela está no humor
“bêbada briguenta” ou “bêbada alegre demais para levar qualquer
coisa a sério”. É sempre oito ou oitenta.
— Jeff King nos abordou no mercado. — Já solto o assunto que
interessa, encostando o quadril na bancada da pia, enquanto a
encaro com os braços cruzados.
Minha mãe solta um riso, desentendida.
— Ah, é? — pergunta, toda engraçadinha, e eu fico ainda mais
puta.
Preferia que ela gritasse comigo. Preferia discutir de verdade,
colocar as cartas na mesa e resolver essa porra de vez.
Estou esgotada das besteiras dela, do seu comportamento
irresponsável, de ter que sempre resolver tudo e ser uma irmã, um
pai e uma mãe para Hailey.
Dou passos largos até a mesa onde ela está e apoio as mãos
com força na madeira. Sou alta, meus braços são fortes por causa
do basquete, faço um barulho do cacete se quiser. Minha mãe se
sobressalta, a risada vai embora do seu rosto quando percebe a
ferocidade no meu.
— Não se faça de boba, mãe! — grito, ainda debruçada para
frente, mantendo a mesa entre nós, só por segurança. — Já sei que
você está devendo. Agora quero saber quanto.
— Leah... — ela tenta se livrar outra vez, mas seu semblante
muda, percebendo que não há saída.
— Você sabe que pegar dinheiro emprestado com esse cara é o
mesmo que assinar uma sentença! Depois de tantos anos morando
nessa merda de lugar, ainda não aprendeu como as coisas
funcionam? — Uso um tom mais grosseiro, não é possível que ela
não saiba o óbvio.
Todo mundo que mora nesse lado de Kingston Beach sabe o que
Jeff King faz. Ele pega pessoas fragilizadas, viciadas, endividadas,
as ajuda e, depois, fode com suas vidas até que o paguem de volta.
Minha mãe já fez muita merda, já pegou dinheiro com nossos
vizinhos, já roubou minhas economias, mas um agiota ultrapassa
todos os limites.
— Eu estava devendo para tanta gente, Leah. Precisava pagar
uma dívida no bar, alguns colegas do trabalho... — Ela começa a
fungar, a risada indo embora e dando lugar para as lágrimas. Da
piada para o drama. Lá vamos nós. — Eu peguei um pouco de
dinheiro do salão e precisava devolver.
— Do salão? — questiono, indignada.
Minha mãe pula de emprego em emprego, todo mundo a
conhece na região e sabe que não é flor que se cheire. Ela está há
alguns meses trabalhando na recepção de um salão de cabeleireiro
e dizia adorar a função. Aparentemente, nem isso a impede de fazer
cagada.
— Eu estava desesperada. — As lágrimas caem com mais
velocidade, ela começa a chorar descontroladamente e eu recuo,
tirando, finalmente, as mãos da mesa.
Sinto pena dela. Pena por estar se afundando novamente, por
não usar a morte do meu pai como lição, por ser tão dependente a
ponto de colocar seu sustento em risco só para manter o vício.
Procuro nas gavetas da cozinha por um bloquinho, arranco uma
folha dele e estendo o papel e uma caneta na direção dela.
— Anote quanto deve. Vou dar um jeito — ordeno, um tanto mais
calma, mas ainda irritada.
Minha mãe encara a folha por alguns segundos e a vejo engolir
em seco, antes de me fitar.
— Leah, é muita coisa.
Ah, agora ela sente remorso? Agora está preocupada com isso?
— Só escreva. Eu vou dar um jeito.
Sempre dou.
É muita grana. É simplesmente muita grana. Nem se eu
trabalhasse vinte e quatro horas por dia durante o próximo mês,
conseguiria pagar essa dívida. Sei que King cobra juros a cada
semana de atraso, então preciso de uma solução rápida, ou esse
valor aumenta e fico ainda mais fodida.
Não sei há quanto tempo minha mãe pediu dinheiro para ele. Ela
não quis me dar tantos detalhes, mas, se King já chegou no ponto
de ir ameaçar suas filhas, é certo de que não é algo muito recente.
O que significa que ela voltou a piorar há mais tempo do que
imagino.
Chego na toca das raposas, nome que Joanne carinhosamente
deu à nossa casa, irritada ao extremo. Eu tento me controlar perto
das garotas do time, mas, às vezes, é difícil. Minha mãe me tira do
sério, acaba com qualquer postura que eu tente manter. Sou a
capitã, não gosto de ser mal-educada ou grossa com as meninas,
mas quando vejo Scout comendo na cozinha, Abby fazendo as
unhas em um sofá e Jo e Alex papeando no outro, não consigo
cumprimentá-las. Só afundo meu boné na cabeça e subo as
escadas correndo.
Sei que elas acompanham meus passos e não compreendem por
que tanta irritação. Imagino que até falem alguma coisa sobre mim
ou tentem teorizar o que está acontecendo. Nunca demonstro nada,
então elas nunca vão conseguir adivinhar.
Assim que entro no meu quarto, agradeço aos céus por não
morar mais no alojamento estudantil ou na minha antiga casa. É um
alívio poder ter meu próprio quarto, um lugar onde posso me isolar
de todos os problemas que coleciono.
Viro o boné rosa bebê que quase nunca tiro da cabeça para trás
e enfio o rosto no travesseiro. Aperto-o com força e, com a porta
trancada, em um ambiente onde me sinto segura, grito. O
travesseiro abafa o som, para que ninguém perceba que estou tão
na merda a ponto de ter que apelar para um alívio físico.
Meu grito é de puro desespero. Grito pela irresponsabilidade da
minha mãe, por seu maldito vício, por não cumprir seu papel. Grito
pela morte do meu pai, que fez tudo ser mais difícil do que já era.
Grito pelo peso que coloco nos meus ombros, pelo meu trabalho
exaustivo, pela faculdade, pelo título de capitã, pela maldita
arrecadação que terei que planejar ao lado de Kahel Maldito
Williams. Grito até precisar parar porque minha garganta dói.
Mas não choro. Nunca choro. Não posso me deixar fraquejar de
modo algum.
Se eu desmoronar, como o resto do mundo vai permanecer de
pé?
— Leah? — Ouço Joanne me chamando através da porta, mas
não respondo. Tivemos uma breve aproximação no semestre
passado, por conta de todos os rolos entre ela e Anthony, seu
melhor amigo e agora namorado, mas não quero que ela me faça
perguntas. Talvez, se eu fingir que estou dormindo ou ocupada, ela
vá embora. — Você está chateada por causa do treino de hoje? Sei
que não fui muito bem na temporada e que estava distraída por
causa do Anthony. Pode ter sido culpa minha a gente ter perdido
aquele jogo. Ai meu Deus, Leah. Não fique brava comigo. Eu estou
focada agora. Juro que estou. Vou dar o meu melhor em todos os
jogos da conferência, eu...
— Jo! — Tiro o rosto do travesseiro para gritar seu nome.
Quando Joanne dispara desse jeito, é preciso interromper. — Não
estou nem pensando em basquete nesse momento. — Controlo
meu tom de voz para não a assustar. — E não foi só você que jogou
mal. Estávamos fora de sincronia de uma forma geral — acrescento
a última parte para fazê-la se sentir melhor.
Joanne Hudson é uma excelente pivô. Com seu 1,82m, seu lindo
cabelo loiro e seu sorriso fácil, ela conquista qualquer um. Não é à
toa que Jo era a maior pegadora do campus antes de namorar com
Anthony. Gosto dela, apesar de, nesse momento, querer socá-la por
ter interrompido meu momento de liberdade.
— Você quer que eu vá embora? — ela pergunta, a voz mais
baixa. Mesmo com a minha tentativa de disfarçar, percebeu que não
estou a fim de papo.
— Só preciso de um tempo — falo com mais calma e já imagino o
biquinho de tristeza que Jo deve estar fazendo com os lábios.
— Tudo bem. Se quiser alguma coisa, dê um grito bem alto que
venho te resgatar na hora e trago a Wendy junto comigo!
Solto uma risada leve, sem acreditar que Jo citou o polvo de
pelúcia que roubou de uma festa no passado e conseguiu arrancar
um pequeno sorriso meu. Às vezes, é tão difícil esboçar essa mera
reação de felicidade, que me surpreendo quando acontece. E o
mais importante, valorizo a pessoa que a causou.
— Obrigada, Jo — agradeço, não só por ela ter me feito sorrir um
pouco, mas também por se importar o suficiente para vir até aqui ver
como estou.
Escuto seus passos caminhando para longe e aproveito a
calmaria para enfiar meus fones de ouvido e colocar o bom e velho
The Rolling Stones para tocar. Passo horas ouvindo a discografia,
“Heaven”, a música favorita do meu pai, é a escolhida para ficar no
repeat.
Memórias gostosas de quando a vida não me dava tantos tapas
me atingem. Meu pai era um cara tatuado, rockeiro e skatista. Ele
me levava para as pistas desde criança, eu era um pontinho ruivo
minúsculo que se destacava na multidão por minhas habilidades no
skate. “Tão pequena, mas tão grandiosa”, era o que papai
sussurrava no meu ouvido, quando eu descia alguma pista difícil
sem cair. Ele me recompensava com sorvetes de menta e
chocolate, nossa combinação favorita. Enquanto comíamos,
dividíamos o fone de ouvido para escutar as bandas que ele mais
gostava. Eu tinha que decorar as letras e cantar para ele depois,
para que se certificasse de que eu estava absorvendo tudo de bom
que a música tinha a me oferecer.
Meu pai tinha muitos defeitos e acabava ficando tão ausente
quanto minha mãe por causa de seus vícios, mas quando ele estava
lá, ele realmente era um pai presente.
Eu sinto tanto a sua falta, que dói, pai. Por que você tinha que ir?
Pergunto para o céu, esperando, de alguma forma, que ele me
escute.
Meu momento dramático se vai quando escuto alguém
esmurrando a porta. Arranco os fones do ouvido, assustada, e me
levanto abruptamente, andando até a porta.
— Quem é? — indago, apesar de imaginar.
Das quatro garotas com quem moro, só uma iria esmurrar minha
porta como se estivesse batendo em um saco de pancadas.
— Quem você acha?
E só pela rebatida, tenho a confirmação de que é Scout.
— Não tô com vontade de discutir — aviso, porque minha relação
com Scout Halstead é a mais estranha possível. Às vezes, brigamos
e disputamos em quadra como se fossemos de times opostos. Às
vezes, sentamos no sofá e assistimos documentários policiais e
filmes de terror em silêncio. Ela é a Fox mais parecida comigo,
consigo dizer, mesmo sem termos conversado sobre isso, que sua
vida não foi fácil e que ela carrega tantas cicatrizes quanto eu.
— Só vim te trazer comida.
Ergo as sobrancelhas, me perguntando se ouvi a coisa certa.
— Você? — questiono, nunca vi Scout fazer algo fofo para
alguém.
— Foi ideia da Alex. Ela achou que você poderia estar com fome,
te fez um prato de comida e veio trazer, mas você não atendeu a
porta. Ela disse que te chamou e bateu. Eu tenho certeza de que
foram toques tão fortes quanto os de uma criança, por isso você não
ouviu.
Balanço a cabeça em negação ao escutá-la, Alex é o tipo de
pessoa que está constantemente arremessando girassóis felizes
nas pessoas e Scout é a pessoa que queima esses girassóis só
com seu olhar mortal. Quando as duas interagem, é o máximo.
Suspiro e meu estômago, decidindo não ficar do meu lado,
resolve roncar. A última vez que comi foi logo depois do treino. Não
tive vontade alguma de me alimentar quando estava na casa da
minha mãe, o que não é nada saudável para minha vida de atleta.
Abro a porta, vencida pela fome, e encontro Scout debruçada no
batente. O cabelo castanho está preso em um rabo de cavalo e ela
está com um pijama todo preto, a calça cheia de caveiras
desenhadas. Quando me vê, estende o prato de comida na minha
direção.
— Fale obrigada pra Alex — digo enquanto cheiro o prato de
macarrão com frango que ela fez para mim. Parece maravilhoso.
Scout me fita de cima a baixo, a careta de “cago para a vida” está
estampada no seu rosto, como sempre. Levanto as sobrancelhas,
sinalizando para que ela diga o que quer dizer.
— O que rolou? — questiona e sei que é porque realmente quer
saber, caso contrário nem teria se dado o trabalho de perguntar.
— Problemas familiares — respondo, sucinta, não quero me
prolongar nesse assunto, não com as garotas do time. Prefiro que
elas saibam o menos possível sobre mim.
— Ah.
Sua resposta me faz soltar um riso irônico. Scout sendo Scout.
— Se não vai ajudar... — Faço um sinal com a cabeça para o
corredor, indicando que quero ficar sozinha. Com ela, pelo menos,
não preciso me controlar tanto.
Scout assente devagar e se solta do batente, dando um tapinha
amigável no meu ombro, antes de sair andando e gritar: — Boa
noite!
Fecho a porta do quarto assim que ela sai. Agradeço por Scout
não fazer mais perguntas, imagino que minha colega de time não
queira resolver os problemas dos outros e eu tampouco quero falar
sobre os meus.
Sento na minha escrivaninha e começo a comer. O alimento faz
minha cabeça voltar a funcionar e passo a pensar em como arranjar
tanto dinheiro em tão pouco tempo. Preciso pagar King o mais
rápido que conseguir, tenho medo do que ele pode fazer caso eu
não pague. Hailey ainda é nova, não tem tanta malícia quanto eu e
pode, de repente, ser abordada por algum capanga dele. Eu não
estou mais naquele bairro, mas minha irmã ainda caminha por
aquelas ruas todos os dias.
Axel é uma opção. Meu ex-namorado não é exatamente o cara
que eu procuraria para me salvar, mas estou em desespero e sei
que ele tem o que preciso.
Dinheiro.
Axel pode ser um problema por si só, mas entre resolver o
problema da minha mãe e ter que lidar com ele, prefiro lidar com
ele.
Melhor dever para o meu ex problemático do que para um agiota
poderoso.
Todo mundo quer ser meu inimigo
Poupe a simpatia
Todo mundo quer ser meu inimigo
Ah, que triste
Kahel não estava brincando quando disse que sabia dar uma
festa. A casa que divide com seus amigos está uma bagunça aos
meus olhos, mas entre eles, existe um sistema bizarro de
organização. Miranda está fiscalizando se quem entra tem o convite
que distribuíram na venda de garagem, Sebastian está na cozinha,
Maverick próximo a escada que leva aos quartos, ambos
conversando com outras pessoas, porém, com o olhar atento, como
se quisessem se certificar de que ninguém irá destruir nada ou
causar na festa.
Não avisto o capitão dos Tigers quando chego. Imagino que
esteja no quintal, o único lugar pelo qual não passei. Senti vontade
de ir atrás dele, mas não sei como vamos agir em público. Não
houve uma conversa para decidirmos, nos beijamos literalmente
duas vezes. Confesso que não quero chamar atenção para nós,
pelo menos não nessa festa. Todo mundo sabe que somos os
capitães do basquete, que nos odiamos e que estamos trabalhando
juntos. Boa parte das pessoas que estão na casa são atletas, e as
fofocas correm pelos vestiários em uma velocidade alucinante.
Aproveito o fato de ter me conectado com minhas colegas de
time e de casa, para me acabar de dançar e esquecer do
mimadinho que tem causado um rebuliço nos meus sentimentos.
“Potion” da Dua Lipa está tocando, a música é uma delícia, a
batida perfeita para uma dança com uma pegada mais sensual.
Joanne lidera nosso grupo, dançando no meio da rodinha, passando
a mão pelo seu corpo, a boca um tanto aberta, seduzindo de uma
forma que só ela sabe. Abby está se acabando, balançando a
cintura de um lado para o outro, cantando a música a plenos
pulmões. Sou mais contida, Alex e Scout também, então ficamos
mais juntas, só movimentando nossos corpos, curtindo o momento.
Scout até brinca mexendo em seu cabelo, há um sorriso quase
imperceptível em seus lábios, me dando a certeza de que ela está
adorando estar aqui, mas não quer perder a pose de marrenta.
Encosto minhas costas nas costas de Alex para dançarmos juntas,
ondulando nossos corpos em conjunto.
O ápice da música chega e Abby e Jo nos convidam a cantar.
Não sei muito bem a letra, mas tento acompanhá-las. Nós cinco
começamos a fazer uma coreografia, copiando os passos sensuais
que Jo inventa. Tenho que empurrar Scout para que ela tope,
seguro em suas mãos para obrigá-la a reproduzir os movimentos,
dando risada no processo.
Estou distraída com a música, mas não deixo de sentir que há
alguém me olhando. Procuro pela sala com o olhar e não demora
para que eu encontre Kahel parado ao lado da sacada que dá
acesso ao jardim. Quando ele percebe que estou encarando, bebe
um gole do que quer que esteja em seu copo. Noto que meu boné
rosa bebê ainda está em sua cabeça. Filho da mãe! Me distraiu em
um nível que nem notei a falta do boné.
— Você devia ir até lá — Abby aconselha, mostrando que está
me observando.
Engulo em seco, dá para ver em meu rosto que essa não era
bem minha ideia.
— Não — Jo fala, se aproximando de mim. Ela para ao meu lado,
murmurando perto do meu ouvido: — Se ele te quiser, vai ter que vir
até aqui.
Seu sorriso malicioso me diz tudo o que preciso saber. Joanne
está me aconselhando a fazê-lo lutar para me ter. Ela é mestra na
arte da conquista, então sinto que o certo é ouvi-la.
— Vou continuar dançando — anuncio, piscando para ela,
mostrando que vou seguir seu conselho.
— Rebole esse corpo lindo, Leah! Enquanto isso, vou ver se meu
namorado não topa uma rapidinha. — Jo bate na minha bunda
antes de sair andando, em busca de Anthony, que acabou de
chegar na festa. Ela o traz para nossa rodinha por alguns segundos,
mas logo os dois somem, me dando a certeza de que ele topou seu
pedido.
Fico próxima das outras meninas e resolvo fazer o que Jo disse.
Tento dançar com um pouco mais de sensualidade. Não sinto que
sou boa nisso, mas continuo. É por causa de Kahel, porque quero
que ele sinta que precisa vir até mim, mas também é por minha
causa, porque estou me divertindo, porque tirei o dia de hoje para
mim.
Eu não sabia que era tão gostoso apenas ser eu.
Aproveito que meu cabelo está solto e o jogo para o lado, passo
as mãos nas mechas onduladas e no meu corpo, coisa que nunca
faço. Nunca olho para mim. Nunca tenho tempo para mim. Nem me
lembro a última vez que pude apenas fechar os olhos e contemplar
o momento.
Estou tão imersa na música que só percebo a presença de Kahel
quando sinto suas mãos em minha cintura. Em um primeiro
momento, me assusto. Segundos depois, já estou arrepiada. Seu
toque é gelado, causando um choque em minha pele fervendo.
Sinto sua respiração em meu pescoço nu, me mostrando o quanto
está perto.
— Sua dança me deixou louco, princesa — sussurra com a voz
lenta, direto no meu ouvido, a boca tão próxima, que quase me
beija.
Puta merda. Estou travada, nervosa com essa interação mais
sensual entre nós. Preciso respirar fundo para tentar absorver um
pouco da ousadia de Joanne.
— Por que não se junta a mim? — pergunto, quase gaguejando.
Kahel não responde. Ele me vira de frente para si, colando
nossos peitos. O movimento é rápido, o baque dos meus seios
tocando em seu corpo me faz olhar para cima na hora. Encontro-o
me encarando. Há uma certa faísca em seus olhos castanhos. Não
é preciso ser uma expert em relacionamentos para interpretar o
significado desse olhar.
Para piorar minha situação, ele tira meu boné de sua cabeça e o
devolve para a minha, virando a aba para trás, ajeitando-o da forma
que uso sempre, um ato que só me mostra o quanto ele me
observa.
De repente, absorver a música que está tocando se torna
impossível. A única coisa em que meu cérebro consegue focar é na
boca carnuda de Kahel. É em seu rosto bem delineado, com
pequenos fios de barba nascendo pelo queixo. É em seu brinco de
cruz, balançando na orelha. É em seu cabelo crespo, que minhas
mãos não hesitam em tocar. É em seu corpo em um contato tão
íntimo com o meu.
Nós dançamos como se não houvesse ninguém por perto.
Balançamos nossos corpos em pura sincronia, não nos
distanciamos uma vez sequer. Esqueço de todo mundo a minha
volta, não ligo para que os outros vão pensar, não me importo com
as teorias que vão criar, não agora. Meu foco está unicamente em
Kahel.
Ele entrelaça nossas mãos, levando-as para acima da minha
cabeça, conduzindo nossa dança. Percebo que Kahel tem gingado,
diferente de mim, que não tenho talento algum. Só por isso, deixo
que ele mande, que faça o que bem entender.
A forma como me conduz é sutil. Mal percebo quando leva meus
braços para os seus ombros, trazendo suas mãos para minha
cintura, meu corpo para ainda mais perto do seu. Nossos quadris
estão colados, se movendo no mesmo ritmo, envolvidos na
sensualidade do momento.
Até nossos rostos, antes um tanto distantes, agora estão a uma
proximidade perigosa. Nossos narizes quase se encostam, as
respirações se encontram. Eu poderia beijá-lo com uma única
avançada, com um movimento mínimo. O pensamento me faz
morder o lábio inferior, tomada pelo tesão, pela vontade de tê-lo
mais uma vez.
Kahel parece estar passando pelo mesmo conflito, porque tira
uma de suas mãos da minha cintura e a leva para o meu rosto.
— Vamos para um lugar mais privado? — convida, cheio de
malícia, o corpo implorando pelo meu.
Estou pensando menos do que o normal. Meu raciocínio está
abalado pela proximidade entre nós, pelo momento que acabamos
de ter, então apenas assinto e deixo que ele me conduza até seu
quarto.
O lugar me é familiar, já dormi na mesma cama em que estamos
nos agarrando, mas as circunstâncias eram completamente
diferentes. Nós ainda não nos gostávamos, não como agora. Podia
até existir uma faísca inexplorada entre nós, porém, eu mesma
sequer pensava na possibilidade de estar, um dia, dando uns
amassos no quarto de Kahel Williams.
Estamos deitados de lado, nossos corpos seguem unidos, nossas
bocas se devoram com desespero. Criamos uma expectativa
enorme durante nosso momento na sala e agora que estamos
sozinhos, damos nosso melhor para explorá-la.
Sinto Kahel em todos os lugares, não há nenhuma parte do meu
corpo longe do dele. Nossa conexão me agrada, ao mesmo tempo
que me apavora. Estamos em seu quarto e sua mão na minha
bunda deixa claro o que ele quer. O problema é que eu estou
curtindo o momento, mas não tenho certeza se quero avançar.
E se ele não for delicado? E se ele me rejeitar quando eu disser
que não transo faz tempo? E se ele achar que não tenho
experiência o suficiente para estar com alguém tão conquistador
quanto ele? E se ele não me deixar sair quando eu pedir para ir
embora?
Os questionamentos em minha mente são pura confusão. Eu
queria muito não ser tão complicada, apenas aceitar tudo de bom
grado e aproveitar nosso tempo juntos. O problema é que meu
cérebro não quer mais desligar. O problema é que quando Kahel
toca meus seios, eu imediatamente penso em Axel.
Eu não gostava da forma com a qual ele me tocava. Não gostava
da sua brutalidade, do modo como me manipulava, de como sempre
me convencia a fazer o que ele queria. Me submeter a algo assim
de novo está fora de cogitação.
Empurro o peito de Kahel, separando nossas bocas. Ele me olha
com confusão, não está entendendo nada, já que, cinco minutos
atrás, eu estava envolvida no momento. Porém, ele não sabe do
meu passado, do que a minha mente revive, do que o meu cérebro
insiste em bloquear. Eu quero continuar com ele, quero avançar,
mas minha cabeça não deixa.
— O que foi? O que aconteceu? Fiz algo de errado? — A
preocupação em sua pergunta faz com que eu me sinta mal.
Eu não queria que as coisas fossem assim.
— Desculpe — falo antes de levantar da cama, pegar meu boné,
e enfiá-lo na cabeça, dessa vez com a aba para frente para cobrir
meu rosto. Não é uma tentativa de me esconder, apenas de não ter
que olhar para ninguém.
Preciso sair dessa casa.
Passo novamente pela sala, escuto até Maverick me chamando,
percebendo que estou abalada com alguma coisa, mas não paro,
nem mesmo olho para trás. Só me permito respirar quando encontro
o carro de Abby estacionado do lado de fora. Encosto na lataria,
descendo de forma dramática até me sentar no chão, tentando me
esconder em um lugar onde ninguém possa me encontrar.
Puxo os joelhos para perto e enfio meu rosto entre eles. A
vontade de chorar me consome, mas como sempre, não derrubo
uma lágrima sequer. Estou presa em um misto de tristeza,
decepção, invalidez e culpa. Desejo aos céus que as coisas sejam
diferentes. Me pergunto por que não posso ser como todo mundo.
Me frustro quando caio na realidade e tenho que aceitar que nunca
vou poder apagar o que vivi. Essa é a minha vida, minha história.
Minha dura e bela história.
— Leah, tá tudo bem? — A voz de Alex me faz levantar a cabeça
na hora.
Ela e Joanne estão paradas à minha frente. A expressão confusa
em meu rosto transmite o questionamento do porquê elas estão
aqui.
— Eu estava saindo do banheiro com Anthony e te vi passar
correndo. Fui atrás das meninas na mesma hora, mas a Scout
sumiu, a Abby estava pegando um cara e só encontrei a Alex — Jo
explica, dando de ombros de uma forma meiga.
— Desculpe ter atrapalhado sua foda — respondo, querendo a
todo custo falar sobre qualquer pessoa, que não seja eu.
— Nós já tínhamos terminado. Foi difícil convencer o Clark a ir
até aquele banheiro, mas, amiga, valeu muito a pena! — Jo mostra
a língua de forma maliciosa, usando o apelido interno que tem com
o namorado para se referir a ele.
Ela fala tão abertamente sobre sexo. É tão comum para ela, tão
natural. E eu surtando com um mero toque de Kahel.
— O que aconteceu, Leah? Nós vimos você com o Kahel. Ele fez
alguma coisa que você não gostou? — Alex pergunta, visivelmente
preocupada.
Eu hesito. Apesar de ter me aberto com elas mais cedo, contando
como me envolvi com Kahel, não sei se consigo ser sincera agora.
É uma situação diferente. Revelei uma parte feliz e fofa da minha
história. Essa é uma parte triste, uma parte que me fere.
— Se você não disser nada, não vamos conseguir te ajudar.
Estamos aqui por você — Joanne é fofa, lançando um sorrisinho
amoroso para mim.
Gosto tanto delas. Gosto a ponto de preferir omitir a me fechar
totalmente e deixar nossa conexão esfriar.
— Não tenho muitas experiências com namoros e coisas assim
— revelo uma meia verdade.
— Ah, Leah, não seja por isso! Posso te ensinar vários truques!
— Jo oferece, a expressão sapeca dominando seu rosto.
Alex, no entanto, me olha com desconfiança. Sinto que ela não
comprou o que eu disse, mas ainda assim, segue na conversa.
— Você se sentiu insegura? — ela pergunta, colocando uma
mecha do cabelo cacheado atrás da orelha.
— Kahel já deve ter dormido com metade da faculdade. Ele é
ótimo com conquistas e eu sou... eu. — Nada do que estou dizendo
é mentira. Realmente fico insegura perto dele. Seus flertes são bem
elaborados, ele tem uma forma peculiar de me desafiar, sabe como
me deixar de pernas bambas com facilidade. Eu não tenho muito a
oferecer nesse quesito.
— Olha, se quer que eu seja honesta, o que mais importa não é
sua experiência na cama, e sim sua confiança. Se você pelo menos
fingir que sabe, já é meio caminho andado. — Joanne começa a
palestrar sobre formas diferentes de chupar e masturbar um pau. Eu
não acredito que estou ouvindo isso, mas me pego interessada no
que ela tem a dizer. — Então você vai fingir que está espremendo
uma laranja. — Jo fecha o punho, fazendo o movimento esfregando
uma mão na outra. — E vai fazer esse movimento na cabeça do
pau. Garanto que ele vai gemer até não dar mais e gozar...
— Jo, acho que entendemos — Alex a interrompe, para nossa
sorte. Tenho até medo de quantas técnicas Joanne descreveria para
nós.
— Foram ótimos conselhos — digo para deixá-la feliz, acho que
até absorvi alguma coisa, mas não sei se tenho coragem de fazer
nada do tipo.
Joanne se abaixa à minha frente, colocando as mãos nos joelhos
para que o rosto fique na direção do meu.
— Sabe como você vai deixar uma transa boa, Leah? — ela
pergunta e eu nego. Nunca tive uma experiência boa. Não faço ideia
de como deve ser. — Com confiança, com diálogo, expondo o que
você quer, até onde você está disposta a ir. Ninguém conhece seu
corpo melhor do que você. Sempre tenha isso em mente.
Jo pisca para mim do seu jeitinho de sempre e eu suspiro, de
certa forma feliz por elas terem vindo atrás de mim. Ela não está
errada. Um diálogo sincero é o melhor caminho. Mas como arranjar
coragem de dizer para Kahel que eu nunca gostei de transar? Será
que ele não vai me achar estranha?
— Jo? — Anthony se aproxima de nós pela calçada, as mãos
estão enfiadas nos bolsos, ele só tira uma para ajeitar seus óculos e
logo volta a postura tímida. — Está tudo bem por aí?
Sorrio para sua pergunta. O espaço respeitoso que Anthony
deixa entre nós me mostra o quanto ele tem empatia pela nossa
amizade. Dá para ver que compreende o fato de Joanne precisar se
doar para as amigas. Acho o máximo que ele tenha vindo nos
procurar só para saber se está tudo bem.
— Sim, Anthony, obrigada — agradeço, nunca conversamos
muito porque o namorado de Jo é um cara tímido, mas gosto muito
dele.
— Se você quiser voltar pra festa com ele, fico com a Leah —
Alex oferece. Ela não se manifestou muito nos últimos minutos e a
camisa 10 das Red Fox costuma ser bem tagarela. Desconfio que
seu silêncio não seja um bom sinal.
Jo assente devagar e se abaixa para me dar um leve abraço.
Retribuo o carinho e ela me faz prometer que vou ligar se precisar
de alguma coisa. Agradeço a preocupação e observo quando ela vai
até o namorado, cumprimentando-o com um beijo rápido. Os dois
saem de mãos dadas em direção à festa, Jo passa o caminho todo
olhando para trás, como se quisesse se certificar de que estou
mesmo bem.
É só quando não temos mais visão da loira que Alex se senta ao
meu lado. Ela puxa os joelhos para perto do peito, ficando na
mesma posição que eu. Não precisa dizer muito, apenas pelo que
seus olhos castanhos mostram, sei que irá quebrar o muro que
construí.
— A falta de experiência não é seu problema, a experiência que
teve que é o problema, certo? — Sua pergunta é certeira, tornando
impossível que eu recue.
Respiro fundo, olhando para o céu, aproveitando para virar a aba
do meu boné para trás, do jeito que gosto de usar.
— Ninguém nunca abusou de mim ou tentou forçar alguma coisa.
Mas vamos dizer que as experiências não foram agradáveis e que
eu não fazia ideia do que estava fazendo — admito parte da história,
sem dar muitos detalhes.
Não conto que meu namorado era cinco anos mais velho e muito
experiente. Não conto que ele me convenceu de que eu precisava
perder a virgindade com ele, aos 14 anos, para poder fortalecer
nosso relacionamento. Não conto o quanto doeu e o quanto
continuou doendo. Não conto que ele fingia ser delicado e falava
coisas bonitas, mas não estava nem aí para o meu prazer. Também
não conto que nunca gozei com ninguém, exceto meus próprios
dedos.
— Minhas experiências não preenchem uma mão. — Ela mostra
dois dedos e eu até me surpreendo, cheguei a cogitar que Alex
fosse virgem. — E também não foram das melhores. Sei lá, não sou
uma pessoa que anseia por sexo, não é como se eu sentisse
vontade de fazer isso com qualquer cara.
Sua confissão me faz encará-la diretamente, surpresa por
compartilharmos do mesmo pensamento.
— Eu não faço questão, mas não sei se não gosto de transar ou
se só nunca tive uma transa decente. — É difícil identificar a
verdadeira razão por trás desse meu bloqueio.
— Sei que é fácil falar, porém, tenho pra mim que o Kahel não é
como esse outro cara com quem você se envolveu. Acho que se
você revelar suas inseguranças pra ele, Kahel vai respeitar e
entender o seu tempo.
Reflito sobre o que Alex disse, é realmente a saída mais óbvia e
mais madura, mas vou precisar de muita preparação para revelar
qualquer coisa para ele. Contar a história inteira está fora de
cogitação, até porque ele já encontrou com Axel e não vai ser difícil
somar um mais um. Tenho medo de Kahel ficar com raiva dele e
querer enfrentá-lo. Além de Axel ser perigoso, ele sabe tudo sobre a
minha família imperfeita, as dívidas da minha mãe. Ainda quero
manter essa parte da minha vida protegida de todos com quem
convivo na KSU.
— Vou tentar fazer isso, Alex. Obrigada por entender e por ter
arrancado essa confissão de dentro de mim.
Ela esbarra de leve em meu ombro, formando um sorriso
carinhoso.
— Você é fechada, mas não é impossível de ler. Sou craque em
identificar mocinhas quebradas.
Dou risada do seu comentário, feliz por ter um momento de
intimidade com mais uma das garotas com quem moro. Elas não
fazem ideia do quanto é importante para mim ter amigas. Sempre fui
um lobo solitário, entretanto, de uns tempos para cá, tenho me
sentido parte de alguma coisa. Não só de um time, mas de um
grupo, de uma tribo.
— Será que podemos ficar por aqui? Não quero enfrentar o Kahel
hoje — confesso, sinto que preciso pensar no que vou dizer antes
de efetivamente conversarmos.
— Nós até podemos, mas estou morrendo de fome. Será que
entregam pizza na calçada? — Sua pergunta me faz soltar uma
gargalhada, que ecoa pela rua vazia.
— Não sei, mas definitivamente temos que tentar.
Alex pega o telefone para fazer o pedido e continuamos sentadas
no mesmo lugar, conversando sobre as mais diversas coisas, até
que nossas outras amigas chegam e aderem à ideia da pizza,
Anthony, inclusive, também acaba se juntando a nós.
Terminamos a noite sentadas na calçada, com a caixa de pizza
apoiada no capô do carro, comendo e tagarelando como se não
tivéssemos que voltar para a vida real amanhã.
Começou com um beijo
Agora virou isso
Um pouquinho de risadas
Um pouquinho de dor
Estou lhe dizendo, querido
Tudo isso faz parte do jogo
Tive que despistar Kahel e mentir sobre o meu paradeiro. Ele foi
para a academia do complexo esportivo e eu disse que estava indo
para o ginásio. Não quero enfiá-lo nessa confusão, tampouco quero
que ele saiba que esse problema existe. Tentei permanecer calma,
mesmo com o mundo desmoronando na minha cabeça, para que
ele não desconfiasse de nada. Acredito ter feito um bom trabalho,
porque consegui escapar e corri para pegar os ônibus que me levam
até a casa da minha mãe.
O trajeto não é rápido, o que me dá tempo para pensar. Mesmo
sem a cabeça quente, sigo firme a convicção de que, se não fosse
por minha distração, nada disso teria acontecido. Eu nunca fui de
me envolver com outras pessoas, seja no quesito amoroso ou de
amizade, e sempre me foquei somente no que realmente me faria
alcançar meus objetivos. Percebo, agora, que esse deslize poderia
ter me custado a coisa mais importante que tenho.
Talvez seja cedo para definir alguma coisa, ainda nem me
encontrei com Hailey para saber como ela realmente está, mas
tenho para mim que manter um relacionamento amoroso, continuar
saindo dessa forma, frequentando festas e passando a noite fora,
são coisas que preciso abolir da minha vida. Eu deixei de trabalhar
no final de semana, não ganhei o dinheiro que eu precisava, não
fiquei atenta como deveria.
É tudo culpa minha.
Tenho ignorado Axel desde a final da conferência. Respondi sua
mensagem no sábado avisando que estava ocupada com os jogos,
mas ele continuou me atormentando. Depois de ganharmos, resolvi
bloquear seu número momentaneamente para que eu tivesse
algumas horas de paz. No fim das contas, tive um fim de semana
inteiro de alegrias, para acordar na segunda-feira e descobrir que
meu ex-namorado arranjou uma nova forma de me atingir. De todas
as maneiras que ele poderia ter agido, essa foi a pior. Se ele queria
fazer com que eu perdesse a cabeça e entrasse em um estado de
completo desespero, conseguiu.
Minhas pernas não param quietas. Meu coração está disparado.
Minha mente não para de gritar “CULPADA, CULPADA, CULPADA”.
O sentimento causa um aperto no meu peito, porque tudo o que eu
fiz foi viver, foi ser uma jovem universitária como qualquer outra. Eu
já devia saber que nunca poderei me dar esse luxo.
O ônibus estaciona na minha parada e eu desço correndo,
finalmente obtendo o controle da minha velocidade. Disparo pelas
ruas do bairro onde cresci, abuso do meu condicionamento físico
para tentar chegar o mais rápido possível. Costumo adorar correr,
mas somente em quadra. Nesse lugar escuro, medonho e
destruidor, sinto raiva. Tenho vontade de parar e berrar, mas não há
tempo. Não posso perder um minuto sequer.
Chego na rua da minha mãe em menos de dez minutos. Cruzo o
quintal e esmurro a porta, para que alguém venha me atender. Meus
pulmões estão queimando pelo esforço, já estou suando, mas tudo
o que importa agora, é saber se Hailey está bem.
Minha mãe abre a porta, ela está vestida para o trabalho e me
lança um olhar repressor.
— Cadê a Hailey? — pergunto enquanto entro em disparada,
procurando pela sala, dando uma olhada na cozinha, mas não a
encontrando em lugar algum.
— Ela está no quarto, se recusou a levantar e ir pra escola —
minha mãe conta, cruzando os braços e se mantendo perto da
porta, distante de mim. — Achei que você odiasse o Axel.
O que ela diz, somado a sua expressão, me faz ter certeza de
que ela não gostou do que aconteceu. E não estou falando somente
do acontecimento fatídico de ontem à noite, mas também do fato de
eu ter pedido dinheiro para um cara de quem jurei nunca mais me
aproximar.
— Eu não gosto dele — afirmo, para que fique claro de vez.
— Se não gosta, por que fez essa merda? Porque pediu dinheiro
justo a ele, Leah? Sua irmã poderia ter se machucado! Sabe Deus o
que esses caras podiam ter feito com ela! — Minha mãe começa a
gesticular, porém, segue longe, receosa.
Eu entendo sua raiva, nós duas queremos proteger minha irmã,
isso é um fato. Mas se ela acha que vou engolir o que está dizendo,
está bem enganada.
— Não sei se você se lembra, mas foi por sua causa que eu tive
que correr atrás do cara que fodeu com a minha cabeça! Por causa
da sua porra de vício, da sua porra de dívida, eu me sacrifiquei! —
Aponto para o meu peito, exalando raiva. — Fiz o que eu tinha que
fazer para me livrar do King, pra resolver o seu problema! — É para
ela que aponto, fitando-a diretamente, mostrando o quanto eu
também fui vítima dessa história. — Então, mãe, antes de vir falar
merda, pense bem na situação. Você causou tudo isso.
Quando termino, percebo que ela está com os olhos arregalados,
finalmente percebendo o papel principal que teve nessa confusão.
Eu odiei a forma com que jogou minha decisão na minha cara, como
se eu tivesse pego dinheiro com Axel para comprar maquiagens
novas. Salvei sua pele, tive que lidar com um agiota e com o meu ex
problemático, e ela não se importou. Posso me sacrificar por ela,
posso foder com a minha própria vida, posso lidar com a falta de
reconhecimento e de preocupação com o meu bem-estar, mas não
posso admitir que ela jogue toda a culpa em mim.
Estou cansada de olhar para a cara dela, então a deixo sozinha e
vou para o quarto de Hailey. É minha irmã que precisa da minha
presença. É por ela que estou aqui.
Tenho que respirar fundo umas vinte vezes antes de conseguir
me acalmar, e nem assim consigo. Estou uma pilha de nervos, mas
por Hailey, preciso fingir que não estou tão desesperada assim.
Entro em seu quarto devagar e ela se mexe na cama,
percebendo uma movimentação. Me sento na ponta do seu colchão,
tocando em sua perna de forma delicada, como sempre faço
quando quero chamar sua atenção.
Hailey não estranha, ela sente que sou eu e se vira, me lançando
um olhar acuado que nunca vi em seu rosto. Abro meus braços,
convidando-a para me abraçar, e com uma breve troca de olhares,
percebo que ela está emocionada por me ver.
Minha irmã se perde em meus braços, apoiando a cabeça no
meu peito, mergulhando em lágrimas. Eu agarro seu corpo com
força, não deixo nosso contato fraquejar nenhuma vez. Fico olhando
para a parede enquanto a consolo, vendo fotos da nossa família
feliz, de um passado muito distante e de uma alegria ocasional
demais para duas crianças que tiveram que amadurecer com
rapidez.
— Está tudo bem agora, Hales. Estou aqui — reforço meu gesto
com palavras bonitas, distribuo beijos por seu cabelo ruivo, hoje
soltos e ondulados, caindo pelas costas.
Demora até que Hailey se recomponha, porém, quando me
encara, fico aliviada por ver que ela está assustada, mas
determinada a deixar a situação para trás.
— Eu fiquei com tanto medo, Leah.
— Eu sei. Também fiquei. Mas preciso que você seja forte e me
conte tudo o que aconteceu, ok? — peço, fazendo um carinho em
seu rosto.
Hailey se ajeita à minha frente, cruzando suas pernas, se
sentando confortavelmente. Ela olha para baixo, abalada por estar
relembrando os detalhes da ameaça que sofreu.
— Fui jogar boliche com alguns amigos ontem. Quando estava
voltando, dois caras se aproximaram de mim. Primeiro, pediram
minha mochila e eu achei que iam só me roubar, mas eles
acabaram só pegando minha câmera. Depois, disseram que
estavam atrás de mim porque o Axel queria mandar um recado pra
você. Eu não demorei para entender o que tinha acontecido. —
Hailey ergue os olhos verdes na minha direção, insatisfeita com
mais uma coisa que omiti. Estou virando a rainha das mentiras e
omissões, mesmo sem ter a intenção.
— Eles te machucaram? Alguém tocou em você? — pergunto,
pegando seus braços para ver se há algum arranhão.
Hailey deixa que eu inspecione, mas definitivamente não gosta
da situação.
— Não. Só mandaram o recado e quebraram minha câmera. —
Ela olha para o lado e eu faço o mesmo. Entrei no quarto tão focada
nela, que não tinha visto que sua câmera estava em sua
escrivaninha, completamente destruída.
Quando liguei meu celular e vi que minha mãe tinha me ligado,
coisa que ela nunca faz, e Hailey mandado diversas mensagens
resumindo o acontecido, pensei no pior. Pensando cruelmente,
poderia ter sido. Os capangas de Axel tinham capacidade de fazer
muito mais, mas ele ainda nutre um carinho por mim e optou pela
saída mais pacífica, ainda que tenha quebrado a coisa que minha
irmã mais ama na vida.
— Vou te dar uma câmera nova assim que esse pesadelo acabar,
ok? — prometo, fazendo um novo carinho em seu rosto, admirando
sua pele macia, seu rosto jovem. Ela é tão nova e já teve que
passar por tanta coisa.
— Não se preocupe com isso, Leah. O importante é que eu já
tinha colocado as fotos do time na nuvem. — Hailey fala de um
modo descontraído, mas sei que o fato de sua preciosa câmera
estar quebrada deixa sua vida muito mais difícil. Tirar fotos é seu
alívio, é o que ela mais ama fazer. É a mesma coisa de me tirarem a
cesta e dizerem que não posso mais jogar basquete.
Eu gostaria que esse fosse o único problema em pauta, que eu
poderia apenas juntar dinheiro durante alguns meses e comprar
uma nova para ela. A questão é que esse problema é mais
complicado do que parece.
— Qual o recado que eles te deram? — pergunto, apesar de já
imaginar.
Quando voltei a ligar meu celular, também me deparei com
centenas de mensagens de Axel. Desbloqueei seu número depois
que fiquei sabendo da ameaça a Hailey e descobri que ele havia me
avisado por mensagem: eu entregava o dinheiro ou ele iria atrás da
minha irmã. Axel perdeu a paciência. Ele sabe que estou com outro,
o gelo que dei nele deixou claro que não há interesse nenhum da
minha parte. Meu ex percebeu, finalmente, que nunca vou voltar
para os seus braços. O problema é que eu só conseguia segurá-lo
por causa da sua obsessão por mim. Agora que ele só quer o
dinheiro, as coisas ficam complicadas.
— Você tem dez dias pra pagar. Se não conseguir, eles vão vir
atrás de mim de novo. Disseram que Axel mandou que não fossem
tão bonzinhos da próxima vez. — Hailey me lança um olhar
assustado, as mãos estão unidas em seu colo, coisa que ela faz
quando está nervosa.
Dez dias. Como vou arranjar tanto dinheiro em dez dias?
— Não faço ideia de como resolver essa situação — desabafo,
enfiando a cabeça entre minhas mãos, sem enxergar uma saída.
— Você pode pedir para as suas amigas ou pro Kahel. Tenho
certeza de que eles ajudariam. — A ideia de Hailey me faz erguer a
cabeça.
— Acha que vou colocá-los no meio dessa história? Não dá,
Hales, sem chance.
Ninguém da minha convivência na KSU vai se meter com Axel.
— Eu tenho algum dinheiro guardado, mas é quase nada — fala,
o olhar confuso, procurando uma solução, uma forma de ajudar.
— Hailey, nem se nós duas juntássemos todos os centavos que
temos conseguiríamos esse dinheiro. É muita coisa.
Tentei juntar dinheiro e até consegui mobilizar um pouco, mas tive
um imprevisto com o conserto do carro de Abby, que pesou no meu
bolso. Ainda assim, mesmo se eu não tivesse dormido no volante,
ainda não teria nem um quarto do valor.
— Confie em mim, eu vou dar um jeito nisso — afirmo, mas não
tenho certeza do que digo.
— Como você vai arranjar essa grana, Leah? — ela pergunta,
desconfiada, percebendo que estou perdida.
— Ainda não sei, mas vou pensar em alguma coisa. Tenho dez
dias. Você não precisa se preocupar.
Hailey assente repetidamente, aceitando que vou tomar o
controle da situação e resolvê-la, como sempre faço. Eu sei que ela
gostaria de ajudar, mas não há nada que possa fazer.
— Só quero que tudo isso acabe. Fiquei com tanto medo de eles
me machucarem — admite e seus olhos se enchem de lágrimas.
Minha irmã desaba e eu a puxo novamente para os meus braços,
repetindo que tudo vai ficar bem, enquanto faço carinho em seu
cabelo. Olho para a câmera destruída, imaginando o que ela sentiu
quando esse estrago aconteceu. Uma menina de quinze anos,
sozinha com dois caras mais velhos, que podiam ter feito muito mais
do que apenas o que o chefe mandou. Essa situação poderia ter
acabado de uma maneira muito pior.
Ainda vai levar alguns anos até que eu consiga tirar minha irmã
desse lugar, então, infelizmente, tenho que me contentar em pagar
Axel e implorar para que ele esqueça da nossa existência. Não faço
a menor ideia de como vou fazer isso, mas não há escolha, preciso
arranjar uma solução.
Enquanto consolo Hailey, inúmeros sentimentos se conflitam
dentro de mim. Estou preocupada e abalada por ela, mas ao mesmo
tempo, com a mente funcionando loucamente, pensando em formas
de nos livrar desse problema. Raiva e irritação se unem a mistura
quando vejo que minha mãe está na porta do quarto, observando
nosso abraço.
Não sorrio para ela, não mostro nada, só sigo impassível, sendo
a garota de coração de gelo que ela sempre acha que sou. Posso
não ser sensível com seu vício, mas é porque estou esgotada. Se
ela melhorasse, saísse dessa e passasse a agir como uma mãe de
verdade, nossas vidas iriam melhorar.
Será que ela não percebe que está ferrando com as próprias
filhas? Será que nunca notou os traumas que gerou em nós duas?
Será que nunca percebeu que nós não perdemos só meu pai, mas a
ela também?
Eu sinceramente acho que a resposta para todas essas
perguntas é não. Ela não percebe, nunca vai perceber, e eu vou ter
que, mais uma vez, dar um jeito em tudo sozinha.
Você é adorável, com seu olhar tão caloroso
E suas bochechas tão macias
Não me resta nada além de amar você
Lau <3