Nem Tão Inimigos Assim
Nem Tão Inimigos Assim
Nem Tão Inimigos Assim
Vincent era goleiro do Red Serpents e Travis era o melhor atacante do Blue
Ravens. Os dois times eram grandes rivais, porém as brigas entre Travis e
Vincent iam muito além do hóquei.
Nicole sabia disso e evitava Travis a qualquer custo, certa de que o
inimigo do irmão dela era o inimigo dela também.
No entanto, tudo muda quando Nicole é obrigada a passar mais tempo
com Travis e descobrir o que o faz ser um jogador tão amado pelo campus.
E embora Nicole esteja totalmente imersa na rivalidade acirrada entre
Travis e Vincent, ela logo vai perceber que o amor não respeita regras e
pode surgir nos lugares mais improváveis.
"Nem Tão Inimigos Assim" é um romance que explora os desafios de
um amor proibido em meio a uma rivalidade feroz no mundo do hóquei.
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Dedico esse livro a todo mundo que, em
algum momento da vida, precisou fingir que
não amava o que amava…
Eu não suportava aquele garoto.
Tudo bem que eu estava no bar assistindo Travis King jogar dardos,
mas a culpa não era minha. Ele tinha escolhido o alvo que estava bem na
minha frente, eu não ia mudar de lugar. Ele que escolhesse outro alvo ou
fosse para casa. Eu não ia me mover.
Fazia pouco tempo que Travis tinha sido transferido para o time de
hóquei da nossa universidade, sendo a promessa do Blue Ravens para a
próxima temporada. Travis jogava no ataque e desde que ele havia entrado
para o time, o Blue Ravens tinha ganhado 90% dos jogos. Ele era um
milagre e a faculdade inteira estava encantada com Travis King. Todo
mundo acreditava que ele ia ser nossa arma secreta contra o Red Serpents,
que era o atual campeão nacional há 3 temporadas. O pessoal da nossa
faculdade estava confiante no talento de King e mal podia esperar para o
início da temporada, que era dali a algumas semanas. De acordo com todo
mundo naquele bar, o goleiro do Red Serpents, que era o melhor jogador do
outro time, não ia conseguir parar o grande e poderoso Travis King.
O problema era que o goleiro do Red Serpents era ninguém mais,
ninguém menos que meu irmão gêmeo, Vincent Martinez.
Vincent e Travis já tinham jogado juntos algumas vezes e em todas
elas, os dois terminaram as partidas se batendo. Todas. As. Vezes. O
desentendimento começava no gelo e terminava em briga no
estacionamento do estádio. Eu evitava ver as brigas, porque sentia meu
sangue ferver sempre que alguém tentava crescer em cima do meu irmão.
Vincent era o meu herói e qualquer rival dele era meu rival também.
— Amiga, sei que não é hora de fazer um comentário desses —
começou Francis, que era meu melhor amigo desde os tempos de escola e
agora dividia um apartamento comigo —, mas por que Travis King tem que
ser tão gato, hein? — questionou ele, que fingia odiar Travis comigo.
No entanto, era tudo teatro. Francis era membro do extenso fã clube
de Travis e vivia stalkeando ele nas redes sociais, curtindo as fotos e me
mostrando as que ele tirava sem camisa.
— O inimigo sempre vem lindo, Fran — falei, mexendo meu drinque
verde. — Se ele viesse feio, a gente fugia dele — expliquei, tomando mais
um gole e olhando para Travis —, mas não. Ele vem alto, tatuado e de olhos
verdes.
— O inimigo exagerou dessa vez, então — retrucou Francis, que
estava sentado ao meu lado no bar. — Ele podia pelo menos se vestir
mal, né? Que merda, Nicky...
Francis não estava errado. Era uma merda ter que odiar um cara como
Travis. Ele não era só bom jogador, mas era também um cara muito bonito,
o que era uma covardia da vida. Eu não gostava dele, mas também não era
cega. Sabia que ele tinha um rosto bem desenhado, com o maxilar definido
e as bochechas altas. Sabia que ele tinha olhos verdes intensos, que só
ficavam simpáticos quando ele sorria. E eu também sabia que ele tinha
cabelos claros e ondulados que pareciam estar sempre bagunçados. Isso
porque não vou mencionar o corpo atlético que dava para ele uma
velocidade fenomenal no gelo, e os braços definidos que batiam no disco
com força. Eu sabia disso tudo. Eu via isso tudo e entendia a histeria das
pessoas.
Mas Travis não era um cara legal, e eu podia provar! Era só perguntar
para o meu irmão…
Naquela noite, por exemplo, ele estava especialmente gato. Com uma
calça jeans clara, Travis estava usando uma blusa azul tão justa que permitia
qualquer pessoa naquele bar imaginar o V que se formava na cintura dele.
Era patético e com certeza, ele fazia para chamar atenção.
A minha, pelo menos, ele chamava.
Após analisar os tênis claros dele, subi os olhos e vi que Travis
também estava me olhando. Ele tinha parado de jogar os dardos, enquanto
os amigos dele conversavam e estava com os olhos em mim, claramente
percebendo que eu o observava.
Fechei a cara, vendo-o perguntar "o quê?" de longe, com uma
expressão irritada, me pegando no pulo enquanto eu o admirava. Mas eu
não ia deixar barato. Nada disso! Nossa guerra era fria, cheia de olhares
feios pela faculdade e, de vez em quando, eu me dava ao trabalho de
esbarrar nele sem pedir desculpa. Travis era meu inimigo por tabela e sabia
disso. Eu e Vincent éramos idênticos, com os mesmos cabelos ondulados e
olhos castanhos, apesar de agora mantê-los curtos, quase raspados. Travis
sabia quem eu era e, apesar de nunca ter falado comigo, eu sabia que ele
não gostava de mim também.
Assim que ele me pegou admirando-o, fiz questão de dar o dedo para
ele e revirar os olhos, virando meu corpo para Francis e fingindo conversar.
Vi meu amigo segurar a risada, fixando os olhos dele em mim e fingindo
junto comigo.
— Que saco, hein? Antes de você olhar, era ele que estava olhando —
falou Francis, bebendo o resto do drinque. — Sem sacanagem, posso abrir
meu coração? Acho que toda essa raiva sem sentido um dia vai virar uma
noite de sexo muito louca, com puxão de cabelo e tapa na bunda.
— Porra, Francis! — repreendi-o, engasgando com a saliva. — Tá
maluco? — perguntei, virando meu celular para ele. — Meu coração
tá aqui — garanti, acendendo a tela para que ele visse minha foto com
Vincent.
Aquela era uma das poucas fotos que tínhamos da nossa infância, que
havia sido uma merda. Eu e Vince crescemos só com o nosso pai, já que
nossa mãe morreu alguns dias após o parto, e contamos os dias até termos
idade (e dinheiro) suficiente para sair de casa. Vincent sempre disse que
jogava por nós dois, e eu amava meu irmão com todo o meu coração.
Saber que Travis King gostava de bater nele, me deixava furiosa.
Cruzei as pernas e pedi mais um drinque para o garçom, pegando
minha bolsa e reforçando meu batom vermelho. Eu gostava de parecer
segura e confiante, mas minha cara de criança não me ajudava. Por isso, eu
sempre recorria ao meu batom vermelho e a um coque alto para me fazer
parecer mais velha.
Repassei meu batom com a ajuda de um espelho e esfreguei meus
lábios, logo vendo que Travis olhava para mim.
Por que ele não me deixava em paz também? Por que tinha que ficar
me olhando? Por que não focava nos amiguinhos dele?
— O quê, caralho? — Fiz com a boca, guardando meu batom e
olhando-o com raiva.
Travis deu um leve sorriso, mas os olhos dele continuavam intensos e
revoltados. Antes que eu pudesse desviar o olhar, ele deu o dedo para mim e
virou de costas, pegando mais alguns dardos e voltando a arremessá-los
perfeitamente.
Filho da puta.
Francis começou a conversar com o garoto que estava ao lado dele, e
peguei meu telefone, desviando totalmente o meu olhar de Travis. Eu não ia
ficar olhando para aquele idiota. Não mesmo. Eu tinha mais o que fazer.
Vi quando uma garota perto de mim o aplaudiu, gritando o nome dele
e se empolgando com o jogo de dardos. Olhei para o alvo e vi que ele tinha
acertado bem no centro, ganhando o jogo.
— Joga muito! — falou a garota ao meu lado, puxando o decote mais
para baixo. Ela olhou para mim e deu um sorriso sem graça, mexendo nos
cabelos ruivos. — Sem querer te ofender, mas aposto que ele pensou no seu
irmão quando jogou esse último dardo — disse ela, voltando a olhar pra ele.
— Aposto que imaginou que era a cabeça dele.
— Cala a boca, sua escrota — devolvi, me levantando e pegando
minha bolsa. — Fran, tô indo pra casa.
Eu não queria estragar a noite do meu amigo, então resolvi ir embora
sozinha. Já tinha sido o suficiente para mim. De drinques, de bar, de Travis.
Eu não ia ficar ali, me irritando de graça.
Travis King ia ser meu inimigo para sempre.
Não tinha conserto.
Eu estava no time de Vincent.
Aquela garota estava me enchendo o saco.
— Não quero — falei mais uma vez, já que a ruiva em minha frente
parecia não ter entendido.
— Ah, qual é! — disse ela, rindo sozinha. — Nunca vi um cara negar
oral na vida!
Já fazia uns dez minutos que aquela garota tinha se aproximado de
mim e dos meus amigos enquanto jogávamos dardos. Ela era bonita, eu
tinha notado a presença dela assim que entrei no bar, porém eu queria
dormir sozinho naquela noite. Tínhamos jogo no dia seguinte e só
estávamos no bar para relaxar antes da partida. Eu não tinha interesse em
sair dali com nenhuma garota.
A não ser que a garota fosse Nicole Martinez...
No entanto, de todas as garotas no mundo, Nicole era a única que eu
não podia ter. Ela era a irmã gêmea de Vincent Martinez, que era o cara
mais escroto que eu já tinha conhecido no hóquei. Vincent entrava no gelo
com a mentalidade de que não ia tomar gol e se sentia pessoalmente atacado
quando falhava, ficando puto com o jogador que marcasse contra ele.
Vincent podia jogar o jogo escroto dele com os outros caras, mas comigo
não funcionava. Eu não me sentia intimidado por ele e não recuava quando
Vincent vinha para cima de mim. Se ele não queria tomar gols quando
jogava contra o Blue Ravens, era melhor ficar em casa.
No entanto, a irmã de Vincent era a garota mais foda que eu já tinha
visto. Nicole escrevia para o jornal da faculdade e, como eu era bem melhor
com números, sabia apreciar quando alguém era bom com as palavras. Já
tínhamos feito uma matéria de sociologia juntos e ela não conseguia passar
uma aula sequer sem dar a sua opinião e deixar o professor sem resposta.
Era foda de se assistir.
No entanto, sendo bem sincero, o que eu mais gostava em Nicole era
a maneira como ela olhava com raiva para mim, como se quisesse me
amarrar em uma cadeira, puxar meu cabelo e segurar meu pescoço com
força.
Talvez aquilo fosse o que eu mais gostasse nela.
Era claro que ela levava a rivalidade do irmão comigo muito a sério e
queria distância de mim. O que era uma merda, porque eu a achava foda pra
caramba.
Mas eu levaria aquilo para o meu túmulo, claro. Nicole era muito
próxima de Vincent e a única opção que eu tinha era ignorá-la
completamente.
Olhei discretamente para ela e vi que Nicole parecia querer ir embora,
conversando em pé com o amigo e com a bolsa no ombro. Eu a observava
sutilmente enquanto tentava fazer a garota ruiva ao meu lado entender que
eu não estava interessado.
— Não quero — falei mais uma vez, sentindo-a segurar minha
camisa, enquanto eu assistia Asher, que também jogava no ataque do Blue
Ravens comigo, arremessar três dardos e errar os três.
— Qual é, Travis! — choramingou ela, me enchendo o saco. — Você
vai negar um oral? — questionou ela, fazendo bico.
— Você é boa assim no oral? — perguntei, vendo Nicole se sentar de
novo no bar e pedir um shot de tequila.
A garota começou a me explicar sobre as técnicas dela, mas eu não
estava prestando atenção. Vi quando Nicole pegou o sal e colocou-o na
mão, lambendo devagar e de uma maneira que eu conseguia ver tudo.
— Caralho...
— Eu sei! — disse a ruiva, pensando que eu estava falando com ela.
— Isso porque ainda não te contei a técnica do lollipop — falou, rindo
sozinha.
Dei um sorriso falso e segurei as mãos dela, tirando-as da minha
blusa. Vi quando Nicole virou o shot com o amigo e colocou uma fatia de
limão na boca, fazendo uma cara feia enquanto sacudia o corpo. Assim que
abriu os olhos, Nicole olhou para mim e na mesma hora a expressão dela
ficou séria. Ela fingiu golfar, olhando novamente para o amigo e
convidando-o para ir embora.
Olhei de volta para a ruiva, que estava de mãos dadas comigo.
— Mais uma vez — repeti, afastando as mãos dela de mim. — Não
quero.
— Ei, antes dele chegar, sua atenção era toda minha, Moni! — disse
Asher, se aproximando da garota e colocando o braço em volta dela. —
Antes dele, eu era o seu herói.
Asher era o cara mais legal do mundo, com cabelos loiros e crescidos,
e com um sorriso sempre na cara. Na verdade, nunca tinha visto Asher de
mau humor. Ele acordava bem todos os dias e tratava todo mundo com
atenção, o que era muito notável. No gelo, ele era um animal. Fora dele,
Asher era a porra de um ursinho, amigo do mundo inteiro.
Vi quando ele levou a garota para longe de mim, sentando-se junto
com ela em uma das mesas do bar e me deixando jogar os últimos três
dardos antes de ir embora. Eu tinha que parar de ficar olhando para a irmã
de Vincent quando estávamos no mesmo ambiente. Nada nunca aconteceria
entre nós e, se acontecesse, seria a coisa mais escrota que eu poderia fazer
contra um adversário. Vincent já me odiava.
Se eu transasse com a irmã dele, Vincent, com certeza, arruinaria
minha vida.
Tínhamos jogo contra o Red Serpents na noite seguinte e, se eu
quisesse garantir que minha rivalidade com Vincent ficaria somente no
hóquei, eu tinha que parar de pensar na irmã do cara.
Estávamos voltando para os jogos da temporada e a partida daquela
noite seria contra o Red Serpents, que era o atual campeão nacional. Fazia
pouco tempo que eu tinha chegado do Canadá, mas já era óbvio que a maior
arma deles era tentar intimidar o adversário.
Os jogadores do Red Serpents eram grandes pra caralho e pareciam
treinar as expressões faciais na frente do espelho. Era algo que eu nunca
tinha visto na vida...
Já era o nosso quarto jogo contra eles e tínhamos vencido só uma vez,
o que havia sido o suficiente para deixá-los putos.
Mas eu não estava nem aí. A gente ia ganhar de novo naquela noite.
A gente precisava ganhar.
Estávamos todos aguardando o início do jogo no vestiário, calados
enquanto tentávamos nos concentrar para o que estava por vir. Não era um
jogo fácil, mas tínhamos condição de ganhar. Estudávamos as jogadas do
Red Serpents todos os dias e conhecíamos cada jogador. Não haveria
novidades.
A equipe inteira estava em silêncio, com todos concentrados
esperando nos chamarem para o início da partida.
Só Asher não calava a boca.
— Quero ver eles arrumarem confusão comigo hoje — disse ele, com
as pernas inquietas. — Perco um dente, mas não perco essa merda de jogo
— falou, passando a língua nos dentes da frente. — Seria bom não perder
nenhum, mas se eu tiver que perder, que seja um de trás — continuou,
fazendo alguns jogadores rirem. — Não, senão talvez eu não consiga
comer. Melhor perder um da frente — argumentou ele, fazendo mais gente
rir —, mas aí não vou conseguir pegar ninguém, né? Esquece! — falou,
fazendo um rabo de cavalo curto. — Acho que o melhor seria perder um
dente da lateral porque...
— Cala a boca, Ash — pediu Phillip, o capitão da equipe. — Porra...
Eu estava dividindo um apartamento com Phillip desde que tinha
chegado, então sabia que aquele jogo era importante para ele. Quando
estava bem, a avó de Lip ia ao estádio para vê-lo jogar, e aquele era um dos
dias em que ela estava presente. Ele queria que ela o visse ganhar, então não
podíamos perder para o Red Serpents.
Respira, Travis. Porra! Dá pra ganhar.
Eu precisava me acalmar, porque o jogo daquela noite seria difícil.
Tínhamos que sair do gelo com a vitória, porque só assim colocaríamos
nosso nome em destaque. O Red Serpents não perdia para ninguém... só
para a gente.
O técnico entrou no vestiário fazendo barulho, acompanhado do
treinador e de alguns assistentes. Quando ele abriu a porta, pudemos ouvir a
multidão gritando do outro lado. A arquibancada estava lotada... e gritava
por mim.
— Hora do show — disse o técnico, colocando as mãos na cintura e
me olhando. Ele sabia que eu tinha ouvido a multidão. Paul Sullivan era um
dos melhores técnicos do país e estava pronto para fazer história com o
Blue Ravens. Ele ficava muito atento aos movimentos dentro e fora do gelo,
certo de que a pressão da torcida influenciava o nosso rendimento na
partida. Quando todos gritavam por mim, ficava ainda mais difícil de entrar
no jogo sem a necessidade de ganhar de qualquer jeito. — Pessoal, sei que
essa é a frase mais batida do mundo, mas vale a pena relembrar... — falou
ele, olhando para todos. — Vocês jogam pelo nome que tá na frente da
camisa, não pelo que está atrás — disse, referindo-se ao nome do time. —
Vamos jogar juntos e ganhar juntos — anunciou, fazendo sinal para que a
gente levantasse.
Era hora do jogo.
Antes que eu passasse pela porta, Sullivan colocou a mão no meu
ombro.
— Tudo bem? — perguntou ele, como sempre fazia.
— Tudo bem — menti com confiança, colocando meu capacete e
caminhando em direção ao túnel.
Assim que chegamos no rinque, vimos que os jogadores do Red
Serpents já estavam prontos para jogar. Eles não acenavam para os fãs ou
familiares. Não. Eles estavam ali para vencer e só a partida importava.
Para o azar deles, eu não desistia com facilidade.
Phillip foi até a avó para cumprimentá-la e alguns dos outros
jogadores do Blue Ravens acenaram para os familiares. Claramente, éramos
muito diferentes dos Serpents naquele quesito, e eu só não acenava para a
minha família porque estavam todos no Canadá.
No entanto, a torcida do Ravens inteira gritava o meu nome.
Tinha chegado fazia pouco tempo, mas sabia que minha presença
tinha mudado o jogo. Não era eu, mas era o que eu trazia para o time.
Jogávamos pelo nome na frente, não o nome atrás. Eu não estava ali por
mim, e ouvir a multidão gritar meu nome, colocava um peso extra sobre os
meus ombros. Eu não podia errar.
Fui para minha posição, inspirando e expirando devagar, enquanto
encarava Vincent Martinez no gol. Todo mundo ali estava contando comigo
e era noite de fazer história. Eu não ia deixar a porra do Vincent estragar
meus planos. Olhei atrás dele e vi Nicole, que revirou os olhos ao me ver e
cruzou os braços igual uma criança birrenta.
Tadinha. Ela ia ficar bem mais irritada quando ganhássemos do Red
Serpents naquela noite.
O árbitro iniciou a partida e eu senti meu corpo entrar em modo de
ataque, esquecendo de pensar. O Red Serpents começou o jogo com
vantagem, dominando muito mais e me deixando sem espaço para jogar.
Antes do fim do primeiro tempo, eles marcaram um gol e comemoraram da
mesma maneira intimidadora de sempre. Parecia que tinham vencido o
campeonato inteiro, gritando um na cara do outro e se batendo.
Emocionados do caralho...
Voltamos para o segundo tempo e eu resolvi que ia encontrar espaço
de um jeito ou de outro. Também tínhamos estudado o jogo deles, e eu sabia
que ganhava na velocidade. Era isso que precisava fazer para conseguir
marcar.
Antes do fim do segundo tempo, Asher passou o disco de longe para
mim e eu consegui chegar ao gol do Red Serpents antes da defesa me
alcançar. Agora éramos eu e Vincent... e entre mim e ele, eu era sempre
mais eu. Bati com força e marquei sem que ele conseguisse ver o disco,
passando direto pelo gol e diminuindo a velocidade apenas quando me
aproximei da arquibancada. A torcida do Blue Ravens voltou a gritar o meu
nome, enquanto eu patinava até meus companheiros de equipe para
comemorar.
Quando passei pelo gol, Vincent puxou o taco da minha mão e o
jogou no gelo, fazendo tudo muito rápido para que o árbitro não pudesse
ver. Ele tinha ficado puto.
Bom para mim. Eu tinha marcado duas vezes contra ele, então.
Deixei a provocação passar e voltei para o jogo, certo de que íamos
ganhar. Vincent tinha se desestabilizado com pouco, e Asher já tinha
entendido o que a gente precisava fazer para vencer.
Tentamos a mesma jogada novamente e, para a surpresa de todo
mundo, funcionou. Consegui sair na frente da defesa, e eles novamente não
conseguiram me alcançar. Bati no disco antes que Vincent conseguisse
entender a jogada e marquei de novo, ouvindo a torcida gritar. No entanto,
antes que eu conseguisse diminuir a velocidade, um dos jogadores da defesa
do Red Serpents jogou o corpo dele contra o meu e me arremessou na
direção de Vincent e do gol. Como eu estava em alta velocidade, não
consegui frear e caí por cima dele, com Vincent me empurrando depressa e
segurando minha camisa para me levantar. Ele era mais forte, então
conseguiu me colocar de pé e me bater primeiro. Os outros jogadores do
Blue Ravens vieram atrás para me tirar dali, porém eu não queria ajuda.
Vincent tinha conseguido me irritar e agora eu também queria briga.
Agarrei a camisa dele e o puxei para baixo, segurando o pescoço de
Vincent com o meu braço. Ele perdeu o equilíbrio e caímos novamente no
gelo, com o árbitro tentando nos separar. Mas eu não ia sair dali antes de
dar um soco naquele filho da puta.
Eu e Vincent já estávamos sem capacete quando nos separaram, então
foi fácil acertá-lo quando ficamos de pé. Os jogadores do Red Serpents
vieram para cima de mim quando acertei o rosto de Vincent, porém não
demorou para que meus companheiros de time aparecessem também.
Era uma briga generalizada e a torcida parecia estar amando. Vincent
tinha cortado meu rosto, mas eu não sabia de onde vinha o sangue. Passei a
mão na boca quando senti o sangue escorrer pelo meu lábio, logo notando
que o corte estava em cima do meu nariz.
O jogo tinha acabado para mim. Eu estava fora. Bati com o meu taco
na proteção da arquibancada e fui direto para o vestiário, puto por ter caído
na provocação de Vincent e ter saído do jogo.
Não demorou para que eles fizessem mais um gol. E mais um. E mais
um. A briga tinha desestabilizado o nosso time e perdemos a porra do jogo.
Puta que pariu!
Eu estava puto e pronto para encontrar com Vincent no
estacionamento do estádio.
Eu e ele íamos ter uma conversinha.
Eu não queria falar com ninguém. Tomei banho e arrumei minhas
coisas antes de todo mundo, saindo do estádio e indo até o estacionamento
para esperar Vincent Martinez.
Já fazia frio durante a noite, então coloquei minha jaqueta com capuz
para esperá-lo o quanto fosse necessário.
Meu pai, que acompanhava todos os meus jogos e era viciado em
ganhar, já tinha me enviado várias mensagens perguntando qual era o meu
problema. Eu não estava com cabeça para conversar e com certeza, falaria
merda se ligasse para ele naquela noite. Desde que eu tinha mostrado
interesse pelo hóquei, meu pai fez daquilo a vida dele e não conseguia
relaxar um segundo sequer. Meu irmão mais novo, Holden, sempre foi
obrigado a ir a todos os meus jogos e passou a infância inteira com o meu
pai enchendo o saco dele para ser como eu. Era uma merda ser o favorito do
meu pai, e eu só não havia desistido de tudo porque amava o hóquei.
Por isso, nossa conversa ia ter que ficar para outro dia.
Vi quando Vincent saiu do estádio acompanhado de outros três
jogadores do Red Serpents. Continuei parado perto do carro dele, certo de
que a gente tinha um problema para resolver. E eu estava pouco me fodendo
se os amigos dele viessem junto. Eu estava puto.
Vincent pareceu me ver ao longe, se despedindo dos outros jogadores
e caminhando até mim sem olhar para os lados. Ele passou a mão nos
cabelos curtos e fechou os punhos, estufando o peito enquanto vinha em
minha direção.
— Desencosta do meu carro — falou ele, apontando para mim.
— Qual é o seu problema? — questionei, ainda encostado no carro
dele.
— Meu problema é você encostado no meu carro — disse ele,
parando de frente para mim. — Desencosta.
Desencostei-me do carro dele, chegando mais perto e encarando
Vincent. Ele era mais forte, mas eu era mais alto.
— Qual é a porra do seu problema comigo? — questionei de novo,
certo de que eu não ia sair dali.
— Meu problema é você ser um riquinho de merda que acha que
entende de hóquei — explicou, apontando para o meu carro, que estava
estacionado a algumas vagas do dele. — Da próxima vez que você se
encostar no meu carro, eu quebro a porra do seu Mustang.
Ri de leve, entendendo tudo.
— Por que você não falou antes que o problema era o carro? —
questionei, tirando a chave do bolso da calça jeans. — Se eu soubesse que
era isso que machucava seu ego, tinha deixado você dar uma volta — falei,
colocando a chave entre mim e ele. — Se for pra você parar de encher a
porra do meu saco no gelo, eu te dou o carro — disse, vendo-o se irritar. —
Me deixa jogar em paz, Vincent — repeti, lembrando da partida daquela
noite e voltando a me irritar. — Perde que nem a porra de um homem —
falei, jogando a chave no chão. — Você é um merda e mesmo assim eu te
respeito no gelo. Faz o mesmo e a gente não vai ter problema.
Vincent olhou para a chave, me empurrando quando voltou a olhar
para mim. O empurrei de volta e senti segurar meu casaco, me jogando no
chão e dando um soco no meu rosto. O machucado no meu nariz voltou a
abrir, mas consegui acertar o olho de Vincent duas vezes e fazer com que
ele caísse no chão. A vantagem agora era minha, então voltei a bater em
Vincent enquanto ouvia um grupo de pessoas se juntando ao nosso redor.
Aquilo não era novidade. Já era o nosso quinto jogo e nossa quinta
briga no estacionamento. Continuei a bater em Vincent, descontando nele
toda a raiva de ter pedido, e só parei ao ouvir as palavras: "solta meu
irmão!".
Olhei para ver quem era e obviamente, era Nicole, caminhando até
nós dois com a expressão de quem ia me matar. Antes que eu conseguisse
tirar os olhos dela, Nicole pegou a chave no chão e a ergueu, colocando-a
sobre nós dois.
— Larga meu irmão, ou eu vou riscar a porra do seu carro inteirinho!
— falou ela, enquanto eu ainda segurava Vincent no chão.
Ela não era louca de riscar meu carro.
Continuei segurando Vincent e o impedindo de bater em mim. Em um
movimento rápido, Vincent conseguiu dar um soco no meu ombro e fez
com que eu revidasse com um soco nas costelas dele. Continuamos a nos
bater por alguns segundos, até eu ouvir alguém gritar: “meu Deus, o
Mustang!”.
Olhei depressa para o meu carro e logo notei que Nicole estava se
aproximando dele, com as chaves na mão.
Soltei o irmão dela de uma vez, me levantando e caminhando
depressa até Nicole.
— Você não é maluca de riscar o meu carro! — falei, vendo-a parar
de caminhar e virar-se para mim.
Nicole caminhou devagar em minha direção, cruzando os braços e me
encarando.
— Você não me conhece — respondeu ela, parando a poucos
centímetros do meu rosto. Nicole estava tão perto que eu podia sentir o
cheiro do shampoo dela, o que tirava minha concentração. — Você não faz
ideia do que eu sou capaz de fazer... E confia em mim quando te digo que
meu irmão é o gêmeo bom — falou ela, olhando diretamente nos meus
olhos. — Então não me provoca.
— É mesmo? — questionei, ainda tentando recuperar o fôlego
enquanto a encarava. — Vai bancar a gêmea má, se metendo numa briga
onde não foi chamada?
— Exatamente — disse ela, com segurança. — Sou muito pior que o
meu irmão e constantemente me meto onde não sou chamada — falou,
ficando ainda mais perto e me fazendo ter que olhar para baixo para encará-
la. Não era todo dia que eu via tanta confiança em um corpo tão pequeno.
— Mexe com o meu irmão e você vai conhecer um lado meu que garanto
que não quer conhecer — ameaçou.
Sorri de leve, limpando o sangue no canto da minha boca.
— Duvido...
A encarei por alguns segundos, ouvindo meu coração bater depressa
enquanto a situação me dava sinais dúbios. Será que eu estava ficando
louco, ou Nicole também sentia a atração entre nós dois? Meu rosto estava
doendo e eu tinha certeza de que ia me arrepender de ter brigado na manhã
seguinte, mas ficar cara a cara com Nicole, vendo-a querer bancar a gêmea
má, era bom demais para ser evitado. Senti meu corpo ser burro e querer
que ela provasse para mim o quão doida era.
A minha cabeça entendia que Nicole quase tinha riscado meu carro...,
mas meu corpo era burro e achava o jeito dela sensual pra cacete. Nenhuma
outra garota falava comigo daquele jeito, brigando para dominar a situação.
— Sai de perto da minha irmã! — Ouvi Vincent gritar, fazendo com
que eu me virasse e visse o amigo de Nicole segurá-lo atrás de mim.
— Chega, Vince! — disse o garoto, segurando Vincent com força
para que ele não viesse para cima de mim de novo. — Por hoje, chega! Já
deu!
Vincent pareceu se acalmar um pouco, porém a cara de ódio dele
ainda era a mesma.
— Eu te mato se você chegar perto da minha irmã — ameaçou ele,
cuspindo sangue enquanto ainda olhava para mim. — Você ouviu? Eu te
mato, King!
Virei de costas para ele e fui em direção ao meu carro, pouco me
fodendo para as ameaças de Vincent. Ele podia ficar tranquilo. Eu sabia que
Nicole era proibida e, por mais que ele fosse um filho da puta, eu não era
como ele. Jamais me aproximaria da irmã do cara para mexer com a cabeça
dele.
Cheguei perto do meu carro e lembrei que eu estava sem a chave.
Virei-me para Nicole e a vi arremessar a chave pela rede do
estacionamento, fazendo com que ela caísse no canteiro que ficava do outro
lado.
Aquela garota era problema. A maneira como ela tentava me tirar do
sério, me irritava e me fazia querê-la na mesma proporção.
E eu já tinha problemas demais na minha vida para arrumar mais um.
Se tinha uma coisa que eu não precisava, era de mais problemas para
a minha cabeça.
Acordei cedo na terça-feira, caminhando que nem um zumbi até a
cozinha do meu apartamento pequeno e apertado. Sylvia, que era a editora
chefe do jornal da faculdade, tinha combinado de encontrar comigo antes da
aula para uma reunião de emergência. Já fazia um ano que eu escrevia para
o jornal da universidade e nunca havia tido uma reunião de emergência com
Sylvia. O que era, afinal, uma reunião de emergência? Eu não fazia ideia.
Por isso, dizer que eu estava preocupada era pouco. Eu estava desesperada
para descobrir o que ela queria comigo.
Fiz café para mim e para Francis, sentando-me na nossa mesa
redonda e de madeira clara enquanto imaginava sobre o que Sylvia podia
querer conversar. Será que eu estava sendo cancelada na internet? Será que
eu tinha escrito alguma merda na edição passada? Não, não era possível...
Minha reportagem tinha sido sobre trancar ou não um curso quando já
se estava na metade. Por que me cancelariam? Não, não era aquilo. Não
fazia sentido ser aquilo.
Continuei confabulando até ouvir Francis sair do banheiro,
caminhando até a cozinha, já pronto para a aula.
— Bom dia, margarida — disse ele, pegando uma xícara de café. —
O que achou do meu figurino?
Francis usava uma blusa social rosa e calças boca de sino amarelas.
Meu melhor amigo sempre era o evento por onde ia, e eu gostava dele
assim.
— Achei recatado — falei, segurando minha xícara quente com as
duas mãos e me embolando na cadeira.
— E você? Tá linda com essa calça de moletom verde e blusa preta
cheia de pelinhos — brincou ele, sabendo que eu ainda estava de pijama. —
Se não se importar, quero usar isso amanhã.
— Pode usar — falei, vendo-o sentar de frente para mim. — Escolhi a
roupa pensando no que a Sylvia pensaria. Será que ela sente dó de mim e
resolve não brigar comigo, se eu for com um look "coitada"?
— E quem disse que ela vai brigar com você? — questionou ele,
assoprando o café. Já era meio de janeiro e fazia muito frio. — Pode ser
coisa boa...
— Fran, pelo amor de Deus! Tô na TPM, vou ter que pegar ônibus
sem aquecedor, o ralo do banheiro tá entupido... Não tem nem sentido vir
coisa boa do jornal. É mais fácil ela me chamar pra pedir ajuda pra pagar as
contas — comentei, certa de que estávamos passando por um momento
difícil na redação.
Eu não recebia muito para escrever para o jornal da faculdade. O
importante era o peso que aquilo teria no meu currículo, já que eu ia ter
muitas matérias para mostrar quando finalmente me formasse. Vincent se
ofereceu para me ajudar com as contas de casa quando eu contei que tinha
sido chamada para trabalhar no jornal da faculdade. Ele sabia que eu ia
receber muito pouco e que, se aceitasse o trabalho, não ia ter tempo para
outro emprego que me ajudasse com minhas despesas.
Meu irmão era meu parceiro e, ao invés de juntar todo o dinheiro que
ganhava como jogador de hóquei, Vincent queria me ajudar com o que
podia. Eu é que precisava insistir para que ele parasse...
Nós dois passamos tanto tempo sem poder ter as coisas, que Vincent
amava me presentear e ajudar. Era a maneira dele de me mostrar que nossa
vida tinha mudado e que eu podia relaxar.
— Se a Sylvia pedir seu dinheiro, manda uma foto do ralo entupido
pra ela — falou Francis, pegando uma maçã. — O povo acha que a gente
tem dinheiro sobrando? Pelo amor de Deus! Quem tem dinheiro sobrando?
Eu não contava tudo para Vincent, ou ele ia querer gastar todo o
dinheiro dele dando uma vida de princesa para mim. Eu entendia que era
importante para ele, mas também era importante para mim que ele juntasse
o que ganhava para ostentar e ter uma vida igual a dos outros garotos que
jogavam hóquei. Vincent só conseguiu seguir aquela carreira porque o
pessoal da vizinhança nos ajudou quando éramos crianças e acreditou no
potencial do meu irmão. Meu pai nunca nos deu um centavo sequer e bateu
em Vincent até os 16 anos, quando meu irmão ficou forte o suficiente para
parar de apanhar.
Meu pai me ignorava completamente e só lembrava de mim para rir
dos meus problemas de garota. Ele ria quando eu não queria ir para a escola
porque estava com cólica, riu quando eu tive meu primeiro namoradinho e
ele quebrou meu coração, riu quando pedi dinheiro para comprar
maquiagem pela primeira vez... Meu pai achava os meus problemas bem
engraçados. Mas Vincent? Ah, Vincent apanhou a vida inteira. Tudo o que
ele fazia dava raiva no meu pai.
E era por isso que saber que Travis King batia no meu irmão, me
irritava profundamente. Desde que saímos de casa, prometi para mim
mesma que ninguém mais bateria no meu irmão na minha frente.
— Quanto vai ficar o conserto do ralo mesmo? Vou ver se arrumo um
dinheiro — falei, sem fazer ideia de como arrumar uns trocados para
consertar nosso problema.
Eu e Francis já tínhamos tentado todos os produtos do mundo, e agora
precisávamos chamar um encanador para nos ajudar.
— Relaxa, Nicky. Eu vou dar um jeitinho — garantiu ele, levantando
e se despedindo de mim. — Usa preto e vermelho hoje, ok? — aconselhou
Francis, piscando para mim. — Se quer parecer confiante, vai toda de preto
e pega meu sobretudo vermelho. Sylvia vai pensar duas vezes antes de falar
qualquer coisa pra você — disse ele, dando um beijo no meu rosto antes de
abrir a porta e sumir pela rua fria.
Respirei fundo, passando a mão nos meus cabelos ondulados até meus
dedos ficarem presos. A faculdade parecia longa demais, eu mal podia
esperar para me formar e arrumar um emprego de verdade. Eu tinha pegado
um monte de matérias naquele semestre, porque queria sair dali o mais
rápido possível. E eu precisava sair dali. Sentia que minha vida só ia
começar de verdade quando me formasse. Até lá, eu estava no modo teste.
Coloquei a roupa que Francis havia sugerido e fui até o prédio onde
ficava a redação do jornal, me apressando para não congelar pelas ruas frias
de inverno. Fazia muito frio em janeiro, e eu sempre me escondia atrás de
cachecóis fofinhos. No entanto, era minha maquiagem pesada quem
garantia que minha cara de criança ficasse ainda mais escondida. Meus
olhos castanhos e grandes me davam um ar ingênuo que eu queria muito
esquecer. Embora eu sempre parecesse muito confiante durante as aulas e
na minha profissão, eu era uma criança quando o assunto eram relações
pessoais. Eu tinha medo de confiar nas pessoas, medo de me relacionar com
garotos, medo de quebrar a cara. Por isso, meus únicos amigos no mundo
eram Francis e Vincent. Claro que eu conhecia mais pessoas e até saía para
beber com um grupo pequeno da faculdade. No entanto, todos eram apenas
meus conhecidos. Eu não confiava em ninguém e fazia anos que não
deixava um garoto ter poder sobre o meu coração. A vida era mais fácil
assim.
Caminhei até a sala de Sylvia e vi quando outros redatores do jornal
passaram por mim, com as caras desanimadas de sempre. Ok, nada parecia
fora do normal. Talvez a reunião de emergência fosse um exagero de Sylvia
e ela só tivesse perguntas para mim, ou então uma ideia bombástica que
queria dividir comigo.
Sim, não havia razão para pânico.
Bati na porta da sala dela e entrei ao ouvi-la me chamar. Sylvia ainda
estava digitando quando eu entrei, sorrindo para o laptop dela, enquanto eu
me sentava na cadeira em frente.
— Nicky, eu tenho uma fofoquinha e uma novidade — disse ela,
ainda escrevendo sem me olhar. Sylvia era excêntrica, tinha cabelos laranja
e roupas coloridas. Ela e Francis sempre se pegavam quando estavam na
mesma festa. Depois, ela me dizia que achava ele exagerado, e ele dizia que
achava ela brega. — Você não vai acreditar no telefonema que eu recebi
sexta, no fim do expediente — contou Sylvia, finalmente fechando o laptop
e me encarando. — O diretor do departamento de esportes me ligou e disse
que quer fazer uma doação gigante para o jornal. Ele disse que tem muito
interesse em cruzar públicos e quer que nossa próxima capa seja sobre
esporte! — exclamou, levantando da cadeira e dando um pulinho com as
mãos para o ar.
— Cruzar públicos? — questionei, sentindo meu corpo relaxar ao
perceber que eram boas notícias. — E doação? Que doação?
— Mike Sant'Anna disse que vai fazer uma doação bem generosa
para o jornal. E eu quero usar essa doação pra pagar você pra escrever a
matéria que ele pediu — contou ela, me fazendo colocar as mãos na boca
para não gritar. — Não posso falar quanto é ainda, mas garanto que dá pra
comprar um daqueles carrinhos feios e velhos que vendem pelo campus —
disse ela, com um sorriso amigável. — E ainda sobra uns trocados.
Puta que pariu!
— Sylvia, calma, você tem certeza? — questionei, me levantando
também e vendo-a segurar meus ombros. — Tem muita gente competente
no jornal que amaria ter essa oportunidade. E você não precisa me pagar! A
gente pode usar esse dinheiro de tantas maneiras...
— Não, eu quero te pagar pra escrever. Nicky, esse é o seu destino, e
eu acredito no seu talento — falou ela, me fazendo engolir o choro. —
Fizeram isso por mim e eu quero fazer por você. Eu me formo esse ano, não
consigo imaginar uma maneira melhor de ir embora. Você é a melhor
redatora que eu tenho e quero fazer isso por você — disse ela, fazendo com
que eu tirasse as mãos dela dos meus ombros e a abraçasse.
— Meu Deus, eu não sei nem como te agradecer! — falei, já me
imaginando de carro por aí, sem passar frio pelas ruas durante o inverno,
saindo das festas sem ter que esperar por carona...
Eu ia poder visitar Vincent muito mais, ia poder dar carona para
Francis até os desfiles, planejar viagens com os dois, ouvir minhas músicas
favoritas enquanto andava pela cidade e...
— Você pode me agradecer escrevendo a melhor matéria de hóquei
da sua vida! — disse Sylvia, me jogando um balde de água fria.
— Hóquei?
— Sim, o Sant'Anna quer uma reportagem sobre hóquei.
— Sobre o Blue Ravens — falei, só para confirmar.
— Não, na verdade, não — disse ela, me fazendo sorrir novamente.
— Na verdade, ele quer que a gente escreva sobre um jogador em
específico — falou, com uma expressão empolgada. — Travis King.
Não. Não.
Não! Sem. Chance.
Não.
Aquilo eu definitivamente não conseguia fazer.
Eu gargalhei na cara de Sylvia, vendo-a rir junto comigo.
— A matéria que você quer que eu escreva é sobre Travis
King? Especificamente sobre Travis King? — questionei, vendo-a assentir
com a cabeça igual uma maluca. — Não. Esquece, Sylvia. Não tem como.
— Sylvia olhou curiosa para mim, como se meu comportamento fosse
bizarro. — Não! Eu não vou escrever sobre Travis King. Esquece! É uma
ideia absurda! — falei, me lembrando do nosso encontro depois do jogo e
da maneira como eu o ameacei. — Posso escrever sobre qualquer coisa,
menos sobre esse garoto. Escolhe qualquer outro assunto e eu tô dentro.
— Mas, Nicky, ele é amado pela faculdade inteira! Por que não quer
escrever sobre ele? Sabia que Travis tem mais seguidores do que vários
participantes do Too Hot To Handle? Sabe o que é isso?
— Não faço ideia — respondi, voltando a me sentar. — Eu agradeço
por pensar em mim, agradeço pela oportunidade, agradeço pelas suas
palavras de encorajamento, mas, infelizmente, vou ter que recusar — falei,
sabendo que era muita coisa para recusar, mas eu simplesmente não ia
escrever sobre Travis King.
Não. Não tinha como.
Sem chance.
Não havia a menor possibilidade de eu escrever uma matéria para a
faculdade, falando bem do garoto que brigava com meu irmão e que
provavelmente me odiava também. Eu não tinha nem que pensar no
assunto. Era não.
— Mas por que não quer escrever a matéria, meu bem?
— Sylvia, o Travis é o maior inimigo do meu irmão gêmeo. Sério, faz
três dias que eles tiveram uma briga bizarra no estacionamento do estádio e
eu tive que separar os dois, porque o cara estava socando a cara do Vincent.
Não existe a menor possibilidade de eu escrever algo que preste sobre um
cara que eu não suporto. Esquece. Não dá.
Sylvia cruzou os braços, olhando para mim sem falar nada.
— Nicole... — começou ela, depois de um breve silêncio. — Você
sabe o que isso significaria para o seu currículo, certo?
— Certo — respondi, firme.
Eu sabia que ter uma matéria na capa do jornal da faculdade era algo
que me destacaria no mercado de trabalho. Poderia mostrar aquela
reportagem para qualquer empresa e com certeza, chamaria atenção.
Escrever para o jornal da faculdade era algo importante e ter uma matéria
na capa, em destaque no site, era quase como um ticket para ser chamada
para entrevistas de emprego.
— E você sabe que está negando uma oportunidade importante por
algo que não vai valer nada depois que a faculdade acabar. Algo que você
nem vai lembrar daqui uns anos. Certo?
— Certo — respondi, ainda firme.
Eu duvidava que fosse esquecer a rivalidade entre Vincent e Travis, já
que os dois provavelmente acabariam na NHL, mas com certeza não
pensaria neles quando fosse procurar emprego.
— E sabe que conseguir comprar um carrinho, trabalhando no jornal
da faculdade, seria um milagre. Não vai existir outra oportunidade como
essa. Certo?
— Certo.
— E sabe que eu quero tudo isso pra você — continuou ela,
debruçando-se sobre a mesa para ficar bem perto de mim. — Você não vai
escrever só sobre o que gosta na sua carreira. Na verdade, um dos seus
maiores desafios vai ser escrever sobre coisas que você detesta, entrevistar
pessoas que não suporta e cobrir eventos que vão contra tudo o que você
acredita... — continuou ela, olhando séria para mim. — Sabe disso, certo?
— Certo... — respondi, com a voz um pouco mais fraca.
— E sabe que esse seria um ótimo teste pra você, porque se vai ter
um irmão famoso e quer ser jornalista, é melhor começar a trabalhar sua
paciência. Travis é só o primeiro dos muitos jogadores que vão odiar seu
irmão. Vincent vai ser odiado por jogadores, repórteres, torcedores... —
disse ela, com os olhos vidrados em mim. — Certo?
— C-certo.
— Se não vai aguentar escrever sobre nada que vá contra o seu irmão,
sugiro que você repense suas escolhas no jornalismo. Na verdade, não sei se
você consegue seguir essa profissão se vai negar oportunidades por causa
de problemas de outras pessoas. Se o seu problema com o Travis fosse de
ideologia, eu até aceitava você negar a oportunidade. Mas não querer
escrever porque você não quer passar pelo desconforto de ter que elogiar
um jogador que realmente é bom... Ah, isso eu não compreendo — disse
ela, balançando a cabeça em negação. — Acho que me enganei sobre você
— concluiu, enquanto eu fazia total silêncio. Eu me sentia uma criança que
queria defender meu ódio por um personagem de desenho. Sylvia não
estava me pedindo para escrever algo ruim sobre Vincent. Era algo bom
sobre Travis. Eu não sabia como argumentar e era uma merda vê-la se
arrepender de ter falado tão bem de mim. Aquela oportunidade me ajudaria
muito no futuro e eu estava colocando tudo a perder por causa do idiota do
Travis King. — Enfim, eu não quero acreditar que estamos mesmo
considerando essa possibilidade. Vou te oferecer a oportunidade mais uma
vez, Nicky, e se você negar, a gente esquece esse assunto e eu passo para
outra pessoa. Fingimos que esse convite nunca aconteceu e continuamos
nossa amizade — disse ela, cruzando os braços e olhando diretamente para
mim. — Nicky, quer escrever a matéria principal da nossa próxima edição,
sobre Travis King?
Respirei fundo, dando o melhor sorriso que eu tinha no momento.
Eu não ia pensar em nada. Eu ia falar sem pensar. Não tinha como
pensar, ou sairia correndo dali, gritando aos céus o quanto a vida era injusta
e complicada.
— Claro, Sylvia — respondi, sem fazer ideia do que aquilo
significava e de como eu faria para entrevistar Travis. — Quero sim.
Sylvia sorriu para mim, apertando minha mão e me dando mais
detalhes sobre a reportagem. De acordo com ela, eu teria que registrar os
momentos de Travis antes e depois dos jogos, descrevendo-o de forma
humana e de um jeito que fizesse as pessoas enxergá-lo menos como ídolo e
mais como um jovem jogador de hóquei. Peguei meu celular e fingi anotar
tudo, enquanto secretamente escrevia para Vincent.
"Preciso falar com você", enviei para ele, certa de que eu não
esconderia nada do meu irmão.
— Você topa, Nicky? — questionou ela, sem que eu tivesse ouvido o
que ela tinha acabado de falar.
— Pode ser — concordei, guardando meu telefone —, mas como
assim? — quis saber, esperando que ela me desse mais detalhes sobre o que
eu tinha acabado de concordar.
— Parece que estão tendo dificuldade de vender ingressos para os
jogos de hóquei no Canadá e por isso, resolveram marcar partidas
importantes nas faculdades que tem os times mais talentosos — disse ela,
enquanto eu tentava acompanhar o papo. — Marcaram alguns jogos lá com
times americanos pra ver se animam de novo as pessoas. Por isso, o Blue
Ravens foi chamado, junto com alguns outros times — disse ela, com um
sorriso malicioso. — Achei que soubesse disso, já que o time do seu irmão
vai também e vocês são super próximos etc.
— Ah, claro — falei, sentindo meu coração acelerar por eu não saber
nada daquilo. Vincent viajava bastante por causa do hóquei, mas eu não
ficava monitorando a vida dele e não o seguia por aí. — O Ravens vai jogar
contra o Serpents no Canadá. Eu sabia disso — falei, vendo-a balançar a
cabeça em concordância. — É que eu nunca vou junto. Tenho minha
própria vida, então não fico seguindo meu irmão por aí.
— Que fofos — disse ela, esticando a mão e apertando minha
bochecha —, mas você não vai seguir seu irmão. Vai seguir Travis King —
contou, fazendo meu estômago embrulhar. — Vão ser jogos só pra animar
os fãs. Não vai valer nada..., mas parece que, por ser no Canadá, seria
importante você ir junto e tentar uma entrevista com algum membro da
família do Travis.
Meu Deus. As notícias só pioravam!
Eu precisava conversar com Vincent, porque ele perderia a cabeça se
descobrisse sobre aquela reportagem por outra pessoa.
Despedi-me de Sylvia sem ter feito muitas anotações, ligando para
Vincent enquanto eu me apressava até o lado de fora, atrasada para as aulas.
— Bom dia — disse Vincent, num tom sério.
— Bom... dia — falei, sentindo o vento frio bater no meu rosto
enquanto eu caminhava até o outro lado do campus. — Tudo bem por aí?
— Mais ou menos, Nicky — disse ele, num tom triste. — Vim ao
departamento médico, porque meu braço tá doendo desde a briga com a
porra do Travis e acho que vou ficar fora dos próximos jogos — disse ele,
me fazendo congelar no lugar.
— O quê? Meu Deus, o que houve?
— Não sei... vou precisar fazer alguns exames pra ver se aconteceu
alguma coisa, mas talvez eu tenha que ficar fora de alguns jogos. Não
parece uma dor normal... — disse ele, bufando. — Puta que pariu, eu odeio
aquele filho da puta! — falou, ficando bem irritado de repente. — Nicole, é
sério, se meu braço não estivesse doendo tanto, eu dirigiria até aí pra
quebrar esse babaca na porrada! — ameaçou Vincent, se irritando bastante.
— Puta que pariu, Nicole! Eu vou ficar fora dos jogos no Canadá por causa
dele! — reclamou, parecendo bater em alguma coisa.
— Vince, eu sei que você tá irritado, mas acho que isso só mostra que
você não pode dar confiança pra esse garoto fora do ge...
— Porra, Nicole, vai me fazer sentir que a culpa é minha? Sério
mesmo? Devo ficar fora dos jogos por causa dele, porque ele estava me
esperando no estacionamento, e você vem me dizer que eu não devia dar
confiança? — questionou Vincent, me fazendo respirar fundo e voltar a
caminhar.
Podíamos falar sobre Travis outra hora. Lembrar da briga no
estacionamento também me lembrava da maneira como eu o tinha encarado
e como meu corpo achou que a discussão era paquera. As palavras que eu
falei para ele foram de raiva, mas meu corpo queria dizer outra coisa. Eu
tinha falado "deixa meu irmão em paz", quando na verdade queria dizer
"deixa meu irmão em paz, seu gostoso do caralho".
— Eu não quero te chatear, Vince — falei, lembrando que meu irmão
estava no telefone e ele, sim, estava muito puto com Travis. — Me
desculpa.
— A gente conversa depois, Nicky — disse Vincent, parecendo bem
chateado. — Não consigo conversar agora — falou, desligando o telefone
sem se despedir.
Eu sabia que ele estava triste e a ideia de não poder jogar no Canadá,
contra o Blue Ravens, com certeza o estava machucando. E era claro que
Vincent ia colocar a culpa em Travis.
Mas por que Travis tinha ido até o estacionamento perturbar meu
irmão? Por que não aceitou a derrota naquela noite e deixou Vincent em
paz? Agora era meu irmão que estava machucado, fora do jogo, e eu tinha
que escrever sobre o quão incrível Travis era.
Para mim, ele era um babaca!
Vincent não era inocente, claro, mas estava longe de ser culpado
sozinho.
Em breve, eu e Travis íamos nos encontrar para conversar sobre a
reportagem, e eu tinha muitas perguntas para ele.
A principal delas era porque ele enchia tanto o saco do meu irmão.
Por que não jogava que nem homem e aceitava que Vincent era um goleiro
foda e melhor que ele?
Travis não sabia ainda, mas ele teria que me encarar.
E a reportagem não era nossa... Era minha.
Relutei para abrir os olhos na quarta de manhã, certo de que meu
corpo queria passar mais tempo na cama.
Desde o jogo de sexta e a briga no estacionamento, meu ombro estava
me matando e o corte em cima do meu nariz ainda me incomodava. Eu
também tinha mais provas para estudar do que horas no dia, e precisava me
preparar para os jogos no Canadá, um deles sendo contra o Red Serpents. A
pouca quantidade de times de hóquei e a maneira como o número de
ingressos vendidos estava cada vez menor, fez com que as faculdades se
unissem para incentivar o esporte no Canadá, criando uma semana inteira
de jogos de alta qualidade para animar os torcedores. O objetivo era fazer
com que as pessoas lembrassem o quanto amavam o esporte.
Eu já sabia de todos aqueles problemas e por isso, tinha pedido
transferência para os Estados Unidos. Eu queria estar em um lugar com
mais visibilidade e ter maiores chances de ser um astro da NHL.
Eu também queria distância do meu pai, que não me deixava jogar em
paz, mas aparentemente aquilo não seria possível. Ele já sabia dos jogos no
Canadá e já tinha comprado ingressos para a família inteira, garantindo que
iam ao estádio para me ver ganhar mais uma vez.
As próximas semanas com certeza, estavam competindo para serem
as piores do semestre e não havia nada que pudesse piorar ainda mais as
coisas.
Para completar as boas notícias, o técnico do time tinha marcado uma
reunião comigo na quarta bem cedo. Tínhamos treino durante a tarde e eu
não fazia ideia do que ele tinha de tão urgente para conversar que não podia
esperar até depois das aulas. Já havíamos debatido o assunto "Vincent"
durante os últimos dias, e eu já tinha me conscientizado de que brigar com
ele era perder. Eu só ganhava quando não caía nas provocações de Vincent
e continuava no gelo. O time precisava de mim e eu não podia perder a
cabeça... Nem o meu tempo.
Por isso, eu não fazia ideia do que esperar daquela reunião.
Encarei o teto do meu quarto por alguns segundos, e logo lembrei que
eu não estava sozinho. Estiquei meu braço e acariciei a cabeça de Bianca,
que era a filha mais nova do reitor e era também quem me fazia companhia
quando eu queria sexo sem compromisso nenhum. Diferentemente de
outras garotas com quem eu já tinha saído na faculdade, Bianca entendia o
que era sexo sem compromisso e só me ligava quando queria transar.
Sempre que eu estava tendo um dia ruim ou queria me divertir, eu enviava
mensagens para Bianca, perguntando se ela queria jantar e transar. Era a
combinação perfeita. Eu cozinhava para ela e a gente passava a noite inteira
transando, sem nenhum tipo de emoção envolvida. Depois, Bianca ia
embora sem fazer perguntas e só me ligava de novo quando queria se
divertir. Sexo era a única coisa que me ajudava a ficar mais calmo, então eu
era grato por conhecer alguém que precisava da mesma coisa que eu.
Levantei-me da cama devagar e caminhei até o banheiro, me olhando
no espelho e passando as mãos no meu rosto. Escovei os dentes e fiquei
observando meu reflexo, me lembrando das semanas que viriam a seguir e
me sentindo um moleque. Eu queria enxergar maturidade no meu rosto, mas
eu me via novo, ansioso, despreparado. Havia um time inteiro que esperava
por mim e uma torcida que me tratava como herói. As pessoas gritavam o
meu nome e confiavam que seríamos campeões só porque eu tinha
chegado..., mas eu não conseguia relaxar.
Era muita pressão, mas eu não tinha o que fazer. Eu tinha nascido
para jogar hóquei e aquele era o meu lugar. Eu só precisava controlar a
pressão e mostrar para as pessoas que elas podiam contar comigo...
Voltei para o quarto e vi que Bianca estava sentada na cama, mexendo
no celular. Abri o armário e peguei uma das minhas camisetas de manga
comprida, vestindo-a enquanto Bianca me olhava, seguindo com os olhos a
camiseta que descia pelo meu torso.
— Tenho reunião agora cedo — falei, procurando uma calça no
quarto quase escuro. — Não vou poder ficar pra tomar café.
— Que merda... — comentou Bianca, bocejando. — Queria que você
fizesse o seu omelete para mim — falou, me fazendo dar um leve sorriso.
Cozinhar sempre tinha sido a maneira que minha mãe se comunicava
comigo, então aprendi desde cedo a mostrar afeto através da cozinha. Eu
não me importava em cozinhar para as pessoas para mostrar que gostava
delas. — Se você não vai estar aqui, eu não quero tomar café — concluiu,
deitando-se na cama novamente. — Na verdade, eu ainda tô meio
cansada... — falou, enquanto eu fechava minha calça. —
Precisava sentar um pouco.
Bianca não era nada sutil.
— Porra, Bia — falei, rindo e colocando minhas meias. — Preciso
sair mais cedo, senão vou me atrasar pra reunião, — avisei, me deitando ao
lado dela novamente — mas mais tarde a gente conversa sobre isso —
prometi, beijando o rosto de Bianca e descendo minha boca devagar,
passando pelo maxilar dela e chegando até o pescoço. Bianca fechou os
olhos e desceu a mão pelo meu corpo, parando no botão da minha calça. —
Aí você me conta onde quer se sentar — falei, sentindo-a abrir o botão,
enquanto eu subia a boca novamente até ficar bem perto do ouvido dela. —
Se é no meu colo... ou na minha cara. — Bianca riu, abrindo o meu zíper.
Merda. Eu não podia ficar. — Mas agora não posso — repeti, levantando da
cama e fechando novamente minha calça. — Não sei nem sobre o que é a
reunião, então não posso me atrasar.
Bianca bufou e cobriu o rosto dela com o cobertor, ficando sozinha no
quarto, enquanto eu ia até a cozinha pegar uma fruta. Se eu não comesse
alguma coisa, corria um risco maior de falar merda e me exceder.
Caminhei até a sala de Sullivan, sentindo o vento frio da manhã bater
em mim sem piedade. Meu ombro doía ainda mais naquele tempo e a
tensão que passava sobre mim não me ajudava a relaxar. Entrei no
departamento de esportes e vi que estava praticamente vazio,
cumprimentando as pessoas que acenaram para mim e indo direto para a
sala de Sullivan. Assim que entrei, vi que o diretor do departamento de
esportes, Sant'Anna, também estava presente para o nosso encontro. Meu
coração me dizia que vinha merda por aí, mas eu estava disposto a não
deixar aquilo transparecer. Cumprimentei os dois e me sentei na única
cadeira vaga da sala, decidido a ficar calado o tempo todo. Eu só ia ouvir.
— Travis, eu queria começar dizendo que ter você jogando hóquei
com a gente é um privilégio — começou Sant'Anna, que era novo demais
para ser diretor de alguma coisa. Tinham me contado que ele era filho de
alguém importante e por isso, tinha subido tão rápido na vida. — Desde a
sua transferência, nós passamos a vender muito mais ingressos e muito mais
camisas. Faz pouco tempo que você está aqui com a gente, eu sei, mas sinto
que vamos falar sobre o número 29 por anos e anos... mesmo depois da sua
formatura — disse ele, olhando para Sullivan.
Era hora de ele falar.
— Sei que eu sempre digo pra vocês que jogamos pelo nome que está
na frente da camisa e sei que você entende isso muito bem, mas precisamos
ser realistas aqui — começou o técnico, juntando as mãos. — Você é uma
celebridade no campus. — Puta que pariu. Revirei os olhos, me jogando na
cadeira. O papo era aquele? — É a verdade, Travis. Você pode revirar os
olhos e fingir que não vê, mas todo mundo sabe disso. Eu não comecei a
trabalhar aqui ontem e te digo com sinceridade que nunca ouvi a torcida
gritar o nome de um só jogador — disse ele, no silêncio mortal da sala. —
As pessoas gostam de você. E é o que é. Não importa se você acha isso bom
ou não, porque joga em conjunto. As pessoas esperam muito mais de você e
essa é a realidade — falou ele, enquanto os dois olhavam para mim. — Vai
negar?
Eu não ia negar, porque sabia que era verdade. Mas eu estava exausto.
Mentalmente exausto.
Eu tentava fingir que não sentia a pressão enorme que haviam
colocado sobre os meus ombros desde a minha transferência, mas era
impossível quando as pessoas ao meu redor falavam daquela forma comigo.
Eu me esforçava pra caralho para ser o melhor que podia ser e não
acreditava que era o meu talento que fazia o time ganhar. Eu
treinava muito e não confiava em sorte ou dom divino. Muitos tinham sorte
e muitos nasciam com o dom. Se eu queria ser o melhor, eu tinha
que treinar como o melhor. Só talento não faria ninguém ganhar o
campeonato nacional e não levaria ninguém à NHL. Era preciso muito
mais.
No entanto, a pressão sobre mim era inegável. Eu cobrava de mim,
minha família cobrava de mim, o técnico cobrava de mim, a faculdade
cobrava de mim... Os fãs do Blue Ravens cobravam de mim. Todos me
olhavam como uma peça singular, como se eu não jogasse em um time e
sozinho pudesse fazer a gente vencer ou perder.
Meu corpo aguentava. Minha mente, não.
— Hein? Vai negar? — questionou Sant’Anna, repetindo a pergunta
do treinador.
— Não — falei, ouvindo minha voz sair mais grave do que eu tinha
planejado.
— Ótimo! — Ele sorriu para mim. — Então podemos conversar sobre
o que viemos fazer aqui. Sabemos que sua participação no time é
importante e que as pessoas te adotaram como um dos jogadores favoritos.
Por isso, resolvemos que seria interessante ter uma matéria no jornal da
faculdade sobre você.
— É... — acrescentou Sullivan —, todo mundo te conhece como um
jogador foda e que chegou com a carreira já escrita. Muita gente na
universidade não se sente assim, tão predestinado, então achamos que seria
interessante ter uma matéria sua no jornal, para que todo mundo pudesse te
conhecer melhor.
— E te humanizar — disse Sant'Anna, intrometendo-se. — Seria
interessante para todo mundo ouvir o que você tem a dizer sobre você.
Como é ser você? Como é ser Travis King? O que é preciso para ser Travis
King?
— Puta que pariu... — falei, rindo de nervoso. — Essa é a merda mais
egocêntrica que eu já ouvi na vida.
— Estamos falando sério! — exclamou Sant'Anna, num tom que
mostrava que não era uma discussão. — Se não quer que as pessoas te
idolatrem, deixa elas verem quem você é — continuou, enquanto eu
passava as duas mãos no rosto. — A ideia não é só trazer uma reportagem
com o atleta favorito do campus, mas também dar voz a você. Não quer que
te separem do grupo? Não quer que a atenção esteja só sobre você? Então
fala! Você vai ser a capa da próxima edição e vai ser destaque no site. A
universidade vai disponibilizar um dos redatores do jornal para seguir você
na próxima fase da competição e registrar tudo o que vem por aí. Quer falar
com a multidão que te admira? Essa é sua chance...
Não me parecia uma má ideia falar sobre o quão prejudicial eram as
expectativas exageradas que as pessoas colocavam sobre os esportistas da
faculdade. Falar sobre o assunto me parecia importante e talvez fosse uma
forma de aliviar o que eu estava sentindo.
— E o que vocês ganham com isso? — questionei, tirando as mãos do
rosto. — O que a universidade ganha com isso? — perguntei, desconfiado.
— Para a universidade, é interessante porque cruzamos públicos. Os
leitores do jornal e os fãs de esportes estão em bolhas diferentes. Todos os
departamentos ganham se os leitores do jornal descobrirem mais sobre
você, e os fãs de esportes descobrirem sobre o jornal da faculdade — disse
Sant'Anna, pegando o celular dele. — Trazemos mais público para o jornal,
mais acessos para a página da faculdade e ao mesmo tempo divulgamos
nosso time de hóquei e os jogadores, te dando a chance de falar e se
apresentar para quem não te conhece ou acha que conhece. Você não
precisa ser o único a ter uma matéria desse tipo, mas, com certeza, vai ser o
primeiro — falou ele, procurando alguma coisa no telefone. — Deixa eu te
dar o nome da "repórter". — Ele fez aspas com a mão, como se um
estudante de jornalismo não fosse repórter de verdade. — Nicole Martinez
— contou, com um sorriso no rosto. — Não sei se já leu as matérias dela,
mas a menina é boa.
Ri descaradamente na frente dos dois, me jogando na cadeira e
deixando que meus braços caíssem para o lado.
— Desculpa — falei, ainda rindo. — Desculpa, não sei se ouvi
direito. Você disse Nicole Martinez? — questionei, lembrando da briga no
estacionamento.
— Isso... — concordou o técnico, que sabia exatamente qual era o
problema.
— Nem fodendo. Não vou dar entrevista para ela — respondi,
sentando direito para me expressar como eu queria. — Sem chance.
— Travis, eu sei que você e Vincent não se entendem... — começou o
técnico, com uma voz branda. — E sei que Nicole é próxima dele, mas acho
que...
— Por que não daria entrevista para ela? — perguntou Sant'Anna, no
tom de quem mandava ali.
— Porque ela é irmã do Vincent Martinez, do Red Serpents. Não sei
se sabe, mas eu e ele não somos muito amigos — expliquei, tentando não
soar tão debochado. — E digamos que a Nicole é bem amiga do irmão dela,
o que dificulta a nossa relação. Vincent ficaria bem puto se soubesse que
estou andando com a irmã dele por aí e com certeza, isso refletiria na
competição, o que eu não acho que seria ideal — falei, com um sorriso
falso. — Só por isso eu não daria uma entrevista para ela — concluí,
levantando da cadeira. — Tô liberado? Posso ir?
— Travis... — disse Sullivan, levantando-se também. — Ela é a
melhor redatora do jornal e é o maior talento que a universidade tem para
nos oferecer. Você devia ler as coisas que ela escreve...
Eu lia.
— Não importa, Sullivan. Pra mim não importa — falei, de forma
respeitosa e contida. — Eu entendo que a matéria seria útil pra todo mundo,
mas não com Nicole como jornalista — argumentei, sabendo que ia dar
merda. — Prefiro outra pessoa.
Vincent era um filho da puta, mas me aproximar da irmã dele, mesmo
que sem maldade, só ia fazer com que o cara se irritasse mais com a minha
existência. Eu queria jogar hóquei, não queria ter que lidar com a porra dos
sentimentos de Vincent Martinez.
Sullivan olhou para Sant'Anna, que levantou também.
— Vamos ter que falar com o pessoal do jornal — cochichou
Sullivan, mostrando que ia levar minha reclamação a sério.
— Espera... — começou Sant'Anna, colocando as mãos no bolso da
calça social. — Não quer dar entrevista para a menina com medo do que o
irmão dela vai achar? — questionou ele, como se fosse difícil de entender.
Passei as mãos no rosto, assentindo com a cabeça. Se eu falasse, ia dizer
alguma merda. — Então vai deixar de ter uma puta matéria escrita sobre
você por causa dele...
— Não. Eu só quero outra pessoa do jornal. Só isso. Não acho que
uma relação próxima com Nicole seja saudável.
Sant'Anna fez uma cara pensativa.
— Então você não gosta do cara e por isso, vai punir a irmã dele... —
concluiu Sant'Anna, invertendo a situação. — Ela vai sair perdendo, no
caso. Mas, por favor, continua me explicando como esse problema pessoal
que você tem com Vincent Martinez, pode interferir em uma
reportagem só sobre você.
Sant'Anna claramente não ia aceitar meu argumento. Estávamos os
três em pé e era difícil manter minha linguagem corporal sob controle. Era
meio escroto da parte dele fingir que não entendia qual era o problema, já
que a explicação era simples e óbvia. Nicole não tinha motivação alguma
para escrever algo bom sobre mim e uma aproximação entre mim e ela,
mesmo que totalmente profissional, irritaria Vincent profundamente. Eu não
precisava daquilo. Eu só queria jogar hóquei em paz.
E por isso eu não ia dar entrevista para Nicole. Não adiantava
Sant'Anna insistir.
Continuei em silêncio, esperando que minha cara explicasse o quanto
eu estava insatisfeito com a ideia.
— Bom, então nossa reportagem não vai acontecer, porque você tem
um problema pessoal com a melhor pessoa para o trabalho — continuou
ele, cruzando os braços.
— Não acho que eu iria render, Sant'Anna. Nem na entrevista e nem
no gelo. E acho que eu só arrumaria mais problema para a minha cabeça, o
que eu...
— Senta — interrompeu-me Sant'Anna, num tom falsamente
amigável. — Vamos conversar sentados.
Relutei por alguns segundos, mas resolvi me sentar. Que porra de
reunião chata e inconveniente. Realmente, nada era tão ruim que não
pudesse piorar.
— Enfim, ouvindo o Travis falar, eu também não acredito que Nicole
seja a pessoa ideal para escrever sobre ele — disse Sullivan, parecendo
estar do meu lado na discussão. — Quer dizer, se ela vai tirar o foco do jogo
e só vai piorar a relação pessoal do nosso jogador com um do time
adversário, então não vale a pena.
— Mas ela vai tirar o foco do jogo? — questionou Sant'Anna,
cruzando as pernas. — Quer dizer, vocês vão conversar sobre a sua vida
íntima, ou vão falar sobre os desafios de ser um atleta de alto rendimento?
Não estou pedindo pra você ir a um encontro com a menina, Travis. Pelo
amor de Deus! Estou dizendo que ela vai te entrevistar nos próximos meses
para uma matéria séria no jornal da faculdade.
— Eu e ela também não temos uma boa relação, e acho que a
qualidade da Nicole como jornalista não seria a mesma — argumentei,
seguro do meu posicionamento. — Acho uma ideia meio merda insistir em
colocar nós dois juntos.
— Engraçado... — Sant'Anna coçou a barba por fazer. — Não sei se
ela concorda com isso, porque já aceitou escrever a reportagem.
O quê?
— Ela aceitou? — questionei, confuso.
— Aceitou ontem de manhã — contou Sullivan, alternando o olhar
entre mim e Sant'Anna. — Já faz vinte e quatro horas que ela sabe do
trabalho e não parece ter se arrependido.
— Mas o Travis não consegue separar os problemas pessoais dele
com Vincent, da reportagem com a irmã do cara — disse Sant'Anna,
querendo diminuir o que eu estava contando.
— Não consigo — afirmei, certo de que o jogo mental dele não ia
funcionar comigo.
Claro que eu me sentia mal por estar dizendo "não" quando ela disse
"sim", porque realmente parecia que o amargurado ali era eu, mas eu sabia
como era difícil lidar com Vincent Martinez. Se ele se irritasse com a
reportagem ou conseguisse ler na minha cara o quanto eu achava a irmã
dele gostosa, com certeza teríamos problemas muito maiores do que
tínhamos agora.
Era uma tragédia anunciada e eu não estava a fim.
— Ok. Então não temos outra escolha. Vamos ter que pedir outra
pessoa — avisou Sant'Anna, levantando-se e arrumando a calça social
embaixo da barriga redonda. — Te dou o nome do novo repórter antes do
final do dia. — Sullivan se levantou também, cumprimentando Sant'Anna e
combinando de encontrá-lo fora do ambiente universitário. — Ah! Também
não vou ajudar o jornal com a quantia que eu prometi, porque o dinheiro era
para pagar por Nicole Martinez. Se eles vão me dar outra repórter, então
vou investir essa grana em outra coisa e passar um valor diferente para o
jornal — avisou ele, pegando o celular.
Eles iam pagar Nicole para escrever? Ela tinha aceitado, e eu ia tirar a
matéria dela? Porra, aí eu estava tirando o trabalho da garota, o que não era
justo.
— Espera... — falei, exausto daquela discussão. — Calma. Deixa eu
pensar. — Sant'Anna procurou o número de alguém e colocou o celular na
orelha, pedindo um segundo enquanto falava. Mas que porra! Sant'Anna era
um filho da puta. — Calma, Sant'Anna. Não cancela nada ainda. Deixa eu
falar com ela e ver se conseguimos nos entender.
Sant'Anna desligou o telefone, colocando-o novamente no bolso.
— Ok. Perfeito. Era isso que eu queria ouvir... — concordou ele, com
um leve sorriso. — Vai conversar com ela para decidir se quer trocar de
jornalista ou não, certo?
— Exato — avisei, pegando minha mochila e colocando-a no ombro
que não estava doendo. — Avisa a Nicole pra me encontrar hoje, depois do
treino.
Eu sabia que não daria certo, mas não ia ser eu quem cancelaria tudo.
Se Nicole achava que tudo aquilo era aceitável, eu queria entender o
porquê...
Sylvia me ligou durante a tarde para dizer que eu precisava conversar
com Travis King depois das aulas. Aparentemente, ele não queria que eu
fosse a repórter da matéria e eu precisava convencê-lo de que eu era a
melhor pessoa para o trabalho. Eu teria gargalhado de tudo se não estivesse
ocupada batendo com raiva nos travesseiros do meu quarto.
Que garoto escroto!
Tudo bem que Travis tinha os motivos dele para não me querer por
perto, mas era muito ridículo me tirar da reportagem por causa de
problemas pessoais. Eu estava me esforçando para ignorar os problemas
que tínhamos um com o outro e era uma ofensa saber que ele não estava
fazendo o mesmo.
Era ele que batia no meu irmão, não eu que batia no irmão dele. Tudo
o que eu tinha feito para Travis, era reativo. Eu não atacava. Eu defendia.
Que merda de garoto!
Meu objetivo naquela noite era conversar com Travis King e sair
como repórter da matéria. Ele estava muito enganado se pensava que ia
ditar as regras ali.
Ele estava ciente do quão perigoso era se meter comigo desde o nosso
desentendimento no estacionamento, e eu esperava que ele levasse minha
ameaça a sério. E se Travis King achava que ia tirar meu irmão dos jogos e
também me tirar da reportagem, ele estava muito enganado.
Travis King não conhecia os Martinez.
Eu ia conversar com Travis de forma educada e explicar de maneira
didática que ele era um babaca imbecil de merda por me cortar da matéria.
Nossa primeira conversa seria comigo dominando a situação.
Travis podia ser o rei do campus, mas ele não era nada para mim.
Fui até o departamento de esportes depois das aulas e vi que o prédio
estava quase vazio. Nossa universidade gastava uma grana absurda com
esportes e tinha um departamento grande, que abrigava todas as
modalidades e ainda contava com cafés e restaurantes para servir os atletas.
Caminhei até o rinque e vi que o treino de hóquei já tinha terminado.
Havia um grupo pequeno de pessoas juntando as coisas e limpando o local,
o que indicava que Travis devia estar no vestiário. Melhor assim. Eu não ia
conversar com jogador suado.
Enviei uma mensagem para Francis avisando que eu chegaria tarde
em casa, vendo-o responder quase imediatamente com uma foto de pipoca e
vinho. Francis já sabia da reportagem com o Blue Ravens, mas ainda não
sabia dos detalhes. E ainda bem que eu não tinha contado tudo, porque
Travis queria arrancar aquela oportunidade de mim.
Vi quando os jogadores de hóquei começaram a sair do vestiário para
ir embora, sentindo minhas mãos suarem enquanto eu aguardava Travis.
Aquela seria a primeira vez que teríamos uma conversa e eu estava nervosa
para encará-lo. Respirei fundo, arrumando meu casaco preto e o cachecol
azul bebê que eu estava usando. Eu tinha escolhido azul porque era a cor do
time da faculdade e, se era para fazer jogo mental, eu ia arrasar. Estava na
hora do meu show, e Travis não estava preparado para mim. Peguei um
chiclete que achei na bolsa e comecei a mastigar, fingindo também escrever
uma mensagem longuíssima no telefone.
Vi quando Travis saiu do vestiário junto com Phillip, que era capitão
da equipe, conversando e andando devagar como se não tivesse mais nem
um outro compromisso. Ele realmente se achava o rei do mundo e não
respeitava o tempo de ninguém.
Eu só esperava que ele não contaminasse Phillip, que sempre tinha
sido um cara muito legal comigo. Ele tinha os cabelos um pouco mais
longos, era bem forte e usava bigode, o que dava para ele um ar intimidador
no gelo e fora dele. No entanto, Phillip e meu irmão tinham uma relação
bem cordial.
Vi quando os dois se despediram e Travis caminhou em minha
direção, bagunçando os cabelos molhados e segurando a mochila em um
ombro só. Foquei em fingir que estava escrevendo a mensagem, mascando
chiclete e fazendo uma cara de tédio.
Quem mandava ali era eu.
— Nicole... — disse ele, quando chegou bem perto. A voz grave de
Travis era quase tão potente quanto o perfume masculino dele, que invadia
meu espaço e dificultava meu raciocínio. Fingi ainda estar escrevendo, logo
notando que ele estava de blusa de moletom e usava uma calça jeans
apertada demais para quem tinha coxas definidas. — Boa noite, Nicole —
continuou ele, num tom firme. Eu não ia me intimidar. — Quer conversar
aqui ou...
— Só um segundinho, querido — interrompi-o, levantando um dedo
enquanto ainda digitava. A gente ia falar quando eu quisesse falar. Terminei
de enviar letras sem sentido para Francis e guardei meu telefone, finalmente
olhando para ele. — Sim. Boa noite. Nicole Martinez — falei, esticando a
mão e vendo Travis apertá-la.
Ele tentou segurar um sorriso, como se fosse engraçado eu estar me
apresentando formalmente depois de ameaçá-lo poucos dias atrás. Mas o
que eu ia fazer? Pedir desculpas por reagir quando ele bateu no meu irmão?
Não. Eu ia me apresentar e começar do zero.
Continuei cumprimentando Travis, sentindo a mão grande dele
engolir a minha e aquecê-la ao mesmo tempo. Mantive minha expressão
segura, sem sorrisinhos. Embora a mão dele fosse maior que a minha, quem
mandava ali era eu.
— Travis King — apresentou-se ele, olhando para mim com os olhos
intensos que olhava para todo mundo.
— Por que está fazendo essa cara? — perguntei, querendo mostrar
que o joguinho dele não funcionava comigo.
— Que cara? — perguntou Travis, confuso.
— Essa cara de bunda mole — falei, querendo mostrar que olhos
intensos dele não me afetavam. Travis gargalhou, jogando a cabeça para
trás e quase deixando a mochila cair. Merda, eu não devia ter feito ele rir.
Eu não podia me sentir engraçada perto dele, ou ia querer fazê-lo rir o
tempo todo e aquilo não ia dar certo. Eu odiava Travis. Vincent estava
machucado por causa dele. Não estávamos ali para rir juntos. — Enfim,
Travis, não vamos conversar aqui — respondi, voltando para o assunto.
— Ok... — respondeu ele, voltando a me encarar, mas agora com uma
expressão mais relaxada. Eu o tinha feito relaxar... Então era hora de atacar
— Não vai soltar minha mão, não? — questionou ele, me fazendo perceber
que eu ainda o estava cumprimentando.
Merda! Larguei a mão de Travis como se tivesse tomado um choque e
arrumei minha bolsa no ombro, afastando meus cabelos. Agora sim era hora
de atacar.
— Como eu disse, nossa conversa não vai ser aqui — repeti, já
virando de costas e caminhando para o lado de fora. Ouvi Travis me seguir,
sentindo-o bem atrás de mim, enquanto eu caminhava até a frente do
prédio. Virei-me para ele assim que saímos, sentindo o vento frio bater no
meu rosto e congelar meu nariz. — Ok, Travis. Para onde você quer ir? —
questionei, enquanto meus cabelos voavam sem rumo.
— Eu quero entrar — disse ele, como se fosse a resposta óbvia.
Travei o maxilar para controlar o frio, enquanto Travis colocou as
mãos nos bolsos do moletom. Ele olhava para mim e não falava nada, me
deixando desconfortável. Travis era alto demais para ficar tão perto assim.
Isso dificultava minha posição de dominante.
— Não vamos conversar no departamento de esportes. Se quiser,
podemos ir até o jornal. Tenho uma sala lá, para fazer reuniões — falei,
vendo-o pensar por alguns segundos. Não íamos ficar no local onde ele se
sentia confortável. — Pode ser, King? — questionei, enquanto ele olhava
para o céu, pensativo. Anda, idiota. Tá frio, caralho! — Pode ser? —
insisti, falando num tom mais duro.
— Hm... — Travis pensou mais um pouco. — Não — respondeu ele,
virando de costas e entrando de volta no departamento de esportes.
Filho da puta.
Coloquei as mãos dentro dos bolsos da minha calça jeans e tencionei
o corpo, sentindo o vento frio bater em mim mais uma vez antes de eu
finalmente voltar para o lado de dentro.
— Ei, eu já falei que não vamos conversar aqui! — o chamei,
agradecendo aos céus pelo ar quente que me envolvia, enquanto Travis
caminhava até a área de restaurantes. — Travis! — chamei de novo,
ouvindo minha voz ecoar pelo prédio quase vazio.
Travis não olhou para trás, caminhando até as mesas que ficavam na
cafeteria e se sentando com toda a calma do mundo, com as mãos nos
bolsos e as pernas bem abertas.
— Você não parece saber muito bem o que quer, então vou ficar
sentado aqui pelos próximos vinte minutos — falou ele, enquanto eu fazia
um coque nos meus cabelos. — Se quiser conversar comigo, essa é sua
chance — disse ele, parecendo pouco preocupado.
Olhei-o com raiva, certa de que eu não podia ir embora. Minha
vontade era dar o dedo para ele e sumir dali, mas eu não podia. Eu tinha
responsabilidades. Eu ia ter que ficar e conversar.
Dei um sorriso forçado, me sentando de frente para ele e cruzando
minhas pernas que nem mocinha.
— Ok, Travis King. Vamos fazer tudo do seu jeitinho — argumentei,
vendo-o rir de leve enquanto eu perdia meu lugar de dominadora. — Vim
aqui porque fui informada de que você não quer trabalhar comigo. Eu
entendo que você tenha problemas pessoais com o meu irmão, mas a vaga
não é para ser sua melhor amiga. É para ser repórter. Então gostaria de
saber qual é o motivo profissional que você tem para não me querer na
reportagem.
Travis não respondeu, apenas olhando para mim com um leve sorriso.
— Ia mesmo riscar o meu carro? — questionou ele, me fazendo
revirar os olhos.
— Isso não vem ao caso — respondi, querendo esquecer aquele
incidente.
— É só uma pergunta.
— Porra, você estava batendo no meu irmão! — respondi, já irritada.
— O que achou que eu ia fazer? Assistir e torcer pra que ele quebrasse sua
cara? — questionei, puta ao lembrar da situação. — Óbvio que não. Como
eu te falei naquele dia, você não me conhece. Se conhecesse, não se meteria
com o Vincent — garanti, enquanto ele me olhava como se tudo aquilo
fosse engraçado. — E sim, eu riscaria o seu carro — menti, certa de que
não teria coragem. — Enfim, Travis, eu estou aqui pra falar da reportagem.
Gostaria de saber por que você não quer trabalhar comigo. É um trabalho.
Não é um convite para sermos amigos. É profissional.
Travis deu de ombros.
— Não acho que seria uma boa ideia — disse ele, apoiando-se na
mesa e ficando mais perto.
— Por quê? — questionei, sentindo o perfume dele me envolver. —
Tá com medo de mim? — Travis sorriu de leve, mas os olhos dele
entregavam a resposta. Ele tinha medo de mim. Ótimo! — Relaxa, querido.
Eu não sou uma ameaça — falei, me sentindo segura na posição em que eu
estava. — A não ser que você me tire do sério. Aí eu realmente não posso
prometer que vou me comportar — assumi, sabendo que ele lembrava do
nosso encontro no estacionamento e sabia do que eu era capaz. — Fora isso,
sou muito tranquila — garanti, olhando-o fixamente. — Então para de ser
filho da puta e me deixa escrever a matéria — ordenei.
Travis não falou nada, apenas me encarando por alguns segundos. Ter
os olhos dele em mim realmente era algo intimidador, mas eu estava ali
para vender o meu peixe. Eu não ia desviar o olhar primeiro. Eu queria a
matéria e ele ia me dar o que eu queria.
— Vinte minutos — disse ele, do nada, me deixando confusa. — Seu
tempo acabou. — Travis tirou os olhos de mim e pegou a mochila dele,
levantando-se da cadeira. — Boa noite, Nicole.
Antes que eu pudesse pensar, ele caminhou para longe.
— Travis! — chamei, irritada. — Você não pode fazer isso! Tudo
bem que você é um cara escroto, mas isso é baixo demais até pra você —
falei, vendo-o virar-se para mim.
— Por que eu aceitaria trabalhar com você, Nicole? — questionou
ele, chegando mais perto. — Por que eu me colocaria nessa posição, se não
preciso disso? — questionou, ficando bem perto de mim. A maneira como
ele era mais alto fazia eu me sentir uma criança. — Por quê?
Eu sabia o porquê.
— Porque eu sou a melhor pessoa para o trabalho, seu idiota.
Ninguém na redação conhece hóquei como eu e, se quer que a matéria dê
certo, precisa de alguém que se importe com o jornalismo como eu me
importo — falei, sendo bem verdadeira. — Acha que eu quero escrever
uma matéria sobre você? Eu odeio você — assumi, ainda cara a cara com
ele.
— Você também não é a minha pessoa favorita no mundo, né,
Nicole? — disse ele, de forma debochada.
— Ótimo. Então já descobrimos um ponto em comum. Mas eu, no
caso, sei separar as coisas. Sei escrever sobre você, criar uma reportagem
foda e ainda assim te achar um escroto. Sou profissional o suficiente pra te
aturar e entregar o que pediram a mim — falei, colocando as mãos na
cintura. — E você? Sabe ser profissional?
Ele assentiu com a cabeça, colocando as mãos na cintura também,
como se me imitasse.
— Nosso problema é que seu irmão não sabe ser profissional.
— Vincent não tem nada a ver com isso.
— Tem certeza? Porque eu posso jurar que ele ainda não sabe sobre a
reportagem — argumentou ele, me pegando no pulo. — E tenho certeza que
vai ficar bem puto quando souber que você tá andando comigo por aí,
fazendo perguntas sobre a minha vida.
Eu ri de leve, colocando a mão na boca.
— Relaxa, campeão. Minhas perguntas vão envolver apenas a sua
carreira no hóquei e o que isso representa na vida de outros estudantes.
Pode ficar tranquilo, porque eu não quero saber sobre sua vida pessoal e
não vou fazer perguntas íntimas para tentar arrancar emoções baratas de
você — garanti, voltando a me aproximar bem dele. — O máximo que
quero saber sobre sua vida pessoal é qual é sua cor favorita — zombei,
olhando-o com intensidade. — Então relaxa, camarada. Não quero detalhes
de nada. Deus me livre de saber detalhes da sua vida — falei, para atacá-lo.
Travis ficou bem perto de mim, olhando para o meu cachecol e depois
voltando a me encarar.
— Vai dar o seu melhor ou só eu vou dar o meu melhor?
Merda! Ele tinha transformado minha declaração debochada em falta
de profissionalismo.
— Óbvio que eu vou dar o meu melhor — falei, me afastando um
pouco. — Eu tô aqui, não tô? Vim até aqui depois de você desistir de tudo...
Travis suspirou.
— Meu problema é com o seu irmão, mas se estamos pouco nos
fodendo para o que ele acha, então não temos mais problema nenhum.
Não era bem aquilo, mas era mais ou menos aquilo. Eu estava alegre
com a declaração, mas puta com a escolha de palavras.
— A matéria é minha, então? Sou eu que vou escrever o que o
departamento de esportes pediu?
Travis pareceu pensar.
— Não sei ainda — disse ele, chegando mais perto de novo. — Pede
com jeitinho, sendo mais carinhosa, e quem sabe eu te dou.
O quê!?
Eu ri.
— Você só pode estar de brincadeira — retruquei, cruzando os
braços. Travis era desprezível por pedir aquilo. Ele já era o inimigo do meu
irmão e ainda queria que eu me humilhasse para conseguir algo que eu
merecia ter. — A única maneira que eu consigo te pedir alguma coisa é
assim... — Cheguei bem perto dele, ficando na ponta dos pés para encará-
lo. — Me deixa escrever a porra da matéria, Travis King — falei,
observando-o de perto.
Ele olhou para a minha boca, encarando meus olhos em seguida.
— Por favor... — disse ele.
— O quê?
— Você esqueceu de pedir "por favor" — falou, com um leve sorriso.
— Mais carinho, lembra?
Travis era muito escroto. Mais escroto do que eu tinha imaginado.
— Me deixa escrever a porra da matéria, Travis — repeti, ainda
colada na cara dele. — Por... favor — falei, com raiva.
— Ok — respondeu ele, respirando fundo. — A matéria é sua. Mas
por sua conta em risco — falou, mexendo nos cabelos e bagunçando-os. —
Não quero ter que lidar com o seu irmão por causa de algo que nós já
concordamos que é profissional.
— Meu Deus, você é obcecado pelo meu irmão! — falei, rindo de
leve. — Esquece ele, cara — disse eu, arrumando minha bolsa no ombro e
fazendo a cara mais ameaçadora que eu sabia. — Seu problema agora
é comigo, Travis.
Vi ele me encarar e engolir em seco, desviando o olhar e caminhando
um pouco para trás.
— Me encontra no Caffè, ao lado da faculdade, amanhã cedo, para a
gente discutir os detalhes — sugeriu, estendendo a mão para me
cumprimentar. — Nos vemos amanhã, Nicole Martinez. E espero bastante
profissionalismo da sua parte.
Tirei o chiclete da boca, colocando-o na mão dele.
— Joga fora pra mim — falei, virando de costas e caminhando até a
saída, sem olhar para trás ou denunciar o quanto eu estava feliz por saber
que a matéria era minha.
Podia não parecer, mas eu tinha saído daquela conversa vitoriosa.
Travis agora estava em minhas mãos.
Eu sabia que tinha arrumado mais um problema ao aceitar que Nicole
escrevesse a matéria. Eu ainda não sabia o tamanho do problema, mas sabia
que era problema.
Combinamos de nos encontrarmos na manhã do no dia seguinte, antes
das aulas, e eu resolvi chegar mais cedo para analisar minhas
possibilidades. Eu já sabia o que queria dividir com Nicole e não ia falar
sobre assuntos que me deixassem desconfortável.
Por isso, acordei cedo no dia seguinte, fiz minha corrida matinal,
tomei banho e me arrumei em tempo recorde para chegar mais cedo que
Nicole e ter um tempo para refletir. Caminhei pelo campus, certo de que eu
ia falar sobre ansiedade e expectativas, mas de forma hipotética, sem me
usar como exemplo. Eu também falaria sobre o tempo que eu me dedicava
para minha carreira e sobre os meus planos para o futuro. Eu ia contar sobre
como tinha desenhado os meus sonhos e sobre como tinha traçado metas
para chegar aonde eu queria. E a primeira meta era ganhar o campeonato
nacional.
Entrei confiante no Caffè ao lado da faculdade, mas senti minha
animação ir embora quando vi que Nicole já tinha chegado. Ela estava meia
hora adiantada e parecia já estar trabalhando há um tempo. Cercada de
papéis e cadernos, ela fazia anotações no celular e parecia concentrada no
que estava escrevendo.
Merda.
Cheguei devagar, colocando minha mochila em cima da cadeira e
vendo-a olhar para mim.
— Ah, é você... — disse ela, como se pudesse ser outra pessoa. —
Que merda.
Nicole voltou a focar no telefone e eu tentei não rir, tirando minha
mochila da cadeira e me sentando de frente para ela. Peguei meu celular
também, checando minhas mensagens, enquanto Nicole parecia ocupada.
— Vem cá, quando era pequeno você jogou no time da escola ou da
cidade? — questionou ela, finalmente tirando os olhos do telefone. Eu
continuei a digitar, escrevendo qualquer coisa para Phillip. — Hein, Travis?
— Só um instante, querida — falei, levantando um dedo e fazendo a
mesma coisa que ela. Nicole bufou, mostrando que meu plano tinha
funcionado. Era gostoso ser ignorado, não era? Guardei meu celular e
finalmente a encarei. — Joguei no time da cidade... — garanti, um pouco
chocado por ela já estar pesquisando minha vida. Nicole realmente não
perdia tempo. — Escuta, eu tenho aula daqui a pouco — avisei, me
encostando na cadeira. — Não posso ficar sentado de frente pra você,
respondendo perguntas esporádicas. Precisamos resolver o que realmente
importa para eu dar o fora daqui.
Ela abaixou o celular, juntando os papéis em cima da mesa.
— Já juntei o que eu consegui de informação sobre você na internet.
Achei uma foto sua com o seu antigo time e encontrei uma entrevista que
você deu quando criança — falou ela, me dizendo tudo o que eu já sabia. —
Onde mais eu posso encontrar informações sobre você? Não achei mais
nada na internet, o que é meio deprimente. Achei que você fosse uma
estrela no Canadá.
Que escrotinha...
— Minha avó tinha um blog sobre mim — menti, vendo-a arregalar
os olhos. — Não acredito que você não encontrou. Ela fazia bolos com a
minha cara e postava notícias sobre os jogos na internet.
Nicole pegou o celular, digitando depressa.
— Sério!? — questionou ela, empolgada.
— Porra, claro que não — falei, rindo. — Por que acha que vai ter um
monte de informação minha na internet, Nicole? Jogo hóquei na faculdade,
não sou artista — afirmei, certo de que já tinha coisa o suficiente sobre mim
nas redes sociais. — Anda, vamos resolver o que interessa — falei, num
tom seguro.
Eu não queria ficar perto de Nicole mais do que era necessário para
todo aquele circo.
Ela suspirou, piscando devagar e cruzando as pernas.
— Ok... vou precisar de entrevistas antes e depois dos jogos. Acho
que seria importante registrar suas emoções enquanto elas ainda estão cruas.
— Não. Nada feito. Vai me atrapalhar.
— Se não concordar com isso, você vai me atrapalhar — garantiu ela,
com uma voz firme.
— Antes ou depois — concordei, certo de que eu podia aturar um dos
dois. — Você escolhe.
— Depois — disse ela, escrevendo alguma coisa nas folhas de papel.
— Também quero participar dos treinos e ver sua relação com o técnico —
avisou, voltando a me olhar.
— Ok — garanti, certo de que não seria problema.
— E com os seus companheiro de equipe também — disse ela,
cruzando os braços —, mas quero registrar um momento de descontração.
Nada de treino ou academia. O que você pode fazer por mim?
— É aniversário do Asher na semana que vem. Vamos estar todos na
mesma festa e vai ser festa à fantasia, o que é bem descontraído — garanti,
certo de que ela não toparia. — Quer ir?
— Ok — concordou Nicole, pegando uma folha e fazendo anotações.
— Que horas vai ser?
Porra…
— Calma. Eu tenho que falar com os outros antes — garanti, certo de
que ninguém ia gostar daquela ideia. Os caras não suportariam saber que a
irmã de Vincent Martinez estava na festa para nos observar..., mas eu não
tinha escolha. Ela tinha aceitado o convite e agora eu precisava falar com
eles. — Vou ver com o Ash se temos mais ingressos e se o resto da equipe
concorda com isso — falei, cruzando os braços. — Você não é uma pessoa
muito amada pelo Blue Ravens, né?
— E você não é amado pelo Red Serpents. Grandes bosta — disse
ela, voltando a anotar alguma coisa nos papéis.
— Se você vai escrever sobre mim e os meus amigos, quero ler o que
você escrever — confessei, certo de que as festas de Asher eram doidas pra
cacete.
Nicole deu um sorriso malicioso.
— Olha, Travis, se você pedir com jeitinho, de uma forma bem
carinhosa, talvez eu deixe você ler — disse ela, de forma debochada. —
Falamos sobre isso depois que eu escrever a matéria. E eu vou pro Canadá
registrar os dois jogos que vão acontecer lá. Também gostaria de saber se
posso entrevistar alguém da sua família.
— Não e não — respondi, colocando minha mochila no ombro e me
levantando. — Não pode entrevistar alguém da minha família e não pode ir
aos jogos no Canadá.
Nicole riu.
— Eu não te pedi. Eu estou te informando.
— Eu também estou te informado — falei, vendo-a se levantar para
me encarar. — Não vai rolar.
— E por que não?
— Porque são jogos importantes e eu tenho que focar. Não preciso
lidar com você quando estiver jogando em casa.
— Pois esses são os jogos mais importantes pra mim — retrucou ela,
cruzando os braços. — Ver você jogando no seu país é muito mais valioso
para reportagem do que te ver jogando aqui.
— Não — retruquei, firme. — Vai me atrapalhar. O plano não é esse.
Nicole não sabia, mas os jogos no Canadá eram os que me deixavam
mais tenso. A pressão em cima de mim, com certeza ia ser grande e eu não
queria que ela estivesse lá para assistir.
— Bom, como eu falei, não estamos negociando. Eu vou assistir aos
jogos e vou pedir para te entrevistar depois. Se não quiser dar uma
entrevista para mim, é só falar com o Sant'Anna. É com ele que eu lido
agora.
Nicole juntou as coisas dela, colocando tudo dentro da bolsa e se
preparando para ir embora. Merda! Sant'Anna ia me encher a porra do saco,
então eu ia ter que negociar.
— Ok... — falei, passando as mãos no rosto. — A gente se encontra
depois do primeiro jogo. Mas só depois do primeiro. Não vou dar entrevista
pra você depois da partida contra o Red Serpents. E acho que seu irmão
ficaria muito grato por isso — avisei, me aproximando um pouco mais dela.
— Se não quer que ele encha nosso saco, acho bom a gente ser bem
discreto nessa viagem.
Saí de perto de Nicole sem me despedir, sentindo que nada daquilo ia
me ajudar. Eu não tinha certeza se aquela reportagem era boa para mim e
estava me expondo demais sem ter certeza do que ganharia com tudo
aquilo.
Eu precisava falar com Asher e avisar que a irmã do inimigo estava a
fim de ir à festa de aniversário dele.
E eu precisava pensar em um membro da minha família que desse
uma entrevista legal sobre mim. Meu pai não diria nada que prestasse, meu
irmão também não era fã da minha carreira e minha mãe ia se negar a falar.
Eu tinha muito trabalho a fazer antes da viagem, e aquilo era tudo
culpa de Sant'Anna.
Ou minha. Eu tinha aceitado tudo mesmo sabendo das consequências.
E agora já estava pagando o preço por estar mais perto de Nicole.
Cheguei em casa à noite, jogando minhas coisas no sofá e correndo
para o quarto de Francis. A porta dele estava trancada, então bati sem parar
enquanto lia os e-mails de Travis. Ele tinha confirmado que eu podia ir à
festa de Asher e tinha me deixado levar Francis junto. Como não tinha meu
telefone, ele escreveu para o meu e-mail do jornal, o que era uma boa ideia.
Talvez fosse melhor a gente tratar tudo por e-mail.
— Fran, tenho novidades fresquinhas! — falei, batendo de novo na
porta e caminhando até a cozinha, tirando meus sapatos.
Eu estava exausta, mas sentia que tinha avançado bastante. Travis
tinha concordado com o que eu queria e agora só precisávamos criar um
ritmo saudável de entrevistas para que eu conseguisse tirar dele o que
precisava para a matéria. Eu não ia mentir... Escrever sobre ele era bem
interessante. O garoto era talentoso desde sempre e a entrevista que ele
tinha dado na escola, quando tinha apenas 11 anos de idade, era bem
impressionante. Era como se ele fosse predestinado a ser uma estrela. Eu já
tinha assistido a entrevista umas cinco vezes e me sentia mal por ele ter se
tornado um adulto tão desprezível.
Vincent ainda não tinha me ligado para avisar se poderia jogar no
Canadá ou não, e eu estava evitando falar sobre o assunto com ele. Se
soubesse agora sobre minha matéria com Travis, Vincent ia me pedir para
desistir de tudo e ia se oferecer para comprar no meu carro. Eu não queria
aquilo. Queria comprar o carro com o meu dinheiro, escrevendo para um
jornal. Claro que seria um carro velho e cheio de problemas, mas seria
o meu carro. O meu primeiro carro.
Meu Deus, a ideia fazia meu coração acelerar e eu contava os
segundos até Sant'Anna fazer a doação para o jornal. Aquela reportagem ia
mudar minha vida!
Sentei-me à mesa da cozinha e peguei meu celular, entrando no
Instagram de Travis. Eu ia ter que usar uma das fotos dele com a família
para a reportagem, e ainda estava escolhendo qual. Vi a foto que ele tinha
com o irmão mais novo e resolvi que seria aquela. Os dois estavam sorrindo
tanto para a câmera que era difícil ver os olhos deles. Era um sorriso
exagerado, claro, mas era uma foto divertida e mostrava um lado de Travis
que não se via o tempo todo. Geralmente ele caminhava tão sério e
confiante pela faculdade, que era raro vê-lo sorrir daquela forma. A legenda
era um simples "feliz aniversário, Holden" e tinha mais de 20 mil curtidas.
Travis e Holden eram bem parecidos e a única diferença entre os dois era o
cabelo. Enquanto Travis tinha os cabelos mais ondulados, Holden tinha
cabelos bem lisos. Era fofo. Devia ser ótimo ter uma família perfeita e
amorosa, cheia de carinho para distribuir. Travis era muito sortudo e era por
isso que eu achava injusto a maneira como ele tratava Vincent. Ele não
fazia ideia do quão diferente a nossa infância tinha sido e do quão difícil era
para a gente sorrir daquela maneira.
Ouvi Francis abrir a porta da frente e se despedir de Sylvia, que
provavelmente tinha passado em casa após as aulas. Safadinhos. Francis
apareceu na sala com os cabelos bagunçados, a blusa do avesso e marcas de
batom rosa bebê no pescoço.
— Achei que você ia ficar até mais tarde na faculdade — disse ele,
caminhando até a geladeira e pegando duas cervejas. — Convidei a Sylvia
para discutir política comigo — brincou ele, me fazendo rir.
— Discussão acalorada... — zombei, vendo-o quase babar a cerveja
enquanto sentava para conversar. — Como foi a discussão? Boa?—
questionei, querendo saber se eles tinham se divertido.
— Foi nota dez — confessou ele, passando a mão nos cabelos
tingidos de branco para arrumá-los —, mas amanhã sei que ela já vai encher
o meu saco, reclamando da decoração do meu quarto e da cor das paredes
— concluiu, balançando a cabeça em negação. Francis era meu amigo
desde que tínhamos onze anos de idade. Eu sempre amei a maneira como
ele não ligava para o que os outros pensavam e sempre foi abertamente
bissexual. Meu amigo não tinha vergonha dos cabelos coloridos ou das
roupas que ele gostava de usar, sendo sempre o centro das atenções e
fazendo as pessoas se sentirem importantes perto dele. — E você, Nicky?
Como foi seu dia?
— Ótimo! E ainda arrumei uma festa para a gente ir — contei, me
empolgando. Francis amava festas e com certeza, ficaria feliz com o
convite. — Tenho que registrar o relacionamento dos garotos do Blue
Ravens, então fui convidada pra festa de aniversário do Asher... É claro que
você vai comigo — falei, vendo Francis tampar a boca com as mãos. — E
vai ser festa à fantasia!
Francis segurou os cabelos com as duas mãos.
— Puta que pariu, puta que pariu! Que foda! Eu vou de Regina
George. Não! Não, vou de palhaço IT — disse ele, me fazendo rir. — Não,
vamos de Mario e Luigi! — sugeriu, segurando minhas mãos. — Ou você
vai querer ir com fantasia de gostosa?
— Não, nem pensar! Tô pensando em ir de George Washington. Nem
morta que eu vou gostosa. Quero chocar — contei, querendo muito mostrar
que eu não estava nem aí para os garotos do Blue Ravens.
— Fantástico! — comentou Francis, empolgado com a ideia. — Eu
sei que falei que acho que o Vince vai ficar puto quando souber da matéria,
mas aposto que ele vai te perdoar quando souber que eu supervisionei tudo
— constatou ele, com um sorriso orgulhoso.
— Duvido, Fran. Você quer dar corda para o inimigo o tempo todo, já
falou que um dia eu e ele vamos transar… — falei, vendo Francis rir e
tampar o rosto. — Sou eu que supervisiono tudo.
Eu me sentia segura em poder ir à festa com Francis, já que sabia que
ele deixaria tudo mais divertido e eu poderia relaxar. Meu objetivo não era
escrever detalhes maldosos sobre o que os jogadores de hóquei da faculdade
faziam quando ninguém estava vendo, mas sim registrar o quão bem Travis
se dava com os companheiros de equipe. Se eram um time, então tinham
que se gostar de verdade... e não se aturar.
Vincent de vez em quando me contava sobre os problemas que ele
tinha com os jogadores do Red Serpents, mas isso era porque já estavam na
mesma equipe há anos. Travis recém tinha chegado e com certeza, ainda
teria muito tempo para desgostar dos companheiros de equipe dele.
O que eu queria registrar eram os momentos de descontração e a
amizade entre os garotos, porém estava disposta a ser honesta. Se achasse
tudo uma grande babaquice de homem hetero, eu ia escrever. Se achasse
tudo legal e engraçado, eu ia escrever também.
Francis se empolgou com a ideia de escolher nossas fantasias,
enquanto eu trocava e-mails com Travis, que me passava as regras para
estar na festa.
"Nada de filmar ou fotografar. Nada de telefone", escreveu ele,
assinando todos os e-mails com “cordialmente, Travis King”.
"Ok", respondi, pouco interessada em filmar a festa de Asher.
Meus olhos estavam em Travis. Era ele que tinha que se comportar.
Eu ia para a festa para observá-lo com os amigos, mas,
principalmente, para ver quem ele era no meio da multidão, quando não
estava no gelo.
Será que ele se achava um herói? Será que era um escroto? Será que
se sentia um rei no meio das garotas?
Era isso que eu queria saber... E era isso que eu iria investigar.
Passei horas e horas trabalhando na minha fantasia de George
Washington, certa de que eu seria a pessoa mais interessante da festa.
Francis fez minha peruca na faculdade e pegou emprestada as roupas
masculinas e de época. A cada novo detalhe que incluíamos na fantasia, era
meia hora de gargalhada dentro de casa.
Eu ia bem maquiada, porque não estava nem aí para as regras das
fantasias, e ia alisar os cabelos para caso eu quisesse tirar a peruca e dançar
até tarde. Ser George Washington era muito inconveniente, mas eu estava
disposta a bancar minha fantasia e mostrar que eu era uma garota legal.
Francis escolheu uma fantasia parecida com a minha, decidido a ir de
cientista maluco e usar peruca também. Ele ia levar umas balas Mentos no
bolso para misturar com Coca-Cola e fingir que tinha feito um experimento
foda quando estivéssemos bem bêbados.
Eu frequentava algumas festas da faculdade, mas jamais tinha saído
com o time de hóquei. Como meu irmão era rival deles, nunca senti que
estar com eles era o lugar para mim. E o que eu ia fazer em uma festa com
os jogadores da faculdade? Eu não tinha interesse em ficar com nenhum
deles, então não havia razão para frequentar as mesmas festas. Se não fosse
para dar uns beijos, o que íamos fazer no mesmo ambiente?
Conversar sobre hóquei?
Falar sobre o campeonato nacional?
Discutir o talento do meu irmão?
Não.
Vincent era bom o suficiente para intimidar os adversários e me
deixar sem assunto com qualquer outro garoto que jogasse hóquei. Por isso,
eu os evitava...
Assim que eu e Francis terminamos de nos arrumar, ficamos lado a
lado de frente para o espelho e quase caímos de tanto rir. Miramos em
cientista e George Washington, mas acertamos em um casal de idosos.
Francis ria de mim e eu ria dele, certa de que a festa tinha começado antes
mesmo de saímos de casa.
Como tinha Francis comigo, eu sabia que ia me divertir, mesmo que
eu passasse a noite inteira virando shot atrás de shot e observando Travis
King de longe.
Não que aquilo fosse ruim. Travis era um escroto, mas era um escroto
bonito de se ver. Não ia ser ruim observá-lo durante a noite toda, já que para
mim, ele era exatamente aquilo: uma obra a se admirar e só.
Eu curtiria ficar de olho nele com a desculpa de que tinha que
escrever a reportagem e só ir embora quando não conseguisse mais
pronunciar "Washington".
Terminamos de nos arrumar e fomos para a festa de Uber, sonhando
com o dia em que eu teria meu carro. Faltava pouco agora e eu mal podia
esperar para não ter que andar de transporte público no inverno. Aquela
ideia parecia um sonho...
Na verdade, aquele pensamento até me motivava a tentar uns passos
de dança na festa. Era sexta à noite e eu merecia um descanso. Eu tinha
passado grande parte da semana aguentando as provocações de Travis, e o
mínimo que eu podia fazer era beber de graça e dançar.
Chegamos ao salão que ficava perto do centro da cidade e logo vi que
tinha muita gente na festa de Asher. Ele era um dos jogadores mais
populares e, pela maneira como as pessoas estavam vestidas, as festas à
fantasia dele eram levadas muito a sério.
— Nicky, ele acabou comigo — reclamou Francis, apontando para
um outro garoto vestido de cientista. — Agora parece que eu sou uma bisa
que errou o caminho do bingo — reclamou ele, enquanto caminhávamos de
braços dados para o lado de dentro. — Ele veio muito melhor que eu.
— Nada a ver, Fran! — corrigi-o, vendo o guarda na porta olhar para
nós dois e nos deixar entrar, segurando um sorriso. — Aposto que ele não
trouxe nenhum experimento na manga. Vamos procurar uma Coca-Cola
para chocar todo mundo. Vamos fazer o experimento bem na hora do
"parabéns"!
Francis riu, caminhando rapidamente comigo para o meio do salão.
Nossos corpos estavam gelados, mas a festa estava quente. O local
escolhido por Asher tinha uma iluminação escura e contava com DJ e um
palco gigante no meio do salão, que era onde pessoas vestidas de Pokémons
dançavam sensualmente para os convidados.
Aquele não era o meu estilo de festa. Eu preferia muito mais um bar e
música ao vivo, mas sabia apreciar o esforço colocado em decorar o lugar e
criar uma atmosfera divertida.
— Ei, Martinez! — Ouvi alguém chamar, me virando e percebendo
que era Asher. Ele estava fantasiado de Adão, usando o mínimo de roupa
possível. — Desculpa, mas eu não sei o seu nome — disse ele,
cumprimentando Francis enquanto olhava para mim.
— Nicole — apresentei-me, cumprimentando-o enquanto olhava ao
redor. — Sua festa tá bem legal...
— Todo mundo sabe que eu amo Halloween e sou muito bom com
fantasias — disse ele, abrindo os braços e se afastando para que
pudéssemos admirá-lo. — Estou vestido de Adão — falou, como se
precisasse explicar.
— "Vestido" é força de expressão — disse Francis, fazendo-o rir.
— Olha, tem comida ali no canto, o bar está no fundo da festa e a
pista de dança é um terreno sem julgamentos — explicou, enquanto
algumas pessoas passavam por nós e o cumprimentavam. — divirtam-se,
por favor!
Asher se afastou dançando, fazendo com que eu e Francis nos
olhássemos.
— Que cara legal — comentou meu amigo, olhando ao redor da festa.
— Olha, se o Brian quiser hoje, então eu quero também — declarou
Francis, procurando o garoto na multidão. — Faz tempo que a gente não se
vê e eu estaria mentindo se dissesse que não estou com saudades.
Brian jogava para o Blue Ravens e não era assumido, apesar de
constantemente sair com Francis. Os dois se aproximaram depois que Brian
terminou com uma garota que fazia aula com Francis, abrindo-se com o
meu amigo sobre o término e sobre o quanto ele estava triste. Não foi
preciso mais nada. Os dois rapidamente começaram a se encontrar todos os
dias e foram para a cama.
— Vai que é tua, meu irmão — comentei, com planos de passar uma
noite tranquila. — Vou ficar torcendo de longe enquanto trabalho.
Eu não ia ficar com ninguém. Fazia um tempo que eu não saía com
algum garoto, mas aquilo não era algo que eu contava para todo mundo.
Apenas Francis sabia o quanto eu tinha medo de me envolver e ter meu
coração partido. Claro que eu não deixava de transar com um cara ali e
aqui, mas só quando apenas me interessava pelo corpo. Se eu gostava do
papo do cara, eu desaparecia. Não era do meu interesse me apaixonar
apenas para ter o meu coração partido.
Lil Nas X começou a tocar a todo volume, fazendo com que eu e
Francis fôssemos dançando até a mesa de comida para fazermos nossos
pratos. O lado bom de ter um melhor amigo bem confiante era saber que
vocês se divertiriam independentemente de a festa estar boa ou não. Francis
se divertia onde estivesse e não me deixava voltar para casa triste. Uma
noite com ele sempre era sucesso.
Olhei ao meu redor e vi que todos estavam muito bem fantasiados,
dançando e bebendo como se fosse a última festa do mundo... porém eu não
fazia ideia de onde Travis estava.
— Merda! — disse Francis, fazendo com que eu voltasse minha
atenção para ele. — O Brian tá ali — falou, disfarçando e comendo um
croquete. — E ele veio de Super-Homem. Ele escolheu logo o Super-
Homem — reclamou, como se não fosse o que ele estava esperando.
— Basiquinho? — questionei, arrumando minha peruca.
— Gostoso demais — respondeu, limpando o canto da boca e me
fazendo rir. — Onde você vai se sentar para ficar de vigia? Vou
cumprimentá-lo e ver como ele reage.
— Vou ficar em uma das mesas ao fundo — contei, certa de que eu ia
comer para depois beber sem medo.
— Combinado — disse Francis, distanciando-se de mim enquanto
dançava. — Te encontro mais tarde, para o meu experimento.
Sorri para ele e caminhei com meu prato de comida até uma das
mesas perto da saída. Era proibido fotografar a festa, então eu queria
guardar em minha mente os comentários que eu tinha para fazer quando
chegasse em casa.
Vi quando Phillip apareceu com uma mulher mais velha,
cumprimentando Asher e mostrando para ele a fantasia de pirata. O bigode
e os olhos azuis e pintados de Phillip deram a ele uma das melhores
fantasias da noite, na minha opinião.
Os garotos do Blue Ravens pareciam realmente ser amigos. Embora
estivessem em uma festa cheia de gente, eles estavam constantemente
juntos, conversando e rindo como se o tempo que passassem no gelo não
fosse o suficiente.
Claro que aquela era uma das últimas festas antes do início da
temporada, então fazia sentido eles estarem animados, mas eu podia ver que
estavam genuinamente felizes por estarem juntos.
Por onde andava o merda do Travis?
Olhei ao redor mais uma vez e me esforcei para analisar cada pessoa,
a fim de descobrir se Travis tinha escolhido uma fantasia tão boa que eu não
conseguia reconhecê-lo. Passei os olhos pela pista de dança, pela mesa de
comidas, pelo bar, pelo DJ e... nada. Ele não tinha aparecido.
— Vovó? — Ouvi alguém dizer atrás de mim, me virando depressa e
vendo que era ele. — Ah, é você... — disse Travis, segurando um sorriso.
Idiota.
— George Washington — apresentei-me, olhando para a fantasia dele
de Batman e me sentindo superior. — E que fantasia legal de Batman, hein?
Super original... — falei, olhando-o de cima a baixo.
— Não tive tempo de preparar uma fantasia com tantos... detalhes —
disse ele, sentando-se em uma das cadeiras na minha mesa. — Minha
agenda é muito ocupada. Não tenho tanto tempo livre assim, Martinez.
— Nem eu, Travis King! — falei, colocando as mãos na cintura —,
mas me dedico 100% a tudo o que eu faço — retruquei, com um sorriso
orgulhoso. — Já vi que os garotos do time parecem ser muito amigos, então
falta só analisar a sua relação com eles. Vamos ver se você é parte do grupo.
Travis não disse nada, apenas sentado do meu lado com a blusa
colada dele, usando a máscara escura que destacava os olhos claros que
tinha.
— Você não quer relaxar? — questionou ele, enquanto eu o olhava.
— Quer dizer, você não precisa passar a festa inteira olhando para mim.
Pode relaxar e curtir outras coisas também.
— Eu não tô te olhando, imbecil — falei, vendo ele rir e pegar um
morango do meu prato sem permissão. — Tô observando seu
comportamento pra poder usar a festa de hoje na reportagem — defendi-
me, enquanto ele comia olhando para mim. — Afinal, foi você que teve a
ideia genial de me convidar para a festa pra ver sua relação com os
companheiros de equipe. Mas eu não posso escrever nada, claro. Só posso
olhar e memorizar tudo — debochei.
— Eu falei que você não podia usar o celular — defendeu-se ele,
colocando a folha do morango de volta no meu prato. — Não falei nada
sobre fazer anotações no papel. E achei que um pouco de vinho e música
iam te ajudar. Quem sabe assim você não fica um pouco mais... sei lá...
simpática? Tragável?
— Eu sou simpática — retruquei, sabendo que aquele não era o
primeiro adjetivo que as pessoas usavam para me descrever. — Eu só não
fico de sorrisinho pra você.
— Sei, sei... — disse ele, rindo. — E fica de sorrisinho pra quem?
— Não te interessa, Travis. Mais uma vez: não somos amigos. Tô
aqui pra trabalhar. Não vim me divertir e curtir. Vim aqui fazer as anotações
que eu preciso pra matéria mais importante do meu currículo — avisei,
arrumando minha peruca, que quase caiu.
— Claro, George. Como você quiser... — disse ele, cruzando os
braços e olhando para mim como se pensasse. — Sorri para alguém, então
— provocou, olhando para as pessoas que passavam pela gente. — Prova
que o problema é comigo e sorri para alguém — disse, como se me
desafiasse. — Quero ver — falou, apoiando os cotovelos nos joelhos e
ficando da minha altura. Travis olhou nos meus olhos e eu o encarei
também, sentindo a energia que sempre passava por mim quando ele me
encarava. — Vai lá. Mostra que você só é a gêmea má comigo.
Senti meu coração acelerar ao perceber que estávamos muito perto,
com o perfume dele invadindo meu espaço, e resolvi puxar minha cadeira
para mais longe.
— Vai se foder, Batman — respondi, encarando as pessoas na pista de
dança. — Eu não tenho que te mostrar nada. Deixa de ser babaca e
imbecil...
Travis me olhou por mais alguns segundos, até finalmente olhar para
as pessoas dançando também. Ficamos em silêncio, ouvindo enquanto
Shameless da Camila Cabello embalava a multidão. Eu estava na minha,
observando as pessoas dançarem, mas a presença de Travis me deixava
inquieta. Tê-lo sentado tão perto mexia comigo, porque era óbvio para mim
que eu me sentia atraída por ele. Todas as garotas se sentiam atraídas por
ele. Não era um problema só meu. Era um defeito que vinha com ele, com o
fato de ser tão gato.
Nossa, ser atraente para todo mundo devia ser uma maldição...
Continuei quieta, sentindo meu corpo me pedir para esticar a mão e
tocar na mão dele, como se tocá-lo fosse renovar as baterias do meu corpo.
Segurei a cadeira com força, me mantendo séria e olhando para as pessoas
dançando.
— Enfim, vou me divertir — disse ele, levantando-se da cadeira e
colocando-a no lugar. — Como sempre, foi um prazer falar com você —
debochou Travis, distanciando-se e logo sendo cercado por garotas.
Observei-o de longe e senti meu sangue ferver. Eu odiava a maneira
como Travis mexia comigo. Era como se eu fosse uma menina ingênua que
não conseguia lidar com um cara como ele. Eu realmente não tinha
interesse em ter uma amizade com Travis e só estava tão perto por causa do
meu trabalho. Aquilo não era bom para o meu emocional, para a minha
relação com o meu irmão, para a armadura que eu tinha levado anos para
construir...
Eu não ia passar muito tempo naquela festa. Olhei ao redor e não
avistei Francis, que devia ter sumido com Brian. Eu ia aguardar meu amigo
e iria embora.
Comi lentamente enquanto tentava memorizar o que eu queria dizer
sobre a festa. Os garotos eram muito legais uns com os outros, Travis era
constantemente cercado por garotas que faziam de tudo para conversar com
ele, Asher era a estrela da festa e Knox, que era o maior jogador da defesa
do Blue Ravens, não tinha ido fantasiado. Era aquilo que eu precisava
lembrar para falar da relação de Travis com o time.
Minha esperança era que tocasse uma música romântica para eu ver
como os garotos se comportariam.
Fui até o bar e pedi o drink de maçã que eu tanto gostava, observando
os Pokémons dançando e achando-os cada vez mais engraçados. A bebida
era de qualidade, então eu estava adorando beber e observar a pista de
dança. Asher realmente sabia dar festas. Tirei minha peruca e joguei meus
cabelos alisados sobre a fantasia, quase me convencendo a dançar.
— Essa é só para os apaixonados... — avisou o DJ, fazendo com que
eu recalculasse o meu plano.
Nem morta que eu ia dançar uma música lenta!
Os jogadores do Blue Ravens rapidamente olharam ao redor e
acharam garotas para dançar, o que era bem curioso para mim. Nenhum
deles namorava publicamente, mas era só tocar uma música romântica que
todos sabiam quem escolher. Engraçado, né? Não assumiam as meninas,
mas na hora do romance, eles não pensavam duas vezes antes de se
aproximar.
Graças a Deus, eu não me humilhava por jogador de hóquei.
O DJ colocou "Drive" do The Cars para tocar e mais uma vez eu tive
que aplaudir a escolha da música. As luzes ficaram mais fracas e a balada
romântica embalou os casais que foram para o meio da pista. Os Pokémons
também procuraram pessoas para dançar e o álcool no meu corpo me fez
cogitar uma dança com o Charmander. No entanto, enquanto eu analisava se
aquela era uma boa ideia, vi Travis na pista com uma garota vestida de
Lindinha de As Meninas Superpoderosas.
A garota falava sem parar, enquanto ele olhava para ela, como se
fosse arrancar a roupa da menina com o poder da mente. Era óbvio que ele
a levaria para a cama depois da festa, e eu sentia uma pontinha de inveja
por saber que ele conseguia sexo tão fácil.
Saí do bar e fui até a mesa, sentando sozinha enquanto olhava as
pessoas dançarem. Eu sabia que muita gente podia olhar para mim e sentir
pena, mas não era necessário. Eu estava bem ali. De verdade. Se quisesse
mesmo dançar, eu tinha ido atrás de alguém.
Observei o grupo novamente e vi que Lindinha tinha parado de falar,
agora olhando nos olhos de Travis como quem via uma mesa de doces.
Nossa, eu queria tanto que Asher tivesse preparado uma mesa de
doces...
Travis colou a testa dele na da menina, descendo a mão pelas costas
dela até chegar na bunda. Patético. Ele era sortudo por eu ser profissional e
não escrever na matéria o que achava daquele show.
Apoiei o braço na mesa e descansei minha cabeça no punho, ouvindo
a música e cantando para mim mesma enquanto batia o pé no ritmo. Aquela
canção era muito boa. Puta que pariu!
Olhei para Travis de novo e vi ele segurar o cabelo da Lindinha,
virando o rosto e beijando-a enquanto as luzes coloridas iluminavam a pista
de dança. Eu queria desviar o olhar, porque era meio bizarro ficar assistindo
os dois na cara dura..., mas não conseguia.
Não era ela ou ele. Era o beijo. Aquele era o tipo de beijo que só se
via na TV e que deixava a gente com inveja dos atores. Travis segurava o
rosto da menina e a beijava devagar, enquanto as mãos dela o abraçavam
com força. Era uma merda ser solteira e insegura naquelas horas. Ser
beijada daquele jeito seria divino...
Antes que eu pudesse olhar para outra coisa, Travis abriu os olhos e
olhou para mim. Senti minhas mãos gelarem, como se eu tivesse sido pega
fazendo algo que não devia, e olhei para o teto da festa. Merda! Merda! Eu
era muito burra. Por que fiquei olhando os dois se beijarem que nem uma
idiota?
Balancei a cabeça em negação e cruzei os braços, ainda focada no teto
da festa e odiando ter sido pega no flagra, que nem uma esquisita.
No entanto... Espera.
Travis estava em um lugar público. A culpa não era minha. Quem
tinha que procurar um quarto era ele, não eu.
Travis não era dono da festa. Se ele queria privacidade, ele que não
beijasse a garota no meio da pista de dança. E por que estava de olhos
abertos, hein? O doido ali era ele!
Voltei a olhar para os dois, certa de que os incomodados é que tinham
que se retirar. Se Travis me olhasse de novo, eu ia fazer "fecha o olho,
porra!" com a boca. Que babaca...
Percebi que Travis ainda estava beijando a menina, porém agora de
olhos fechados. Respirei aliviada, certa de que eu só ia olhar mais um
pouquinho antes de procurar por Francis e falar que queria ir embora.
Nossa, que beijo diferenciado. Será que todo mundo beijava assim?
Com tanta química e sincronia? Ou será que a prática levava à perfeição?
Ali estavam duas pessoas que deviam praticar bastante. Lindinha era linda,
com cabelos loiros tão bem tratados que pareciam uma cascata.
Travis abriu os olhos de novo, olhando para mim mais uma vez
enquanto ainda beijava a garota. No entanto, dessa vez eu não desviei o
olhar. Estávamos em um espaço público e era ele quem devia estar de olhos
fechados.
Me preparei para dizer "fecha o olho, porra!", mas fui parada pela
sensação que invadiu meu corpo de repente. Travis me olhava apenas de
vez em quando... beijando a garota e me fazendo sentir como se ele
estivesse beijando a mim. Eu devia estar muito bêbada. Puta que pariu...
Travis não estava segurando meu cabelo e nem beijando a minha
boca, mas a maneira como ele me olhava era como se fosse comigo. Senti
meu corpo esquentar, imaginando como seria se fosse eu no lugar da
Lindinha, se fosse a minha boca no lugar da dela. Travis não estava
segurando meu cabelo, porém o meu corpo estava arrepiado e eu sentia o
impulso de colocar a mão na minha nuca para garantir que a mão dele não
estava ali.
Aquela era a coisa mais sexy que já tinha acontecido comigo, porque
não era nada real. Era tudo na minha cabeça, tudo na minha imaginação,
tudo apenas uma fantasia. Ver a maneira como ele a beijava e passava o
nariz dele no dela de vez em quando, fazia com que eu fechasse minhas
pernas com força e desejasse que fosse eu ali, sendo beijada e controlada
por um garoto como Travis King.
E só percebi que estava fazendo uma cara de idiota quando minha
garganta secou e eu tossi, me engasgando por ficar tanto tempo de boca
aberta.
Nossa, que patético.
Recuperei o controle e vi que Lindinha e Travis já tinham se
separado. Ela foi até algumas amigas e ele caminhou casualmente até o bar
que ficava perto do DJ, pegando uma cerveja e começando uma conversa
com alguns jogadores do Blue Ravens, como se nada tivesse acontecido.
Ele provavelmente nunca mais falaria com aquela garota, o que eu
achava algo bem escroto, para ser sincera.
Era por isso que eu não perdia o meu tempo. Garotos eram problema,
principalmente aqueles garotos ali.
Eu estava bêbada e pronta para ir embora. Resolvi procurar Francis,
avisando que eu ia para casa e ia perder o experimento dele na hora do
parabéns. Eu já tinha curtido a festa o suficiente e precisava dormir.
Talvez eu tivesse curtido a festa até demais...
Depois da festa de Asher, minha relação com Nicole voltou a ser
como era antes da reportagem. Nos afastamos e só nos comunicávamos por
sinal, esse sinal sendo o dedo do meio.
Não tínhamos combinado nada, mas parecia o mais apropriado. A
atração que eu sentia por ela era fora do comum e me manter distante,
lembrando da razão pela qual não éramos amigos, era a melhor solução.
Era difícil odiá-la quando Vincent não estava em cena. Se eu
ignorasse a existência dele, era fácil ver Nicole de outra maneira. Ela era
engraçada, confiante, gostosa pra cacete... No entanto, uma relação entre
nós dois não era possível. Vincent existia e era muito presente na vida da
irmã. O melhor era simplesmente ignorar a atração que eu sentia por Nicole
e pensar em George Washigton pelado sempre que a desejasse.
Nicole apareceu em um dos treinos para conversar com o técnico e
passou o restante do tempo sentada na arquibancada, digitando sem parar
no laptop. Eu queria que ela me mostrasse a reportagem antes de enviar
para o jornal, pois queria ver o que ela tinha escrito.
Na verdade, o meu medo não era ler a reportagem publicada e não
gostar das palavras de Nicole.
Não.
Eu queria ler a reportagem antes porque gostava do que ela escrevia.
Ter Nicole escrevendo sobre mim era, sem dúvida, sorte minha. Ainda não
tínhamos conversado sobre o lado ruim da minha profissão, já que ela
estava registrando apenas o contexto em que minha carreira estava inserida,
mas eu sabia que aquele dia ia chegar.
E enquanto não chegava, eu e Nicole nos mantínhamos distantes.
Vi quando ela fechou o laptop, com uma cara satisfeita e olhou para
mim, enquanto eu bebia água. A observei durante alguns segundos e Nicole
fez "o quê?" com a boca, olhando puta para mim. Ela ficava especialmente
bonita de cachecol verde, mas eu nunca diria aquilo para ela. Dei o dedo
para Nicole, terminando a água e olhando para Brian antes que ela pudesse
revidar.
— E aí? — disse ele, patinando para perto de mim. — Como tá a sua
amizade com a Martinez?
— Não tem amizade — contei, passando a mão nos meus cabelos
suados e patinando até o túnel para ir embora.
— Por quê? Acha que o namorado dela ficaria com ciúmes?
— Namorado? — questionei, sem saber daquela informação. —
Nicole tem namorado?
Agora Brian tinha toda a minha atenção.
— É... O Francis.
— Que Francis? — questionei, confuso por Brian saber tanta coisa e
eu não.
— Francis. O amigo dela de cabelo tingido de branco. O que estava
vestido de avô na festa — disse ele, me fazendo lembrar de Francis. — O
que fez um experimento na hora do parabéns e jogou Coca-Cola em todo
mundo.
— Sei quem é — falei, me sentando no vestiário para tirar meus
patins. — Eu não sabia que eles namoravam.
— Nem eu... mas ontem eu ouvi ele comentando que tá interessado
em uma garota e não quis me dizer o nome — comentou ele, tirando o
equipamento e bagunçando os cabelos compridos e ruivos. — Aí imaginei
que fosse ela — comentou, me deixando curioso. — Você tá andando
bastante com a menina. Não tá sabendo de nada?
— Eu tô andando com ela? — questionei, me levantando. — Ela tá
fazendo a reportagem comigo, Brian. Não tô andando com ela. Estamos
trabalhando juntos e só. Eu não sei nada da vida dessa garota... —
comentei, vendo que estava com mais raiva do que deveria estar.
Eu nunca tinha perguntado se Nicole tinha namorado, mas agora
estava disposto a descobrir. Não que aquilo importasse, mas saber que ela
tinha alguém, com certeza, me ajudaria a me manter ainda mais distante
dela.
O que não me faltavam eram razões para ficar longe de Nicole...
Mas, mais uma nunca era demais.
Ao final das aulas, fui até o jornal da faculdade para ver se Nicole
estava lá. Minha desculpa era a nossa falta de contato e a falta de material
para a reportagem. A verdadeira razão para eu estar ali era a fala de Brian.
Passei pelos corredores e procurei por Nicole, vendo que todos
trabalhavam juntos em uma sala separada por divisórias.
— Bom dia, príncipe — disse uma garota ruiva, aproximando-se de
mim com um sorriso enorme no rosto. — Eu sou Sylvia, editora chefe do
jornal. Queria te dizer que somos muito gratos por poder escrever sobre a
sua pessoa — comentou ela, segurando meu braço e apertando-o. — Tá
procurando a Nicky? — Antes que eu pudesse responder, Sylvia me puxou.
— Vem comigo que eu vou te apresentar as nossas instalações.
Eu realmente estava procurando Nicole, mas deixei que Sylvia me
guiasse pelo jornal e me mostrasse como eles trabalhavam. O prédio não
parecia com o departamento de esportes, sendo bem menor e precisando de
muitas reformas. Sylvia falava sem parar, caminhando comigo e me
contando a história de cada pessoa trabalhando ali. Aparentemente, ela só
sabia detalhes curiosos sobre as pessoas.
— Aquela ali é a Amanda, tadinha — disse ela, apontando para uma
garota com cabelos curtos e cara de criança. — Ela começou a escrever
para a gente faz um mês e já me pediu para adiar a data de entrega da
matéria umas três vezes — falou, me guiando por um dos corredores. —
Ela fica com soluço quando tá nervosa e não consegue escrever. Acredita?
— contou ela, rindo divertidamente. — Ai, o pessoal aqui é muito legal. E
você? Gosta de escrever?
— Sou melhor com números — respondi, olhando ao meu redor.
— Sério? Eu sou péssima com números. — Sylvia abriu uma das
portas no corredor e revelou uma sala pequena e apertada. E foi ali que eu
vi Nicole, digitando sem parar com os cabelos presos em um coque bem
alto, com um copo de café na mesa, que mais parecia uma garrafa. —
Semana passada eu estava fazendo uma receita e tive que preparar meio
litro de leite em pó. Para cada litro, eu tinha que usar dez colheres. Sabe
quantas eu usei para fazer meio litro? — perguntou ela, enquanto eu via
Nicole tirar os olhos do laptop e notar minha presença.
— Cinco? — questionei, fingindo prestar atenção enquanto esperava
que Nicole reagisse.
— Usei sete! — disse ela, rindo alto. Nicole olhou para a nossa
interação e fez cara feia, cruzando os braços igual uma criança birrenta,
como ela sempre fazia. — Enfim, achamos a princesa perdida.
Sylvia apontou para Nicole, que massageou as têmporas enquanto eu
entrava na sala.
— Obrigada, Sylvia — falei, dando um leve sorriso para ela e
piscando ao mesmo tempo. — Você é um amor.
— Eu sei — disse ela, piscando para mim. — Tem gente que não
reconhece isso, me acha brega e fala na minha cara que eu não sou
carinhosa. Mas eu sei que sou — desabafou ela, como se falasse de outra
pessoa. — Não é culpa minha se tem gente que tem medo de se
comprometer — disparou, voltando a dar um sorriso simpático. — Enfim,
vou deixar vocês a sós. A Nicky raramente morde, mas se ela morder, me
chama e eu ajudo — falou Sylvia, rindo sozinha —, mas não disse quem —
terminou ela, gargalhando e fechando a porta ao sair.
A imagem de Nicole me mordendo me atormentou até eu sentar de
frente para ela, vendo-a fechar o laptop.
— O que você tá fazendo aqui? — perguntou, com uma expressão
revoltada. — Esse é o meu espaço e eu não te convidei.
— Ué, mas você fica puta se nos encontramos na área de esportes,
fica puta se eu venho no jornal... Como vamos trabalhar juntos? Você não
sabe o que quer.
— Isso não te dá o direito de aparecer na minha sala sem avisar —
disse ela, pegando o café gigante e tomando um gole. — O que veio fazer
aqui?
— Vim ver sua sala — falei, cruzando os braços e olhando ao redor.
— Já me sinto mais inteligente só de respirar aqui — falei, respirando
fundo.
— Tem mofo em todas as paredes. Não recomendaria você respirar
assim — disse ela, tomando mais café. — Bom, fico feliz que você tenha
visto a sala — disse ela, abrindo novamente o laptop. — Agora dá o fora
porque eu tô ocupada.
— Concordamos que eu leria o que você escreveu sobre a festa do
Ash — comentei, vendo-a olhar para mim. — Queria saber o que achou da
festa — indaguei, sentindo o clima mudar assim que mencionei a festa. A
maneira como nos olhamos enquanto eu estava na pista de dança, não era
algo que acontecia entre nós dois toda hora. Claro que eu jamais
mencionaria uma situação tão estranha, mas era óbvio que pensamos na
mesma coisa quando falei da festa de Asher. Observar Nicole enquanto eu
beijava outra garota, me fez imaginar como seria se finalmente nos
beijássemos. A maneira como eu a queria naquela noite, mesmo vestida de
George Washington, era surreal para mim. Nicole me dava tesão de
qualquer jeito. — E os jogos no Canadá são semana que vem — mudei de
assunto, enquanto Nicole encarava o laptop. — Nós combinamos de eu ver
as perguntas que você vai fazer. Já tá com elas prontas?
Ela olhou desconfiada para mim.
— Nossa, que preparação exagerada para uma entrevista simples...
Tem coisa que você não quer falar?
— Claro que tem. Já concordamos que alguns temas não fazem
sentido na matéria.
— Tipo...
— Tipo minha vida amorosa — falei, querendo entrar no assunto.
— Não quer falar da sua vida amorosa por quê? Tá com medo de eu
pedir o nome de uma namorada e você não saber qual dar?
Eu ri, percebendo que Nicole estava errada sobre eu não me sentir
confortável no ambiente dela. Eu estava confortável pra caralho ali.
— Eu não tenho namorada. Não tenho que dar nomes.
— Acho que elas ficariam chateadas com essa declaração.
— Não sei se já ouviu falar de sexo casual, mas...
— Claro que eu já ouvi — retrucou Nicole, rapidamente. Ela cruzou
os braços, me olhando com confiança. — Arrisco dizer que talvez eu saiba
mais sobre sexo casual do que você — disse ela, me fazendo rir. — É uma
pena sua mente ser tão limitada e você achar que transa mais do que
algumas garotas, só por ser jogador de hóquei. Que ideia fraca, Travis.
Melhore.
Olhei para a porta, a fim de me certificar de que estava fechada.
— Quer dizer que você faz mais sexo casual do que alguns atletas...
mais do que eu, por exemplo.
Eu tinha certeza de que havia milhares de caras correndo atrás de
Nicole. A energia que ela emanava era insana para mim e eu nunca tinha
sido desafiado por uma garota daquela forma. Se eu entendia de sexo
casual, Nicole, com certeza, entendia também. Era meio óbvio para mim
que ela fazia sucesso, o que só me deixava mais a fim dela.
— Não sei se faço mais do que você — comentou, cruzando as pernas
e os braços. — Até porque, você tá com uma garota nova a cada dia da
semana — comentou de forma debochada —, mas sim. Para a sua tristeza
de homem primitivo, eu entendo mais de sexo casual do que alguns caras
que você conhece.
— Se curte tanto sexo casual, por que namora?
— Eu namoro?
— Você não namora? Francis não é seu namorado?
Nicole riu, jogando a cabeça para trás.
— Francis é meu melhor amigo, idiota. Viu como você presume as
coisas sem pensar?
— Verdade. Peço perdão, George Washington. Você sabe de tudo
quando o assunto é sexo casual.
— Está perdoado, Travis — disse ela, olhando para mim com
deboche. Eu não desviei o olhar e sabia que aquele silêncio era
ensurdecedor. Se fosse em qualquer outra situação da vida, eu já teria
pulado a mesa e a beijado, mas era Nicole Martinez, a irmã de Vincent. —
Enfim, vou te enviar as perguntas por e-mail e você me diz se tem alguma
que Vossa Majestade não curte — disse ela, abrindo o laptop. — Não que
eu vá desistir de fazer a pergunta, mas você pode se dar ao trabalho de dizer
que não vai responder.
— Ok — concordei, estranhamente contente por Nicole não namorar
Francis.
Eu não tinha planos de tentar nada com ela e sabia quais problemas
nos tinham mantido distantes por todo aquele tempo.
E agora que íamos para o Canadá e estaríamos junto com a minha
família e com Vincent, as coisas com certeza ficariam tensas novamente.
E eu esperava mesmo que ficassem, porque só Vincent e muita
pressão psicológica para manter meus pensamentos longe de Nicole.
Ainda era um mistério para mim o porquê tinha mentido tanto para
Travis.
Quando ele apareceu na minha sala, com a confiança que só um
homem como ele poderia exalar, e me questionou sobre sexo casual, a única
coisa que eu consegui fazer foi mentir.
Menti sobre minhas experiências, menti sobre a frequência que eu
transava, menti sobre o quanto eu sabia.
Se eu estava disposta a continuar mentindo? Claro que sim.
Travis era o tipo de homem que precisava ser colocado no lugar dele
para me respeitar. O único motivo pelo qual eu conseguia escrever aquela
matéria sem me sentir intimidada, era o fato de me manter firme na frente
dele.
Travis não ia ser comigo quem ele era com as outras garotas. E, se ele
fosse, eu não ia me mostrar impressionada.
Obviamente que ouvi-lo falar de sexo casual me fez pensar nas fotos
dele sem camisa que eu tinha visto no Instagram. Travis tinha um corpo
muito bem desenhado e a energia confiante dele casava perfeitamente com
o visual bonito que sustentava.
Era exatamente aquele o meu tipo. Garotos vazios e gatos, que eu
conseguia esquecer assim que a luz do sol raiasse no meu quarto.
No entanto, Travis King era proibido... e eu duvidava muito que ele
me queria de verdade. Para mim, Travis sutilmente flertava comigo para
zombar da minha cara.
Fiquei mais algumas horas olhando o Instagram dele antes de dormir,
sabendo que eu viajaria com Francis e Vincent para o Canadá no fim de
semana. Escondi-me embaixo das cobertas enquanto via as fotos de Travis e
o admirava em segredo. Aquele era o meu lugar seguro, onde eu podia olhar
Travis sem ser julgada. Era óbvio que vínhamos de mundos diferentes e a
rivalidade dele com o meu irmão nos afastava ainda mais, mas eu tinha
direito achá-lo um gostoso.
Eu podia ver as fotos dele e pensar nele. Não de uma maneira
romântica, claro que não. Eu olhava para ele com desejo e só. Ele era um
cara bonito, apesar de proibido.
Vi uma foto dele ainda no Canadá, beijando um troféu que tinha
ganhado, e lembrei da maneira como ele beijou a garota na festa e olhou
para mim. Respirei fundo e passei a mão pelo meu corpo, observando
Travis em uma foto sem camisa enquanto jogava vôlei. Passei os olhos
pelos braços dele e fui descendo minha mão devagar, lembrando da maneira
como a mão dele cobria a minha quando nos cumprimentávamos. Fechei os
olhos, pensando no perfume dele e na maneira como sempre olhava para
mim com intensidade. Era uma merda imaginar que Travis jamais pensaria
o mesmo de mim. Eu devia ser a irmãzinha irritante de Vincent, que era
esquisita e revoltada.
Que merda...
No entanto, na minha cabeça, Travis não me via assim. No meu faz de
conta, ele ia até a minha sala no jornal e trancava a porta antes de caminhar
até mim. Quando se aproximava, Travis jogava tudo para longe da mesa,
usando as duas mãos para arremessar as coisas longe.
Menos o meu laptop! O meu laptop pousava suavemente no chão,
como uma pluma.
Travis dava a volta na mesa e caminhava até mim, segurando meu
corpo e me colocando sentada na mesa. Eu olhava surpresa para ele,
perguntando o que estava fazendo ali, no meio do meu expediente. Travis
me beijava sem cerimônia, deitando o corpo dele sobre o meu e deixando
que eu enrolasse minhas pernas em volta dele. Eu segurava os cabelos dele
com força e o beijava como nunca tinha beijado ninguém antes, me
permitindo tê-lo tão perto de mim. Ele segurava minhas mãos na mesa, me
impedindo de tocá-lo, enquanto ele esfregava o corpo dele no meu, olhando
nos meus olhos enquanto eu o sentia no meio das minhas pernas.
"Olha o que você faz comigo, Nicole", dizia ele com dificuldade, me
deixando sentir o quanto ele me queria.
Mordi meu lábio, amando a minha fantasia. No entanto, o grito de
Olivia Rodrigo cantando "Good 4 U" me acordou do meu sonho.
Abri os olhos depressa e vi que era Vincent quem me ligava.
Banho. Frio.
— Ei! Vince! Vincent! — falei, sentando na cama e tentando
controlar minha respiração. — Tudo de boa? Tudo bem? Como está?
— Tudo ótimo, Nicky! — disse ele, animado. — Fui liberado pra
jogar contra o Blue Ravens no Canadá. Vou perder um jogo só —
comemorou ele, me fazendo comemorar também.
— Foda! Eles vão perder de novo, então... — falei, entrando no
personagem que não suportava o time de Travis.
— Porra, se Deus quiser! — falou meu irmão, que parecia estar
dirigindo. — Tô cansado, mas ainda tô longe de casa. Fica no telefone
comigo?
— Claro... — concordei, sabendo que meu sonho com Travis estava
morto e enterrado. — Te contei que tô escrevendo uma matéria sobre o Blue
Ravens? — falei, evitando mencionar que era só sobre Travis. — Vai sair
na edição que vem e vou até receber pra falar sobre o assunto.
— Sério? — questionou ele, com uma voz desanimada. — Porra, não
vai me dizer que precisa que eles ganhem pra matéria ficar boa...
— Não! Não, relaxa. Se eles perderem, eles perderam. Vou registar
que perderam e escrever sobre um amanhã melhor — falei, ouvindo
Vincent rir.
— Mal posso esperar pelo jogo. Travis quase me tirou da partida, mas
não conseguiu. Eu vou jogar e garantir que ele seja humilhado na frente da
família — falou Vincent, causando um gosto amargo na minha boca. Será
que ele sempre falava assim e eu não notava? Ou será que Vince estava com
mais raiva agora? — Só não se mete. Tá, Nicky? Eu já não suporto esse
cara, e ver você perto dele me faz perder ainda mais a cabeça — contou, me
lembrando da briga no estacionamento e apertando meu coração. — Você é
o que eu tenho de mais precioso, e ele é o que existe de mais podre no
hóquei. Ele é o tipo de cara que só sabe o que sabe por causa de dinheiro.
Quem colocou ele onde tá foi a grana que ele tem — falou, enquanto eu me
mantinha calada. Travis treinava pra caralho e o técnico só tinha me dito
coisas boas sobre ele —, mas o jogo no Canadá tá chegando. E eu vou
mostrar pra todo mundo como o talento dele é limitado — disse, rindo de
leve. — É bom ele estar preparado para perder.
Eu queria mudar de assunto. Vincent estava pegando pesado.
— O Fran vai com a gente. Te falei?
— Falou... Comprei uma camiseta nova pra você e uma pra ele. Com
o meu nome, claro — contou, me fazendo sorrir. — Estou com saudades —
assumiu, com uma voz cansada.
— Eu também. Falou com o papai nas últimas semanas?
— Conversamos na semana passada e ele me pediu dinheiro pra pagar
umas contas — assumiu, me deixando nervosa. — Mandei só uma parte,
porque não quero mandar tudo.
Embora nosso pai tivesse sido um escroto a vida inteira, meu irmão
ainda o ajudava.
— Vince, você não precisa fazer isso — lembrei-o, deitando de novo
na cama. — O pai nunca se importou em te ajudar com nada. Você não
precisa ajudar agora.
— Mas eu não sou igual a ele, Nicky. É isso que me faz ajudar... a
certeza de que eu e ele somos completamente diferentes.
Fizemos silêncio por um segundo, e eu sabia que nós dois estávamos
pensando na mamãe.
— Te contei que vou conseguir comprar um carro com o dinheiro da
matéria? Vai ser um carro lixo, claro, mas vai ser o carro que eu vou
comprar — contei, orgulhosa.
Vincent ficou imediatamente feliz por mim e quis saber detalhes do
que eu estava procurando, prometendo me ajudar a escolher o carro quando
chegasse a hora.
Conversamos até ele chegar em casa e desliguei só quando Vincent se
deitou na cama também. Eu o amava com todo o meu coração e tinha
dificuldade de ignorá-lo quando pensava em Travis.
Era loucura o que eu tinha imaginado.
Existiam milhares de garotos no mundo e eu não precisava sonhar
com Travis King. Vê-lo no Canadá, junto com o meu irmão, com certeza,
faria com que as coisas ficassem tensas entre nós dois de novo.
E eu esperava mesmo que ficassem, porque só Vincent e muita
pressão psicológica para manter meus pensamentos longe de Travis.
O vestiário era sempre barulhento pra caralho, mas era o local
perfeito para fazer minha mente viajar. Enquanto me vestia, eu tentava
acompanhar as conversas que rolavam entre os outros caras e esquecia com
mais facilidade a pressão que era pensar nos jogos do Canadá.
Asher era quem mais falava no vestiário, sentado em um dos bancos e
enchendo o saco de todo mundo que se vestia. Aquele tinha sido nosso
último treino antes da viagem e agora precisávamos relaxar antes do jogo.
Não valia a pena sofrer por antecedência e ficar imaginando tudo o que
podia dar errado... No entanto, era fácil falar. Difícil mesmo era esquecer
que eu jogaria em casa.
A porra da minha ansiedade não respeitava minha posição no time e o
quanto a equipe precisava de mim. Pensar em jogar de novo no Canadá,
fazia meu coração bater depressa, de uma maneira que eu sabia que não era
saudável. Por isso, eu estava no vestiário demorando o máximo possível
para me arrumar. Depois dali, eu ia ligar para Bianca e passar a noite inteira
transando e esquecendo o que viria nas semanas seguintes.
— Fala aí, King! — disse Asher, focando a atenção dele em mim. —
Finalmente vamos conhecer seu país — falou, enquanto eu colocava minha
calça. — Quero só ver se as garotas lá são mais bonitas que as daqui. Na
minha terra, eu sou rei, hein? — comentou ele, me fazendo rir enquanto eu
secava meu cabelo com a toalha. — Quem é essa mulher pelada no seu
corpo? — questionou ele, apontando para a tatuagem na minha costela, que
era de uma mulher seminua.
— Minha avó quando era mais nova — menti, balançando meus
cabelos e jogando a toalha no chão. Asher arregalou os olhos, ficando sem
palavras pela primeira vez no dia. Knox deu uma risada baixa e grave, já
que ele geralmente não tinha paciência para Asher e devia ter gostado de
vê-lo sem saber o que falar. — Tô enchendo o saco, Ash — respondi,
levantando o braço para ver minha tatuagem melhor. — Perdi uma aposta e
fiz depois de um jogo — falei, voltando a lembrar do Canadá.
Merda!
— Porra, que susto! — disse ele, com as mãos no coração. — Nossa,
falando em jogo, eu estava lembrando da última partida e a única coisa que
eu conseguia pensar foi: caralho, King, graças a Deus que você joga na
porra do nosso time — falou ele, fazendo meu coração acelerar de novo. —
Jogar com o Serpents no Canadá ia ser humilhante se você não estivesse
presente. Creio de coração, na humildade mesmo, sem maldade, que vamos
humilhar esses filhos da puta lá na sua terra — falou, sem ter noção do
quanto as palavras dele estavam me deixando ansioso. — Hein, Knox!
Imagina o que o menino faz no Canadá, com a vovó pelada assistindo —
comentou ele, virando-se para Knox, que só resmungou e prendeu os
cabelos em um coque. — Vincent Martinez vai chorar sangue no final do
jogo!
Asher não fazia ideia do quanto pensar nos jogos me incomodava...
principalmente quando eu era visto como a salvação. Eu não queria pensar
no quanto confiavam em mim para ganhar. Vesti minha blusa depressa e
coloquei meus fones de ouvido gigantes, juntando minhas coisas para sair
dali o mais rápido possível. Minha cabeça não conseguia parar e a porra dos
pensamentos invasivos me atingiam sem piedade, me fazendo pensar no
quão merda seria voltar para aquele vestiário depois de perder. A admiração
das pessoas, com certeza, acabaria em breve. Quanto tempo eles gritariam o
meu nome e confiariam em mim, até perceberem que eu não era tudo o que
eles pensavam? Quantas derrotas eram necessárias até todo mundo se
convencer de que eu não era tudo isso? Até eu me convencer de que não era
tudo isso?
Saí do vestiário depressa, colocando meu casaco enquanto já
caminhava para o lado de fora do departamento de esportes. Eu precisava
me acalmar e queria ficar sozinho, tentando controlar a ansiedade que
tomava conta de mim e me dava medo do que o futuro tinha reservado.
Ajustei meus fones enquanto Lil Wayne cantava "How To Love" no
meu ouvido e abafava tudo ao meu redor. Eu não queria pensar nos jogos.
Não queria lembrar que estávamos indo para o Canadá, jogar contra a porra
do melhor time da temporada.
Peguei meu celular depressa para mandar uma mensagem para
Bianca, porém parei de caminhar ao perceber que talvez não fosse uma boa
ideia ter companhia naquela noite. E se ela percebesse que tinha algo de
errado e me fizesse perguntas? Eu ia ficar tentado a falar com alguém sobre
o assunto e me arrependeria para sempre por ter me aberto com Bianca.
Não.
Bianca não. Era uma má ideia.
Resolvi que eu ia passar o resto da noite jogando videogame sozinho.
Isso. Essa era a melhor solução.
Engoli em seco e respirei devagar, certo de que eu não conseguiria
caminhar depressa com o meu coração batendo tão acelerado. Eu precisava
relaxar e esquecer o que estava por vir.
— King! — Ouvi alguém chamar, abaixando os fones e me virando
para ver quem era.
Nicole.
Ah, merda.
Revirei os olhos, enquanto ela caminhava até mim, abraçando o
próprio corpo no frio. Revirar os olhos foi um movimento involuntário, de
alguém que já estava acostumado a fingir que estar perto dela era uma
merda. No entanto, eu realmente queria ficar sozinho.
Nicole parou de frente para mim, com os olhos cerrados por causa do
vento e usando o cachecol verde que eu gostava.
No entanto, nem aquilo me fazia sentir melhor.
— O que você quer, Nicole? — questionei, sendo mais grosso que o
normal, porque não a queria perto de mim.
Não naquele momento.
— Porra, que profissional, hein? — comentou ela, já irritada. — Que
respostão! Eu não falo com você porque quero, King. Falo porque preciso
— justificou ela, puta com razão.
Respirei fundo, querendo sair dali.
— Do que você precisa, Nicole? — perguntei com uma voz mais
branda.
— Quero saber se posso entrevistar seu pai no Canadá — questionou
ela, me fazendo rir.
— Sem chance — respondi, sentindo a ideia me sufocar.
— Por que não? Achei o Instagram dele e 90% das fotos são suas. Ou
com você. Não quer que alguém que te admira, fale comigo? Tem certeza
que você tá bem? — debochou ela.
Não, eu não estava bem. Nicole nunca entenderia e eu não queria
dividir aquilo com ela. Eu queria ir embora. Pensar no meu pai não estava
ajudando.
— Enfim, conversamos sobre isso outra hora — anunciei, passando
por ela e caminhando em direção ao meu prédio, inspirando e expirando
devagar.
— Não! Nós não vamos ficar conversando no Canadá e a viagem é
amanhã. Meu irmão vai estar lá e a gente vai ficar bem distante. Vamos
resolver tudo aqui pra já irmos com tudo combinado — falou ela,
caminhando atrás de mim.
Puta que pariu.
— Boa noite, Nicole — retruquei, me afastando sem olhar para trás
enquanto ainda sentia meu coração bater depressa, com minhas mãos
suando enquanto eu me imaginava voltando para o campus depois de
perder.
Não podíamos perder. Era o segundo jogo seguido contra o Red
Serpents e não podíamos perder de novo. Não na minha casa.
— Travis, isso não é dar o seu melhor! — reclamou Nicole, me
seguindo. — Me ignorar e só falar comigo quando você quer, não é a forma
certa de lidar com a reportagem. Eu não tô te fazendo um favor! — gritou
ela, ainda atrás de mim. Puta que pariu! — Meu irmão não pode saber sobre
essa merda de entrevista, e você não tá facilitando as coisas. Parece até que
tá fazendo de propósito pra me irritar e estragar tudo — disse ela, fazendo
com que eu me virasse depressa.
Nicole parou de caminhar, me encarando enquanto eu me
aproximava. Fiquei cara a cara com ela, procurando as melhores frases na
minha cabeça enquanto tentava respirar devagar. Coloquei a mão no meu
peito, vendo-a olhar estranho para mim, como se tivesse percebido que algo
não estava certo.
— Confia em mim quando eu te digo que eu tô dando a porra do meu
melhor aqui — disse, usando a mão que estava no meu peito para apontar
para nós dois. — Você não faz ideia do que é difícil pra mim e do quanto eu
tô me esforçando pra essa merda dessa reportagem funcionar — falei,
vendo-a encolher o corpo. — Agora, se você não consegue respeitar a porra
de um pedido simples, como "me deixa em paz", então acho que a gente
não vai conseguir trabalhar juntos — avisei, vendo a expressão segura dela
derreter. — Não vamos conversar no Canadá, não vamos ficar próximos,
não vamos nos olhar. Confia no que tô falando. Pra mim, você não existe lá
— garanti, de forma ríspida. — Vou responder suas perguntas por e-mail e
te encontrar de novo quando voltarmos para o campus — avisei, vendo-a
engolir em seco. — E agora eu te peço, de novo e com educação, pra me
deixar em paz — falei, colocando a mão no peito novamente. — Eu quero
ficar sozinho.
Seria a maior desgraça da minha vida ter uma crise de ansiedade na
frente daquela garota. Fazia anos que não acontecia, mas eu sabia
reconhecer os sinais de quando ia acontecer.
Nicole piscou algumas vezes, cruzando os braços para afastar o frio e
olhando para mim de uma forma que quase ninguém olhava. Nicole me via
como eu era, sem encantamento nenhum. Ela via apenas... eu.
— Você não tá... — Nicole passou a mão no rosto. — Tá tudo bem?
— Tudo ótimo — menti, olhando para baixo e tentando esvaziar
minha mente. — Boa noite, Nicole — falei, torcendo para que ela me
ouvisse e fosse embora.
No entanto, Nicole continuou parada, me olhando com cuidado.
Porra, tudo o que eu precisava era que a irmã de Vincent Martinez me
visse daquele jeito.
— Tem certeza que quer ficar sozinho?
— Absoluta — garanti, olhando-a enquanto ainda tentava controlar
minha respiração. — Some — falei mais uma vez, certo de que Nicole só
ouvia quando eu era grosseiro. — Me deixa em paz, Nicole. Caralho!
Ela arregalou os olhos, parecendo finalmente perceber que precisava
ir embora.
— Claro, Travis. Dono do campus. Faz como você quiser. Não vou
discutir com você hoje — garantiu, olhando irritada para mim. — Boa
noite, idiota.
Nicole passou por mim e bateu com o corpo no meu ombro,
distanciando-se o suficiente para que eu fosse até o banco mais próximo e
me sentasse, tentando respirar devagar e pensar em qualquer outra coisa que
não fosse hóquei.
Nicole não tinha me pegado em um momento bom, eu sabia daquilo,
mas era uma merda ter tratado ela mal.
Não era Nicole a minha inimiga e eu sabia disso.
Meu inimigo era muito maior do que ela podia imaginar.
Travis não era louco de chegar perto de mim enquanto eu estava com
Vincent. O Red Serpents e o Blue Ravens estavam no aeroporto na mesma
hora, o que queria dizer que chegaríamos no Canadá ao mesmo tempo. O
grupo de pessoas fazendo check-in e aguardando para despachar as malas
era maior do que o normal, já que alguém tinha feito besteira e marcado
para que todo mundo viajasse no mesmo horário.
Eu estava embolada em uma das cadeiras do aeroporto, com sono por
já estar perto da hora da janta, e observava de longe a confusão em frente ao
embarque da companhia. Eram muitos caras juntos em frente aos guichês,
falando ao mesmo tempo, rindo alto e se batendo.
Eu não tinha paciência.
Vincent estava sentado ao meu lado, conversando no telefone com
alguma garota, e Francis tinha ido comprar algo para comer. Vi quando meu
amigo apareceu com dois Donuts gigantes e rosas para a gente, sentando-se
ao meu lado e observando os garotos junto comigo.
— Deus o livre...— comentou ele, esticando um dos Donuts para
mim.
— Aquele grupo de meninas ali tá amando — comentei, me referindo
ao grupo de garotas jovens que olhavam discretamente para os jogadores de
hóquei e comentavam sobre eles, umas com as outras.
Travis estava no meio, de boné para trás e ouvindo Asher contar uma
história absurda, movendo o chiclete com a ponta da língua pelos dentes da
frente. Travis, com certeza, queria mostrar os dentes perfeitos sem ter que
sorrir...
E ele não era nem louco de se aproximar de mim enquanto eu estava
com o meu irmão.
— Ai, ai... — comentou Vincent, colocando o braço em volta de mim
após desligar o telefone. — Mulher é um bicho complicado, né? A menina
tá chateada só porque não convidei ela pra ir pro Canadá comigo — disse
ele, observando a confusão na frente dos guichês. — Homem é muito mais
tranquilo — falou, me fazendo rir por eles estarem todos fora de controle.
— Olha ali que paz.
— Nossa, muito mais tranquilos — debochei, comendo meu Donut.
— Enfim, vou mijar e volto para fazer o nosso check-in — declarou
Vincent, dando um beijo no meu rosto e sumindo até o banheiro.
Francis iniciou um longo discurso sobre a maldição que era gostar de
homens, porém logo foi interrompido quando Travis se aproximou de nós
dois. Ele usava um moletom preto e fofinho que me fazia querer abraçá-lo,
porém eu estava bem puta com ele. Travis tinha sido extremamente
estúpido na noite anterior, enquanto eu estava tentando trabalhar, me
fazendo sentir uma merda por pedir o mínimo. No entanto, eu tinha achado
muito suspeita a maneira como ele havia se comportado. Era como se ele
realmente não estivesse bem e precisasse de um tempo. Resolvi não
provocá-lo, com medo de estar pisando em um terreno que eu não conhecia,
e deixei Travis em paz. Ao que tudo indicava, ele já estava bem. No
entanto, eu não o conhecia o suficiente para saber qual era o problema.
Por isso, aceitei me afastar sem discutir... mas eu estava puta.
— Travis! — disse Francis, com um sorriso gigante e mudando de
ideia sobre homens. — Eu sou o Francis — disse ele, estendendo a mão.
Travis cumprimentou-o, com o sorriso de lado de sempre, e eu olhei
ao meu redor para garantir que Vincent não estava perto.
— O que tá fazendo aqui? — cochichei, tentando não mexer muito a
boca. — Meu irmão tá por perto — falei, sentindo minhas mãos suarem. —
Some!
— Preciso falar com você....
— Agora!? Agora é tarde. A hora de conversar era ontem —
reclamei, irritada. — Agora meu irmão tá aqui e os companheiros de time
dele também. Fica longe de mim.
— A gente não precisa conversar aqui. Vamos para o lado de fora —
falou ele, colocando as mãos no bolso. — Ou vamos mais pra lá. Não sei.
Qualquer lugar mais distante. Você escolhe.
— Não. Meu irmão tá vindo — falei, cerrando os dentes. — Some
daqui.
— Só se você sumir comigo — retrucou ele, fazendo com que Francis
sutilmente se abanasse. — se não quer que ele veja a gente junto, me segue.
— Não. Some, Travis. Ele vai voltar e vai ver você aqui. Quer
estragar tudo antes mesmo do jogo?
— Nicole... — Francis colocou a mão no meu ombro. — O menino tá
pedindo com educação. Vai ali e eu cubro pra vocês — garantiu ele,
piscando para mim.
Fechei as mãos em punhos e me levantei irritada, caminhando sem
rumo pelo aeroporto. Eu odiava a maneira como Travis queria controlar
tudo, inclusive a hora que falava ou não comigo. Ele queria mandar na
situação, me dar ordens, decidir detalhes... Não! Era o meu irmão que
odiava ele. Era eu quem tinha que me cuidar e dizer como tinham que ser as
coisas. Travis King era um babaca.
— Já estamos longe o suficiente...— disse ele, apressando o passo e
ficando ao meu lado.
— Não pra mim — falei, ainda puta. — Nenhum lugar vai ser longe o
suficiente dentro desse aeroporto. Qualquer um pode ver nós dois e... —
Senti Travis segurar meu braço e entrar comigo em uma sala que era apenas
para funcionários do aeroporto. Só percebi o que estava acontecendo
quando ele me encostou na parede, fechando a porta e ficando de frente
para mim. — Tá maluco!? A gente não pode entrar aqui!
— Eu preciso falar com você — disse ele, colocando a mão no meu
ombro e me fazendo tirá-la de mim. — Sobre ontem.
— A gente não tem nada para conversar sobre ontem. Você já falou o
que queria falar.
— Não, não falei — insistiu ele, arrumando o boné na cabeça e
respirando fundo. — Queria te pedir desculpas por ter sido tão estúpido —
disse ele, me fazendo cruzar os braços e ouvir. — Eu não estava tendo um
dia bom e você me pegou numa hora bem merda — justificou-se, se
aproximando um pouco mais. — Sei que não somos amigos, mas tratar
você com respeito é o mínimo. Então queria te pedir desculpas...
O observei com cuidado, sentindo meu coração bater mais forte por
ouvi-lo se desculpar comigo. Era muito legal da parte dele me tratar daquela
forma, e eu apreciava o esforço que ele estava fazendo para deixar tudo
bem entre a gente.
— Ok... — respondi, olhando para o chão. — Aceito suas desculpas
— falei, encarando-o e vendo-o dar um leve sorriso —, mas não aceito que
aconteça de novo.
— Claro — disse ele, levantando as mãos para se render. — Não vai
se repetir.
Olhei-o por um segundo.
— E quero entrevistar seu pai.
— Minha avó — retrucou ele, colocando as mãos nos bolsos. — Ela é
muito mais legal.
— Seu pai — insisti, querendo controlar a situação.
— Minha mãe e não se fala mais nisso.
— Seu pai — insisti novamente, cruzando os braços.
Travis balançou a cabeça em negação.
— Sem chance, Nicole. Te dou mais entrevistas do que prometi, mas
meu pai realmente não vai ajudar com a matéria.
A maneira como ele olhou para mim, me fez reconhecer que ali era
um dos lugares onde eu não deveria pisar.
— Fechado — falei, esticando a mão para ele, para que selássemos
nosso acordo. — Duas entrevistas com você, então. Uma sobre o jogo e
outra sobre sua vida no Canadá.
Travis deu um sorriso de lado, tirando o chiclete da boca e colocando-
o na minha mão.
— Joga fora pra mim — falou, abrindo a porta e saindo da área de
funcionários.
O observei sumir e a porta bater, ficando sozinha ali com os meus
pensamentos. Era legal me sentir respeitada por quem não gostava de mim.
Era legal ouvir um pedido de desculpas.
Era legal saber que Travis King não era tão escroto quanto eu havia
imaginado.
Por um erro claro de planejamento, todos os times chegaram ao
mesmo tempo no Canadá e no hotel, o que congestionou totalmente a
entrada e a recepção. Eram milhares de famílias, namoradas, malas e
homens gigantescos falando ao mesmo tempo e tentando pegar a chave do
quarto. Fora o Blue Ravens e o Red Serpents, mais dois times americanos
estavam na cidade para os jogos daquele fim de semana.
O frio no Canadá era absurdo e a entrada do hotel estava lotada de
neve, porém a iluminação da cidade era linda e a arquitetura era fantástica.
Eu tinha levado todos os meus cachecóis e esperava poder usar cada um
enquanto conhecia Ontario.
— Deixa comigo — disse Vincent, pegando minhas malas e as de
Francis, junto com as dele. — Vão procurar um lugar pra comer. A gente se
fala por mensagem.
Insistimos em ficar, porém Vincent queria que fôssemos jantar e
conhecer um pouco da cidade. Ele estava ali trabalhando... Nós dois não.
Tivemos que concordar, já que mal podíamos ouvir uns aos outros e não
íamos ter muito tempo para conhecer Ontario.
Eu nunca tinha visitado o Canadá, então não fazia ideia de onde ir ou
o que comer.
— Envia uma mensagem pro rei — disse Francis, como quem falava
em código. — Pede uma dica.
— Não! Ew! Não vou mandar mensagem pra ele pedindo dica de
restaurante. Não somos amigos. Nem pensar!
— Deixa de ser chata, Nicky! Você só vai pedir uma dica! Ele nasceu
aqui e morou a vida toda na região, então não custa nada dar umas dicas
para a gente não perder tempo. Gastar dinheiro com comida ruim é a pior
coisa que tem.
Francis tinha um ponto. Não havia nada mais chato do que comer mal
quando se estava com muita fome. O frio do lado de fora era cruel para
ficar andando pela rua e procurando restaurantes.
Resolvi que enviaria um e-mail formal pedindo ajuda.
"Olá. Boa noite. Gostaria de saber se tem alguma dica de restaurante
para me dar. Abraços, Nicole".
Foi isso que enviei para ele, certa de que não havia como ser mais
formal.
— Feito — falei, avistando um café. — Vamos tomar um cappuccino
enquanto a gente aguarda a resposta. Se ele não escrever nada nos próximos
dez minutos, a gente escolhe o nosso próprio destino.
Francis caminhou comigo até o café e sentamos juntos em uma mesa
perto da janela, observando o lado de fora e curtindo a vista.
Já era tarde no Canadá, e Ontario parecia ter saído de um filme,
apesar de ser congelante.
— Jamais poderia morar aqui — falou ele, segurando o cappuccino
com as duas mãos enquanto tentava se aquecer. Eu tinha deixado meu
celular na mesa para que pudéssemos ver caso chegasse a notificação de
que Travis tinha respondido meu e-mail. Para mim, era quase certo que ele
ia me estressar e não ia escrever nada, porém eu estava tentando me manter
entretida com as histórias de Francis. — Meu nariz grande seria a primeira
coisa a congelar. Ia congelar em dezembro e só descongelar em abril —
falou, viajando enquanto olhava pela janela. — Ele ia ficar azul e eu ia ser
chamado de "pontinho azul" e ia ser zoado pelas ruas... — falou, como se
fosse um drama real. — Que terror, meu Deus. Livrai-nos desse mal...
Meu celular vibrou e eu olhei rapidamente para ele, torcendo para que
fosse Travis. Eu estava com fome e a ideia de comer bem estava me
consumindo. No entanto, era Vincent, avisando que ainda tinham 20
pessoas na frente dele.
— Tadinho do meu irmão — comentei, me arrependendo de não ter
esperado com ele. — A gente devia ter ficado no hotel. O idiota do Travis
nunca vai escrever e estamos perdendo tempo — reclamei, colocando o
celular em cima da mesa de novo. — Eu só queria comer uma torta quente e
tomar um vinho! — falei, erguendo as mãos aos céus. — Será que tô
pedindo muito?
Meu celular vibrou de novo.
— Ih... — disse Francis, pegando o telefone primeiro e olhando para
a tela — suas preces foram atendidas — disse ele, com um sorriso maroto
no rosto — tá com crédito no céu, hein?
Era Travis.
Com uma lista com mais de 10 restaurantes.
Ele tinha listado os favoritos dele e escrito as razões para ter
escolhido cada um. Era um e-mail gigante e bem detalhado, algo que eu
realmente não estava esperando.
— Hm... — comentei, passando os olhos pela lista. — Tem um
restaurante aqui de torta — falei, já sabendo onde eu queria ir. — Vou dizer
que já escolhi e agradecer a lista.
— Nicole Martinez, pelo amor de Deus! — disse Francis, levantando
junto comigo. — Escreve uma mensagem digna, porque você foi seca hoje
cedo, tá sendo seca agora e ele te mandou a lista mais linda que eu já vi na
minha vida — comentou, arrumando o casaco enquanto pedíamos um Uber
e digitávamos o endereço do restaurante. — Ele fez uma lista belíssima de
lugares pra comer com dicas até do que pedir. Se você me enviar uma
mensagem seca, eu queimo seus cachecóis — ameaçou.
— Fran, eu não posso baixar a guarda assim. Esse é o cara que
machuca meu irmão, que dá soco na cara do garoto que foi meu herói a vida
toda e agora ficou no hotel cuidando de tudo, enquanto a gente sai pra
comer...
— Sim. Belíssima descrição. Esse cara da mensagem é o que, apesar
de apanhar do seu irmão, gastou um tempo precioso da noite dele pra te
mandar uma resposta completa e detalhada para uma pergunta bem simples.
Não tem comparação, mas não custa nada ser doce — disse ele, que sempre
me ajudava a pegar leve quando eu queria me manter dura e firme. — O
que você estava pensando em responder?
— "Grata"? — falei, enquanto caminhávamos para o lado de fora.
— Não. Nada feito. Você vai escrever "muito obrigada, Vossa
Majestade. Vou ao restaurante 'blau' e depois te digo o que achei" —
aconselhou Francis, aguardando o Uber comigo. — Ser doce só vai
facilitar as coisas pra você com esse garoto.
Francis tinha um ponto, mas era difícil para mim ser doce com Travis.
Além de sentir que ele não merecia pela maneira que me tratava e tratava o
meu irmão, eu não queria mostrar que atos de gentileza dele amoleciam
meu coração. Eu podia dar abertura, ser doce e me arrepender cinco
segundos depois. Ser vulnerável era arriscado sempre.
Resolvi editar a mensagem de Francis, sendo gentil, mas sem dar
muita abertura.
Travis ia ter que ser muito mais doce para amolecer meu coração.
Eu odiava estar ali.
Voltar para casa me trazia uma pressão que eu não gostava de sentir.
Minha carreira sempre foi o ponto de todas as conversas nos jantares de
família, e eu odiava ter que prestar contas sobre a minha vida.
Cheguei atrasado na casa dos meus pais, sabendo que toda a minha
família já estava presente. Os vários carros na entrada mostravam que todos
os meus familiares tinham chegado antes de mim e provavelmente estavam
me esperando para jantar.
Vesti a expressão mais simpática que eu tinha e abri a porta de casa
devagar, vendo todos me cumprimentarem ao mesmo tempo. Tirei meu
casaco enquanto passava por cada um, cumprimentando-os e respondendo
rapidamente às perguntas que me faziam sobre a América. Eu não era muito
fã daquele tipo de reunião, mas realmente estava com saudades de todos.
Meu irmão mais novo, Holden, estava encostado na janela junto com
alguns primos e fiz questão de falar com ele primeiro ao perceber que
estava fumando. Meu pai devia estar muito puto com aquilo, já que pagava
de pai perfeito com filhos esportistas e sem vícios. No entanto, Holden
estava pouco se fodendo para o meu pai e as ideias dele sobre família
perfeita. Sempre tinha sido assim.
— Tá fumando, Junior? — perguntei, usando o apelido que ele odiava
e tirando o gorro da cabeça dele.
Minha relação com Holden tinha sido difícil durante a infância e
adolescência, já que meu pai queria que ele fosse igual a mim e isso criava
muita rivalidade entre a gente. O que Holden não entendia, era que a
pressão de ser o favorito era muito maior. Eu amava hóquei e amava
competir, porém meu pai sempre conseguiu tirar a graça de tudo, me
fazendo sentir como se vencer fosse uma obrigação.
Agora que estávamos mais velhos, minha relação com Holden
finalmente estava melhor. Eu entendia o lado dele, e ele o meu.
— Muito engraçado — retrucou ele, afastando minha mão e olhando
para o meu rosto. — Mais uma cicatriz... daqui a pouco vai parecer o
Frankestein — zombou, enquanto eu o empurrava. — Foi aquele cara lá
que você odeia? — perguntou, referindo-se ao Vincent.
Todos sabiam do meu problema com ele, porque assistiam aos jogos
pela internet.
— O próprio — falei, logo lembrando de Nicole.
Eu havia passado dez minutos no carro, respondendo a mensagem
dela sobre os melhores lugares para comer, já que queria demorar o máximo
possível para entrar em casa e levava comida muito a sério. Escrevi um e-
mail longo e me arrependi assim que enviei, certo de que tinha exagerado
com alguém que pouco se importaria.
No entanto, eu não conseguia evitar. Restaurantes em Ontario era o
meu tema favorito.
Eu tinha esperado Nicole me responder antes de entrar em casa, logo
notando que a resposta dela tinha sido bem mais doce do que eu estava
esperando.
Ela não sabia, mas tinha me ajudado a entrar mais tranquilo na
reunião de família.
Holden atualizou nossos primos sobre os meus problemas com
Vincent, que só viam as brigas pela TV, mas não sabiam das confusões no
estacionamento. Tia Sonia me pegou de surpresa e passou os braços em
volta da minha cintura, me apertando bem forte enquanto ouvia o fim da
conversa.
— Meu lindão! — disse ela, fazendo com que eu a abraçasse de volta.
— Estou animada para os jogos! Trouxe alguém com você? Uma
namoradinha?
— Sem namoradas, tia — falei, sorrindo para ela assim que me
soltou.
— Sério? — Minha tia fez uma cara triste. — Por quê?
— Não sei... — respondi, dando de ombros. — Sei lá, deve ser sorte.
Ouvi os familiares em volta rirem e tia Sonia tentou rir também.
Minha família sempre me perguntava por namoradas, e eu sempre dizia a
mesma coisa. Eu estava ocupado com a minha carreira e não tinha tempo
para mais uma obrigação. Como gostavam de cobrar tudo de mim, aquele
era mais um assunto tratado em todas as reuniões familiares, com as
mulheres da minha família aflitas e com medo que eu arrumasse alguém
que só estivesse interessada na minha carreira.
Eu precisava arrumar alguma série ou novela nova para todo mundo
assistir, porque a maneira como cuidavam da porra da minha vida era
preocupante. Qualquer decisão que eu tomasse vinha seguida de um "por
quê?" e uma longa discussão, como se eu estivesse aberto a ouvir conselhos
sobre cada passo meu.
Conversei rapidamente com mais algumas pessoas até me sentar ao
lado da minha avó, ouvindo-a comentar sobre o jogo e sobre como ficava
nervosa quando eu brigava no gelo. Mais uma menção sobre Vincent. Mais
uma vez pensei em Nicole.
Vi meu pai ao longe e acenei para ele, vendo-o levantar a taça de
vinho para mim.
Esse era o meu "olá". Na cabeça dele, era assim que se dizia "oi"
depois de tanto tempo distantes.
Eu já estava acostumado, então apenas sorri de volta como resposta.
Meu pai não sabia conversar, não sabia elogiar, não sabia ser amigo. Para
ele, só a vitória final servia.
Não ia ser fácil, mas eu ia me esforçar para ganhar nos jogos que
aconteceriam no Canadá. Ao mesmo tempo que a pressão era grande, a
vontade de vencer também era.
Durante o jantar, tudo o que minha família falava era sobre os jogos e
sobre o que fariam antes e depois das partidas. Meus tios mencionavam
passeios diferentes caso os Ravens ganhassem ou perdessem. Era tudo
brincadeira, mas minha ansiedade não sabia diferenciar. Eu ria junto com
todo mundo, porém já sabia que os jogos não seriam simples para mim. Eu
ia precisar trabalhar bastante no meu emocional para não chegar no gelo
nervoso e preocupado.
Eu precisava me distrair.
Senti meu celular vibrar e vi que era Nicole. Eu tinha um novo e-mail.
"Boa noite. A torta de frango era boa, porém não tinha muito sal. Dei
nota 7. O bolo de chocolate era macio e pouco enjoativo. Dei nota 9. O
lugar era fofo e aconchegante. Nota 10. A média foi 8,6. Obrigada pela
dica. Cordialmente, Nicole Martinez".
Sorri para mim mesmo, pedindo licença para ir até a sala e continuar
escrevendo para ela. De tudo o que estava acontecendo na minha vida,
Nicole era a única verdadeira distração. A maneira como eu tinha que estar
longe, apesar de perto, e responder perguntas, apesar de ser cuidadoso,
mantinha minha mente ocupada e era um jogo divertido de jogar.
"Não sei se te falaram", escrevi, sentado sozinho na sala com o gato
da minha avó, "mas todo mundo vai se encontrar numa casa noturna aqui de
Ontario. Quer ir também?".
Eu estava convidando Nicole, porque todo mundo estaria presente.
Era escroto saber da festa e não convidá-la, já que estávamos trocando
mensagens. Vincent provavelmente estaria junto, então eu sabia que tinha
que manter distância. Não íamos conversar, não íamos nos olhar, não íamos
dar o dedo um para o outro.
Eu só tinha convidado Nicole por convidar.
"Pode ser", respondeu ela, me fazendo sorrir de leve.
Então ela realmente não sabia sobre a festa. Talvez Vincent não fosse
estar presente.
Talvez pudéssemos nos olhar de vez em quando.
Ou talvez até dizer "oi"...
O fato de Nicole ser irmão de Vincent não fazia ela menos foda para
mim, então estar no mesmo lugar que ela, mesmo que de longe, era sempre
divertido e excitante.
Eu odiava boates, mas não ia ficar trancada no quarto de hotel
enquanto Vincent ia no date que tinha arrumado no Tinder.
Francis queria sair e eu também, então o convite de Travis parecia ter
caído dos céus. O local provavelmente era gigante e eu mal o veria a noite
toda, porém eu estava empolgada para conhecer mais um pouco do Canadá
e dançar com o meu melhor amigo.
Arrumei-me depressa e escolhi um vestido que era curto demais para
um clima tão frio. Combinei-o com uma meia-calça quente e um sobretudo
escuro. Francis pintou meus olhos para mim e escolhi o meu batom
vermelho de sempre, me amando um pouco no espelho antes de sair para a
festa.
Travis me passou o endereço e eu o agradeci, pedindo que não fizesse
mais contato comigo até a entrevista depois do jogo com os Serpents. Eu
precisava trabalhar enquanto estava ali e queria usar a oportunidade para
registrar um pouco mais sobre a vida de Travis, porém estávamos numa
festa.
Não era hora de trabalho.
Cheguei junto com Francis e ouvi a música já do lado de fora,
entrando de mãos dadas com ele e sentindo que o local estava cheio. Alguns
rostos ali eram familiares para mim, mas a luz escura da boate me impedia
de ver quem realmente estava na festa. O pessoal dos quatro times de
hóquei dos Estados Unidos estavam todos presentes, mas eu não queria
ficar com pessoas conhecidas.
Eu queria curtir as músicas com Francis e dançar com ele até o dia
raiar. Eu sempre me divertia com ele e compartilhávamos momentos juntos
para lembrar para sempre, quando fôssemos velhinhos de verdade e só
tivéssemos memórias para nos fazer rir.
Lil Nas X começou a tocar e a animar a multidão, fazendo todos
gritarem e dançarem juntos.
— Isso aqui tá um forno — falei, pulando com todo mundo porque
não tinha como não pular.
— Tira essa meia-calça — sugeriu Francis, pulando também. — Vai
lá no banheiro e arranca isso.
Ele estava certo. Como sempre, Francis era a voz da sabedoria.
Caminhei em direção ao banheiro, tentando não esbarrar nas pessoas que
tinham bebidas nas mãos para não molhar meu vestido.
Todo mundo estava muito colado comigo, porém senti quando
alguém passou a mão na minha bunda. Congelei no lugar, fechando os
punhos e me virando depressa. Um garoto de cabelos lisos e penteados para
trás piscou para mim, fazendo com que eu tivesse certeza de que tinha sido
ele.
— Tocou na minha bunda, seu idiota? — perguntei, falando alto para
que ele me ouvisse muito bem. — Tá maluco!?
— Calma, princesa! — disse ele, levantando as mãos. — Eu queria
quebrar o gelo — justificou, me fazendo ter certeza de que minha vingança
seria doce.
Dei um sorriso falso para ele, passando a mão no rosto do garoto.
— Me espera aqui. Eu já volto.
Garotos como aquele precisavam ser adestrados. Não eram todas as
garotas que tinham paciência e era por isso que eles nunca paravam…, mas
eu não. Eu tinha muita paciência para ensinar. Caminhei até o banheiro e
arranquei minha meia-calça de uma vez, molhando as pontas dela na pia.
Assim que saí, bati de frente com Travis, que deixou a bebida dele
cair no meu vestido. Eu estava tão puta com o garoto e com minha
vingança, que parei de olhar para onde eu ia.
— Porra! — reclamei, passando a mão no meu decote. — Tinha que
ser você! — falei, grata pela bebida dele não ser tão doce. — Tá me
seguindo ou o quê? — Travis apontou para algo atrás de mim e eu olhei,
logo lendo a placa "banheiro". Ah, tá. Olhei revoltada para ele, segurando
minha meia com força e focando na minha vingança. Vi quando Travis
olhou para o meu vestido, que agora não estava sendo complementado por
uma meia-calça, e arregalou os olhos. Tentei não sorrir, afinal, eu estava
puta..., mas era bom ver Travis reagir daquela maneira ao me olhar. Ele não
tinha nem disfarçado! — Tenho que ir, garoto. Tô atrasada pra quebrar a
cara de um babaca — falei, caminhando até onde eu tinha deixado o
menino.
— Você vai fazer o quê? — questionou Travis, me seguindo.
— Me deixa em paz, Travis! Vai curtir sua festa.
— Vai quebrar a cara de um garoto!?
— Não é da sua conta! — falei com raiva, virando-me para ele antes
de continuar meu caminho. — Olha, não é porque você me enviou uma lista
com restaurantes que nós somos amigos, ok? Não é porque me pediu
desculpa, que agora eu tenho que conversar com você.
— Eu sei disso — garantiu ele, quase ofendido. — Acha que eu tô
indo atrás de você porque sou seu amigo? — debochou, rindo de leve. —
Você falou que vai quebrar a cara de um babaca — disse ele, enquanto eu
lembrava da minha missão e me afastava novamente.
— Com licença — falei, aproximando-me do garoto e sentindo que
Travis ainda me seguia.
Sorri para o menino loiro, sem querer que ele saísse do lugar para que
eu pudesse atacá-lo. Aproximei-me o suficiente e levantei minha mão com
a meia molhada, batendo-a no rosto do garoto.
Uma.
Duas.
Três vezes.
— Nicole! — exclamou Travis, me segurando e tentando me separar
do menino.
— Me solta, Travis! — ordenei, querendo continuar a bater no garoto,
que agora gritava com as mãos no rosto. — Pega na minha bunda de novo,
babaca! — gritei pra ele, enquanto Travis me segurava no ar. — Pega na
bunda de alguém de novo pra ver se não fazem pior com você!
— Ele pegou na sua bunda!? — perguntou Travis, me soltando
imediatamente e partindo para cima do garoto.
Não! Aquela não era a briga dele! Tentei puxar Travis para longe,
enquanto esticava meu braço para bater no garoto também. Não demorou
muito para que as pessoas notassem a confusão e os seguranças
aparecessem para afastar todo mundo, me tirando da festa junto com Travis.
O garoto pagou de pobre coitado e ficou do lado de dentro, junto com
Francis e a minha dignidade.
— Puta que pariu, Travis! — reclamei, empurrando-o assim que
chegamos do lado de fora, saindo pela porta de trás do clube e ficando em
um beco. — Por que me atrapalhou? Por que estragou minha vingança? Eu
estava resolvendo o meu problema! — falei, empurrando-o novamente.
— Eu vi que você estava resolvendo o seu problema! — retrucou ele,
segurando minhas mãos enquanto eu tentava me soltar. — Estava batendo
de meia-calça na cara de um maluco dentro da festa! Estava tudo sob o mais
perfeito controle!
— Ele pegou na minha bunda! — retruquei, tentando me soltar para
continuar a bater nele. —Você estragou tudo e eu fui expulsa da festa por
sua causa!
— Por minha causa!? — argumentou ele, ainda segurando minhas
mãos. — Você estava batendo no cara de meia-calça!
— Me solta, Travis!
— Não! Te solto se você parar de me bater — falou ele, fazendo com
que eu me acalmasse. — Eu só estava tentando te ajudar, Nicole — disse
com raiva, finalmente soltando meus braços.
— Eu não preciso da sua ajuda. Não preciso que você banque o herói
comigo. Eu não tenho interesse nenhum em ser salva por você.
— Eu não estava tentando te salvar — falou ele, se aproximando de
mim e me encostando na parede. — Eu estava te defendendo. — Fiquei cara
a cara com ele, sentindo a raiva ferver meu sangue. Travis olhava para mim
com os olhos intensos de sempre, e eu tentava não admitir o quanto tinha
gostado de ser salva. Eu sabia me defender, mas ser salva era legal. Sentir
que as pessoas se importavam aquecia o coração de uma maneira que eu
raramente sentia. — E não estava te defendendo porque gosto de você.
Estava te defendendo porque era o certo a fazer.
— Pois eu também não gosto de você! — retruquei, ouvindo apenas
aquela parte do discurso. — Não preciso que você faça o que é certo por
mim. Preciso que você me deixe em paz e pare de se intrometer na minha
vida, pare de aparecer no meu escritório, pare de me convidar para festas...
— falei, olhando nos olhos dele e sentindo meu coração bater depressa.
Olhei para a blusa de Travis, vendo-a colar nos ombros e peitoral largo dele.
Segurei a blusa dele com força, encarando-o novamente. — Aprende a me
deixar em paz, Travis.
Travis tirou minha mão da blusa dele e prendeu-a na parede.
— Por quê? — questionou ele, ficando bem perto de mim.
Meu coração batia muito rápido e o calor entre mim e ele
provavelmente derreteria o gelo daquele beco.
— Porque eu não suporto você. Você é um riquinho metido, um
sexista babaca que tem síndrome de herói e que se comporta como dono do
mundo — falei, enquanto ele olhava para a minha boca. — Você é um
babaca imbecil que quer bancar o cara legal, para que eu esqueça que você
é um idiota. Um babaca — falei, num tom que era uma mistura de raiva e
tesão.
Travis sorriu de leve.
— Você disse babaca três vezes, Nicole.
Soltei minha mão depressa e levei-a até o pescoço dele, segurando-o
enquanto olhava nos olhos dele.
— Cala a boca — falei, vendo Travis segurar meu pescoço também.
Era inegável o clima entre nós dois, e eu estava dando tudo de mim para
não enrolar minhas pernas em volta dele. Os olhos de Travis também o
denunciavam, e eu sabia que ele queria me beijar. — Eu sou proibida pra
você… babaca. Esqueceu? — perguntei, querendo provoca-lo ainda mais.
Travis deu um sorriso de lado.
— Eu também sou proibido pra você — falou, com a boca quase
colada na minha.
Em um movimento rápido, Travis me beijou de maneira desesperada,
me prensando na parede enquanto eu cedia ao meu desejo e enrolava
minhas pernas em volta da cintura dele.
Baguncei os cabelos de Travis, sentindo-o apertar minhas coxas
enquanto passava a língua dele na minha, me fazendo ver estrelas e sentir
que eu poderia transar ali mesmo, se ele quisesse.
Eu não conseguia pensar em nada naquele momento, beijando-o
como se fosse a coisa mais certa do mundo, como se ele fosse a pessoa
perfeita para mim e não houvesse consequências na manhã seguinte.
Travis moveu a boca para o meu pescoço e eu gemi alto ao senti-lo
esfregar o corpo dele no meu, assim como eu tinha sonhado sozinha.
Meu vestido estava totalmente embolado na minha cintura, mas eu
não conseguia sentir frio. O corpo de Travis esquentava qualquer
temperatura e eu não queria mais sair dali.
Travis parou de me beijar e me encarou, fazendo com que eu
segurasse o queixo dele com força e o fizesse me beijar mais um pouco.
Voltei a fechar os olhos e enrolar os braços em volta dele, sentindo
Travis segurar minha bunda para que eu não caísse.
Puta que pariu. Eu estava no céu. Travis beijava exatamente como eu
achei que seria quando o vi na festa, e as mãos grandes dele faziam meus
pensamentos delirar.
No entanto, nosso momento foi quebrado quando abriram novamente
a porta de trás do clube, com Francis saindo desesperado para me procurar.
Travis me colocou no chão depressa, afastando-se de mim, enquanto
Francis finalmente me via encostada na parede, ofegante e sem saber o que
falar.
— Nicky! — disse ele, preocupado comigo. — O que aconteceu com
o seu cabelo? E o seu batom? E o seu vestido! — disse ele, puxando meu
vestido para baixo. — Caralho, o que aconteceu?
Não o respondi, vendo Travis sumir pela longa rua escura.
Cacete... O que tinha sido aquilo?
— Eu tô bem — falei, olhando para Francis. — Arrumei confusão
com um garoto que passou a mão na minha bunda..., mas já tô bem —
garanti, vendo Francis olhar desconfiado para mim.
Ele colocou o braço em volta do meu ombro e caminhou comigo até a
frente do clube para que pudéssemos pegar um Uber e ir embora.
Antes de ir, Francis olhou mais uma vez para o fim da rua, tentando
entender o que tinha acontecido. Eu não sabia se ia conseguir contar.
Na verdade, nem eu sabia direito o que tinha acabado de acontecer.
Travis King tinha me beijado?
Fazia tempo que eu não me preparava para um jogo em um vestiário
do Canadá. Eu tinha jogado por anos em Ontário, mas agora parecia que
não entrava ali há quase uma vida.
O jogo daquele dia era contra o Red Serpents, e eu não sabia direito o
que sentir. Eu tinha beijado a irmã de Vincent na noite anterior e agora
estava bem perto de enfrentá-lo na frente de todo mundo, sabendo que ele
estava com raiva de mim.
Inspirei e expirei devagar, tentando me acalmar para o jogo. Eu não
podia deixar a porra da minha ansiedade tomar conta de mim. Tínhamos
que ganhar. Minha família inteira estava na plateia.
— Tudo bem? — questionou Sullivan, como ele sempre fazia.
— Tudo bem — falei, colocando o capacete e seguindo o resto dos
jogadores pelo túnel. Quando finalmente chegamos no gelo, grande parte da
multidão gritava por mim. Muita gente me conhecia e tinha ido ao jogo
mesmo sem torcer para um dos times. Por isso, não foi difícil que todos
começassem a gritar meu nome. Senti meu coração disparar ao ouvir o coro
que chamava por mim.
Íamos ganhar, porra!
Procurei Nicole na multidão e encontrei-a ao lado de Francis,
assistindo ao jogo enquanto roía as unhas. Merda. Se eu queria ter qualquer
chance de beijar Nicole de novo, eu precisava manter a calma e não perder
a paciência com o irmão dela.
Avistei Vincent ao longe e vi a raiva com que ele me olhava. Puta que
pariu. Eu não ia deixar o cara bater em mim de graça também.
O árbitro começou o jogo e logo sentimos a pressão de estar jogando
com os Serpents. Aquele jogo não valia nada, mas eles jogavam como se
fosse final de campeonato, com a violência e a agilidade de quem não podia
perder de jeito nenhum.
No entanto, sempre que eu pegava no disco, a multidão gritava o meu
nome.
Consegui driblar a defesa do Serpents e parti para cima de Vincent,
batendo com força no disco e fazendo um gol antes que ele pudesse reagir.
Rapidamente me afastei do gol para que Vincent não tivesse como me
provocar. Comemorei com o resto do time, me mantendo longe dele e
sabendo que nossa briga ia ser depois do jogo.
Até lá, eu ia marcar contra ele de novo.
O Red Serpents conseguiu fazer um gol no nosso time e o jogo foi
empatado para o primeiro intervalo, terminando o segundo tempo sem mais
nenhum gol.
No entanto, no terceiro tempo, eu encontrei mais uma chance e bati
no disco sem dó, fazendo com que ele entrasse no gol pelo meio das pernas
de Vincent.
A arquibancada inteira comemorou, mas Vincent veio para cima de
mim. Eu não tive escolha a não ser me defender. Vincent segurou minha
camiseta e eu segurei a dele, tentando acertá-lo enquanto ele tentava me
acertar. Era uma dança que os árbitros assistiam, aguardando antes de nos
separar.
Vincent acertou meu rosto e eu acertei-o de volta, finalmente sentindo
o árbitro puxá-lo para longe de mim. Arrumei meu capacete e olhei para
Nicole, que estava em pé com as duas mãos na boca.
Porra.
Com certeza as coisas tinham esfriado completamente entre a gente e
eu não fazia ideia do que fazer. O irmão dela era um escroto e não tinha
solução para o nosso problema.
Aquela era a verdade que nunca ia mudar e não havia nada que eu
pudesse fazer para que Nicole aceitasse aquele fato. O irmão dela era um
escroto.
Ela era foda, inteligente, engraçada, gostosa... O irmão dela era
simplesmente um imbecil.
O Red Serpents fez mais um gol na gente e o jogo terminou
empatado, com brigas que seguiram pelo túnel, até que os jogadores dos
dois times se afastaram completamente.
Entrei primeiro no vestiário, vendo todo mundo me cumprimentar,
enquanto eu tirava o capacete e me encostava um pouco no meu armário.
Eu queria ter ganhado. Além de ter que ouvir minha família dando a
opinião deles sobre o jogo e sobre tudo o que eu podia ter feito de diferente,
eu ainda teria que lidar com a frieza de Nicole, que provavelmente não iria
querer falar comigo tão cedo.
Saí do vestiário antes de todo mundo, indo para a casa dos meus pais,
que era onde aconteceria a festa pós jogo. Eles tinham convidado os outros
caras do time, mas eu queria chegar primeiro para garantir que todos
dessem a opinião merda deles antes que o resto da equipe aparecesse.
Entrei em casa e vi meu pai se aproximar de mim rapidamente, me
perguntando o que tinha acontecido comigo durantes certas jogadas. Ele
enumerou todas para mim, mostrando o que eu podia ter feito de diferente,
enquanto eu tentava cumprimentar minha família.
Peguei o filho da minha prima no colo e tentei desaparecer da sala,
encontrando as mulheres da família na cozinha, conversando sobre a
violência do jogo.
— Olha para a sua bochecha! — reclamou minha avó, colocando as
duas mãos na boca. — Ah, isso não pode ser certo. Não, não pode ser. O
jeito que aquele Vincent voou em cima de você, não é saudável —
comentou ela, enquanto eu pegava algumas cenouras que estavam em cima
da mesa e as dava para Kevin, que comia enquanto eu as segurava para ele.
— Esse Vincent é um animal! — comentou minha mãe, passando a
mão nos cabelos loiros sem bagunçar o laquê. — Ele acha que é dono do
gelo. É deprimente de ver.
— Você devia correr e se esconder atrás do árbitro — sugeriu tia
Sonia, me fazendo rir. — Se esconde atrás dele e grita: "olha o Vincent
querendo me pegar!"
— Boa ideia, tia — comentei, ouvindo a campainha tocar. — Vou
tentar essa da próxima vez.
Fui até a porta e imaginei que eram os outros caras do time, que com
certeza iriam querer uma noite mais tranquila depois da partida que
tínhamos jogado.
No entanto, para minha surpresa, era Nicole. Arregalei os olhos ao
vê-la e vi que ela fez o mesmo.
O que ela estava fazendo aqui?
— Por que abriu a porta com um bebê no colo? — questionou ela, me
fazendo olhar para Kevin.
— Eu não sabia que era você — falei, levando Kevin até minha prima
antes de voltar para a porta e fechá-la atrás de mim, ficando do lado de fora
com Nicole. — O que tá fazendo na minha casa?
— Sant'Anna me deu o endereço — explicou ela, abraçando o corpo.
Ah, claro. O idiota do Sant'Anna. — Enfim, eu vim aqui porque preciso da
sua ajuda — disse ela, num tom sério e nada amigável. — Quero desistir da
reportagem — falou, me deixando chocado.
— O quê? Por quê?
Nicole riu.
— Por quê? Ora, porque eu não vou conseguir fazer esse jogo com
você. Não vou conseguir assistir você e meu irmão se baterem e depois
escrever uma matéria sobre o quanto você é foda. Não vai dar pra mim. Eu
simplesmente não consigo — assumiu ela, num tom seco e distante. —
Preciso que você diga que tem outra pessoa no jornal que você gosta mais e
que quer ela escrevendo pra você.
— Impossível, Nicole — falei, lembrando da minha reunião com
Sant'Anna e Sullivan. — Você é a melhor para esse trabalho e eles querem
você. Me disseram mais de uma vez que tem que ser você.
— Eu não consigo, Travis. Porra! Não consigo ficar nesse jogo de
morde e assopra com você e depois ouvir meu irmão reclamar do quanto te
odeia. Não consigo te xingar na terça e te beijar na quarta. Não consigo
viver essa dualidade na minha cabeça — falou, passando as mãos com força
no rosto. — Eu não vou conseguir! Não quero conselho seu e nem pena.
Eu odeio pena. Só quero que você seja um homem decente e me ajude a sair
dessa.
Fiz silêncio por um segundo, aguardando que Nicole se acalmasse.
Ela passou as mãos no rosto mais uma vez, me encarando novamente,
enquanto eu me encostava na parede e cruzava os braços.
— Não tem outra coisa que eu possa fazer? Porque te tirar da matéria
vai ser foda...
Nicole riu.
— Talvez pedir desculpas para o meu irmão? — falou ela, num tom
de deboche. — Deixar que ele bata em você e não revidar? Sei lá. Não tem
muito o que você possa fazer, Travis.
— Não vou deixar ele bater em mim sem revidar.
— Claro que não — retrucou ela, rapidamente.
— Mas posso pedir desculpas, se isso for ajudar.
Nicole olhou incrédula para mim, como se eu tivesse contado que
minha família era composta por alienígenas.
— Sério? — questionou ela, passando as mãos nos cabelos. — Quer
dizer.... Sério?
Dei de ombros.
— Eu não ligo e realmente não tô a fim de confusão. Como eu já te
falei, eu sempre só me defendo. Não tenho nada pessoal contra o seu irmão
e pediria desculpa se isso fosse facilitar as coisas — falei, mantendo
também um tom sério. — Estamos trabalhando juntos, então... não me
custaria nada.
Eu não era orgulhoso o suficiente a ponto de perder a chance de ter
Nicole escrevendo a reportagem por causa de Vincent. Eu pediria desculpas
se isso fosse ajudá-la a ficar.
— Nossa, eu... — Nicole pareceu pensar no que dizer. — Obrigada.
Isso significaria muito para mim — falou, dando um leve sorriso. — Quem
sabe isso não ajuda vocês a finalmente se entenderem?
— Duvido... — retruquei, vendo a van com os garotos se
aproximando da minha casa —, mas não me importo de tentar.
Nicole olhou para trás e também viu a van, arrumando os cabelos
atrás da orelha e se despedindo depressa para ir embora.
A vi se distanciar e me senti satisfeito com o que eu tinha
concordado. Era, sim, um pouco amargo ter que me desculpar com Vincent
sem sentir que ele merecia, mas talvez aquilo transformasse nossa relação
no gelo.
E talvez o pedido de desculpas respingasse até na minha relação com
Nicole...
Depois de uma noite horrível, o meu dia tinha sido incrível. Passear
com Francis, Vincent e mais alguns garotos do Red Serpents pela cidade de
Ontario era algo que eu não sabia que precisava. Fazia tempo que eu e
Vincent não viajávamos com Francis, então foi muito bom passar o dia
inteiro com os garotos que eu mais amava no mundo, sem me preocupar
com estudos ou trabalhos da faculdade.
O frio no Canadá era intenso, por isso eu caminhava entre os dois
pela rua e só fazia pose de quem estava confortável quando era para tirar
foto. Sem saber, Vincent visitou grande parte dos restaurantes e pontos
turísticos que Travis tinha sugerido, curtindo e elogiando cada um deles.
Quando a noite caiu, fomos todos assistir ao jogo do Blue Ravens
contra um dos times do Canadá. Vincent não tinha comentado sobre a briga
com Travis, e estava mais puto por ter empatado do que por ter brigado.
Também estávamos tendo um dia ótimo, o que com certeza tinha relaxado
meu irmão.
Quando chegamos ao estádio, nos sentamos do lado do time de
Ontario, enquanto eu fingia não estar secretamente torcendo pelo time da
minha faculdade. Os garotos do Red Serpents estavam no jogo para estudar
o Blue Ravens, já que se encontrariam de novo durante a competição
nacional.
Eu assistia ao jogo satisfeita por saber que Travis ia massagear o ego
do meu irmão, se desculpando com ele e tentando criar um ambiente mais
amigável entre os dois. Jamais imaginei que Travis fosse topar, mas ele se
predispôs a falar com Vincent e tentar recuperar o relacionamento dele com
o meu irmão... E eu o respeitava por isso.
O jogo foi emocionante, com o Blue Ravens claramente jogando
melhor e vencendo por 4x1. Três gols de Travis e um de Asher. Aplaudimos
ao fim da partida, e Francis colocou o braço em volta de mim e de Vincent
— Hoje a gente bebe até sair de regata na rua — brincou ele, fazendo
meu irmão rir.
Caminhei com os dois sem olhar para trás, esperando que Vincent
ainda estivesse de bom humor, apesar do Blue Ravens ter vencido.
Aproveitei que caminhávamos todos para o lado de fora e abracei Vincent
bem forte, andando junto com ele.
— Obrigada por me trazer com você e por me incluir nesse mundo —
falei, sentindo-o me abraçar de volta.
— Tudo por você, Nicky — disse ele, parando do lado de fora
enquanto aguardávamos que todo mundo saísse.
Vincent queria conversar com os garotos do time de Ontario para
parabenizá-los, então íamos ficar até o final para falar com eles.
Vi quando os jogadores do Blue Ravens começaram a aparecer,
sentindo meu coração acelerar ao perceber que Travis e Vincent estariam
cara a cara, comigo no meio. Abracei meu irmão com mais força e
sutilmente olhei para a porta do estádio, esperando que Travis saísse sem
falar com ninguém.
Ah, mas Travis não era nem doido de chegar perto de mim quando eu
estava com o meu irmão!
E enfim ele apareceu. Usando um casaco azul escuro e uma calça
jeans bem clara, Travis surgiu do lado de fora e logo chamou minha
atenção. Ele estava lindo, para variar, então enfiei o rosto no corpo de
Vincent e fingi não vê-lo. Eu não conseguia esquecer a imagem de vê-lo
abrir a porta com a criança no colo, dando cenouras para ela enquanto fazia
a expressão mais doce que eu já tinha visto.
Aquela imagem me atormentava desde a noite anterior.
No entanto, eu sentia os olhos de Travis em mim naquela noite.
Respirei fundo, fingindo prestar atenção no que Francis contava para
Vincent e o resto dos garotos do Red Serpents, que também aguardavam os
garotos do time de Ontario com a gente.
Vi Travis caminhar até nós três, andando em nossa direção sem
desviar os olhos por um minuto sequer. Puta que pariu. Puta que pariu! Era
bom que Travis não bancasse o engraçadinho na frente do meu irmão, ou
nossa amizade ia morrer mesmo que um dia ele se desculpasse com
Vincent. A desculpa em privado não ia valer de nada se Travis o deixasse
com raiva em público.
Vincent ia perder a cabeça se ele fizesse qualquer comentário sobre
reportagem ou George Washington ou boates. Ah, merda. Merda! Era bom
Travis ficar numa boa.
Abracei meu irmão e fechei os olhos, apavorada com o que poderia
vir.
— Ei, Vincent — falou Travis, com a voz grossa dele.
Meu irmão terminou de falar o que estava falando para Francis e
olhou para Travis como quem olhava para uma mosca. Eu também olhei
para ele, pedindo com o meu olhar para que ele não falasse alguma merda.
— O que você quer? — perguntou Vincent, estufando o peito e me
colocando atrás dele.
Travis olhou para mim, em seguida olhando para o meu irmão.
— Queria me desculpar... — disse ele, chocando todo mundo. —
Desculpa pela última briga no estacionamento — falou, mexendo nos
cabelos e bagunçando-os. — E desculpa pela briga de ontem... Eu perdi a
cabeça.
Vincent não soube o que falar, e meu coração batia desesperadamente.
Travis estava se desculpando com o meu irmão na frente de todo mundo.
Na frente do time inteiro do Red Serpents e na minha frente também.
— Tá... — respondeu Vincent, segurando minha mão e caminhando
para mais longe. — Foda-se.
Francis seguiu-nos até o outro lado da rua, que foi onde Vincent
resolveu que esperaria os jogadores de Ontario.
Meu irmão fez silêncio e pareceu ficar pensativo, enquanto Francis
falava comigo sobre o que vestiríamos para ver o Red Serpents jogando no
dia seguinte.
No entanto, eu não conseguia ouvir nada.
Eu estava pensando em Travis e na maneira como ele tinha feito o
que havíamos combinado, antes mesmo do que eu esperava.
A maneira como eu o queria agora era muito mais forte.
Travis realmente não era como eu pensava.
Combinei de entrevistar Travis na tarde do dia seguinte, já que nossa
entrevista depois do jogo não tinha acontecido. Depois de vê-lo brigar com
o meu irmão, tudo o que eu consegui fazer foi pensar em desistir da
reportagem.
Ir até uma lanchonete para encontrar com Travis, depois de vê-lo se
desculpar com o meu irmão, não era uma tarefa tão difícil assim. Francis
assistiu ao treino do Red Serpents e ficou encarregado em dizer que eu
estava com cólica e por isso, tinha ficado no hotel. Francis pediu que eu
atendesse o telefone e soasse bem morta, caso Vincent me ligasse.
Fui encontrar com Travis, me sentindo uma adulta, responsável pela
minha vida e vivendo da minha profissão. Em breve eu ia receber por
aquela matéria e naquela tarde ia tentar tirar de Travis informações valiosas
para a reportagem.
Eu tinha certeza de que conseguia estar naquela situação, mas não
tinha certeza se saberia controlá-la. Travis estava com a terrível mania de
ser doce comigo e me defender, o que dificultava minha ideia de odiá-lo
incondicionalmente. O beijo que tínhamos dado atrás da boate também era
algo difícil de esquecer, mas eu só o mencionaria se ele mencionasse antes.
Cheguei um pouco antes do horário e pude dar uma olhada na
vizinhança, já que Travis tinha combinado de me encontrar perto de onde
tinha crescido. Era um lugar bonito e com uma infraestrutura que eu só
sonhava em ter quando era mais nova, com ruas bem asfaltadas, casas
bonitas e praças bem cuidadas. Entrei na lanchonete e escolhi uma das
mesas que ficavam ao fundo, logo notando que o lugar tinha uma vibe meio
anos 80. "Take On Me" do A-Ha tocava a todo volume e eu aproveitei a
demora de Travis para fazer algumas anotações e reler minhas perguntas.
Eu queria saber sobre a infância dele ali e sobre como ele descobriu que
queria ser jogador de hóquei. Estudei minhas perguntas, procurei fotos da
vizinhança na internet, enviei mensagens para Francis... E nada de Travis
aparecer.
Ele estava dez minutos atrasado.
O que será que tinha acontecido? Será que ele tinha combinado de ir
como uma pegadinha? Pra me tirar do treino de Vincent?
No entanto, antes que eu pudesse fazer mais suposições pessimistas,
Travis apareceu.
— Boa tarde — disse ele, tirando o casaco e arrumando o boné
virado. — Estava com a minha família e me atrasei. Foi mal.
— Hm... — falei, querendo saber da família dele. — E foi legal com a
sua família?
Travis me fez um resumo rápido sobre como tinha passado a tarde em
casa, almoçando com todos e falando sobre hóquei. Eu ouvia tudo
encantada, porque achava legal a ideia de ter uma família grande. Fiquei
ouvindo-o falar sem fazer anotações, realmente curtindo a história da
dinâmica da família dele.
— Nossa... — comentei, já relaxada. —Você parece ser um cara
superlegal quando está longe de mim.
Ele deu um leve sorriso.
— Eu tento tirar uma folga quando você não tá por perto — disse ele,
debruçando-se na mesa. — E eu fui muito legal anteontem — disse, me
fazendo arrepiar ao pensar que ele mencionaria o beijo. — Te mandei uma
lista foda de lugares para ir.
— Verdade... — concordei, contando sobre meu passeio pela cidade
com Francis e sobre tudo o que já tínhamos visto.
Antes que eu pudesse concluir minha história, uma das garçonetes se
aproximou da mesa com a expressão de quem estava tendo um péssimo dia.
A garota, que parecia ter a nossa idade, tirou um bloco do bolso do
uniforme e coçou os cabelos presos com bastante gel.
— Olá, boa tarde — disse ela, fingindo animação ao olhar para a
gente. — O que vão querer?
Olhei para Travis, esperando que ele soubesse o que pedir.
— Vitamina de morango — disse ele, lendo o menu preso na parede
atrás do balcão.
— Um milkshake de chocolate — pedi, olhando para ela com um leve
sorriso.
A garota anotava tudo depressa, enquanto Travis observava a
tatuagem na mão dela.
— Legal a sua tatuagem — comentou ele, esticando o corpo para ver
melhor.
A garota deu um sorriso tímido.
— Fiz na semana retrasada. Ela sobe até o meu ombro. Quer ver? —
perguntou, virando o braço para que ele visse o desenho completo.
— Foda... — comentou, observando o desenho com cuidado.
— Muito obrigada — disse a garçonete, orgulhosa.
— Como você se chama? — perguntou ele, enquanto eu observava a
situação.
— Tiffany — respondeu, sem jeito. — E você é...
— Travis — disse ele, esticando a mão para cumprimentá-la.
— Travis e Tiffany — repetiu ela, parecendo pensar. — Até que
combina! — Tiffany riu e Travis comentou que costumava morar ali. Os
dois falaram sobre o quão divertido tinha sido crescer em Ontário. Eu
observava tudo calada, sem acreditar naquela troca. — Enfim... vou buscar
sua vitamina — disse ela, depois de um papo animado.
Tiffany se afastou devagar, com uma expressão bem mais feliz.
— E meu milkshake... — lembrei-a, levantando o dedo.
Tiffany fechou a cara.
— Claro! Claro! — gritou ela, de maneira ríspida. — Eu ouvi a
primeira vez que você pediu, senhora...
— Senhora? — questionei, olhando para Travis. — A gente tem a
mesma idade! — reclamei, incrédula. — E você tem que flertar com toda
garota que passa na sua frente?
— Tá com ciúmes? — questionou ele, colocando a mão no coração.
— Se manca, King! — falei, pegando um guardanapo, fazendo uma
bolinha e jogando nele. — Você sempre flerta com todo mundo?
— Eu não flertei com ela — defendeu-se ele.
— Não!? Travis, por favor, você flertou com a garçonete.
— Eu só elogiei a tatuagem.
— Uhum, claro. Elogiou a tatuagem fazendo sua cara de quem queria
tirar a roupa dela.
— Acha que eu tenho cara de quem quer tirar a roupa das pessoas? —
questionou ele, me pegando no pulo.
Revirei os olhos, esperando que minhas bochechas não corassem.
— Enfim, Travis, vamos falar do que interessa. Me conta como foi
crescer aqui.
— Espera... — disse ele, apoiando-se novamente na mesa. — Me
conta alguma coisa sobre você antes.
Ri de leve, balançando a cabeça em negação.
— E por que eu faria isso?
— Não quer que eu me sinta confortável pra falar de mim? Me conta
alguma coisa sua, oras! — argumentou ele.
Olhei para Travis por alguns segundos, entendendo o que ele queria
dizer. Eu e Travis não tínhamos intimidade para que ele dividisse comigo
algo importante. Ele até podia me falar da infância dele, mas não ia ser a
mesma coisa se ele não se sentisse confortável comigo.
— Tá bom — concordei, apoiando-me na mesa também. — O que
você quer saber?
Travis pensou por um segundo.
— Acha que tenho cara de quem quer tirar a roupa das pessoas?
— Ah, Travis, vai se foder! — reclamei, meio irritada e meio
querendo rir.
Travis riu, então senti que eu podia rir também. Ele estava querendo
quebrar o gelo. Ok.
— Seu irmão já sabe da matéria?
— Não — contei, afastando-me dele e respirando fundo. — Ele sabe
que tô escrevendo sobre o time, mas não sabe que a matéria é sobre você.
Pretendo contar tudo depois que a gente voltar — falei, engolindo em seco.
— E obrigada por se desculpar. Significou muito para mim.
— Claro... — disse ele, dando de ombros. — Pode parecer
inacreditável pra você, mas eu não curto brigar — disse ele, me fazendo dar
um leve sorriso. — Esse é o trabalho do Knox.
— Sim, eu imagino — retruquei, lembrando o tamanho daquele
garoto. — E falando em Knox, eu acho que seria muito bom se você não
falasse nada sobre nossos encontros para os seus amigos. Qualquer
comentário errado pode acabar com tudo.
— Só vou falar o que você quiser que eu diga — garantiu ele,
sabendo que não ganhávamos nada expondo mais do que o necessário.
A reportagem não era minha ou dele, e tinha um propósito muito
maior do que nós dois. Portanto, por mais que eu soubesse que confiar em
Travis era loucura, eu sabia que ele não ganhava nada estragando as coisas.
A garçonete apareceu alguns segundos depois, trazendo apenas a
vitamina na mão. Ela sorriu para Travis e eu olhei-o com o canto dos olhos,
como se aquilo provasse o meu ponto.
— Aqui está — disse ela, piscando para Travis e se afastando.
— Viu!? — falei, dando tapinhas na mesa. — Ela veio sorrindo
porque você fez cara de quem quer tirar a roupa dela.
— Eu não sei fazer outra cara! — defendeu-se ele, como se não
soubesse não ser lindo.
— Ah, ok, Travis — debochei, vendo- rir. — Ei! — chamei a
garçonete, levantando o dedo. — Meu milkshake...
— Calma, princesa! — disse ela com raiva, cruzando os braços. — O
Flash não trabalha aqui, não. Tem que esperar as coisas ficarem prontas —
reclamou, me dando uma bronca.
— Viu!? — falou Travis, abrindo o canudo e colocando-o no copo. —
Você não fez cara de quem queria tirar a roupa dela e pagou por isso —
brincou ele, me fazendo rir e balançar a cabeça.
— Vai... — falei, chutando-o de leve embaixo da mesa. — Me conta
da sua infância aqui.
Travis me contou sobre a família e sobre o amor que descobriu logo
cedo pelo hóquei, aprendendo a patinar no gelo com a mãe e a jogar golfe
com o pai. O hóquei parecia juntar tudo o que ele amava e desde muito
cedo, Travis levou o esporte como uma carreira. Ele não insinuava nada,
mas era fácil perceber que o pai de Travis era severo e não aceitava nada
além do melhor. Meu pai nunca tinha se importado comigo, mas o pai de
Travis também não parecia ser o melhor pai do mundo. Ele era presente,
assim como eu tinha sonhado a vida toda, mas mesmo assim, o caminho de
Travis não tinha sido fácil. Aquilo que eu invejava nele, agora não parecia
tão bom assim.
— Vocês brigavam muito? — questionei, vendo a garçonete quase
jogar meu milkshake na mesa.
— Mais ou menos. Brigar com ele chateava minha mãe, então eu
evitava. Mas saí de casa o mais rápido que pude, quando tive a chance...
Tomei um gole do meu milkshake, fechando os olhos imediatamente
por causa do gosto ruim.
— Puta que pariu! — reclamei, sentindo meu corpo arrepiar. —
Nossa, que delícia! — falei, estendendo o copo para ele. — Prova. Puta que
pariu, muito gostoso.
Eu gostava daquela relação de confiança que estávamos construindo
para a reportagem, porém Travis ainda era o cara que me fez pedir "por
favor" para escrever a matéria. Vi ele pegar meu canudo, tomando um gole
gigante do milkshake por confiar que era bom.
— Porra! — reclamou ele, limpando a boca na manga da blusa
comprida. — Que merda, Nicole!
Dei uma risada maléfica, puxando o milkshake novamente para mim.
— Fica esperto, King — falei, me apoiando na mesa pra ficar mais
perto. — Não abaixa a guarda ou vai ter muito trabalho comigo — falei,
sentindo minhas palavras atingirem ele com tudo.
O clima entre nós ficou estranho, e eu o vi olhar para mim como
quem queria tirar a roupa das pessoas.
— Não vou baixar a guarda — garantiu ele, com o rosto bem perto.
— Pode ficar tranquila. Minha guarda vai ficar bem alta.
Terminamos de conversar sobre a vizinhança de Travis e ele pagou
pelas nossas bebidas, sem deixar que eu contestasse. Travis aguardou o
Uber do lado de fora comigo, me mostrando as ruas importantes que
estavam por perto e me dando dicas do que ver na manhã do dia seguinte,
antes de ir embora.
Despedi-me de Travis e entrei no Uber, imaginando se o beijo que
aconteceu entre a gente tinha sido um evento isolado ou se aconteceria de
novo.
Vincent parecia ter aceitado bem o pedido de desculpas dele, mas
mesmo assim, eu tinha medo da reação do meu irmão ao saber que
estávamos tão próximos.
Me parecia loucura contar tudo aquilo para o meu irmão, mas eu sabia
que alguma hora eu ia ter que contar.
Mais cedo ou mais tarde, Vincent descobriria sobre o meu interesse
indecente por Travis King.
Asher insistia que tudo era motivo para comemorar. De acordo com
ele, tudo tinha uma lição importante e servia para crescimento pessoal.
Depois dos nossos jogos no Canadá e de eu ter que conviver com a minha
família por dois dias seguidos, ouvindo todos comentarem sobre a minha
carreira, Asher insistia que tudo tinha sido uma grande lição para o futuro.
— Se quer que as pessoas te deixem em paz, meu caro — começou
ele, enquanto íamos para uma festa depois do jogo do Red Serpents —,
você vai ter que chocar todo mundo. Enquanto jogar direitinho e seguir as
regras, todo mundo vai esperar isso de você — aconselhou ele, enquanto
nossa van parava em frente ao clube. — Quer que parem de falar de você?
Mete o louco. Mas mete o louco com força, deixa todo mundo chocado, faz
sua avó rezar dobrado por você...
— Que conselho foda, hein, Ash? — disse Knox, que falava pouco,
mas geralmente era para corrigir Asher. — Coisa boa...
— Tô te falando, Infinito em Pé — disse ele, referindo-se à altura de
Knox. — Minha família só parou de controlar minha vida depois que eu fui
expulso da escola. Antes disso, era o dia inteiro eles na minha cola,
perguntando como estavam as minhas notas. Depois da expulsão, um sete
pareceu um presente de Deus — continuou ele, enquanto descíamos da van.
— Tô te falando, meu amigo. Choca que eles param de colocar expectativa.
Eu não fazia ideia se o que Asher estava falando funcionava,
principalmente por não estarmos mais na escola. Chocar minha família,
como adulto, seria algo muito difícil, mas eu manteria aquilo em mente.
Entramos na festa e fomos todos juntos até o bar, onde celebramos
nosso desempenho nos amistosos com um shot de tequila para cada um.
Várias garotas se aproximaram de repente, mas eu estaria mentindo se
dissesse que estava interessado em alguma delas. Eu queria ficar em paz e
curtir a vitória com os meus amigos... Ou então o problema era que eu não
conseguia pensar em ninguém que não fosse Nicole Martinez.
Era um dos dois.
Entrei na festa e vi que a música alta ia me incomodar. Eu não estava
afim. Asher logo apontou para um grupo de três garotas que nos olharam
assim que a gente chegou, mas eu não estava interessado nelas também.
Não era aquilo que eu queria.
Avisei que ia para o lado de fora pegar um ar e fui até a varanda do
clube, olhando para as estrelas e vendo que o céu estava muito foda naquela
noite. Logo lembrei do meu lugar favorito em Ontario, que era para onde eu
fugia quando estava tendo um dia ruim ou quando queria um pouco de
silêncio.
Peguei meu celular, logo lembrando que eu não tinha incluído aquele
endereço na lista de Nicole.
Abri meu e-mail depressa, procurando o nome dela.
Não.
Não, ela ia embora no dia seguinte. Não ia dar tempo de ela ver as
estrelas. Da próxima vez que ela estivesse na cidade para acompanhar os
jogos de Vincent, eu dividiria com ela o endereço de um dos meus lugares
favoritos.
Encarei a tela do celular por alguns segundos, certo de que não
precisava enviar uma mensagem para Nicole e mostrar que eu estava
pensando nela. Ela devia estar curtindo a vitória do Red Serpentes junto
com Vincent e Francis. Não fazia sentido receber uma mensagem minha.
Não.
Eu ia ficar de boa e voltar para a festa.
No entanto, antes que eu pudesse entrar, senti meu celular vibrando.
Eu tinha um novo e-mail.
“Tá acordado? Queria uma dica do que fazer aqui depois que todos os
lugares já estão fechados. Cordialmente, Nicole Martinez”, escreveu ela,
fazendo meu coração disparar.
Ok, eu tentei ser forte e ignorá-la. Eu tentei.
Mas ela estava me fazendo uma pergunta e era rude ignorar uma
garota que precisava de direções.
“Me liga e eu te dou”, respondi, enviando o número do meu celular
para Nicole.
Não demorou muito para que ela me ligasse.
— Ei — disse eu, sentindo meu coração acelerar ao ouvir a voz dela.
— Tenho que te confessar uma coisa.
— Você gostou do milkshake de chocolate — chutou ela.
— Não! Porra, não. Nem pensar. Eu tenho que confessar que não
coloquei na lista o meu lugar favorito aqui em Ontario.
— Escondeu um lugar de mim!? — questionou ela, parecendo sentar.
— Que porra de guia é você?
— Não sabia que esse seria o meu trabalho, Nicole — provoquei-a de
volta. — Você não pode me cobrar por um trabalho para o qual eu não pude
me preparar...
Eu tinha certeza que os garotos não se incomodariam se eu saísse da
festa para passar um tempo com Nicole, já que aquilo era bem fora da curva
e chocaria todo mundo. Não era isso que tinham me aconselhado? Minha
desculpa era perfeita.
Nicole aceitou ir comigo até o meu lugar favorito, então passei no
hotel para buscá-la antes de irmos à uma cafeteria que ficava perto do hotel
para pegarmos chocolates quentes. Depois, seguimos para o nosso destino
final. O inverno no Canadá era uma merda por causa do frio fora do
comum, porém era também a melhor época para observar o céu.
Levei Nicole para o local que eu mais gostava na cidade, parando o
carro no alto da montanha e ligando o rádio enquanto observávamos as
estrelas no céu escuro.
— Caralho... — comentou ela, segurando o copo com as duas mãos,
enquanto eu arrumava o volume do som, querendo que fosse só música
ambiente. — Que lugar lindo!
— Eu vim aqui milhares de vezes com os meus pais.
— E com as garotas que você queria comer, claro.
— Claro — confirmei, rindo. — É um golpe baixo, mas sempre
funciona.
— Sexo no carro é horrível — disse ela, olhando para o céu. — Tá
louco.
Porra, por que Nicole tinha que trazer aquele assunto à tona?
— É mesmo? Achei que você fosse a fodona do sexo casual —
brinquei, olhando para o céu também. — Carros estão fora da sua lista?
— Sempre que possível — disse ela, ficando em silêncio enquanto
observávamos o céu juntos.
— Quer conversar um pouco sobre a reportagem? — questionei,
quebrando o silêncio. — Sei que você acabou não conversando com
ninguém da minha família, então podemos falar sobre os jogos e como foi
lidar com eles.
— A gente não precisa conversar sobre a reportagem, se você não
quiser. Sei que é um lugar íntimo e que muita coisa viria à tona, mas
podemos falar sobre outros assuntos.
— Não, podemos conversar sobre os jogos enquanto ainda está tudo
fresco na minha memória — concordei, olhando para o céu estrelado. — É
o que você queria, não?
Nicole pegou o celular para gravar nossa conversa, me perguntando
sobre o jogo da noite anterior e fazendo com que eu contasse sobre o que
tinha acontecido. Mencionei o quanto toda a pressão sobre os meus ombros
era difícil de lidar e admiti que eu tinha um problema em falar daquilo e me
sentir ingrato. Eu estava reclamando por conseguir exatamente o que
queria? No entanto, eu precisava aceitar que a carreira dos meus sonhos
vinha com problemas que eu não tinha antecipado e precisava reconhecê-
los se quisesse ir longe.
— Antes da viagem, quando a gente se encontrou no campus, eu
estava fugindo do resto do time porque senti que meu corpo ia me matar de
tanta ansiedade — confessei, enquanto olhávamos para as estrelas. — Eu
não consigo lidar direito com a expectativa das pessoas, porque me vejo
humano e falho. Não consigo aceitar que vou cometer erros, por mais que
saiba que eles vão acontecer. É difícil aceitar isso e ter que lidar com a
maneira como as pessoas esperam tanto de mim.
Nicole me ouvia atentamente, olhando para mim com compaixão,
enquanto eu contava do meu ritual antes dos jogos e da maneira como ouvir
a multidão gritar meu nome fazia eu sentir que não podia errar.
— Seria bom pra você se eles parassem de gritar?
— Não... — respondi, sinceramente. — Seria bom para mim se eu me
acostumasse. Quero ouvir as pessoas gritando o meu nome e sentir que
consigo entregar o que elas esperam — confessei, de olho no céu escuro e
estrelado. — E entender que o que elas esperam de mim não é o que eu
espero de mim.
Nicole deu um sorriso suave, virando-se para me encarar.
— Eu jamais imaginaria todas essas coisas sobre você — assumiu ela,
desligando o gravador do telefone. — Para mim, você era um cara que tinha
tudo e sabia que tinha tudo. Era alguém egocêntrico que amava ouvir as
pessoas gritando por você — contou ela, me fazendo rir.
— Sua honestidade me fascina — provoquei, vendo-a rir também.
— É sério! Eu jamais imaginei que tudo isso te fizesse mal — contou
ela, enquanto eu me virava para encará-la. — Eu pensei que sua vida era
perfeita, que sua família era perfeita. Para mim, você era o cara mais
sortudo do mundo.
— Surreal... — comentei, observando-a debaixo da luz das estrelas.
— Eu nunca me vi assim.
Nicole estendeu a mão e tocou meu rosto como se estivesse se
permitindo me ver pela primeira vez. Deixei que ela passasse os dedos nos
meus cabelos e fosse descendo devagar, parando nos meus lábios, tocando-
os lentamente. Aproximei meu corpo do dela, sentindo-a fazer o mesmo.
"E agora, The Cars com Drive na nossa sessão retrô da madrugada",
anunciou a radialista, surpreendendo nós dois.
— Meu Deus... — comentou Nicole, lembrando do mesmo momento
que eu, quando essa mesma música tinha tocado na festa de Asher.
Era Nicole que eu queria ter beijado na festa dele... e era Nicole que
eu ia beijar agora.
Aproximei meu rosto, passando meu nariz pelo dela enquanto nos
acostumávamos a estar tão próximos. Passei meus lábios vagarosamente
nos dela, vendo-a fechar os olhos e passar a mão no meu rosto. Só então eu
a beijei devagar, sentindo Nicole descer a mão pelo meu torso e tocar meu
corpo.
Eu não tinha pressa e havia sido paciente o bastante para aproveitar
cada segundo daquele momento. Já tínhamos nos beijado antes, mas não
tinha sido como daquela vez... Sem máscaras, sem julgamentos, sem nos
escondermos atrás da nossa raiva um do outro.
Eu queria lembrar como era beijar Nicole quando acordasse na manhã
seguinte, então não me apressei enquanto The Cars tocava ao fundo.
Nicole encostou-se no vidro e permitiu que meu corpo ficasse por
cima do dela, enquanto eu sentia a mão dela viajar por mim. Resolvi fazer o
mesmo, sentindo que eu podia tocá-la também, sem medo de estar entrando
em um território proibido. Não havia razão para continuar fingindo que eu
não a queria.
Fazia meses que eu desejava Nicole e duvidava que ela sentisse o
mesmo. Saber que ela estava ali, querendo o mesmo que eu, fazia me sentir
como se fosse adolescente de novo.
Subi minha mão, enquanto Nicole descia a dela, tocando-a devagar
enquanto nossas línguas dançavam juntas. Beijei-a com mais pressa,
descansando minha mão na nuca de Nicole e mantendo-a bem perto de
mim. Fazia muito tempo que eu não levava uma garota para aquele lugar, já
que fazia anos que eu não namorava sério.
Nicole era a primeira depois de muito tempo.
Coloquei minha mão por baixo da blusa dela, subindo devagar e
sentindo-a segurar minha mão quando cheguei no sutiã.
— Espera... tem certeza? — questionou, mordendo o lábio inferior. —
Quer dizer, eu quero se você quiser.
— Eu quero — garanti, voltando a beijá-la e tocando o corpo de
Nicole por baixo da roupa —, mas não aqui — confessei, finalmente
encontrando forças para me separar e tentando recuperar o fôlego.
Nicole deu um sorriso de lado.
— Magoei seu coração quando falei que não gosto de transar no
carro? — questionou ela, me fazendo rir.
— Pra falar a verdade, eu concordo — confessei, dando um beijo no
rosto dela enquanto ainda estávamos bem próximos. — É desconfortável
pra caralho... — falei, passando o polegar nos lábios de Nicole. — E, pra
falar a verdade — comecei, colocando minha boca perto do ouvido dela —,
seria impossível fazer aqui o que eu quero fazer com você — assumi,
vendo-a engolir em seco enquanto eu descia minha mão. — E tem muita
roupa entre nós dois… — comentei, abrindo a calça jeans dela. — Seria
uma sessão de tortura para mim, não poder tirar sua roupa toda nesse carro
— confessei, vendo-a jogar a cabeça para trás, enquanto eu colocava minha
mão dentro da calça dela. — Não existe a menor possibilidade de a gente
transar sem que eu arranque sua roupa toda primeiro e passe minha língua
por cada centímetro do seu corpo, Nicole — falei, movendo meu dedos
devagar enquanto beijava o pescoço dela, provocando-a e sentindo meu
corpo me odiar por estarmos vestidos.
— Eu tiro a roupa da próxima vez — sugeriu ela, ainda com os olhos
fechados e a cabeça jogada para trás. — A gente começa vestidos dessa vez,
e na próxima a gente fica pelado — disse ela, abrindo os olhos e segurando
minha mão que estava dentro da calça dela. — Mais rápido — pediu,
olhando para mim.
Merda. Como eu ia dizer não?
Deitei meu corpo novamente sobre o de Nicole, movendo meus dedos
mais depressa e vendo-a se mover contra a minha mão.
Nicole segurou meu braço, gemendo no carro como se estivéssemos
sozinhos em casa, aproveitando o momento como se tivesse pensado
naquilo mais do que eu tinha imaginado.
Aproximei meu rosto do dela novamente, beijando-a enquanto sentia
o corpo de Nicole reagir ao meu toque. Meu corpo ia entrar em combustão
se eu não fizesse alguma coisa.
— Sério que vai ficar só com a mão? — questionou ela, rindo de leve.
Sorri para Nicole, aproximando minha boca do ouvido dela.
— Não vou te comer pela primeira vez nesse carro. Sem chance —
avisei, parando de mover meus dedos e tirando minha mão da calça dela.
Nicole arregalou os olhos para mim, segurando minha blusa com força e
indignação. — Quando a gente finalmente transar — falei, levando meus
dedos até a boca para sentir o gosto dela. — Você nunca mais vai esquecer
de mim.
Afastei-me dela e fiquei de frente para Nicole no meu banco,
decidindo se valia a pena mesmo deixar tudo para depois só para provocá-la
e deixá-la pensando em mim. O tesão que eu estava sentindo ia me
consumir vivo se eu não conseguisse me acalmar. Coloquei a mão sobre o
volume da minha calça, observando Nicole ajeitar-se no banco dela.
— Que peninha — comentou, ajeitando os cabelos. — Eu fiquei
triste, mas acho que você ficou mais — falou ela, olhando para onde estava
minha mão e colocando a dela sobre a minha. — Tenho certeza que seu
corpo está decepcionado com você — disse, fazendo bico.
Fechei meu maxilar com força e tirei minha mão, deixando que só a
de Nicole ficasse em mim. Ela acariciou o volume da minha calça e me fez
segurar o banco do carro com força, a ponto de desistir do que eu tinha
decidido antes.
— Cacete... — reclamei, passando a mão nos meus olhos e movendo
meu corpo contra a mão de Nicole, que se movia sobre o volume da minha
calça.
Era muito pouco e eu queria mais.
— E que cacete… — disse ela, rindo e me fazendo rir. Nicole tirou a
mão de mim, sentando-se no banco com as costas retas e as pernas bem
cruzadas. — Continuamos essa conversa no campus, então — falou, me
fazendo respirar fundo e sentar direito no meu banco.
— Claro… — concordei, tirando o carro dali e tentando me acalmar
durante todo o trajeto.
Deixei Nicole no hotel e voltei para a casa da minha tia, sentindo que
as coisas tinham mudado em um segundo. A maneira como eu me
relacionava com Nicole fazia com que mal pudesse esperar pelos próximos
dias.
Muita coisa ainda me deixava ansioso na vida..., mas Nicole era como
uma pausa agradável.
Meu Deus, o que eu ia fazer agora?
Meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Eu tinha passado semanas fazendo Travis achar que eu era um
mulherão na cama, mas fazia muito tempo que não transava com alguém.
Puta que pariu! O que eu ia fazer agora? Travis ia querer transar
comigo e logo ia descobrir que eu, de fato, não tinha transado mais do que
ele na vida.
Voltei para casa com Francis e Vincent no dia seguinte, sem ver
Travis até segunda-feira de manhã. Encontrei-o caminhando com Phillip
pelo campus e o vi acenar para mim, enquanto eu me escondia no meu
cachecol. Acenei de volta timidamente, sem saber como continuar nossa
conversa.
Ele, com certeza, ia esperar uma noite inesquecível com a sedutora
Nicole, mas eu não conhecia aquela garota. Era só uma máscara que eu
usava e não fazia ideia do que fazer agora.
Travis esperava uma mulher experiente, mas eu não era nada
daquilo... Só tinha dito que era.
Eu ainda não tinha contado para Francis sobre os beijos que troquei
com Travis, porque não queria parecer uma adolescente apaixonada,
levando beijos tão a sério..., mas resolvi que contaria tudo sobre a
expectativa dele em transar comigo e pediria ajuda, porque não fazia ideia
do que fazer.
Travis era um cara gatíssimo, cheio de garotas correndo atrás dele, e
eu não transava com ninguém fazia um ano e meio. Como eu ia bancar tudo
o que tinha dito com a minha inexperiência e meus medos?
Talvez fosse legal sugerir que só transássemos depois que nosso
trabalho juntos terminasse. Isso! Fazia sentido. Eu ia falar isso. Eu tinha
escolhido esperar.
Mas como ia resistir? Eu queria muito transar com Travis. Como ia
pará-lo se o que eu mais queria era que Travis King fizesse comigo o que
ele tinha imaginado fazer?
O que ele queria fazer comigo, meu Deus? Qual era o plano dele? Ok,
eu estava entrando em pânico. Eu precisava focar.
Fui para a primeira prova do dia e não consegui lembrar de nada do
que eu tinha estudado. Eu não conseguia parar de pensar nas mentiras que
tinha contado. Será que eu tinha dito coisas muito chocantes? Não, né? Eu
só tinha falado que era experiente. Que transava com todos e não me
apegava.
Ai, puta que pariu! Travis ia descobrir que era tudo mentira assim que
tirasse minha roupa.
Eu checava meu celular de segundo em segundo, sem saber como
estavam as coisas entre mim e ele depois da nossa noite sob as estrelas.
Tinha sido um momento muito doce de confissões e verdades, o que
quebrou o muro que havia entre a gente, mas em seguida passamos para
algo quente e feroz, que só foi parado porque queríamos nos provocar. E eu
não sabia como tratá-lo agora.
Senti o meu celular vibrar durante o almoço e vi que era uma
mensagem dele. Engoli em seco ao ver que era um link, com a mensagem:
"vi isso e lembrei de você". Cliquei e fui para uma tela que tinha um
envelope gigante com os dizeres "abra aqui". Cliquei no bilhete e ele se
abriu, com uma mão gigante aparecendo e dando o dedo para mim. Ri
sozinha no meio do campus, escrevendo de volta para ele.
"Muito engraçado, Vossa Majestade", respondi, caminhando para
minha próxima aula, "vai ter volta...".
"Sabia que ia gostar", debochou ele, enquanto eu andava pelo
campus, "quer jantar comigo?".
Jantar? Janta era código para alguma outra coisa ou era só janta? A
janta era eu?
Resolvi que só responderia depois que Francis visse a mensagem. Ele
saberia me dizer se depois de uma janta, Travis esperava que eu tirasse a
roupa. Voei para casa assim que minha última aula terminou, querendo
sumir do campus. Cheguei em casa e senti o cheiro de sopa, que era a janta
favorita de Francis em dias frios.
— Fran, socorro! — falei, assim que entrei em nosso apartamento. —
Francis, me ajuda! — implorei, correndo até a cozinha e me jogando na
mesa.
— O que houve, Nicole? — questionou ele, pouco impressionado. —
O que você fez? Deu um soco no Travis?
— Pior... — falei, com o rosto colado na toalha da mesa. — Beijei
ele.
Francis parou de mexer a sopa, largando tudo e se sentando de frente
para mim.
— Oi!? Tira a cara da toalha, porque eu não te ouvi direito — falou,
afastando meus cabelos do rosto, enquanto eu levantava a cabeça. — Ouvi
você falar que beijou Travis. — Ele riu, com a mão na boca. — Imagina
que loucura?
Respirei fundo, sentando-me de frente para ele.
— Mas eu beijei, Fran — assumi, colocando as mãos nas bochechas.
— Oi!? — repetiu ele, chocado. — Desculpa, eu ouvi você falar de
novo que beijou Travis King.
— E eu beijei! — assumi mais uma vez, passando as mãos no rosto.
— Fran, eu não sei o que fazer.
— Calma, você beijou o Travis? — questionou ele. — O gostoso do
Travis!?
Tive que concordar, rindo enquanto contava algo sério. Contei que eu
o tinha beijado duas vezes. Uma cheia de ódio e uma cheia de amor, uma
quase pelada em um beco e outra observando as estrelas. Contei que ele
colocou a mão dentro da minha calça e eu acariciei o volume da calça dele.
Tudo muito cheio de cordialidade.
— Agora eu não sei o que fazer, porque ele quer transar e adivinha?
Adivinha quem mentiu pra ele e disse que era foda na cama? — perguntei,
apontando os dois dedos para mim. — Euzinha aqui.
— Nicky, isso não importa. O cara deve tá doido pra transar com
você! É só continuar encarando a personagem segura que coloca ele no
lugar dele, e o garoto não vai conseguir pensar direito...
— É... talvez ele realmente não note que eu sou totalmente
inexperiente. Talvez ele não perceba que sou atriz e a Nicole Martínez
fodona é um personagem que criei pra esconder o fato de que sou uma
criança com medo que não sabe de nada — falei, vendo Francis revirar os
olhos.
— Ok, não exagera.
— Sei lá, Fran… Eu queria ser honesta.
— Então assume, de uma forma bem sexy, que você falou que era
experiente pra chocar ele, mas, na verdade, quer aprender tudo — sugeriu,
me fazendo sorrir —, mas antes de pensar em dar para Travis King, vamos
contar tudo para Vincent Martinez, por favor. Conta tudo para o seu irmão,
oras!
Merda. Eu tinha esquecido de contar tudo para o meu irmão.
— Por que contar antes, hein?
— Porque você disse que contaria para o Vince sobre a reportagem
com o Travis depois que a gente chegasse de viagem. E a gente já chegou
faz umas 12 horas — disse ele, cruzando os braços. — Tá esperando o quê?
— Nada, pra ser sincera. Eu esqueci que Vincent não sabia. Na
verdade, depois do pedido de desculpas do Travis, meio que perdi o rumo
— confessei, passando a mão no rosto. — Eu tô ferrada, Fran. São tantas
camadas de problema que nem sei como resolver.
— Começa contando tudo para o seu irmão, antes que ele descubra
por outra pessoa.
— E se ele odiar a ideia, Fran? E se ele pedir para eu não escrever a
matéria e ficar puto com a ideia?
— Deixa ele, oras!
— Mas eu quero escrever a matéria, Fran. As coisas estão indo bem e
eu tô finalmente me permitindo curtir com alguém depois de tanto
tempo...E se o Vince me fizer escolher?
— Ele não vai fazer isso. Ele não é um idiota. Talvez ele fique
irritado de início, mas vai entender que a reportagem é importante. E o
Travis pediu desculpas, não? Ele abriu a porta.
Aquilo era verdade. Talvez meu medo nunca fosse se concretizar.
Talvez o que eu precisasse fazer fosse contar tudo para Vincent e me
sentir leve para seguir com minha amizade com Travis.
— Ok. Vou combinar de almoçar com o Vince e contar tudo —
assumi, pegando meu celular —, mas Travis me convidou para jantar. Será
que a janta sou eu?
— Com certeza! — garantiu Francis, rindo. — Minha amiga, não há o
que temer. Coloca tudo em pratos limpos, seja honesta com todo mundo e
aproveita essa nova fase. Eu não lembro quando foi a última vez que vi sua
cara tão iluminada assim — disse ele, me fazendo tocar minhas bochechas.
— Você merece viver esses momentos bons sem ficar focada em tudo o que
pode dar errado — aconselhou ele, enquanto eu escrevia para Travis.
"Tá me convidando para jantar, King? Esqueceu que sou totalmente
proibida?", enviei para ele, mordendo o canto da boca enquanto aguardava a
resposta.
“Eu também sou”, respondeu Travis, me fazendo sorrir.
“Quero jantar sim”, respondi, finalmente, vendo-o me convidar para
ir à casa dele na noite seguinte.
Eu ia jantar com Travis primeiro e ser honesta sobre as mentiras que
tinha contado. Na verdade, eu ia pedir que ele esperasse um pouco para a
gente transar. Queria contar para o meu irmão que eu estava me envolvendo
com ele e comentar sobre a reportagem que estávamos criando juntos.
Vince geralmente precisava de alguns dias de aviso para conseguir sair mais
cedo da faculdade para almoçar, então eu me encontraria com Travis,
assimilaria a verdade sobre nossa nova relação e contaria tudo para Vincent.
Tinha certeza que meu irmão ia ficar muito puto e jurar que eu estava
sendo usada e manipulada por Travis, mas tinha certeza que aquele não era
o caso. Eu sabia muito mais sobre Travis do que ele sobre mim, e meu
irmão podia ouvir o que eu tinha para falar e gostar dele também, se
quisesse. Se não, eu ia gostar de Travis sozinha.
Nicole tinha aceitado meu convite para jantar e, embora eu tivesse
certeza de que era meio óbvio que sexo vinha junto, não ia forçar nada.
Claro que eu queria transar com ela. Fazia muito tempo que eu queria
transar com Nicole, mas entendia que nossa relação era complicada. Talvez
o clima surgisse de novo e as coisas acontecessem naturalmente, mas
também era possível que minha inimizade com Vincent atrasasse a minha
intimidade com Nicole.
Saí mais cedo do treino e resolvi preparar o que eu fazia de melhor,
que era um assado com batatas, e tinha certeza de que Nicole não estava
preparada para o jantar foda que eu ia fazer. Comprei um vinho tinto e
esperei Phillip chegar para pedir que ele fosse passar a noite na casa de
Asher ou Knox.
— Com certeza não vou dormir aqui — confessou ele, sentando-se
em um dos bancos da cozinha, enquanto eu temperava o assado. — Asher
convidou todo mundo pra ir a uma festa de aniversário hoje — contou ele,
observando o que eu fazia. — Se acabar cedo aqui e você quiser ir também,
vamos ficar lá até tarde — falou, enquanto eu tentava lembrar qual era o
próximo passo. — Bianca? — questionou ele, com um leve sorriso.
— Não... — contei, sem querer dar detalhes.
Eu não achava que fazia sentido contar que estava me relacionando
com Nicole fora do horário das entrevistas. Com certeza, todo mundo teria
uma opinião para dar sobre a gente e não tínhamos nada para contar para as
pessoas. Estávamos nos acertando. Só.
Phillip foi até o quarto e em poucos minutos saiu arrumado, se
despedindo de mim rapidamente antes de passar pela porta. Nicole chegou
horas depois que ele saiu, enquanto eu ainda estava terminando de preparar
tudo.
Recebi-a na porta e vi que tinha trazido sobremesa.
— Foi você que fez? — questionei, dando um beijo rápido nela
enquanto a via entrar em casa.
— Talvez... — contou, tirando o casaco e revelando um vestido roxo
e meia-calça preta. Puta que pariu. — Se tiver bom, fui eu que fiz. Se não,
então comprei pronto. — Nicole cheirou o apartamento, seguindo até a
cozinha. — Espera... você tá cozinhando?
— Óbvio! — contei, colocando a sobremesa na geladeira, enquanto
Nicole olhava dentro do fogão. — Achou que eu ia te convidar pra comer
na minha casa e comprar pizza? — questionei, vendo-a tampar a boca com
as mãos. — Como falei, eu me dedico muito em tudo o que faço.
Nicole riu, mas eu podia ver que ela queria chorar. Merda. Eu
precisava tomar muito cuidado com o coração de Nicole para não estragar
as coisas entre a gente.
Peguei o vinho que tinha comprado e convidei-a para ver um filme
enquanto a comida não estava pronta. Nicole me disse que não queria ver
filme, mas sim um reality show chamado "Too Hot To Handle". Eu não
fazia ideia do que era, mas ela dizia que a editora chefe do jornal tinha
recomendado.
O programa era sobre pessoas solteiras que gostavam de farrear e de
repente, eram colocadas em uma casa com outras pessoas que só gostavam
de se divertir. O objetivo era que criassem conexões reais uns com os
outros, sem putaria, para que ganhassem uma quantia em dinheiro. Caso
não conseguissem resistir, a quantia em dinheiro ia diminuindo dependendo
do tipo de contato físico que tivessem.
Sentamos juntos no sofá, como velhos amigos, e assistimos o
programa conversando o tempo inteiro. Era fácil conversar com Nicole e eu
não sentia a pressão de ser alguém que não era. O fato de estarmos
conversando a um bom tempo sobre mim, fazia com que eu sentisse que
não havia razão para fingir ser alguém que não era. Nicole sabia de coisas
que eu não havia contado para ninguém, o que me deixava mais tranquilo
para ser totalmente quem eu era.
— Você acha que quebraria as regras? — questionei, vendo Nicole
colocar as pernas no meu colo.
— Acho que não... Eu ia ficar de boa — contou ela, tomando mais
um gole de vinho —, mas com certeza ia provocar o cara que estivesse
comigo.
— Ah... entendi qual é o seu jogo sujo — falei, vendo-a rir e
colocando a mão na perna dela. — Você ia se fazer de santinha e provocar o
cara até ele não aguentar mais. Esse seria o seu jogo.
— Exato — respondeu ela, com um sorriso gigante. — Ele ia quebrar
as regras comigo, e eu ia falar "oh não, pessoal! Eu não sei o que aconteceu!
Eu só entrei pelada no chuveiro... não foi culpa minha" — disse ela, me
fazendo rir.
— Sinceramente? Eu não ia durar nada, se você resolvesse me
provocar — falei, subindo a mão que estava no joelho dela. — Cada vez
que você me colocasse no meu lugar, eu ia querer quebrar as regras com
você.
— Ah, então é isso que você gosta?
— Gosto quando você tenta brigar comigo para dominar a situação —
contei, vendo-a segurar minha mão e entrelaçar nossos dedos. — É
divertido assistir você tentando mandar em mim.
Nicole riu, jogando a cabeça para trás.
Passei a mão na perna dela e estiquei-me para beijá-la, vendo-a deitar
para que eu deitasse por cima. Nicole colocou a taça dela no chão e eu
coloquei a minha ao lado, vendo-a voltar a me abraçar enquanto nos
beijávamos no sofá.
Parecia mentira que Nicole Martinez estava deitada embaixo de mim,
no sofá da minha casa. Aquilo era surreal.
Ouvi meu celular vibrar em cima da mesa de centro e ignorei-o,
sabendo que nada era mais importante do que aquele momento. Ter Nicole
ali, me beijando, era o que eu queria desde que a tinha visto pela primeira
vez na faculdade.
Eu já tinha me desculpado com Vincent e estava disposto a continuar
me desculpando, se isso garantisse que Nicole ia gostar mais de mim.
Eu não tinha mais nada contra ele, se isso significava poder ter Nicole
comigo.
Ouvi meu celular vibrar de novo e ignorei-o mais uma vez, sentindo
Nicole enrolar as pernas em volta da minha cintura. O vestido dela já tinha
subido e a única coisa me atrapalhando era a meia-calça. Eu queria rasgá-la,
mas não tínhamos intimidade o suficiente para eu saber se aquilo ia deixar
Nicole puta.
Ouvi meu alarme tocar, avisando que eu precisava desligar o forno.
— A parte ruim de cozinhar, é ter que levantar daqui para desligar a
porra do forno — falei, afastando-me devagar e passando as mãos no meu
rosto em frustração. Nicole riu, deitada no sofá e olhando para mim. —
Sério, só vou me levantar para não colocar fogo no apartamento —
confessei, caminhando até a cozinha. — E só não vou deixar pegar fogo,
porque o apartamento não é meu.
Nicole ficou deitada no sofá, enquanto eu tirei o assado do forno,
ouvindo o meu celular vibrar mais uma vez. Ninguém me ligava naquele
horário, então resolvi atender e ver quem era. Eu não queria atender o
telefone enquanto estava com Nicole, mas parecia importante.
Era Asher, ligando sem parar.
Puta que pariu.
Atendi-o enquanto Nicole se sentava no sofá e arrumava o vestido.
Antes mesmo que eu pudesse dizer "alô", ouvi Asher gritando do outro
lado.
— Vem pra cá! — gritou ele, no meio de uma enorme confusão. —
Os caras do Red Serpents apareceram aqui no bar pra tirar satisfação depois
que eu fiquei com uma garota lá no Canadá, e agora querem bater na gente.
Eu tô só com o Phillip e o Knox, mas eles estão com o time inteiro! Vem
pra cá! — gritou ele, xingando alguém enquanto eu olhava para Nicole.
Puta que pariu.
— Quem era? — perguntou Nicole, que com certeza tinha ouvido
Asher gritar do outro lado.
— Asher... aparentemente eles estão em uma festa e os caras do Red
Serpents estão lá também — falei, vendo-a arregalar os olhos. — Asher e
outros garotos do time precisam de ajuda. Eles estão sozinhos lá. Brigando
— contei, vendo-a tampar a boca com as mãos. — Merda… desculpa.
— Não, não tem o que se desculpar — garantiu Nicole, pegando a
bolsa dela. — Eu vou com você. Aposto que meu irmão tá no meio.
— Nicky, tem certeza de que vai aparecer lá comigo? — questionei,
me ouvindo chamá-la de Nicky pela primeira vez.
Nicole parou enquanto colocava o casaco, olhando para mim por
alguns segundos, até finalmente voltar a se vestir
— Eu vou ficar no carro. Não quero esperar aqui. Não consigo
esperar aqui. Prefiro te espero no carro e depois a gente volta pra cá —
sugeriu ela, deixando que eu colocasse meu casaco e saindo de mãos dadas
do prédio comigo.
Era a primeira vez que eu e Nicole andávamos de mãos dadas e,
embora estivesse frio pra cacete e a rua estivesse vazia, eu sabia que era um
momento foda.
Eu gostava dela muito mais do que queria admitir.
Eu e Travis caminhamos em silêncio até o carro dele, prontos para
irmos para a festa onde Vincent estava brigando junto com o resto dos
garotos do Red Serpents. Vince tinha me contado que ia sair e combinamos
de almoçar no dia seguinte, quando eu finalmente ia contar sobre minha
amizade com Travis, porém agora parecia que contar a verdade só ia
complicar mais as coisas.
Vincent, com certeza, estava no meio da confusão da festa,
enfrentando os garotos do Blue Ravens para ajudar os amigos. Eu não sabia
se Travis ia se meter, e estava torcendo para que a confusão já tivesse
acabado quando nós chegássemos. Aquela briga idiota tinha estragado
minha janta e eu estava passando frio na rua, ao invés de estar em casa
curtindo o primeiro jantar que um garoto tinha feito para mim. Eu me
esforcei para não chorar na frente de Travis, mas, tirando Francis, aquela
era a primeira vez que alguém cozinhava para mim. Eu e Travis só
tínhamos nos beijado algumas vezes e estava me esforçando para não ser
uma grande de uma emocionada, então estava me comportando como se ter
alguém cozinhando para mim, fosse algo casual. Eu queria muito voltar
para casa e provar a comida que ele tinha feito para mim.
Mas, principalmente, eu queria voltar para casa e transar com ele,
esquecendo qualquer regra ou mentira que eu tinha contado. Se tinha um
garoto para quem eu queria dar, aquele garoto era Travis.
Saber que a briga entre os Serpents e os Ravens estava atrapalhando
tudo, me deixava chateada com o hóquei.
Poxa, hóquei.
Entrei no Mustang de Travis e senti que estava em uma nave, com o
banco do carona me abraçando enquanto ele ligava o carro. O aquecedor era
potente e rapidamente aqueceu nós dois, me fazendo suspirar. Aquilo era
perfeito.
— Não vai pedir desculpas para o meu carro? Pelo terror que você fez
ele passar?
Eu ri, olhando pela janela.
— É só um carro, Travis. Ele não tem sentimentos — falei,
lembrando que em breve ia comprar o meu. — Ele tem nome? —
questionei, olhando ao meu redor. — O meu carro vai chamar Esdrúxula.
Eu amo essa palavra — expliquei, olhando para ele e vendo-o rir.
— Não tem sentimentos, mas tem nome — disse ele, esticando a mão
e passando os dedos sobre o meu nariz.
— Foca na estrada, panaca! — reclamei, afastando a mão dele. — Ou
então seu amado carro pode sofrer arranhões sem querer — falei, ouvindo-o
rir.
Ah, como era bom fazer ele rir…
Travis dirigiu depressa e chegamos na porta da festa antes do
esperado. Pensei que a confusão fosse algo simples e cheia de xingamentos,
porém quando eu e Travis nos aproximamos, logo vimos o carro da polícia
e vários garotos algemados.
— Puta que pariu... — falei, procurando Vincent. — O que aconteceu
aqui?
Travis estacionou o carro, abrindo a porta depressa.
— Fica no carro. Eu já volto.
Vi ele sair e me deixar sozinha, remoendo meus pensamentos e
imaginando se algo tinha acontecido com meu irmão. Vincent era um cara
pavio curto que amava defender os amigos dele, então eu podia jurar que
ele era um dos que estavam algemados ao lado do carro da polícia.
Não seria a primeira vez...
No entanto, arregalei meus olhos ao ver uma ambulância parar no
local e abrir as portas, recebendo Vincent, que parecia ter machucado o
braço.
Ah não...
Eu não podia ficar ali.
Abri a porta do carro e saí sem pensar em uma desculpa para estar no
local, caminhando até Vincent sem olhar para os lados.
Abri a boca para chamá-lo, porém surpreendi-me ao ver Francis sair
da boate também. Ele devia estar lá com Brian..., mas por que não tinha me
avisado que Vincent estava brigando e tinha se machucado?
— Francis... — falei, vendo-o tomar um susto ao me ver.
— O que você tá fazendo aqui!? — questionou ele, caminhando até
mim e me abraçando. — Eu vim encontrar com o Brian, mas a gente mal
começou a se beijar e ele partiu pra confusão — explicou, caminhando
comigo até Vincent. — E você?
— Eu estava com o meu novo amigo e ele foi chamado para a
confusão também — falei, abraçando Francis para afastar o frio. — Vince!
— chamei, vendo que estavam imobilizando o braço dele. — O que houve
aqui? Por que tá brigando na rua?
Eu me sentia com 12 anos, seguindo Vincent depois das brigas dele.
Meu pai nunca ligava, então era sempre eu que cuidava do meu irmão.
— Fiz merda — assumiu, enquanto o médico socorrista cuidava do
braço dele. — Fui bater no Knox e errei. Acabei batendo o braço na parede
e fodi meu ombro de novo.
— Vince, por quê? Por que foi brigar com o Knox?
— Não se mete, Nicole — falou ele, rindo de nervoso. — O que você
tá fazendo aqui? Quem te convidou?
— Não importa. Eu não acredito que tô te encontrando bêbado e
machucado num fim de festa. Caralho, Vince! O que você tá tentando
fazer!?
— Ah, porra... — reclamou ele, passando a mão no rosto quando a
médica tentou examiná-lo.
— Acho que quebrou — disse ela, olhando para o policial que estava
se aproximando. — Vamos ter que levar ele.
— Eu vou junto! — falei, entrando na ambulância. — Sou a irmã.
Ninguém discutiu e eu consegui me sentar ao lado de Vincent,
dizendo adeus à minha noite com Travis. Escrevi uma mensagem rápida
para ele, avisando que estava na ambulância com meu irmão e guardei meu
celular, puta com Vincent por estar se comportando que nem um
adolescente.
— Como me achou? — perguntou Vincent, sem olhar para mim.
— Não interessa — falei, já puta. — Não sou eu que tenho que
responder perguntas aqui. Você se machucou antes da temporada começar
por causa de briga de rua. Contra o time do pessoal da minha faculdade. O
pessoal que eu tô entrevistando.
— Se tá entrevistando eles, deve saber que são um bando de filhos da
puta — reclamou, finalmente olhando para mim. — Acha que fui eu que
comecei?
— Não importa! É você que tá saindo machucado. Olha pra gente,
Vincent! Tá todo mundo lá fora e a gente tá indo pro hospital. Quem você
acha que perdeu com tudo isso?
— Sério? Vai me culpar e dar razão para o pessoal que bateu em
mim?
— Vou sim! — falei, irritada. — Amar você não é passar a mão na
sua cabeça o tempo todo. Você tá errado de cair na pilha e deixar as pessoas
machucarem você por tão pouco! Caralho, Vincent! O campeonato vai
começar e você se machucou brigando na rua! — falei, vendo-o abaixar a
cabeça. Vincent estava bêbado e ia chorar, mas eu não ia pegar leve com
ele. — Porra, o que deu em você? Parece que quer se sabotar! — falei,
vendo o silêncio que se formou na ambulância depois das minhas palavras.
— E se você quebrou o braço? Tá fora da competição. Todo mundo tá
dentro e você tá fora!
Encostei-me no banco pequeno onde eu estava sentada, tentando me
acalmar, e vi Vincent chorar, provavelmente arrependido por ter se
machucado sério por causa de bobagem. Aquilo era ridículo e eu estava
começando a achar que Vincent gostava das brigas. Era assim que ele sabia
se comunicar e, embora a culpa não fosse dele, esse jeito estava arruinando
a carreira do meu irmão. Meu pai o tinha prejudicado tanto que até hoje os
efeitos da nossa infância de merda atrapalham meu irmão.
Entramos no hospital e os médicos me pediram para esperar,
enquanto eles entravam com Vincent e faziam alguns exames. Vi que Travis
tinha respondido minha mensagem e já estava em casa, o que me fez sentir
mal. Era para eu estar lá com ele, contando a verdade sobre as minhas
mentiras e comendo a janta que tinha preparado para mim.
Agora eu estava no hospital, com fome, esperando para saber se
Vincent tinha quebrado o braço ou não. Escrevi para Francis e avisei que eu
ia demorar, me sentando na sala de espera e encostando a cabeça na parede.
Minha noite podia ter sido perfeita, mas eu estava na emergência do
hospital aguardando para saber como meu irmão estava. Eu jamais poderia
ter imaginado que a noite terminaria daquele jeito, mas coisas legais não
pareciam saber onde me encontrar.
Cochilei por alguns minutos e logo vi a enfermeira me chamar para
dizer que Vincent já tinha acabado o raio x e estava bem. Iam imobilizar o
braço dele e seria liberado em breve, mas precisava esperar pela papelada
do médico.
Aproximei-me de Vincent e vi que ele não olhava para mim,
encarando o cobertor do hospital. Eu estava puta, mas o amava muito.
— Porra, Vince... — comecei, aproximando-me devagar. — Você
sabe que tem problema no ombro e se mete em cada uma — falei, vendo-o
finalmente me encarrar.
— Queria que eu deixasse meus amigos se virarem sozinhos? Que
tipo de homem eu seria se não me metesse para ajudar?
— Seria o tipo de homem que estaria em casa, sem o braço
imobilizado, bobão — retruquei, vendo-o dar um sorriso fraco.
— Desculpa... — disse, voltando a olhar para baixo, — Eu não sabia
que você ia me achar.
Ah, merda. Eu ia ter que mentir.
— Muita gente ficou sabendo da confusão e chegou até mim. Até a
polícia se envolveu, Vince.
— É... foi muito escroto..., mas eu não podia deixar meus amigos na
mão — falou, rindo de leve. — Não sou igual ao babacão do Travis —
disse, voltando a olhar para mim. — Acredita que o cara deixou os amigos
na mão pra ficar com mulher? O cara deixou os amigos apanharem pra dar
atenção pra puta, que ele troca toda semana.
— Escroto, Vincent — falei, me irritando. — As garotas que ficam
com ele não são putas. São garotas da faculdade. Você não precisa falar
assim das garotas — corrigi-o, sentindo meu coração apertar por saber que
meu romance tranquilo com Travis tinha os dias contados.
Vincent jamais ia aceitar e seria um show de merda quando ele ficasse
sabendo.
— Que seja... Eu não ligo. Só sei que ele preferiu ficar com mulher
do que ajudar na briga dos amigos. Os caras ligaram umas dez vezes pra
ele, e o maluco não atendeu. Acredita? Eu não sou assim, Nicky. Eu
defendo quem eu amo. Não perco tempo com coisa que não importa e tô
sempre pronto pra me meter em confusão se é pra ajudar meus amigos —
falou com raiva. — E pode pesquisar quem é a garota. Semana que vem, ele
já tá com outra, mas os caras do time dele não vão mudar. E ele abandonou
eles pra nada.
Eu queria ir embora dali.
— Ok, Vincent. Já vi que você tá bem e posso ir embora — falei,
arrumando minha bolsa e me despedindo do meu irmão o mais rápido
possível.
Vincent provavelmente estava certo e Travis, com certeza, trocaria de
garota assim que conseguisse transar comigo. Era a realidade e era o que eu
tinha que aceitar.
E não devia ser um problema! Eu também não queria algo sério e
jamais conseguiria ter uma relação longa com ele. Era divertido provocá-lo,
conhecê-lo melhor e beijá-lo no fim do dia.
Transar com ele, com certeza, seria muito bom também.
Mas era só isso. E eu tinha que aproveitar enquanto meu irmão não
ficava sabendo de tudo.
Sylvia me ligou no outro dia de manhã para avisar que o dinheiro já
estava na minha conta.
Pulei da cama e saí dançando pela casa, animada com o fato de que eu
ia poder comprar meu carro. Muita gente que trocava de carro na faculdade,
vendia o automóvel antigo por um preço ridículo e era isso que eu estava
procurando. Eu queria algo barato e bom, apesar de não entender nada
sobre carros.
Encontrei Francis na cozinha e convidei-o para ir junto comigo,
porém ele não entendia nada de carros também.
— Posso acompanhar, mas só vou saber testar a buzina. Se funcionar,
pra mim tá bom — falou ele, me fazendo rir. — Fora que tenho festa hoje,
então vou ter que ir maquiado.
— Esquece. Preciso de alguém que saiba falar sobre carburador. —
Eu conhecia outras pessoas na faculdade, mas não éramos amigos o
suficiente para que fossem comprar um carro comigo depois da aula. E eu
também não estava falando com Vincent, então não ia convidá-lo para ir
comigo. — Acho que vou ver se a Sylvia não quer ir comigo.
— Sylvia? — questionou Francis, chocado. — Que tal convidar
alguém que entende mesmo de carro? Alguém que tenha, sei lá, um
Mustang? — perguntou, piscando para mim.
— Nossa, ele com certeza vai rir dos carros que eu escolhi para ver —
falei, servindo um pouco de café —, mas quer saber? É ele mesmo que eu
vou convidar. Se quer colocar a mão dentro da minha calça, então é bom
fazer coisas de amigo comigo — falei, certa de que era uma boa desculpa
para ver Travis.
Sentei-me à mesa e vi Francis caminhar pelo apartamento enquanto
juntava as roupas que tinha jogado por todos os cantos. Ele tinha ideias para
projetos quando estávamos no meio do jantar e às vezes levantava para
colocá-las em práticas para não esquecer. Isso queria dizer que tínhamos
muitas roupas e tecidos jogados pela casa.
"Ei, King, vou dar uma olhada em uns carros hoje. Quer ir comigo?
Podemos ir depois do seu treino", escrevi, vendo Francis parar de frente
para mim.
— Não tem do que se envergonhar, hein?
— Claro que não! Eu vou amar a Esdrúxula. Independentemente do
quão boa e nova ela seja.
— Esdrúxula?
— É o nome que eu vou dar para o meu carro... — contei, com um
leve sorriso.
Eu estava animada demais!
— Coitada, meu Deus. Com um nome como esse, já vai nascer morta
— brincou Francis, me fazendo rir.
— Ei, Fran, já podemos arrumar o problema do ralo — falei, sabendo
que uma parte do dinheiro que eu havia recebido era para cuidar do
problema que tínhamos no banheiro.
— Não precisa fazer isso sozinha, Nicky. Arrumamos depois.
— Não, nem pensar! É um problema nojento e eu quero fazer isso
pela gente. Uso tanto quanto você e quero que o dinheiro sirva para coisas
de adulto, como desentupir ralo — falei, vendo-o se jogar sobre a mesa para
me abraçar. — Nada de gastar dinheiro com fronhas fofas ou cachecóis —
garanti, ouvindo-o rir.
Saímos para a aula e vi Travis concordar com o meu pedido antes
mesmo de chegar na sala. Eu não queria atrapalhar o horário dele, então
combinei de ver os 3 melhores carros que eu tinha encontrado na internet.
Todos tinham problemas, mas eu não ligava. Aquele era um grande
momento para mim e era uma merda eu não estar vivendo-o com Vincent.
No entanto, não estávamos tendo uma boa semana e eu queria comprar logo
o meu carro. Não era um momento sobre "nós", mas sim sobre mim.
Por isso, quando Travis encontrou comigo na porta da faculdade, senti
meu coração sorrir por saber que nós dois íamos fazer algo só para mim.
— Quantos carros vamos ver? — questionou ele, caminhando comigo
pelo lado de fora do campus.
O céu já estava escurecendo e o clima estava frio. No entanto, meu
coração estava quente.
— Eu escolhi 3 e te proíbo de julgar — falei, procurando-os no meu
telefone. — Você não pode dar um pio sobre o meu carro, ou já sabe o que
eu faço com o seu — ameacei, dando o meu telefone para que Travis
pudesse ver os três que eu tinha escolhido.
— Eu jamais julgaria a Estapafúrdia — falou ele, analisando os
carros.
— Esdrúxula — corrigi-o, rindo.
— Essa mesma, Martinez — falou, me devolvendo o celular. — Ok,
já tenho o meu favorito. Vamos ver se vai ser o mesmo que o seu.
Fomos até o estacionamento do campus para ir com o carro de Travis
até onde estavam os que eu queria ver. Durante a viagem, concordamos que
ele negociaria e que eu não ia demonstrar emoção nenhuma ao ver os
carros, para não denunciar qual eu tinha gostado mais. Travis levava a
compra do meu carro a sério, como se fosse algo para nós dois, e não só
para mim.
— Quando você gostar muito de um carro, vai dizer "achei a pintura
um pouco... esdrúxula" — combinou ele comigo, me fazendo gargalhar. —
Assim eu sei que a gente tá vendo um que você realmente quer.
Treinamos minha expressão séria durante a viagem, chegando para
ver o primeiro carro quando já estava escuro. Eu não dirigia há muito
tempo, então deixei que Travis testasse os carros para mim, enquanto os
donos iam com a gente e comentavam sobre todos os pontos positivos e
negativos do carro.
Ao fim, eu tinha gostado dos três carros que vi, porém o último era o
meu favorito: pequeno, com o interior bem preservado, vermelho e com
pneus novos. O problema era a milhagem alta do carro, mas eu sabia que
Travis usaria aquilo para negociar, então fiquei tranquila.
— Nossa... — comentei, circulando o carro. — Achei a pintura um
pouco... esdrúxula — falei, enquanto Travis e o dono do carro me
observavam.
Vi quando Travis caminhou com o dono para um local mais distante,
deixando que eu ficasse sozinha com o carro e pudesse testar o rádio, o
aquecimento e o ar-condicionado. Tudo precisava de ajuste, mas eu não
ligava. Eram problemas muito pequenos comparados ao que eu tinha visto
antes.
Travis apertou a mão do garoto e eu sorri sozinha, certa de que ele
tinha fechado negócio. Ele se dizia bom com números, então eu queria ver
aquele lado dele em ação. Travis caminhou até o carro, enquanto o garoto
foi até o lado de dentro da casa, deixando-nos sozinhos.
— Acho que carro é seu — falou ele, me fazendo comemorar
contidamente —, mas calma, porque ele foi lá dentro conversar com o
namorado e vai me dar a resposta daqui a pouco. Eu falei que a gente sabia
dos defeitos e estava disposto a pegar o carro mesmo assim — contou,
enquanto o garoto saía com os documentos nas mãos, acompanhado de um
outro cara.
Vi quando o segundo garoto cumprimentou Travis, em seguida
fazendo uma expressão preocupada.
— Olha, eu conversei com o meu namorado e achamos que 500
dólares é muito. Não dá pra tirar 500 dólares do valor do carro por causa
dos probleminhas que ele tem...
Travis revirou os olhos e eu saí do carro, certa de que a negociação
não tinha acabado.
— Não quero ser chato, mas todo mundo vai notar os problemas que
eu notei — disse Travis, cruzando os braços. — O problema no aquecedor
pode ser sério e a milhagem do carro não tem o que discutir. Fora que o
motor não é novo e o carro também não. Esse é o terceiro carro que a gente
vê hoje e estamos em dúvida entre ele e um outro. Confia em mim quando
digo que todo mundo vai te apontar os mesmos defeitos que eu tô
apontando — disse ele para os dois garotos. — Agora, você pode ouvir isso
de mim e vender o carro hoje, pra mim, ou pode esperar mais alguns dias,
ouvir as mesmas coisas de outras pessoas e talvez vender o carro depois —
falou, deixando os garotos pensativos. — Todo mundo vai ver o que eu vi.
A escolha é sua se quer vender hoje ou não, porque todo mundo vai apontar
os mesmos problemas. E nem todo mundo pode estar disposto a lidar com
eles...
Os garotos se afastaram um pouco e cochicharam por um segundo,
enquanto eu e Travis nos olhávamos sutilmente.
— Ok... — disse o garoto que tinha aparecido depois. — Ok, o carro
é de vocês.
Voltei a me comportar contidamente, passando o valor do carro para
um dos garotos e pegando os documentos. Apertamos as mãos uns dos
outros e Travis até assinou as camisas do Blue Ravens que os garotos
tinham em casa.
Assim que eles entraram, Travis parou ao lado da minha janela,
enquanto eu ligava o carro.
— Consegue ir para casa sozinha? — perguntou, enquanto eu
arrumava o espelho.
— Pelo amor de Deus, Travis — falei, olhando para ele. — Quer
mesmo saber se eu consigo dirigir meu próprio carro? — Ele ergueu os
ombros, como se fosse uma dúvida genuína. — É claro que a resposta é
"não".
Travis riu, entrando no banco do carona.
— Vamos dar uma volta na quadra. Assim você se acostuma com o
carro.
Fazia anos que eu não dirigia, porém não demorou muito para que eu
me sentisse confortável no volante. Travis era um professor paciente e
fingia estar escolhendo as músicas enquanto prestava atenção na estrada.
Assim que consegui criar confiança, fomos até o carro dele e eu segui
Travis até o campus. Ele estacionou o Mustang e eu levei-o para dar uma
volta no meu carro, grata por ele ter me ajudado a comprar e a pagar muito
menos do que tinha imaginado. Travis era um cara legal e eu não sabia
como agradecer por ter sido tão gentil e prestativo comigo. O carro estava
frio, porque o aquecedor era muito ruim, mas meu coração estava quente e
feliz.
Paramos no estacionamento ao lado do campus e Travis me aplaudiu
por eu ter conseguido estacionar tão bem, fazendo com que eu me virasse
para ele assim que desliguei o carro.
— Obrigada — falei, esticando a mão e arrumando um fio
desobediente do cabelo dele. — Eu não teria conseguido sem você.
— Teria sim, mas vamos fingir que não — retrucou ele, esticando a
mão e tocando o colar que eu usava.
Era anormal a maneira como meu corpo reagia a qualquer toque dele.
Segurei a mão de Travis e subia devagar, beijando os dedos dele com os
olhos fechados e sentindo meu corpo reagir. Soltei a mão de Travis e o senti
segurar minha nuca, me aproximando dele para que pudesse me beijar.
Eu não odiava fazer sexo no carro. Na verdade, eu nunca tinha feito
sexo no carro. Nenhum ex meu tinha carro e eu só havia dito aquilo para
parecer foda. A verdade era que, se Travis fosse cuidadoso, aquela seria
minha primeira vez transando em um automóvel.
Pulei para o banco do carona e sentei no colo dele, mexendo nos
cabelos de Travis enquanto ele tirava o meu casaco. O carro estava frio, mas
eu não conseguia mais perceber. Foi só quando esfreguei o meu corpo no
dele que notei o quão real era aquela situação.
Eu ia transar com Travis King no meu carro.
— Travis, eu não gosto de fazer sexo no carro... — falei, enquanto ele
beijava meu pescoço.
— Eu sei — disse ele, passando a mão no meu corpo —, mas aposto
que abriria uma exceção para mim — falou, movendo minha cintura para
que eu continuasse a passar meu corpo no dele.
Segurei o rosto de Travis com as duas mãos, encarando-o por um
segundo.
— Não... eu não gosto de fazer sexo no carro, porque nunca fiz —
assumi, vendo-o olhar confuso para mim. Ok, era hora da verdade. Talvez
Travis fosse brochar ali mesmo ao saber que eu não era nada do que tinha
dito que era. — Vai parecer ridículo, mas eu não fui muito honesta com
você — assumi, ainda sentada no colo dele. — Falei que sou foda, que amo
sexo casual, que sou um mulherão que pega todo mundo etc. — contei,
enquanto ele ainda mantinha as mãos firmes na minha cintura. Eu ainda
podia senti-lo, mas jurava que ia brochar nos minutos seguintes —, mas a
verdade é que eu falei tudo aquilo só pra provocar. Pra não sair por baixo e
parecer uma menina inexperiente — confessei, passando as mãos no meu
rosto e respirando fundo. — A verdade é que eu não tenho muita
experiência com garotos. Eu uso essa máscara de mulher intimidadora, mas
a verdade é que me protejo tanto que não me relaciono com ninguém.
Tenho medo de machucar meu coração, então evito sexo de qualquer tipo.
— Parei de falar e encarei a blusa de Travis, esperando que ele dissesse
alguma coisa enquanto eu evitava olhá-lo. Na verdade, ele ainda segurava
minha cintura com força e eu ainda conseguia sentir que queria transar
comigo, o que era meio estranho. Ele não ia brochar? — Não vai falar
nada? — questionei, finalmente olhando para ele.
Travis pareceu pensar no que dizer.
— Não tenho muito o que falar — disse ele, segurando minha mão e
brincando com os meus dedos. — O que me faz gostar de você não é a sua
experiência com outros caras ou o quanto de sexo casual você fez antes de
me conhecer. Nunca foi isso que chamou minha atenção — disse ele,
enquanto meu coração acelerava. — Eu gosto é da maneira como você faz
eu me sentir. Do jeito que você fala comigo e da forma como me desafia —
confessou, me fazendo dar um leve sorriso. — A única coisa que muda, é o
fato da gente transar no carro — disse ele, tirando a outra mão da minha
cintura. — Não quero que a nossa primeira vez seja aqui, mas se você não é
realmente contra sexo no carro, então vamos nos divertir com a Esdrúxula.
Mordi o canto da boca, me sentindo confiante novamente.
— Francis não vai dormir em casa hoje — confessei, vendo-o sorrir
de volta para mim. — Quer conhecer meu quarto?
Agradeci aos céus por Francis ter recolhido as roupas dele durante a
manhã. Eu nunca tinha levado um garoto para o nosso apartamento e tinha
certeza de que meu quarto estava uma bagunça. Eu nunca recebia visitas...
só do meu irmão, o que não contava.
Pensei em Vincent assim que abri a porta do apartamento, lembrando
que Travis King estava na minha casa e meu irmão não fazia ideia daquilo.
No entanto, eu estava em paz com o fato de que talvez eu e Vincent nunca
fôssemos ver Travis da mesma forma. A maneira como ele o reprovava,
mesmo quando não tinha motivos para isso, me fazia relutar em querer
contar para ele o que estava acontecendo.
Claro que tudo aquilo ia dar uma merda federal, mas eu já tinha os
meus argumentos preparados. Eu tinha tentado conversar diversas vezes e
não consegui. Vincent sempre foi grosseiro e nunca me deixou confortável
para falar. Era como se ele não quisesse ouvir.
Por isso, eu ia viver o que tinha vontade com Travis e depois me
preocupava se meu irmão apoiava ou não. Ao contrário de Vincent, Travis
tinha mostrado interesse em acertar as coisas com o meu irmão para ficar
mais perto de mim.
— Essa é a sala — falei, vendo que estava tudo uma zona. —
Dividimos a casa com uma família de 5 pessoas, então a bagunça não é só
nossa — brinquei, vendo-o observar o cômodo com as mãos nos bolsos da
calça jeans. — Ali é a cozinha... — Apontei para o cômodo ao lado, que era
mínimo. — E atrás da cozinha temos a dispensa — expliquei, guiando-o até
o corredor. — Aqui temos o banheiro — expliquei, batendo na porta
fechada para mostrar qual era e me negando a abri-la. — e ali temos os
quartos — falei, apontando para as portas que ficavam de frente uma para a
outra. — O Fran dorme ali e eu durmo aqui — contei, segurando a
maçaneta. — Sem julgar, ok? — falei, apontando para ele.
Travis colocou as mãos no ar.
— Sem julgar. — Abri a porta e vi que meu quarto estava melhor do
que eu tinha imaginado. A cama estava feita e minha poltrona não tinha
tanta roupa jogada. Eu também não conseguia ver calcinhas ao redor do
quarto e o cheiro do meu perfume parecia preso na mobília. — Ah, qual é!
— disse ele, olhando ao redor. — Você exagerou pra cacete.
— Claro que não — falei, vendo-o sentar na minha cama. — O
espaço aqui é mínimo. Eu mal tenho onde me sentar — falei, me
aproximando dele. — Você se sentou na cama e agora eu não tenho opção a
não ser sentar aqui... no seu colo.
Travis colocou novamente as mãos na minha cintura e eu me sentei
no colo dele, assim como estávamos no carro. Voltei a beijá-lo como antes,
me sentindo realizada por ter Travis King na minha cama, passando a mão
na minha bunda.
Corri as mãos pelas costas dele, sentindo os músculos que antes eu só
observava de longe, e deixei que o perfume de Travis invadisse o meu
corpo. Era aquilo que eu queria há muito tempo.
Travis se deitou na minha cama e eu deitei por cima dele, sentindo-o
puxar minha blusa para fora do corpo. Ele olhou para o meu sutiã e eu logo
percebi que não estava usando nada sensual.
— Porra, eu não sabia que ia transar hoje — defendi-me, rindo de
leve. — Releva os desenhos de flor.
Travis sorriu para mim, me beijando novamente enquanto tirava o
meu sutiã.
— Relaxa... — garantiu ele, jogando-o para longe. — É muito melhor
assim.
Resolvi seguir o conselho dele e relaxar, fechando os olhos e sentindo
Travis passar as mãos pelos meus peitos enquanto beijava meu pescoço. Ao
contrário de mim, ele não havia mentido sobre a experiência que tinha e me
tocava de uma forma que eu nunca tinha sido tocada antes. Ou talvez
fossem as mãos grandes dele... Eu não sabia direito.
Senti Travis me derrubar na cama e se deitar por cima de mim,
beijando meu corpo enquanto tirava minha calça. Eu não conseguia reagir,
fechando os olhos com força e bagunçando o cabelo dele enquanto
arqueava minhas costas. Era muito bom senti-lo passando os lábios sobre
mim, adorando o meu corpo como se tivesse esperado meses para estar ali.
Travis tirou minhas calças, me deixando somente de calcinha na
cama. Ele ainda estava completamente vestido, o que era estranho e ao
mesmo tempo muito sensual. Eu estava entregue, aberta a aprender e
receber o que ele tinha para me dar. Travis, por outro lado, sabia muito bem
o que queria fazer comigo.
— Eu tenho um plano — falou, tirando a blusa dele. — Não sei se vai
concordar comigo.
— Qual plano? — questionei, esticando as mãos para tocar o torso
com o qual eu tinha sonhado milhares de vezes.
Travis se deitou sobre mim, voltando a me beijar enquanto acariciava
minha cabeça com a outra mão.
— Meu plano é o seguinte... — disse ele, descendo os dedos devagar
até chegar a minha barriga. — Eu vou beijar o seu corpo até você se
acostumar com a ideia de ter minha boca em você — falou, descendo os
dedos devagar, enquanto eu abria um pouco mais as pernas. Fechei os
olhos, ainda sentindo a outra mão dele fazendo carinho na minha cabeça.
Ambas as sensações eram incríveis e deixavam meu corpo pegando fogo.
— Quanto mais você se acostumar com a minha boca no seu corpo, mais
relaxada você fica pra mim... — disse, enquanto eu arqueava as costas
novamente, sentindo os dedos dele se aproximarem do meio das minhas
pernas. Eu não ia abrir meus olhos por nada. — Depois, quando você já
estiver acostumada a ter minha língua em você, vou te colocar deitada
embaixo de mim — falou, movendo os dedos devagar sobre a minha
calcinha. Segurei o lençol com força, sentindo a mão que estava sobre a
minha cabeça segurar meu cabelo com um pouco mais de força. — Vou ser
carinhoso e manter um ritmo bem lento de início — prometeu, movendo os
dedos e me fazendo sentir como se ele já estivesse colocando o plano em
ação, só que com as mãos. A maneira como ele falava e eu conseguia
imaginar a cena, me deixava desesperada por mais. — Vamos fazer tudo no
seu tempo, devagar e aproveitando cada segundo.
— E depois? — questionei, querendo que ele aumentasse a
velocidade. — E depois vem o quê? — Travis voltou a beijar o meu
pescoço, movendo os dedos devagar e me deixando maluca. — E depois,
hein? — voltei a questionar, movendo minha cintura, friccionando minha
calcinha em seus dedos, para conseguir o ritmo que eu queria.
— Calma que eu tô no meio da história — disse ele, puxando minha
calcinha pro lado. — Agora é que vai ficar bom.
Segurei a cama com força ao senti-lo me tocar sem nada nos
atrapalhando, querendo que ele pulasse logo para a parte em que eu subia
em cima dele.
— Termina logo essa explicação, porque tô pronta pra colocar tudo
em prática.
— Devagar não é lento — explicou ele, aumentando a velocidade e
mantendo um ritmo constante. — Devagar é assim — falou, enquanto eu
agarrava o lençol e fechava os olhos com força. Travis sabia muito bem
como me colocar no clima e me fazer sentir confortável e segura perto dele.
Além de ser um tremendo de um gostoso, ele lia o meu corpo muito bem e
sabia como entrar na minha mente. — Depois que você estiver bem
confortável comigo por cima, vamos mudar o jogo e você senta em mim —
contou ele, aumentando a velocidade dos dedos ao entrar e sair da minha
vagina, mas de maneira muito calma, apertando o meu clitóris e esfregando
os dedos em meus lábios de maneira intensa, me deixando cada vez mais
molhada e me fazendo delirar com as palavras dele. — Aí é hora de você
decidir o quão rápido quer ir. Aí eu deixo na sua mão — falou, aumentando
a velocidade e me fazendo sentir que eu ia gozar.
Segurei o ombro dele com força, sentindo-o me tocar como ninguém
nunca havia me tocado. Eu não achava que era uma questão de experiência,
mas sim de saber ler os sinais do meu corpo. Continuei a imaginar a cena,
enquanto sentia os dedos dele dentro de mim… e isso foi o suficiente para
eu gozar.
Caralho, ele tinha feito tudo só me descrevendo o que viria por aí.
— Tira a porra dessa calça — falei, levantando o corpo para tirar a
calça de Travis, enquanto eu ficava por cima. Senti-o segurar meus cabelos
com força quando aproximei meu rosto da virilha dele, beijando-o devagar
enquanto o olhava. — Quer que eu descreva também o que eu quero fazer?
— questionei, olhando-o com a cara mais ingênua que eu sabia fazer.
Travis jogou a cabeça para trás, segurando meu cabelo com força.
— Não, pode só fazer — respondeu, enquanto eu sorria de leve e
colocava minha boca no corpo dele. — Você é muito melhor nisso do que
imagina, Nicky.
Retirei a cueca dele vagarosamente e percebi que ele era realmente
tudo aquilo que os corredores da faculdade diziam. Ele era grande, e eu
desci minha boca aos poucos pelo pau dele, enquanto o masturbava, ele
segurava em meu cabelo, mas sem forçar nada, seus gemidos ecoavam pelo
quarto, e eu me sentia fodona por estar conseguindo proporcionar prazer a
ele.
Não demorou muito para que Travis afastasse a minha cabeça e me
deitasse novamente na cama, fazendo exatamente o que tinha prometido.
Ele beijou meu corpo devagar e me deixou ansiosa pelo toque dele,
passando por todo o meu corpo enquanto eu tentava controlar a minha
pressa em tê-lo dentro de mim.
Assim que Travis foi pegar a camisinha na carteira, abri minhas
pernas e toquei-me sozinha, fechando os olhos e amando tudo o que eu
sentia. Quando voltou a olhar para mim, ele passou as mãos no rosto e
suspirou.
— Puta que pariu — disse ele, se deitando por cima de mim,
enquanto eu sorria. — Você é muito mais gostosa do que eu tinha
imaginado.
Travis entrou devagar, fazendo exatamente o que tinha me dito que ia
fazer. Eu tentava manter meus olhos nos dele, mas a sensação de finalmente
tê-lo ali comigo era boa demais para não revirar os olhos.
Senti-o me beijar enquanto ainda não se movia, deixando apenas que
a língua dele se enrolasse com a minha.
— Vou me mexer — anunciou ele, enquanto segurava minhas mãos
em cima da cabeça. — Ok?
— Ok — garanti, vendo-o cumprir com a promessa de que ia ser
devagar.
Eu aproveitava a situação, certa de que o ritmo que ele tinha
escolhido era perfeito e prazeroso para mim. Eu não queria que acabasse
nunca mais, sentindo Travis diminuir a intensidade de suas metidas de vez
em quando para que realmente pudéssemos ficar ali o máximo de tempo
possível. Mantive meus olhos nos dele por alguns segundos, gemendo
enquanto o encarava e logo percebendo que aquilo ia enlouquecê-lo. Mordi
o canto da minha boca, deixando que meus olhos informassem o quanto
estava bom.
— Para — disse ele, rindo e tampando minha cara com a mão.
— Para o quê? — questionei, afastando a mão dele do meu rosto.
— De fazer essa cara — disse ele, aumentando a velocidade. — Vai
me fazer gozar.
Fechei os olhos e senti-o mover-se depressa dentro de mim, certa de
que eu gozaria primeiro. Travis movia o corpo depressa e eu o sentia
completamente dentro de mim, me fazendo provar de todas as sensações
possíveis e impossíveis. Ele me segurava com força na cama, enquanto
ditava as regras de tudo, e eu não podia negar que estava amando esse lado
dominador dele.
Senti o orgasmo tomar conta de mim e meu corpo tencionou, sentindo
Travis chegar lá também antes de chegarmos na parte onde eu sentava nele.
Ia ter que ficar para outra hora, porque eu estava exausta quando ele
rolou para o meu lado na cama.
— Puta que pariu — falei, tentando recuperar o fôlego. — Minha
vida está destruída para sempre — assumi, ouvindo-o rir.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, deitados de barriga para
cima enquanto olhávamos para o teto do meu quarto.
— A minha também — disse ele, finalmente.
Molly tem certeza que a vida dela é o roteiro ruim de uma novela
mexicana. Quanto mais ela se mexe, mais as coisas dão errado.
O primeiro ano de faculdade está muito mais difícil do que ela
pensava, o trabalho à noite não a permite descansar, o apartamento
minúsculo em Nova York fica constantemente sem energia e, para fechar
com chave de ouro, a melhor amiga de Molly está noiva do cara por quem
Molly foi apaixonada a vida inteira. A melhor amiga está noiva. Noiva! Aos
dezenove anos de idade!
A vida de Molly parecia não ter como piorar, até que ela encontra um
celular misterioso e resolve devolvê-lo ao dono.
O que ela não imaginava era que devolver esse telefone iria
transformar o roteiro de novela mexicana da vida dela em um romance
igual ao dos filmes, com momentos emocionantes e músicas dedicadas para
ela.
Em pouco tempo, Molly será o rosto mais conhecido da cidade e a
garota mais invejada pelas adolescentes.
Será que esse é finalmente o filme que Molly queria viver ou será que
o roteiro ruim de novela mexicana vai encontrá-la antes do "felizes para
sempre"?
Se Poupe, Hope
Livro II da série "Chasing Queens"
Hope aprendeu muito nova que garotos só servem para partir seu
coração. Depois de ser abandonada pelo namorado que a engravidou, Hope
criou anticorpos contra otários e usa todo o conhecimento dela para ajudar
as amigas a não caírem nas mesmas armadilhas.
Até Evan Stone aparecer.
Evan é o tipo de cara que entra facilmente para a lista de babacas de
Hope, sendo alto, loiro, bonito e, o mais importante de tudo: guitarrista de
uma das maiores bandas do momento, a Chasing Queens.
Evan cometeu um erro crucial e acabou se queimando feio com Hope,
porem ele não acha justo ser colocado na lista de "babaca" dela.
Agora Hope vai ter que se esforçar bastante para fugir do guitarrista
mais gato da Chasing Queens, que está cego atrás dela tentando provar que
pode ser um príncipe encantado e não o babaca que ela pensa.
A Arte De Fingir Ser Ella
Livro 3 na série Chasing Queens