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Os sindicatos e o ensaio democrático – 1945-1964

Quando em 1945-1946 o país passou por um processo de re-


democratização, várias instituições, mecanismos e propostas
do Estado Novo permaneceram de pé. Mas, a mais significa-
tiva herança da ditadura a manter-se no período democrático,
impondo sérios limites a ele, foi a estrutura sindical.
No período compreendido entre 1945 e o golpe de 1964,
vivenciaram-se diversas fases de mobilização sindical cres-
cente, tal como logo ao fim da ditadura e no ano seguinte,
ou como no período do segundo governo Vargas, ou ainda
nos primeiros anos da década de 1960. Nessas fases, os limi-
tes legais ao direito de greve foram rompidos pela força dos
trabalhadores organizados. Especialmente nos anos de 1960,
a importância política dos trabalhadores e dos sindicatos foi
enorme e suas propostas para as grandes questões nacionais
eram necessariamente debatidas pelo conjunto da socieda-
de. No entanto, a estrutura sindical permaneceu inalterada,
sugerindo que as lideranças mais combativas preferiam usar
os recursos do sindicato oficial a combater decisivamente
seu modelo atrelado ao Estado. Quando o golpe de 1964
pôs fim às esperanças de amplas transformações sociais no
país, aquela estrutura mostrou seu potencial repressivo. Mi-

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

lhares de cassações de dirigentes e intervenções em entida-


des sindicais desmantelaram, em poucos meses, o trabalho
de duas décadas de mobilização.
Uma caracterização do movimento operário e sindical
entre 1945 e 1964 tem de partir de uma periodização das
diferentes conjunturas, levando em conta: a expansão da
atividade sindical; as relações com o Estado e os diversos
partidos políticos; as greves e o grau de adequação ou con-
frontação com a estrutura sindical oficial. Assim, para tratar
do período em questão, é necessário atentar para as especifi-
cidades de quatro conjunturas distintas: a da retomada das
lutas no processo de redemocratização (1945-1946); a de
repressão aberta, nos anos finais do governo Dutra (1947-
1950); a fase da retomada das direções sindicais por setores
mais combativos e de ressurgimento das greves (no segundo
governo Vargas e primeiros anos do governo JK) e a conjun-
tura de grandes mobilizações do início dos anos de 1960.

Os sindicatos e a redemocratização
A estrutura sindical: conformações e tensões
Com o país ingressando na II Guerra Mundial em 1942, ao
lado dos Aliados (EUA, Inglaterra, União Soviética), apesar
das oscilações da diplomacia e de declarações simpáticas
ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão) nos anos anteriores, a
ditadura do Estado Novo começaria a passar por um pro-
cesso de questionamentos mais diretos, que apontavam a
necessidade de redemocratização. Demonstrando interesse
em controlar o processo, Vargas promoveu uma série de re-
formas liberalizantes como o reconhecimento dos partidos
(até do PCB), a anistia dos presos políticos e a convocação
de eleições para a Constituinte. As eleições presidenciais, en-
tretanto, seriam questionadas pelo movimento pró-consti-
tuinte com Getúlio na presidência – o “queremismo”. Nesse
quadro, os mesmos militares que foram os fiadores do golpe
do Estado Novo em 1937 depuseram Vargas em 1945. Dois

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Marcelo Badaró Mattos

deles disputaram as eleições: o Brigadeiro Eduardo Gomes,


pela UDN, de oposição a Getúlio, e o General Dutra, pelo
PSD, partido criado pelos governistas. O PTB, com o fim da
alternativa queremista, apoiou na última hora, por indica-
ção de Getúlio, o general Dutra, o que garantiu sua vitória.
Nos ventos da redemocratização, o recém-reorganizado
PCB teve um desempenho eleitoral surpreendente, com cer-
ca de 5% dos votos para a Constituinte e em torno de 10%
dos votos para a Presidência da República, fazendo de seu
candidato, Iedo Fiúza, o 3o colocado na disputa. Um sinal
de que, para os trabalhadores, a redemocratização possuía
um sentido bem mais amplo.
Outro sinal seria a retomada efetiva das atividades sin-
dicais na conjuntura do declínio do Estado Novo e de rede-
mocratização. Dados sobre a criação de novos sindicatos e
o índice de sindicalização confirmam essa retomada: 873
sindicatos foram criados até 1945 e, em 1946, criaram-se
mais 66. Os trabalhadores filiados, que, em 1945, somavam
474.943, passaram a contar 797.691 já em 1946.
Ainda nessa conjuntura, e aproveitando os ventos de-
mocratizantes, as lideranças comunistas buscaram aliados
fora das fileiras do PCB para criar uma organização inter-
sindical à revelia da legislação. Assim, em abril de 1945, nas-
cia o Movimento de Unificação dos Trabalhadores (MUT).
A consigna estampada no primeiro. número do jornal do
MUT resumia os objetivos da entidade:
A tarefa do MUT é desenvolver a educação democrática do pro-
letariado, lutar pela liberdade sindical, estimular a sindicalização
de todos os setores trabalhistas, apoiar as reivindicações gerais
da classe operária e, principalmente, fazê-la compreender na
prática as vantagens de sua unidade” (MUT, nº 1, Rio de Janei-
ro, 9/8/1945, p. 1. AMORJ)
Entre as práticas propostas pelo MUT, estava a criação
de organismos intersindicais regionais, como a União Sin-
dical dos Trabalhadores do Município de São Paulo e sua

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

equivalente carioca. Mas os militantes ligados ao MUT tam-


bém estimularam uma outra estratégia que, entre algumas
categorias, já possuía longa tradição: a criação de comissões
de trabalhadores nos locais de trabalho. Tais comissões tive-
ram papel destacado em boa parte dos movimentos grevis-
tas deflagrados naquele período.
O crescimento do processo de organização levou à con-
vocação, para setembro de 1946, do Congresso Sindical dos
Trabalhadores do Brasil, realizado no Rio de Janeiro. O gru-
po de comunistas e militantes ligados ao Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), que já atuava em conjunto no MUT, de-
fendeu nesse congresso a autonomia dos sindicatos. Grupos
ministerialistas retiraram-se do evento e exigiram do Minis-
tério o seu fechamento. Ainda assim, com cerca de 2 mil dos
2.400 delegados inicialmente presentes, os trabalhos conti-
nuaram, em outro local, e aprovou-se a criação da Confe-
deração dos Trabalhadores do Brasil (CTB). Seguindo for-
malmente uma linha de defesa da autonomia dos sindicatos
frente ao Ministério do Trabalho, mas evitando a ruptura
completa com as regras da CLT, as resoluções do encontro
trataram dos mais diversos temas, como: estabilidade; direi-
to de greve; participação nos lucros; segurança no trabalho;
trabalho da mulher e do menor; seguro social; delegados
sindicais e organizações intersindicais regionais, entre ou-
tros. No tema referente à liberdade e autonomia sindical, o
congresso aprovou resoluções como as que se seguem:
1º) que seja permitido às entidades sindicais o direito de elaborarem
livremente seus estatutos, nos termos do artigo 510 §1º da CLT, ca-
bendo aos associados estabelecerem as normas que lhe convenham
de administração, eleições, perda de mandatos e substituição dos
diretores, aplicação de rendas e outras atividades correlatas; 2º)
fiscalização financeira do Estado apenas sobre o Imposto Sindical;
3º) que o poder público não possa interferir nas entidades salvo no
que diz o estatuto; 4º) simplificação dos registros dos sindicatos;
5º) liberdade de sindicalização de todos os assalariados; 6º) princí-

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Marcelo Badaró Mattos

pio de democracia interna nos sindicatos (Resoluções do Congres-


so Sindical dos Trabalhadores do Brasil, p. 9. BN).
A contestação aos limites da estrutura sindical oficial
ficava expressa na denúncia da proibição de sindicalização
aos trabalhadores do campo e ao funcionalismo público,
bem como na recusa da rigidez dos controles impostos pelo
modelo do “estatuto padrão” e à prática corrente de inter-
venções do Ministério do Trabalho, inclusive depondo di-
retorias. Porém, quer por avaliar os entraves aos avanços
impostos pela conjuntura, ou ainda por concordar com as
vantagens impostas por certas facetas da legislação (como
o monopólio da representação), o fato é que as lideranças
mais combativas do sindicalismo de então não se arriscavam
a articular um discurso e uma prática de confronto direto
com a CLT. Isso fica patente, também, nas considerações
que antecediam à mais importante das resoluções do Con-
gresso, a que criava a CTB:
Considerando: (…) que, como órgão de cooperação com o Esta-
do, poderá influir muito eficientemente na solução dos proble-
mas econômicos e sociais de nossa pátria; (…) que, na prática,
se verificou a ausência de um organismo que congregue todos os
trabalhadores e entidades sindicais num esforço comum e unitá-
rio em prol das suas reivindicações gerais; que esse organismo,
além de constituir-se em fator de unidade de todos os trabalha-
dores, seria também um meio de garantir o desenvolvimento so-
cial do Brasil dentro de um clima de verdadeira ordem e progres-
so (…) Este congresso resolve: seja criada a Confederação dos
Trabalhadores do Brasil (…) (Resoluções do Congresso Sindical
dos Trabalhadores do Brasil, pp. 43-44. BN).

A CTB teria, porém, vida ativa curta. A onda repressi-


va que se seguiu ao fechamento do PCB atingiu, em maio
de 1947, a CTB e as uniões sindicais estaduais, que foram
fechadas pelo governo Dutra. Na clandestinidade, a Con-
federação ainda lançou manifestos e propostas por alguns
anos, mas sua representatividade já não era tão significativa.

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

Além disso, o governo promoveu intervenções em mais de


400 entidades, inaugurando nova fase de repressão aberta
ao sindicalismo mais combativo.
A repressão foi acentuada nessa fase mais autoritária
do governo Dutra, em consonância com o clima interna-
cional de bipolarização da guerra fria e com as perspecti-
vas de controle sobre sindicatos do empresariado brasilei-
ro que, embora afinado com o discurso liberal de abertura
econômica e menor interferência estatal, manteve-se firme
na defesa da estrutura sindical oficial, conservada intacta
pela Constituição de 1946. Mas repressão policial não foi
exclusividade dessa fase.
A polícia política montada na ditadura do Estado Novo
continuou mantendo vigilância constante sobre organiza-
ções e militantes sindicais. Uma triagem na documentação
do Divisão de Polícia Política e Social (DPS), do Distrito Fe-
deral (cidade do Rio de Janeiro), encontrou, em 1958, 800
mil fichas referentes a comunistas, número absolutamente
exagerado em relação ao total de militantes ligados ao PCB,
mas que dá bem conta da amplitude do esforço de vigilância
e repressão. Só no ano de 1947, no centro da onda repres-
siva de Dutra, a polícia política carioca produziu 56 mil fi-
chas de suspeitos de comunismo, efetuou 3 mil prisões e 15
mil “visitas” de investigadores a sindicatos (Pereira, L. L. C.
“Polícia política e caça aos comunistas”. In Trabalhadores
em greve, polícia em guarda pp. 167 e 173).

As greves na redemocratização
Os anos que se seguiram à entrada do Brasil na guerra fo-
ram sentidos pela maior parte dos trabalhadores urbanos
como época de sacrifícios. Apesar de toda a retórica oficial,
que enfatizava o espírito nacionalista durante o “esforço
de guerra”, algumas categorias protestaram de forma mais
incisiva. Em 1944, antes mesmo da anistia e do tratamento
menos intervencionista aos sindicatos, registraram-se al-

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gumas greves significativas, como no setor de transportes


(bondes urbanos e trens), entre os mineiros no Rio Grande
do Sul e em algumas fábricas metalúrgicas de São Paulo.
No ano seguinte, tão logo o governo começou a afrouxar
os cintos da repressão policial, pipocaram greves em di-
versos centros, como as dos ferroviários de Campinas, das
docas de Santos, dos bancários paulistas e dos motoristas
de ônibus no Rio.
Assim é que o ano de 1946, em que o general Dutra
tomou posse da presidência, assistiu a cerca de 60 greves
somente nos seus primeiros dois meses. Em meados de fe-
vereiro, o jornal paulista Folha da Manhã estimava em cer-
ca de 100 mil o número de operários em greve no Estado.
Somente os metalúrgicos de São Paulo paralisaram suas
atividades seis vezes ao longo do ano, apesar das tentati-
vas do governo de controlar o movimento por uma inter-
venção no sindicato. Levantamento na imprensa da época
aponta 62 greves em São Paulo nos anos de 1945-1946
(Sandoval, S. Os trabalhadores param, p. 36). Em pesquisa
nos jornais da capital da República, foram encontradas 45
greves entre 1945 e 1947, 37 delas em 1946 (Mattos, M.
B. e outros. Greves e repressão policial ao sindicalismo ca-
rioca: 1945-1964, p.45).
As lideranças mais combativas daquele momento – em
especial os comunistas – viveram um dilema que, ao lon-
go dos anos, se repetiria com alguma freqüência: obedecer
às orientações políticas ditadas pela direção partidária ou
atender às pressões das bases sindicais. Naquela conjuntura,
seguindo uma orientação mais geral do contexto do fim da
II Guerra Mundial, o PCB buscava aliança política preferen-
cial com as forças que derrotaram o fascismo europeu (no
caso brasileiro, a própria ditadura de Vargas) e esforçava-se
por priorizar a transição política para um regime democrá-
tico constitucional, chegando a se afirmar como “esteio da
ordem”. Nessa linha, o partido apontava aos sindicatos a

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

diretriz da contenção dos movimentos, “apertar os cintos”


para garantir a política de “união nacional” em torno da
transição democrática, o que, na prática, significava evitar
as greves. Assim o explicitava o próprio Luiz Carlos Prestes,
em 1945, afirmando a subordinação da tarefa de mobili-
zação popular ao objetivo político de garantir a transição
democrática “sem maiores choques e atritos”:
(…) nestas condições é evidente que se abriram agora novas
possibilidades para a organização do proletariado e das gran-
des massas trabalhadoras do campo e das cidades, melhores
perspectivas para a rápida mobilização política e unificação das
mais amplas camadas sociais, visando sempre a união nacional
indispensável à completa e definitiva liquidação do fascismo em
nossa terra, passo primeiro para a solução efetiva, sem maiores
choques e atritos, dos graves problemas econômicos e sociais da
hora que atravessamos (Prestes, L. C. “Os comunistas na luta
pela democracia”, 7/8/1945. Citado por Carone, E. O PCB:
1943 a 1964, vol. 2, p. 56).

Diante da passividade dos dirigentes pelegos e da orien-


tação de contenção dos ativistas comunistas, muitas greves
surgiram à margem dos sindicatos, por meio das comis-
sões por local de trabalho. Em alguns casos, porém, pres-
sionadas pela necessidade de manter uma identidade com
as categorias que representavam, lideranças petebistas ou
comunistas acabaram por capitanear grandes movimentos
grevistas, como o dos portuários de Santos, dos ferroviários
em várias de suas mobilizações, ou dos têxteis paulistas.
O melhor exemplo destas, que tiveram o sindicato como
instância organizadora e dirigente, foi a greve nacional dos
bancários, que, na virada para o ano de 1946, parou o mo-
vimento financeiro em todo o país, em plena conjuntura de
posse do governo Dutra, com a reivindicação de estabeleci-
mento de um “salário profissional” (que hoje chamaríamos
de piso salarial). A disposição de luta da categoria e de suas
lideranças (no Rio e em São Paulo com forte presença de

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Marcelo Badaró Mattos

comunistas) pode ser medida pelo tom da resposta que diri-


giram ao patronato após alguns dias de greve, em manifesto
publicado pelo jornal:
Para não ficarem tão mal com a opinião pública, os srs. ban-
queiros afirmam que, sendo contra o salário profissional, que-
rem conceder aos empregados uma participação nos lucros de
suas empresas, como única fórmula de atender à situação de
equilíbrio entre as partes, e deitam copiosas lágrimas porque,
alegam eles, os empregados não querem aceitar tão valioso pre-
sente, verdadeiro saco de nabos. Os bancários não têm dúvida
em aceitar o oferecimento de participação nos lucros, e aceitam
com entusiasmo, desde que os empregadores estejam dispostos
a dar participação substancial e comprovada na renda dos es-
tabelecimentos. Sempre disseram que o capital e o trabalho são
forças que se equivalem na produção. Assim sendo, capital e
trabalho deveriam ter participação idêntica, pela igualdade de
suas condições, o que vale dizer que dos lucros caberiam 50%
para o capital e 50% para o trabalho. Mas isso não é tudo. Para
que a participação viesse a ser real e efetiva, como resultado di-
reto de verdadeiro superavit das operações, deveria então haver
também uma participação igual de capitalistas e empregados
na direção da sociedade, por meio de um conselho misto de
administração. Os representantes dos banqueiros seriam eleitos
pelos acionistas e os representantes dos bancários seriam elei-
tos pelos empregados, democraticamente. Todos teriam poderes
iguais, na direção, administração e realização dos negócios e
operações. Controlariam e dirigiriam a contabilidade, apura-
riam os verdadeiros lucros, incluindo-se neles os resultados de
“caixinhas negras” que freqüentemente existem para descarga
de certos resultados positivos e não convenientes nos balanços.
(…) Topam os Srs. banqueiros a participação com essas garan-
tias e bases gerais? (Carone, E. Movimento operário no Brasil
(1945-1964), p. 207-208).

Da repressão à retomada
Os anos finais do governo Dutra, marcados pelas interven-
ções e pela aplicação da legislação que limitava, na prática,
o direito de greve a situações excepcionais, foram anos de

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

contenção pela repressão da fase ascensional das jornadas


operárias de 1945 e 1946. À exceção de um pequeno sur-
to grevista em 1948, com uma paralisação dos ferroviários
da Leopoldina, que iniciou o processo de nacionalização da
empresa, e algumas greves por reajustes salariais nos Esta-
dos, uma retomada dessas ações só seria possível em 1951,
já durante o segundo governo de Vargas.
Em relação às reivindicações econômicas, o arrocho sa-
larial do governo Dutra – em 1951 o salário mínimo atin-
giria o menor patamar desde sua criação, com valor real
inferior a 40% do estipulado dez anos antes – legou ao seu
sucessor uma pressão por reajustes substanciais. A perpe-
tuação dos interventores gerava também a reivindicação
de liberalização dos sindicatos, que se somava à palavra de
ordem do direito de greve. As oposições não conseguiam
espaço para atuar em função da exigência legal de um “ates-
tado de ideologia” (ficha limpa na polícia política) para os
candidatos a cargos de direção sindical.
Tais pressões seriam ainda mais sensíveis para um gover-
no como o de Vargas que se elegeu com um discurso volta-
do para a grande massa de trabalhadores urbanos, com forte
apelo nacionalista e trabalhista, como era o caso da campa-
nha que o levou ao poder nas eleições de 1950. Em seu se-
gundo governo, Vargas procurava destacar a continuidade da
“política social” iniciada em 1930 e, para aprofundá-la, pedia
o apoio dos trabalhadores. Mas a época era outra e tanto o
nível de mobilização operária quanto a força da pressão opo-
sicionista indicavam que o discurso trabalhista tradicional
precisava de maior radicalidade, expressa, por exemplo, na
fala de Getúlio aos trabalhadores, no “1º de Maio” de 1954:
Como cidadãos, a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe,
podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número.
Constituís a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis
o governo (Citado por Gomes, A. de C. A invenção do trabalhis-
mo, pp. 207-208).

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Marcelo Badaró Mattos

No campo da esquerda, os comunistas, postos na ilegali-


dade pelo fechamento do PCB e afastados das direções sindi-
cais, radicalizaram seu discurso pregando uma oposição siste-
mática à presidência, denunciada como serviçal dos interesses
de imperialistas e latifundiários. No campo sindical, renega-
vam a política de aliança com os trabalhistas, que haviam
exercitado no fim do Estado Novo, e defendiam a atuação
paralela aos organismos sindicais oficiais, por meio de comis-
sões de base dos trabalhadores nas empresas e de entidades
intersindicais criadas apesar da legislação que as proibia.
Levantamentos de militantes da época dão conta de 173
greves em todo o país, já em 1951, e 264, em 1952 (Telles, J.
O movimento sindical no Brasil). Em destaque nesses anos,
as lutas dos têxteis. Em Pernambuco e na Paraíba, em 1952;
no Rio de Janeiro, na virada de 1952 para 1953; e em São
Paulo, em 1953 (em meio a uma greve que atingiu também
metalúrgicos, gráficos, marceneiros, pedreiros…), os têxteis,
numericamente ainda a maior categoria do operariado in-
dustrial, enfrentaram o patronato, as decisões contrárias a
seus interesses da Justiça do Trabalho e a repressão violenta
das autoridades policiais.
Entre esses movimentos, o de maior repercussão na con-
juntura foi a chamada greve dos 300 mil em São Paulo. Por
sua dimensão, pela organização dos trabalhadores nos locais
de trabalho, por seu desdobramento na criação de um orga-
nismo intersindical, entre outros fatores, ela representou um
marco na retomada das mobilizações operárias após o des-
censo iniciado no governo Dutra. A atitude do Estado e dos
patrões frente à greve caracterizou-se pela repressão. Sua vio-
lência pode ser medida pelo relato de uma operária, emprega-
da em fábrica de tecidos, sobre a paralisação em sua empresa
quando da “greve dos 300 mil” de São Paulo, em 1953:
Ao meio dia, nós saímos para comer, mas já decididos a não
retornar ao trabalho. Depois do almoço, ficamos diante das
portas da fábrica. A propaganda em favor da greve é feita para

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

cada grupo de trabalhadores. Mas logo chega uma dezena de


caminhões da polícia e um destacamento da polícia montada.
Às 13 horas, a sirena da fábrica chama a volta ao trabalho, mas
ninguém cruza a porta da fábrica. É a greve. Ocorre, então,
uma cena incrível. Os soldados montados fazem carga contra
os trabalhadores desarmados. (…) Os caminhões da polícia
encurralam os trabalhadores contra os muros da fábrica, pres-
sionando-os na direção da porta. Numerosos trabalhadores,
que protestaram, são embarcados, presos, nos caminhões da
polícia. Podia-se dizer que toda a fúria do mundo tinha sido de-
sencadeada contra nós (…) Mas nós não cedemos. E ninguém
retornou ao trabalho (Citada por Moisés, J. A. Greve de massa
e crise política, p. 141).
Em meio aos movimentos contra o aumento do custo
de vida e às greves, surgiram diversas entidades de caráter
intersindical que teriam papel destacado na organização dos
trabalhadores. Em São Paulo, após essa greve, criou-se outra
entidade intersindical à margem da legislação, o Pacto de
Unidade, mais tarde chamado Pacto de Unidade Intersin-
dical (PUI), que reuniu, inicialmente, os quatro principais
sindicatos envolvidos na greve e, mais tarde, chegou a con-
gregar mais de cem entidades sindicais.
No ano anterior, no Rio de Janeiro, já havia sido criado
um organismo que gerou frutos para a mobilização dos tra-
balhadores: a Comissão Intersindical Contra a Assiduidade
Integral (Ciscai). Com a participação inicial de cerca de 30
sindicatos cariocas e a organização de entidades semelhan-
tes em vários Estados, a Ciscai foi fundada em meados de
1952 e exigia o fim da cláusula que amarrava a concessão
de reajustes salariais e o pagamento dos descansos semanais
remunerados ao comparecimento ao trabalho todos os dias
do mês sem mesmo direito a um atraso de minutos, punido
também com o desconto de meio dia de salário.
Entre dezembro de 1952 e janeiro de 1953, os operá-
rios da indústria têxtil carioca estiveram em greve com uma
pauta de reivindicações centrada justamente na conquista

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Marcelo Badaró Mattos

de um reajuste desvinculado da assiduidade integral. Esse


movimento, que paralisou a quase totalidade dos cerca de
30 mil tecelões cariocas, foi extremamente significativo por
ter se desencadeado para contestação de uma sentença des-
favorável à categoria no Tribunal Regional do Trabalho. Foi
não só um confronto com o patronato, mas também um
questionamento da própria Justiça do Trabalho.
Intersindicais como o PUI e a Ciscai serviram de modelo
para articulações como a Comissão Permanente de Organi-
zação Sindical, criada em 1958 no então Distrito Federal, e
mesmo o Pacto de Unidade e Ação (PUA), que reunia nacio-
nalmente as entidades sindicais de trabalhadores em trans-
portes marítimos, ferroviários e, mais tarde, aéreos, além dos
portuários. O PUA surgiu de uma grande greve nacional dos
trabalhadores em transportes – a greve da paridade – em
1960, reivindicando do então Presidente Juscelino Kubits-
chek um reajuste equivalente ao concedido aos militares.
Mesmo os paliativos aumentos do salário mínimo e a
ênfase no apelo às massas do discurso trabalhista, não ga-
rantiriam a Getúlio, na fase crítica de 1954, a base popular
de que se ressentia para enfrentar as contradições internas de
seu próprio governo e a oposição ostensiva dos setores gol-
pistas da UDN, principal partido antigetulista. Ainda assim,
o gesto extremo do suicídio reverteria tanto a força da opo-
sição – garantindo a eleição de Juscelino Kubitschek pelos
mesmos PSD e PTB criados por Getúlio – quanto restauraria
a aura de mito do “pai dos pobres” junto aos trabalhadores
urbanos. Nesse contexto, as lideranças comunistas viram-se
obrigadas a rever seu isolamento e a buscarem alianças. No
campo sindical, a aproximação de comunistas e trabalhis-
tas de esquerda para conquista das direções de sindicatos
e órgãos de cúpula da estrutura oficial, bem como o clima
de relativa liberdade democrática que marcaria o governo
JK, abririam espaço para a fase de mais ampla mobilização
sindical conhecida até então.

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

Trabalhadores e sindicatos entre 1955 e 1964


Quando, em 1955, Juscelino Kubitschek assumiu a Pre-
sidência da República, o país já vivenciava uma profunda
transformação econômica que seu governo, por meio de
instrumentos de planejamento econômico centralizado, iria
aprofundar de forma rápida e violenta. Entre 1920 e 1960,
o número de operários industriais saltou de 275 mil para
cerca de 3 milhões. Os trabalhadores industriais passaram
a representar, em 1960, cerca de 13% da População Econo-
micamente Ativa (PEA) do país. Embora a agricultura ainda
empregasse mais da metade dessa população, seu percentual
de participação na renda interna (22,6%) já era inferior ao
do setor industrial (25,2%). Os anos JK foram decisivos para
essa virada, pois os subsídios governamentais para setores
estratégicos da economia e a abertura ampla para os inves-
timentos estrangeiros criaram condições para incrementos
extraordinários em alguns setores. No caso da infra-estru-
tura, o setor energético assistiu a um aumento da produção
de energia elétrica de cerca de 50% entre 1955 e 1961 e a
produção de petróleo saltou dos 2 milhões de barris por ano
em 1955 para 30 milhões em 1960. O chamado ao capital
estrangeiro resultou em um incremento da produção de bens
de consumo duráveis, com destaque para o setor automobi-
lístico. Em 1955, praticamente não se produziam automóveis
no Brasil. Em 1960, foram produzidos mais de 130 mil veí-
culos, em 11 fábricas (todas ligadas a empresas estrangeiras),
que empregavam cerca de 130 mil operários.
Porém, as contradições desse modelo de desenvolvimen-
to não tardariam a se fazer sentir. O salário mínimo, que
nos primeiros anos do governo JK atingiria o mais alto pa-
tamar de sua história, chegava em queda a 1960, com valor
próximo ao de 1954, e cairia ainda mais nos anos seguintes.
A principal causa das perdas salariais era a inflação decor-
rente do aumento das emissões e do endividamento do Es-
tado (interno e externo) necessário à sustentação dos altos

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Marcelo Badaró Mattos

investimentos públicos previstos pelo “Plano de Metas” do


governo Juscelino. A taxa anual de inflação que, em 1955,
era de 19,1%, em 1959 atingiu 52,1%. Nos anos seguintes,
apesar de uma pequena queda em 1960, a taxa inflacionária
continuaria a subir, atingindo 79% em 1963. Os dados da
época demonstram também que crescimento econômico e
superação das desigualdades sociais não eram sinônimos,
pois, em 1960, os 70% mais pobres da população brasileira
detinham 20% da renda nacional, contra os 40% apropria-
dos pelos 6% mais ricos.
Entre meados da década de 1950 e o golpe de 1964, ob-
serva-se uma fase de ascensão do movimento sindical. Vários
são os índices dela: crescimento do número de greves; visibi-
lidade dos sindicatos na opinião pública; participação destes
na formulação de pautas políticas para o país e constituição
de organismos intersindicais, são alguns exemplos. Do ponto
de vista quantitativo, duas boas medidas do crescimento da
importância do sindicalismo são os dados sobre número de
entidades criadas e percentual de trabalhadores filiados.
Nos primeiros anos da década de 1960, ainda era in-
tenso o ritmo de criação de novas entidades, em especial
em áreas como São Paulo, na dianteira da expansão econô-
mica. No entanto, mais significativo seria tomar em conta
o nível de associativismo, expresso na proporção de traba-
lhadores sindicalizados em relação ao total da população
economicamente ativa. Tomando por base o ano de 1960, o
percentual de trabalhadores sindicalizados era de 6,11% da
PEA no Brasil como um todo, índice sem dúvida muito bai-
xo. Concentravam-se os sindicalizados na região centro-Sul
do país. Em São Paulo, essa mesma proporção subia para
9,77%. Considerando-se a inexistência de sindicatos rurais
na época, podemos reduzir o universo ao contingente da
PEA ligado a atividades urbanas. Em relação a este, o per-
centual de sindicalizados paulistas sobe para 14,45%. São,
ainda assim, índices significativamente baixos. Próximo aos

91
Trabalhadores e sindicatos no Brasil

30% (27,99%), o índice de trabalhadores filiados no antigo


Distrito Federal – já então a Guanabara – destacava-se entre
os das demais regiões do país.
Essa regra geral de baixo índice de sindicalização tinha
suas exceções, que comprovavam a possibilidade de alto
grau de representatividade de algumas das direções de sin-
dicatos de ponta. Era o caso de três das principais entida-
des cariocas: o sindicato dos bancários, com um índice de
associação de aproximadamente 75% às vésperas do golpe
militar (25.929 sócios em aproximadamente 35 mil bancá-
rios); dos ferroviários da Leopoldina, cuja marca de filiação
chegava a 85% (17 mil sócios para 20 mil trabalhadores na
base), segundo depoimento do ex-presidente do sindicato,
Demisthóclides Batista; e dos metalúrgicos, com um índice
que atingia 50% da categoria em 1961.
Por outro lado, o período em questão marcou tam-
bém uma dinamização das atividades sindicais em função
de um processo generalizado de renovação de lideranças.
Mapeando as tendências dominantes naquela fase, é pos-
sível localizar ao menos quatro agrupamentos de dirigen-
tes sindicais: a) os católicos, reunidos nos círculos ope-
rários; b) os autodenominados “renovadores”, em geral
de esquerda, mas críticos do PCB; c) os dirigentes que se
identificavam como “nacionalistas”, que reuniam, grosso
modo, os comunistas e trabalhistas de esquerda; e d) os
que se proclamavam sindicalistas “democráticos”, que se
identificavam pelo anterior controle dos órgãos de cúpula
da estrutura sindical.
Em nível nacional, é possível localizar alguns marcos da
renovação das direções nas cúpulas da estrutura sindical.
O primeiro acontecimento importante foi o 3º Congresso
Sindical Nacional, realizado no Rio de Janeiro, em agosto
de 1960. Nesse enclave, as teses dos sindicalistas ligados à
aliança PCB/PTB foram aprovadas por maioria significa-
tiva dos delegados, e os encaminhamentos para a criação

92
Marcelo Badaró Mattos

de uma Central Sindical avançaram com a constituição de


uma comissão permanente. Os dirigentes que se proclama-
vam democráticos, naquele momento dirigindo as principais
confederações (CNTI, CNTC e CNTTT), e respondendo
pela organização do encontro, abandonaram o Congresso
quando se perceberam em minoria.
Essa virada se cristalizaria no final de 1961, quando os
antigos dirigentes foram afastados da principal confedera-
ção – a CNTI – em eleições em que a chapa encabeçada por
Clodsmidt Riani, de oposição, tomou a direção do órgão
do grupo liderado por Deocleciano de Holanda Cavalcanti.
A plataforma das oposições incluía as seguintes reivindica-
ções: a) 13º salário; b) participação nos lucros das empresas;
c) salário-família; d) direito de greve; e) cumprimento da Lei
Orgânica da Previdência Social; f) autonomia sindical; g)
férias de 30 dias.
Completando o ciclo de mudança nas direções, deu-se o
IV Encontro Sindical Nacional, realizado em São Paulo, em
agosto de 1962. Com a participação de 3.500 delegados, re-
presentando 586 entidades sindicais, o encontro aprovou a:
Criação de um Comando Geral dos Trabalhadores, composto
de dois representantes de cada federação não confederada ou
de cada Confederação e, no caso de qualquer Confederação re-
cusar-se a participar do novo organismo, caberia a seus filiados,
federações ou sindicatos indicar o representante do setor profis-
sional (Delgado, L. A. N.O Comando Geral dos Trabalhadores
do Brasil, p. 55).
O “Plano de Ação Imediata” aprovado nesse encontro
previa, além das demandas econômicas já presentes na pla-
taforma da nova direção da CNTI, uma “campanha de es-
forços pelas reformas de base”, que seria o norte da atuação
política do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) nos
dois anos seguintes. IMPR!!!
Naquela conjuntura, a atividade sindical, em especial
no que diz respeito à eclosão de greves, experimentou um

93
Trabalhadores e sindicatos no Brasil

rápido e expressivo crescimento. Embora não haja qualquer


homogeneidade nos dados sobre o número de paralisações
e de trabalhadores em greve, o fato indiscutível, confirmado
por todas as estatísticas é o do crescimento contínuo das
mobilizações grevistas entre o fim da década de 1950 e o
ano de 1963.
Algumas dessas greves tiveram grande repercussão,
seja pelo poder de mobilização demonstrado pelas orga-
nizações sindicais, ou por suas demandas, visivelmente
ligadas aos grandes temas do debate político nacional. Pa-
ralisações – como a convocada em julho de 1962, contra
a posse do político conservador Auro Andrade como pri-
meiro-ministro e pela composição de um gabinete “nacio-
nalista”; ou a de setembro do mesmo ano, pelo plebiscito
– que assumiram a dimensão de greves gerais, atingindo
trabalhadores das mais diversas categorias em vários Es-
tados da Federação.
Greves reunindo diversas categorias em torno de pau-
tas comuns, como a dos 300 mil em 1953, ainda continu-
ariam a estourar. Entre os movimentos com essas caracte-
rísticas de “greve de massas”, alcançou grande destaque
a paralisação de 700 mil operários em São Paulo, no ano
de 1963. Foram também os tempos áureos das greves por
categorias. Algumas delas nacionais, como as greves dos
bancários (em 1961, 1962 e 1963), que tiveram pautas
essencialmente econômicas – salário-profissional, grati-
ficação de função, semana de cinco dias etc. – mas não
deixaram de se inserir na luta mais ampla das reformas
de base. Na greve de 1963, por exemplo, os bancários se
posicionavam no debate sobre a “reforma bancária”. Na-
cional também seria a greve dos trabalhadores de trans-
portes aéreos de junho de 1963, motivada pela demissão
pela Varig do comandante Paulo Melo Bastos – presidente
da Federação dos Trabalhadores em Transportes Aéreos,
membro da direção da Confederação e da direção do CGT

94
Marcelo Badaró Mattos

– que defendia a estatização do setor de transportes aéreos,


pela criação da Aerobrás, como solução para o atraso tec-
nológico; a atuação em cartel das companhias aéreas para
fixar preços e condições de oferta; e a falta de segurança
dos vôos comerciais no país. Tais greves foram, em geral,
bem sucedidas, com o atendimento, ao menos parcial, das
reivindicações dos grevistas.
Mas, não deixaram de ocorrer as paralisações por em-
presas, em que pautas centradas nas questões salariais e de
condições de trabalho eram dominantes. Alguns sindicatos,
em que a organização por local de trabalho era forte, ten-
deram a experimentar dezenas de greves desse tipo na dé-
cada anterior ao golpe de 1964. No caso do Rio de Janeiro,
categorias como metalúrgicos, bancários, têxteis, operários
navais, entre outras, tinham nas “comissões sindicais” ou
“comissões de empresas” um importante instrumento de
mobilização. Mesmo quando as diretorias apostavam no
caminho da negociação e evitavam as greves de categorias,
as organizações de base agiam de forma relativamente au-
tônoma, convocando paralisações freqüentes. Era o caso
dos metalúrgicos cariocas, que não fizeram greves gerais
da categoria nesse período, mas vivenciaram pelo menos 20
paralisações por empresas entre 1953 e 1964, graças aos
“conselhos sindicais”. Em 1961, os conselhos eram 140,
o que significava a presença dessa forma de organização
em 15% das empresas da base territorial do sindicato (935
indústrias em 1960). Mais presentes nas médias e grandes
empresas, esses 140 conselhos representavam cerca de 50%
da categoria.
Para uma visão geral das greves na Capital Federal
(Estado da Guanabara até 1960), entre os anos de 1955
e 1964, apresentamos o gráfico abaixo, que registra mais
de 300 greves, iniciando-se com 18 em 1955, para atingir
77 no ano de 1963 (e 38 apenas nos três primeiros meses
de 1964):

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

GREVES POR ANO NO RIO DE JANEIRO (1955-1964)

Fonte: Mattos, M. B. e outros. Greves e repressão policial ao sindicalismo


carioca: 1945-1964, p. 45.
A força política, a trajetória grevista ascendente e o
crescimento no nível de mobilização alcançado pelo sindi-
calismo entre 1955 e 1964 explicam-se, em grande parte,
pelo surgimento das organizações paralelas ao sindicalismo
oficial. Organizações paralelas de base (como as comissões
sindicais por empresa), intersindicais (como os pactos e as
comissões regionais), ou de cúpula (como o CGT), que ex-
pressavam a tentativa de criar canais de mobilização para
além dos limites da estrutura sindical montada pelo Estado
nas décadas de 1930 e 1940.
Porém, ir além, em alguns aspectos, dos limites da estru-
tura sindical oficial não significava opor-se integralmente a
suas características. Assim, o controle do Ministério do Tra-
balho sobre os sindicatos e as restrições ao direito de greve
foram condenados; já a unicidade sindical (registro legal de
apenas um sindicato de categoria por região), o monopólio
da representação (conforme o qual, o sindicato representa,
frente aos patrões e à justiça, toda a categoria e não apenas
os associados) e o poder de tributação decorrente desse mo-
nopólio (o imposto sindical) eram não só aceitos mas tam-
bém, em certos casos, defendidos. Tome-se como exemplo
a proposta do Encontro Sindical Nacional de fevereiro de
1961 que, em nome da Constituição, condenava:

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Marcelo Badaró Mattos

a ingerência governamental nas associações de classe, e o impe-


dimento de quem vive de salários e vencimentos usar do exer-
cício do direito de greve. (…) Tanto o estatuto padrão como as
normas para as eleições contrariam o que dispõe a Constituição
Federal. (…) É óbvio que o respeito à liberdade e autonomia
sindicais implica em um processo de modificações na estrutura
sindical vigente, o qual deve ser feito de acordo com a vontade
e as necessidades da classe operária brasileira. Tais modificações
vão desde a libertação do burocratismo e controle do Ministério
do Trabalho (prestação de contas, estatuto padrão etc.), até a
existência do Fundo Sindical, cuja extinção é reclamada para
que o imposto sindical seja aplicado exclusivamente pelas enti-
dades sindicais. Todas as modificações reclamadas não excluem,
em hipótese alguma, o princípio básico para os trabalhadores,
que é a unidade sindical (Citado em Mattos, M. B. Novos e ve-
lhos sindicalismos no Rio de Janeiro, p. 130).

Complexa era também a relação do sindicalismo com


as lideranças políticas, em especial no período do governo
João Goulart. Jango foi eleito Vice-Presidente pelo PTB,
numa eleição ganha pela oposição udenista, que apresentou
como candidato Jânio Quadros, cuja campanha centrou-
se no discurso de moralização política. Em seus primeiros
meses no poder, Jânio enfrentou a oposição não apenas do
PSD e PTB, que somavam a maioria no Congresso, mas
também de setores da própria UDN, descontentes, princi-
palmente, com a sua política externa “independente”. To-
mando posse em março de 1961, já em agosto encaminhou
ao Congresso sua renúncia, aguardando talvez um chama-
do para manter-se na Presidência com poderes ampliados,
o que não ocorreu. Jango, porém, não assumiria imediata-
mente, pois os ministros militares tomariam o controle do
governo. Para garantir sua posse, foi necessária uma ampla
campanha pela “legalidade”, na qual, através das greves, o
movimento sindical desempenhou um papel de destaque.
Ainda assim, a posse deu-se nas bases de um acordo políti-
co que retirou poderes de Jango, instaurando o parlamen-

97
Trabalhadores e sindicatos no Brasil

tarismo no país. Em janeiro de 1963, o presidencialismo


foi restaurado.
Naquela conjuntura, a participação política dos tra-
balhadores era cada vez mais expressiva. Em 1945, 15%
dos brasileiros eram eleitores; em 1964, esse contingente já
alcançava 25% da população. O PTB, que buscava os vo-
tos dos trabalhadores urbanos, ocupou 8% das cadeiras do
Congresso em 1946 e, nas últimas eleições antes do golpe,
em 1962, já contava com 28% dos congressistas, um ponto
percentual a menos que o PSD, que possuía a maior bancada
e várias cadeiras acima da UDN, que passou, então, a tercei-
ro partido no Congresso.
Com uma carreira política marcada pela proximidade
em relação às lideranças sindicais do PTB e seus aliados,
Jango seria, entre os presidentes do período 1945-1964,
aquele que mais abriu espaços políticos para a discussão das
propostas do sindicalismo, em especial nos últimos meses de
seu governo, quando pareciam fracassar suas tentativas de
conciliação política com os setores mais à direita no espec-
tro político. Isso não significa dizer que seu comportamen-
to evitasse a tradicional concepção trabalhista do controle
sobre as mobilizações operárias. Assim, quando as pressões
do Comando Geral dos Trabalhadores – CGT pelas “refor-
mas de base” (o grande tema político da época) tornaram-
se mais fortes, com freqüentes ameaças de greves gerais e
grandes mobilizações populares, Jango procurou esvaziar
o CGT, prestigiando a União Sindical dos Trabalhadores
(UST), recém-criado organismo de cúpula das lideranças re-
conhecidas como pelegas, e apoiando a chapa de oposição à
aliança PCB-PTB nas eleições da CNTI de janeiro de 1964.
Ainda assim, na perspectiva de radicalização política
dos primeiros meses de 1964, as lideranças sindicais aposta-
ram tudo na pressão e no apoio a Jango pela aceleração das
reformas de base. As agitações golpistas já eram claramente
percebidas e, durante todo o mês de março, o CGT articu-

98
Marcelo Badaró Mattos

lou estratégias de resistência a um movimento militar para a


derrubada de Jango. Contava com uma greve geral, somada
à força dos militares de baixa patente (que se mobilizavam
crescentemente por melhores condições de trabalho nas três
armas e por direitos políticos) e do “dispositivo militar” do
Presidente (boa parte da oficialidade superior era considera-
da fiel a ele), para impedir o avanço de qualquer movimento
golpista. Quando os primeiros passos para o golpe foram
dados, o CGT convocou uma greve geral e fez circular diver-
sos manifestos à nação, como o que se segue:
Fiel ao compromisso de defesa das classes que representa e dian-
te dos últimos acontecimentos políticos verificados no país em
conseqüência das atitudes assumidas pelo Exmo. Sr. Presidente
da República, Dr. João Goulart, em benefício do povo brasileiro
(…) o CGT defendendo a autoridade e o mandato do Presidente
da República em face dos seus atos positivos, que possam aten-
der às aspirações do nosso povo e de acordo com a resolução do
CGT, alerta aos trabalhadores para permanecerem vigilantes e
mobilizados em condições de atenderem a qualquer momento à
palavra de ordem de seus respectivos sindicatos, caso seja neces-
sária a deflagração da greve geral (Citado por Delgado, L. A. N.
O Comando Geral dos Trabalhadores do Brasil, pp. 176-177).

A greve foi de fato deflagrada e em algumas cidades,


como Rio de Janeiro e Santos, a paralisação foi total. Porém,
o alentado dispositivo militar do Presidente mostrou-se frá-
gil, já que, dos comandos regionais do Exército, apenas o do
Rio Grande do Sul mostrou-se disposto a resistir sem impor
condições. Ainda assim, diversas unidades isoladas das For-
ças Armadas apresentaram-se para a resistência, mas a or-
dem de enfrentar os golpistas não foi dada por João Goulart
e os trabalhadores viram-se literalmente desarmados para
um possível enfrentamento.
O papel dos trabalhadores organizados, no momento
do golpe, pode ser compreendido a partir do relato do líder
ferroviário Demisthóclides Baptista, o Batistinha:

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Trabalhadores e sindicatos no Brasil

A classe operária fez seu papel, parou o Brasil (…) Havia um


esquema. Qual era o esquema? O trabalhador parar em caso de
golpe. Porque o 1o. Exército era comandado por um general de
confiança, nomeado por Jango. A Aeronáutica era comandada
pelo Brigadeiro (…) Teixeira. Me disseram que fuzileiro naval
era domesticado para brigar e era tropa de elite, comandada
pelo Almirante Aragão. Então, não tinha porque o trabalhador
que nunca pegou em arma pegar (…).
Não havia trabalho de resistência armada pelos trabalhadores.
Havia a ilusão de que as Forças Armadas iriam funcionar demo-
craticamente e impedir o golpe (Batistinha: o combatente dos
trilhos, p. 45).
Na fala de Batistinha anuncia-se um dos limites do sin-
dicalismo brasileiro da época, que se lançou com vigor numa
pauta política de reformas comandada por um segmento da
classe dominante brasileira comprometido com a proposta
de conciliação de classes e, por isso mesmo, incapaz de to-
mar a frente de um processo de resistência popular efetiva
à violação da constitucionalidade e à ditadura. A facilidade
com que a ditadura utilizou-se dos recursos da legislação
sindical para reprimir os movimentos esclarece um outro
limite: o imposto por uma estrutura oficial que se procurou
adequar aos interesses dos trabalhadores, mas contra a qual
lutou-se pouco. Porém, nada disso deve impedir a avaliação
da importância e representatividade das lutas travadas pelos
trabalhadores no início dos anos de 1960. Uma importância
percebida pelos que articularam o golpe e instalaram a dita-
dura justamente para encerrá-las.

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