Diálogos Sobre Educação No Brasil
Diálogos Sobre Educação No Brasil
Diálogos Sobre Educação No Brasil
6
Bianca Salles Pires
Bárbara Rolim
Camila Faria Pançardes
Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho
Cláudia Nascimento
Daniel Luiz Arrebola
Daniel Maribondo Barboza
Felipe Moura Fernandes
Guilherme Marcondes dos Santos
Hully Guedes Falcão
Iago Menezes de Souza
Isabel Veloso de Oliveira
Karoline Ruthes Sodré
Juliana Lencina
Leila Maribondo Barboza
Luana Reis Andrade
Luci Faria Pinheiro
Maria Thereza C. Gomes de Menezes
Marcelo Gomes
Márcio Malta (Nico)
Rodrigo Lima
Rodrigo Ribeiro
Railson Barboza
Rosângela Gonzaga de Almeira
Sabrina Parracho Santana
7
8
Atribuição-Não Comercial-Sem Derivações 2.0 Genérica (CC BY-NC-ND 2.0)
EDITORA UANÁ
Editora-chefe Capa
Leila Maribondo Barboza Leila Maribondo Barboza
D536
CDD 370.0981
Ficha catalográfica elaborada por Elenice Gloria Martins Pinheiro - CRB7|5338
9
Prefácio
6
sociais do que com a modernização do país. Não sem
razão, todas as disciplinas e campos teóricos que
pesquisam educação, escola e políticas públicas,
transparecem esse conflito e problemática.
7
de Gabriela Dezidério sobre as problemáticas no ensino
de arte e cultura afrobrasileira em escolas da rede de
Angra dos Reis/RJ; e, por último, o artigo de Leila
Barboza sobre o PNAE e a participação popular na
construção da soberania alimentar.
8
Sumário
9
Demeval Saviani: um intelectual orgânico
no campo educacional
1
Doutor em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGSA/UFRJ); Mestre em Comunicação e Cultura pelo Programa de
Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (ECO-POS/UFRJ); Licenciado e Bacharel em
Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos de Cidadania, Trabalho
e Arte (NECTAR/UFF). Foi Secretário da Revista Sociologia &
Antropologia (ISSN 2236-7527), do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia da UFRJ e Editor adjunto da Revista
Ensaios (ISSN 2175-0564), do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da UFF. Atualmente é Editor-chefe da Revista Menó (ISSN
2764-5649), Editor adjunto da Editora Uaná e Consultor da Editora
Eora. Professor de Sociologia na Escola Técnica Estadual Henrique
Lage, da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de
Janeiro (FAETEC/RJ); no Colégio Estadual Conselheiro Macedo
Soares, da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro
(SEEDUC/RJ) e no Colégio Curso Voltaire. Publicou o livro O museu
de arte contemporânea de Niterói: contextos e narrativas (2022),
pela Editora Dialética; e o livro de poesias Chave-mestra (2023),
pela Editora Uaná.
E-mail: [email protected]
Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/0284744290033729
10
Resumo: O artigo aborda a importância do pensador
brasileiro Demeval Saviani e sua teoria da educação, a
pedagogia histórico-crítica, cuja relevância continua
atual para o campo educacional brasileiro, destacando a
influência do marxismo na obra de Saviani e sua
posição como intelectual orgânico, comprometido com
os interesses da classe trabalhadora. Além de resgatar
a memória de Saviani, que completa 80 anos de vida
em 2023, o artigo enfatiza a atualidade de sua teoria
pedagógica para compreender os desafios educacionais
contemporâneos no Brasil. Mesmo aposentado, Saviani
prossegue como uma referência para a educação
brasileira e seu livro "Escola e Democracia" mantém a
vitalidade reflexiva após 40 anos de publicação. Assim,
o artigo pretende analisar e problematizar as
abordagens de Saviani em relação aos problemas
atuais da educação brasileira, destacando a importância
contínua de sua obra e seu pensamento crítico-
reflexivo.
11
A edição do volume Diálogos Sobre Educação,
dedicado a pensar de forma interdisciplinar a educação
no Brasil, tornou oportuna a reflexão que é objeto deste
artigo. Em 2023, comemoramos os 80 anos de vida do
professor e pesquisador da educação brasileira,
Demeval Saviani, assim como os 40 anos de uma de
suas obras mais emblemáticas, Escola e Democracia,
publicada originalmente em 1983, que chegou em 2021
a sua 44ª edição com grande vitalidade e relevância
para o campo educacional.
12
Apesar de professor universitário e pesquisador,
Saviani não é apenas um intelectual tradicional, mas,
conforme conceitualizado por Gramsci, um “intelectual
orgânico”, um pensador comprometido com os
interesses da classe trabalhadora cujo principal objetivo
de sua produção é contribuir para a consciência dela.
Apesar de sua importância história enquanto um
“clássico da educação brasileira”, a maior relevância de
seu trabalho reside na perspectiva crítico-reflexiva de
seu pensamento. Afinal, desde que Saviani formulou
sua teoria pedagógica, há 40 anos atrás, as
desigualdades sociais e seus reflexos educacionais
permanecem praticamente intactos.
13
para o entendimento da realidade educacional no
mundo de hoje, em suma, de sua atualidade.
14
no estado de São Paulo. Seus pais, camponeses filhos
de imigrantes italianos, "não conheceram os bancos
escolares", como o próprio Saviani escreveu na
dedicatória de sua tese de doutorado.
15
empregou como foguista de caldeira na indústria.
Conforme o relato do próprio Saviani, essa mudança do
campo para a cidade possibilitou oportunidades
educacionais, para ele e seus irmãos, que não existiram
para seus pais. Sendo o quinto filho de um total de oito
irmãos, na capital, pode cursar o primário completo,
entre 1951 e 1954, no Grupo Escolar de Vila Invernada,
que não passava de um galpão de madeira na periferia
de São Paulo.
16
especialmente fora dos grandes centros urbanos e entre
as classes populares. Segundo o professor Marcos
Marques de Oliveira, “somente na década de 1990,
durante os dois governos do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, é que o desenvolvimento do ensino
fundamental será estimulado a ampliar [...] as
oportunidades de acesso” (OLIVEIRA, 2003, p. 954).
17
Impossibilitado de dedicar-se somente aos
estudos durante a graduação por conta de sua condição
de classe, passou a trabalhar em meio período no
Banco Bandeirantes do Comércio. Depois, tendo sido
aprovado em concurso público, ingressou como
bancário no Banco do Estado de São Paulo, atividade
laboral que manteve até março de 1968, quando passou
a dedicar-se exclusivamente ao magistério. Diferente de
grande parte dos intelectuais que ingressavam como
professor em universidades, Saviani teve de dividir sua
formação superior entre estudo e trabalho, e nunca
pode se dedicar exclusivamente as atividades
acadêmicas.
18
período, passou a participar da luta política contra a
ditadura por meio da militância na Ação Popular (AP)2.
2
Ação Popular foi um movimento social da esquerda católica que, a
partir de 1964, se engajou na luta contra a ditadura e, por conta
disso, entrou na clandestinidade.
19
classe trabalhadora pela transformação da sociedade
brasileira.
20
classe trabalhadora de análises críticas e consistentes”
(LOMBARDI, 2021, P.17).
Pedagogia Histórico-Crítica
21
Política e educação no Brasil: o papel do Congresso
Nacional na Legislação do Ensino, publicado em 1987.
22
Brasil. E em 2015, o livro História do tempo e tempo da
história: estudos de historiografia e história da
educação.
23
2012, mas que, ao se esgotar, foi relançado em 2021
com o novo título Conhecimento escolar e luta de
classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie.
24
Afinal, a exemplo da abordagem realizada em seu
livro Escola e democracia, Saviani traça uma reflexão
crítica contundente da pedagogia tradicional e das
teorias não-críticas, expondo seu caráter limitado e
ideológico no sentido de servirem a manutenção da
sociedade de classes. Pois, considerando que a escola
é determinada socialmente, a escola na sociedade
capitalista necessariamente reproduz a dominação e a
exploração (SAVIANI, 2008, p.24).
25
adotar a PHC [pedagogia histórico-
crítica] como a teoria orientadora da
organização e do modus operandi
dos currículos formativos
(LOMBARDI; SAVIANI, 2021, p.15).
26
para manter a população
subordinada a seus interesses. Isso
salta aos olhos com a emergência
da proposta da "escola sem partido"
contra a qual tenho afirmado que,
para a pedagogia histórico-crítica,
na sociedade de classes, portanto,
na nossa sociedade, a educação é
sempre um ato político, dada a
subordinação real da educação à
política (idem ibidem).
27
colocando a comunidade escolar sob a influência da
ideologia e dos partidos da direita, portanto, a serviço
dos interesses dominantes.
28
que aprovou o Plano Nacional de
Educação 2014-2024. Tal
autoritarismo se faz presente, ainda,
no movimento “escola sem partido”,
merecidamente chamado por seus
críticos de “lei da mordaça”, pois
explicita uma série de restrições ao
exercício docente negando o
princípio da autonomia didática
consagrado nas normas de
funcionamento do ensino
(LOMBARDI; SAVIANI, 2021, p. 31).
29
Em lugar da liberdade de escolha, o
que a reforma promove é a
demissão da responsabilidade dos
adultos, de modo geral e,
especificamente, dos professores
quanto à orientação que lhes cabe
propiciar a estudantes ainda na
idade da adolescência (idem
ibidem).
30
Nacionais, definidas pelo Conselho Nacional de
Educação para os diferentes cursos, níveis e
modalidades de ensino.
31
Os desafios atuais da educação brasileira, marcos
pelos constantes ataques ao caráter democrático, a
aplicação de oportunidades e a dimensão crítica da
educação, que visam sujeitar a educação nacional aos
interesses de mercado e da ideologia dominante,
comprovam de maneira cabal a atualidade da
pedagogia histórico-crítica. A sua atualidade é inegável
sob diversos aspectos, especialmente quando atesta
que a escola é determinada socialmente, e que essa, na
sociedade capitalista, necessariamente reproduz a
dominação e a exploração.
32
conseguir êxito, as teorias crítico-reprodutivas explicam
a razão do suposto fracasso” (SAVIANI, 2008, p. 24).
Seria esse então o único papel da pedagogia histórico-
crítica? Ou seja, reconhecer, como as teorias crítico-
reprodutivas o caráter reprodutor da escola na
sociedade capitalista?
33
Referências:
34
Formação integral do sujeito: a prática
docente e a ética da responsabilidade
3
Professora de Língua Portuguesa e Língua Espanhola. Possui
Graduação em Letras, Português - Espanhol e Respectivas
Literaturas pela Universidade de Passo Fundo (2011), Especialização
em Língua Portuguesa: Novos Horizontes Teóricos e Práticos pela
Universidade de Passo Fundo (2012), Especialização em
Psicopedagogia pela Universidade de Passo Fundo (2016),
Especialista em Metodologia da Língua Espanhola pela Faculdade
Unina (2022), mestranda em Educação pela Universidade de Passo
Fundo.
E-mail: [email protected]
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3236341538287506
4
Professora da Educação Básica da Rede Municipal de Ensino de
Carazinho/RS. Mestranda em Educação (bolsista CAPES) pelo
PPGEdu/UPF na linha de Fundamentos da Educação. Especialista
em Mídias da Educação (UFRGS) e Metodologia do Ensino de
Matemática e Física (UNINTER). Licenciada em Pedagogia (ULBRA) e
Física LP (UPF). É pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Filosofia
e Educação (NUPEFE-UPF/RS), no qual participa dos projetos de
pesquisa "Teoria e Prática Pedagógica.
E-mail: [email protected]
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9088499242114902
35
Resumo: A complexidade dos problemas enfrentados
pela sociedade contemporânea impulsiona o
esvaziamento dos princípios éticos que, por sua vez,
ocasionam uma modificação na natureza do pensar e
agir humano. Como consequência, originam-se
inúmeras mudanças no campo da educação, que é
diretamente afetado pelo modo de ser, agir e pensar do
sujeito. Tal contexto sugere a ruptura de paradigmas e
uma nova reflexão sobre a importância da ética,
vislumbrando o movimento contínuo de compreensão
do processo pedagógico alicerçado na prática reflexiva
sobre o sujeito que se deseja formar. Para tanto, esse
artigo é construído mediante a revisão bibliográfica do
referencial teórico de Hans Jonas (1994; 2006; 2013),
objetivando provocar reflexões éticas acerca do
compromisso moral do docente frente a formação
integral do sujeito. Assim, questiona-se: O que significa
formar dentro dos princípios éticos da responsabilidade?
Como as ideias de Jonas dialogam e auxiliam na
formação integral do sujeito? Os apontamentos finais
assinalam que ambos os conceitos éticos, podem ser
utilizados de forma somativa, vindo a contribuir
amplamente na formação de cidadãos éticos, críticos e
capazes de intervir positivamente no seu entorno social.
36
Considerações introdutórias
A palavra ética deriva do grego Ethos, apontando
para caráter e modo de ser de uma pessoa. Assim, a
ética como elemento constitutivo da formação do ser é
essencial para que haja equilíbrio social sendo, segundo
os preceitos filosóficos, uma ciência que estuda os
valores e princípios morais que norteiam a conduta
humana, estando presente nas ações diárias dos
sujeitos em qualquer temporalidade e sociedade,
independe de sua cultura, organização, estrutura ou
diversidade.
37
princípios e valores da nossa conduta na vida junta”
(CORTELLA, 2010, p.106).
38
humanizadora do sujeito, não deixando falecer a
presença das dimensões técnicas, estéticas, políticas e
éticas na prática pedagógica. Dessa forma, afirma-se
que o processo de reflexão sobre a própria prática
docente, culmina na capacidade de aprender a
interpretar, refletir e compreender sobre a realidade
social e à docência (IMBERNÓN, 1994). Assim, refletir
sobre o sentido do trabalho docente possibilita olhar de
maneira assertiva a prática. Tal constatação direciona o
objetivo dessa escrita, que se concentra na validação da
dimensão ética no trabalho docente como meio de
reflexão sobre o sentido, significado e finalidade da
prática educativa. Por sua vez, essa reflexão também
traz à tona o compromisso moral do docente junto a
formação integral do sujeito para a sociedade moderna,
onde ocorre o esvaziamento dos princípios éticos em
um cenário capitalista e fascista, que impulsiona
preocupantes modificações na natureza do agir
humano.
39
portar-se diante de certas atitudes esboçadas pela
sociedade, não seja algo tão simples e prático de se
fazer. Portanto, ao tomar consciência que o professor
resiste a inúmeras perseguições e silenciamentos frente
a perversidade neoliberal e suas amarras imobilizantes,
que tendem a convencer a sociedade de que nada se
pode fazer e que tudo está bem, exatamente do jeito
que está, este artigo esboça a importância do docente
em meio a formação integral do sujeito, reforçando
assim seu fazer pedagógico ético junto ao discente.
40
formação integral do sujeito, a transformação social e a
humanização do ensino.
41
Sob essa premissa Jonas (2006, p. 2) esclarece
que “o novo continente da práxis coletiva que
adentramos com alta tecnologia ainda constitui, para a
teoria ética, uma terra de ninguém”. Segundo o autor, a
promessa da tecnologia moderna se converteu em uma
ameaça e, através dessa tese, deixa claro que a
sobrevivência da humanidade depende de esforços
para cuidar da vida e do planeta e, assim, assegurar
seu futuro, instigando a necessidade de um novo pensar
sobre a ética, sob a ótica da responsabilidade.
42
moderna do progresso onde a relação humano-natureza
tornou-se um problema ético.
43
sobre as normas do “bem” e do “mal” às quais se devem
submeter as modalidades inteiramente novas do poder
e de suas criações possíveis” (JONAS, 2006, p.21, grifo
do autor).
44
interesses”. O primeiro critério exclui a natureza, ou
seja, a única natureza que conta é a humana,
considerando o fato dessa ser domesticada pelas leis
do Estado, afirmando que “toda a outra natureza é
ameaça ou recurso” (SANTOS, 2010, p.318).). Por sua
vez, a socialização da economia não fugiu à essa
delimitação do contrato social que, por sua vez, excluiu
a natureza e vários grupos sociais aos quais o trabalho
não deu acesso à cidadania. Como indica Santos (2010,
p.322, “a inclusão tem sempre um limite, aquilo que
exclui’.
45
-, a qual deixa de ser meio de satisfação das
necessidades humanas, passando a ser vista como
responsabilidade de todos. Nesse sentido, a formação
integral do sujeito em meio a ética da responsabilidade,
mostra-se como um desafio tanto teórico, quanto
prático, exigindo dos que se envolvem em educação
processos cuidadosos de investigação, reflexão,
cuidado, responsabilização pelo ato de ensinar,
atenção, pesquisa e tomadas de decisão. Tendo em
vista esse processo reflexivo, percebe-se a importância
em reforçar a ideia de que essa nova visão ética não
rompe, ignora ou desabona com os princípios éticos
tradicionais - honestidade, virtude, justiça, entre outros,
visto que
46
Por sua vez, o princípio de responsabilidade,
mantém o compromisso com a preservação da vida e
da essência humana, de modo que o agir do sujeito do
sujeito se torne “coerente não pela compreensão do ato
em si mesmo, mas a dos seus efeitos e consequências
finais para a continuidade da atividade humana no
futuro” (JONAS, 2006, p. 49). Nessa magnitude de
compreensão ética, percebe-se que a ética de
responsabilidade edificada no momento presente,
mantém um olhar firmado no futuro. Logo, esse conceito
de futuro somente pode ser consolidado após a tomada
de consciência do sujeito em relação às causas e aos
efeitos de suas ações diante do Ser e da natureza.
Em continuidade, ao analisarmos as
possibilidades de aplicação do modelo da ética da
responsabilidade em meia a formação integral do
sujeito, não se cogita a utilização da educação como
meio para criticar as novas tecnologias e os muitos
avanços oportunizados pelas mesmas, mas sim para
agregar saberes, buscar o conhecimento prévio dos
fatos e o “valor da máxima informação sobre as
consequências tardias de nosso agir coletivo” (JONAS,
2013, p.74-75). Sobre esse aspecto, se válida destacar
que a ética da responsabilidade, vai de encontro a
preservação da existência em sua totalidade, visto que
47
a esfera da educação mostra de maneira mais evidente
como se interpenetram e se complementam, a
responsabilidade parental e a estatal, a mais privada e a
mais pública, a íntima e a universal, na totalidade dos
seus respectivos objetivos.
48
compartilham conceitos comuns sobre a totalidade,
continuidade e futuro, visto que englobam o Ser total do
objeto em todos seus aspectos, tanto nas vias
individuais, como nas coletivas. Dessa forma, como
máximo ponto comum, Jonas (2006) reforça que é
através da educação que a criança constrói sua
identidade histórica, sua historicidade, considerando
que
49
vivencia na escola a preparação para a vida em
sociedade, por meio da pluralidade de experiências
significativas direcionadas a formação e orientação dos
valores inerentes ao ser humano e a cidadania, sejam
eles por vias individuais ou por vias coletivas.
50
Por meio dessa perspectiva, é válido trazer à tona
que a observação de Santos (2010, p.339) ao
apresentar a necessidade da construção de um novo
contrato social, aponta para a necessidade de um
mundo mais inclusivo e sustentável, onde “[...] deve
abranger não apenas o ser humano e os grupos sociais,
mas também a natureza”. Sobre esses preceitos, a ética
da responsabilidade pode ser compreendida como o
princípio do agir humano, sendo projetado, no tempo
presente e futuro, sob a forma de cuidado com um outro
ser, estando esse em vulnerabilidade ou ameaça. Por
fim, o que deve ser reforçado, é que a ética da
responsabilidade, proposta por Jonas (2006), não
substitui a visão ética tradicionalista, apresentando-se
como complemento e atualização da mesma, na medida
em que a noção de responsabilidade ganha novo
sentido frente a pluralidade das mudanças e
emergências vivenciadas na atualidade.
Considerações finais
51
natureza - presente e futuro, estando comprometida
com a formação integral do sujeito, que por sua vez
reflete o compromisso ético assumido junto a educação
de qualidade, tratando-se de um desafio de larga
escala, que necessita ser continuamente (re)pensado
de modo ousado, cuidadoso e humilde. Tal consciência
da prática educativa também é trazida por Meireles
(2017, p. 108), ao dizer que “quem trabalha com essa
honestidade profissional que lhe está sempre pondo em
evidência o tamanho de sua responsabilidade
profissional sabe que educar é problema grave e difícil”.
52
Fica claro que a prática pedagógica voltada a
formação integral do sujeito, me meio a ética da
responsabilidade, demanda consciência, conhecimento
e compreensão, estando interligados na busca por um
processo formativo, onde
53
avanço irresponsável dessas, propondo que a ética da
responsabilidade seja o meio pelo qual se possa refletir,
sobre a necessária cautela, limites e riscos para assim
não inviabilizar a existência das gerações futuras.
54
viabilizar, junto à docência, inúmeras possibilidades de
construção do conhecimento, utilizando o diálogo crítico
- prática dialógica - como uma estratégia de efetivação
da práxis coletiva ética. Por sua vez, a visão proposta
pela ética da responsabilidade, vem de encontro a frase
de Freire (1987, p.87): “Educação não transforma o
mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam
o mundo”. Dessa forma, a promoção de uma educação
ética necessita despertar, valorizar e defender a
solidariedade como compromisso histórico, assumindo o
desafio de fortalecer a humanidade existente na
capacidade de respeitar e (con)viver com o diferente, de
modo a preparar o sujeito para assumir de forma
consciente sua responsabilidade frente às exigências,
desafios e perigos que ameaçam o tempo presente e
futuro, assim como a repercussão do modo de ser e agir
da existência humana futura.
55
Referências:
56
LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia.
São Paulo: Martins Fontes. Tradução de Fátima Sá
Correia, Maria Emília V. Aguiar, José Eduardo Torres e
Maria Gorete de Souza. 1993.
MEIRELES, Cecília. Crônicas de educação. São Paulo:
Global, v.3, 2017.
SANTOS, Boaventura de S. A gramática do tempo: para
uma nova cultura política. 3. ed. São Paulo: Cortez,
2010.
57
História e trabalho: uma aproximação
necessária na Educação de Jovens e
Adultos, o caso da Região dos Lagos/RJ
5
Professor, Educador e Historiador. Possui graduação em História
pela Universidade Federal Fluminense (2011), mestrado em História
pela Universidade Federal Fluminense (2014) e doutorado também
pela Universidade Federal Fluminense (2019). Tem experiência na
área de História, com ênfase em História Moderna e
Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas:
Hierarquia, Embaixadas, Conflitos e Restauração Portuguesa.
Recentemente, tem se dedicado aos estudos das embaixadas
portugueses em Roma durante a Restauração Portuguesa, bem
como a atuação da comunidade portuguesa em Roma. É membro
fundador do grupo Sigillum - Estudos sobre diplomacia, além de
membro da Rede brasileira de Estudos em História Moderna.
E-mail: [email protected]
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0882758867168666
58
Resumo: O presente capítulo trata sobre o Ensino de
História para a Educação de Jovens e Adultos. O
objetivo central é mostrar como a Educação de Jovens
e Adultos necessita de uma constante adaptação
curricular que leve em conta a configuração própria dos
alunos trabalhadores. Para tanto, elencamos diversos
instrumentos legais, tais como leis e estatutos, bem
como a literatura mais atualizada no campo da
educação. Dessa forma em consonância com a
orientação pedagógica, nosso objetivo foi relacionar o
mundo do trabalho, já conhecido pelos educandos, com
a história e os conceitos históricos relativos ao mundo
do trabalho. A junção dos conceitos históricos com a
vivência dos estudantes da EJA forma assim, um saber
escolar próprio que é evidenciado no artigo que se
segue. Por fim, como estudo de caso, abordamos essa
realidade em dois municípios da região dos lagos do Rio
de Janeiro: Saquarema e Araruama.
59
Mais um dia ensolarado de trabalho. Aguardo
dentro do carro com o ar-condicionado ligado para
entrar na escola no horário certo. Observo, oculto pelo
vidro fumê, uma senhora que troca seus sapatos um
velho tênis por um chinelo confortável, não antes de
esticar os dedos. Ela, Dona Cora, é uma das muitas
estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) que
encara uma dura jornada de trabalho fazendo longas
caminhadas para chegar até a colégio diariamente, uma
vez que não recebe auxílio do empregador para arcar
com os custos do transporte público. O objetivo do
presente artigo é refletir e compreender o
funcionamento da EJA e de seus atores, como Dona
Cora, mais precisamente no que diz respeito ao Ensino
de História, modalidade de ensino tão importante para a
realidade brasileira.
60
Assim, tem-se não apenas o acesso à educação
para Jovens e Adultos, mas também ao ensino gratuito.
Contudo, a Constituição Federal de 1988 não apresenta
com clareza as diversas formas e especificidades dessa
modalidade de ensino:
61
necessidade de adaptação às disponibilidades dos
estudantes, mas também para aqueles que já se
encontram no mundo do trabalho. Esses elementos têm
relação direta com o relato inicial da discente Dona
Cora, que caminhava por quase uma hora do trabalho
até a escola. Quais necessidades e disponibilidades
essa educanda tinha, ou melhor, deveria ter para sua
permanência nos estudos?
62
escolarização não pode e nem deve justificar
uma visão preconceituosa do analfabeto ou
iletrado como inculto [...] (BRASIL, 2000).
6
MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores de História:
entre saberes e práticas. Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2007.
63
longo da história para produção e extração de sal. Mais
recentemente, em especial a partir da década de 1970
do século XX, a atividade turística e de veraneio tem
sido o mote econômico central dessas regiões. Ainda
que guardem algumas particularidades entre si, serão
utilizadas no presente artigo a história de ambas as
localidades, já que carregam muitos elementos em
comum.7 (ROCHA, 2014)
7
História e patrimônio: Saquarema / Helenice Aparecida Bastos
Rocha ... [et al.]. 1. ed. - Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2014.
64
ao setor terciário, que é o setor cuja maioria da
população se encontra ocupada.
65
um aparato específico para o segmento educacional - o
Regimento Escolar da rede - que será examinado a
seguir.
66
regular, na EJA, dentro da realidade escolar que
presencio, ela não ocorre.
67
§ 3º. Os 2 (dois) primeiros e o último tempo
de aula, é de frequência facultativa ao
discente, na EJA Noturno, e obrigatória na
EJA Diurna, desenvolvidos em forma de
atividades e projetos definidos pelo Projeto
Político Pedagógico de cada Unidade
Escolar.
68
deste artigo será reduzido em 02(dois)” (Artigo 92°).
Apesar do importante aparato legal, que garante um
número de alunos mais reduzido na realidade escolar
em que estamos inseridos, encontra-se um quantitativo
mais reduzido de alunos face à elevada evasão escolar.
69
flexibilidade para aqueles educandos que
interromperam seus estudos ou se encontram fora da
idade própria para sua referida etapa de ensino. Outro
ponto muito importante é a presença de um dispositivo
para ilustrar a evasão de alunos, prevendo que, a cada
trinta dias consecutivos de faltas, o aluno possa ser
considerado evadido.
70
Cabe agora observar os Projetos Políticos
Pedagógicos para melhor compreender estas duas
realidades escolares. O perfil dos discentes em ambas
as escolas apresenta semelhanças expressivas. A
escola de Saquarema, Escola Municipal José Bandeira
(antiga Escola Castelo Branco), fica no bairro do
“Boqueirão”, que se encontra nas proximidades do
centro da cidade e, portanto, de fácil acesso. A escola
dá frente para a laguna de Saquarema, tendo o bairro
uma forte conexão com a atividade pesqueira e de
turismo na região. Na Educação de Jovens e Adultas
noturna, ela atende, além dos alunos residentes do
próprio bairro, alunos de um bairro distante, chamado
Jaconé. Entre esses bairros percebe-se uma diferença
relevante: enquanto os alunos oriundos do próprio
“Boqueirão” tendem a ser mais conhecidos pela equipe
pedagógica, já que tendem a ser mais frequentes nas
aulas. Esses alunos que residem no “Boqueirão”
acabam sendo mais frequentes, também são mais
acessíveis a equipe de apoio pedagógico da escola. Por
outro lado, o bairro de Jaconé apresenta diversas
regiões mais carentes e, em alguns casos, com pontos
de tráfico de drogas. Dessa forma, uma parte
substancial dos alunos advindos de Jaconé apresentam
problemas sociais correlatos e, infelizmente, também
71
são os alunos menos frequentes, é nesse grupo de
alunos que encontramos uma violência mais
predominante em seu comportamento.
72
Saquarema. Como se enuncia no próprio projeto político
pedagógico da instituição, a escola atende a uma vasta
quantidade de alunos carentes e com diversos
problemas sociais correlatos. Especificamente, a
comunidade ainda atende a um número pequeno de
alunos, sendo a infrequência uma constância, bem
como o comportamento violento. Dessa forma, é o
cenário escolar mais desafiador.
73
encontra-se em reformulação o Projeto Político
Pedagógico. O documento mais recente é de 2014 e
ainda carrega o nome antigo da escola. Como parece
razoável pensar, seu texto está desatualizado. Seguem
outras referências teóricas, tal como Paulo Freire que
argumenta sobre a impossibilidade de uma educação
neutra; ou ainda a noção de indivíduo integral de Henry
Wallon. Curiosamente, porém, o texto não propõe como
essas ideias poderiam ser aplicadas na prática cotidiana
da escola. Ao invés disso, há um emaranhado de regras
de conduta de alunos e professores. Por fim, tem-se
uma série de projetos no PPP, mas nenhum deles é
aplicado na unidade escolar atualmente, ainda que nela
haja muitos projetos atuais, nenhum deles se encontra
no PPP de 2014, o que mais uma vez evidencia a
necessidade de uma atualização desse documento por
parte da comunidade escolar.
74
alunos, distribuídos nos três turnos e em 17 salas,
contando ainda com uma sala de recurso. A quase
completa ausência de áreas de lazer na comunidade
transforma a escola em um grande centro de lazer da
região, o que se percebe, por exemplo, nas festividades
escolares sempre lotadas. Outro ponto relevante dessa
comunidade escolar são os diversos templos religiosos,
como aponta o PPP da escola, o que já mostra um
grande número de alunos e responsáveis religiosos
(sempre presentes na escola), porém, essa mesma
realidade convive com a presença de outras questões
sociais, como uso de drogas ilícitas e do alcoolismo
frequente.
75
ausência dos diretores, esses acabam assumindo uma
grande centralidade no dia a dia da escola, sendo peças
fundamentais para o bom andamento das aulas. Essa
realidade é ainda evidente na Educação de Jovens e
Adultos da unidade, já que há muitos problemas sociais
que impedem os alunos de frequentarem as aulas com
a devida regularidade. Sem as informações colhidas
pela coordenação o trabalho docente seria difícil.
Naturalmente, a sondagem da presença dos alunos
deveria ser feita pelos orientadores educacionais, outro
importante cargo da escola; entretanto, como os
dirigentes quase sempre residem na comunidade, têm
mais fácil acesso aos estudantes.
76
Ainda no PPP vamos ver inúmeros objetivos
gerais e específicos, sendo um dos mais notórios a
diminuição da “evasão escolar”. Trata-se, bem verdade,
de um dos grandes problemas da EJA da escola e de
outras localidades. A meta prevista fala de uma redução
de 70% para 40% da evasão na unidade. Outro objetivo
central e que permeia todo o PPP é ampliar a ligação
entre a comunidade e a escola, como o próprio PPP
admite, em muitos aspectos a escola se configura como
o único espaço de lazer de muitas dessas famílias. Vale
ainda recordar que as festividades são um importante
mecanismo para obtenção de recursos por parte da
escola, para financiar atividades e passeios, a essas se
associam as cantinas escolares. Dentro das normas
específicas segue também a ideia de que os “docentes”
se envolvam com as normas disciplinares da escola.
Essa parte é crucial, pois com um alunado bastante
indisciplinado, nem sempre se consegue construir
consenso sobre a conduta disciplinar mais adequada
dentro do ambiente escolar. Todas estas definidas como
metas de curto prazo.
77
EJA, prevendo que os docentes deveriam fazer a
adaptação curricular para a EJA. E mais ainda:
78
o alcance dos princípios gerais norteados pela
Constituição e pela LDB, em especial, ao foco no
Ensino de História.
8
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História:
fundamentos e métodos. 5ed. São Paulo: Cortez, 2018.
79
escola, pode, sem dúvida, ser questionada, afinal trata-
se de segregar alunos em face seu comportamento,
como se a transferência para EJA fosse uma punição.
Entretanto, a realidade concreta acaba por mostrar que
muitos desses alunos encontram na EJA um espaço de
sociabilidade mais adequado a sua idade, bem como a
suas vivências, em especial, os diversos relatos de
violência cotidiana nas comunidades circunvizinhas à
escola. Importante reforçar que em Araruama, por
exemplo, o regimento escolar municipal foi alterado para
admitir esse tipo de mudança realizada pela gestão
escolar. A exemplo disso, no regimento de 2011, não se
admitia a troca de turno antes do término do ano letivo;
já em 2016, na nova versão, essa realidade da
transferência de modalidade, mesmo durante o ano
letivo, quando tal necessidade fosse observada pelo
corpo técnico.
80
na esteira das mudanças recentes em nossa Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - Lei
nº 9.394/2018), assim como as recém-publicadas
Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e
Adultos (BRASIL, 2021), produzem uma base
sustentadora de práticas que buscam traduzir a
responsabilidade profissional e o compromisso social
com a aprendizagem ao longo da vida e, por
conseguinte, a experiência de vida dos educandos é
essencial para o ensino de história nesse cenário.
81
vai muito além dos espaços formais de
aprendizagem (GADOTTI, 2016, p. 8).
82
está restrita ao espaço escolar, mas sim a todos os
aspectos da vida, inclusive ao mundo do trabalho.
Ciente dessa visão teórica, ao longo do estudo e prática
docente fica claro que os alunos da EJA, nas duas
realidades escolares, exercem inúmeras atividades
laborais: eletricistas, domésticas, motoristas, porteiros,
caixas e seguranças. Em quase sua totalidade
apresentam um conhecimento prévio dos direitos
trabalhistas previstos pela Consolidação das Leis
Trabalhistas, tais como 13° salários, férias
remuneradas, descanso semanal, e é claro, o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço. Apesar do
conhecimento prático, poucos conhecem a história de
conquista desses direitos fundamentais, bem como os
conceitos básicos que diferenciam as diversas formas
de trabalho ao longo da história.
83
originalmente em 1963.9 (THOMPSON, 1987)
Curiosamente, muitos dos conceitos formulados em seu
livro, já eram desenhados antes de sua publicação. A
própria ruptura com o Partido Comunista, já indicava a
satisfação de Thompson com o afastamento entre os
intelectuais socialistas e os trabalhadores, aqueles que
estavam no chão da fábrica. Vale, nesse caso, recordar
as colocações do Professor Marcelo Badaró, que
reforça a importância de sua atuação como professor de
adultos na extensão universitária na Universidade de
Leeds, cargo que ainda exercia quando redigiu sua
importante obra. Trata-se, assim, de um intelectual não-
típico, tendo sido combatente na Segunda Guerra
Mundial e desde cedo atuado na militância no Partido
Comunista, que mais tarde deixaria para tentar formular
novas alternativas para a esquerda britânica. Em
síntese, era um intelectual engajado nas questões
sociais de seu tempo exemplificada pela sua atuação na
Educação de Jovens e Adultos.10
9
E. P. Thompson. A formação da classe operária inglesa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987, 3 vols.
10
BADARÓ, Marcelo. História e projeto social: a origem militante
do debate sobre classes e luta de classes na obra de E. P.
Thompson. Capturado em 28/05/23:
https://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2012/tra
balhos/6638_Badaro_Marcelo.pdf
84
Como observa o professor Marcelo Badaró,
Thompson fez um enorme esforço de definir a classe
trabalhadora nos anos 1960, justamente em um
momento de relativo incremento do poder de compra,
que muitos chamariam de “aburguesamento” da classe
operária. Thompson combate assim duas visões: de um
lado uma historiografia liberal, que procura minimizar a
condição precária da classe operária; de outro, um
marxismo ortodoxo, que usava uma leitura
excessivamente quantitativa para explicar a luta de
classes, desprezando o conceito de “experiência” tão
caro para Thompson. No lado liberal, merece destaque
a obra de T. S. Asthon, que também postulava uma
convergência entre várias classes sociais no processo
de industrialização inglês, apresentando uma visão
positiva do processo de industrialização. Em síntese, é
possível dizer que a obra de Thompson percebe a
“classe” como uma categoria dinâmica, que pode tanto
se autodefinir como ser definida por outros. Para ele,
deve-se evitar o reducionismo econômico na análise da
classe, pois o que a define é sua agência histórica -
entendo, nesse caso, “agência” como sendo a
capacidade do indivíduo de agir sobre a sua própria
vida.11
11
Muitos marxistas criticaram a obra de Thompson alegando o
85
Por fim, como esclarece o professor Badaró,
existe uma estreita relação entre a experiência de
Thompson como professor e sua percepção da classe
operária, reconhecendo que o saber discente deve ser
tomado em conta, a vivência real das pessoas, sua
experiência em si deve ser fundamental para entender o
mundo. Leia-se:
86
obra de Thompson. (GOMES, 2005) O que a
historiadora Angela de Castro Gomes identifica é uma
coincidência entre a consciência de classe dos
trabalhadores brasileiros com a própria estrutura do
trabalhismo que se desenvolvia nos anos de governo
Vargas.13
13
GOMES, Angela Maria de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2005.
87
agravaria algumas semanas depois, quando foram
demitidos. Um dos rapazes teve que faltar por dias para
cuidar da mãe acamada; um segundo faltou por outros
problemas pessoais, o que fez o empregador concluir
que estavam armando algo, demitindo os três amigos.
88
trabalhista criada durante o Estado Novo. De pronto sou
sumariamente interrompido por um dos três alunos
mencionados: “Professor, como funciona essa coisa de
multa de fundo? Meu patrão tá querendo dar justa
causa na gente.” Apontando em seguida os outros dois
colegas. Interrompi o planejamento regular da aula e
escutei os rapazes. E logo se seguiram inúmeras
explicações do que eles deveriam fazer, nenhuma delas
por mim, mas sim pelos próprios colegas de classe.
Uma das alunas, já aposentada, exclamou: “Manda dar
baixa na carteira! Porque depois você se enrola para se
aposentar.” A simples experiência se transformou em
uma das aulas mais interessantes que já ministrei.
Falamos de conceitos básicos de classe social, “mais-
valia”, lucro, dignidade da classe trabalhadora e a velha
relação entre tempo e trabalho. Sintetizamos
construindo coletivamente quais eram os principais
direitos previstos nas CLT. Um dos jovens finalizou:
“Professor, não tem jeito, patrão é tudo igual”, não antes
de proferir um estrondoso palavrão.
89
também encontram notórias diferenças. Enquanto em
Araruama encontramos um volume maior de
dispositivos legais que amparam a EJA, temos uma
realidade concreta mais sensível, visto que uma parcela
significativa dessas normativas são ignoradas. Em
Saquarema, na direção oposta, temos normativas que
podem estar desatualizadas, notadamente o Projeto
Político Pedagógico da Escola, mas no âmbito mais
geral do município algumas ações têm demonstrado
melhoras expressivas tanto na evasão escolar, quanto
no processo de ensino aprendizagem. O Plano
Municipal de Educação ao criar um incentivo pecuniário
direto acabou por ampliar o acesso a essa modalidade
de ensino, bem como o acesso a recursos diversos que
possibilitaram uma prática pedagógica mais sólida.
Dessa forma, o que se constrói dentro das salas de aula
da EJA em Saquarema, e mais precisamente, na Escola
Municipal José Bandeira é um saber escolar próprio que
relaciona a vida dos educandos e sua prática
profissional com os conceitos históricos básicos.
90
Referências:
91
p.1-10. Disponível em:
https://www.paulofreire.org/images/pdfs/Educacao_Pop
ular_e_ELV_Gadotti.pdfAcesso em 2 fev. 2022.
GOMES, Angela Maria de Castro. A invenção do
trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
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de História: entre
saberes e práticas. Rio de Janeiro, Editora Mauad,
2007.
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patrimônio: Saquarema. 1. ed. - Rio de Janeiro: Mauad
X: Faperj, 2014.
WOOD, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
92
Desafios para uma educação antirracista
na Costa Verde: um estudo de caso na
rede pública de ensino de Angra dos
Reis
E-mail: [email protected]
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9484648977886244
93
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar as
questões que envolvem o ensino de arte e cultura
afrobrasileira em escolas da rede de Angra dos Reis,
cidade no interior do estado do Rio de Janeiro.
Buscando apontar e problematizar aspectos que
dificultam ou inviabilizam a abordagem efetiva deste
conteúdo, tomando como referência principal a vivência
prática como arte educadora e a escuta aberta e curiosa
tanto em sala de aula, como em outros espaços como a
sala de professores.
94
No ano de 2012 ingressei na rede municipal de
ensino da cidade de Volta Redonda como arte
educadora. Movida por um interesse particular pela arte
afro-brasileira que veio a resultar em minha dissertação
de mestrado, busquei desde o primeiro momento inserir
manifestações artísticas produzidas por artistas negros
e de conteúdos afro religiosos e/ ou referentes a
estéticas negras em minhas aulas. Interesse este, que
tem seu fundamento na ausência que que pude
identificar em minha formação no curso de educação
artística/ artes plásticas, na qual a abordagem da arte
afro-brasileira foi ausente, mesmo tendo passado duas
instituições de ensino com currículos distintos.
95
pública, surgem alguns dos questionamentos que serão
abordados neste texto.
96
generalidade das colocações aqui propostas. No
entanto, partindo da reflexão sobre experiências
próprias e dos relatos formais e informais de outros
professores, inclusive das colegas já mencionadas, este
estudo pretende elucidar questões recorrentes, que
puderam ser identificadas a partir da observação
participante e da espontaneidade dos diálogos tecidos
no convívio em diferentes em escolas.
97
assustador, quando esta necessidade de contextualizar
e justificar o ensino de arte e cultura afro-brasileira parte
do corpo docente e demais profissionais da escola.
98
resistências em torno da estética, da história e da
cultura afro-brasileiras. O que nem sempre é bem-visto
pelas famílias.
99
religiosidade de matriz afro devido às proximidades e
mesmo correspondências estéticas, dado que assim
como ocorre na arte ocidental no decorrer do processo
histórico, a temática religiosa é também muito presente
na produção deste segmento. Mas o que ocorre com a
arte afro-brasileira, é que mesmo em casos de obras
não religiosas, a questão da religiosidade é apontada de
forma marginalizada. Não raro, há alunos que se valem
do argumento da religiosidade para não participarem
das aulas, ou mesmo sequer entrarem em contato com
os conteúdos e visualidades ao longo das propostas. E
dentre aqueles que se identificam com o assunto, há na
grande maioria das vezes, um silêncio de medo e
constrangimento.
100
movimento de taxar como “macumbeiros”, num sentido
pejorativo e demasiadamente marginalizado do termo,
professores que abordem temáticas de matriz afro e
fazem de um ensino antirracista o norte de suas
práticas, assim como o movimento de marginalização
dos alunos de religiões de matriz afro. O que por vezes
trás desdobramentos no mínimo desconcertantes aos
professores, em especial quando não há o devido
respaldo da equipe diretiva e demais membros da
escola.
101
também tiveram o seu papel os primeiros estudiosos do
campo. Estudiosos, em geral homens brancos, que
influenciados por teorias evolucionistas e baseados no
modelo eurocêntrico de racionalidade, monoteísta e
cristão, produziram historiografias (Nascimento, 2010,
pag. 925) na qual o negro era retratado enquanto
indivíduo subalternizado, passivo, e suas manifestações
culturais medíocres e primitivas. O que vem sendo
revisto ao posso que o debate étnico racial avança,
produzindo novas literaturas que elucidam narrativas
factuais que descontroem tais argumentos, restituindo
assim, o protagonismo narrativo negro no Brasil.
102
problemática narrativa de democracia racial, muitos dos
objetos ritualísticos utilizados em cultos negros no Brasil
foram apreendidos, a exemplo dos objetos que ficaram
presos no Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro, até
que no ano de dois mil e vinte foram finalmente
transferidos para o Museu da República, em detrimento
da campanha “Liberte Nosso Sagrado”.
103
iconografia religiosa cristã se faz visivelmente presente,
assim como a estética euro referenciada, não é comum
que aconteça nenhum tipo de questionamento quanto
ao caráter religioso das obras, tanto por parte dos
alunos, quanto por parte da equipe e responsáveis.
Considerando que os paradigmas religiosos católicos e
protestantes são divergentes em vários aspectos, como
em relação a representatividade da figura de Maria, por
exemplo. E mesmo quando esta aparece representada,
ou em destaque nessas obras, não ocorrem
questionamentos de cunho religioso nas aulas. No
entanto, já presenciei situações em que a equipe
diretiva de uma escola sugeriu a mudança no
planejamento de atividades até mesmo já concluídas,
por conter alguma referência religiosa de matriz afro, e,
em um caso ainda mais extremo, uma ocasião em que a
prática de capoeira foi excluída de uma atividade
recreativa cultural extraclasse, por medo dos
questionamentos que alunos, e principalmente, de
familiares evangélicos.
104
da escola, aponta para aspectos pessoais dos
indivíduos envolvidos nessas decisões, em suas
preferências, perspectivas religiosas e políticas próprias.
Mas também, tais receios evidenciam o impacto social
das ações de intolerância religiosa nos ambientes
institucionais públicos da nossa sociedade. Não
podemos ignorar que tais impactos operam desde as
situações mais corriqueiras do nosso cotidiano, até as
decisões de nível macro no cenário político nacional. O
que reforça ainda mais, a importância de um ensino
antirracista para a manutenção de um estado
democrático, no sentido mais amplo possível do termo.
105
brasileira através da obrigatoriedade do ensino de sua
história e cultura?
106
comunidade escolar composta por alguns alunos
quilombolas, não há uma forte identificação com a
cultura de matriz afro e nem mesmo com a cultura local.
107
não trabalho mais, porque parte dos
alunos debocham, praticamente
todos não se reconhecem os
personagens, se recusam a ser
aqueles personagens na fantasia...
outra parte diz que precisa
perguntar para o pastor se eles
podem fazer, e ainda há uma outra
parte que se recusa a tudo, de
imediato, afirmando que " isso não é
de Deus". Cansativo, não faço mais
esse trabalho. Eu tive algumas
turmas, poucas, que gostaram da
história, fizeram o teatro, fizeram
desenhos e tudo deu certo. Eu
construí um boi de papietagem e
tecido (lindo!), eu tinha os figurinos
e acessórios. Com o tempo e essas
reações cada vez mais frequentes,
me desfiz de tudo.
Em outra circunstância, uma aluna
se recusou a fazer um trabalho de
desenho alegando que a mãe não
permitiu. Isso foi em 2021. Ela disse
que a mãe falou que aquilo eram
runas. E eu pedi que ela me
explicasse sobre as runas (eu tenho
um jogo de runas, mas ela não
sabia disso). Todo o entendimento
da aluna estava equivocado, ela
acreditava que as runas eram para
fazer um feitiço. Ela explicou que a
mãe não permitia que ela fizesse
aquele trabalho. Percebi, muito
claramente, que as ideias eram da
mãe (e outras pessoas, talvez)
tentando convencê-la de que era
errado. Afirmo isso porque a aluna
era muito boa, inteligente,
participativa, educada, caprichosa,
ela fazia os trabalhos na aula, mas
108
quando ela ia pra casa e nos
encontrávamos na semana
seguinte, ela estava cheia de
questionamentos que ela mal sabia
justificar, acredito muito que o que
acontecia é que ela falava em casa
e aí a mãe trazia todo esse
entendimento errado pra ela.”
109
de forma indireta, inserindo o debate étnico racial nos
conteúdos das aulas. Ressaltou a importância de ter
sensibilidade e tato ao tratar do tema, mas destacou
que com as crianças da primeira fase do ensino
fundamental, nunca vivenciou um episódio explícito de
racismo. O que não se deu na experiência com os
jovens, na qual a professora disse ter mais dificuldades
em abordar o tema, evitando de fato inseri-los em suas
aulas, por conta dos desdobramentos, por vezes
polêmicos, que ocorrem.
110
ainda já ter ouvido falas racistas sobre o seu interesse
pelo tema, como a de que era preciso falar de “gente
bonita e não de gente feia” e de “povos bem-sucedidos”,
“que deram certo” e não de povos “fracassados”. Hoje
como auxiliar de direção, C diz ter dificuldades de
implementar projetos com temáticas étnico raciais por
falta de adesão dos professores.
111
No âmbito das artes, a Universidade Estadual do
Rio de Janeiro é expoente em ações voltadas para o
estudo da história e cultura afro-brasileiras. Também os
Institutos Federais e o Colégio Pedro II estão a
empreender importantes ações, que vão desde cursos
de extensão, pós-graduações à seminários, no fomento
do debate étnico racial na educação. Optei por restringir
a minha breve análise à realidade de algumas
instituições do estado do Rio de Janeiro, por ser esta a
região onde atuo e acompanho mais de perto, mas
também por se tratar das instituições onde muito dos
professores da rede pública de Angra dos Reis e região
se formaram e vão em busca das complementações de
suas formações.
112
renome para a arte europeia, e que exclusivamente por
isso, acabam sendo muitas das vezes a primeira
referência que surge em artes para falar de arte negra,
e muitas das vezes acabam sendo exploradas de forma
descontextualizada e muito mais pelo seu valor ao olhar
do homem branco, do que por sua relevância simbólica
para o contexto do povo negro que as produziu.
113
alunos o rico e plural universo da arte afro-brasileira. E
se possível, que também indague nas manifestações
artísticas genuinamente brasileiras, que são postas para
o campo da arte desvencilhadas do rótulo de afro
remanescente, aspectos de sua afro-brasilidade. Como
ocorre com o barroco brasileiro, que foi produzido por
negros e mulatos, com aspectos de iconografia afro,
misturados com elementos da predominante iconografia
cristã europeia, como bem desenvolveu o historiador
Roberto Conduru em seu livro intitulado: arte afro-
brasileira.
114
vinculados de maneiras diversas à
cultura afro-brasileira, a partir da
qual tensões artísticas, culturais e
sociais podem ser problematizadas
estética e artisticamente (Conduru
2007, p. 11).
115
específicos para a questão no município, que ainda
convive com situações como as já identificadas e
pontuadas nos relatos anteriores.
116
Apresentei-lhes imagens de pinturas presentes no
catálogo da exposição “Negros Pintores” que aconteceu
em 2008 no Museu Afro Brasil, desenvolvidas pelos
artistas negros, Arthur Timótheo, Benedito José de
Andrade, Benedito José Tobias, Emmanuel Zamor,
Estevão Silva, Firmino Monteiro, Horácio Hora, João
Timótheo, Rafael Pinto Bandeira e Wilson Tibério, obras
estas pintadas dentro do contexto acadêmico do século
XIX e começo do século XX (ARAÚJO, 2008).
117
momento, agindo de forma autônoma aos padrões
estéticos eurocêntricos da academia (2008. Pág. 8),
dado que foi exposto aos alunos. No entanto, nesta
etapa do trabalho a turma reagiu com naturalidade às
imagens expostas, havendo inclusive um bom
envolvimento dos alunos com a proposta e bastante
interesse pela trajetória dos artistas.
118
confeccionados para a experiência estética visual, que
apenas faziam referências em suas formas a objetos
religiosos.
119
formais como a escola, é esperado e mais aceito o
contato com a estética euro referenciada. A maior
identificação de indivíduos negros com uma estética
branca. A questão religiosa como um impeditivo para o
contato com o outro, o novo ou o desconhecido.
120
valendo de uma reunião já previamente agendada com
os responsáveis para tratar de outros assuntos, e com
apoio da equipe diretiva, pedi a liberdade para fazer
uma fala explicativa sobre o filme, em qual contexto ele
havia sido exposto, e sobre o panorama legal que
respalda a abordagem de tais temáticas em sala de
aula, me valendo inclusive dos tópicos na BNCC.
121
Quem acolhe a criança negra na escola? Quem
acolhe a criança de religiões de matriz africana? A
criança que não se reconhece nos padrões estéticos,
culturais e religiosos vigentes?! Quem acolhe?
122
medidas institucionais até então implementadas a
promoverem de forma efetiva mudanças em nossa
sociedade?
123
formas de pensamento, de elaboração do mundo e da
vida”.
124
propostas que incluam arte afro-brasileira e indígena, o
que não se faz possível, sem que junto mencionemos a
religiosidade tão presente nessas expressões, coaduna
com a construção de uma sociedade verdadeiramente
democrática, onde todos os indivíduos possam se sentir
de fato representados e pertencentes.
125
Referências:
126
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TAYLOR, E. 1871(1958, PARTE 1, p. 1). Apud.
LARAIA, R. Cultura um Conceito Antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
128
O PNAE e a participação popular na
construção da soberania alimentar
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Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0317750569062175
129
Resumo:
130
Introdução
131
desigualdades sociais e violação de direitos
fundamentais.
132
direitos humanos. Nessa medida, os ativismos, os
movimentos sociais, os conselhos, dentre outras formas
de participação popular, evidenciam sua importância em
manter vivas as concepções de defesa da classe
trabalhadora, em reforçar o Estado para a importância
da alimentação pública.
133
necessidades nutricionais de estudantes, durante o
período em que estão em ambiente escolar. O
Programa visa realizar uma interlocução com outras
políticas, como a Educação Alimentar e Nutricional
(EAN), instrumento de mobilização de práticas
alimentares saudáveis.
134
A fome, como pontua Josué de Castro (1980),
além de atingir “endêmica ou epidemicamente as
grandes massas humanas”, possui ainda sua forma
“oculta”. Isto é, não apenas a falta de alimentos que
caracteriza-se a fome, mas também a falta de
determinados “elementos nutritivos […]”, os quais são
necessários ao funcionamento da “máquina humana”
(CASTRO, 1980). É importante destacar que as raízes
da fome brasileira vão ao encontro da formação sócio-
histórica do país, tendo suas origens no período
colonial, marcado pela escravidão. Durans (2014) afirma
que a produção escravista criou uma cultura escravista,
organizando, profundamente, a dinâmica do
desenvolvimento socioeconômico do Brasil pós-
escravidão. A economia colonial se configurou à serviço
das necessidades do mercado europeu, tendo como
pilar o trabalho escravo, a monocultura e o latifúndio. O
Brasil, assim como toda a América Latina, se constituiu
a partir de relações de subordinação e pilhagem, fatores
fundamentais para a acumulação do capital (MANDEL,
1980, p.58), evidenciando um alvorecer da produção
capitalista.
135
programas de nutrição e combate à fome. No entanto,
apenas o Campanha de Merenda Escolar perdurou,
devido à, sobretudo, recursos internacionais, por meio
de campanhas para promover a oferta de alimentos, nas
escolas, como o Fundo Internacional de Socorro à
Infância, atualmente UNICEF. Ao longo do tempo, o
programa adquiriu maior independência e seu nome
mudou para Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE), embora a categoria merenda escolar tenha
perdurado até os dias atuais, no vocabulário cotidiano.
Com a Constituição Federal de 1988, a alimentação
torna-se obrigatória, sendo de responsabilidade dos
governos federais estaduais e municipais.
136
Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
(LOSAN, Lei 11346/ 2006), sendo criado o Sistema
Nacional de SAN (SISAN), constituindo as bases da
Política Nacional e do Plano Nacional de SAN. A
LOSAN passa a definir o conceito de SAN, que vai ao
encontro do conceito de saúde pública, admitindo seu
caráter transversal e intersetorial.
137
efeitos. Ou seja, o conceito de SAN tem como pilar a
garantia pela sua qualidade enquanto promotora da
saúde, visando consolidar o norteamento de políticas
públicas, ações e iniciativas. Nesse sentido, o SISAN se
constitui como um sistema pública em construção, fruto
de um processo participativo, como o CONSEA. A
PNSAN (2010), que possui a SAN e a DHAA como
princípios, compreender a “alimentação como elemento
de humanização das práticas de saúde” e o
138
e articulando diferentes setores, como Saúde,
Agricultura e Assistência social. A partir de uma
estrutura descentralizada, na qual os “estados e
municípios possuem autonomia administrativa”, sendo
“responsáveis pelo uso do recurso repassado e também
pela qualidade da alimentação fornecida”
(CARVALHOSA, 2015, p.04), o PNAE possui uma
legislação de apoio à agricultura familiar e preocupação
com a promoção de saúde: isto é, na compreensão da
escola como espaço promotor da saúde.
desenvolvimento biopsicossocial, o
rendimento escolar, a aprendizagem
e a formação de práticas
alimentares saudáveis dos alunos,
por meio da realização de ações de
educação alimentar e nutricional
(EAN) e da oferta de refeições que
garantam as necessidades
nutricionais dos estudantes no
período em que estes se encontram
na escola (SILVA, MONEGO,
SOUZA, ALMEIDA, ANO, p.2672,
2018).
139
construção da democracia alimentar. É, nesse sentido,
que aponta-se a importância permanente da
participação da sociedade civil no processo de
consolidação de programas e políticas de SAN, como as
instâncias deliberativas, a exemplo do CONSEA e do
CAE.
140
O CONSEA, extinto com a MP 870/2019, teve seu
retorno, em 2023, apresentando um novo respiro da
sociedade brasileira. Oliveira e Carvalho (2020) afirmam
que para que os conselhos funcionem é necessário que
a sociedade civil conheça suas atribuições e potências,
se impondo nas situações que exijam atenção. O
CONSEA carrega a possibilidade, direta e indireta, de
construção de uma sociedade democrática apontando
não tão somente as lacunas das políticas sociais nas
regiões, mas também garantindo que as ações
governamentais não comprometam a qualidade de vida
da população, combatendo ideais que atendam as
demandas capital em detrimento dos direitos humanos,
como uso descontrolado e abusivo de agrotóxicos na
produção de alimentos, o qual afeta a saúde dos
trabalhadores urbanos e rurais, as terras por eles
manejadas e a biodiversidade. O CONSEA, dessa
maneira, contribui desde a concepção das políticas
públicas na garantia da soberania e segurança
alimentar e nutricional até o seu aprimoramento, em um
fluxo progressivo do DHAA. A extinção do CONSEA
fragilizou a instância participativa, comprometendo o
desenvolvimento do SISAN e os processos pertinentes
ao DAHH.
141
Criado em 1993, o CONSEA compunha o Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN),
como fruto de conquistas da classe trabalhadora
materializadas na Constituição Federal de 1988,
enfrentando um cenário neoliberal, que se estruturava
em um processo de globalização e privatização e
desmonte de políticas públicas, ainda em construção.
Em 2019, com a extinção do CONSEA, uma rede de
movimentos sociais e ativismos se reuniram para incidir
na agenda pública da soberania alimentar, buscando
garantir o acesso da população às políticas públicas. O
Projeto de Lei 5695/2019, que colocava em ameaça o
PNAE, teve seu embarreiramento a partir da
intervenção, dentre outros atores, do Fórum Brasileiro
de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
(FBSSAN), buscando manter viva a agenda pública do
SISAN.
142
monitoramento das instâncias do SISAN na busca por
construir estratégias de intervenção. Em 2020, com o
acirramento das desigualdades sociais em suas
especificidades, bem como o surgimento de demandas
sanitárias da pandemia COVID-19, como o
distanciamento social e outras medidas emergenciais, a
necessidade por políticas públicas eficazes se tornou
ainda mais destaque. A construção de um espaço capaz
de discutir e construir formas alternativas na luta por
direitos sociais evidenciava sua importância.
143
espaços de produção. Tainá Marajoara (Rede de
Cultura Alimentar e Coletivo Indígena do FBSSAN)
destaca que a cultura alimentar estava inserida dentro
dos espaços de economia solidária, evidenciando a
trajetória histórico-social das lutas e conquistas dos
processos de alimentação e transversalidade nas
políticas sociais.
144
das ameaças do capital que marginalizam e excluem
segmentos da sociedade, violando seus direitos, a
cultura alimentar promove a apropriação das narrativas
na salvaguarda dos direitos.
145
Considerações finais
146
do CAE, do CONSEA, e dos demais movimentos
sociais, ativismos, e coletivos, capazes de trazer à tona
as demandas e suas especificidades.
147
Referências:
148
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