A Revolução Dos Bichos de George Orwel, o Nazismo e A Fundamentação Do Direito em Gustav Radbruch - Uma Reflexão Prática Acerca Da Injustiça Extrema
A Revolução Dos Bichos de George Orwel, o Nazismo e A Fundamentação Do Direito em Gustav Radbruch - Uma Reflexão Prática Acerca Da Injustiça Extrema
A Revolução Dos Bichos de George Orwel, o Nazismo e A Fundamentação Do Direito em Gustav Radbruch - Uma Reflexão Prática Acerca Da Injustiça Extrema
RESUMO
Este artigo faz uma análise substancial acerca da fundamentação do direito no livro “A
Revolução dos Bichos” de George Orwel, servindo de uma reflexão prática para a “fórmula
da injustiça extrema” em Gustav Radbruch. O grande jurista alemão há muito já criticava a
inconsistência que advém da falta de uma concepção adequada de justiça, quando dizia que a
disciplina da vida social não pode ficar entregue, como é óbvio, às mil e uma opiniões dos
homens que a constituem nas suas recíprocas relações. Pelo fato de esses homens terem ou
poderem ter opiniões e crença opostas, é que a vida social tem necessariamente de ser
disciplinada de uma maneira uniforme por uma força que se ache colocada acima dos
indivíduos. O problema da falta de justiça não aflige apenas o sistema jurídico. Outros
sistemas sociais apresentam injustiças gritantes, mas é equivocado, em qualquer lugar,
destruir alicerces quando não se pode propor uma base melhor ou mais sólida. De tal modo, o
conceito de direito que serve de base à prática jurídica é postulado como evidente, e, em casos
comuns, mesmo quando sua solução é contestável, considera-se desnecessário fazer reflexões
acerca de tal conceito. O mesmo não acontece nos casos incomuns. Nestes, o conceito de
direito que existe por trás de toda prática jurídica vem à luz e torna-se um problema premente.
1
Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo
CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor e Pesquisador da Faculdade
Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor e Pesquisador da
Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor e Pesquisador da Faculdade de Minas
(FAMINAS-BH). Membro associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
(CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI).
Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de
Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”.
E-mail para contato: [email protected]
2
Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista CAPES. Especialista em Direito Público pela
Universidade Cândido Mendes/RJ. Bacharel em Direito no UNIFEMM. E-mail para contato:
[email protected]
ABSTRACT
This article makes a substantial analysis on the grounds of law in the book "The Revolution of
Animals" George Orwell, serving a practical reflection for the "formula of extreme injustice"
in Gustav Radbruch. The great German jurist had long criticized the inconsistency that arises
from the lack of an adequate conception of justice, when he said that the discipline of social
life can not be left as is obvious, the thousand and one opinions of men who are in their
reciprocal relationships. Because these men have or may have opposing opinions and belief, is
that social life necessarily have to be disciplined in a uniform manner by a force that ache
placed above individuals. The problem of lack of justice not only afflicts the legal system.
Other systems have social injustices, but it is wrong, anywhere, destroy foundations when you
can not propose a better or more solid base. In this way, the concept of law that underpins the
legal practice is postulated as obvious, and ordinary cases, even when its solution is
questionable, it is unnecessary to make reflections on the concept. The same is not true in
unusual cases. In these, the concept of law that exists behind all legal practice comes to light
and becomes a pressing problem.
1 INTRODUÇÃO
No livro “A Revolução dos Bichos”, que é uma fábula criada por George Orwel em
1945, tendo sido dita como uma crítica a Revolução Russa, traz algo para ser paradigma
também, da crítica à qual Gustav Radbruch, percebeu em sua análise filosófica, que o mundo
jurídico é afeito a concreção do direito na sociedade, devendo afastar do ser humano os fins
imaginários e utópicos, conforme dito acima, na afirmação a “lei é lei” os porcos conseguiram
dominar os demais bichos, subjugando-os e dando-lhes uma existência ainda mais miserável
que tinham ao serem “governados” pelos seres humanos.
A “Revolução dos Bichos" é uma fábula, publicada em 1945, sobre o poder que é
implementado através do Direito, advindo de regras postas. Narra a insurreição dos animais
de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa
tirania dos porcos, ainda mais opressiva que a dos seres humanos.
A partir daí, Garganta (outro porco), por ordem de Napoleão, discursa para os outros
bichos a fim de convencê-los de que Bola de Neve roubara as ideias de Napoleão, e que este
era um porco inteligente e honesto. No capítulo 6, foi feita a construção do moinho de vento.
Napoleão anunciou que passariam a comerciar com as outras granjas, para obterem recursos
usados no moinho. Em determinando momento, os animais alegam que isso era contra as
resoluções impostas após a Revolução, mas Garganta os convence de que tal resolução nunca
fora aprovada. Conseguiram um representante para que fizessem o comércio. Os porcos
estavam mudando os mandamentos para se beneficiarem e abusando dos outros animais.
Certo dia, viu-se que o moinho fora destruído durante a noite. Bola de Neve foi
culpado por Napoleão, que ofereceu recompensas por sua captura. A partir daí a situação
começou a piorar na granja e, para enganar o representante, os animais fingiam não estar com
fome e encheram as tulhas para que parecessem cheias.
As galinhas, que foram submetidas a entregar seus ovos, fizeram uma revolta, mas
depois de terem sua ração cortada, desistiram. Começaram boatos de que Bola de Neve
andava pela granja à noite roubando e destruindo. Este era culpado por tudo que acontecia de
errado. Garganta então discursou para colocar os outros animais contra Bola De Neve.
Não obstante, Napoleão matou em uma reunião todos que confessaram ajudar Bola
De Neve. No capítulo 9, o dinheiro da granja diminui e a ração dos animais cada vez mais era
reduzida, apesar dos porcos continuarem engordando. A Granja foi proclamada República e
Napoleão foi eleito presidente.
No capítulo final, passados vários anos da revolução, muita coisa acontece. A granja
estava mais organizada, mas os animais continuavam com pouca comida, com exceção dos
porcos. Certo dia, os porcos foram vistos andando sobre duas patas e usando roupas. Estavam
se tornando iguais a seres humanos. Os mandamentos haviam sumido e havia apenas um
novo. Napoleão passou então a ter amizade com o Sr. Pilkington e convidou-o a visitar a
granja. Este dizia se espelhar na granja, pois os animais trabalhavam muito e comiam pouco.
Cada vez mais Napoleão ia se tornando igual a seres humanos. (ORWEL, 2006).
Se levanta um combate, por toda parte, contra o positivismo a partir da ideia de que há
“leis que não são Direito e que há Direito acima das leis”. Não há dúvidas de que na época do
Nazismo e da publicação da Revolução dos Bichos, o positivismo jurídico com o seu lema
“acima de tudo deve-se cumprir as leis” reinou de modo absoluto. Na visão de Gustav
Radbruch:
Pois bem, objeta-se que com o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda do
Terceiro Reich, as cortes alemãs receberam o intenso desafio de se manifestar sobre o direito
nazista e suas consequências. Em tal período, a lista de monstruosidades cometidas se
enquadrava em um catálogo de horrores. Nenhum meio-século testemunhou tanto massacre
em escala, crueldades, desumanidades, condenação de povos inteiros à escravidão e
aniquilamentos de minorias.
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas.
Em regra, virou apenas um único mandamento: Todos os animais são iguais, mas
alguns animais são mais iguais do que outros.
Pois bem, assinala Robert Alexy (2011) que o principal problema acerca do conceito
de direito é a relação entre direito e moral, vez que apesar de uma discussão de mais de dois
mil anos, duas posições fundamentais continuam se contrapondo: a positividade e a não
positividade. Veja-se que todas as teorias positivistas defendem a tese da separação, pois esta
determina que o conceito de direito deve ser definido de modo que não inclua elementos
morais. Já a tese da separação, postula que não existe nenhuma conexão conceitualmente
necessária entre o direito e a moral, entre aquilo que o direito ordena e aquilo que a justiça
exige, ou entre direito como ele é e como ele deve ser.
Há, porém, uma linha distintiva que pode ser traçada com absoluta clareza: se a
igualdade, que é o cerne da justiça, é repudiada deliberadamente ao editar-se uma regra de
direito positivo, então a regra não só é injusta, mas não possui a verdadeira natureza de
direito, porque este não pode ser definido senão como uma instituição ou ordem das relações
humanas cujo sentido e propósito é servir à justiça.
Pois bem, o conflito existente entre segurança jurídica e justiça, ou seja, entre uma lei
positiva discutível quanto ao conteúdo e um direito justo não positivado, se apresenta, em
verdade, como um conflito da justiça consigo própria, pois trata-se de um conflito entre
justiça aparente e justiça verdadeira. É através desta análise que Gustav Radbruch propõe, nos
seguintes termos, sua reconhecida formulação: O conflito entre a justiça e a segurança jurídica
poderia ser bem solucionado no sentido de que o direito positivo estatuído e assegurado pelo
poder tem prevalência, ainda que por seu conteúdo seja injusto e inconveniente, salvo quando
o conflito da lei positiva com a justiça alcance uma medida tão insuportável que a lei, como
direito injusto, deva ceder lugar à justiça (RADBRUCH, 1980, p. 37).
Na base dessas constatações, Gustav Radbruch esclarece que é impossível traçar uma
linha exata quanto ao que difere a arbitrariedade legal de uma lei válida, porém com conteúdo
injusto. Mas, há, sim, uma outra delimitação que pode ser feita com absoluta exatidão. E esta
se refere aos casos em que não se pretende alcançar a justiça, nos quais a igualdade que
constitui a medula da justiça é negada claramente pelo direito positivo. Nesses casos, não
somente o direito é injusto, mas também carece de qualquer natureza jurídica (RADBRUCH,
1962, p. 38).
Como consequência disso, carecia totalmente de natureza jurídica, não era um direito
talvez injusto, não era direito sob nenhum aspecto.
Não é demasiado referir que Robert Alexy entende que a fórmula radbruchiana, em
uma versão mais extensa, divide-se em duas partes ou subfórmulas (intolerância e negação).
A fórmula da intolerância se dá pela afirmação de que as leis positivas perdem sua validade
jurídica quando sua contradição com a justiça se dá em medida insuportável. A fórmula da
negação surge com a idéia de que as leis que negam, de forma consciente, a igualdade, núcleo
da justiça, perdem sua própria natureza jurídica (ALEXY, 2004, p. 228).
De tal maneira, Gustav Radbruch atinge o ponto máximo de seu racionalismo com a
afirmativa conclusiva de que os direitos humanos estão abrigados em normas supra-estatais, a
que qualquer Direito Positivo deve se coadunar, sob pena de ser considerado inválido.
Por fim, Gustav Radbruch critica a ordenação jurídica nazista com fulcro na
respeitabilidade e imposição forçosas dos valores jurídicos e dos direitos humanos supra-
estatais, os quais afastam de vez qualquer pretensão positivista de justificar todo totalitarismo.
Ainda assim, a priorização material da justiça na segunda fase do pensamento radbruchiano
foi uma necessidade histórica e social de honorabilidade aos direitos humanos a partir do
reconhecimento de que só a justiça e o conjunto dos Direitos Humanos postos como
prioridade efetivada pelo Estado, seriam capazes de realizar a correta acepção dos direitos
humanos que deveriam ser positivados como fundamentais (legais) garantidos às pessoas
humanas.
7 CONCLUSÃO
Nesses casos, não somente o direito é injusto, mas também carece de qualquer
natureza jurídica, isto é, as leis de conteúdo muito injusto, mesmo que vigentes pelos critérios
do ordenamento jurídico a que pertencem, perdem sua natureza jurídica, ou seja, deixam de
ser direito. Disso resulta que a modificação no status da lei não se dá na vigência, mas, sim,
na validade. Desta maneira, conclui-se que a injustiça extrema não é direito.
O ideal jurídico é ideal para o direito, e mais ainda para o direito de uma determinada
época, de um determinado povo e para relações sociológicas e históricas muito específicas,
assim como no livro de Orwel, em que claramente, vê-se que a regra que regia, era uma regra
injusta. No Nazismo também ocorreu da mesma forma. A diferença é que a primeira é
literária, enquanto a segunda, é fato histórico, e que diante da sensibilidade em que houve
injustiça, conseguiu condenar responsáveis e acabar com o regime liderado por Adolf Hitler.
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