Pirataria No Golfo Da Guiné - Estudos Navais
Pirataria No Golfo Da Guiné - Estudos Navais
Pirataria No Golfo Da Guiné - Estudos Navais
Alfeite
2021
João Pedro Silva Piteira
Nome Nome
Alfeite
2021
i
Dedicatória
ii
Agradecimentos
Com o término desta dissertação gostaria de agradecer a várias pessoas sem a ajuda
das quais não me teria sido possível elaborar a mesma.
Por último e em especial, quero agradecer à minha família, a minha mãe Rosa
Piteira, o meu pai José Piteira, a minha irmã Rita Piteira e a minha namorada Ana Cançado
por toda ajuda, paciência e apoio, que foram fundamentais para a conclusão desta parte
da minha vida.
iii
Resumo
O Golfo da Guiné constitui uma importante região no Atlântico Sul com 70% da
produção de petróleo de África concentrada na região. Esta fonte de recursos energéticos
realça a importância do mar, meio através do qual 90% das importações e exportações do
continente africano são efetuadas.
Os crimes de Pirataria e Assalto à Mão Armada no mar são uma constante na região,
com um aumento abrupto nos últimos anos, do qual resultou o aumento da insegurança
marítima na região que afeta todos os estados que ali têm algum tipo de interesse.
iv
Abstract
The Gulf of Guinea is an important region in the South Atlantic with 70% of
Africa's oil production concentrated in the region. This source of energy resources
highlights the importance of the sea, through which 90% of imports and exports from the
African continent are carried out.
Piracy and armed robbery crimes at sea are a constant in the region, with an abrupt
increase in recent years, resulting in an increase in maritime insecurity in the region,
which affects all states that have some kind of interest there.
The political, economic and geographical importance of the Gulf of Guinea region
has been attracting the attention of the international community for solving this problem.
This dissertation is a case study and uses a critical thinking reasoning, having been
carried out an extensive bibliographical analysis and semi-structured interviews in order
to understand the causes of Piracy in the Gulf of Guinea and its importance for Portugal.
The precarious situation in which the population lives, governance difficulties, lack
of legislation and criminality in the region were the main causes of Piracy in the Gulf of
Guinea identified. The current most widely used tactic is kidnapping at sea for ransom,
with the number of victims of these attacks rising sharply in recent years.
v
Índice Geral
Introdução ..........................................................................................................................1
Conclusões .......................................................................................................................45
Bibliografia ......................................................................................................................47
vii
Índice de Figuras
viii
Abreviaturas, siglas e acrónimos
EU European Union
UE União Europeia
x
Introdução
Estes crimes de Pirataria e Assalto à Mão Armada são uma preocupante afronta à
segurança marítima do Golfo da Guiné. Em 2020, de acordo com os dados do IMB, 95%
dos raptos realizados no mar ocorreram nesta região (International & Bureau, 2020). Este
problema aparenta, no entanto, estar a adaptar-se às soluções apresentadas até ao
momento pelas organizações regionais e internacionais, que têm realizado um esforço
ativo para a segurança e defesa marítima da região.
1
detetar variações dos dados do último ano face ao histórico recente; a nível geográfico foi
considerada a área compreendida entre a fronteira a Norte do Senegal e a fronteira a Sul
de Angola, a nível conceptual foi considerado o fenómeno da Pirataria e de Assalto à Mão
Armada contra navios, abordando os interesses para a União Europeia e para Portugal.
2
1. Enquadramento Teórico
1.1. Pirataria
Como constituinte de 70% da superfície terrestre o mar é, tal como a terra, um local
onde são cometidos crimes. As primeiras definições de pirataria englobavam todos os
crimes cometidos no mar ou a partir deste, porém o estudo e o maior conhecimento sobre
o tema, ditaram que a pirataria se tornasse um conceito mais restrito e específico.
c) Toda a ação que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um
dos atos enunciados na alínea a) ou b) (Assembleia da República, 1997).
3
De acordo com o relatório anual de pirataria do IMB, em 2020 foram reportados
195 incidentes de pirataria e “assaltos à mão armada contra navios”, um número superior
em comparação com 2019, em que foram relatados 162 incidentes. Esta diferença é
atribuída a um aumento dos relatos da Pirataria e Assaltos à Mão Armada dentro da região
do Golfo da Guiné, bem como a um aumento da atividade de Assaltos à Mão Armada no
Estreito de Singapura. Os números de 2020 são agrupados em 161 embarcações
abordadas, 20 tentativas de ataque, 11 embarcações alvejadas e 3 embarcações
sequestradas (International & Bureau, 2020).
A União Europeia considera o Golfo da Guiné como a área que, “[…] abrange os
6.000 km de costa desde o Senegal até Angola, incluindo os arquipélagos de Cabo Verde
e São Tomé e Príncipe, (EU, 2014, p.1). Compreende deste modo a área geográfica a sul
do Deserto do Saara, incluindo os países africanos do Atlântico e os seus domínios
marítimos desde Cabo-Verde, no Norte, até Angola, no Sul. Consistindo em dezanove
países litorais e arquipelágicos da África Ocidental e Central (Council of the European
Union, 2014).
4
1.2.3. Características do Golfo
De acordo com a IMO mais de 90% das exportações e importações dos estados
africanos são efetuadas por mar. As trocas internacionais são assim críticas para a
economia de muitos destes estados. Com a previsão do aumento da população
Subsaariana para o dobro até 2050, o transporte marítimo seguro é, portanto, a chave para
o comércio e crescimento de sucesso na África e é fundamental para o desenvolvimento
sustentável das economias dos Estados africanos (International Maritime Organization
(IMO), 2015). O Golfo da Guiné, devido ao seu posicionamento geográfico, apresenta
uma grande facilidade de acesso a outras regiões do mundo (Osinowo, 2015)
Para além disso, todo o potencial energético dos países do Golfo da Guiné tem
chamado à atenção dos maiores consumidores mundiais de energia. Enquanto no passado
as maiores potências externas procuravam novos territórios, hoje as grandes potências
procuram o acesso e controlo das amplas reservas de hidrocarbonetos existentes na região
(Luz, 2016).
Os atos de pirataria na costa do Golfo da Guiné têm sido menos evidenciados, embora se
manifestem há mais de uma década, graças à grande ascensão da ação dos piratas da
Somália principalmente na década de 2000, o que atraiu para esta zona a atenção da
comunidade internacional. Contudo, recentemente a dinâmica da pirataria em África
5
sofreu uma inversão significativa. Enquanto o número de ataques na costa da Somália
decresceu rapidamente a partir de 2011, muito devido ao aumento do patrulhamento
naval, os incidentes no Golfo da Guiné começaram a aumentar a partir de 2010. Em 2012,
os números de incidentes equilibraram-se entre as duas regiões, porém em 2013 os atos
de pirataria na costa da Somália não tinham praticamente expressão, enquanto no Golfo
da Guiné atingiram uma expressão significativa sendo presentemente a região do globo
mais afetada por este fenómeno (Luz, 2016).
O país mais relevante, no contexto desta da análise é, de longe, a Nigéria, embora seja a
segunda maior potência económica da África Subsaariana e o mais populoso país africano
(estima-se que ultrapasse os Estados Unidos e se torne o terceiro país mais populoso do
mundo até 2050, e também que a população da África Ocidental ultrapasse a marca de
300 milhões de pessoas até 2050). A Nigéria, apesar de ter também as maiores forças
armadas do Golfo da Guiné, é considerada o principal foco dos problemas desta região,
muito devido ao facto de não ser capaz de estabilizar a região do Delta do Rio Níger, área
densamente povoada e de onde deriva a maior parte do petróleo explorado em terra
(Portela Guedes, 2020). De acordo com os dados do IMB, apenas em 2020, registaram-
6
se 35 incidentes de Pirataria e Assalto à Mão Armada nas águas nigerianas, dos quais
resultaram 62 raptos (International & Bureau, 2020).
A Nigéria iniciou em 2019 o Deep Blue Project (DBP), que visa abordar de forma
abrangente a insegurança e criminalidade nas águas territoriais e na zona económica
exclusiva do próprio país. Estima-se que foram investidos 195 milhões de dólares por
parte do governo nigeriano neste projeto, envolvendo a aquisição de novos ativos, a
criação de novas infraestruturas, a partilha de informações entre agências e o treino
aperfeiçoado dos serviços de segurança, entre outros (STABLE-SEAS, 2021).
1
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)
7
Económica Africana, a ECOWAS foi criada para promover o ideal de autossuficiência
coletiva para os seus estados-membros por meio da cooperação económica As atividades
económicas integradas geram um PIB total de 734,8 biliões de dólares, que gira em torno
de diversos sectores de atividades económicas como a indústria, os transportes, as
telecomunicações, a energia, a agricultura, os recursos naturais, o comércio, as questões
monetárias e financeiras bem como dos assuntos sociais e culturais (Economic
Community of West African States(ECOWAS) | ., n.d.)
2
Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC)
8
assumiu-se como uma ferramenta institucional permanente de cooperação destes Estados
ribeirinhos do Golfo da Guiné, com vista à defesa dos seus interesses comuns e à
promoção da paz e do desenvolvimento socioeconómico assente no diálogo e
concertação, baseados nos laços de amizade, solidariedade e fraternidade que os unem
(The Gulf of Guinea Commission - CGG - GGC, n.d.).
9
Figura 2 – Arquitetura de Yaoundé
10
Figura 3 - Centros de Coordenação, Arquitetura de Yaoundé
Fonte: GoGIN | Yaoundé Architecture
11
1.4. Atuação de Portugal
Portugal importa 42% do seu petróleo de África, sendo que 21,5% é proveniente de
Angola e 4,6% da Nigéria (Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), n.d.).
Relativamente ao gás natural, 52,1% é proveniente da Nigéria como demonstrado no
gráfico abaixo. (Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), n.d.).
Fonte: DGEG
É evidente que o Golfo da Guiné representa uma área com um enorme interesse
estratégico para Portugal, não só por motivações políticas, como também económicas e
geográficas.
Dos 19 países que constituem o Golfo da Guiné, fazem parte cinco estados-membros
da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, nomeadamente Cabo Verde, São Tomé
12
e Príncipe, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e Angola, estando presentes na região mais
de metade dos estados-membros da Comunidade que inclui um total de 9 países (CPLP -
Comunidade Dos Países de Língua Portuguesa, n.d.). A presença de tantos países
pertencentes à CPLP, confere a esta região uma importância acrescida a nível diplomático
e as relações já estabelecidas entre estes estados e o estado português são um privilégio
para a realização de acordos.
A Marinha Portuguesa conduz também a iniciativa Mar Aberto criada em 2008 como
um contributo de Portugal para o esforço internacional de capacitação dos países do Golfo
da Guiné em matéria de segurança marítima e combate às atividades ilícitas no mar. Este
exercício inclui atividades marítimas no Golfo da Guiné e costa ocidental africana, com
particular incidência na cooperação com Forças-Armadas e Guardas Costeiras dos países
da região com os quais possuímos maiores ligações (Bronze, 2018).
Esta iniciativa tem como visão global, a governação e a segurança no mar, entendida
em sentido amplo, incluindo a poluição e perdas ambientais, o roubo de recursos
energéticos, a pesca ilegal e o tráfico de pessoas e de bens, assim como a criminalidade
organizada e o terrorismo. Visa ainda a prosperidade económica e a criação de empregos
e oportunidades para a população local (Bronze, 2018).
14
O navio hidrográfico Almirante Gago Coutinho realizou uma dessas missões de
cooperação, entre 31 de dezembro de 2020 e 13 de fevereiro de 2021, desenvolvendo um
conjunto de atividades, com especial enfoque nas capacidades científicas do navio.
(Portuguesa, 2021)
Já em 2021 o navio NRP Setúbal largou da Base Naval de Lisboa para realizar a sua
primeira missão fora de área, o Mar Aberto 21.1., que incluiu também a participação no
exercício multinacional OBANGAME EXPRESS 21 e ainda no projeto-piloto da União
Europeia para o Golfo da Guiné, as Presenças Marítimas Coordenadas.
A Estratégia da União Europeia para o Golfo da Guiné (EUEGG), foi aprovada pelo
Conselho da UE a 17 de março de 2014 e define a segurança marítima como "um conjunto
de assuntos do domínio marítimo global, em que o direito internacional e o direito
nacional são aplicados, a liberdade de navegação é garantida e os cidadãos,
infraestruturas, transportes, o meio ambiente e os recursos marinhos são protegidos”
(Council of the European Union, 2014). Isto implica salvaguardar os interesses
geopolíticos e económicos da União Europeia (EU) no mar, uma vez que esta “depende
de mares e oceanos abertos, protegidos e seguros para o desenvolvimento económico,
comércio livre, transportes, segurança energética, turismo e bom estado do meio
marinho” (Council of the European Union, 2014).
15
A proximidade da região com a Europa, com fácil acesso, dá-lhe uma vantagem
comparativa sobre o Oriente Médio para as necessidades europeias de petróleo, (Council
of the European Union, 2014). Estes dados demonstram que a preocupação da UE com a
insegurança do Golfo da Guiné esteve patente na análise feita aquando da delineação da
EUEGG, onde se refere que a UE e os países da região têm em comum um largo interesse
económico, de desenvolvimento, comercial e de segurança (Pereira, 2020).
A análise estatística foi realizada com o objetivo de detetar variações dos dados do
último ano face ao histórico recente. Assim foram analisados os dados referentes ao
período compreendido entre 2016 e 2021.
17
1.7.1. Localização dos Incidentes
50
45
40
35
30
25
20
15
10
0
Águas Internacionais Águas Territoriais No porto
Fonte: IMO
Como podemos verificar pelo gráfico anterior, houve uma tendência progressiva até
2020 de aumento significativo no alcance operacional dos piratas, manifestado pelas
distâncias a que se encontram das linhas de costa ao longo das quais conduzem as suas
atividades. Esta tendência verificou-se também durante os primeiros meses deste ano,
onde dos 25 incidentes reportados, 16 foram realizados para lá das 12 milhas náuticas.
18
18
16
14
12
10
0
Águas Internacionais Águas Territoriais No porto
Fonte: IMO
70
60
50
40
30
20
10
0
Armamento leve Facas Rockets Outros Sem/Sem
informação
Fonte: IMO
140 133
120
100 93
84
80
58
60
40
40
20
20
O sequestro de tripulantes tem sido relativamente consistente nos últimos 5 anos,
geralmente visando o capitão, mas também outros elementos da tripulação (especialmente
capitães e tripulantes não africanos). Contudo, de acordo com o gráfico da página anterior,
os indícios de sequestros em massa surgiram no final de 2019 e prevaleceram em 2020.
Em 2021, o rapto no mar para resgate constitui-se como a atividade criminal mais
lucrativa e assenta sobretudo no rapto de cidadãos ocidentais e asiáticos, que representam
aproximadamente 66% dos raptados.
2021
Vitimas de Sequestro
Nº de Incidentes
23 24 25 26 27 28 29 30
Fonte: IMO
Inicialmente os ataques piratas incidiam mais sobre grandes navios, tais como
petroleiros, cargueiros e navios de apoio offshore. Desde 2020 tem-se registado uma
21
maior incidência de ataques de pirataria a navios de pesca. Tal pode ser explicado pelo
novo paradigma dominante de rapto de tripulantes para resgate e, como o alvo é a
tripulação, e não o navio ou a carga, todos os tipos de navios são suscetíveis a ataques.
Por outro lado, os navios de pesca podem ser alvos mais fáceis de atacar, por serem mais
vulneráveis. Também é possível que o envolvimento de navios de pesca em atividades
ilícitas, nomeadamente a pesca ilegal, não regulamentada e não declarada, os esteja a
tornar mais suscetíveis aos ataques de pirataria (CEMLAWS Africa, 2020).
A One Earth Future (OEF), uma fundação não governamental que rastreia as
tendências anuais da pirataria, estimou que a insegurança marítima na região custou 818,1
milhões de dólares em 2017, e 793,7 milhões de dólares em 2016. Os bens roubados
correspondem apenas a uma pequena fração desses valores, a maioria dos custos destes
reflete as despesas associadas à dissuasão de ataques armados a navios, por meio de
atividades navais governamentais e / ou proteção de embarcações contratadas de forma
privada, à perigosidade e a custos de seguro para navios e carga (Husted, 2019).
23
Figura 12 - Pobreza Multidimensional por país no Golfo da Guiné;
Fonte: Stable-Seas.
Os governos terão assim que enfrentar de forma mais agressiva aqueles que procuram
realizar atos de criminalidade marítima, não só a Pirataria e Assalto à Mão Armada no
mar, mas também o roubo de pescado, minerais e outros recursos (Africa Center for
Strategic Studies, 2019).
24
julgamento da pirataria e da fragilidade nas penas aplicadas e nos processos judiciais. Em
vários estados costeiros, as marinhas e a guarda costeira sofrem com a falta de suporte
legal que as considere como parte do processo penal, contando com a polícia e outras
agências governamentais para dar notícia do crime e assim iniciar o devido processo de
acusação. Por exemplo, na área de conflito do Delta do Níger, o julgamento de suspeitos
de pirataria e roubo de petróleo pode ser prorrogado por vários meses devido à
disponibilidade reduzida de oficiais de justiça, permitindo a muitos suspeitos recuperar a
sua liberdade, após um curto período de tempo de prisão (Osinowo, 2015).
Embora a legislação internacional permita que os países atuem além das águas
territoriais, aspetos operacionais afetam a aplicação desses instrumentos jurídicos. A
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) nos artigos 101 a 103
e 105 a 107, confere aos países a faculdade de operar em águas internacionais (jurisdição
universal), infelizmente, o código penal de muitos países não é suficiente para alcançar
resultados positivos em áreas fora da jurisdição nacional (MAURICIO, 2019).
Até ao momento a Nigéria, sendo o país mais afetado, foi o único a aprovar leis
nacionais contra a Pirataria e Assalto à Mão Armada no mar, nomeadamente, a
Suppression of Piracy and Other Maritime Offences Act (SUPMOA), aprovada em 2019.
Esta lei dá efeito à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) de
1982, e à Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação
Marítima (SUA) de 1988 e os seus Protocolos, e visa prevenir e suprimir a Pirataria,
Assaltos à Mão Armada e outros atos ilícitos contra navios, aeronaves e outras
embarcações marítimas, independentemente da sua propulsão, incluindo plataformas
fixas ou flutuantes. (Nigerian Agency, 2019).
25
1.8.4. Criminalidade na Região
A pesca ilegal, não regulada e não declarada no Golfo da Guiné é também um grave
e preocupante problema que está a custar aos estados costeiros cerca de 350 milhões de
dólares por ano, representa uma séria ameaça ambiental para os stocks de pescado e o
potencial colapso geral da indústria pesqueira. No total, é estimado que as capturas nas
regiões costeiras do Golfo da Guiné sejam até 40% maiores do que o relatado.
26
1.8.5. Importância do trabalho de investigação
Para esclarecer melhor estes temas foi assim realizado este trabalho de investigação
de forma a esclarecer as questões desta dissertação integrando-as na informação colhida.
27
28
2. Metodologia
29
da Guiné?”, “Qual o interesse do Golfo da Guiné?”, “Quais os beneficiários dos ataques?”
e “Como evoluíram as táticas de Pirataria no Golfo da Guiné?”. Seguidamente, definiram-
se os objetivos de investigação, que originaram das questões central e derivadas. A
primeira fase concluiu-se com a delimitação da pesquisa, definição dos conceitos
estruturantes, construção do modelo de análise e elaboração do projeto de investigação.
31
32
3. Apresentação dos dados
Com base nas respostas dos CMG Cavaleiro Ângelo, CFR Lucas da Silva, CFR
Fonte Domingues, CFR Dias Marques e CFR Pereira da Silva à primeira pergunta ,
identificam-se como principais fatores condicionantes da Pirataria e Assalto à Mão
Armada no Golfo da Guiné:
33
3.2. Respostas à questão nº2
- Este ciclo vicioso leva a que as comunidades permaneçam na pobreza, uma vez
que todas estas atividades criminosas não geram postos de trabalho ou qualquer tipo de
enriquecimento para a população, resultando apenas no crescimento das economias
paralelas e potenciando a lavagem de dinheiro que pode até ser utilizado noutras
atividades criminosas.
34
mais peritos nesta matéria para acompanhar a situação, desde negociadores,
intermediários, analistas de risco, empresas de segurança.
35
- A nível militar a importância advém da sua ligação à componente política e
económica. Todos os interesses militares na região advêm dos interesses políticos das
potências que ali transacionam, isto é, a proteção dos interesses económicos é mantida
através dos interesses militares pelo vetor da cooperação.
36
- Realça-se que durante a participação do NRP Setúbal na iniciativa Mar Aberto
21.1, assim como dos demais navios da União Europeia, Espanha, França e Itália, a
desenvolver ações conjuntas no âmbito do projeto-piloto, da União Europeia,
denominado “Presenças Marítimas Coordenadas”, o número de ataques de pirataria
reduziu substancialmente, comparativamente ao mesmo período no ano transato.
37
- O maior obstáculo encontrado é a coesão e o trabalho de equipa de 19 países, que
possuem fronteiras marítimas no Golfo da Guiné.
38
4. Discussão dos resultados
Outro importante fator que contribui para a magnitude deste problema reveste-se
na escassa legislação nacional, dos vários países litorais, para a criminalização da
pirataria, na falta de eficácia dos processos judiciais e das penas aplicadas, de acordo com
39
o Capitão-de-Fragata Lucas da Silva, pode até ser considerada um fator de “estímulo”
para a criminalidade. Esta omissão legislativa e a prorrogação dos processos por períodos
muito extensos levou à criação por parte dos piratas de um sentimento de impunidade.
Atualmente apenas a Nigéria apresentou soluções para este problema, criando em 2019
uma lei para a criminalização dos crimes de pirataria, em linha com os artigos da
convenção das Nações Unidas sobre o direito no mar (Nigerian Agency, 2019).
Ainda existe muito trabalho a efetuar neste campo, para resolução da problemática
da pirataria, que exige também, como referenciado pela maioria dos entrevistados, uma
melhor coordenação na maioria dos estados costeiros entre as marinhas, guardas
costeiras, polícias e outras agências governamentais, para que se torne mais eficaz e
eficiente a ação no mar, no sentido de garantir a segurança marítima.
40
posicionamento geográfico com grande facilidade de acesso a outras regiões do mundo
como Europa e os Estados Unidos da América.
Relativamente a Portugal, este importa 42% do seu petróleo de África, sendo 21.5%
proveniente de Angola e 4.6% da Nigéria, importando também deste país 52,1% do gás
natural (Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), n.d.). A nível político Portugal
é uma das principais potências envolvidas com fortes ligações ao Golfo da Guiné uma
vez que 5 dos 9 países da CPLP se encontram nesta região (CPLP - Comunidade Dos
Países de Língua Portuguesa, n.d.). Portugal mantém, desta forma, programas bilaterais
de longa duração de Cooperação e Defesa com diversos países, de onde se realçam dois
desses programas, a iniciativa de Capacitação Conjunta de São Tomé e Príncipe com a
presença do NRP Zaire na região desde 2018 e a iniciativa Mar Aberto, iniciada em 2008
e desde 2014 com uma presença anual de um meio naval na região (Europeia, 2020).
Atualmente fruto desta iniciativa Portugal coloca no Golfo da Guiné um navio seis meses
por ano, tendo já em 2021 o NRP Setúbal executado a missão Mar Aberto 21.1 onde
participou em diversos exercícios de cooperação internacional.
Esta adaptação é também fruto de uma maior sofisticação dos meios utilizados nos
ataques. Os piratas utilizam agora navios com maior capacidade oceânica, recorrendo a
“Mother ships” para estender o seu alcance e melhorar as suas capacidades, como
mencionado pelo Capitão-de-Fragata Dias Marques.
42
mercado negro ou rapto e pedidos de resgate, como forma de financiamento para outras
atividades ilegais, tais como o tráfico e o terrorismo.
43
44
Conclusões
Através desta dissertação, foi possível realizar uma avaliação deste fenómeno para
uma melhor compreensão do mesmo, nomeadamente através da análise documental e das
entrevistas efetuadas.
Foi também possível concluir que os ataques se têm realizado a distâncias cada vez
maiores de costa, fruto da adaptação dos piratas à melhoria na intervenção das marinhas
e guardas costeiras dos estados litorais. Verificou-se ainda que a grande tendência nas
45
táticas de ataque atualmente recai no rapto no mar, no sentido de efetuar pedidos de
resgate, o que se tem mostrado como um modelo de negócio lucrativo.
46
Bibliografia
Africa Center for Strategic Studies. (2019). Trends in African Maritime Security. Africa
Center for Strategic Studies, 1–6.
BP. (2021). Statistical Review of World Energy. Review World Energy Data, 70, 8–20.
CEMLAWS Africa. (2020). GULF OF GUINEA PIRACY The Old, the New and the Dark
Shades. 2(1)..
Comission, E. (n.d.). Eurostat- From where do we import energy? Retrieved August 18,
2021, from https://ec.europa.eu/eurostat/cache/infographs/energy/bloc-
2c.html#carouselControls?lang=en
Council of the European Union. (2014). EU Strategy on the Gulf of Guinea. 32(0), 1–12.
http://www.consilium.europa.eu/Newsroom
CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. (n.d.). Retrieved June 2, 2021,
from https://www.cplp.org/Default.aspx?AreaID=22
47
GoGIN | Yaoundé Architecture. (n.d.). Retrieved April 1, 2021, from
https://www.gogin.eu/en/about/yaounde-architecture/
International, I. C. C., & Bureau, M. (2020). ICC-IMB Piracy and Armed Robbery
Against Ships Report 2020. April, 1–28.
Krause, J., & Hansen, S. (2015). Piracy and Maritime Crime in the Gulf of Guinea:
Experience-based Analyses of the Situation and Policy Recommendations. Kieler
Analysen Zur Sicherheitspolitik, 41(41).
Nations, U. (1982). United Nations Convention on the Law of the Sea. Ocean
Development and International Law, 26(4), 391–412.
https://doi.org/10.1080/00908329509546068
NATO Strategic Direction -South Hub. (2021). WEBINAR REPORT Gulf of Guinea :
Improving Maritime Security How can coordination on education , training and
exercises in the region be improved ? March.
Nigerian Agency, M. A. and S. (2019). Piracy and Armed Robbery in the Gulf of Guinea
& the Suppression of Piracy & Other Maritime Offences Act (SUPMOA) 2019.
Okafor-Yarwood, I., Pigeon, M., Amling, A., Ridgway, C., Adewumi, I., & Joubert, L.
(2020). STABLE SEAS: GULF OF GUINEA. 124.
Portela Guedes, H. (2020). Atlantic Centre: Maritime piracy in the gulf of guinea.
Janus.Net, 11(1), 112–119. https://doi.org/10.26619/1647-7251.11.1.01
Risk-Intelligence. (2021). Gulf of Guinea piracy : Threat analysis and trends Gulf of
Guinea piracy : Threat analysis and trends. March, 1–6.
Santa, 1TEN M José Miguel Neves de Sousa Assis. (2021). BEST MANAGEMENT
PRACTICES (BMP) WEST AFRICA, NO CONTEXTO SECURITÁRIO MARÍTIMO
NO GOLFO DA GUINÉ.
The Gulf of Guinea Commission - CGG - GGC. (n.d.). Retrieved June 2, 2021, from
https://cggrps.com/en/the-gulf-of-guinea-commission/
49
Anexo A – Respostas das Entrevistas
O facto de muita da legislação nos países do Golfo da Guiné não contemplar o crime
de pirataria, pode até ser considerada um fator de “estimulo” para a criminalidade,
nomeadamente para a pirataria. Os aspetos da falta de ordenamento jurídico e as
condições de pobreza são por isso explorada pelos chefes dos grupos de crime organizado
que atuam naquelas águas e que fazem uso das lacunas na componente legal dos estados
para manter as suas operações.
A pirataria para alguns Estados pode até ser considerado um problema minoritário,
como é o caso da Nigéria onde centenas de pessoas são raptadas por dia por organizações
terroristas/criminosas o que leva a que os crimes ocorridos no mar, envolvendo um
número de vítimas muito inferior, tenham um impacto menor para o país em questão.
Aspeto que pode até ser desvalorizado pelas autoridades, em detrimento dos outros crimes
ocorridos em terra. As redes criminosas possuem uma grande capacidade de se adaptar o
que lhes permite prosperar apesar da pobreza dos Estados.
Este ciclo vicioso leva a que as comunidades permaneçam pobres uma vez que
todas estas atividades criminosas não geram postos de trabalho ou qualquer tipo de
50
enriquecimento para a população, resultando apenas no crescimento das economias
paralelas e potenciam a lavagem de dinheiro que pode até ser utilizado em outras
atividades criminosas.
Temos visto que existe também um aumento do número de relatos, isto fruto de
uma maior vigilância por parte dos navios que transitam na região.
53
7. Falta uma maior capacitação das guardas costeiras locais, replicar as
táticas desenvolvidas na Somália apesar das diferenças das regiões. A legislação é
também um grande desafio. Apenas com a lei SUPMOA da Nigéria. Pouca capacitação
internacional para atuar no bloco legar. A geografia da região também dificulta a
intervenção mais assertiva pela imensidão de mar. Carece de uma maior harmonização
de procedimentos e de troca de informação.
54
Por outro lado, há laços históricos que nos responsabilizam, assim como a outros
países, como é o caso de Bélgica, Espanha, França e Reino Unido.
Além disso, Portugal deu um forte apoio à iniciativa das Presenças Marítimas
Coordenadas da UE, cujo projeto piloto decorre desde janeiro na região, com participação
do NRP Setúbal, a par de navios das marinhas de Espanha, França e Itália.
A nível legal/judicial, ainda estão a ser dados os primeiros passos no sentido das
condenações efetivas, designadamente na Nigéria, que é o centro de gravidade do
problema.
55
Capitão-de-Fragata Dias Marques
Para se ter uma ideia em números, cerca de 70% do petróleo produzido em África
vem da região do Golfo da Guiné, correspondendo a aproximadamente 5% das reservas
mundiais de petróleo. Também cerca de 4% do pescado (legal) consumido em todo o
mundo é proveniente desta região.
Não podemos deixar de referir que geograficamente o Golfo da Guiné é uma zona
de acesso facilitado ao mar, permitindo o transporte, embarque e desembarque de grandes
quantidades de matéria-prima e produtos transformados, pela via mais barata (via
marítima).
57
Portugal a nível económico depende também muito das matérias-primas e recursos
naturais, para se ter uma ideia, nos últimos anos, 100% do petróleo importado via
marítima é proveniente desta região, tendo como cabeça de lista Angola e depois Guiné
Equatorial. Da Nigéria, importa cerca de 40% do gás natural que é consumido em
Portugal.
A nível político e social refira-se que 5 dos 6 países da CPLP de África se encontram
na área enquadrada do Golfo da Guiné, onde existe uma elevada comunidade de cidadãos
portugueses, assim como de cidadãos desses países a viver ou estudar em Portugal (ou
com dupla nacionalidade). Também a nível social, político e cultural, uma enorme fatia
da população mundial que diariamente fala a língua portuguesa, habita na região.
Por não haver uma coesão dos diversos países no combate à insegurança marítima
na região e que se tem assistido à proliferação de embarcações “privadas” e respetivas
equipas de proteção que hoje assumem autênticas funções de agentes de segurança,
nomeadamente em águas nigerianas. Embora atuando, teoricamente, sob a supervisão das
marinhas locais, na realidade estes navios parecem seguir as suas próprias diretrizes,
58
situação que comporta vários riscos e obviamente está longe de ser ideal em termos do
combate à pirataria.
Numa análise mais fina, apesar dos Assaltos à Mão Armada, tentativas e ataques de
pirataria ocorrerem numa área bastante grande, se considerarmos apenas os ataques de
pirataria ocorridos (os restantes são na maioria roubos os Assaltos à Mão Armada em
portos ou águas territoriais), estes verificam-se essencialmente sobre a zona da Nigéria,
Camarões, Benim, Togo e águas do arquipélago de São Tomé e Príncipe, que fica ali no
meio, e organizados ou liderados pelo grupo terrorista do Boko Haram, e com o qual
59
muitos estados não estão interessados em se debater, por considerarem que é um problema
da Nigéria e não o quererem, por receio, no seu próprio país.
Por fim e, como se não bastasse, temos os problemas sociais de educação, saúde,
emprego e de pobreza extrema que enquanto não forem trabalhadas ou criadas políticas
sociais eficazes, dificilmente se conseguirá que a população deixe de procurar formas
alternativas de obtenção de recursos para sobreviver.
60
frente das forças de segurança e das próprias medidas adotadas pelas companhias de
navegação. Os elementos que efetuam a abordagem estão bem treinados e dispõem de
informação sobre a navegação na região, sendo que por vezes não tem problemas em
confrontar as forcas de segurança, mas normalmente adotam a tática de procurar outro
alvo uma vez que e mais pratico e eficiente.
5. Suficientes ainda não são uma vez que o problema não está resolvido e
alguns indicadores (nº de elementos da tripulação raptados) estão até a piorar. Mas
existem já um grande número de iniciativas (Arquitetura Youndé, Apoios vários da UE
programas de treino bilaterais, Presenças Marítimas Coordenadas, exercícios OE,
programas da UNODC), sendo que a maioria delas tem objetivos mais abrangentes do
que a pirataria, sendo eventualmente por isso o seu efeito menos visível nesse fenómeno,
no entanto algumas das contribuições podem vir a ser usados e aplicadas para reduzir a
atratividade deste fenómeno.
6. Sem resposta.
7. Tentar passar de uma aplicação isolada de cada iniciativa para uma visão
global. Relativamente à pirataria o centro de gravidade está na Nigéria e aí é que deverá
ser resolvido, mas temos que ter em linha de conta que a Nigéria é um país soberano e
que não aceita facilmente apoio externo, sendo necessário uma política coerente e
61
continua de apoio específico, com liberdade para o país aplicar as suas próprias políticas
e soluções. Não podemos esquecer que a Nigéria enfrenta graves desafios securitários e
a pirataria não está seguramente no top 5
62
Anexo B – Tabela de tratamento de dados
64
- Uma sofisticação e aumento da
violência dos atos;
- Ações cada vez mais distantes de costa,
havendo relatos de ataques
Táticas de pirataria aproximadamente a 200 milhas da costa
ou até um pouco mais;
- A tendência principal, unânime e mais
preocupante, é agora a constituição de
As táticas de pirataria têm evoluído nos
reféns para o pagamento de elevados
últimos anos? resgates;
- Atacantes com melhor armamento;
- O roubo de petróleo bruto na rede de
oleodutos ou de navios, para introdução
no mercado negro, que apesar de ter sido
colocado em segundo plano continua a
existir;
65