Fenomenologia e Religião
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Fenomenologia e Religião
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RESUMO
Esta pesquisa cogita explicitar a fenomenologia como fundamento de “si mesmo” na ipseidade da
elaboração dos aspectos implicados na capacidade de estruturação dos múltiplos conceitos de
religião. Para tanto, iremos contextualizar os principais argumentos atuantes no método
fenomenológico, cujo prisma historicista torna-se contraposto através do escopo religioso
apresentado, sobretudo, pela escola italiana de história das religiões. Assim procedendo,
aplicaremos o método hermenêutico-conceitual na ontologia fenomenológica apresentada por Jean-
Paul Sartre em sua obra O ser e o Nada de 1943, para que possamos entender o conceito de
consciência engajada contextualizada na perspectiva da religiosidade.
ABSTRACT
This research is considering explain the phenomenology as the foundation of "himself" in ipseity
the preparation of the aspects involved in structuring ability of multiple concepts of religion.
Therefore, we will contextualize the main arguments working in the phenomenological method,
which historicist perspective becomes opposed by the religious scope presented mainly by the
Italian school of history of religions. In doing so, we will apply the hermeneutic conceptual method
in phenomenological ontology by Jean-Paul Sartre in his work Being and Nothingness 1943, so we
can understand the concept of consciousness engaged contextualized from the perspective of
religion.
Introdução
1
Doutor em Ciências das Religiões pela UFPB. Professor de Filosofia do Instituto Federal do Acre - IFAC,
Tarauacá, Acre. Membro da Associação Brasileira de Filosofia da Religião - ABFR. Líder do Núcleo de Estudos
e Pesquisas sobre Artificial Intelligence - NEPAI/IFAC/CNPq.
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ampla estabelecer uma condição sine qua non para o mecanismo fenomenológico atuar mesmo
diante do modelo historiográfico da escola italiana de história das religiões, visto que se torna
necessário um ponto de partida exclusivo para a elaboração daquilo que subjaz a realidade
observada. Por outro lado, a incompatibilidade de conclusões sobre pluralidade de perspectivas é
inegável. Assim procedendo, o modelo adotado por nossa pesquisa estabelece um diálogo com a
escola italiana de história das religiões, isso porque é sobre a luz desta tradição que perceberemos o
método comparativo, desse modo entenderemos que a religião se torna proveniente dos circuitos
fatores históricos que se mostram na tradição ocidental.
Ademais, o método fenomenológico, antes de qualquer coisa é uma atividade filosófica.
“Podemos dizer que a fenomenologia enquanto parte da filosofia mais criativa, o método mais
arrojado para compreensão daquilo que possa ser manifestado, das impressões que figuram uma
filosofia transcendental dentro do pensamento contemporâneo.” (OLIVEIRA, 2015, p. 12) Assim
procedendo, a necessidade do diálogo com a tradição se mostra viável, isso porque a metafísica
impulsiona a discrepância entre a elaboração concreta sobre a questão do sentido do Ser e o estatuto
da realidade concreta. Nesse sentido, a religião é sustentada pelas verdades metafísicas, cuja
elaboração é principalmente subjetiva. Nesse caso, uma das principais afirmações que conseguimos
obter da tradição que a visão do mundo é apenas possível pela condição ontológica que fundamenta
nosso espírito. Nessa perspectiva, funda-se a religião. A necessidade de uma base que consiga
sustentar a realidade atemporal é introduzida entre mitos e ritos. Podemos tomar como exemplo os
gregos, pois eles apresentam uma perspectiva religiosa que fundamenta sua ética desde o período
clássico na figura de Homero e Hesíodo.
En todo caso, es en Grecia donde tenemos los primeros testimonios de una atención
expresa al hecho religioso. Esta atención tiene tres tipos de manifestaciones. El
primero aparece en el interior del mundo religioso mismo y constituye um simple
desarrollo de la expresión “racional” del hecho religioso a través de los relatos
míticos. En un momento determinado de la evolución de la religión politeísta, ésta
sistematiza los mitos en los que se ha venido expresando su creencia en los dioses
y a través de esa sistematización organiza sus múltiples manifestaciones en um
panteón jerarquizado. En este sentido, Homero y Hesíodo, con sus mitologías y sus
teogonias, constituirían la primera manifestación de la aplicación de la razón, ya de
alguna manera sistematizadora, al hecho religioso. En ellos, como en las mitologías
de todas las grandes culturas de la Antigüedad, más que los rudimentos de la
ciencia de las religiones tenemos los precursores de la teología. Em efecto, más que
describir o estudiar el hecho religioso, los poetas y los grandes “creadores” de los
sistemas mitológicos se dedican a reflexionar sobre lo divino y a ordenar sus
manifestaciones. (VELASCO, 1978, p.19)
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O historiador italiano ostenta um arquétipo bastante satisfatório para afirmar sua tese como,
por exemplo: a religião monoteísta que, foi resultado do processo histórico, no qual a sua base se
encontra no politeísmo 2. É o que podemos chamar de percurso da evolução historiográfica no
processo de desenvolvimento cultural das civilizações, no âmbito político, social e econômico.
A perspectiva histórico-comparativa de Pettazzoni nos aproxima de uma conclusão baseada
em fatores históricos como uma variação de “Ser supremo” entre as varias bases culturais,
proporcionando uma verdade mitológica e funcional como verdade para todos que acreditarem.
Desse modo, o reflexo do monoteísmo primordial é descaracterizado por uma nova perspectiva,
cujas bases estruturais estão voltadas para o etnológico e antropológico, isto é, o homem é detentor
de sua realidade no determinado espaço que existe afim que possa misticamente se habituar aos
costumes e crenças à sua maneira. Vejamos abaixo:
Para o pensador italiano a religião não está apenas fundamentada em uma unidade. Nesse
aspecto o método do historiador italiano é a condição do estudo comparado para que o fenômeno
consiga ser analisado em suas próprias categorias. Assim todas as religiões são provenientes de um
contexto, no qual a realidade é a perspectiva cultural. Feito isso, o caráter hermenêutico apresenta-
2
Hume rejeita a concepção das religiões politeístas passarem a ser monoteístas através de uma linha cronologicamente
correta. Isso porque, o filósofo inglês acredita que nesse oscilar irracional do flux and reflux, existe a possibilidade de
alteração dos estados das religiões por meio de necessidades. Para o filósofo inglês, a religião predominante do passado
era o politeísmo com um intuito de classificar os elementos da natureza e práticas diversas à uma divindade
hierarquicamente mítica. “É um fato incontestável que aproximadamente 1700 atrás [contexto histórico de David
Hume] toda a humanidade era politeísta. Os princípios incertos e céticos de alguns filósofos, ou o monoteísmo, que não
era inteiramente puro, de uma ou duas nações, [...].” Cf. HUME, D. História natural da religião. Tradução de Jaimir
Conte. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 23 [grifo nosso].
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[...] para cumprir sua função, isto é, a formação de uma consciência histórico-
religiosa, longe de restringir o conceito de uma determinada religião assumida
como a religião em sentido absoluto, deve, ao contrário, postular um conceito
bastante largo de religião que compreenda na sua universalidade todas as formas
particulares, resolvendo-se concretamente nisso a própria universalidade da
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fundamentação absolutamente rigoroso, a partir do qual sucedem-se exigências cada vez mais
radicais até atingirmos a evidência apodítica.” (ZITKOSKI, 1994, p. 17)
O método de Husserl, por sua vez, não aparenta haver o mesmo posicionamento cartesiano,
no qual, a afinidade entre sujeito-objeto estaria diretamente ligada a uma hierarquia ou
determinação independente do próprio sujeito que o projeta. Pelo contrário, na intencionalidade o
sujeito se correlaciona com o objeto, essa relação vai se estabelecendo o conhecimento fenomênico
pode ser compreendido. Isso porque, existem várias formas de conhecer as coisas, a princípio, pela
relação consciência-mundo.
Para explicitarmos melhor essa metodologia, devemos recuperar a trajetória que René
Descartes (1596-1650) percorreu para tentarmos abarcar quais as diferenças e críticas entre as
diversas afirmações sobre o conhecimento. Primeiramente, o filósofo francês apresenta seu modelo
filosófico baseado na desconstrução de todo conhecimento antes falho, no qual o tenham enganado
pelo menos uma vez. Esses conhecimentos não são tidos como seguros. Para tanto, o pensamento
cartesiano consegue após essa dúvida hiperbólica apresentar algo que não pode ser duvidado, e que
pode ser caracterizado como primeira instância para uma nova formulação do conhecimento do
mundo físico. O Eu pensante (cogito).
Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar e transportá-lo para outra
parte, não pedia nada mais exceto um ponto fixo e seguro. Assim, terei o direito de
conceber altas esperanças, se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa
que seja certa e indubitável [cogito]. [...] Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por
quanto tempo? A saber, por todo o tempo em que eu penso; pois poderia, talvez,
ocorrer que, se eu deixasse de pensar, deixaria ao mesmo tempo de ser ou existir
[...] Mas o que sou eu portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa?
É uma coisa que duvida que concebe, que afirma, que nega, que quer, que imagina
também e que sente. (DESCARTES, 1983, p. 91-94 [grifo nosso])
Para Husserl, o erro de Descartes foi ter concebido uma substância pensante (ego) que
ordenaria com superioridade a produção de conhecimento. “Pois ao conceber o ego como uma
substância que é o ponto de partida para todo conhecimento, Descartes desconsiderou toda a relação
do eu com os objetos, que é, na verdade, a fonte de todo conhecimento e raciocínio.” (SILVA,
2009, p.46 [grifo autor]) Não tendo outra forma de afirmação do mundo, Descartes parte sustentar a
veracidade de suas afirmações acionando subterfúgios como a ideia de Deus e a segurança nas
matemáticas como critério de validade para as certezas sobre o mundo. Assim, detectado o
problema do conhecimento proposta por Descartes, podemos seguir explicitando como acontece nas
contraposições no pensamento de Husserl, que logo em seguida proporcionaram grande influência
na concepção fenomenológica de conhecimento das coisas para Sartre.
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A forma fundamental desta síntese universal, que torna possível todas as outras
formas de síntese da consciência, é a consciência imanente do tempo.
Correlativamente corresponde-lhe a própria duração imanente, em virtude da qual
todos os estados do eu, acessíveis à reflexão, se devem apresentar como ordenados
no tempo – simultâneos ou sucessivos, - no seio do horizonte infinito e permanente
no próprio tempo imanente. (HUSSERL, 2006, p. 60)
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na medida em que o sujeito transcendental apresenta uma organizada estrutura cognitiva a priori,
cujo todo mundo físico se transforma em conhecimento.
A coisa, tal como se pode compreender graças às faculdades que o homem possui,
é a coisa na medida em que me aparece; é, dada pelas formas da sensibilidade – o
espaço e o tempo – ou seja, é o fenômeno. Igualmente o mundo em que vivemos e
nos é acessível é o que aparece graças às nossas faculdades do conhecimento. Do
mesmo modo o mundo científico, que surge pela contribuição do sujeito, é
fenomênico. Ao lado de fenômeno utiliza Kant o conceito de númeno que significa
a coisa não conhecida, pois só se conhece na medida em que nos aparece, mas
pensada. A coisa que não está submetida às condições do conhecimento é a coisa
em si. (KANT, 2001, p. 12-13)
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realidade humana. Para Sartre essa falta no dirigir-se da consciência acontece pela frustração da
limitação de plenitude que todo homem possui. Essa impossibilidade causa uma “paixão inútil” por
não conseguir se completar enquanto Ser- em-si –, Ser-para-si.
Mas isso significa, com efeito, que o homem é precisamente um Ser em si faltado.
Em consequência, o Ser completo que o assedia constantemente – e com o qual ele
tende a querer se amalgamar – é precisamente o si- mesmo enquanto Em-si. Eis,
então, o desejo ontológico fundamental do Para- si: ser todo inteiro plenitude de
Ser e todo inteiro consciência, ser a síntese da “pedra” e de “Deus”; enfim, todo
coisa e todo consciência, sem a menor fissura interna, mas, ainda assim, sendo
transcendência. Desse modo, todos os projetos originais concretos da “realidade
humana” são elaborados a partir de uma frustração comum: a de não ser Deus.
Todo Para-si projeta ser Deus e, naturalmente, fracassa: a combinação da
transparência da consciência com a opacidade do Em-si equivaleria a tornar o Para-
si um ens causa sui. Destarte, diz-nos Sartre, a realidade humana não é senão uma
“paixão inútil” (YAZBEK, 2006, p. 45)
Assim, a consciência enquanto (nada) sempre busca sua completude. A falta é sua
característica fundamental, pois com isso ela não se confunde com o mundo. “A sua condição
intencional revelou-nos que ela implica em outro ser que não si mesma. Encontramos aí o ser
transfenomenal dos fenômenos.” (SASS, 2002, p. 16) Dessa forma, Sartre por meio do mecanismo
da intencionalidade consegue desenvolver condições de possibilidades para a fuga da determinação
histórico-filosófica que propõem um primado do sujeito em relação aos objetos (mundo-natureza).
O acesso ao Ser das coisas somente é possível pelo mecanismo da fenomenologia ontológica que
tenta compreender os possíveis estatutos ontológicos que as coisas podem apresentar. Isso acontece
não necessariamente enquanto conhecimento, mas como reflexão da correlação entre sujeito e
objeto, ambos no mesmo grau de objetivação existencial. “A ontologia fenomenológica descreve a
estrutura do ser-aí como paixão inútil, como desejo de reconciliar o irreconciliável: a união do ser-
para-si com o ser-em-si.” (JÚNIOR, 2006, p.33)
Essas duas perspectivas necessitam de uma sintonia para que a correlação aconteça. Cabe à
intencionalidade da consciência ordenar seu direcionar-se para outro que não seja ela mesma. Assim
o “nada” da consciência será o viés pelo qual o homem conseguirá ao menos estabelecer
complementos de compreensão da realidade mesmo de maneira vazia e obscura na maioria das
vezes.
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basta, ele é pura e simplesmente, não precisa do para-si para ser. (MÜLLER,
2006, p.18)
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A consciência tem a intencionalidade como elemento irredutível, embora ela não possua
um “conteúdo”, ou seja, ela busca constantemente se completar, porém nunca alcança sua plenitude.
Também é perceptível que o movimento no qual a consciência se constitui em hipótese alguma
pode se coincidir consigo mesma, isso porque ela não possui um dentro para se autorrefletir. Assim
procedendo, na ontologia proposta por Sartre podemos descrever a consciência como uma
espontaneidade pura, isto é, ela pode ser por si mesma independente das coisas do mundo, a saber,
os outros fenômenos.
Essa estrutura humana (consciência) é um distanciamento que está em constante
inadequada com o mundo, na medida em que ela busca se completar consigo mesma ela tende a se
afirmar como nadificar. Isso porque quando ocorre seu lançar-se a consciência tem interesse de se
completar.
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Se concebermos Deus como criador, Ele será na maior parte das vezes, semelhante
a um artífice superior; e qualquer que seja a doutrina que consideremos, quer se
trate a doutrina na como a de Descartes ou como a de Leibniz, admitimos sempre
que a vontade segue mais ou menos o entendimento ou, pelo menos, o acompanha,
e que Deus, quando cria, sabe precisamente o que está criando. (SARTRE, 2012,
p.24)
Do mesmo modo:
Através desse apontamento sobre as questões que envolvem a concepção filosófica dos
modernos, compreendemos que Sartre articula seu pensamento sob uma crítica direcionada à
interioridade. Feito isso, o filósofo francês busca apresentar uma filosofia baseada no vazio da
consciência, isto é, na nadificação de si mesmo. Segundo Sartre, não possuímos uma essência
implantada por Deus. Antes de tudo o homem é pura atividade, esse ininterrupto movimento da
consciência proporciona uma constante movimentação do homem.
Com isso podemos pensar que o dualismo foi superado pelo monismo do fenômeno? A
princípio, isso pode ser possível através do estudo da consciência. Esse conteúdo apresentado nas
filosofias modernas são concepções epistemológicas que sempre parte de uma perspectiva de
compreensão da realidade estabelecendo uma relação entre sujeito-objeto. Diferentemente de Sartre
que não busca conhecer os fenômenos.
Desse modo, constatamos na filosofia sartriana que o conceito de consciência é
diferentemente apresentado do modelo idealista. Uma vez que, para os modernos, sobretudo
(Descartes e Kant) a dualidade entre sujeito-objeto era constantemente discutida sob uma
perspectiva aparentemente hierarquizada do sujeito na estruturação epistemológica. A filosofia
moderna se caracterizou em reduzir o mundo em pressuposto que seriam condição necessária de
acesso a realidades metafísicas e epistemológicas de compreensão das coisas. Em Sartre, esse
método filosófico de conhecer as coisas é criticado. Isso porque não conhecemos as coisas como os
modernos afirmavam. Para Sartre a ontologia é o ponto fundamental de compreender a descrição do
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mundo, sobretudo do homem. A consciência era tratada como uma substância para os modernos.
Em Sartre, a consciência é um dirigir-se para fora de si.
Indubitavelmente, fica explicito que na obra O Ser e o Nada que devemos esvaziar nossa
consciência para que possamos constituir uma verificação ontológica, por meio da fenomenologia
sem dualismos ou vestígios de uma epistemologia tradicional. Isso porque o mundo não está dentro
de nossa consciência, para Sartre a consciência se posiciona diante do mundo e se relaciona
ininterruptamente nem sempre buscando conhecimento.
Na filosofia sartriana, a consciência antes de tudo não possui um dentro, ela é uma
estrutura que se relaciona com as coisas; isto é, ela não é um conhecimento, bem como o
conhecimento não produz a consciência, antes disto a consciência existe enquanto condição de
conhecer o transfenomenal. A consciência é uma abertura para o mundo, portanto ela é um lançar-
se para e total abertura para a se relacionar-se com os fenômenos. Essa estrutura humana
(consciência) é um distanciamento que está inadequada com o mundo, na medida em que ela busca
se completar consigo mesma ela tende a se afirmar como nadificação.
Mesmo com as críticas voltadas ao cogito cartesiano, o pensamento sartriano concorda
com a existência de um fio condutor que inexoravelmente pode ser apontado como recurso
filosófico para a estruturação filosófica do estudo da consciência. “Não é possível existir outra
verdade, como ponto de partida, do que essa: penso, logo existo, é a verdade absoluta da
consciência que apreende a si mesma.” (SARTRE, 2012, p. 46) Podemos perceber que a
consciência para ser consciência tem que voltar a si mesma. Dessa forma, Sartre mostra o conceito
do cogito pré-reflexivo de como ter consciência de conhecer o conhecido. Existe a consciência
posicional (refletida), porém anteriormente a consciência reflexiva atua espontaneamente como, por
exemplo: a contagem de cigarros que ocorre enquanto cogito pré-reflexivo. Desse modo, podemos
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observar que para Sartre antes de uma teoria do conhecimento existe uma ontologia. Essa ontologia
busca descrever o Ser na sua multiplicidade.
Junto a fenomenologia, Sartre apreende a noção de intencionalidade da consciência na
proposta filosófica de renovação e compreensão do homem [religião]. A intenção é algo inerente à
consciência. Isso porque toda consciência necessita existir como consciência de outra coisa que não
seja ela mesma. Assim procedendo, podemos caracterizar a intencionalidade como uma
característica que atua constantemente entre a relação de consciência e mundo. Ao mesmo tempo
em que a intencionalidade atua constantemente o vazio a consciência também se estabelece. Isso
porque o lançar intencionado da consciência necessariamente busca se completar no mundo. Essa
carência de completude se caracteriza por voltar a si mesma, uma vez que ela somente poderá ser
consciência porque não é nada. Adiante, o conceito de intencionalidade mostra quanto a consciência
é vazia. O Para-si busca constantemente plenitude, mas o que caracteriza sua existência é conhecer
a si mesmo como nada. Por sua vez, o Em-si enquanto perfeição está aberto a múltiplas
possibilidades de relacionamento com a consciência.
Mas a possibilidade também pode nos aparecer como estrutura ontológica do real:
aí, então, pertence a certos seres como sua possibilidade, é a possibilidade que eles
são, que têm de ser. Nesse caso o ser mantém no ser suas próprias possibilidades, é
o fundamento dessas possibilidades, e, assim, não cabe de derivar de sua
possibilidade a necessidade do ser. Em uma palavra: Deus, se existe, é contingente.
(SARTRE, 2012, p. 131 [grifo nosso])
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