Cultura Política Brasil
Cultura Política Brasil
Cultura Política Brasil
CULTURA POLÍTICA DE
MASSAS NO BRASIL
JOSÉ ALVARO MOISES
INTRODUÇÃO
AS PRELIMINARES DA QUESTÃO
1Em textos mais recentes, O'Donnell tem atribuido enorme importância a esse
problema que ele designa como decorrente da sobrevivéncia de "estilos" arcaicos
de fazer politica. Ver, por exemplo, O'Donnell, "Transiges, continuidades e alguns
paradoxos’, in REIS e O'DONNELL, A democracia no Brasil: dilemas e
perspectivas, Vértice, SP, 1988, pp. 41-71.
12 LUA NOVA Nº 26 — 92
124 maior parte das pesquisas de opinião, nos últimos cinco anos, tem mostrado
isso amplamente. Ver, por exemplo, Arquivo DATA FOLHA.
13cf. O'DONNELL, “Delegative democracy?", mimeo, CEBRAP, 1990, p. 9.
14effort, Lechner, Páramio e outros chamaram a atenção, corretamente, para a
imporiante mudança de atitude, por exemplo, das esquerdas latino-americanas em
relação à democracia. No entanto, em certas áreas da esquerda brasileira já se
pode notar uma atitude de descrédito em relação à enorme "morosidade" da
engenharia institucional democrática pará enfrentar problemas como a miséria, a
pobreza ¢ as desigualdades econômicas socias
50utro exemplo decorre da inclusão, na Constituição de 1988, dos chamados
mecanismos de participação popular semi-direta na democracia. Apesar da frágil
tradição da democracia representativa, esses novos mecanismos pressupõem
ampla disposição participacionista entre a população, mas isso é bastante
duvidoso, o que leva a sugerir que seu desuso poderá acarretar a sua
desmoralização, bem como a das demais instituições democriticas. Tratei dessa
DEMOCRATIZAÇÃO E CULTURA POLÍTICA 13
20cf, E. LACLAU, Teoria politica marxista, Ed. Paz e Terra, Rio. Em meu
comentário no seminário sobre o livro de F. C. WEFFORT, Por que democracia?,
publicado em M. A. GARCIA e alii, As esquerdas e a democracia, Ed. Paz e Terra,
Rio, 1984 , trato do que me parece ser a natureza anti-democritica do conceito de
hegemonia na tradigio marxista.
16 LUANOVAN®
26 — 92
?23Essa &, por exemplo, a posigio de Barry. Ver BARRY, op. cit.
240 livro de T. H. MARSHALL, Cidadania, Classe Social e Status, Zahar Ed., SP,
1979 continua sendo o melhor tratamento dessa interação a partir das pressoes
societérias no sentido da extensão da cidadania para o caso da Inglaterra. Para
abordagens complementares, os trabalhos de E. P. THOMPSON e E. J.
HOBSBAWN são referéncias indispensivels, particularmente, no que se refere à
enorme imporiancia do Cartismo para a Ingiaterra no século XIX.
18 LUANOVAN®
26 — 92
da lei para dirimir conflitos não forem tomadas como algo que
precisa sobreviver às contingências que, no momento, os tornam
aceitáveis para certos atores, as instituições perdem a sua razão de
ser, se deterioram e, por fim, desaparecem ou tornam-se
desfuncionais?.
Exemplos recentes também confirmam a importância
da interação entre cultura e estrutura políticas. O primeiro caso é
o da própria Alemanha Ocidental que, no texto original de Al-
mond e Verba, foi descrita como portadora de uma cultura polí-
tica, senão paroquial, insuficientemente participativa e democrá-
tica. Neste caso, a questão da congruência entre valores e estrutura
política — outro tema central desse debate — indicaria a pertinên-
cia da experiência do nazifacismo, isto é, explicaria porque as
orientações políticas de massas foram congruentes com as
estruturas autoritárias daquele regime. Duas décadas mais tarde,
no entanto, novas pesquisas mostraram que, sob o impacto da
defesa da democracia pelos partidos e de um desempenho
exemplar das instituições democráticas, os valores democráticos
básicos generalizaram-se entre o público alemão. Mas uma boa
parte da literatura chamou a atenção para os esforços deliberados
. feitos tanto pelas forças de ocupação, imediatamente após o fim
da Segunda Guerra, como por partidos e governos nacionais para
demonstrarem, através da educação e da persuasão, a
superioridade dos valores democráticos básicos' 6. Da mesma
forma, também a Espanha pos-Franco oferece uma indicagio de
que não é indispensivel que haja previamente um consenso
democritico majoritirio (se é que algo desse tipo algum dia
existiu na realidade) para que se estabelega um regime
democritico; mas, além da necessidade de o proprio processo de
transição, ai incluidos o comportamento e as escolhas dos atores
politicos relevantes, promover a expansio ou a generalização
TABELA 1
Atitudes e opiniões dos brasileiros sobre instituições e
participação política: 1972, 1982, 1989 e 1990. Em %
1. Favoráveis a eleições
diretas ou a participar de
eleições 3) 57 & 61 &6 7
2. Favoréveis ao voto dos
analfabetos (4) 38 o 8 9 %6
3. Favoraveis 2 idéia,de
que "o povo sabe votar"
ou "opinar como devem ser
as leis" 6) 0 47 9 52 -
Fonte: Dados para 1972 e 1982: ROCHOM e MITCHELL, "The Whithening Away of
the lfiu(hori(arian State? Social bases of the transition to democracy in
Brazil';
Dados para 1989a, b e 1990: Pesquisa "Cultura Politica e Consolidação
Democrética no. Brasil’. Convénio CEDEC/DATA-FOLHA/Depto. C.
Politica/USP. Ver apéndice para outras informagdes.
(1) Em 1972, a questão referia-se a "dar mais poder aos partidos'; em 1982,
4 capacidade dos partidos de "realizarem uma tarefa útil à sociedade”, em
1989, a possibilidade "de um partido Gnico ser melhor para o país" e, em
1990, a se "os partidos são indispensiveis à democracia’;
(2) Em 1990, a questio referia-se a se o governo tem "o direito de reprimir
ves com o uso de tropas’;
& Em 1972, a questão referia-se a eleições diretas para o cargo de
governadores, enquanto em 1982 para presidente da Républica; em 1989, a
se o entrevistado *votaria se O voto não fosse obrigatório";
@ ãn 1989 e 1990, a questão referia-se a dar o voto “a pessoas sem
estudo";
(5) Em 1989, a questão referia-se a se "o povo sabe opinar sobre como
devem ser as leis".
TABELA 2
Interesse, envolvimento e formas de participação popular no
Brasil: 1989 e 1990. Em %
TABELA 3
Preferência por regime político e atitudes e opiniões em relação
a valores democráticos básicos: 1989 a 1990. Em %
Democracia 52 ú” @
Ditadura 2 7 9
Tanto faz % p 1
Opinides sobre valores democriticos 198%a — 1989b — 1990
TABELA 4
Tipologia da cidadania, interesse e participação política no Brasil
1989a. Em %
Cidadão
Ativo 8l 9 & ú B z
Cidadão
Passivo úÁ” 36 B > @ E
Incongruente 6 % 6 » 3 47
Alienado 47 3 D 0 Á %
(Marginais) (64) 36 70 GO 62 38
g?iz = 139445 160.106 3 0000 48130 3000
= 3 Sig.: 0000 001 001
Seg. a0 nivel = 0.01 51 2
Gamma = 44
Cidadão Ativo 4 49 EJ a 35 22 3%
Cidadão Passivo 5 % D 6 F) 2 %
Incongruente B R ú 1 3 B B
Alienado 0B P 3 47 2 31
(Marginais) M (69 @ a2 6n @6 3D
g; i 220649
= 206, o Df=9
f= Signif.
ignif. = 0000 T4l
2 6 K 0000
Gamma = -40 Gamma = -.12
Fonte: Cultura Politica.
(1) São os seguintes os níveis de escolaridade: 1 = Não frequentam; 2 =
primeiro grau incompleto e completo; 3 = Segundo Grau Incompleto e
Completo; 4 = Superior Incompleto, Completo é Pós-Graduação;
(2) Porte: 1 = Pequeno; 2 = Médio; 3 = Grande
30 LUA NOVA
Nº 26 — 92
TABELA 5
Atitudes e opiniões políticas em São Paulo e no Brasil: 1974 a
1990.
Em %
2. Te
iemedtdte.
ito p/ alte-
30 2 4 8 2 - 02 -
. São favorávei:
?elelçiàvãr;âls [ % ® - - & - - -
4. Szg ízvorãvas
ª?mpª - - - - - d 6 7
Concordam¢/
ealldadede
oscomunl - - 47 - - - -
6. Concordam ¢/
grevegcm m - 9 4$ - e & 7,
7. Nio:g:u;im&n
o voto não fos-
Seobrgatório T - - 2 3 3 42 3 % D
mgl?í'âá'l'o%“ãz%ª
a
devem votar - H 4 4 - 2 4 4
9, Não fe-
ANOBBPELS19 M 3 3 - @ % 6 =
10. São dãsfzvoúveis
((írsz tels'/eãlfxculum
à participação”) - B 5 - B - -5
Fonte: Dados para 1974 a 1988: MUSZINSKI e MENDES (1991)
Dados para 1989 a 1990: Cquun Política
(1) Os dados para 1989a, referem-se a interesse p/ "política mundial”
32 LUA NOVA Nº 26 - 92
TABELA 6
Preferência pelo regime democrático no Brasil e outros países.
Em %.
"A Democracia é
sempre melhor que
qualquer outra forma
de governo" 8 4 S% H|KQR|H o
"Em certas circuns-
tâncias é melhor uma
ditadura do que um
regime democrático" a v 16 1Vl50OÍ/B 476
"Tanto faz se o
governo é uma demo-
cracia ou uma dita-
dura" % 2 6 7/%43|v0 2 3 4
NS/NR 0 15 ¥4 10|45 3 - ==
TABELA 7
Niveis de politizagdo e sofisticação politica dos brasileiros: 1972 e
1989a. Em %
1972 1989a
só Região
Sudeste Brasil Sudeste Rural Urbana
TABELA 8
Níveis de sofisticação do eleitorado brasileiro por tamanho de
município de hab., renda e escolaridade: 1989a. Em %
Baixa Sofisticação — 9 3 38 s1 30 B % 28 10
Média Sofisticagio — 35 2 % 2 %” P » 5 4
Qulz = 92,691 DF= 4 S.lgnlf 000 167 .061 DF = 4.000 330. 172 DF =4 .0000
Signif. a0 nível =
Gamma = .29 50 62
TABELA 9
Níveis de sofisticação política do eleitorado brasileiro por níveis
de escolaridade controlado por posição na estrutura de
ocupação: 1989a. Em %.
Não-manual Manual
Baixa 6 o 7 7 V % 6 1
Média 1 30 41 B 6 B 15 1
Alta 0 0 2 o 2 © 28 10
37A literatura sobre o significado politico dos movimentos sociais no Brasil &
enorme; da mesma forma a que trata da formagdo de partidos politicos entre
meados dos anos 70 e o fim da década de 80. Ver, a propésito, J. A. MOISES et alii,
Cidade, povo e poder, CEDEC/Paz e Terra, Rio, 1982; P. JACOBI, "Movimentos
Sociais Urbanos no Brasil’, BIB — Boletim Informativo Bibliografico, 9, Rio, 1980;
R. C. CARDOSO, "Os movimentos populares no contexto da_consolidagio
democritica® in REIS e O'DONNELL, op. cit., pp. 368-382; B. LAMOUNIER, Partidos
e Utopias, Ed. Loyola, SP, 1989.
40 LUANOVAN® 26 — 92
380 texto seminal sobre esse tema é P. CONVERSE, "The Nature of Belief Systems
in Mass Publics" in D. E. APTER, Ideology and discontent, Glencoe, The Free
Press, 1964, pp. 206-61. Ver, também, do mesmo autor, "Of time and partisan
stability", Comparative Political Studies, 2, Vol. 2, Qul. 1969), pp. 129-171.
DEMOCRATIZAÇÃO E CULTURA POLÍTICA 41
TABELA 10
Consistência de atitudes e opiniões numa democracia de acordo
com a.posição na escala
Democrética 6 B B 7 & E
Intermediária @ 0 o 4 45 5
Autoritdria 46 Á B 7 3 61
(Marginais) 59 En 63 G 62 ÉÉ
i2= DF= Signif:.0000 40404 20000 68316 2 .0000
Signif.: 20 nivel = 001 001
Gamma = .27 Gamma = .28 Gamma = .36
DEMOCRATIZAÇÃO E CULTURA POLÍTICA 43
TABELA 11
Associação entre sofisticação política e posição na escala de
democratismo-autoritarismo: 1989a. Em %
Baixa Satisfação % 38 37
Média Satisfagio 41 36 B
(Marginais) 40 G4 (26)
TABELA 12
Associação entre adesio a valores politicos e posição na escala
de democratismo-autoritarismo: 1989a. Em %
TABELA 13
Associação entre sofisticação política e posição na escala
autoritarismo-democratismo por adesão 2 valores: 1989a. Em %
Sofisticação Democratismo-
Autoritarismo
Alta E n Autoritária 57 8
(Marginais) (6D 3 (Marginais) a1 @9
i2=201224 — DF=2 Signif.: .0000 85102 DF=2 .0000
Sígnif. ao nível = 0.01 001
Gamma = . -60 42
Fonte: Cultura Politica
TABELA 14
Associagdo entre sofisticação politica e posição na escala do
democratismo-autoritarismo controlada/adesio a valor: 1989a.
Em %
Sofisticação
Adere a Valor Não adere a Valor
CONCLUSOES
QUADRO 1
Classificagio de situagbes de consenso/dissenso politico segundo
a proporgio dos que compartilham orientagdes positivas ou
negativas em relação ao regime democritico.